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Guias e Dicas
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metropole na periferia do capitalismo, Notas de estudo de Urbanismo

urbanismo no brasil

Tipologia: Notas de estudo

2017

Compartilhado em 01/12/2017

emilia-raffaele-da-silva-8
emilia-raffaele-da-silva-8 🇧🇷

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Baixe metropole na periferia do capitalismo e outras Notas de estudo em PDF para Urbanismo, somente na Docsity! METRÓPOLE NA PERIFERIA DO CAPITALISMO: ILEGALIDADE DESIGUALDADE E VIOLÊNCIA ERMÍNIA MARICATO Fotos de NAIR BENEDITO / N- IMAGENS São Paulo, julho de 1995 ÍNDICE INTRODUÇÃO PARTE I URBANISMO NA PERIFERIA DO CAPITALISMO: DESENVOLVIMENTO DA DESIGUALDADE E CONTRAVENÇÃO • FATOS DA CIDADE CONTROVERSA • RAÍZES DA ORDEM INVERTIDA: TRABALHO E TERRA • URBANIZAÇÃO DA "INDUSTRIALIZAÇÃO COM BAIXOS SALÁRIOS" • CIDADE, ESTADO E MERCADO: A MODERNIZAÇÃO EXCLUDENTE • FIM DO DESENVOLVIMENTISMO- GLOBALIZAÇÃO E VIOLÊNCIA NOS ANOS 80 PARTE II ENTRE O LEGAL E O ILEGAL - MERCADO E ESCASSEZ • SEGREGAÇÃO AMBIENTAL E EXCLUSÃO SOCIAL • ILEGALIDADE E EXCLUSÃO • ENTRE O LEGAL E O ILEGAL, ARBÍTRIO E AMBIGÜIDADE • DIREITO À OCUPAÇÃO, SIM. DIREITO À CIDADE, NÃO PARTE III SEGREGAÇÃO AMBIENTAL E VIOLÊNCIA URBANA • VIOLÊNCIA URBANA • O "(DES)AJUSTE GLOBAL" OU A NOVA "(DES)ORDEM INTERNACIONAL” E A EXPLOSÃO DA VIOLÊNCIA • A EXCLUSÃO É UM TODO • SEGREGAÇÃO AMBIENTAL E VIOLÊNCIA • EVIDÊNCIA CARTOGRÁFICA DA SEGREGAÇÃO AMBIENTAL NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. À GUISA DE CONCLUSÃO, UM ALERTA MILITANTE PARTE IV AS TESTEMUNHAS DA CIDADE OCULTA AS IMAGENS DA CIDADE OCULTA BIBLIOGRAFIA 2 acontecimentos se dá com o "desenvolvimento moderno do atraso". Não se trata, como nota Maria Silvia de C. Franco, "dualidade integrada" mas sim de "unidade contraditória". (FRANCO 1969). A relação calcada no favor constitui a negação da universalidade dos direitos (embora previstos na ordem legal) ou a negação da cidadania e da dignidade. Ela está na essência da confusão entre a coisa pública e os negócios privados, na confusão entre governo e Estado, na dificuldade de abstração do Estado (pelas camadas pobres) submetido a relações pessoais. Desvinculado da violência que sempre acompanhou a esfera produtiva, o favor pode encobri- la e até alimentar interpretações mais amenas sobre a sociedade brasileira. (SCHWARZ 1973). As características do crescimento econômico, entretanto não deixam dúvidas. Ele é profundamente concentrador. Concentrador de renda, de terra, de poder. Ele é sempre profundamente excludente. Não se trata da exclusão que atinge a Europa e os Estados Unidos no início da década de 70. O fordismo periférico que se inicia no Brasil, após a segunda guerra por exemplo, se desenvolve com exclusão social, diferentemente do que acontecera nos países centrais. Trata-se da modernização com exclusão. Na primeira parte deste livro, um conjunto de dados e fatos, embora não sistemáticos pretendem destacar a articulação contraditória entre norma e infração no espaço da metrópole brasileira. Uma leitura ou representação alienada da cidade perpassa Estado e sociedade, orientando discurso e prática. antagônicos. Especula-se acerca das raízes de situação tão extraordinária quanto habitual. Faz-se referencia a aspectos que marcaram a formação da sociedade brasileira em especial à emergência do trabalhador livre. São feitas referências a alguns aspectos fundamentais que marcaram a formação da sociedade brasileira em especial a emergência do trabalhador livre, sem entretanto, uma preocupação com a sistematização ou o aprofundamento historiográfico. O período que vai de 1930 a 1980, caracterizado pelo intenso processo de industrialização e urbanização, com a forte intervenção estatal na vida econômica e política, mereceu algumas referências numéricas com a finalidade de evidenciar tanto o crescimento econômico quanto a concentração das riquezas, com evidente reflexo na construção das cidades. Cinco décadas de acentuado crescimento populacional urbano marcado pela dinâmica expressa no binômio “crescimento e pobreza”, resultarão numa cruel herança para os anos 80. Nessa década ela será agravada pelo fim do desenvolvimentismo e pela emergência de um novo arranjo internacional, que acarretará a ampliação da desigualdade. A política urbana implementada pelo Estado autoritário, tecnocrático e centralizador que tem origem em 1964, expressa especialmente pela a criação e gestão do SFH/BNH (Sistema Financeiro da Habitação e Banco Nacional da Habitação) e o impacto da lei federal 6766/79 de parcelamento do solo, pretendem mostrar o caráter excludente das medidas modernizantes de produção do espaço urbano. As características do ambiente construído por uma sociedade marcada pela desigualdade e pela arbitrariedade não poderia negá-la. O paradoxo que articula legislação, arbitrariedade e exclusão social é explorado na segunda parte do livro. Destaca-se que a ocupação ilegal de terras é informalmente consentida (ou por vezes até incentivada) pelo Estado que entretanto não admite o direito formal do acesso à terra e à cidade. Isso se dá por conta da articulação entre legislação, mercado e renda imobiliária. A ocupação é consentida inclusive em áreas de proteção ambiental, mas raramente em áreas valorizadas pelo mercado imobiliário calcado em relações capitalistas. É ao contexto do ardil que a exclusão será referenciada. É a cidade oculta, disfarçada e dissimulada que deverá emergir na parte final deste modesto trabalho. Não há uma preocupação rigorosa com a historicidade dos dados durante todo o texto, mas há a pretensão de fundamentar uma leitura da metrópole em sua essência, e também uma leitura mais circunstanciada do período pós 80 na última parte, quando as manifestações de violência criminal evidenciam o que as camadas dominantes insistiram em esconder: a desastrosa construção sócio ecológica, a gigantesca 5 concentração de miséria que resultou de um processo histórico de ocupação excludente e segregadora do solo urbano. Nos anos 80 a desigualdade se aprofunda no Brasil, mas não só aqui. Agora ela se manifesta também nos países centrais que abandonam a era do "consenso social". A empresa e o mercado substituem o papel outrora atribuído à pátria - todos se ajudarem mutuamente contra os concorrentes. (LIPIETZ 1989). Mas o impacto do novo arranjo internacional, que a tudo subordina, à lógica do mercado, tem evidentemente efeitos diferenciados já que no Brasil, ele encontra um cenário de exclusão que é histórico. Nos meados dos anos 90, a chamada violência urbana é um dos temas fundamentais que preocupa todas as camadas sociais. O espaço, o território o ambiente físico é parte intrínseca desse quadro, embora freqüentemente esquecido e ignorado. A preocupação aqui foi a de destacar o espaço físico ou ambiente construído como objeto e sujeito desse processo. Mais do que outros territórios, as metrópoles apresentam com maior evidencia, embora não com exclusividade, os conflitos e as contradições aqui tratados. Por isso as idéias desenvolvidas vão se referir a elas sem uma preocupação de abranger a todas nos dados apresentados , mas buscando referencias paradigmáticas. São Paulo, será a referencia principal do trabalho devido à disponibilidade de informações e devido também às dimensões dos conflitos que apresenta. Alguns mapas do município de São Paulo, realizados com dados estatísticos coletados em várias fontes, mostram até que ponto pode chegar a desigualdade e a segregação na cidade de economia mais dinâmica do país. Essa megaconstrução, até certo ponto desconhecida (em suas reais dimensões sócio-econômicas), cobra hoje, através da violência social, o preço da abstração e do desconhecimento que acompanharam seu crescimento. Ninguém melhor do que os moradores da cidade oculta para descrevê-la. Isto é feito através das letras dos “raps” dos Racionais MC, moradores de um dos bairros mais violentos de São Paulo. A visão daqueles que estão no interior do "caldeirão", que começam a ter voz, constitui uma novidade que atrai multidões de jovens maciçamente negros, aos shows que o conjunto musical apresenta na periferia de São Paulo. Os apartados constróem sua identidade. Um ensaio fotográfico de Nair Benedito mostra as insubstituíveis imagens dos bairros citados na letra de Mano Braun (Domingo no Parque) e também dos bairros que ocupam lugar de destaque quando se trata de indicadores de analfabetismo, mortalidade infantil, número de homicídios, conforme mostram os mapas. A maior parte desses bairros se localizam na zona sul da cidade de São Paulo. Na mesma região que viu os primeiros movimentos populares urbanos da década de 70, movimentos de luta por condições mais dignas de vida, se mobilizarem , desafiando o Regime Militar. As idéias aqui apresentadas, embora restritas ao cenário brasileiro, pretendem contribuir para os estudos que buscam elementos de unidade entre as cidades, e mais exatamente entre as metrópoles do capitalismo periférico. A insistência na especificidade do caso brasileiro não quer significar a negação de características que são universais no mundo capitalista (se é que é possível definir um "mundo capitalista" à parte neste final de século), ou características que são próprias da periferia do capitalismo, ou dos chamados NICs- New Industrialized Countries ou mesmo dos países latino americanos. Reconhecer especificidades só deverá contribuir para melhor entender o que dá unidade a determinado conjunto e evitar generalizações apressadas como fazem muitos dos autores que tentam teorizar sobre o urbano nos chamados países do sul, termo que está na moda, para denominar os paises periféricos. O recurso às numerosas citações bibliográficas visam compensar a ausência de uma pesquisa de caráter historiográfico e compensar também a utilização de tantos fatos extraídos da minha experiência empírica, particularmente na gestão da SEHAB/ Prefeitura de São Paulo. O auxílio buscado em tantos e tão lúcidos pensadores talvez tenha sido a única forma da autora adquirir segurança necessária para tão graves afirmações e inter-relações aqui feitas. 6 Resta alertar que dois textos de minha autoria, publicados em outras oportunidades serviram de ponto de partida para este livro e foram integrados ao conjunto ora apresentado: 1) O urbanismo na periferia do capitalismo: desenvolvimento da desigualdade e contravenção sistemática., foi publicado em uma coletânea organizada por Maria Flora Gonçalves sob o título, O novo Brasil urbano, impasse, dilemas, perspectiva. Porto Alegre, Editora Mercado Aberto, 1995. 2) Exclusão social e reforma urbana. que faz parte de um número especial da revista Proposta, n. 62, editada pela FASE, Rio de Janeiro, setembro de 1994. Apesar das dimensões modestas deste livro os agradecimentos envolvem um grande número de entidades: PROAIM - Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade no Município de São Paulo/ Serviço Funerário; SEADE - Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados; FIPE - Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da FEA - USP; CESAD - Laboratório de Dados / FAUUSP; SEMPLA - Secretaria Municipal de Planejamento do Município de São Paulo; NEV - USP - Núcleo de Estudos da Violência/USP; IBGE - Instituto de Geografia e Estatística; CAP - Coordenadoria de Análise e Planejamento / Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo; INSTITUTO LIDAS. .Agradeço também aos funcionários da FAUUSP, Elizabeth Aparecida Casemiro e Cláudio Faria Sarti; aos alunos, Marcio Luiz e Cid Blanco Junior; à historiadora Vera Lúcia Vieira; ao urbanista Flavio Villaça e ao cientista social Ricardo Neder. ERMÍNIA MARICATO São Paulo, abril de 1995 7 Os Planos Diretores - PDs têm se prestado à busca idealizadora da unidade e da totalidade do urbano tão ao gosto do urbanismo modernista. A incorporação do conceito pós- moderno de fragmentação, valorizando o desenho urbano, não implica necessariamente, na visão alienada do planejamento oficial, em encarar a cidade real que exige intervenção emergencial, menos generalizante e abstrata. Para grandes áreas do território urbano esta regulamentação nada significa. Gestão e não simples regulamentação, operação, ação administrativa e não apenas planejamento de gabinete, é o caminho para a prevenção das tragédias cotidianas que vitimam moradores dos morros e encostas que deslizam a cada chuva, ou moradores das beiras dos córregos atingidos por enchentes, ou bairros inteiros atingidos por epidemias. É notável o distanciamento entre quem pensa a cidade nos executivos municipais e quem exerce o controle urbanístico. A aprovação de plantas e o poder de polícia sobre o uso e ocupação do solo estão diluídos em uma estrutura fragmentada que favorece, numa ponta a ação do planejamento alienado e na outra, a ação dos "pragmáticos" fiscais, cuja prática é bastante mediada pela corrupção. (MARICATO, 1993) O Código de obras de São Paulo (lei 8.266), vigente de 1975 até 1992, fixava por exemplo, exigências em relação à dimensão de uma sala de espera para uma cabeleireira que se instalasse em qualquer bairro da cidade (desde que a lei do zoneamento o permitisse, é claro). Fixava ainda a espessura das paredes externas e internas, ou do lastro para o piso nas edificações. Para mudar uma porta de lugar ou executar pequenas reformas no interior da residência o morador deveria abrir um processo e solicitar permissão à Prefeitura, respeitando todos os procedimentos formais (e informais) que costuma caracterizar a obtenção de alvarás para edifícios. A lei de anúncios do Município de São Paulo proíbe, por exemplo, anúncios em empenas cegas de edifícios (parede contínua, sem abertura de janelas) mas eles estão presentes por toda a cidade A legislação detalhista e "rigorosa" contribui para a prática de corrupção e constitui um exemplo paradigmático da contradição entre a cidade do direito e a cidade do fato. Pois em um ambiente onde "a infração, além de infração é norma e a norma além de norma é infração, como se deveria esperar de uma contravenção sistemática", qual é o papel das leis que pretendem regulamentar procedimentos detalhados do universo individual do interior da moradia, quando a maior parte das moradias e do contexto urbano constituem um imenso universo clandestino que ignora normas mais gerais e básicas ?3 O legislativo também tira partido dessa situação. Ao invés de buscar adequar a legislação à realidade ou a realidade `a lei, podemos afirmar que, mais como regra do que exceção, parlamentares se aproveitam desse descolamento entre norma e conduta na produção e uso do espaço, para "beneficiar" vastas camadas da população com anistias periódicas para os imóveis ilegais. Aliás o assentamento ilegal residencial constitui inesgotável fonte de clientelismo político que é historicamente praticado no Brasil pelo legislativo e inclusive pelo executivo. Se a ambigüidade e a contradição marcam profundamente a ação do executivo e legislativo, o que não dizer do judiciário? O que não dizer dos sistemas jurídicos encarregados de assegurar os direitos previstos nas leis?. 3 Quando atingidos por alguma medida saneadora, os agentes vistores de São Paulo, (fiscais municipais de uso e ocupação do solo), se vingavam aplicando a lei "indiscriminadamente", multando quaisquer moradores da cidade ilegal e jogando-os contra a prefeitura. O universo domiciliar ilegal é maior do que o legal nas metrópoles brasileiras como já registramos. É por isso que utilizamos aqui a expressão de Roberto Schwarz - "contravenção sistemática"- na frase construida por Arantes. A expressão está fora do contexto (Schwarz se referia à elite brasileira promotora do tráfico de africanos), mas é bastante adequada ao urbanismo periférico. SCHWARZ 1991; ARANTES 1992. 10 A criação de leis historicamente articuladas à formação do mercado imobiliário e os conflitos que emergem na aplicação dessa legislação às áreas ocupadas ilegalmente, com especial destaque à ação contraditória do judiciário, são relatados em um estudo elaborado por Falcão Neto e Almeida Souza (1985), cuja análise empírica é centrada na cidade do Recife. O Recife apresenta aproximadamente 50% de sua população vivendo em mocambos desde o início do século XX até seu final. Segundo o estudo citado, em 1914 essa proporção era 43% e em 1960 era 60 % .Em 1988 essa taxa era de aproximadamente 50% segundo outra fonte :o projeto de lei do Plano Diretor. enviado à Câmara Municipal nessa data. Recife é a metrópole brasileira que apresenta a maior proporção de moradores de favelas em sua população. Vamos acompanhar o relato do referido estudo: As leis do império, as ordenações, os alvarás, tinham validade apenas para as transações com os sobrados. As negociações que envolviam os mocambos eram regidas por usos, normas e costumes não formalizados pelo Estado. Os dois sistemas conviviam na produção do espaço social da cidade do Recife. Enquanto a cidade manteve espaço físico disponível no seu interior, o desenvolvimento urbano permitiu uma convivência contraditória entre o direito (de fato) de moradia das populações de pouco ou nenhum valor econômico e o direito (legal) de propriedade, que regulava as transações nas áreas mais valorizadas. (p. 77) Quando essa condição se esgotou o conflito tornou-se inevitável, com a ocorrência de um grande número de ocupações de terra, fruto de ações coletivas que faziam surgir novas favelas da noite para o dia. Existe uma diferença essencial entre esse tipo de ação (que no mesmo período, meados dos anos 70 em diante, ocorreram nas principais cidades brasileiras) e a ocupação lenta e tradicional que marcou o surgimento das favelas ou das periferias urbanas ilegais durante décadas Diante dos conflitos relativos à ocupação de terra, como reagiu o judiciário? Continuemos com o relato sobre os mocambos de Recife: Ao contrário do que se pode pensar, os conflitos dela resultantes raramente foram solucionados por meio de violência ilegal de proprietários ou da polícia, ou pela aplicação judicial do Código Civil e da legislação pertinente. Na imensa maioria dos casos, a solução foi negociada: dentro, fora, ou à margem da lei. (p. 77) A questão ganha relevância, segundo os autores, porque não se trata de um ou outro caso, mas inúmeros casos cujas negociações envolveram, durante anos, os governos estadual, municipal e poder judiciário. Não faltou até mesmo, no relato, o caso de um juiz que sentenciou às partes só julgar o processo quando estas entrassem em acordo. E os autores concluem: ...diante do agravamento do conflito urbano, o Poder Judiciário tem aparecido como instância onde se tenta não só fazer cumprir o direito de propriedade, como também não fazê-lo cumprir. (p. 77) Essa impressão de que o judiciário age de modo "flexível" no que se refere a aplicação da lei aos casos de ocupações de terras urbanas, desaparece diante de outros relatos, os quais apontam para outras conclusões. Durante os anos 80 acirrados conflitos na disputa pela terra urbana suscitaram diferentes reações dos executivos ou judiciários. Em São Paulo pudemos participar (enquanto governo) de negociações entre ocupantes e proprietários, legitimadas por juízes sensíveis à possibilidade de ocorrência de conflitos violentos nos despejos executados por ordens judicial4. Outros casos, entretanto, tomaram rumos diferentes. Durante uma ação de despejo que 4 Em alguns casos os juizes exigiram dos proprietários tempo para a busca de alternativas, caminhões para mudanças e inclusive cesta básica de alimentos para os ocupantes. Não foi incomum encontrar comandantes de polícia, alem de juizes, preocupados e desejosos que uma solução fosse encontrada antes da ação de despejo, principalmente depois do conflito da "Vila Socialista", no município de Diadema, em 1990, 11 teve lugar na zona leste de São Paulo, um trator contratado pelo proprietário do terreno, colocou abaixo casas de alvenarias que ainda abrigavam moradores no seu interior (pessoas idosas e crianças neste caso). Essa ação foi acompanhada (assistida) por força policial. Diante da esdrúxula situação na qual o próprio judiciário aplica ou não a lei e por vezes, ao invés de aplicá-la, propõe a negociação (na melhor das hipóteses), surge uma indagação: afinal, qual é o critério de aplicação da lei? Voltamos à situação apontada inicialmente: unidade articulada entre norma e infração abre espaço para a subjetividade, o clientelismo, o favor, a arbitrariedade. A decisão judicial é socialmente muito valorizada nessa situação. A lei pode ser aplicada ou não, depende de cada caso. Ela está à mão para ser usada ou não. E alem dos aspectos apontados, ela cumpre seu papel em relação ao mercado imobiliário capitalista formal, restrito e concentrado.. Enquanto os imóveis não têm valor como mercadoria, ou têm valor irrisório, a ocupação ilegal se desenvolve sem interferências do Estado. A partir do momento em que os imóveis adquirem valor de mercado (hegemônico) por sua localização, as relações passam a ser regidas pela legislação e pelo direito oficial.. É o que se depreende dos dados históricos e da experiência empírica atual. A lei do mercado é mais efetiva do que a norma legal. Deixemos momentaneamente a esfera do Estado em sua relação com o urbano para verificar qual é a representação da cidade, que predomina em certos setores da sociedade. O desconhecimento da cidade real pelas classes medias e dominantes da sociedade é reforçado pelo seu confinamento a uma área de circulação restrita pelas "ilhas de primeiro mundo". A concentração de infraestrutura e equipamentos urbanos aliados ao mau funcionamento dos transportes públicos, vão determinar a ocupação densa da cidade hegemônica. Esses circuitos fornecem a ilusão de um espaço relativamente homogêneo, contando com comércio e serviços sofisticados. Não é apenas a estrutura administrativa municipal, os cadastros urbanos e o orçamento público que se organizam em função desse espaço restrito. Uma imprensa dedicada ao "estilo de vida" ai existente reforça a idéia predominante que toma o global pela centralidade oficial. Entre 1989 e 1992, os empresários imobiliários reunidos em torno de seu sindicato, o SECOVI, se opuseram à aprovação do projeto de lei relativo à regularização fundiária de favelas em São Paulo, proposto pela prefeitura e modificado por vereadores da Câmara Municipal em negociação com os movimentos de favelados. Suas idéias foram expressas através da revista do SECOVI (principalmente através de dois artigos publicados no ano de 1992). Neles, empresários imobiliários propunham a remoção das favelas de áreas públicas e a devolução dessas áreas ao uso público. Uma posição pretensamente correta - incorporar ao patrimônio público áreas ocupadas privadamente por moradias - revela o desconhecimento sobre a impossibilidade de aplicar tal medida a uma cidade onde quase 20% da população, ou mais de um milhão de pessoas, mora em favelas. A população favelada tem crescido a taxas muito maiores que a população da cidade como um todo. No início da década de 70, menos de 1% da população do município morava em favelas. Em 1987 essa taxa era de 8%. (SEHAB 1987). Em 1993 levantamento da FIPE resulta em uma taxa de 19,4 %. O crescimento de favelas foi espetacular em relação à população total do município de S. Paulo, nas década de 70, 80 e mantém um aumento progressivo nos anos 90. Durante esse período ou mais exatamente de 69 a 89 a prefeitura promoveu a construção de aproximadamente 97.000 unidades de habitação através da COHAB-SP, ou seja durante 20 anos a prefeitura, contando com recursos federais, hoje escassos, construiu moradias para um número equivalente a aproximadamente metade da população moradora de favelas em 1987. Ela não cuja reintegração de posse pedida pelo governo do estado, transformou-se em um conflito armado com a ocorrencia de uma morte e vários feridos, entre os quais estava um vereador que perdeu uma das mãos. 12 predação ao meio ambiente, baixa qualidade de vida, gigantesca miséria social e seu corolário, a violência. O desenvolvimento urbano desigual ao invés de eliminar a herança do atraso, reproduziu-a e deu-lhe novas conformações. Segundo Martins, (...) o capitalismo na sua expansão, não só redefine antigas relações, subordinando-as à reprodução do capital, mas também engendra relações não capitalistas igual e contraditoriamente necessárias a essa reprodução" (MARTINS, 79, p. 19). A reprodução do atraso pela modernização, ou como lembra Florestan Fernandes, a "modernização do arcaico" que é simultânea à "arcaização do moderno”, constitui uma marca do capitalismo periférico que acaba por lhe conferir características próprias. (FERNANDES, 1977).6 A compreensão de que os países capitalistas chamados de centrais são como são porque o processo de acumulação é global ( e no final do século XX esse fato é muito mais evidente), não deve impedir a busca das especificidades que caracterizam o capitalismo dito periférico. A relação de dependência é biunívoca mas alguns ganham mais com ela. A ambiguidade foi a marca da sociedade colonial. A produção na Colonia não foi pré-capitalista e nem feudal já que combinava produção para subsistência e produção para o mercado internacional. Isto é, a produção colonial era capitalista sem ser. O produtor colonial não era burguês e nem senhor feudal. A emergência do trabalhador livre em substituição à mão de obra escrava, não implicou em trabalho assalariado, e aqui novamente as relações não são definidas como capitalistas apesar de fazerem parte do processo de acumulação de capital. (MARTINS 1979). Relações baseadas no mando, na dominação pessoal e no favor, sobreviviam (e ainda sobrevivem) num mundo em que se afirmavam os direitos civis: igualdade perante a lei, direitos individuais, liberdade de expressão, etc. Assim a ligação do País à ordem revolucionada pelo capital e das liberdades civis, não só não mudaram os modos atrasados de produzir, como os confirmava e promovia na prática, fundando neles uma evolução com pressupostos modernos (...). (SCHWARZ 1991, p. 37) A convivência do ideário liberal europeu com relações de trabalho que o contradiziam marcou a formação ideológica e moral da sociedade brasileira, segundo Schwarz. Citando Felipe de Alencastro, aquele autor lembra que durante a negociação para o reconhecimento diplomático da Independência, o novo governo brasileiro buscando legitimar-se prometia, externamente a abolição e internamente a continuidade da escravidão. Ser abolicionista ou não, dependia da ocasião. No mais das vezes era-se as duas coisas. As autoridades, apesar de eventuais declarações em contrário, faziam vista grossa à pirataria que facultava o transporte de carne humana, formalmente ilegal desde o acordo com a Inglaterra em 1826 e a lei regencial de 7 de novembro de 1831.( BOSI 1992, p. 196) Entre 1830 e 1850, entraram no país, segundo Bosi, 700.000 africanos. O conteúdo do liberalismo brasileiro se definia ao nível econômico por: comercio, produção escravista, compra de terras (após 1850). E ao nível político por: eleições indiretas e censitárias. Tratava-se do liberalismo dos possuidores, ou do respeito à individualidade e autonomia do cidadão proprietário. Um liberalismo adaptado às "circunstâncias" e às " peculiaridades" nacionais.(BOSI 1992) O surgimento da burguesia brasileira não se faz em oposição aos 6"Os mesmos efeitos dinâmicos do padrão dependente de modernização acarretam a necessidade da persistencia e da revitalização de dinamismos que não são especificamente "modernos", embora sejam essenciais, em graus variáveis, à eficácia dos fins visados através da modernização dependente. Isto quer dizer que a modernização processa-se de forma segmentada e segundo rítmos que requerem a fusão do "moderno"com o "antigo"ou, então, do "moderno" com o "arcaico", operando-se o que se poderia descrever como a "modernização do arcaico" e a simultânea "arcaização do moderno".(FERNANDES 1977,p.211). 15 privilégios do sistema colonial mas sim em oposição ao "jugo colonial". Com a destruição da ordenação jurídico política deste, os demais privilégios não só subsistiram, mas foram até reforçados. (FERNANDES,1977) A forma como se deu a passagem do Brasil colônia para o país independente, o final da escravidão, a substituição dos escravos pela força de trabalho imigrante européia e a emergência do trabalhador livre, é de fundamental importância para entender o processo de industrialização e a formação do proletariado urbano. Caio Prado lembra que a produção escravista afastou o trabalhador livre da atividade produtiva: Quem não fosse escravo e não pudesse ser senhor, era um elemento desajustado que não podia se entrosar normalmente no organismo econômico e social do país. .(PRADO 1956, p.203) De uma população de 3 milhões de pessoas residentes no Brasil do século XVIII, quase a metade estava na condição de livre ou liberto, a qual, praticamente excluída da produção organizada, vivendo da cultura de subsistência ou de tarefas ocasionais (embora cumprindo um papel importante para a dinâmica econômica), era tida pelo pensamento predominante, como composta de vadios , indolentes e imprestáveis para o trabalho.(FRANCO 1969) A maneira como os senhores tratavam o cativo, passível de ser explorado até os limites de sua sobrevivência, influenciava tanto a percepção que os livres tinham acerca do trabalho disciplinado e regular como a percepção que os proprietários faziam da utilização da mão de obra livre.(KOWARICK 1994, p. 42) Para o trabalhador livre, o trabalho organizado nessas condições era visto como degradante A libertação dos escravos se consumou após muitas resistências, quando o processo de sua substituição pelo trabalhador imigrante europeu já estava em curso, através de um caminho que tentou, novamente, marginalizar o trabalhador brasileiro da produção organizada. Os conflitos que acompanharam essa substituição do escravo pelo imigrante europeu, ("escravidão disfarçada", segundo diversos autores ), e a incorporação dos trabalhadores nacionais ao mercado de trabalho regular, participam da constituição das raízes que estão presentes na sociedade brasileira no final do século XX. Relações coloniais de produção sobrevivem sobre a nova legalidade iniciada com a Independência (1822), relações de trabalho baseadas no mando pessoal, no favor e no coronelismo político ultrapassaram a República até nossos dias. No limiar da República, parte da força de trabalho fabril era escrava e os trabalhadores assalariados recebiam parcela da remuneração em espécie. (REIS 1994). Essa prática fez parte da relação dos fazendeiros com as primeiras levas de trabalhadores imigrantes. Ela sobrevive ainda após 1930, especialmente no campo, não atingido pela regulamentação das relações de trabalho promulgadas em 1935. No final do século XX, o pagamento em espécie, ou o que é mais grave, o trabalho escravo ainda é encontrável no campo brasileiro. A questão fundiária teve um papel central em todo esse processo. Se antes de 1850 a terra não exigia "cautelas jurídicas" nem da Coroa Portuguesa e nem do Império Brasileiro, sendo a ocupação ou posse, práticas legítimas para adquirir a propriedade, após essa data o Estado passa a regular o acesso à terra. Antes de 1850, "a terra era praticamente destituída de valor" (ausência de mercado imobiliário e abundância de terras devolutas) enquanto que o escravo sim, era mercadoria que contava entre os bens do seu proprietário, não como capital, mas como renda capitalista (MARTINS, 1979) A terra não tinha importância econômica sem os escravos, que independentes da terra, eram valiosos, utilizados inclusive como objeto de penhores e hipotecas. 16 Há uma perfeita articulação entre o processo de extinção do cativeiro do homem e o processo subsequente de escravização da terra. (BALDEZ,1987) O ano de 1850 é marcado pelo fim do tráfico de escravos, e pela Lei de Terras nº 601, de 18 de setembro. Não é por coincidencia que as duas leis são promulgadas com uma semana de tempo entre uma e outra. De acordo com a lei, as terras devolutas poderiam ser adquiridas apenas mediante compra e venda, o que afastava a possibilidade de trabalhadores sem recursos tornarem-se proprietários. Dessa forma garantia-se a sujeição do trabalhador "livre" aos postos de trabalho, antes ocupados por escravos. (MARTINS 1979; BALDEZ 1987) O processo de definição da terra como mercadoria, que caminhou paralelamente ao processo da emergencia do trabalhador livre, foi marcado, como este, por muitos conflitos, como mostra Roberto Smith (SMITH 1990) A transferencia do sistema portugues de sesmarias para a realidade da Colônia significou, lá como aqui, a concessão da terra pela Coroa, em troca de lealdade. Diferentemente de outros paises da Europa, a monarquia portuguesa controlava as atividades econômicas e as terras. Caso a exigencia de ocupar, produzir e pagar os tributos não fosse satisfeita, a terra se tornaria devoluta, isto é, a concessão seria cancelada e ela retornaria para o Estado. As regras que regulamentavam a aplicação das concessões no Brasil, não foram aplicadas rigorosamente devido à abundancia de terras. Mais importante do que a relação legal, era a capacidade de ocupar a terra e nela produzir, e esta estava vinculada à propriedade de escravos. Os colonos, senhores de terra, proprietários de escravos, compunham as Câmaras Municipais. Definidos como “homens bons”, alem de grandes produtores rurais, eles deveriam, segundo as normas, residir na cidade, adotar a religião católica, apresentar a pele branca e ofício não manual. Como autoridade municipal e representante da Coroa esses latifundiários, juntamente com os burocratas administradores, tinham autoridade sobre o destinos das coisas e das pessoas (incluindo o poder de polícia). Eles podiam inclusive doar terras, as “datas”, porções do território que faziam parte do patrimonio público municipal, sob a forma de uma gleba terra, (denominada rossio) que acompanhava a concessão da autonomia municipal. (MARX 1991). A prática arbitrária do poder exercido dessa forma, se confirmou no Império, quando os latifundiários tornaram-se autoridades militares como coronéis da Guarda Nacional. Não faltou motivo portanto, para fortes manifestações contrárias, à primeira tentativa de regularizar a propriedade da terra, em 1795. O sistema de sesmarias continuou em vigor até 1822 quando foi suspenso, mas foi somente em 1850 que a lei de terras foi promulgada. Entre 1822 e 1850, com a indefinição do estado em relação à ocupação da terra, esta se dá de forma ampla e indiscriminada. É nesse período que se consolida de fato o latifúndio brasileiro, com a expulsão de pequenos posseiros por poderoasos proprietários rurais. Apesar do fim das sesmarias, algumas províncias continuaram a fazer concessões, irregulares e arbitrárias. A demorada tramitação do projeto de lei que iria definir a comercialização e a propriedade da terra devia-se ao medo dos latifundiários em não ver “suas” terras confirmadas. Rejeitaram tambem o imposto territorial que constava na primeira redação do anteprojeto de lei Divisão de Terras e Colonização, de 1843. A proposta liberal que alimentou o longo debate sobre a definição da lei de terras, pretendia, em síntese, utilizar as terras devolutas para com sua venda financiar uma colonização branca (com imigrantes europeus), baseada na pequena propriedade. Dela, na redação final da lei, pouco sobrou senão uma pomposa e avançada exposição de motivos fundamentada nas virtudes do progresso das relações capitalistas. (SMITH 1990). Novamente aqui está a marca da fratura entre intenção manifesta e prática concreta. Como foi anteriormente mencionado para o caso da proibição do tráfico de escravos, a argumentação liberal encobriu amanutenção das relações de poder. Apenas no sul do país, a colonização branca, vinculada à pequena propriedade foi implementada. No 17 nova divisão social do trabalho, a partir dos anos 60, trouxe mudanças no padrão de urbanização, nas dinâmicas regionais, com a modernização agrícola (sul, sudeste, leste e centro-oeste), agro- indústria (sudeste, sul e leste) e expansão metropolitana industrial (nordeste, leste, sudeste e sul). (SANTOS 1993). Os símbolos do consumo pós moderno extravasaram as regiões metropolitanas e podem ser encontrados, por exemplo, nos centros urbanos do interior do Estado de São Paulo, Minas gerais, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, que crescem e se industrializam. De 1940 a 1980 o PIB brasileiro cresceu a índices superiores a 7% ao ano. Os índices de natalidade e mortalidade apresentam quedas espetaculares. Apesar disso, o aprofundamento da desigualdade se acentuou, inicialmente através da cooptação que caracterizou o "populismo desenvolvimentista" e depois de 1964, sob a repressão do regime militar. A tabela abaixo mostra a variação do poder aquisitivo do salário mínimo real regulamentado por lei, entre 1940 e 1980: 20 VARIAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO REAL - BRASIL 1940/80 ANO ÍNDICE ANO ÍNDICE 1940....98,02 1960...100,30 1941 ...89,35 1961...111,52 1942....80,22 1962...101,82 1943....78,78 1963....89,51 1944....83,19 1964....92,49 1945....67,03 1965....89,19 1946....58,82 1966....76,03 1947....44,94 1967....71,92 1948....41,61 1968....70,39 1949....42,19 1969....67,73 1950....39,84 1970....68,93 1951....36,80 1971....65,96 1952....98,77 1972....64,78 1953....81,35 1973....59,36 1954....98,88 1974....54,48 1955...111,04 1975....57,91 1956...112,81 1976....56,54 1957...122,65 1977....58,92 1958...106,70 1978....60,70 1959...119,45 1979....61,27. 1980 61,78 Fonte: DIEESE Em 1981, no final do período referido, de intenso crescimento industrial, o 1% mais rico da população concentrava 13% da renda nacional enquanto que os 10% mais pobres receberam 0,9%. Através da concentração da renda foi possível criar um mercado de consumo para os bens industriais modernos e luxuosos. Como lembra Alain Lipietz: ...quando se é 120 milhões, é suficiente que 20% da população se aproprie de dois terços da riqueza para que se constitua um mercado para os bens duráveis e mesmo luxuosos, equivalente a um país médio da Europa do Norte (LIPIETZ 1985, p.30) Se a maior parte da população não constitui mercado para os bens luxuosos, em compensação constitui ampla oferta de mão de obra barata para a produção dos mesmos. CIDADE, ESTADO E MERCADO: A MODERNIZAÇÃO EXCLUDENTE As cidades refletem o processo industrial baseado na intensa exploração da força de trabalho e na exclusão social, mas o ambiente construído faz mais do que refletir. Como parte integrante das características que assume o processo de acumulação capitalista no Brasil, o urbano se institui como polo moderno ao mesmo tempo em que é objeto e sujeito da reprodução ou criação de novas formas arcaicas no seu interior, como contrapartidas de uma mesma dinâmica. Não é somente o trabalhador do extensivo e atrasado terciário urbano informal (e que tantos autores denominaram de "inchado" nas análises comparativas), que habita as favelas, ocupando ilegalmente a terra e lançando mão do expediente arcaico da autoconstrução para poder 21 morar em algum lugar. Nossas pesquisas mostram que até o trabalhador da indústria fordista (automobilística), é levado freqüentemente a morar em favelas, já que nem os salários pagos pela indústria e nem as políticas públicas de habitação são suficientes para atender as necessidades de moradias regulares, legais. (MARICATO 1977) Em 1980, 57,3% dos chefes de família ativos, moradores das favelas de São Paulo trabalhavam no secundário. (TASCHNER 1993). Trata-se do "produtivo excluído". (MNMMR,1994) A produção ilegal de moradias e o urbanismo segregador, estão, portanto, relacionados às características do processo de desenvolvimento industrial -na medida em que o salário do operário industrial não o qualifica para adquirir uma casa no mercado imobiliário legal,- às características do mercado imobiliário capitalista - sobre cujos agentes não pesa nenhum constrangimento anti-especulativo como seria o caso da aplicação da função social da propriedade- e tambem às características dos investimentos públicos - que favorecem a infraestrutura industrial e o mercado concentrado e restrito. A análise do SFH - Sistema Financeiro da Habitação e o BNH- Banco Nacional da Habitação fornece um exemplo muito adequado da modernização excludente. Criados pelo regime militar, em 1964, o SFH e o BNH foram estratégicos para a estruturação e consolidação do mercado imobiliário urbano capitalista. O investimento de uma vultosa poupança, parte compulsória (FGTS) e parte voluntária (SBPE) no financiamento à habitação, saneamento básico e infraestrutura urbanos, mudou a face das cidades brasileiras, financiando a verticalização das áreas residenciais mais centrais; contribuindo para o aumento especulativo do solo; dinamizando a promoção e a construção de imóveis (o mercado imobiliário atinge um novo patamar e uma nova escala); diversificando a indústria de materiais de construção; subsidiando apartamentos para as classes médias urbanas; patrocinando a formação e consolidação de grandes empresas nacionais de edificação e mesmo de construção pesada, nas faraônicas obras de saneamento básico. (MARICATO 1987). Apesar do SFH ter financiado 4,8 milhões de moradias ou praticamente 25 % do incremento do número de habitações construídas no Brasil entre 1964 a 86 (estimativa), o número de moradores de favelas cresceu acentuadamente no período. Das 4,8 milhões de unidades residenciais, financiadas pelo SFH, 1/3 foi objeto da promoção pública (conjuntos habitacionais) supostamente destinados a moradores com renda menor que 5 salários mínimos. (A "distribuição" das moradias populares, foi uma das maiores fontes de troca de favores que contribuiu para a reeleições sistemáticas de políticos clientelistas, alem de contribuir também para a alta inadimplência no pagamento das prestações, já que a relação de favor não permitia a cobrança mais rigorosa). Nunca é demais lembrar que essa política foi criada e praticada em nome dos desassistidos e que grande parte dos recursos assim utilizados vieram do FGTS, espécie de seguro desemprego que " flexibilizou" as relações de trabalho no mercado formal, promovendo a rotatividade no emprego e barateando as demissões. Sobre esse fundo incidem juros situados abaixo dos juros de mercado. Os trabalhadores subsidiaram um dos capítulos mais vergonhosos das políticas públicas brasileiras, no qual a corrupção, o superfaturamento e o uso do dinheiro público para fins privados, se generalizaram. Tudo leva a crer que a extinção do BNH em 1986 e o incêndio do seu arquivo, então no Ministério da Habitação e Desenvolvimento Urbano, não foram acidentais.( MARICATO 87) A política praticada pelo SFH combinou o atendimento dos interesses dos empresários privados (construção, promotores imobiliários, banqueiros e proprietários de terra ) com os interesses de políticos clientelistas (governadores, prefeitos, deputados, vereadores), quando não aconteceu destes fazerem parte daquele grupo. Na verdade essa política foi fundamental para a estruturação de um mercado imobiliário de corte capitalista Ela constituiu também um dos 22 satisfazer requisitos satisfatórios de qualidade ambiental, sem que outra fosse aberta. Por outro lado ela assegura que o estoque de terras ainda existente fica submisso à produção capitalista formal. Esta envolve a participação de diversos capitais: incorporadores, construtores e financiadores, enquanto que no parcelamento ilegal participam apenas alguns personagens pré-modernos: o proprietário de terra e o loteador, mais freqüentemente. O mercado também não é mais o mesmo (massa de trabalhadores pobres), mas sim compradores com poder aquisitivo para pagar o que a lei e uma melhor localização, exigem . Num processo de urbanização assim engendrado, a exclusão é estrutural, o que exige uma reflexão mais aprofundada sobre o papel da regulação urbana na construção da cidadania ou da qualidade ambiental urbana para todos. O FIM DO DESENVOLVIMENTISMO: GLOBALIZAÇÃO E VIOLÊNCIA NOS ANOS 80 O Estado e seu projeto desenvolvimentista dos anos 30/50 estão mortos. (FIORI 1994, p. 143) De 1981 a 1992 o PIB cresceu 1,3% ao ano enquanto que o crescimento populacional foi de 1,9%. O crescimento da informalização na relação de trabalho tem uma correspondência direta com o desempenho econômico nacional. Do início ao fim do período, cai o número de trabalhadores com carteira assinada nas seis principais regiões metropolitanas do país e cresce o número de trabalhadores por conta própria. Em São Paulo, cidade com menor grau de informalidade nas relações de trabalho, havia em 1982 aproximadamente 64% da população ocupada, com carteira assinada. Em 1992, essa relação é próxima a 58%. Os trabalhadores por "conta própria" compunham aproximadamente 5% no início do período considerado e aproximadamente 20% no final. Segundo João Saboia, de quem extraímos os dados aqui utilizados sobre mercado de trabalho, independente da região do país, a evolução do mercado de trabalho nas metrópoles apresenta uma configuração semelhante, ...com a substituição de empregados com carteira assinada, por empregados sem carteiras e /ou trabalhadores por conta própria, em períodos de recessão e comportamento simétrico em períodos de recuperação.( SABOIA 1993, p.7) Saboia chama atenção para o dinamismo do mercado de trabalho no Brasil, demonstrado pela capacidade surpreendente de absorção da PEA - População Economicamente Ativa, e pelo baixo nível de desemprego aberto, (em torno de 6% em seis regiões metropolitanas). Esse comportamento do mercado de trabalho, difere bastante do que ocorre nos países de economia desenvolvida, onde o quadro é mais estático e o desemprego aberto maior. O fim dos recursos externos no final dos anos 70 e o início do pagamento da dívida externa marcou o começo da recessão. Outro dado da conjuntura internacional, a elevação da taxa de juros (os empréstimos foram feitos a juros flutuantes) causou uma forte explosão da dívida brasileira. De 1983 para 1992, a ela cresceu de US$ 93,5 bilhões para US$ 135 bilhões, apesar do país ter desembolsado US$ 67,7 bilhões como pagamento. De 1981 a 1989, a concentração da renda continua a se aprofundar, seguindo a tendência apontada: 25 DISTRIBUIÇÃO DA RENDA - BRASIL 1981/89 50% mais pobres...............10,4% da renda 01% mais ricos..................17,3% da renda Fonte: PNAD/IBGE Em 1995, o Relatório de Desenvolvimento do Banco Mundial, aponta o Brasil como o país de maior desigualdade social do mundo. Segundo o relatório, enquanto que 10% da população concentra 51,3% da renda, os 20% mais pobres ficam com 2,1%. A trajetória do salário mínimo real confirma, a tendência ao decréscimo: EVOLUÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO REAL BRASIL - 1980/1992 ANO ÍNDICE 1980.............................61,78 1981.............................63,34 1982.............................66,02 1983.............................56,10 1984.............................52,04 1985.............................53,24 1986.............................50,36 1987.............................36,31 1988.............................38,22 1989.............................40,70 1990.............................29,09 1991.............................30,08 1992.............................26,07 Fonte: DIEESE . Obs. Ë importante lembrar que 53% da população economicamente ativa ganha até 2 salários mínimos. Durante os anos 80 a população urbana brasileira cresceu, chegando a representar 76,3% do total. Apesar de apresentar algumas mudanças no padrão de urbanização, o censo de 1991 aponta para um aprofundamento da "periferização" das grandes metrópoles, ou seja, maior aumento populacional nos municípios da franja metropolitana, reproduzindo e expandindo formas de favelas e cortiços também na periferia. O ajuste do capitalismo internacional nos anos 70 trouxe um aprofundamento das características de exclusão social, aqui tratadas, mas como pudemos ver, não se trata de uma tendência nova ou recente na realidade brasileira. De novidade, o aprofundamento da miséria que vem com a globalização, irá acarretar uma explosão de violência em escala até então desconhecida e que será denominada de violência 26 urbana. A forma como o figurino néo liberal enfrenta essas questões, constituem mais um conjunto de "idéias fora do lugar", como veremos adiante. Antes vamos explorar um pouco mais as contradições sociais e as ambigüidades já apontadas que estão no cerne do direito urbano no Brasil. 27 americanas "não se organizam para um desenvolvimento autônomo da economia, da sociedade e da cultura". A divisão repartida (externa e interna) do excedente econômico, continuidade de privilégios senhoriais na formação da mentalidade burguesa e portanto adaptação de heranças coloniais no processo de modernização, a exclusão das classes "baixas" dos processos históricos e sociais (negando inclusive sua existência enquanto classe com direitos a serem respeitados como ocorreu no capitalismo "maduro") são características às quais se soma um decorrente "complexo padrão de mercantilização do trabalho". 9 A exclusão social não é passível de mensuração mas pode ser caracterizada por indicadores como a informalidade, a irregularidade, a ilegalidade, a pobreza, a baixa escolaridade, o oficioso, a raça, o sexo, a origem e, principalmente, a ausência da cidadania. A carência material é a face externa da exclusão política. (DEMO, 1993 p. 3) Segundo Pedro Demo, a caracterização da pobreza a partir de números mensuráveis relativos à carência material, obscurece o "cerne político da pobreza" ou o que o autor chama de "pobreza política". Ser pobre não é apenas não ter, mas sobretudo ser impedido de ter, o que aponta muito mais para uma questão de ser do que de ter. (p.2) A ilegalidade é sem dúvida um critério que permite a aplicação de conceitos como exclusão, segregação ou até mesmo de "apartheid" ambiental. Não que a elite brasileira não recorra historicamente à utilização de expedientes ilegais quando lhe convém. Citamos anteriormente o clássico, histórico e paradigmático exemplo do tráfico de escravos no Brasil do século XIX, mas poderíamos utilizar tantos outros atuais. Basta lembrar levantamento de Saboia que aponta uma variação de um mínimo de 13,4 % (Porto Alegre) para um máximo de 27,4 % (Recife) de trabalhadores empregados sem carteira assinada nas metrópoles brasileiras, no início dos anos 90. (SABOIA, 1994) A ilegalidade em relação à propriedade da terra entretanto, tem sido o principal agente da segregação ambiental e daí à exclusão social, no campo ou na cidade. Miguel Baldez lembra que até 1850, a ocupação de terra no Brasil era forma legítima de conseguir sua a posse. A emergência do trabalhador livre é acompanhada da emergência de legislação sobre a terra que irá garantir a continuidade do domínio dos latifundiários, sobre a produção. (BALDEZ 1986) A legislação urbana não emergirá senão quando se torna necessária para a estruturação do mercado imobiliário urbano, de corte capitalista. Os Códigos Municipais de Posturas, elaborados no final do século passado tiveram um claro papel de subordinar certas áreas da cidade ao capital imobiliário acarretando a expulsão da massa trabalhadora pobre do centro da cidade. A nova normatividade contribui para a ordenação do solo de uma parte da cidade mas também vai contribuir para a segregação espacial. A escassez alimenta a extração da renda imobiliária. A submissão da terra aos capitais de promoção, construção e financiamento imobiliário não se tornou homogênea como nos países avançados, convivendo com formas arcaicas de produção do espaço como a autoconstrução em loteamentos ilegais ou em áreas ocupadas. ILEGALIDADE E EXCLUSÃO A relação - legislação/mercado fundiário/exclusão - talvez se mostre mais evidente nas regiões metropolitanas. É nas áreas rejeitadas pelo mercado imobiliário privado e nas áreas 9 Ela (a ordem social competitiva) reconhece a pluralização das estruturas econômicas, sociais e políticas como "fenômeno legal". Todavia, não a aceis ta como "fenômeno social" e, muito menos como "fenômeno político". Os que são excluidos do privilegiamento econômico, socio-cultural e político tambem são excluidos do "valimento social"e do "valimento político". Os excluidos são necessários para a existencia do estilo de dominação burguesa, que se monta dessa maneira. (FERNANDES 1977, p. 222) 30 públicas situadas em regiões desvalorizadas que a população trabalhadora pobre vai se instalar: beira de córregos, encostas dos morros, terrenos sujeitos a enchentes ou outros tipos de riscos, regiões poluídas, ou... áreas de proteção ambiental.(onde a vigência de legislação de proteção e ausência de fiscalização definem a desvalorização). Apenas para dar alguns exemplos, 49,3 % das favelas de São Paulo tem alguma parte localizada em beira de córrego, 32,2% estão sujeitas a enchentes, 29,3% localizam-se em terrenos com declividade acentuada, 24,2 % estão em terrenos que apresentam erosão acentuada e 0,9 % estão em terrenos de depósitos de lixo ou aterro sanitário. Do total, 65 % estão situadas em área pública e 9 % em terrenos de propriedade mista, ou seja, pública e privada. Esses dados são de 1987 quando o número de favelas era de aproximadamente 1600 núcleos onde moravam aproximadamente 8,0 % da população. Em 1993 essa proporção é de 19,8%. Discorrendo sobre as ocupações ilegais da região metropolitana de Porto Alegre e a relação jurídica de propriedade da terra, Wranna Panizzi registra que em 14 municípios cujo crescimento demográfico atinge 4% ao ano, dos 2,3 milhões de habitantes, aproximadamente 500.000 vivem em situação ilegal. Em relação ao aumento da população que ocupa progressivamente as áreas livres, configurando as "vilas irregulares" a autora registra: O crescimento dessa população , que sobrevive inserida normalmente no processo de produção, é rápido e se produz por acréscimos sucessivos: 65.000 em 1965, 105.000 em 1973, 171.000 em 1980, 274.000 em 1985... Em 1986 a taxa de crescimento foi de 9,8 % .(Grifo nosso, PANIZZI 1989, pg. 85) O esforço de resistência contra a remoção pode incluir regras e estatutos próprios elaborados coletivamente. Estas novas constituições urbanas locais propõem um tipo de sociedade alternativa , mesmo se elas se esforçam para compor o máximo possível com as formas técnicas dominantes para não suscitar a confrontação e o recurso ao Estado da " violência legítima". (Idem, ilidem, p. 89) Panizzi lembra que numerosos agentes intervém mediando a relação entre o Estado e essas comunidades (partidos políticos, prefeitos, vereadores, deputados, agentes técnicos de assessoria e inclusive as agencias prestadoras de serviços públicos) e pergunta se essa direção não nos levaria a uma nova legalidade, ao promover a elaboração de novas referencias jurídico legais Durante o regime militar, o PLANASA - Plano Nacional de Saneamento Básico, abandonou os critérios legais de uso e ocupação do solo para estender o fornecimento de água à população até então não atendida em diversas áreas metropolitanas. A SABESP, empresa pública responsável pelo saneamento básico no estado de São Paulo, ampliou a rede de águas até os loteamentos ilegais, inclusive aqueles situados em área de proteção dos mananciais, desenvolvendo para isso instalação leve e de baixo custo. Essa atitude teve repercussão direta na queda do índice de mortalidade e infantil, objetivo do plano. Já entre 1989 e 1992, a mesma companhia se recusou a estender a rede de águas a loteamentos ilegais situados na mesma região de proteção dos mananciais, e que apresentavam inúmeros casos de hepatite (Jardim Marilda, na Capela do Socorro, município de São Paulo, por exemplo) sob argumentação de que o loteamento estava ilegal. A mesma dificuldade, a SABESP manifestou ao resistir em ligar a rede de água em diversas obras de urbanização de favelas executadas pela SEHAB no período. Algumas sedes regionais da companhia estatal concordavam e até colaboravam na extensão da água aos favelados e outras se negavam, sempre com argumentação legal ou regulatória. Aparentemente os técnicos da empresa tinham opiniões diferentes sobre o 31 assunto e influíam nas decisões regionais, mas existia também o fato da Companhia estar em dificuldades financeiras (endividamento) e cortar investimentos não atraentes.10 A ilegalidade em relação à posse da terra parece fornecer freqüentemente, uma base para que a exclusão se realize em sua globalidade. Em um estudo que trata da dimensão jurídico- social de uma favela que o autor chama de Pasárgada, Boaventura de Souza Santos mostra que o medo do despejo ou de chamar atenção para suas condições de ilegalidade na ocupação da terra, é motivo (ou um dos motivos) para que os moradores nunca procurem a justiça. A mesma explicação os moradores deram para o hábito da polícia invadir suas casas "quando bem entende"(pg. 45). A legislação oficial não é seguida na favela e a polícia e os tribunais são vistos como ameaça.(SANTOS 1993). A expressão "nós éramos e somos ilegais" ( de um antigo morador da favela), que, no seu contexto semântico, liga o status de ilegalidade com a própria condição humana dos habitantes de Pasárgada, pode ser interpretada como indicação de que nas atitudes destes para com o sistema jurídico nacional, tudo se passa como se a legalidade da posse da terra repercutisse sobre todas as outras relações sociais, mesmo sobre aquelas que nada têm com a terra ou com a habitação. (pg. 45). Não é de se estranhar que em tais situações pode ocorrer o desenvolvimento de normas, comportamentos, mecanismos, procedimentos extra legais que são impostos à comunidade pela violência ou que são aceitos espontaneamente e até desejados. A indisponibilidade estrutural dos mecanismos oficiais de ordenação e controle social e a ausência de mecanismos não oficiais comunitários criaram uma situação que designarei por privatização possessiva do direito.(...). A privatização possessiva do direito constitui-se por uma dialética entre a tolerância extrema e a violência próxima. (p.47) ENTRE O LEGAL E O ILEGAL, ARBÍTRIO E AMBIGÜIDADE Não se trata de um "Estado paralelo" ou universo partido. A realidade é bem mais complexa. Uma ambigüidade entre o legal e o ilegal perpassa todo o conjunto da sociedade do qual não escapa, mas ao contrário, ganham posição de destaque as instituições públicas. Wanderley Guilherme dos Santos lembra que o Brasil constitui uma poliarquia ( acumulação material diversificada, intenso crescimento econômico de 1949 a 1980, diversidade e multiplicidade de grupos de interesses, etc. ), mas que acaba não funcionando como tal (desperdícios continuados, não revisão de erros, etc.). Por quê? Ao lado de abundante e contínua legislação regulatória, que o autor chama de face poliárquica, o Brasil mostra um outro lado de desprestígio e desconfiança nas instituições (por 10 Durante nossa gestão na SEHAB foi elaborado um caderno de encargos intitulado Especificação de Obras em Favelas e Formas de Medição e Pagamento, por uma equipe formada por técnicos da Superintendencia de Habitação Popular, que contou com a ajuda de técnicos da SABESP. Este trabalho é sem dúvida uma contribuição fundamental para a construção de normas alternativas que permitam a generalização da cidadania no espaço urbano e garantam um mínimo de qualidade ambiental para todos. As normas aplicadas na cidade formal não são aplicáveis para as áreas de ocupação irregular. As novas posturas permitem levar o saneamento com qualidade e baixo custo às favelas, respeitando nas linhas gerais a ocupação já consolidada, com um número múnimo de remoções. Pela SEHAB participaram desse trabalho a arquiteta Laura M. de Mello Bueno e o eng. Eduardo Marques. Com a mesma intenção e contando com a colaboração do IPT- Instituto de Pesquisa Tecnológica do Estado de São Paulo, foi elaborado o caderno: Risco Geotécnico em Ocupação Urbana. Manual de Segurança. SEHAB/ HABI /PMSP, 1992. Pela SEHAB, participou desse trabalho o geógrafo Nelson Fugimoto. 32 moradia do Estado do Espírito Santo revelou toda sua angustia e perplexidade porque um prefeito de uma cidade litorânea daquele estado incentivava a população pobre a ocupar as áreas de mangues, enquanto que as lideranças do movimento buscavam evitar a ocupação daquela área exigindo outra solução. Autoridades que detém o poder de polícia e deveriam garantir a preservação do patrimônio ambiental incentivam sua deterioração. As lideranças populares que supostamente deveriam perfilar-se ao lado daqueles que desesperadamente lutam por um pedaço de terra para morar, encontram-se atônitas, em conflito com seus iguais que vêem no prefeito mais "compreensão" para seu desespero. A ocupação pela população pobre e o progressivo aterramento de mangues nas cidades litorâneas brasileiras, é praticamente uma regra. Esse caminho combina a ausência de investimentos em programas habitacionais (a precária e lenta urbanização do mangue alimentará a relação clientelista durante muitos anos) e a preservação dos terrenos privados para o mercado formal. A ação prática do Estado, no Brasil, fornece exemplos frequentes nos quais o patrimonio fundiário privado merece mais cuidados que o patrimonio público incluindo aí as áreas legalmente submetidas a preservação ambiental. A ocupação ilegal como as favelas, são largamente toleradas quando não interferem nos circuitos centrais da realização do lucro imobiliário privado. Qualquer análise superficial das cidades brasileiras revela uma relação direta entre moradia pobre e degradação ambiental. Isto não quer dizer que a produção imobiliária privada ou que o Estado através da produção do ambiente construído, não causem danos ao meio ambiente. São abundantes os exemplos de aterramento de mangues em todo litoral do país para a construção de condomínios de lazer. Ou poderíamos citar as indefectíveis avenidas de fundo de vale com canalizações de córregos tão ao gosto dos prefeitos municipais e de uma certa engenharia "jurássica" (para ficarmos em apenas dois exemplos relativos à ocupação urbana do solo). O que interessa chamar atenção aqui é que grande parte das áreas urbanas de proteção ambiental estão ameaçadas pela ocupação com uso habitacional pobre, por absoluta falta de alternativas. As conseqüências de tal processo atinge toda a cidade, mas especialmente as camadas populares. Luiz Jorge Perez mostra a relação direta que existe entre degradação ambiental e a saúde na cidade do Rio de Janeiro. A má qualidade da água e a contaminação dos rios urbanos por águas servidas e lixo doméstico, é responsável por enfermidades como leptospirose, doenças diarreicas, dengue hemorrágico, hepatite e outras. (PEREZ, 1993). As ocupações predatórias dos morros mangues e fundos de vales são a causa de freqüentes desmoronamentos e enchentes. Se, de um lado, o crescimento urbano foi intenso e o Estado teve dificuldades de responder às dimensões da demanda, de outro, a tolerância para com essa ocupação anárquica do solo está coerente com a lógica do mercado fundiário capitalista, restrito, especulativo, discriminatório e com o investimento público concentrado. Senão vejamos. Um exame superficial dos orçamentos municipais das capitais brasileiras é suficiente para revelar que a circulação do automóvel reina absoluta como item prioritário, há várias décadas. Após um governo que priorizou historicamente o investimento em políticas sociais, a gestão do prefeito Paulo Maluf, que tem início em 1993, no município de São Paulo, volta a seguir um modelo que acompanha a política urbana há décadas, iniciando 11 mega obras ( principalmente viárias) orçadas em US$ 754,5 milhões. Em 1994 a Prefeitura investiu 39,7 % do orçamento em políticas sociais, em 93 investiu 49,4 %, enquanto que em 1992, na gestão de Luiza Erundina, a proporção foi de 56,8 %. A gestão Erundina partiu de um patamar, em 1989, no qual aproximadamente 1/4 dos investimentos municipais estavam destinados a 6 megaobras viárias iniciadas na gestão anterior (Jânio Quadros). Ela inverteu prioridades entre 89 e 92 ampliando os orçamentos de saúde, educação, transportes, abastecimento e habitação. Na gestão Maluf, de corte tradicional 35 conservador, essas áreas perdem recursos. (FSP 2/1/95). Comparando 93 com 92, a saúde perdeu 35% e habitação 56%. Em compensação, vias públicas cresceu 26% de acordo com o sistema de acompanhamento orçamentário da Câmara Municipal. O investimento concentrado na cidade hegemônica e em megaobras viárias está coerente com a representação ideológica que desconhece a cidade real. Essa representação que toma a parte (cidade oficial) como sendo o todo, abre espaço para a manipulação da chamada opinião pública. Busca-se tradicionalmente dar visibilidade à gestão pública através de intervenções simbólicas, inclusive nas áreas sociais. Ao invés de um Plano Habitacional complexo, que leve em conta a diversidade dos aspectos urbanísticos (cortiços, áreas de risco, falta de saneamento, etc.) investe-se na construção de um conjunto habitacional "modelo" (mutirão de Goiania da gestão Iris Rezende) ou de obras pontuais em locais visíveis (projeto Cingapura da gestão Paulo Maluf) que, potencializados pelas campanhas publicitárias passam a idéia do todo através do símbolo. Durante a construção de conjunto habitacional em Goiânia, em 1985, cujo apelo publicitário se referia ao fato como “O mutirão de Goiás: mil casas em um dia”, uma câmara de TV foi fixada em um mesmo ponto durante as 24 horas de montagem das casas, montagem esta que foi feita com os componentes e painéis previamente produzidos e localizados em cada lote. Toda a produção para o perfomático evento foi minuciosamente planejada, com vários meses de antecedencia. O filme resultante, projetado largamente na mídia, em velocidade acelerada, mostrava o milagre do erguimento das mil casas em um minuto. Após esse dia, 1000 famílias foram retiradas da cidade e isoladas em um conjunto situado a 12 km das áreas urbanizadas de Goiânia. Perderam as poucas oportunidades de ganho devido à precariedade e ao alto custo dos transportes, mas em compensação, o então governador de Goiás, conseguiu indicar seu secretário de planejamento, idealizador do “mutirão das mil casas em um dia”, para o Ministério do Desenvolvimento Urbano do governo federal, logo depois. (MARICATO e MORAES 1986) Durante 3 anos de governo, a gestão do prefeito Paulo Maluf (1993/1995) entregou 840 apartamentos do chamado projeto Cingapura,que consistiu na substituição de barracos ou casas de favelas por edifícios de apartamentos, o que representa menos de 0,05% do universo de domicílios de favelas do município. Potencializado por imensa campanha publicitária e pela visibilidade física (os edifícios foram construidos apenas em pontos de grande visibilidade ou locais valorizados pelo mercado imobiliário), o projeto construiu a idéia de que todas as favelas de São Paulo estavam sendo substituidas por edifícios de apartamentos. De acordo com o sistema de acompanhamento orçamentário da Câmara Municipal de São Paulo, apenas no ano de 1995, a prefeitura investiu aproximadamente US$ 4 milhões na publicidade do Cingapura, o que daria para construir 220 apartamentos pelo preço que estava sendo praticado então. Se, como dizia a publicidade, o governo tivesse entregue 8000 apartamentos, a prefeitura levaria 112 anos para alocar em apartamentos os moradores de favelas da cidade, sem contar seu crescimento nesse período. A verticalização de favelas foi iniciada na gestão de Luiza Erundina, como um subprograma do Programa de Urbanização de Favelas. Apenas quando a densidade, a análise tecnica urbanística e o valor da terra recomendavam, a favela era substituida por edifícios de apartamentos. Do contrário, a favela era urbanizada já que o custo da urbanização era pelo menos seis vezes mais econômico, por familia, do que a construção de edifícios. Um número seis vezes maior de pessoas poderia ser atendido, com a urbanização de favelas e sua integração urbanística ao contexto do bairro. A gestão posterior paralizou todos os programas habitacionais em andamento, com excessão da verticalização de favelas ao qual deu o nome fantasia de Cingapura, numa alusão a um país com regime político autoritário, que conseguiu de fato fazer uma reforma urbana, a partir de intenso investimento estatal e rigorosa regulamentação fundiária. O investimento no chamado projeto Cingapura, se restringe às favelas localizadas em áreas valorizadas pelo mercado imobiliário 36 hegemônico. Nesse sentido não foge à tradição iniciada com a República, de eliminar as manifestações de pobreza das áreas valorizadas. Harvey insiste na crescente importância da imagem como mercadoria. Se para o capital privado, o investimento em imagem passa a ser tão importante quanto o investimento em máquinas e edifícios, para governos que se apoiam em tão “extravagante” distância entre o discurso e a prática, ela é fundamental. (HARVEY 1993) Uma intensa campanha publicitária, que explora o desejo de modernidade (apartamentos no lugar de favelas), ou de soluções mágicas (mil casas em um dia ou um minuto), atribui o caráter de universal àquilo que é feito em território restrito e limitado, através de cenários ou performances. Uma política de fachada para uma prática de faz de conta em uma cidade de ficção. Os investimentos na periferia, não contam para a dinâmica do poder político, como os proprios excluidos não contam para a cidadania ou para o mercado. E o que é mais trágico, a priorização das políticas sociais, de complexa visibilidade, frequentemente não conta nem mesmo para os próprios excluidos, cujas referencias são a centralidade e a modernidade dominantes. O controle urbanístico e o poder de polícia, são exercidos apenas na cidade oficial. A fiscalização rigorosa que levou a prefeitura de São Paulo a multar o restaurante do clube de elite por manter em estoque, leite com o prazo de validade vencido em um dia, convive com a falta de lençois nos hospitais públicos municipais da periferia. A radical ação contra os cigarros nos restaurantes da cidade oficial convive com o chá de folhas de goiabeira, colhidas pelos funcionários de hospital infantil, utilizado como antídoto contra a diarréia. O embargo de 21 imóveis cujos usos contrariavam a lei do zoneamento nos Jardins, bairros concentradores das moradias de alta renda em São Paulo, foi anunciado em manchete por um dos jornais de maior circulação na cidade, a mesma que apresenta centenas de milhares de imóveis completamente ilegais em relação a todas as leis urbanísticas. A mídia que endossa essa dinâmica (os fatos mencionados estão na imprensa escrita do ano de 1995 em São Paulo), fortalece a representação urbana ficcional, seguindo o interesse dos seus eleitores que residem na cidade oficial. O direito à cidade para todos, passa pelo acesso à urbanização como tambem pelo acesso à condição habitacional legal. Embora a ocupação ilegal da terra urbana seja genérica e crescentemente tolerada, seu reconhecimento legal é raro. É evidente que estamos diante de um conflito generalizado que exigirá alguma resolução institucional na medida em que as relações democráticas se ampliem e com elas a universalização dos direitos como reza a constituição. Mas aparentemente, tudo caminha para estender essa contradição até o limite do possível. Comentando encontro internacional sobre regularização fundiária em países não desenvolvidos, o boletim do AITEC- Association Internationale de Techniciens, Experts et Chercheurs destaca :5 Os programas de regularização permanecem freqüentemente ao nível do projeto piloto e de experimentação. O problema principal é aquele da mudança de escala, da passagem à verdadeira dimensão, da medida do déficit a resolver. (AITEC 1994). 5 Em fevereiro de 1993, foi realizado na cidade do México o encontro internacional: Managing the Access of the Poor to Urban Land. New Approaches for Regularization Policies in the Developing Countries, promovido por The World Bank, UNDP, HABITAT, Ministère des Affaires Étrangeres- France, Universidad Nacional Autonoma de Mexico, Institut Français D' Amerique Latine. O encontro partiu de estudos de casos em diversos paises: Delhi e Bhopal na India; Bangkok na Tailandia; Cordoba na Argentina, Lima no Perú; São Paulo e Recife no Brasil, Santiago no Chile; e México no México, e produziu diretrizes e recomendações. 37 " A gente só vê o fundamentalismo religioso (...) mas a verdade verdadeira é que o fundamentalismo que está fazendo mal mesmo é o mercantil." CELSO FURTADO, FSP, 5/ 6/ 94 Em 1994, o Brasil elegeu um presidente da república que não apresentou em seu programa de governo, concebido sob o signo da modernidade, uma proposta de política urbana. Esse fato se insere na significativa relação de outros que comprovam o desprezo da sociedade brasileira em relação ao assunto, como já chamamos atenção anteriormente. O projeto de lei do desenvolvimento urbano ou também chamado estatuto da cidade, está em análise no Congresso Nacional desde 1983, quando sua primeira versão foi para lá enviada . O artigo 182 da Constituição Brasileira de 1988 permanece sem regulamentação. Durante os anos 80 foi criado, modificado e extinto um Ministério da Habitação e do Desenvolvimento Urbano, sendo que as áreas de habitação e saneamento ficaram subordinadas à política de "bem estar social" no Ministério da Promoção Social até meados dos anos 90. As instituições brasileiras não dispendem muito tempo e atenção com a questão urbana, o que é grave se considerarmos que o índice de urbanização é bastante alto ou que 75 % da população mora em cidades, ou ainda que 43,7 milhões de pessoas, (praticamente um terço de toda a população).mora em apenas nove metrópoles. As áreas metropolitanas, por sua vez, estão com sua administração pulverizada pelos municípios, o que significa uma quase total fragmentação, dependente para uma ação articulada, apenas da boa vontade e disponibilidade dos prefeitos que a constituem ou da colaboração entre governos municipais e governos estaduais (o que é raro). . Sobre essa questão (política urbana), Carlos Nelson dos Santos chamava atenção, durante debate que precedeu a Constituição Brasileira de 1988: Nem partidos, nem seus candidatos estão muito atentos a tais assuntos. Não usam falar deles, nem apresentam programas especiais. Em compensação, não há muita gente fazendo cobranças neste sentido. É forçoso aceitar que o tema é incipiente para a opinião em geral. Deverá ganhar destaque daqui a uns dez ou vinte anos. (dos SANTOS 1986) A ausência da política urbana, ou a prática vigente de gerir as políticas de habitação, saneamento e transportes urbanos como setoriais é grave porque denota uma incompreensão sobre a importância da gestão do uso e da ocupação do solo. Alem da profunda injustiça social, agressão ambiental e deseconomias resultantes de um processo que , em grande parte "corre solto", ilegalmente, sem a presença do chamado controle urbanístico, queremos chamar atenção sobre uma outra conseqüência: a violência urbana, assunto que preocupa atualmente toda a sociedade, pobres e ricos. Queremos demonstrar que há uma relação entre forma urbana e violência, ou que a segregação ambiental não é um simples reflexo ou suporte de uma sociedade que produz e reproduz a violência, mas é parte importante de um processo que tem no funcionamento do mercado imobiliário segregador, um expediente central de exclusão. A NOVA "(DES)ORDEM INTERNACIONAL" OU "(DES)AJUSTE GLOBAL" E A EXPLOSÃO DA VIOLÊNCIA O néo liberalismo trouxe os desempregados e sem tetos às ruas das principais cidades européias e norte americanas. Graças à " precarização" nas relações de trabalho, trabalhadores jovens perambulam com a família em traillers, em busca de trabalho temporário em várias regiões da Europa. (.VIRILIO 1994). Em 1993, a CEE apresentava 17,7 milhões de desempregados, a OCDE, 35 milhões. (MATTOSO 1994). Ainda em 1993, a CEE apresentava 2,5 milhões de pessoas sem abrigo, ou 7,5 % para cada 1.000 habitantes. (FEANTSA). Sem a ameaça do comunismo , sem 40 a forte pressão dos grandes sindicatos, hoje enfraquecidos, e sob forte crise fiscal, o capitalismo dos anos 70 abandona a fase fordista /keynesiana. Como nota Harvey, a fragmentação, a dualização, a favelização e o isolamento da pobreza, atingem as cidades britânicas e norte americanas causados por uma transição no regime de acumulação (e também no modo de regulação, adenda o autor, que se apropria de conceitos da escola francesa da regulação). O paradigma da flexibilização (tanto na produção quanto no mercado), substitui o da rigidez, característico da produção massiva fordista. (HARVEY, 1993). Enfim a palavra eficiência, antes subordinada à palavra equidade, foi alçada ao primeiro plano. (CANO 1994) A nova ordem ou ajuste ( desordem como quer Wilson Cano, desajuste como querem Maria da Conceição Tavares e José Luis Fiori) determina: desregulamentação/reregulamentação do mercado, redução e privatização do Estado, produção flexível e "precarização" nas relações de trabalho, incorporação de tecnologia complexa, predominância da esfera financeira, maior internacionalização da produção e do mercado em contraponto ao domínio baseado em territórios nacionais, apenas para dar um quadro muito esquemático da chamada modernização conservadora. (TAVARES e FIORI 1994, CANO 1993, LIPIETZ 1989, HARVEY 1993, MATTOSO 1994 ) Nos países desenvolvidos a nova ordem política e econômica partiu de um patamar (fordista /keynesiano) de relativa homogeneização da estrutura produtiva, do mercado de trabalho e também do consumo, construídas principalmente após a segunda guerra mundial. Pela primeira vez em sua história, o capitalismo nos países avançados combinou, então, crescimento econômico e pleno emprego; mecanismos de mercado e políticas estruturantes com ampliação e diversificação da intervenção estatal; economia internacionalizada e administração da demanda agregada; descentralização das decisões capitalistas e contratação coletiva crescentemente centralizada; elevação da produtividade e distribuição de renda. (MATTOSO 1994) O mundo periférico entretanto não viveu a generalização das políticas keynesianas. Sua situação era bem diferente no final dos anos 70, quando o impacto das mudanças internacionais atinge fortemente esses países. Como lembra Conceição Tavares: O custo dessa política de coordenação dos grandes países capitalistas foi, durante uma década, pago mais duramente pelo mundo periférico, seja capitalista ou socialista. (TAVARES 1994) A exclusão social acompanha o processo de industrialização / urbanização brasileiros. Exclusão e concentração são, como vimos, paradigmas constantes do capitalismo brasileiro. A década de 80 é marcada pelo fim do modelo desenvolvimentista adotado no Brasil a partir de 1930.11 Graças às altas taxas de juros internacionais incidentes na dívida externa, o Brasil passa a ser exportador de capital para os países ricos, ao lado de outros países pobres.(FIORI 1994) A concentração de renda se aprofunda, diminui o consumo de alimentos per capita, assim como diminui o poder aquisitivo do salário mínimo e aumenta o número de mulheres e crianças que se 1111Nunca é demais lembrar o intenso crescimento econômico brasileiro das últimas décadas, como fazem Schilling e Fiori, que resultaram nos grandes contrrastes pelo qual o Brasil é conhecido. O Banco Safra publicou o seguinte anúncio em importantes jornais de negócios internacionais: BRAZIL. A REAL COUNTRY. The largest economy in the Americas, after USA and Canada. Inflation dropping from almost 45% per month in June, to less than 2% in August, 1994.GDP of US$ 500billion, larger than Spain's,or China's, with a conservative growth estimate of 3,5% this year.(...). Exports worth US$ 40,4 billion in the last 12 months, resulted in a surplus of nearly US$ 13 billion, almost as big as France's.(...) Foreign reserves now at more than US$ billion, larger than Italy's or Britain's.A country with the most advanced banking system in Latin America and a higly sophisticated financial market. (Reproduzido pela FSP em 2/1/1995). 41 incorporam à força de trabalho como expediente para aumentar a renda familiar. O censo de 1991 revela um número de 3,2 milhões de crianças e adolescentes entre 0 e 17 anos que trabalham e estudam e 4 milhões que trabalham exclusivamente. (SCHILLING 1994)12 Se na Europa e Estados Unidos, parte dos trabalhadores se torna mais e mais descartável com a nova ordem que combina altos salários na indústria integrada , com desemprego ou terceirização a partir dos anos 70, não é de se estranhar que um caminhão da administração municipal de São Paulo, tenha esmagado a cabeça de uma criança que dormia na rua confundindo-a com lixo, numa operação de "limpeza urbana" em 1994. Durante os anos 80, uma quantidade inusitada de mendigos, moradores de rua e crianças abandonadas se incorpora à paisagem central das grandes cidades brasileiras. E agora mais ainda, quando a dinamização do capital se mostra ligada estruturalmente à criação de desemprego, recolocando a divisão social e a destrutividade da modernização competitiva no centro do debate europeu. Como será no Brasil, onde estes resultados não se produzem depois e sim antes de integrada a população ao mercado e às garantias sociais? (SCHWARZ 1994) A exclusão social como vimos não é uma característica que chegou à sociedade brasileira com a chamada "globalização". A novidade trazida pelo aprofundamento da pobreza nos anos 80, foi a explosão da violência urbana, que apresenta números e dimensão até então inéditos. Estamos nos referindo aqui à violência expressa através da criminalidade, em particular nos homicídios, mas é necessário lembrar que constitui expressão de violência a exclusão econômica, social, cultural, legal e ambiental da qual viemos tratando até agora. Numa sociedade tão desigual o conceito de violência está freqüentemente ligado à delinqüência proveniente dos marginais ou dos mais pobres. Trata-se de um conceito classista de uma sociedade que prioriza a defesa do patrimônio individual antes de priorizar por exemplo a integridade do trabalhador ou da criança. Vários autores já discorreram sobre a violência institucionalizada presente nas relações de trabalho, no sistema público de atendimento à saúde, nos acidentes de trânsito, na concentração da renda e privilégios, nos transportes congestionados durante longos percursos, nas migrações forçadas, ou na injustiça de um modo geral. (ANT e KOWARICK 1981; OLIVEN 1981; SANTOS 1989 entre outros). Outros trabalhos analíticos destacam a violência institucionalizada na ação da própria polícia. (MNMMR 1991, BICUDO 1898, NEV USP 1990, BENEVIDES 1983). O crescimento dos homicídios e latrocínios entretanto, (ao lado de roubos, sequestros, assaltos, etc.) é tão espetacular a partir dos anos 80, que se impõe como evidência na medida em que passa a fazer parte da experiência pessoal de cada dia, não apenas como assunto daqueles que tem muito a perder mas inclusive e principalmente daqueles que tem apenas a própria vida. Inúmeros são os levantamentos que revelam aquilo que qualquer cidadão morador de metrópole brasileira percebe: o aumento da violência criminal. Uma pesquisa do Centro Latino Americano de Estudos sobre Violência e Saúde (CLAVES), da Fundação Oswaldo Cruz, mostra que as mortes violentas passaram de quarto para segundo lugar entre as causas das mortes nas grandes capitais do país, sendo suplantadas somente por doenças cardio vasculares, durante o período de 1980 a 1988. Em levantamento feito em um setor específico da região metropolitana composto pelos municípios periféricos, que abrigam uma maioria de população pobre (Guarulhos, Franco da Rocha, Santa Isabel, Francisco Morato, Mairiporã, Caieiras e Cajamar), o Estudo Comparativo da 12 Segundo a PNAD/IBGE, em 1990, de um total de 1.362.119 jovens trabalhadores entre 10 e 14 anos, 91,4% não tinha carteira assinada. Dos 5.873.772 jovens entre 15 e 19 anos, 60,4% não tinham carteira assinada. Esses dados mostram que a maior parte do jovem trabalhador não tem direitos previdenciários e trabalhistas e que sua entrada no mercado de trabalho se faz, principalmente, via setor informal. A indústria de transformação é a principal fonte de emprego para crianças e adolescentes na área metropolitana de São Paulo. 42 fazendo com que nossa pretensão transformadora se defrontasse com uma realidade cujas dimensões pareciam ser maiores que nossa utopia. 13 Respondendo a levantamento do Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião, sobre as principais mudanças ocorridas nos últimos 10 anos, moradores de favelas do Rio de Janeiro responderam: o aumento da violência, cujas causas estão, segundo eles, externas à favela. A violência e o medo passam a fazer parte do cotidiano nas áreas concentradoras de pobreza. À violência presente nas condições ambientais e urbanas de vida e também na relação de trabalho, soma-se a convivência com a execução sumária de parentes , amigos ou vizinhos, mais freqüentemente de jovens. As mortes podem ter origens nas brigas de gangues mas também podem resultar de ação de bandidos ou dos próprios policiais. Neste contexto os setores populares terminam estabelecendo uma relação ambígua e permeada pelo temor, tanto com os agentes da lei quanto com seus transgressores. A proteção e a agressão podem tanto partir de um como de outro. (MNMMR 1991, p.46) Trata-se de uma população que vive cotidianamente alarmada entre a violência policial e a dos bandidos.( CDDH BENTO RUBIÃO, 1994, p. 64) James Petra, professor da Universidade do Estado de Nova York pesquisou a relação entre desindustrialização e delinquencia em cinco cidades norte americana - Detroit, Nova York, Boston, Chicago e Newark- durante um período de 38 anos, de 1950 a 1988, para concluir que há uma relação direta entre desemprego industrial e aumento da delinquencia. Segundo Petra não é apenas a pobreza, causa direta do aumento de roubos e homicídios, mas a perda da integração à sociedade, a estabilidade da família, como tambem a perda da autoridade do chefe de familia desempregado. Sem perspectiva de trabalho ou pelo menos à segurança de um trabalho regular; sem estímulo para estudar, discriminada pela cor e pela pobreza; envolvida por uma intensa publicidade que liga felicidade ao padrão de consumo inatingível; partícipe de uma realidade social desigual e arbitrária alem de fetichista, na qual convivem extremos de carências básicas e o consumo conspícuo; submetida a uma relação de favor com os políticos; crescendo em contato com a violência no cotidiano e tendo o crescente aumento das drogas como possibilidade de fuga e eventualmente de ganhos rápidos e fartos, essa é a realidade da imensa massa de jovens que habitam as periferias metropolitanas. Com a ausência da cidadania, o terreno é fértil para o desenvolvimento do crime organizado, especialmente através do tráfico de drogas. Essa realidade não poderia ser melhor descrita do que foi, na letra dos "raps" elaborados pelos jovens do conjunto Racionais MC, todos eles oriundos e moradores da região mais violenta de São Paulo (ver anexo). A EXCLUSÃO É UM TODO 14 No capítulo anterior destacamos que a exclusão ambiental é parte do processo de exclusão como um todo. Ela tem aspectos sociais (discriminação em relação a raça, cor, origem, gênero, idade), culturais, econômicos ( menores oportunidades de emprego, salários mais baixos, dificuldade de acesso à previdência), políticos (ausência da cidadania), e ambientais (dificuldade de acesso aos serviços e infraestrutura urbanos ). 13 O espaço político de participação popular continuou se ampliando até o final dos anos 80, provando que nossa utopia não se esvaziou durante esse período. Mas tambem é verdade que a violência tambem se acentuou, principalmente na região à qual nos referimos. 14Esta expressão foi retirada da Charte Européenne pour le Droit à Habiter et la Lutte contre L'Éxclusion .Ver bibliografia. 45 A violência também discrimina os moradores por renda , local de moradia e nível educacional como mostrou pesquisa do ISER para o Rio de Janeiro Se você é branco , próspero, instruído, provavelmente mora em uma região da cidade em que é raro o crime de morte. Para pretos e pardos, do sexo masculino, jovens entre 18 e 29 anos, pobres, residentes em áreas caracterizadas pelo baixo índice médio de escolaridade, os riscos se elevam e a situação pode chegar a ser grave. (ISER, 1994) A pesquisa do ISER mostra que as áreas de menor nível de escolaridade apresentam maior número de vítimas. Uma das faces centrais da exclusão é a ilegalidade generalizada, como já apontamos anteriormente: ilegalidade nas condições de moradia (favela, aluguel informal de cômodo, loteamento ilegal), ilegalidade nas relações de trabalho, ilegalidade na ação da polícia ou desconhecimento de tribunais para a resolução de conflitos, alem da impunidade O Estado não está simplesmente ausente, mas sua presença pode se dar de forma ambígua e arbitrária: repressor, paternalista, ou clientelista. Ignorância, baixas taxas de escolaridade, condições indignas de vida, manipulação da informação via oligopólio das comunicações, tornam a massa excluída campo fértil para as políticas clientelistas que contribuem para reproduzir e eternizar a exclusão. Nas eleições de 1994, candidatos com posições conservadoras tiveram sucesso eleitoral prometendo o que nunca poderão garantir a seus eleitores: segurança. A insegurança que é resultado da ordem injusta, torna-se fonte de manipulação e de manutenção da injustiça por efeito da "pobreza política" (DEMO 1993)15. Ausência do Estado, ou sua presença ambígua e arbitrária, ilegalidade generalizada, isolamento e segregação ambiental, tornam as áreas de exclusão social solo fértil para as "subculturas locais", que convivem contraditoriamente com a regulação hegemônica estatal, embora seja fundamental lembrar, como fez Vanderley Guilherme dos Santos, que a fratura da sociedade brasileira não se restringe ao espaço informal, mas se estende também às instituições. (GUILHERME DOS SANTOS 93) Nos textos e pesquisas que tratam da escalada e emergência da violência, uma constatação é recorrente: Essa gente passa a depender de seus mecanismos pessoais de defesa e a contar consigo mesma para uma reação . (Cel. Cruz, JT 2/8/94) "Entregue à própria sorte", " aqui vale a lei do mais forte", são expressões que revelam a existência de um território sem lei onde a cidadania inexiste. Oliven critica o termo violência urbana, por entender que ele desloca o foco sobre as verdadeiras causas da violência, vista como engendrada pelo espaço, considerado pelo autor "apenas o contexto no qual esta se manifesta".(OLIVEN, 1982). Clara Ant e L. Kowarick também entendem que as origens da violência estão nos "processos sócio-econômicos e políticos e não ecológicos". Mas é exatamente a participação do ambiente construído como agente ativo nesse quadro que queremos ressaltar. Se o conceito de violência urbana não satisfaz porque permite ocultar a real fonte dos conflitos, ignorar o ambiente construído como parte integrante da sociedade que produz essa violência (e também esse espaço discriminatório), também não satisfaz. SEGREGAÇÃO AMBIENTAL E VIOLÊNCIA 15Nas eleições municipais de 1992, o prefeito eleito de São Paulo tinha a segurança como um dos seus principais pontos de plaraforma eleitoral. Idem o senador da república ,eleito em 1994, Romeu Tuma, ex-chefe da Polícia Federal do governo Collor, alem de diversos deputados que durante os anos 80 se reelegeram continuadamente sob a promessa de segurança. 46 É realmente impressionante a ignorância e o desprezo que a maior parte dos economistas (hegemônicos em assessorar governos para definir o rumos do desenvolvimento) demonstram, em relação ao espaço, ao território, aos recursos ambientais. É também notável, como já destacamos, a ignorância e o desprezo das instituições brasileiras de um modo geral, em relação às deseconomias e problemas advindos do uso e ocupação irregulares. Aí está certamente mais um aspecto comportamental decorrente das raízes coloniais. Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Junior chamam atenção para as características dos ciclos econômicos brasileiros ligados à atividade exportadora: exploração predatória, descuidada e extensiva, visando o retorno rápido, levou sempre ao esgotamento das reservas naturais desde o ciclo do pau-brasil até os numerosos exemplos do final do século XX . Mas é nas regiões metropolitanas que vamos encontrar possivelmente a face mais dramática da ocupação irracional do solo (racional para o mercado), na medida em que este drama é visceralmente social e atinge uma quantidade imensa de pessoas e na medida em que o território é palco, alem de objeto e sujeito, de profundas contradições e desigualdade. Impossível separar ambiente construído e sociedade. O espaço é meio de produção submetido a determinadas relações de apropriação. Seu design, ou seja, a forma do ambiente construído resultante é força produtiva. Segundo Lefébvre, o espaço é um elemento ontológico de mesma importância do capital e do trabalho. Não pode ser tomado portanto apenas como suporte, receptáculo ou reflexo.(LEFEBVRE 1974) 16 Para Lefebvre, o Estado engendra a construção de uma estrutura espacial de poder, com relações hierarquizadas, essencial à sobrevivência do capitalismo. A hegemonia do que o autor chama de espaço abstrato em contraposição ao espaço social, é embasada em valores, regras, normas, que transformam o espaço em mercadoria e acarretam a segregação espacial. O urbanismo, que para Lefébvre é o pior inimigo do urbano, contribuiu sem dúvida para a construção de um mercado imobiliário capitalista, de relações de subordinação , de repressão, ou de segregação no espaço urbano. O estatuto da propriedade imobiliária está no centro da questão que estamos tratando. Observando as áreas de concentração de pobreza nas metrópoles brasileiras entretanto, o conflito que se estabelece não é entre o espaço social, construído através de relações complexas, libertárias, no cotidiano e o Estado normalizador e homogeneizador, apenas. Esse conflito de fato está presente nas lutas pela regularização fundiária (reconhecimento pelo Estado normalizador) ou pela implantação de infraestrutura nas áreas de ocupação ilegal. Mas existe paralelamente, um anseio por integrar-se à cidade legal. É notável a satisfação que os moradores de loteamentos que passam por regularização fundiária manifestam, ao receber o primeiro carnê do imposto predial e territorial contendo seu nome e endereço. A cidade do capitalismo periférico apresenta, como nos países centrais, a clássica luta de moradores de bairros tradicionais, contra a remoção motivada pela construção de mega projetos que invariavelmente estão associados à renda imobiliária. Ela apresenta também o fenômeno da "gentrification" - expulsão da população pobre dos bairros reciclados. Mas apesar de ambígua, arbitrária e repressora, a presença do Estado tem sido desejada nas áreas em que predominam relações que lembram o "far west" sem lei. Talvez seja possível afirmar que as cidades do capitalismo periférico não apresentam diferenças estruturais com as do primeiro mundo como afirmam alguns estudiosos (BALBO e BOUCHANINE, 1993; BALBO 1992). Talvez elas apresentem, dependendo de cada caso, um aprofundamento maior da fragmentação, da desigualdade, da segregação, dos conflitos, dos problemas e contradições, na linha do "desigual combinado". Certamente os tempos e espaços dos 16 Lembrando estudos de Lefebvre e Foucault, Harvey destaca a importância fundamental do espaço para o exercício das relações de poder. (HARVEY 1993) 47 Como se pode observar e por mais estranho que possa parecer , a curva de mortalidade do Jardim Ângela cai após a idade de 49 anos. Comparada à curva de mortalidade do Jardim Paulista, todas as faixas de idade do Jardim Ângela, até essa idade, apresentam números maiores, a começar pela mortalidade infantil (menores de 1 ano de idade). A tendencia à violência continuou se acentuando no bairro pois durante o ano de 1995, 205 moradores do morreram assassinados . Os efeitos perversos das “bombas sócio ecológicas”recaem principalmente sobre os proprios moradores dessas áreas. ...no período entre maio de 1990 a abril de 1991,o homicídio representou 38% das mortes violentas na região central enquanto que nas periferias o percentual foi cerca de 60%... (PROAIM / PMSP) No ano de 1991, segundo o PROAIM, foram assassinados 506 crianças e jovens menores de 18 anos no município de São Paulo. Em Santo Amaro, nesse período, ocorreram 93,5 mortes por homicídio para cada 100.000 habitantes Estão na região de Santo Amaro, ao sul do município de São Paulo, os bairros Capão Redondo, Jardim Ângela, Parque Santo Antonio, Parque São Luiz, Grajaú Parelheiros, Marsilac e Pedreira, entre outros. Santo Amaro reúne 39,50% dos domicílios em favelas de todo o município de São Paulo. Analisando a metrópole paulista, Milton Santos se refere à imobilidade relativa do morador da periferia e de seu isolamento em guetos devido à dificuldades com o transporte coletivo, que exige um longo tempo e um custo muito alto em seus percursos. Milton desenvolve a idéia de metrópole fragmentada a partir da constatação do isolamento dos pobres em seus bairros. A imobilidade de tão grande número de pessoas leva a cidade a se tornar um conjunto de guetos e transforma sua fragmentação em desintegração (SANTOS 1990). Milton lembra que a metrópole de São Paulo, ao contrário de outras metrópoles do primeiro mundo , apresenta um crescimento do número de viagens em transporte individual. E nesse aspecto, São Paulo se assemelha a Caracas. Quem mais ganha mais viaja. Quem ganha pouco não se locomove. (SANTOS 1990). Para contrariar a impressão que os exemplos acima podem deixar, ou seja, de que a concentração homogênea e segregada de pobres se deve à ausência do Estado vamos lembrar que as políticas habitacionais oficiais promoveram com muita freqüência esse fenômeno, em todo o mundo. Na França, por exemplo, a concentração de trabalhadores imigrantes (árabes, hindús, africanos, etc.) em grandes, massivos e isolados conjuntos habitacionais, resultaram em áreas consideradas "doentes" devido ao grande número de conflitos e à deterioração ambiental, alem dos aspectos relativos à qualidade da construção. As reformas desses conjuntos, que incluem até a 50 implosão de edifícios de 15 andares, seguiram uma diretriz tardiamente aprendida: reinserir a área na cidade para favorecer a inserção social. (Ensembles 1994). Uma imagem detestável, um habitat ao abandono, uma população à deriva. Assim se refere Louis Marie a um conjunto habitacional construído no início dos anos 60 em Dreux e habitado pela maioria de estrangeiros. "No man's land", foi outra expressão utilizada no mesmo texto para se referir a esse conjunto. Na história da política habitacional brasileira, a má localização ( segregação ambiental) dos conjuntos habitacionais tem sido mais uma regra esmagadora do que a exceção. A Vila Kennedy no final dos anos 60, o mutirão das mil casas de Goiânia em meados dos 80 ou o desastre representado por Cidade Tiradentes em São Paulo, em 1990, são alguns casos exemplares de uma política que, alem de demagógica, dispendiosa e ineficaz para a solução de problemas sociais resultaram, ao contrário, em espaços segregados que contribuíram, ao lado de outros, para a geração de conflitos e violência. (MARICATO e MORAES 1986; MARICATO e PEDROSA 1990). Os exemplos pretendem mostrar que o ambiente construído não pode ser dissociado da sociedade desigual e discriminatória. Discriminação social e segregação ambiental andam juntas. A diferenciação é uma das características sobre as quais se realiza o mercado imobiliário, na sociedade capitalista. O aumento do desemprego acarreta um aumento da violência. A segregação urbana com concentração da pobreza fornece um ambiente favorável à disseminação e à reprodução da violência. A reversão desse quadro não dispensa o investimento na qualidade ambiental dessas regiões ao lado de programas destinados à geração de emprego e renda. O município de Diadema, apresentava um dos piores quadros sociais e ambientais da metrópole paulistana no início dos anos 80 com 25% da população morando em favelas e uma alta densidade de ocupação do solo. No entanto essa condição tem apresentado uma mudança muito grande e significativa Em 1983 Diadema exibia 82,96 óbitos de crianças com menos de 1 ano de idade para cada 1000 nascidos vivos. Em 1994 essa taxa é de 23,00. (PM DIADEMA) Essa grande mudança se deveu a investimentos diretos na área de saúde somados aos investimentos na melhoria da qualidade ambiental de vida. Os exames pré natais atingem a praticamente 100% das mulheres de Diadema. Das 194 favelas existentes, 129 foram urbanizadas o que vale dizer que aproximadamente 60.000 pessoas passaram a contar com água tratada, rede de esgotos, iluminação pública, galerias de água pluvial, muros de arrimo contra desmoronamentos e um sistema viário e de pedestres. Este sistema permitiu a entrada nos locais, da coleta do lixo, da ambulância, do gás a domicílio, alem de melhorar o acesso aos transportes. Segundo a Delegacia Sede de Diadema da Polícia Civil, os crimes, sob cuja rubrica são contabilizados: os homicídios, as tentativas de homicídios, os assaltos, roubos, agressões, porte de armas, e porte de drogas, tiveram diminuição em todas essas modalidades durante o período de 1991 a 1994 : 51 NÚMERO DE CRIMES EM DIADEMA 1991/ 1994 MORALIDADE ANO 1991 ANO 1992 ANO 1993 ANO 1994 homicídios 31 30 28 24 tentat. homicídios 05 05 04 00 assaltos 110 94 81 76 roubos 126 110 73 66 agressões 98 84 77 63 porte de drogas 06 05 03 02 armas apreend. 66 59 47 37 TOTAL 442 387 313 268 Fonte: Polícia Civil, Delegacia Sede de Diadema As autoridades policiais argumentam que o aumento dos quadros e equipamentos da polícia foram fundamentais para obtenção desses resultados mas reconhecem também, ao lado da população e lideranças do comércio que a urbanização através da pavimentação de quase 100% das ruas do município e a iluminação pública, foram fundamentais. (Diário do Grande ABC, 23/3/94) É preciso relembrar que Diadema representava um dos piores casos de qualidade de vida ambiental e social na área metropolitana de São Paulo e que essa mudança se dá num contexto de aumento da violência e do desemprego na região e em todo o país. Um aumento dos recursos policiais em outras áreas não deram o mesmo resultado. Testemunhos da população dão conta da diminuição da violência após a urbanização. O medo de sair de casa à noite também diminuiu.(Diário do Grande ABC, 26/3/94) A melhoria geral das condições de vida da população, a partir da urbanização e da regularização fundiária de favelas é óbvio para quem tem vivência com o assunto mas apenas o caso de Diadema permite uma comprovação mais rigorosa do impacto que a continuidade administrativa de semelhante política pública pode causar em áreas de concentração de pobreza. Durante três gestões municipais (Diadema está na terceira gestão de governo petista), a prefeitura rompeu com o ciclo convencional da política municipal conservadora e investiu em políticas sociais. Após 10 anos de continuidade administrativa democrática, o que é raro no Brasil, os indicadores comprovam as mudanças de um dos piores quadros de metrópole no capitalismo periférico. 52 mesmo, o Estado ignora a ocupação generalizada das áreas públicas e até mesmo das áreas de proteção ambiental. É realmente surpreendente como as camadas dominantes conseguiram infundir na desinformada opinião pública brasileira que : a) o bode expiatório da atual crise é o Estado que foi até agora por ela moldado b) que a privatização do Estado é a principal alternativa para a crise, e c) atribuir às forças organizadas e democráticas a responsabilidade pela defesa desse Estado marcadamente ineficaz para os interesses da maioria. (SOUZA 1992) Alem da publicidade massacrante, essas idéias ganharam legitimidade na opinião pública brasileira, como mostram os levantamentos de opinião feitos pelos jornais FOLHA e OESP em meados dos anos 90, devido ao reconhecimento amplo e difuso da ineficácia e burocratização do Estado. Construído à imagem e semelhança do pacto entre os setores arcaicos e modernos (internos e externos) presentes no desenvolvimento da sociedade brasileira, suas mazelas passam a ser atribuídas ao conjunto dos trabalhadores organizados. Através do ataque frontal ao corporativismo de trabalhadores das empresas estatais (como não reconhecê-lo?) busca-se eliminar algumas das poucas manifestações modernas no mundo do trabalho. (Enquanto que o sindicalismo moderno das empresas privadas é acusado de "elite" dos trabalhadores brasileiros, que atenta contra a estabilização econômica dos país com suas reivindicações salariais "abusivas", conforme declaração do ex-Ministro da Fazenda Ciro Gomes durante durante a negociação salarial dos metalúrgicos do ABCD em 1994). Sem dúvida trata-se de uma armadilha na qual os setores democráticos e populares organizados caíram: a que lhes atribui a defesa do Estado que aí está. A conquista do direito à cidade para todos, ou como já convencionamos chamar , a Reforma Urbana visando a justiça social, exige sem dúvida uma nova normatização que seja extensível a toda a população. Ao lado da generalização das ações de urbanização e regularização fundiária nas áreas já consolidadas é necessário construir parâmetros gerais e democráticos para toda a cidade e não somente para uma minoria. (AITEC 1994) E isso, como já fizemos notar, significa não apenas transformar os parâmetros que regulam o mercado altamente restrito e especulativo, mas também democratizá-lo, generalizar a cidadania, criar e colocar em prática o conceito de gestão pública do Estado. Não se trata portanto de praticar políticas compensatórias para mitigar a pobreza quando a pobreza não é um dado marginal mas estrutural, daí a insistência no conceito de exclusão. Não existe uma alternativa simples, que seja justa e democrática à cidade excludente. A generalização de experiências pilotos ou programas pontuais bem sucedidos de garantia do direito à cidade (qualidade ambiental e cidadania) passa pela reforma fundiária e pela transformação do mercado. Existe pouco acúmulo ou experiências para uma nova normatividade urbana mais igualitária e ambientalmente sustentável no mundo periférico. Alem disso se lembrarmos da distancia entre o discurso e a prática , ou entre a normatividade e a realidade urbanas, ou ainda entre o planejamento e a gestão urbanos, características tradicionais da política brasileira, veremos que uma nova normatividade sem uma prática urbana correspondente, somente reafirmará as "idéias fora do lugar”. É do conhecimento da realidade urbana que emergirão os novos padrões de urbanização e uma nova ordem legal extensivos a toda a cidade e a todos os cidadãos. Dado o grande desconhecimento das verdadeiras dimensões dos problemas urbanos em uma sociedade como a nossa, a luta pela Reforma Urbana tem, o plano ideológico, como um de seus pontos estratégicos: elevar o nível de consciência sobre a cidade real (junto à opinião pública, governos, políticos, profissionais, judiciário, empresários , etc.), desmontando a construção idealizada da cidade hegemônica ("ilhas de primeiro mundo"), romper com a setorialização em sua administração, romper com a alienação dos legisladores e juristas, criar a consciência do direito à cidade junto aos excluídos. A capacitação de profissionais, funcionários públicos e privados, lideranças sociais para uma intervenção projetual/ambiental, jurídica, social, cultural e política 55 democráticas, é absolutamente fundamental, para se contrapor à pratica tradicional e arcaica do Estado brasileiro: privatista, cartorial, burocrática, elitista, clientelista e autoritária. Este texto não pretendeu desenvolver uma análise exaustiva sobre o urbanismo no capitalismo periférico. Êle não se propôs também a fazer um apanhado sobre as raízes históricas do quadro urbano atual, nem de sua base legal. As razões determinantes da violência, dita urbana, não foram aqui exaustivamente analisadas. O tráfico de drogas foi apenas mencionado de passagem. As características da ação da polícia também. Não se afirmou a condição ambiental urbana ou de pobreza, na determinação da violência, mas combateu-se a ignorância e o ocultamento dessa correlação, grandes cidades do Brasil. Mais do que análise sistemática, a pretensão aqui foi a de contribuir para desvendar a representação ideológica alienada sobre a metrópole brasileira que embasa a ação discriminatória do Estado e do mercado. Pretendeu ainda também contribuir para apressar o fim do planejamento urbano descomprometido com a realidade empírica, com a luta pela vida e pelo espaço e com as práticas urbanas concretas. Pretendeu elucidar fatos sobre uma realidade que se oculta e se dissimula sob ardilosa construção ideológica Melhor seria para todos se o novo e inevitável paradigma industrial e tecnológico brasileiro implicasse em menos desigualdade, contrariando, o que é muito difícil, não só a tendência internacional como também interesses seculares internos ao país. Pretendeu-se destacar também que este novo paradigma, qualquer que seja, não será satisfatório se não incluir a melhoria da qualidade ambiental ou melhoria da habitabilidade de grande parte da população brasileira, o que significa mudar o estatuto da terra e universalizar os direitos legais ou o acesso à justiça. 56 IMAGENS DA CIDADE OCULTA Fotos de NAIR BENEDITO / N-IMAGENS 57 E tudo é exatamente igual calor insuportável, 28 graus faltou água já é rotina, monotonia não tem prazo pra voltar, já fazem 5 dias. São dez horas a rua está agitada uma ambulância foi chamada com urgência, loucura, violência, exagerada, estourou a própria mãe e estava embriagado. Mas bem antes da ressaca ele foi julgado, arrastado pela rua. O pobre do elemento inevitável julgamento imagine só ele ficou bem feio não tiveram dó. Os ricos fazem campanha contra as drogas e falam sobre o poder destrutivo delas. Por outro lado promovem e ganham muito dinheiro com álcool que é vendido na favela. Impapuçado ele vai dar um rolê e não acredita no que vê. Não daquela maneira crianças, gatos, cachorros disputam palmo a palmo seu café da manhã. Na lateral da feira molecadas sem futuro eu já consigo ver só vão na escola pra comer apenas nada mais. Como é que vão aprender. Sem incentivo de alguém. Sem orgulho. Sem respeito. Sem saúde. Sem paz! Um mano meu tava ganhando um dinheiro. Tinha comprado um carro até Rolex tinha Foi fuzilado a queima roupa num colégio Abastecendo a playboisada de farinha Ficou famoso virou notícia Rendeu dinheiro aos jornais Cartaz à polícia 20 anos de idade alcançou os primeiros lugares Super star do Notícias Populares uma semana depois chegou o crack Gente rica por trás, diretoria aqui na periferia miséria de sobra. Um salário por dia garante a mão de obra. A clientela tem grana e compra bem Tudo em casa costa quente de sócios: A playboisada muito louca até os ossos, vender droga por aqui grande negócio Sim ganhar dinheiro ficar rico enfim. Quero um futuro melhor. Não quero morrer assim Num necrotério qualquer Um indigente sem nome, sem nada. 60 Um homem na estrada. Assaltos na redondeza levantaram suspeitas Logo acusaram a favela para variar. E o boato que corre é que o homem. Está como seu nome lá. Na lista dos suspeitos. Pregada na parede do bar. A noite chega e o clima estranho no ar e ele sem desconfiar de nada vai dormir tranqüilamente. Mas na calada cagüetaram seus antecedentes. Como se fosse uma doença incurável no seu braço a tatuagem, D.V.C. uma passagem 157 na lei Ao seu lado Não tem mais ninguém a Justiça Criminal é implacável tiram sua liberdade família e moral mesmo longe do sistema carcerário Te chamaram para sempre De ex-presidiário não confio na polícia raça do caralho. Se eles me acham baleado na calçada Chutam minha cara e cospem em mim E eu sangraria até a morte Já era, um abraço Por isso a minha segurança Eu mesmo faço É uma hora parece estar tudo normal Mas esse homem desperta Pressentindo o mal Muito cachorro latindo ele acorda ouvindo Barulho de carro e passos no quintal A vizinhança está calada, insegura Premeditando um final Que já conhecem bem ' Na madrugada da favela Não existe leis Talvez a lei do silêncio A lei do cão talvez Vão invadir o seu barraco É a polícia Vieram para arregaçar Cheio de ódio e malícia Filhos da puta Comedores de carniça Já deram a minha sentença E eu nem tava na treta Não são poucos e já vieram muito loucos Matar na crocodilagem Não Vão perder viajem 15 caras lá fora, diversos calibres e eu apenas com uma 61 13 tiros automática Sou eu mesmo e eu meu Deus e meu Orixá No primeiro barulho eu vou atirara Se eles me pegam meu filho fica sem ninguém O que eles querem mais um pretinho na Febem Sim ganhar dinheiro, ficar rico enfim a gente sonha a vida inteira e só acorda no fim Minha verdade foi outra Não dá mais tempo pra nada não 62 A minha área me espera Gritaria na feira. Vamo chegando eu gosto disso Mais caro humano Na periferia a alegria é igual É quase meio dia a euforia é geral É lá que moram meus irmãos Meus amigos E a maioria por aqui Se parece comigo E eu também sou bam bam bam É o que mando , o pessoal desde As 10 da manhã, está no samba Preste atenção no repique é atenção No acorde (Como é que Mano Brown? Neto NJ) Pode crê pela ordem A número, número 1 em baixa renda da cidade, comunidade zona sul e Dignidade Tem um corpo na escadão a tiazinha Desce o morro Polícia a morte Polícia socorro Aqui não vejo nenhum clube poliesportivo Pra molecada freqüentar nenhum incentivo O investimento no lazer é muito escasso É o centro comunitário é um fracasso. Mas ai, se quiser se destruir Está no lugar certo Tem bebida e cocaína sempre por perto a cada esquina, cem, duzentos metros, nem sempre é bom ser esperto Shimitch, Taurus, Rossi Dreher ou Campari Pronúncia agradável Estrago inevitável Nomes estrangeiros que estão no nosso meio Pra matar M.E.R.D.A. Como se fosse ontem Ainda me lembro 7 horas sábado, 4 de dezembro 1 bala, 1 moto, com dois imbecis Mataram nosso mano Que fazia o morro mais feliz E indiretamente ainda faz 65 Mano Rogério esteja em paz Vigiando lá de cima A molecada do Parque Regina Refrão To cansado dessa porra, de toda essa bobagem Alcoolismo, vingança, treta, malandragem Mães angustiadas, filho problemático Famílias destruídas, fins de semana trágicos O sistema quer isso A molecada tem que aprender Fim de semana no Parque Ipê 66 BIBLIOGRAFIA AITEC. Occupation et regularisation fonciere au regard des droits au logement et a la ville.-Declaration. Paris. 1994. ADENAUER STIFTUNG, Fundação Konrad. Ecologia e economia. In Traduções. São Paulo, 1992. ARANTES, Paulo Eduardo. Sentimentos da dialética. São Paulo: Paz e Terra, 1992. AZEVEDO, Sérgio. Habitação e violência. In : Revista do Legislativo. Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte. N. 3, abr/ jul 1993. AZZONI, Carlos Roberto. 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