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Desafios para a Saúde Coletiva no Século XXI, Exercícios de Enfermagem

A atenção à saúde pode ser examinada basicamente mediante dois enfoques: a) como resposta social aos problemas e necessidades de saúde; b) como um serviço compreendido no interior de processos de produção, distribuição e consumo.

Tipologia: Exercícios

2017

Compartilhado em 21/10/2017

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Baixe Desafios para a Saúde Coletiva no Século XXI e outras Exercícios em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! Desafios para a no Século XXI Desafios para a Saúde Coletiva no Século XXI Sem título-2 30/7/2010, 12:021 ©2006 by Jairnilson Silva Paim Direitos para esta edição, cedidos à Editora da Universidade Federal da Bahia. Feito o depósito legal. Capa e projeto gráfico Angela Garcia Rosa Revisão Denise Coutinho Tânia de Aragão Bezerra Magel Castilho de Carvalho EDUFBA Rua Barão de Geremoabo, s/n Campus de Ondina 40170-115 Salvador Bahia telefax (71) 32636160 www.edufba.ufba.br www.edufba@ufba.br P143 Paim, Jairnilson Silva. Desafios para a saúde coletiva no século XXI / Jairnilson Silva Paim. - [Salvador]: EDUFBA, 2006. 158 p. ISBN 85-232-0395-8 1. Saúde pública - Brasil. 2. Sistema Único de Saúde (Brasil). 3. Política de saúde - Brasil. 4. Política social - Brasil. I. Título. CDU – 614.2(81) CDD – 6140981 Biblioteca Central Reitor Macêdo Costa - UFBA 154 Sem título-2 30/7/2010, 12:024 Ao Luca, meu neto, nossa alegria, a sua mamãe Marcele, dindo Maurício, vovó Teca e bisa Zazá Sem título-2 30/7/2010, 12:025 Sem título-2 30/7/2010, 12:026 A coletânea Desafios para a Saúde Coletiva no Século XXI inspira-se no título de um seminário internacional promovido pela Organização Pan-Americana de Saúde, em agosto de 2005, visando a arti- culação daqueles que defendem a construção de sistemas de saúde univer- sais, equitativos e de natureza pública. Tendo sido convidado, naquela oportunidade, para discutir a proposta da Nova Saúde Pública, ressaltei que a Saúde Coletiva latino-americana encon- trava-se em condições de contribuir com princípios e estratégias para o dese- nho dos referidos sistemas. Registrei, além disso, que o projeto da Reforma Sanitária Brasileira possibilitou, a duras penas, implantar o Sistema Único de Saúde (SUS), cujos princípios e diretrizes poderiam servir de referência em tor- no dos seguintes valores: universal, público, democrático, culturalmente sen- sível, igualitário, ético, equitativo e solidário. Os textos aqui publicados discutem políticas públicas e movimentos ideo- lógicos que têm influenciado o campo social da saúde. Nessa perspectiva, a Saúde Coletiva representa uma aposta em novos pressupostos, métodos e práticas sociais, em vez de contentar-se em fazer do mesmo jeito, como tem ocorrido com a saúde pública convencional. Projetos, sonhos, engenho, tra- balho e arte transcendem a produção de bens e a prestação de serviços de saúde. Podem compor movimentos contra-hegemônicos capazes de consti- tuir sujeitos públicos comprometidos com novos modos de vida. Estes são os motivos que impulsionaram a composição deste livro. A sua publicação, no entanto, tornou-se possível com o apoio de Isabela Pinto e Flávia Goulart, além do generoso e dedicado trabalho de revisão efetuado por Denise Coutinho. Aproveito o ensejo desta Apresentação para expressar- lhes a minha gratidão. Jairnilson Paim Apresentação Sem título-2 30/7/2010, 12:029 Sem título-2 30/7/2010, 12:0210 1 1 Atenção à saúde no Brasil1 1 Texto originalmente publicado em: Brasil. Ministério da Saúde. Saúde no Brasil – Contribuições para a Agenda de Prioridades de Pesquisa. Brasília – Ministério da Saúde,2004. p. 15-44. Introdução A atenção à saúde pode ser examinada basica- mente mediante dois enfoques: a) como resposta social aos pro- blemas e necessidades de saúde; b) como um serviço compreendido no interior de processos de produção, distribui- ção e consumo. Como resposta social, insere-se no campo disci- plinar da Política de Saúde, sobretudo quando são analisadas as ações e omissões do Estado no que tange à saúde dos indivíduos e da coletividade. Como um serviço 2 , a atenção à saúde situa-se no setor terciário da economia e depende de processos que per- passam os espaços do Estado e do mercado 3 . Mas ao tempo em que é um serviço, a atenção à saúde engendra mercadorias produzidas no setor industrial a exemplo de medicamentos, imunobiológicos, equipamentos, reagentes, descartáveis, alimen- tos dietéticos, produtos químicos de diversas ordens etc. Nesse caso, o sistema de serviços de saúde configura-se como lócus privilegiado de utilização dessas mercadorias e, como tal, alvo de pressão para o consumo, independentemente da existência ou não de necessidades. No estudo desta dinâmica é imprescindível o recurso à Economia Política (AROUCA, 1975; BRAGA & GOES de PAULA, 1978). A atenção à saúde pode sofrer as influências do perfil epidemiológico da população, que depende, fundamentalmen- te, das condições e estilos de vida (modo de vida) e se expressa em necessidades (sofrimento, doença, agravos, riscos, vulnerabilidade ou ideais de saúde) e demandas por consultas, Sem título-2 30/7/2010, 12:0211 14 1967; LEAVELL & CLARK, 1976). No momento pré-patogênico, ou seja, antes da ocorrência da doença, seria possível desenvolver um conjunto de ações inespecíficas e específicas para evitar o aparecimento do problema. Essas medi- das eram conhecidas como prevenção da ocorrência ou prevenção primária, compreendendo as ações de promoção e de proteção da saúde. No momento patogênico, poder-se-iam identificar uma fase anterior ao horizonte clínico, no qual a detecção precoce da doença seria realizada mediante triagem [screening] e exames periódicos de saúde; uma etapa em que os sinais e sintomas permiti- riam o diagnóstico e a limitação do dano por meio da clínica; e, finalmente, um estágio em que poderiam restar seqüelas para as quais caberiam ações com vistas a atingir uma adaptação possível. As medidas adotadas neste momento podem ser identificadas genericamente como prevenção da evolução (HILLEBOE & LARIMORE, 1965) ou como prevenção secundária (recuperação da saúde) e prevenção terciária (reabilitação da saúde). Assim, a medicina integral seria aquela capaz de articular esses cinco ní- veis de prevenção (promoção, proteção, diagnóstico precoce, limitação do dano e reabilitação) sobre o processo saúde-doença. Já a Medicina Preventi- va, como proposta de reforma em saúde das mais parciais, fundamentava uma política que separava a promoção e proteção da saúde para as agências estatais de saúde pública e as demais ações para a medicina privada. Como tentativa de preservação da medicina liberal contra a intervenção estatal, a Medicina Preventiva produziu o dilema preventivista (AROUCA, 1975), ou seja, a dificuldade de implantação do seu projeto em sociedades capitalistas, especialmente naquelas que não realizavam transformações profundas na organização dos serviços de saúde. O movimento sanitário brasileiro efetuou uma crítica à Medicina Preventi- va e a outros movimentos de reforma em saúde fundamentada em diversos estudos (AROUCA, 1975; DONNÂNGELO, 1976; PAIM, 1986). Diante das insuficiências teóricas e políticas desses movimentos, tornou-se necessário trans- formar muitas das suas noções em conceitos teóricos e proposições políticas. Assim, a noção de integralidade poderia ilustrar este esforço e, ao mesmo tempo, os conseqüentes desafios teóricos, políticos, culturais, metodológicos e técnico-operacionais. Os textos que alimentaram as discussões da 8ª Conferência Nacional de Saúde apontavam para o princípio da integralidade e o Relatório Final a con- templou (Conferência Nacional de Saúde, 1987). Todavia, a Constituição, ao apresentar as diretrizes para o SUS, concebe-o como “atendimento integral, Sem título-2 30/7/2010, 12:0214 15 com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais” (BRASIL, 2003a, p. 20). Esta retórica contorcionista pode refle- tir uma visão de sistema de saúde que identifica ações preventivas com a saúde pública institucionalizada (Estado) e serviços assistenciais com atenção médica individual (iniciativa privada) ou a busca de conciliação entre um mo- delo de atenção clinicamente orientado e aquele vinculado ao trabalho programático em saúde. No que pese esta solução de compromisso, tentando uma coexistência pací- fica entre a demanda espontânea e a oferta organizada ou entre os princípios do impacto e da não-rejeição da demanda (PAIM, 1993), a Constituição e a Lei Orgânica da Saúde valorizaram as noções de promoção e proteção da saúde, reforçando a concepção de integralidade da atenção (BRASIL, 2002b). Esta lei estendeu a noção para os distintos níveis de complexidade do sistema de servi- ços de saúde, incorporando a idéia de continuidade da atenção. Em conseqüência, as bases conceituais da Reforma Sanitária BRASILeira (PAIM, 1997) contemplaram originalmente a integralidade em pelo menos quatro perspectivas: a) como integração de ações de promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde compondo níveis de prevenção primária, secundária e terciária; b) como forma de atuação profissional abrangendo as dimensões biológica, psicológica e social; c) como garantia da continuidade da atenção nos distintos níveis de complexidade do sistema de serviços de saúde; d) como articulação de um conjunto de políticas públicas vinculadas a uma totalidade de projetos de mudanças (Reforma Urbana, Reforma Agrária etc.) que incidissem sobre as condições de vida, determinantes da saúde e dos riscos de adoecimento, mediante ação intersetorial. Nesse processo político e técnico-assistencial, distintas propostas alternati- vas de modelos de atenção valorizaram o princípio da integralidade buscando formas de operacionalização (PAIM & TEIXEIRA, 1992; PAIM, 1993; TEIXEIRA, PAIM e VILASBÔAS, 2002; CAMPOS, 2003). Assim, diferentes sentidos e significados passaram a ser atribuídos a este princípio (PINHEIRO & MATTOS, 2001). A integralidade, como noção polissêmica, pode ser vista como imagem- objetivo ou bandeira de luta, como valor a ser sustentado e defendido nas práticas dos profissionais de saúde, como dimensão das práticas e como ati- tude diante das formas de organizar o processo de trabalho (MATTOS, 2001). Nessa perspectiva, haveria a possibilidade de esclarecimento e construção de acordos em torno da integralidade no propósito de estabelecer princípios Sem título-2 30/7/2010, 12:0215 16 organizadores da assistência (CAMARGO JR., 2001). Finalmente, pode-se considerar uma definição ampliada de integralidade a partir de uma taxonomia de necessidades de saúde centrada em quatro conjuntos: a) “boas condições de vida”, decorrentes dos fatores do ambiente ou dos lugares ocupados no processo produtivo; b) acesso a toda tecnologia capaz de melhorar e prolon- gar a vida; c) “vínculos (a)efetivos” entre cada usuário e equipe/profissional de saúde; d) graus crescentes de autonomia no modo de levar a vida (CECÍLIO, 2001). Constata-se na literatura recente um esforço de reflexão teórica (PINHEI- RO & MATTOS, 2001; MATTOS, 2003), bem como pesquisas empíricas vol- tadas para o estabelecimento de critérios que contemplem a integralidade da atenção (GIOVANELA et al., 2002). Assim, os sistemas de serviços de saúde organizados na perspectiva da integralidade da atenção adotariam certas pre- missas: primazia das ações de promoção e prevenção; garantia de atenção nos três níveis de complexidade da assistência médica; a articulação das ações de promoção, prevenção, cura e recuperação; a abordagem integral do indi- víduo e famílias (GIOVANELA et al., 2002). Contudo, caberia certa precau- ção crítica no sentido de evitar que o redimensionamento conceitual possa resultar no esvaziamento teórico do próprio conceito, pois se a integralidade fosse tudo, perderia o seu potencial heurístico. Portanto, ao lado do trabalho de investigação teórica e empírica, cabe ampliar o espaço de intervenção voltado para a integralidade, mediante ações desenvolvidas no território e nos serviços de saúde, considerando os aspectos relativos à construção do conhecimento, à formulação de políticas e à redefinição de práticas de saúde (CAMPOS, 2003). Este autor, tomando como referência o princípio constitucional da integralidade da atenção à saúde, exa- minou certos desafios da sua implementação, analisando a proposta da vigi- lância da saúde e as mudanças promovidas pelo Ministério da Saúde no âm- bito da atenção básica e, especialmente, do Programa de Saúde da Família (PSF). Reconheceu que a construção coletiva e social da prática sanitária de- corre de um processo dialético no qual se envolvem instâncias distintas com dimensão política e técnica. No que tange à dimensão política, podem ser identificadas condições institucionais que possibilitam a construção de consensos, a regulamentação dos dispositivos legais e os mecanismos de financiamento. No caso da dimen- são técnica, vincula-se ao conhecimento produzido segundo modelos teóri- cos e permite orientar a organização e a gestão do sistema de saúde, Sem título-2 30/7/2010, 12:0216 19 e eqüidade, além de permitirem um diálogo dessa proposta com outras alter- nativas de modelos de atenção e de organização de serviço. A partir desse referencial teórico e metodológico, a vigilância da saúde tem sido identificada com os seguintes aspectos: • Esforço para integrar a atuação do setor saúde nas várias dimensões do processo saúde-doença, especialmente do ponto de vista da sua deter- minação social. • Operacionalização dos sistemas de saúde de forma a se respeitar uma visão que se pretende mais totalizadora. • Eixo reestruturante da maneira de se agir em saúde, buscando enfrentar problemas de saúde de forma integrada por setores que historicamente têm trabalhado de forma dicotomizada. • Consideração dos determinantes sociais, os riscos ambientais, epidemiológicos e sanitários associados e os desdobramentos, em ter- mos de doença. • Novo olhar sobre a saúde levando em conta os múltiplos fatores envolvi- dos na gênese, no desenvolvimento e na perpetuação dos problemas. • Envolvimento de todos os setores governamentais, vendo o indivíduo e a comunidade como sujeitos do processo. • Princípio da territorialidade como sua principal premissa. • Território entendido como o espaço onde vivem grupos sociais, suas rela- ções e condições de subsistência, de trabalho, de renda, de habitação, de acesso à educação e seu saber preexistente, como parte do meio ambiente, possuidor de uma cultura, de concepções sobre saúde e doen- ça, de família, de sociedade etc. • Definição de problemas e prioridades e obtenção de recursos para aten- der às necessidades de saúde da comunidade, considerando cada situa- ção específica (CAMPOS, 2003). Tais formulações permitem uma aproximação da vigilância da saúde às concep- ções contemporâneas da promoção da saúde (TEIXEIRA, 2002; BRASIL, 2002b; Freitas, 2003; PAIM 2003e), envolvendo instâncias externas ao setor saúde, agen- das públicas com diversos atores e participação de “pessoas e comunidades para se alcançar mais saúde e uma melhor qualidade de vida” (CAMPOS, 2003, p. 578). Deste modo, a atualização do diagrama da vigilância (PAIM, 2003d), concebido inicialmente para orientar intervenções sobre o coletivo – ambientes, Sem título-2 30/7/2010, 12:0219 20 populações e o social como campo estruturado de práticas (DONNÂNGELO, 1983) – e dialogando com os cinco níveis concebidos para a atuação individual da medi- cina preventiva (HILLEBOE & LARIMORE, 1967; LEAVELL & CLARK, 1976), visa a contemplar a promoção da saúde em todo o eixo horizontal do esquema, inclusive no controle dos danos. Essa concepção ampliada abrange medidas inespecíficas (CLARK, 1967), determinantes de saúde que antecedem riscos e danos até o refor- ço à autonomia e ao empoderamento dos sujeitos (BRASIL, 2002), sejam idosos, deficientes, sadios ou até mesmo doentes. Para facilitar a compreensão de suas múltiplas dimensões, a proposta de vigilância da saúde tem sido abordada segundo três níveis: a) os determinantes do processo saúde-doença; b) os riscos; c) os danos à saúde (PAIM & TEIXEIRA, 1992). No caso dos determinantes, são destacadas as proposições do movi- mento da promoção da saúde a partir da CARTA DE OTTAWA (CZERESNIA & FREITAS, 2003). Com relação à prevenção dos riscos de adoecimento, enfatiza- se a busca de novas interfaces entre os programas de saúde e as áreas liga- das à vigilância sanitária, epidemiológica e ambiental. Finalmente, no que se refere à assistência propriamente dita, ressalta-se o vínculo das equipes de saúde às pessoas inseridas no território, além da continuidade da atenção. Desse modo, o PSF e as atribuições das suas equipes “guardam grande coe- rência e sintonia com os princípios da vigilância da saúde”, cuja lógica deveria ultrapassar a atenção básica e “disseminar-se por todos os serviços, desde as unidades básicas até as unidades hospitalares” (CAMPOS, 2003, p. 581). Portanto, as mudanças no perfil epidemiológico e a transição demográfica observados no BRASIL exigem, simultaneamente, vincular a vigilância da saú- de à atenção de média e alta complexidade, sobretudo em serviços de urgên- cia, de emergência e de cuidados intensivos. Assistência suplementar A chamada assistência suplementar envolve um conjunto de modalidades assistenciais cuja característica básica reside no pré-pagamento por parte de empresas e/ou usuários para assegurar a assis- tência médica quando necessário. Não ocorre, portanto, desembolso direto após a prestação de serviços de saúde. Presentemente, podem ser identificadas quatro modalidades assistenciais compondo o Sistema de Assistência Médica Suplementar (SAMS): planos de autogestão, medicina de grupo, cooperativas médicas e seguro saúde. Sem título-2 30/7/2010, 12:0220 21 Os planos de autogestão (planos próprios de empresas empregadoras) correspondem a formas de organização da prestação de assistência médica por uma empresa ou sindicato, em serviços próprios ou contratados, para seus filiados e, eventualmente, familiares. A sua origem remonta à década de 1940, com a criação da Caixa de Assistência aos Funcionários do Banco do BRASIL, conhecida como Cassi (BAHIA, 1999). A medicina de grupo tem início na década de 1960, com a instalação de empresas multinacionais, como a indústria automobilística, deslocando seus empregados da medicina previdenciária e contratando empresas médicas para atender aos diversos segmentos de trabalhadores e dirigentes, geralmente em redes próprias, mediante planos diferenciados que iam do standard ao execu- tivo. Até o início da década de 1980, as grandes empresas do setor industrial ou de serviços que optavam por essa modalidade assistencial eram dispensa- das de recolher integralmente sua contribuição previdenciária (convênios mé- dicos), o que revelava um incentivo ou subsídio para a sua consolidação e expansão (OLIVEIRA & TEIXEIRA, 1978; CORDEIRO, 1984). As cooperativas médicas partiam de uma crítica ao “empresariamento” da medicina e se desenvolveram ao longo da década de 1970 com as Unimeds. Tinham como característica a filiação voluntária de médicos cuja prestação de serviços era remunerada pela divisão de cotas ao final de um período de trabalho. Seus “produtos” também eram vendidos a empresas industriais e de serviços para atender a funcionários e gerentes e/ou a consumidores individu- ais no mercado (MELLO, 1977). A modalidade seguro-saúde aparece, também, naquela mesma década, vinculada a empresas seguradoras e a grandes bancos, e cujo funcionamen- to inicial era semelhante a um seguro comum mediante reembolso de despe- sas, ou seja, devolvendo aos seus filiados os valores por eles pagos a médicos, hospitais e laboratórios em episódios de doença. A sua normatização ocorreu a partir da Resolução nº 11 do Conselho Nacional de Seguros, em 1976 (BAHIA, 2001). Posteriormente, passaram a vender os seus “produtos” a em- presas e a consumidores individuais e seus familiares tendo a sua disposição uma rede de serviços credenciados. Na passagem da década de 1980 para a década seguinte, verificou-se um grande crescimento dessas modalidades assistenciais, especialmente aquela correspondente ao seguro saúde: A revelação da existência de um grande mercado de planos de saúde, no final da década de oitenta, ocorreu simultaneamente a uma importante Sem título-2 30/7/2010, 12:0221 24 Apesar dos esforços visando a conhecer e regular este mercado, os planos de saúde continuam sendo alvo de críticas dos consumidores e suas organi- zações, da mídia, dos médicos e hospitais, crescendo as disputas judiciais entre as operadoras e a ANS. Assim, no ano de 2003 tais conflitos chegaram a motivar a instalação de uma CPI sobre o tema. Presentemente, existem 35.315.942 beneficiários da assistência suplementar, dos quais 64,1% ain- da dispõem de contratos anteriores à Lei nº 9.656/98, com potenciais pro- blemas de exclusão de coberturas assistenciais, especialmente os 25,7% de usuários de planos individuais antigos (MONTONE, 2003). Eqüidade e reforma do sistema e serviços de saúde As reformas setoriais 5 empreendidas na América Latina e no Caribe ao longo da década de 1990 (PEGO & ALMEIDA, 2002; HERNANDEZ, 2002; LABRA, 2002; BELMARTINO, 2002; MITJAVILA et al., 2002), sob o patrocí- nio e direção de organismos internacionais a exemplo do Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento, vinculadas aos pacotes de ajuste macroeconômico, apresentam alguns elementos comuns: modificação de regras de financiamento, participação de agentes públicos e privados, embo- ra com maior presença dos últimos, e separação das funções de financia- mento, provisão e regulação (ALMEIDA, 2002). No Brasil, todavia, a agenda de reformas desses organismos internacio- nais encontrou certa resistência ou oposição aberta, por contrariar o caráter universal das políticas de saúde projetadas pelo movimento da Reforma Sani- tária desde a década de 1970, além de ameaçar os preceitos constitucionais e a legislação sanitária. Contudo, muitas das incursões desses organismos internacionais voltadas para a descentralização e focalização das ações de saúde e para a segmentação do sistema de serviços de saúde encontraram certos espaços de viabilidade, implicando a implantação contraditória do SUS (PAIM, 2002). Presentemente, o sistema de serviços de saúde do Brasil é composto por três subsistemas: o SUS, que tem natureza pública e é integrado por serviços estatais dos municípios, estados e União, além dos contratados (filantrópicos e lucrativos); o SAMS, com caráter privado e dispondo de diversas modalida- des assistenciais que utilizam, em grande parte, a mesma rede de serviços privados, filantrópicos e universitários vinculados ao SUS; e o Sistema de Sem título-2 30/7/2010, 12:0224 25 Desembolso Direto (SDD), talvez mais uma forma de pagamento do que uma organização, que se relaciona com hospitais e serviços privados com alta tecnologia e médicos com autonomia preservada (MENDES, 1996). O SUS é destinado a toda a população e corresponde à única possibilida- de de atenção à saúde para mais de 140 milhões de brasileiros com baixos rendimentos, empregos precários ou desempregados. O SAMS tem registrados 35 milhões de BRASILeiros vinculados a planos coletivos de grandes empresas e a planos individuais adquiridos no mercado pela classe média-alta e alta que, em determinadas situações, também recorrem ao SUS. Já o SDD é utili- zado por pessoas de alta renda para serviços eventualmente não cobertos pelos planos de saúde ou para realização de consultas e exames com profis- sionais de prestígio não-vinculados ao SUS e ao SAMS. Tanto o SAMS quanto o SDD são subsidiados pelo governo federal mediante renúncia fiscal via aba- timentos de despesas médicas de pessoas físicas e jurídicas no imposto de renda. A atenção à saúde, como expressão do cuidado às pessoas – individual- mente e coletivamente –, sofre as influências desses arranjos de organização, gestão e financiamento, além da disponibilidade da infra-estrutura de recur- sos. Esses recursos apresentam uma distribuição desigual entre estratos soci- ais e entre regiões, estados e municípios, áreas urbanas e rurais e, nas cida- des, entre periferia e centro, conforme será apresentado mais adiante. Daí a eqüidade constituir-se, numa sociedade extremamente desigual como a BRASILeira, em outro grande desafio da atenção à saúde e do SUS. Diversas iniciativas têm procurado reduzir a iniqüidade na distribuição de recursos do próprio SUS, seja combinando critérios técnicos da alocação para uma “Municipalização Solidária” (LIMA et al., 2002), seja favorecendo o desenvolvimento de metodologias para a análise das desigualdades em saúde (SZWARCWALD et al., 2002) e a realização de investigações em po- lítica e economia da saúde (JUNQUEIRA et al., 2002; PORTO, 2002) que auxiliem a formulação de políticas de saúde orientadas para a eqüidade. Outros receiam “que as fórmulas adotadas tornem-se complexas e de difícil compreensão, podendo não trazer ganhos reais no âmbito da eqüidade” (CAZELLI et al., 2002). Embora algumas evidências apontem para uma dis- creta redução das desigualdades na distribuição de recursos do SUS (ALMEIDA et al., 2002; NEGRI, 2002; BRASIL, 2002a), ainda se faz neces- sária uma redistribuição geográfica de recursos financeiros em favor das regiões Norte e Nordeste (PORTO, 2002). Sem título-2 30/7/2010, 12:0225 26 Acesso e qualidade das ações e serviços As questões referentes ao acesso e à qualidade das ações e dos serviços de saúde expressam os limites dos modelos de atenção vigentes no sistema de saúde brasileiro. Ainda que guardem íntimas relações com os problemas referentes à infra-estrutura, ao financiamento, à organização e à gestão, revelam toda a crueza do mode- lo de desatenção hegemônico. Assim, o acesso e a qualidade das ações e serviços são condicionados pela distribuição desigual da infra-estrutura do sistema de serviços de saúde e pelos demais elementos que estruturam um sistema de serviços de saúde acima mencionados. Este modelo de desatenção tem a sua expressão fenomênica em um calei- doscópio de maus tratos e de desrespeito ao direito à saúde: filas vergonho- sas para a assistência médica desde a madrugada ou o dia anterior; descor- tesia nos guichês dos SAMEs de hospitais e unidades de saúde; desatenção de seguranças, recepcionistas, auxiliares e profissionais de saúde diante de pessoas fragilizadas pelas doenças; corredores superlotados de macas nos serviços de pronto-socorro; disputas por fichas para exames complementares tantas vezes desnecessários; longas esperas em bancos desconfortáveis para a realização de uma consulta ou exame; via crucis do paciente entre diferen- tes unidades de saúde, médicos e especialistas; “cortejo fúnebre” de vans e ambulâncias em frente aos hospitais públicos para transferência de doentes e familiares de outros municípios; pagamento por consulta e exames em clíni- cas particulares de periferias por preços “módicos” ou “por fora” nos serviços do SUS; mercantilização da doença e do sofrimento por planos de saúde e prestadores privados; discriminação dos usuários do SUS em clínicas e labo- ratórios contratados ou hospitais universitários e filantrópicos por meio de “dupla entrada” e do confinamento em instalações de segunda categoria. Este “rosário de problemas”, desfiado tantas vezes de forma espetacular pela mídia, é muito conhecido pelos usuários de serviços de saúde no país. As exceções de praxe não conseguem escamotear as iniqüidades que perseguem o sistema de saúde brasileiro. E a Reforma Sanitária, cuja generosidade do projeto original abraçava o propósito de superar a crise sanitária, deparou-se nos últimos quinze anos com os obstáculos contrapostos pelas políticas eco- nômicas neoliberais, pelo aumento das desigualdades sociais e pela realiza- ção de uma cidadania restrita, não obstante a formalização de direitos garan- tidos pela Constituição e pelas leis do país. Sem título-2 30/7/2010, 12:0226 29 de se segmentar o consumo de serviços de saúde em múltiplos mercados internos de saúde, com competição regulada pela ANS e pela SAS, até agora, seguindo critérios e diretrizes independentes entre as duas instituições (COR- DEIRO, 2001, p. 323). Na ausência de políticas que se contraponham a tal tendência é possível, segundo este autor, identificar cenários caracterizados pela fragmentação e segmentação entre diversas clientelas de consumidores de serviços de saú- de. Nesse particular, a assistência médica supletiva e especialmente a partici- pação do seguro privado no sistema de saúde brasileiro “atua no sentido de acentuar as desigualdades no consumo de serviços de saúde” (TRAVASSOS et al., 2000, p. 144). Mesmo assim, a política de saúde na década de 1990 foi marcada pela construção do SUS; descentralização das ações, serviços e da gestão; melhorias na gerência e na capacidade de regulação; redução das desigualdades na distribuição dos tetos financeiros da assistência à saúde entre as regiões; ampliação do acesso à assistência; e aumento da cobertura de imunizações das crianças (NEGRI, 2002). Na passagem da década de noventa para o século XXI foram, ainda, produzidos fatos político-institucionais com conseqü- ências não desprezíveis para as políticas de saúde: • Expansão do PSF para uma cobertura de aproximadamente 50 milhões de brasileiros; • Criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). • Aprovação da Lei dos Medicamentos Genéricos (Lei nº 9.787/99). • Implantação do Sistema de Informação do Orçamento Público em Saú- de (SIOPS). • Adoção do Cartão SUS em alguns municípios. • Implementação do Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (PITS). • Atualização da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME). • Estabelecimento da Emenda Constitucional (EC-29). • Realização da 11ª Conferência Nacional de Saúde em 2000 e da I Conferência Nacional de Vigilância Sanitária (PAIM, 2003c). Ainda que tais iniciativas não tenham alterado significativamente a aten- ção à saúde no Brasil, representam passos importantes para a reestruturação do sistema de serviços de saúde no sentido da melhoria da assistência. Sem título-2 30/7/2010, 12:0229 30 Diferenças regionais e particularidades Os indicadores de ofer- ta podem contemplar a capacidade instalada (ambulatorial e hospitalar) e recursos humanos (profissionais de saúde). No BRASIL, persistem desigualda- des na infra-estrutura da atenção à saúde entre as diferentes regiões, confor- me se pode observar na tabela 2. Enquanto o país possuía em média 3,0 leitos disponíveis para o SUS, 2,1 privados e 1,4 médico por mil habitantes, a região Norte apresenta os seguintes indicadores: 2,1 leitos SUS, 1,2 leito privado e 0,6 médico por mil habitantes, correspondendo a cerca da metade dos valores exibidos pela região Sudeste. No caso dos odontólogos, as regiões Sudeste e Centro-Oeste exibem valores quatro vezes superiores ao Norte e duas vezes ao Nordeste. Já a distribuição dos enfermeiros se faz com menos disparidades, de modo que a região Nordes- te dispõe de valores semelhantes ao Sul, enquanto as regiões Norte e Centro- Oeste possuem indicadores superiores à média nacional (NUNES et al., 2001). Embora a disponibilidade de três leitos vinculados ao SUS por 1.000 habi- tantes esteja próxima ao valor médio observado nas Américas (2,9 leitos por 1.000 habitantes) e abaixo da média descrita para a América do Norte (4 leitos por 1.000 habitantes), verifica-se uma grande variação entre os estados brasileiros, ou seja, de 1,8 a 4,5 leitos por 1.000 habitantes (DUARTE et al., 2002). Já em relação ao número de unidades ambulatoriais por 10 mil habi- tantes, constata-se uma distribuição menos assimétrica (NUNES et al., 2001). Estas desigualdades na oferta de recursos de saúde reproduzem-se no con- sumo diferenciado de serviços de saúde. Ainda que o consumo seja função de necessidades e de comportamentos de indivíduos, é também condicionado pela oferta de serviços e recursos disponíveis para a população bem como pelas formas de financiamento (TRAVASSOS et al, 2000; NERY & SOARES, 2002). Cinco indicadores de acesso/utilização dos serviços de saúde, com perio- dicidade anual, têm sido utilizados no Brasil: internações hospitalares SUS/ 100 habitantes, consultas médicas SUS/habitante, cobertura vacinal DPT (3ª dose), cobertura vacinal sarampo (1ª dose) e cobertura vacinal poliomielite (3ª dose). Assim, em 1999, o País produziu 7,19 internações SUS por 100 habitantes, 2,19 consultas/habitante e coberturas vacinais de 94,6% (DPT), 99,5% (AS) e 99,1% (AP) (NUNES et al., 2001). A análise das desigualdades geográficas e sociais na utilização de serviços de saúde indica uma taxa geral de utilização de 19,49 por 100 mil habitantes para a região Sudeste e 13,01 na região Nordeste em 1989, antes da Sem título-2 30/7/2010, 12:0230 31 implantação do SUS. Com a implementação do SUS ocorreu uma redução dessa disparidade, pois em 1996/1997 as diferenças entre tais regiões dei- xaram de ser estatisticamente significantes (TRAVASSOS et al., 2000). Ao se analisarem essas taxas de utilização para os grupos com e sem morbidade, constatam-se diferenças significativas desfavoráveis ao Nordeste. Quando se introduz na análise a renda, como proxy das condições sociais, verifica-se uma tendência de diminuição do acesso aos serviços de saúde, penalizando os mais pobres de ambas as regiões. O percentual de busca de atendimento nos últimos trinta dias por quintil de renda cresce progressiva- mente de 47,2% no primeiro para 68,9% no quinto quintil (REIS, 2002). Pesquisa de opinião de caráter nacional, realizada pelo Ibope em 1998, revelou que 58% dos 2.000 entrevistados utilizavam o SUS de forma exclusiva ou freqüente, enquanto 22% o faziam de forma eventual. Apenas 15% decla- raram-se não usuários do SUS, ou por consumirem exclusivamente serviços particulares ou por não utilizarem serviços de saúde. Neste levantamento, as diferenças regionais também foram reveladas: enquanto no Nordeste 51% da população usava o SUS de modo exclusivo, no Sul o indicador correspondia a 32% e no Sudeste a 33%. O SUS também era mais utilizado de forma exclu- siva na maioria dos municípios de pequeno (44%) e de médio porte (41%) e na população com menor escolaridade (70%) ou com renda de até dois salários mínimos (76%) (REIS, 2002). Tabela 2 Leitos hospitalares* segundo tipos, leitos SUS*, unidades ambulatoriais**, médicos*, odontólogos* e enfermeiros*, segundo regiões, Brasil, 1998. *Por mil habitantes (unidades ambulatoriais, número de odontólogos e de enfermeiros correspondem ao ano de 1999). Fonte: MS, Ripsa (MELLO JORGE et al., 2001); PNAD, 1999 (NUNES et al., 2001). Norte 1,0 1,2 2,1 3,74 0,6 0,21 0,54 Nordeste 1,1 1,7 2,8 3,74 0,8 0,43 0,34 Sudeste 0,8 2,3 3,2 2,48 2,1 0,89 0,42 Sul 0,7 2,6 3,2 4,92 1,4 0,73 0,34 Centro-Oeste 1,0 2,5 3,5 4,02 1,3 0,86 0,63 Brasil 0,9 2,1 3,0 3,40 1,4 0,69 0,41 Região Leitos Privados Leitos Públicos Leitos SUS Unidades ambulatoriais Médicos EnfermeirosOdontólogos Sem título-2 30/7/2010, 12:0231 34 (TRS), verificou-se no ano 2000 uma taxa de 32,0 por 100.000 habitantes para o país, ainda que a utilização esperada, segundo o Ministério da Saúde, devesse ser de 40,0 por 100.000. As taxas de todos os estados das regiões Sul e Sudeste estão próximas ou acima da média nacional, porém as demais regiões apresentam valores muito baixos desse indicador, a ponto de o Sudes- te atender cinco vezes mais pacientes do que o Norte (DUARTE et al., 2002). Essas disparidades regionais e particularidades examinadas no presente tópico, além de apontarem possíveis relações entre as desigualdades de saú- de e as iniqüidades sociais (NERY & SOARES, 2002), revelam a multiplicidade de fatores que interferem no padrão de consumo de serviços de saúde e o imbricamento perverso entre eles no BRASIL, resultando em um quadro de desigualdades cumulativas que evidenciam o quão distante encontra-se o sis- tema de saúde do país dos princípios igualitários enunciados na sua formula- ção (TRAVASSOS et al., 2000, p. 143). Uma visão crítica das políticas em curso As políticas em curso centram-se nas diretrizes e metas estabelecidas pelo Ministério da Saúde para 2003, tais como: • Melhoria do acesso, da qualidade e da humanização da atenção à saú- de: ampliação do acesso da população aos serviços de saúde. • Combate à fome: atendimento às carências nutricionais. • Atendimento a grupos com necessidade de atenção especial: atenção à saúde da criança, da mulher e do idoso. Prevenção, controle e assistên- cia aos portadores de DST e Aids. • Controle da dengue e outras doenças endêmicas e epidêmicas. Comba- te a endemias e doenças transmitidas por vetores (prioridade para a den- gue e a malária). • Acesso a medicamento: garantia de acesso a estes produtos. • Qualificação dos trabalhadores do SUS. Qualificação dos trabalhadores da saúde (BRASIL, 2003d). Em consonância com tais diretrizes, podem ser destacadas as seguintes ações realizadas em 2003: expansão da atenção básica, com ampliação de recursos e de equipes de saúde da família; convocação da 12ª Conferência Nacional de Sem título-2 30/7/2010, 12:0234 35 Saúde em caráter extraordinário; ampliação de credenciamento para leitos de UTI; apoio financeiro aos hospitais universitários redefinindo suas relações com o SUS; reajuste nos repasses para consultas especializadas (196%) em hospitais públicos em estados e municípios de gestão plena; avanço na políti- ca de medicamentos incluindo apoio aos laboratórios oficiais, isenção de ICMS para medicamentos de alto custo, reforço aos genéricos, 18 novas resoluções da Anvisa e condenação de antigripais e hepatoprotetores; capacitação de profissionais de saúde e seleção de médicos para o PIT (BRASIL, 2003d). Nos primeiros seis meses “os esforços concentraram-se, em especial, na adequação da gestão do ministério às diretrizes do governo e na implementação de medidas essenciais à promoção da eqüidade” (BRASIL, 2003d, p. 1). Mui- ta energia institucional foi gasta para superar a fragmentação das ações e implantar a nova organização do ministério. Mereceram destaques pelos gestores federais a criação da câmara de regulação do mercado de medica- mentos (MP nº 123) e o processo participativo para a construção no Plano Plurianual 2004-2007, envolvendo os trabalhadores, colegiados e fóruns do ministério, inclusive as instâncias de controle social, como o Conselho Nacio- nal de Saúde (BRASIL, 2003). Assim, a tentativa de reverter o modelo de desatenção vigente a partir de projetos que priorizam o acolhimento e a humanização, assegurando direitos dos usuários do SUS, pode ser considerada um “marcador” dessa vontade política do Ministério da Saúde. Do mesmo modo, o reforço à atenção básica com expansão do PSF e da ampliação dos recursos do PAB, inclusive para municípios com mais de 100.000 habitantes, articulado a maiores repasses para atenção especializada em hospitais públicos, propostas de expansão dos CAPS (Centro de Atendimento Psicossocial) e dos serviços de urgência e emer- gência (resgate), ampliação de credenciamentos para UTI e apoio aos hospi- tais universitários federais, sugere uma concepção integral de sistema de ser- viços de saúde. Os fatos acima mencionados sinalizam para redefinições relevantes na política de saúde, apesar da falta de indicações de como enfrentar a segmentação do sistema de saúde brasileiro no sentido de melhorar o acesso, a eqüidade e a qualidade da atenção à saúde. Embora a limitação de recur- sos orçamentários não permita examinar a suficiência de muitas dessas medi- das em relação às necessidades insatisfeitas acumuladas, elas apontam certa direcionalidade da política. Nesse sentido, a redefinição do modelo de aten- ção e a busca de acesso universal e integral aos serviços de saúde Sem título-2 30/7/2010, 12:0235 36 poderão ser concretizadas mediante a reorganização da atenção básica arti- culada à atenção especializada, o desenvolvimento da estratégia da saúde da família e a adoção, em ampla escala, da proposta de vigilância da saúde. Presentemente, os artifícios efetuados na elaboração dos orçamentos e no contingenciamento de recursos constrangem o financiamento público da saú- de, enquanto as vitórias das operadoras de planos de saúde junto ao Judiciá- rio ameaçam, ainda mais, o acesso e a qualidade da atenção à saúde. Ape- sar deste conjunto de problemas, não se pode reduzir a relevância do arcabouço legal já disponível nem negligenciar os avanços e conquistas obtidos, mesmo diante de conjunturas e forças adversas. Cabe lembrar que a Constituição reconhece a saúde como direito de to- dos e dever do Estado. Conseqüentemente, a saúde não é apenas questão de governo ou do Poder Executivo. Como questão de Estado, é obrigação do poder Executivo, Legislativo e Judiciário assegurar este direito, propiciando os meios para a sua concretização. Portanto, todas as ações e omissões dos três poderes constituem, também, políticas de saúde, cabendo à sociedade anali- sar e acompanhar este processo para influir na sua condução, sob pena de amargar suas conseqüências mais nefastas. Esboço de proposição de alternativas políticas para atenção à saúde A implantação do SUS em período tão difícil (crise fis- cal, políticas de ajuste macroeconômico e reforma do Estado), respeitando o federalismo brasileiro desenhado pela Constituição de 1988, convivendo com o modelo médico-assistencial privatista e interagindo construtivamente com a cultura política e interesses partidários, impõe um elenco de desafios postos para a atenção à saúde no Brasil. Desde a realização da 11ª Conferência Nacional de Saúde, realizada no ano 2000, o Conselho Nacional de Saúde tem formulado proposições e es- tratégias com vistas à integralidade e à melhoria do acesso e da qualidade das ações e serviços de saúde, reunidas em 11 compromissos apresentados aos candidatos das eleições de 2002, a saber: • Construção da eqüidade. • Adequação da oferta de serviços de saúde às necessidades e prioridades da população. Sem título-2 30/7/2010, 12:0236 39 raciais, tal como tem sido realizado em países desenvolvidos há quase um século. As desigualdades raciais verificadas no BRASIL requerem mais investi- gações concretas no sentido de melhor orientar os formuladores de políticas públicas de saúde (HERINGER, 2002). Portanto, “enquanto as estatísticas ofi- ciais produzirem dados que homogeneízam artificialmente a realidade, a des- crição da situação atual e da evolução das desigualdades se constituem em produção de conhecimento relevante” (VIEIRA DA SILVA, 2003, p. 5). Além da análise permanente dos dados secundários produzidos pelos sis- temas de informação disponíveis, particularmente vinculados às bases de da- dos do SUS e do IBGE, cabe discutir a oportunidade e relevância da realiza- ção de inquéritos populacionais sobre acesso e utilização de serviços de saú- de, como se tem verificado em diversos países. O conhecimento produzido poderá contribuir para a regulação pública por parte do SUS e de suas agên- cias (ANS e Anvisa, no caso do Ministério da Saúde) e para a “construção de mecanismos capazes de criar maior solidariedade na contribuição financeira necessária à manutenção de um sistema universal, no qual o consumo seja orientado pelas necessidades e não pela capacidade de compra dos indivídu- os” (TRAVASSOS et al., 2000, p. 148). A produção de metodologias e de indicadores para monitorar as desigual- dades de saúde e de condições de vida representa, por conseguinte, uma das tarefas das universidades, centros de pesquisa e sistemas de vigilância da saú- de no sentido de orientar a formulação e implementação de políticas públicas que reduzam as iniqüidades (MELLO-JORGE et al., 2001; TRAVASSOS et al.; NUNES et al., 2001; DUARTE et al., 2001). Quanto à qualidade da atenção, merece pesquisas especiais, tanto no que se refere à sua dimensão técnica e ética quanto no que diz respeito ao acolhimento e à satisfação das pessoas. Nessa perspectiva, algumas perguntas poderão balizar grandes linhas de proposições para as políticas e sistemas de serviços de saúde: Como formular políticas específicas de saúde contemplando a integralidade (MATTOS, 2003)? Como incorporar tecnologia efetiva sem propiciar aumentos exponenciais dos custos? Como utilizar o poder de regulação do SUS para aquisição de insumos, avaliação e vigilância tecnológica de procedimentos e equipamentos, bem como a prestação de serviços? Como assegurar qualidade e efetividade da atenção à saúde, mesmo em situações de restrição de gastos públicos? Como regular com eficácia a qualidade e a integralidade da atenção à saúde pro- porcionada pelo SAMS? Sem título-2 30/7/2010, 12:0239 40 Independentemente das políticas racionalizadoras que poderão contribuir para a melhor utilização dos recursos existentes, o Brasil necessita de investi- mentos para instalação de equipes e de unidades de saúde, seja em certas áreas dos grandes centros urbanos, seja nos pequenos e médios municípios, particularmente nas áreas rurais. Comentários finais Se considerarmos as desigualdades em saúde como um dos principais macro problemas da atualidade para as políticas públicas de saúde no Brasil, um expressivo esforço teórico-conceitual deve ser empre- endido, tanto no sentido de separar este problema de outros objetos pré- construídos – disparidade, iniqüidade, diferença, distinção etc. (VIEIRA DA SILVA, 2003) – quanto na perspectiva de sua decomposição em outros mais precisos para fins de investigação e intervenção concretas. Nesse percurso, algumas proposições preliminares podem ser destacadas: • Reforçar o estudo da distribuição espacial de problemas de saúde no sentido de identificar grupos mais vulneráveis para a adoção de políticas públicas. Tais investigações sobre desigualdades em saúde podem recu- perar os estudos ecológicos da epidemiologia de modo a revelar o cará- ter desigual da distribuição espacial de determinados eventos, possibili- tando compor “mapas do risco” e uma maior atenção para as respecti- vas populações vulneráveis com a formulação de políticas públicas espe- cíficas. O cadastro amplo dos indivíduos e famílias para o cartão SUS, a organização de distritos sanitários em cidades, o uso do geoprocessamento e de técnicas de análise espacial (NAJAR & MARQUES, 1998) são ações técnicas que facilitam a atenção à saúde e, simultaneamente, requerem pesquisa científica para o seu reforço. • Testar modelos de atenção, epidemiologicamente orientados ou referenciados pela concepção contemporânea de promoção da saúde (BRASIL, 2002b), a exemplo da oferta organizada, das ações programáticas e da vigilância da saúde, contemplando determinantes estruturais socioambientais, riscos e danos. Esses modelos são compatí- veis com a ação intersetorial sobre o território e privilegiam a intervenção, sob a forma de operações, nos problemas de saúde que requerem aten- ção e acompanhamento contínuos. No caso da proposta referente às Sem título-2 30/7/2010, 12:0240 41 cidades saudáveis pode potencializar o PSF em face da sua compatibili- dade com a vigilância da saúde (PAIM, 2003b). • Pesquisar a segmentação do sistema de saúde brasileiro tendo em vista o preceito constitucional segundo o qual a saúde é livre à iniciativa privada e, também, as restrições financeiras impostas à expansão do setor públi- co de saúde. Nesse particular, cabe analisar as possibilidades de regulação da atenção à saúde do setor privado mediante regulamentação da Lei Orgânica da Saúde e da Lei nº 9.656/98 e promover estudos para a elaboração de projeto de lei no sentido de regular o mercado das moda- lidades assistenciais não-SUS (PAIM, 2003b). • Avançar nas investigações sobre avaliação de práticas, serviços, institui- ções e sistemas de saúde, enfatizando a dimensão qualidade e a articula- ção entre epidemiologia e planejamento (PAIM, 2003a). Enfim, pode-se vislumbrar um conjunto de pesquisas no campo da Saúde Coletiva cujos conhecimentos produzidos (teóricos, metodológicos, operativos e tecnológicos) contribuam para: formulação, implementação e avaliação de políticas de saúde; compreensão do funcionamento do mercado em saúde; explicação das relações entre Estado, organizações, mercado e sociedade; desenho de sistemas de serviços de saúde, organizações e modelos de aten- ção que contemplem a integralidade, a descentralização, a regionalização, a participação e eqüidade e a intersetorialidade; identificação de pautas cul- turais e representações sociais de segmentos da população (adolescentes, idosos, negros, índios etc.) relacionados ao complexo promoção-saúde-do- ença-cuidado, seja em relação à utilização de serviços ou à comunicação em saúde; e desenho, inovação e experimentação de formas alternativas de gestão. As proposições acima podem facilitar a construção de uma agenda co- mum entre gestores, pesquisadores e cidadãos, criando as condições para que, de forma permanente, o sistema de saúde aproxime-se mais dos indiví- duos, torne-se mais humano, solidário e, sobretudo, mais resolutivo. Princípi- os como territorialidade, vínculo, continuidade, planejamento local, promo- ção à saúde estão cada vez mais presentes nas pautas e agendas não só dos técnicos, como também dos movimentos sociais ligados ao setor (CAMPOS, 2003, p. 570). Sem título-2 30/7/2010, 12:0241 44 CECÍLIO, L. C. de O. As necessidades de saúde como conceito estruturante na luta pela integralidade e eqüidade na atenção em saúde. In: PINHEIRO, R. & MATTOS, R. A. de. (Org.). Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: UERJ, IMS, ABRASCO, 2001. CLARK, D. W. A Vocabulary for Preventive Medicine. In: Clark, D. W. & MacMahon, B. Preventive Medicine. Boston, USA: Little, Brown and Company, 1967. 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Seu objeti- vo é discutir algumas questões referentes à gestão da atenção básica de saúde (ABS) nas cidades e certas proposições para a sua consolidação no Sistema Único de Saúde (SUS). As reflexões elaboradas não derivam da experiência de um gestor nem de um estudo de caso de uma cidade cuja gestão da atenção básica fosse considerada exemplar ou problemática. Não se trata, portanto, da visão de um técnico municipal ou de um urbanista com um enfoque integral sobre o espaço urbano. A abordagem desenvolvida, a partir do campo disciplinar da Po- lítica de Saúde, busca contemplar o encontro de dois eixos: um vertical, que corresponde à formulação e implementação de po- líticas públicas de caráter nacional onde a condução do Sistema Único de Saúde (SUS) adquire proeminência para todo o país em função da Constituição de 1988 e da legislação federal (CONASEMS, 1990), ainda que mediada pelos pactos construídos com instrumentos normativos (BRASIL, 1993; 1996; 2001; 2002b); e um eixo horizontal, voltado para a análise da situação de saúde das cidades e possíveis intervenções, conside- rando a heterogeneidade do espaço urbano e a diversidade das condições de vida dos seus habitantes. Nessa perspectiva, as intervenções referentes à promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde das populações Gestão da atenção básica nas cidades1 1 Texto origi- nalmente publicado em: OPAS/ OMS. Saúde nos aglome- rados urbanos: uma visão integrada. Elias Rassi Neto & Cláudia MariaBorgus (Orgs.) – Brasília: Organização Pan-America- na da Saúde, 2003, p. 183-212. (Série Técni- ca Projeto de Desenvolvi- mento de Sistemas e Serviços de Saúde, 3). Sem título-2 30/7/2010, 12:0249 50 que ocupam distintos territórios são pensadas na confluência desses dois ei- xos. O encontro pode ser representado por modelos de atenção compatíveis com a integração desses eixos (política nacional de saúde e análise da situa- ção de saúde nas cidades) e disponíveis para a gestão da atenção básica, a exemplo das propostas de vigilância da saúde, saúde da família e cidades saudáveis. Procura-se, desse modo, “articular a dimensão política com as instâncias de decisão sobre a produção, distribuição e organização assistencial, no espaço onde tais políticas se concretizam: os serviços locais de saúde” (BODSTEIN, 1993, p. 9). Aspectos conceituais A partir da difusão do corpo doutrinário da aten- ção primária à saúde (APS) três distintas concepções têm fundamentado as políticas e práticas de saúde no Brasil: a) APS enquanto programa de medici- na simplificada ou “atenção primitiva de saúde” (TESTA, 1992); b) APS en- quanto nível de atenção - primeiro nível, atendimento de primeira linha ou “atenção primeira e básica” (SCHRAIBER & MENDES-GONÇALVES, 1996); c) APS enquanto componente estratégico da proposta de Saúde para todos no ano 2000 (OPS, 1990). A APS tem sido, também, reconhecida como espaço tático-operacional de reorientação de sistemas de serviços de saúde mediante a implantação de distritos sanitários (distritalização) e como oportunidade de experimentação de modelos assistenciais alternativos congruentes com as necessidades de saúde e com o perfil epidemiológico da população (MENDES, 1990). Para Tejada de Rivero (1992), importa destacar o que não é atenção primária de saúde: 1. Não é uma forma primitiva, empírica e elementar de atenção – cuidado de segunda ou terceira categoria para os pobres – nem se sustenta so- mente em tecnologias que não incorporam os maiores avanços do de- senvolvimento científico; 2. Não é uma ação exclusiva dos serviços de saúde ou de algumas institui- ções desse setor, nem é um programa independente e paralelo às de- mais atividades de saúde; 3. Não é um nível de atenção dentro de um sistema de serviços de saúde nem se reduz ao que poderia considerar-se como o nível mais periférico; Sem título-2 30/7/2010, 12:0250 51 4. Não se reduz à utilização de pessoal não profissional, nem pode cir- cunscrever-se a membros da comunidade treinados para prestar uma atenção elementar (TEJADA DE RIVERO, 1992, p. 174). Ao conceber a APS como estratégia, esse autor destaca seus princípios fundamentais (participação, descentralização, ação multisetorial e tecnologia apropriada), rejeitando a idéia de “uma cortina de fumaça paliativa e tenden- te a postergar reivindicações sociais em sociedade onde existem grandes desi- gualdades e injustiças” (TEJADA DE RIVERO, 1992, p. 174). No entanto, no âmbito internacional, a atenção primária tem sido definida como “aquele nível de um sistema de serviço de saúde que oferece a entrada no sistema para todas as novas necessidades e problemas” (STARFIELD, 2002, p. 28). Recusando, também, a concepção de APS como assistência simplificada e de baixo custo para problemas simples de gente pobre, autores brasileiros enfatizam que as demandas neste nível “exigem, para sua adequada compre- ensão e efetiva transformação, sofisticada síntese de saberes e complexa integração de ações individuais e coletivas, curativas e preventivas, assistenciais e educativas” (SCHRAIBER & MENDES-GONÇALVES, 1996, p. 36). No Brasil, o Ministério da Saúde tem utilizado a expressão atenção básica talvez para evitar a confusão com a concepção de APS correspondente à “atenção primitiva de saúde”. Desse modo, a atenção básica de saúde (ABS) tem sido definida no âmbito oficial, como “um conjunto de ações, de caráter individual ou coletivo, situadas no primeiro nível de atenção dos sistemas de saúde, voltadas para a promoção da saúde, prevenção de agravos, trata- mento e reabilitação” (BRASIL, 1998b, p. 11). Admite que “a ampliação desse conceito se torna necessária para avançar na direção de um sistema de saú- de centrado na qualidade de vida das pessoas e do seu meio ambiente” (BRA- SIL, 1998b, p. 11). Constata-se, assim, um movimento em defesa da ABS, simultaneamente, como primeiro nível de atenção e como estratégia de reorientação do siste- ma de saúde. Pode-se concluir que a opção política expressa no discurso institucional reconhece a atenção básica como algo fundamental, primeiro ou primordial e não no sentido de elementar, simples ou reduzido, tal como o senso comum refere-se à “cesta básica” de alimentos. Isto significa que a gestão da atenção básica ao tempo em que administra esse primeiro nível do sistema de serviços de saúde, deve conduzir a estratégia Sem título-2 30/7/2010, 12:0251 54 como finalidade estender a cobertura de ações de saúde às populações rurais e às periferias urbanas voltando-se, especialmente, para o grupo materno- infantil (BRASIL, 1994a). Foi criticado na época por traduzir uma política de focalização prescrita por organismos internacionais, além de ir na contra- mão da construção de um SUS universal, igualitário e integral. A partir de 1993, o programa ampliou seus objetivos para que o agente comunitário fosse capaz de articular os serviços de saúde e a comunidade, incluindo entre suas atribuições, o desenvolvimento de ações básicas de saúde e atividades de caráter educativo nos níveis individual e coletivo (BRASIL, 1994b). Na segunda metade da década de 1990, o PACS foi acoplado ao Programa Saúde da Família (PSF), enquanto o governo federal lançava o documento “1997: o ano da saúde no Brasil” destacando a prevenção, com ênfase no atendimento básico, e apresentando a saúde da família como o novo modelo assistencial do SUS (BRASIL, 1997). A implantação da Norma Operacional Básica (NOB-SUS 01/96) e a adoção do Piso da Atenção Básica (PAB) 2 possibilitaram um reforço da atenção básica e a expansão do PSF (BRASIL, 1998a). A NOB-96 previa duas formas para a habilitação dos municípios junto ao SUS: gestão plena da atenção básica e gestão plena do sistema municipal (BRASIL, 1998a). No caso do Programa de Saúde da Família (PSF), foi dirigido para a aten- ção básica e implantado mediante equipes voltadas para uma população adscrita de 600 a 1000 famílias e compostas por médico, enfermeiro, auxili- ares e agentes comunitários, podendo ser acrescidas de odontólogos, assis- tentes sociais, psicólogos etc. (BRASIL, 1998b). A partir da NOAS-01, as principais responsabilidades da atenção básica a serem executadas pelas equipes de saúde da família (ESF) são: ações de saú- de da criança e da mulher; controle de hipertensão, diabetes e tuberculose; eliminação da hanseníase; e ações de saúde bucal (BRASIL, 2001c). Atenção básica nas políticas de saúde do Ministério da Saúde A discussão sobre gestão da atenção básica e modelos de atenção vem assumindo, progressivamente, certa relevância na formulação de políticas de saúde no Brasil. Assim, a NOB-96 concebia para o SUS “um modelo de atenção centrado na qualidade de vida das pessoas e do seu meio ambiente, bem como na relação da equipe de saúde com a comunidade, especialmente com os seus núcleos sociais primários – as famílias” (BRASIL, 1998a, p. 12). Sem título-2 30/7/2010, 12:0254 55 Além de propugnar por ações intersetoriais, essa norma defendia “a trans- formação na relação entre o usuário e os agentes do sistema de saúde (resta- belecendo o vínculo entre quem presta o serviço e quem o recebe) e, de outro, a intervenção ambiental, para que sejam modificados fatores determinantes da situação de saúde” (BRASIL, 1998a, p. 13). Depois de implantado o PAB, contendo um valor fixo e uma parte variável destinada ao incentivo de intervenções como Ações Básicas de Vigilância Sa- nitária, PACS/PSF, Programa de Combate às Carências Nutricionais, vigilân- cia epidemiológica etc., o Ministério da Saúde (MS) estabeleceu as orienta- ções para a organização da atenção básica, através da Portaria n o 3.925/ GM de 13 de novembro de 1998 (BRASIL, 1998a). O PSF tem sido visto como estratégia para a reorientação do modelo de atenção, além de constituir-se em porta de entrada do sistema municipal de saúde. Prevê a participação da comunidade em parceria com as equipes na discussão dos problemas de saúde, na definição de prioridades, no acompa- nhamento e na avaliação. Considera um erro ser imaginado como serviço paralelo, com equipes responsáveis apenas pelas visitas domiciliares e ativida- des coletivas ou individuais de prevenção de doenças, “enquanto a assistência curativa continua sob a responsabilidade de outros profissionais do modelo anterior” (BRASIL, 2001a, p. 60). Na avaliação da implantação e funcionamento do PSF, constatou-se que 71% dos coordenadores estaduais consideram o programa como uma es- tratégia de reorganização da atenção básica, embora apresentando as se- guintes limitações: falta de entendimento dos gestores, alta rotatividade dos secretários municipais e estaduais de saúde, infra-estrutura precária das Unidades de Saúde da Família, dupla militância de médicos, condições de trabalho e vínculos empregatícios precários, insuficiência de profissionais, formação inadequada e dificuldade institucional de absorver o novo modelo (BRASIL, 2000b). Presentemente, encontram-se em atividade 16.000 equipes de saúde da família, abrangendo mais de 55 milhões de brasileiros (Saúde, BRASIL, 2003). A análise da implementação do PSF, enquanto política pública, durante a dé- cada de 1990 aponta para perspectivas promissoras, a despeito das dificul- dades verificadas tendo em vista restrições do financiamento e ambigüidades dos diferentes governos. Apesar da precariedade das relações de trabalho, alguns estudos apontam para um comprometimento dos profissionais com o PSF, “associado a sentimentos de satisfação social, apego, envolvimento Sem título-2 30/7/2010, 12:0255 56 ligado a razões morais, quando consideram seu trabalho uma atividade de responsabilidade social, um dever a ser cumprido” (SCALDAFERRI, 2000). Outros reconhecem o PSF enquanto “proposta contra-hegemônica em maturação”, apresentando fragilidades (SILVA, 2002). A autora realiza uma análise da natureza das atividades das equipes do PSF, seja no planejamento e gestão, seja na promoção, proteção, assistência e reabilitação da saúde. Em outras palavras, a pesquisa indica os avanços alcançados pelo PSF, no caso concreto investigado de Vitória da Conquista (BA), no que se refere à realização de atividades voltadas para o controle de riscos e de danos e à insuficiência das ações de controle das causas dos problemas de saúde. Por- tanto, os acúmulos sócio-políticos e a “pedagogia do exemplo” desta iniciati- va, não obstante os seus percalços, parecem contribuir, via ação política, para a reorientação do sistema e redefinição das práticas de saúde (GOULART, 2002). Gestão da atenção básica A gestão da atenção básica tem utilizado um conjunto de ferramentas resultantes de normas técnicas e administrativas emanadas da direção nacional do SUS e pactuadas, na maioria das vezes, com as instâncias estadual e municipal através da Comissão Inter-gestora Tripartite (CIT). A partir dessas iniciativas, alguns instrumentos e procedimen- tos têm sido propostos, tais como cadastro e implantação do Cartão SUS, adscrição de clientela, referência para assistência de média e alta complexi- dade, acompanhamento, avaliação e “estratégia de saúde da família” (BRA- SIL, 2000a). De acordo com a NOB-96, os municípios teriam responsabilidades na gestão da atenção básica, tais como: desenvolvimento de métodos e instru- mentos de planejamento e gestão, incluídos os mecanismos de referência e contra-referência de pacientes; coordenação e operacionalização do sistema municipal de saúde; desenvolvimento de mecanismos de controle e avalia- ção; desenvolvimento de ações básicas de vigilância sanitária; administração e desenvolvimento de recursos humanos para atenção básica; e fortalecimen- to do controle social no município (BRASIL, 2000a). A NOAS-SUS 01/2001, atualizou as condições de gestão do NOB-96, definiu prerrogativas dos gestores municipais e estaduais, propôs a formula- ção de plano diretor de regionalização e a qualificação das microrregiões Sem título-2 30/7/2010, 12:0256 59 A ausência de um sistema de informação que forneça indicadores de ne- cessidades e cobertura/utilização de serviços de saúde restringe a análise dos problemas. A inexistência de indicadores que apontem tais necessidades ou mesmo as demandas real e potencial, considerando a população residente nos diversos lugares da cidade e o fluxo adicional de pessoas de outros muni- cípios ou estados que buscam serviços de saúde de grandes centros urbanos, compromete o processo decisório referente à condução dos sistema de saúde e, em particular, a gestão da atenção básica. Até o sistema de informações ambulatoriais do SUS (SIA-SUS), montado sob uma lógica inampsiana vinculada a procedimentos e produtividade, tem sido pouco utilizado para fins de planejamento. Este sistema encontra-se atu- almente em declínio, pois a implantação do PAB, viabilizando repasses finan- ceiros globais em vez de pagamentos por procedimentos, teve como efeito colateral o abandono do SIA-SUS por parte de certos gestores municipais (SAMPAIO, 2003). 6 O Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), inicialmente concebi- do para o acompanhamento do PACS/PSF, inclui diversos indicadores (demográficos, sociais, cobertura do PACS e PSF, morbidade, mortalidade, difusão de práticas preventivas e de utilização de serviços), além de contem- plar as dimensões de território, micro-localização de problemas e responsabi- lidade sanitária. Abrange diversos níveis agregação - micro-área em que resi- dem 150 a 250 famílias cobertas por agentes comunitários, território com 600 a 1000 famílias vinculadas à equipe de saúde da família (ESF), segmen- to, estado, regiões e país. Este sistema tem sido objeto de propostas de reformulação no sentido de contemplar todas as unidades básicas de saúde e não apenas aquelas de saúde da família, podendo contribuir para “identifica- ção de desigualdades nas condições de saúde da população através da espacialização das necessidades e respostas sociais” (BRASIL, 2000a, p. 22). Apesar da sua importância e dos indicadores que produz, esses sistemas de informação não são suficientes para uma análise da situação de saúde que contemple tanto os problemas do estado de saúde da população quanto os problemas dos serviços de saúde. Portanto, o planejamento presentemen- te realizado por intermédio da PPI, embora tenha alcançado indiscutível pro- gresso, ainda mostra-se deficiente para aferir necessidades e demandas, res- tando para muitos gestores apenas uma impressão geral sobre a insuficiência na oferta da atenção básica. Sem título-2 30/7/2010, 12:0259 60 b) Viés do planejamento agregado e normativo Além da insuficiência de informações, o próprio enfoque do planejamento utilizado compromete a racionalização da oferta da ABS, pois, normalmente, toma como “objetos” uma população supostamente homogênea da cidade e uma rede de serviços aparentemente comungando os mesmos objetivos e interesses. Este viés do planejamento agregado e normativo negligencia a heterogeneidade estrutural que segmenta a população em classes sociais com distintos poderes econômico, político, cultural e simbólico, bem como a apro- priação e a ocupação diferenciadas do espaço urbano (SILVA et al., 1999), de um lado, e a distribuição desigual dos poderes técnico, administrativo e político (TESTA, 1992) nos serviços de saúde, de outro. As desigualdades sociais que resultam desses determinantes estruturais produzem perfis epidemiológicos diversos segundo as condições de vida dos diferentes segmentos sociais (PAIM, 2000), assim como padrões de consumo de bens e serviços de saúde bastante diferenciados. Se o planejamento ignora as desigualdades em saúde, enquanto expressão de desigualdades sociais, deixa de considerar os diferentes danos e riscos a que estão sujeitos distinta- mente os subgrupos da população que ocupam o espaço urbano, perdendo, conseqüentemente, a sua relevância. Propostas alternativas como as cidades saudáveis, promoção e vigilância da saúde (TEIXEIRA, 2002), apesar de men- cionadas em documentos técnicos e oficiais (BRASIL, 1996; RADIS, 2000; BRASIL, 2002a) e desenvolvidas em alguns municípios, não chegaram a cons- tituir políticas para o conjunto das cidades brasileiras. Do mesmo modo, o planejamento encontra obstáculos para a racionaliza- ção pretendida no que tange à organização de redes regionalizadas e hierarquizadas de serviços de saúde com mecanismos formais e eficientes de referência e contra-referência 7 , quando negligencia os diagnósticos estratégi- co e ideológico no âmbito do setor e não desenvolve um pensamento estraté- gico que apreenda as contradições e estabeleça cursos de ação para contor- nar os impasses, seja na oferta, seja na demanda. Do lado da oferta, os hospitais integrantes dos SUS funcionam de modo autárquico 8 , pouco se preocupando com o que ocorre na rede básica, na maioria das vezes com serviços redundantes nos seus ambulatórios 9 a ponto de hospitais universitários atenderem casos simples de infeção respiratória aguda, diarréia e escabiose. Se esta inserção não solidária no sistema de ser- viços se saúde já se fazia na época do SUDS e das AIS (CARDOSO, 1988), a situação agravou-se com a lógica de produtividade inoculada pelas Sem título-2 30/7/2010, 12:0260 61 AIH e demais mecanismos de remuneração dos hospitais públicos, semelhan- tes aos dos serviços privados contratados pelo SUS. Do lado da demanda, evidências reforçam o pressuposto de que “o acesso real não ocorre em função de uma hierarquização formal idealizada, mas, pelo contrário, da utilização de diversas estratégias que a população utiliza, em face dos constrangimentos impostos pela precariedade da oferta” (BODSTEIN, 1993, p. 12). c) Segmentação do sistema de saúde brasileiro Ainda que seja possível enfrentar os problemas relativos à análise da situa- ção de saúde e ao planejamento de grandes agregados nos níveis técnico- administrativo e técnico-operacional do SUS, mediante a incorporação de pro- postas alternativas de atenção e da planificação estratégica e situacional (TEIXEIRA, 2002), o mesmo não ocorre com o problema da segmentação do sistema de saúde brasileiro. Nesse caso tem-se uma questão política bastante complexa, social e historicamente determinada. Assim, cabe reconhecer as diferentes modalidades assistenciais que mantêm paralelismo de ações e rela- ções competitivas, parasitas ou predatórias com o SUS. Trata-se de modalida- des assistenciais vinculadas ao “sistema de assistência médica supletiva” (SAMS), tais como a medicina de grupo, o seguro-saúde e outros “planos de saúde”, e aquelas vinculadas ao desembolso direto (medicina liberal e certas empresas médicas). Apesar da denominação Sistema Único de Saúde, podem ser constatados nas grandes cidades brasileiras três “sistemas”: o SUS (público), o SAMS (pré- pagamento) e o da chamada “medicina liberal” (desembolso direto). Alguns autores chamam a atenção para a “perversidade que a manutenção dos três sistemas separados induz pela existência de subsídios cruzados entre eles e pela sustentação, ainda que parcial, dos sistemas privados com base em re- núncias fiscais e contributivas” (MENDES, 1998, p. 42). A mera existência dessas modalidades assistenciais do setor privado em saúde produz efeitos simbólicos ao insinuar maior qualidade, amenidade, agilidade e conforto aos pacientes, em contraposição aos serviços públicos. Esse sistema, voltado para subespecialidades médicas, compromete a eqüi- dade já que “os recursos necessários para a atenção altamente técnica orien- tada para a enfermidade competem com aqueles exigidos para oferecer servi- ços básicos, especialmente para as pessoas que não podem pagar por eles” (STARFIELD, 2002, p. 21). Além disso, a oferta desordenada de assistência Sem título-2 30/7/2010, 12:0261 64 Proposições preliminares As proposições e estratégias expostas a se- guir constituem uma sistematização preliminar, sem proceder, por conseguin- te, a análises de coerência, factibilidade e de viabilidade. Seu propósito é esti- mular uma reflexão capaz de propiciar debates e encaminhamentos políticos que favoreçam a consolidação da ABS nas grandes cidades. O Brasil já dis- põe de um acúmulo de experiências inovadoras nas últimas décadas (ALMEIDA, 1989; SCHRAIBER, 1990; CECÍLIO, 1994; CAPISTRANO FILHO, 1995; TEIXEIRA & MELO, 1995; SCHRAIBER et al., 1996; MERHY & ONOCKO, 1997; MENDES, 1998; Silva Jr, 1998; TEIXEIRA, 2002) que precisam ser valorizadas e difundidas no sentido de contribuir para a qualificação da ges- tão da atenção básica. No que diz respeito à análise da situação de saúde, cabe reforçar o estudo da distribuição espacial de problemas de saúde com o objetivo de identificar grupos mais vulneráveis para a adoção de políticas públicas. Desde a constatação de uma distribuição extremamente desigual da mortalidade infantil entre diferentes distritos ou bairros em cidades como São Paulo, Porto Alegre e Salvador na década de 1980 aponta-se para a pertinência da utiliza- ção dessa abordagem na planificação e gestão. Tais investigações sobre desi- gualdades em saúde recuperaram os estudos ecológicos da epidemiologia para a planificação em saúde e possibilitaram a sua utilização pela mídia, organizações da sociedade civil e secretarias de saúde. Na Bahia, verificou-se o aproveitamento dos resultados dessas pesquisas pela Secretaria Municipal de Saúde de Salvador no desenvolvimento dos seus programas entre 1993 e 1996 e na elaboração do Plano Municipal de Saúde (1997-2001) e pela Secretaria do Estado no caso do Plano Estadual de Saúde (1996-1999). Tais estudos (PAIM et al., 1999; PAIM, 2000) revelam o caráter desigual da distri- buição espacial das violências possibilitando compor “mapas do risco” de homicídios (NORONHA et al., 1997). Desse modo, tornou-se possível “micro- localizar” o risco de morrer por essa causa e identificar os diferenciais intra- urbanos de mortalidade. O mapeamento das áreas de maior risco permite, portanto, uma maior atenção para as populações vulneráveis e a formulação de políticas públicas tendo em conta os espaços de ocorrência das violências e de residência das vítimas. Portanto, a análise de informações desagregadas no espaço urbano pode ensejar, também, um planejamento desagregado e a organização da saúde no nível local (MENDES, 1998). No caso da gestão, caberia assegurar Sem título-2 30/7/2010, 12:0264 65 a universalização da atenção básica ampliada, iniciando pelas áreas com piores condições de vida e saúde, enquanto se racionaliza a oferta dos níveis secundário e terciário (média e alta complexidade) e se valoriza os mecanis- mos formais referência e contra-referência mediante um desenho estratégico. O caminho a ser acionado seria o cadastro amplo dos indivíduos e famíli- as para o cartão SUS, por intermédio da distritalização. As iniciativas de orga- nização de distritos sanitários em cidades como Salvador, Maceió, Natal, For- taleza, Curitiba e São Paulo, entre outras (TEIXEIRA & MELO, 1995; SILVA JR, 1998), apesar de negligenciadas até recentemente pelo Ministério da Saúde, poderão ser recuperadas por processos inovadores de gestão da atenção básica. A metodologia a ser adotada seria semelhante à usada pelo IBGE nas pesquisas censitárias. Isto facilitaria procedimentos posteriores de geoprocessamento dos dados bem como a utilização de técnicas de análise espacial (Najar & Marques, 1998). Diversas experiências têm sido acumuladas no Brasil com sistemas de in- formação geográfica (SIG) para a área de saúde (TASCA et al., 1993; 1995; KADT & TASCA, 1993; FERREIRA & AZEVEDO, 1998; RIPSA, 2000) e preci- sam ser utilizadas mais amplamente como ferramenta de gestão da atenção básica. Entretanto, o alto custo e complexidade tecnológica de alguns desses empreendimentos não devem inibir a análise da distribuição espacial dos even- tos de interesse para a saúde. Desde os estudos clássicos do jovem Engels sobre a situação da classe trabalhadora em Londres no início do século XIX podem ser constatadas as desigualdades em saúde e suas relações com as condições de vida, (PAIM, 1995), mesmo sem a utilização do computador... No que concerne a uma alternativa ao planejamento de agregados e normativo, a distritalização pode ser considerada uma tática de reorientação de sistemas de saúde que considera a heterogeneidade do espaço urbano e a diversidade da situação de saúde segundo as condições de vida das popula- ções inseridas nos distintos territórios. Requer no seu desenho estratégico o teste de modelos de atenção, epidemiologicamente orientados com ênfase na aten- ção básica, a exemplo da oferta organizada, das ações programáticas e, espe- cialmente, a vigilância da saúde. O distrito sanitário não se restringe, portanto, a uma concepção topográfica e burocrática (MENDES, 1996). Ao contrário, quando a distritalização é acompanhada de propostas alternativas de modelos de atenção, verificam-se novas perspectivas para a gestão da atenção básica. No caso da vigilância da saúde, trata-se de uma proposta reconhecida como uma via de reorganização da atenção básica (BRASIL, 2000a) na medi- Sem título-2 30/7/2010, 12:0265 66 da em que orienta uma intervenção integral sobre distintos momentos do pro- cesso saúde-doença: os determinantes estruturais socioambientais, riscos e danos (PAIM, 1999). Assim, contempla a promoção da saúde, a prevenção de doenças e outros agravos e a atenção curativa e reabilitadora. A proposta de vigilância da saúde transcende à idéia de análise de situa- ções de saúde (monitoramento e vigilância da situação de saúde através da “inteligência epidemiológica”) ou a mera integração institucional das vigilânci- as sanitária e epidemiológica. Ao contrário, apóia-se na ação intersetorial sobre o território e privilegia a intervenção, sob a forma de operações, nos problemas de saúde que requerem atenção e acompanhamento contínuos. A sua operacionalização se realiza mediante a microlocalização dos proble- mas de saúde, a apropriação de informações sobre território-processo por intermédio de “oficinas de territorialização” e utilização da Geografia Crítica e do planejamento e programação local de saúde (TEIXEIRA et al., 1998). Se a perspectiva da gestão corresponde à da vigilância da saúde e não à primazia da assistência médica-hospitalar, pouco importaria se as pessoas com melhores condições de vida informassem que não pretendem “usar” o SUS 10 . Na realidade, elas poderão utilizar o SUS na urgência/emergência, nos procedimentos de alta complexidade, ou mesmo no atendimento domiciliar para idosos, pacientes com transtornos mentais e doenças crônicas. E ainda que não utilizem tais serviços, estarão sujeitas a surtos e epidemias a exigir ação coletiva (que também é SUS) bem como a ações de proteção a riscos, prevenção de danos e de promoção da saúde. No caso da proposta referente às cidades saudáveis contempla uma ges- tão governamental que inclui a promoção da cidadania e o envolvimento criativo de organizações ‘comunitárias’ no planejamento e execução de ações intersetoriais dirigidas à melhoria das condições de vida e saúde, principal- mente em áreas territoriais das grandes cidades onde se concentra a popula- ção exposta a uma concentração de riscos vinculados à precariedade das condições de vida, incluindo fatores econômicos, ambientais e culturais (TEIXEIRA, 2002, p. 90-1). Essa proposta, apoiada pela OMS a partir da década de 1980 vem sendo reconhecida como geradora de políticas públicas saudáveis com impacto positivo sobre a qualidade de vida nas cidades (FERRAZ, 1993). Alguns seto- res do Ministério da Saúde vêm estimulando o desenvolvimento da Promoção da Saúde e apoiando a estratégia do Município Saudável (RADIS, 2000; BRA- SIL, 2002a) 11 . De acordo com o Ministério, “um município começa a se Sem título-2 30/7/2010, 12:0266 69 a oferta de serviços públicos de saúde (ABS, média e alta complexidade), in- clusive no que diz respeito à importação, localização e instalação de equipa- mentos médico-hospitalares. Comentários Finais As proposições acima formuladas no sentido de contribuir nos debates para superar o desprestígio da análise da situação, o viés do planejamento agregado e normativo, bem como a segmentação do sistema de saúde que incidem sobre a reprodução do apartheid sanitário bra- sileiro requerem, além de análise crítica e fundamentação técnica, a mobilização de vontades para a construção da sua viabilidade. A gestão da atenção básica, portanto, não está imune aos grandes desa- fios postos para o desenvolvimento do sistema de saúde brasileiro. As dicotomias historicamente postas entre saúde pública e medicina, desde o século XIX, têm sido objeto de reflexão e de intervenção pelo campo da Saúde Coletiva no Brasil. E a chamada rede básica de serviços de saúde atraiu para si distintos projetos tecno-assistenciais que competiram na condução das políticas de saúde nas diferentes conjunturas da República: posições conservadoras em que a assistência médica é vista sob a lógica do mercado e a saúde pública é destinada aos necessitados ou excluídos, mediante campanhas, programas especiais e educação sanitária em postos e centros de saúde; posições reformadoras que preservam a dicotomia assistência médica e saúde pública e apenas propõem uma rede básica como “porta de entrada” do sistema público de saúde; e as posições transformadoras, originárias do movimento sanitário e da 8ª CNS, ao postularem que a rede básica teria de ser não só a porta de entrada de um sistema de saúde, mas o lugar essencial a realizar a integralidade das ações individuais e coletivas de saúde, ao mesmo tempo em que fosse a linha de contato entre as práticas de saúde e o conjunto das práticas sociais que determinam a qualidade de vida, provocando a mudança no sentido das práticas (MERHY, 1997, p. 224). A Constituição de 1988 ao reconhecer a saúde como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas, eleva-a como expressão da qualidade de vida. Desse modo, ou a questão saúde con- figura-se como questão de Estado e não apenas de governo, ou haverá gran- des obstáculos para a superação dos seus impasses. Essas reflexões apontam para a tese segundo a qual a questão saúde no Brasil não pode ser enfrenta- Sem título-2 30/7/2010, 12:0269 70 Notas 2 O PAB corresponde a um valor per capita, que somado às transferências esta- duais e aos recursos próprios dos municípios, deveria financiar a atenção básica da saúde (BRASIL, 1998). 3 Entre os objetivos da PPI, destacam-se: a) garantir a eqüidade do acesso; b) explicitar os recursos federais, estaduais e municipais, que compõem o mon- tante de recursos do SUS; c) consolidar o papel das secretarias estaduais de saúde na coordenação da política estadual de saúde e na regulação geral do sistema estadual de saúde; d) estabelecer processos e métodos que assegurem a condução única do sistema de saúde em cada esfera de governo; e) consubstanciar da exclusivamente por políticas setoriais. Enquanto qualidade de vida, a saú- de deve mobilizar todas as pessoas, individualmente, e a sociedade, organiza- da ou não. Na medida em que a atenção básica de saúde (ABS) não fique confinada aos antigos “pobres da cidade” (MONTANO, 1983) nem a gente pobre cria- da pelas grandes cidades junto ao desmantelamento do estado de bem-estar (SANTOS & SILVEIRA, 2001, p. 287), a gestão da ABS terá de interagir com todo o sistema de saúde e com arranjos intersetoriais para garantir efetividade, qualidade, equidade e integralidade das intervenções. Assim, alguns autores têm mostrado a necessidade de “novas missões e papéis para esta rede bási- ca, que se traduzem pela construção de um modelo de atenção que permita, junto ao conjunto dos usuários, realizar práticas que acolham, vinculem e resolvam, no sentido de promover e proteger a saúde, no plano coletivo” (MERHY, 1997, p. 198). Algumas das reflexões e proposições esboçadas nos tópicos anteriores ti- veram a preocupação de examinar certas vias para o cumprimento dessas “novas missões” da gestão básica, embora sem a pretensão de apresentá-las como uma norma dura capaz de ser adotada em todas as situações. Ao con- trário, o recurso ao enfoque estratégico-situacional no planejamento participativo das ações de saúde, locais e intersetoriais, para a promoção da saúde e qualidade de vida, talvez seja um dos caminhos a explorar (TEIXEIRA & PAIM, 2000). Nessa perspectiva, a produção de conhecimentos e a coope- ração técnica em políticas públicas, planificação e gestão podem fazer dife- rença no processo de formulação e de implementação de políticas de saúde e na mudança das práticas sanitárias em conjunturas que contem com gover- nos democráticos, efetivamente comprometidos com a transformação social. Sem título-2 30/7/2010, 12:0270 71 as diretrizes de regionalização da assistência à saúde; f) explicitar a programação dos recursos estaduais e municipais, respeitada a autonomia dos vários níveis de gestão e realidades locais (BRASIL, 2000a). 4 A Agenda estabelece os seguintes eixos prioritários de intervenção: a) redução da mortalidade infantil e materna; b) controle de doenças e agravos prioritários; c) reorientação do modelo assistencial e descentralização; d) melhoria da gestão, do acesso e da qualidade das ações e serviços de saúde; e) desenvolvimento de recursos humanos do setor saúde (BRASIL, 2001d). 5 Nesse particular, não se pode esquecer a grande variedade das cidades brasi- leiras. O país possui cerca de 5.500 municípios com grande diversidade de ex- tensão, de população e de condições socioeconômicas. Se forem consideradas apenas as cidades com mais de 100.000 habitantes, elas passaram de 12 em 1940 para 101 em 1980 e 175 em 1996 (SANTOS & SILVEIRA, 2001, p. 205). 6 Existe, no entanto, um conjunto de indicadores para o acompanhamento da atenção básica nos municípios habilitados pelas normas em vigor tendo em con- ta os seguintes bancos de dados nacionais: a) Sistema de Informação sobre Mor- talidade – SIM; b) Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos – SINASC; c) Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional – SISVAN; d) Sistema de Informa- ções sobre Agravos de Notificação – SINAN (BRASIL, 1998b). 7 Observou-se em São Paulo que “as unidades básicas atendiam a população e faziam seu encaminhamento, sem entrar no mérito de ter esta assistência se transfor- mado ou não em ‘encaminhoterapia’; quando o paciente chegava aos serviços de referência, ou não recebia atendimento, ou, se atendido, os diagnósticos e trata- mento preconizados nas unidades básicas não eram considerados” (HEIMANN et al., 1992, p. 151). Resultados semelhantes foram constatados na Bahia (CARDO- SO, 1988). 8 “É na assistência médica especializada que a força do corporativismo se faz decisiva e os critérios de acesso mais ‘obscuros’. Trata-se de uma clientela construída pela própria prática médica. Destarte é nos hospitais especializados que sobres- sai o intercâmbio informal entre médicos, sobrepondo-se ao sistema de referência e contra-referência, formando verdadeiras clientelas cativas dentro do serviço público” (VELLOZO & SOUZA, 1993, p. 109). 9 Estudo realizado em uma área de planejamento do Rio de Janeiro no início da implantação do SUS indicava uma “proporção de praticamente 50% entre o número de hospitais e de unidades ambulatoriais e, conseqüentemente, um enor- me déficit de unidades básicas na área” (CARVALHO, 1993, p. 126). 10 O ex-secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Dr. Jorge Solla, lembrou que “o senso comum diz que o usuário do SUS está na população de baixa condição socioecnonômica, enquanto sabemos que, hoje, o SUS é utiliza- do por toda a população. O que difere é o quanto você precisa utilizar e o que você precisa utilizar” (RADIS, 2003, p. 31). 11 Entre as principais características desses municípios destacam-se: iniciativa local com forte compromisso político; mobilização e participação comunitária; estrutura organizada e ações intersetoriais; diagnóstico de problemas e necessi- dades; liderança local reconhecida. Sem título-2 30/7/2010, 12:0271 74 Referências ALMEIDA C. M. de. Os atalhos da mudança na saúde do Brasil. Serviços em Nível Local: 9 Estudos de Caso. Uma análise comparativa. Rio de Janeiro: OPAS/OMS; 1989. (Série Desenvolvimento de Serviços de Saúde, n. 10). BAHIA. Secretaria Estadual de Saúde. Plano Estadual de Saúde (1988-1991). Salvador: SESAB/Assessoria de Planejamento; 1987. BODSTEIN, R. (Org.) Serviços Locais de Saúde: construção de atores e políticas. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1993. BRASIL. Ministério da Saúde. Norma Operacional Básica SUS - 01/1993. Inf. Epid. 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Distri- buição espacial da violência: mortalidade por causas externas em Salvador (Bahia), Sem título-2 30/7/2010, 12:0276 7 9 Introdução Há quase meio século tem-se apontado para os usos da epidemiologia na descrição da doença na comunidade, na identificação de grupos vulneráveis e na avaliação de serviços e programas de saúde (MORRIS, 1975). No entanto, a constitui- ção da epidemiologia enquanto disciplina científica e a reflexão epistemológica sobre a mesma seguiram, por algum tempo, os seus próprios caminhos, sem um vínculo mais consistente com a organização social dos serviços de saúde, dada a relativa auto- nomia dos campos científicos. A ênfase nos estudos etiológicos, no desenvolvimento metodológico e mesmo na formalização da disciplina (BARATA, 1998) distanciava, de certo modo, muitos dos epidemiologistas de um pensamento e de uma ação sobre os serviços de saúde. A hegemonia das universidades norte-americanas e dos centros de epidemiologia dos Estados Unidos, a exemplo do Centers for Disease Control and Prevention (CDC, 1992), na formação de epidemiologistas do mundo inteiro e, particularmente, dos países dependentes, reforçava tal situação. Os serviços de saúde, por sua vez, muito mais orientados pela lógica do mercado do que pelas necessidades de saúde pareciam não ver a epidemiologia como uma ferramenta necessária para o seu desenvolvimento. Evidentemente que muitos países do “socialismo real” e aque- les capitalistas que realizaram profundas modificações na orga- nização dos serviços de saúde – como o Reino Unido, com a implantação do National Health Services a partir de 1948, Epidemiologia e planejamento: a recomposição das práticas epidemiológicas na gestão do SUS1 1 Texto originalmente publicado em: Ciencia & Saúde Coletiva , 8(2), p.557- 567, 2003. Sem título-2 30/7/2010, 12:0279 80 e o Canadá, desde o Relatório Lalonde em 1974 - exploraram de forma mais ampla as potencialidades científicas e tecnológicas da epidemiologia na ges- tão de sistemas de serviços de saúde (PAIM, 2002). A identificação desse gap entre as possibilidades das práticas epidemiológicas e a sua utilização pelos serviços da saúde para além do con- trole de doenças transmissíveis ou da vigilância epidemiológica, estimulou a Organização Pan-americana da Saúde e a Organização Mundial da Saúde (OPS/OMS) a apoiarem um conjunto de iniciativas visando à incorporação e à utilização desse saber no âmbito dos sistemas de saúde (OPS, 1984; 1988; 1991). O presente capítulo tem como objetivo sistematizar os esforços visando à utilização da epidemiologia pelos serviços de saúde na América Latina nas últimas décadas, descrever algumas das propostas construídas no Brasil e discutir certos obstáculos e possibilidades de recomposição das práticas epidemiológicas na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). O papel da epidemiologia nos serviços e sistemas de saúde Nas duas últimas décadas a Organização Pan- americana de Saúde tem demonstrado preocupação com processos de mu- dança nos procedimentos técnicos de prestação dos serviços, no uso das tecnologias disponíveis, na integração dos conhecimentos, nas formas de uti- lização dos recursos e nos modos de concretizar a participação social (OPS, 1984; 1988; 1991; TIGRE et al, 1990). Ao propugnar por ações integradas de saúde, este organismo internacio- nal ratificava o princípio da integralidade adotado pelo movimento sanitário brasileiro desde a 8 ª Conferência Nacional de Saúde e incluído como diretriz no capítulo Saúde da Constituição de 1988. Recomendava, assim, um enfoque global das ações agrupadas de acordo com o conjunto de problemas da população, sendo executadas de forma integral, evitando-se os agrupamen- tos por patologias e programas isolados. Ademais, defendia um serviço de saúde organizado para produzir mudança no perfil epidemiológico com rela- ção aos problemas de saúde (riscos e danos), coletivos e individuais. Parte dessa discussão se expressou no desenvolvimento da proposta de Sistemas Locais de Saúde (SILOS) e na reflexão e crítica aos modelos de pres- tação de serviços de saúde ou modelos de atenção, possibilitadas pela Sem título-2 30/7/2010, 12:0280 81 concepção e implantação dos distritos sanitários, enquanto modos de reor- ganização das práticas de saúde (PAIM, 1993). Ao se discutir o uso da epidemiologia nos sistemas e serviços de saúde, é comum ressaltar o papel da disciplina na produção de conhecimentos para a tomada de decisões no que se refere à formulação de políticas de saúde, à organização do sistema e às intervenções destinadas a dar solução a pro- blemas específicos (TIGRE et al., 1990). Nesse particular, identificam-se os seguintes campos de ação para a disciplina no âmbito dos serviços de saúde: a) estudos da situação de saúde em diferentes grupos da população, seus determinantes e tendências; b) vigilância epidemiológica de doenças e de ou- tros problemas de saúde; c) investigação causal e explicativa sobre problemas prioritários de saúde; d) avaliação do impacto em saúde dos serviços, de tecnologias e de outras ações. Refletindo sobre os processos de tomada de decisões em saúde e, particu- larmente, sobre a aproximação entre epidemiologia e gestão, Dussault (1995) enumera as seguintes possibilidades de utilização: a) nas políticas públicas de saúde, apoiando a definição de prioridades, objetivos e estratégias; b) na con- figuração dos serviços, especialmente na descentralização e integração dos serviços nos programas; c) nas práticas dos profissionais, sobretudo na avali- ação da eficiência e eficácia; d) nas práticas de gestão; e) nas prioridades de investigação. Após extensa revisão da literatura sobre limites e possibilidades do “enfoque epidemiológico”, Teixeira (1996) destaca o grande dinamismo da produção científica da área no Brasil e a contribuição da epidemiologia ao desenvolvi- mento teórico-metodológico do planejamento de saúde. Considera que a reorientação da gestão, do financiamento, da organização e do modelo assistencial do sistema de serviços de saúde constitui processos que “não po- dem prescindir da epidemiologia, enquanto saber científico e prática instru- mental que confere especificidade aos objetos de conhecimento e de interven- ção no âmbito da saúde em sua dimensão populacional, isto é coletiva” (TEIXEIRA, 1999, p. 288). Nesse particular, enumera os seguintes usos da epidemiologia: a) no processo de formulação de políticas; b) na definição de critérios para a repartição de recursos; c) na elaboração de diagnósticos e análises de situação de saúde; d) na elaboração de planos e programas; e) na organização de ações e serviços; f) na avaliação de sistemas, políticas, programas e serviços de saúde. Ao discutir os limites e as possibilidades de desenvolvimento do “enfoque epidemiológico” no processo de reorientação Sem título-2 30/7/2010, 12:0281 84 Essas indicações fazem supor a pertinência de estudos de incorporação tecnológica e de inovação ou desenvolvimento institucional para examinar a epidemiologia nos serviços de saúde. Ou seja, não basta o acúmulo de um saber, a existência de uma tecnologia nem o reconhecimento de uma necessi- dade social para que a epidemiologia seja utilizada por uma organização. Agentes capacitados, recurso ao planejamento, influência na gestão, lideran- ça etc. podem ser variáveis a serem examinadas na análise das possibilidades de incorporação. Conceitos outros, compondo quadros teóricos distintos, poderiam apontar outras variáveis a serem contempladas em investigações sobre políticas, instituições e práticas de saúde (PAIM, 2002). Ao se analisar possíveis relações entre epidemiologia, planejamento e ges- tão caberia examinar modos de articular as dimensões política com a técnico- científica nas intervenções em saúde, tal como se propõe na discussão dos modelos assistenciais (PAIM, 1993; 2002). Além de uma “tecnologia de po- der” ou de uma técnica que ajuda a dispor, arranjar e processar outras técni- cas, bem como organizar e dirigir processos de trabalho, o planejamento pode ser um meio de auxiliar a interação entre os sujeitos no sentido de viabilizar um dado projeto ético-político para a saúde (PAIM, 1999). Tendências da epidemiologia No que se refere à Epidemiologia faz-se necessário concebê-la, para fins de análise da sua utilização na gestão, como disciplina científica e enquanto meio de trabalho. Na primeira acepção trata-se de pensar o saber científico e os paradigmas em que se insere a Ciência Epidemiológica, o que remete para um trabalho teórico e para uma reflexão epistemológica. Assim, caberia problematizar a crise do paradigma dominante, a capacidade de formulação teórica, a ruptu- ra dos compromissos históricos, a relação com a práxis e a capacidade explicativa (BARRETO, 1998). Segundo esse autor, a “crise da epidemiologia” no que diz respeito ao desgaste da sua capacidade explicativa se expressa nas seguintes situações: a) as propostas de prevenção fator a fator são de difícil implementação e apresentam uma “eficiência” limitada; b) a avaliação de tecnologias não oferece um quadro completo dos efeitos previstos e imprevis- tos quando são utilizadas como parte de programas complexos de interven- ção em saúde; c) a capacidade de previsão dos efeitos dos programas e ações geralmente é baixa, independentemente das boas intenções e da consistência dos conhecimentos disponíveis; d) parecem esgotadas as possibilidades de Sem título-2 30/7/2010, 12:0284 85 gerar novos conhecimentos acerca de fatores de risco com forças associativas elevadas ou com alto grau de especificidade em relação aos seus efeitos. Conseqüentemente, mesmo epidemiologistas comprometidos com a me- lhoria dos serviços de saúde como o referido autor, ainda são reticentes quan- to às possibilidades da disciplina no interior do sistema de serviços de saúde. Todavia, a pujança dos vários congressos brasileiros de Epidemiologia e de Saúde Coletiva no Brasil parece indicar o contrário, quando se destacam as contribuições no estudo das desigualdades, na planificação, gestão e avalia- ção das intervenções em saúde (TEIXEIRA, 1996). Pensar a epidemiologia como meio de trabalho significa concebê-la como tecnologia, ou seja, ferramenta de gestão. Assim, a epidemiologia, enquanto saber tecnológico, pode ser investigada na sua aplicação como instrumento para a formulação de políticas, para a planificação e para avaliação em saú- de (SCHRAIBER et al, 1999). Nessa perspectiva, poder-se-ia examinar a sua utilização na análise da situação de saúde (investigando o modo e as condi- ções de vida dos grupos sociais que se inserem e se movimentam no espaço urbano), no desenvolvimento de tecnologias, na elaboração e teste de mode- los assistenciais. O saber epidemiológico, enquanto tecnologia não material, poderia ser utilizada na organização de processos de trabalho, de serviços e de sistemas de saúde, bem como na planificação, gestão, vigilância e avalia- ção em saúde (PAIM, 1999). Epidemiologia e gestão: alguns desafios Na perspectiva da Saúde Coletiva, entre os desafios da epidemiologia desta- cam-se: o estudo das desigualdades em saúde; o desenvolvimento de um pen- samento sobre ambiente, qualidade de vida, conceito e medidas de saúde; a pesquisa sobre avaliação, seleção de tecnologias e intervenções em saúde (BARRETO, 1998). No âmbito do planejamento e da gestão, caberia retomar propostas de diag- nósticos administrativo, estratégico e ideológico (TESTA, 1992), assumindo o po- der como categoria central de análise e identificando como seus objetos os servi- ços, organizações e sistemas, além de necessidades/problemas de saúde (TEIXEIRA, 1999). Esse objeto de trabalho poderia ser delimitado, então, como a relação entre os problemas de saúde e as respostas sociais aos mesmos (SÁ, 1993), o que significa pensar o planejamento e a gestão na sua articulação com as instân- cias política, econômica e ideológica que compõem a estrutura social. Eis, por- tanto, um dos grandes desafios para o planejamento e a gestão em saúde: Sem título-2 30/7/2010, 12:0285 86 Articular em seu interior como prática social, tanto a explicação dos pro- blemas de saúde dos distintos grupos populacionais na perspectiva apontada pela ‘epidemiologia crítica’, enfatizando as relações entre os problemas de saúde, as condições de vida e seus determinantes histórico-estruturais, quan- to a compreensão das representações sociais acerca da saúde-doença e aten- ção à saúde dos diversos grupos, o que indica a necessidade de um planeja- mento participativo, em que os especialistas e população sejam atores e auto- res das respostas sociais aos problemas (TEIXEIRA, 1999, p. 297). A epidemiologia no Sistema Único de Saúde (SUS) A preocupação com a melhoria dos serviços do SUS e com a efetividade das intervenções sobre a situação de saúde tem motivado alguns autores a indagar sobre a incorporação da epidemiologia nas organizações de saúde em diferentes níveis do sistema de serviços de saúde e, especialmen- te, a sua utilização nas práticas de saúde (SCHRAIBER, 1990; PAIM, 1993; TEIXEIRA, 1999; DRUMMOND, 2001). Ainda que a Constituição da República e a Lei Orgânica da Saúde (8080/ 90), complementada pela Lei 8142/4, indicassem muitos caminhos para a incorporação da epidemiologia no planejamento e gestão do SUS, elementos de inércia burocrática da saúde pública institucionalizada juntamente com a lógica inampsiana que dirigia o modelo médico assistencial privatista dificul- tavam o desenvolvimento das práticas epidemiológicas. A epidemiologia na implantação do SUS No início da década de 1990, a epidemiologia era confinada, no nível federal, à Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), instituída nos primeiros dias do Governo Collor, reunindo a Superintendência de Campanhas de Saú- de Pública (SUCAM) e a Fundação Serviço Especial de Saúde Pública (FSESP). A criação do Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI), apesar de saudada por muitos epidemiologistas brasileiros e não obstante certos esforços dos seus primeiros dirigentes para disseminar o saber epidemiológico entre as ins- tituições de saúde (TEIXEIRA, 1999), não reduziu a perspectiva de confinamento. No nível estadual, concentrava-se, por sua vez, nas ações de vigilância epidemiológica, sobretudo mediante os programas de imunização e controle de doenças, implementados pelas estruturas próprias das secretarias Sem título-2 30/7/2010, 12:0286 89 e de organização dos serviços propostos no país, apesar de muitas identida- des, têm visões diferenciadas sobre a ênfase e o uso da epidemiologia nos serviços de saúde” (DRUMOND JR., 2001, p. 36). Por conseguinte, uma das grandes contribuições desse estudo foi ressaltar as possibilidades e a criatividade de novos enfoques e temas, realizando reflexões muito apropri- adas sobre inovação institucional e incorporação tecnológica. Nessa opor- tunidade, o autor critica o diagnóstico normativo em saúde pelo seu caráter ritualista, formalista e irresponsável em relação à gestão e à reorientação dos modos de intervenção em saúde. Assinala que a pretensa onipotência da epidemiologia em definir necessidades e prioridades em saúde deve ser questionada e relativizada, ainda que possa ser considerada uma ferramen- ta de grande utilidade, inclusive no diagnóstico estratégico de análise de situação de saúde. E assim o autor anuncia uma “epidemiologia do cotidia- no e do atrevimento” (DRUMOND JR., 2001, p. 170). Agenda de saúde e avaliação: uns passos adiante A partir da NOB-96 e, especialmente, com a expansão dos Programas de Agentes Comunitários de Saúde e de Saúde da Família (PACS/PSF), favorecida pela adoção do Piso Assistencial Básico (PAB) em 1998, o Ministério da Saú- de, através da Secretaria de Política de Saúde (SPS), vem introduzindo, pro- gressivamente, certos dispositivos que tendem a valorizar a incorporação de práticas epidemiológicas na gestão do SUS, incluindo o apoio a estudos sobre avaliação de políticas e programas (VIEIRA DA SILVA et al, 2002). Nessa perspectiva, a aprovação pelo Conselho Nacional de Saúde dos Eixos Prioritários de Intervenção para o Ano 2001 ilustra um passo importan- te para o envolvimento de estados e municípios na Agenda Nacional de Saú- de (BRASIL, 2001). Entre as intervenções propostas destacam-se a redução da mortalidade infantil e materna e o controle de doenças e agravos prioritários onde se incluem as “doenças da pobreza” (imunopreveníveis, transmitidas por vetores, diarréias, tuberculose, hanseníase etc.), as doenças crônico- degenerativas (câncer, diabetes e hipertensão) e os chamados “novos desafi- os” (AIDS e morbi-mortalidade por causas externas). As demais intervenções – 1) reorientação do modelo assistencial e descentralização; 2) melhoria da gestão, do acesso e da qualidade das ações e serviços de saúde; 3) desenvol- vimento de recursos humanos do setor saúde; e 4) qualificação do controle social – representam, também, espaços para o desenvolvimento de práticas epidemiológicas. Sem título-2 30/7/2010, 12:0289 90 Conjuntura pós-XI Conferência Nacional de Saúde: os tortuosos caminhos do SUS No caso da recente da Norma Operacional de Assistência à Saúde (BRA- SIL, 2001), em que pese a ausência no debate público da XI Conferência Nacional de Saúde, os riscos de recentralização da política setorial, o privilé- gio da hierarquização da assistencia médico-hospitalar sob a denominação de “regionalização da assistência à saúde”, bem como a ênfase na noção de economia de escala e a visão restrita de integralidade da atenção (centrada na demanda espontânea e reduzida à idéia de continuidade da assistência médica), caberia aproveitar a oportunidade da sua implementação para in- troduzir o saber epidemiológico nos processos de gestão (TEIXEIRA, 2002). Assim, a criação de “módulos assistenciais” e de “sistemas microregionais de saúde” poderá ensejar um debate que “venha a incorporar e articular práticas de promoção da saúde e prevenção de riscos e agravos, bem como a reorientação da assistência individual e coletiva” (TEIXEIRA, 2002, p. 107). Enfim, a incorpora- ção da proposta de Vigilância da Saúde ao planejamento municipal e regional poderá constituir “uma alternativa de superação do viés economicista da Progra- mação Pactuada Integrada – PPI, basicamente um instrumento de racionaliza- ção da oferta de serviços pelas unidades de saúde, que não problematiza o con- teúdo das práticas que são realizadas nem a sua adequação às necessidades e problemas de saúde da população” (TEIXEIRA, 2002, p. 116). A partir das pro- postas da autora, poderiam ser destacadas a redefinição das ações programáticas de saúde no âmbito das unidades básicas, a reestruturação dos estabelecimentos de saúde para assegurar a oferta organizada e programada das ações e serviços e a formulação de políticas públicas que tomem como referências básicas a pro- moção e a proteção da saúde (cidades saudáveis, vigilância sanitária em defesa da saúde, ação intersetorial em saúde, empowerment etc.). A conjuntura em que a XI Conferência Nacional de Saúde defende o com- promisso dos governos com políticas públicas integradas, com articulação intersetorial, capazes de assegurar as condições necessárias à produção, pro- moção e preservação da saúde é a mesma em que o Conselho Nacional de Saúde aprova a Política Nacional de Redução da Morbmortalidade por Aci- dentes e Violências e o Ministério da Saúde implementa o Programa Nacional de Controle do Tabagismo (BARROS, 2002), avança no Programa de Saúde da Família (PSF) – um dos espaços institucionais que emprega a prática epidemiológica – e busca, atualmente, formular uma Política de Promoção da Saúde e uma Política Nacional de Ciência & Tecnologia em Saúde. Sem título-2 30/7/2010, 12:0290 91 O agenciamento da epidemiologia: muitos passos atrás As iniciativas mencionadas, ao lado da formulação e implementação da NOAS, ocorrem “em um contexto marcado pela multiplicidade de eventos de caráter político-institucional que configuram uma trama complexa de deci- sões acerca do processo de construção do SUS, nem sempre coerentes e arti- culadas” (TEIXEIRA, 2002, p. 107). A autora se refere, nesse caso, à proposta de criação da Agência Federal de Prevenção e Controle de Doenças (APEC), autarquia vinculada ao Ministério da Saúde, enquanto “agência executiva”, subsidiária da chamada “Reforma do Estado”. Na realidade, sob o manto aparente de Reforma do Estado e de moderni- zação da burocracia sanitária toma corpo um processo de desmantelamento do organismo capaz de reduzir o paralelismo dos serviços e ações de saúde, ou seja, o Ministério da Saúde, responsável pela gestão nacional do SUS (PAIM, 2001). Este “esquartejamento” do SUS se inicia com a promulgação da Cons- tituição quando assegurou que a saúde é livre à iniciativa privada. Mas avan- çou em 1998, com a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), após uma avalanche de denúncias de falsificação de medicamen- tos envolvendo empresas farmacêuticas multinacionais de renome. No ano seguinte, tem continuidade com o estabelecimento da Agência Nacional de Saúde Suplementar, depois de um conjunto de denúncias sobre os chamados “planos de saúde”, vinculados ao Sistema de Assistência Médica Supletiva (SAMS). Em 2000 já se discutia uma “agência de vigilância epidemiológica”, cuja proposta de Medida Provisória foi encaminhada pelo ministro da Saúde em julho do ano seguinte. No entanto, como das outras vezes, foi necessária a existência de mais denúncias na mídia – no caso vinculadas à incompetên- cia dos governos diante da epidemia de dengue – para que a Presidência da República editasse mais uma Medida Provisória (MP 33, 19/2/02) visando à transformação da FUNASA em APEC (BRASIL, 2002). Verifica-se, desse modo, que a conjuntura pós-XI Conferência Nacional de Saúde, ao lado de certos avanços, traz sérios retrocessos no que diz respeito à incorporação das práticas epidemiológicas na gestão do SUS, conforme a avaliação da ABRASCO: Esta MP ressuscita a Lei 6259/75, que instituiu o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica , ignorando o papel do município [...]. Do mes- mo modo atenta contra o princípio constitucional da integralidade da atenção. Ao dispor sobre o Sistema Nacional de Epidemiologia confina o saber epidemiológico e a Epidemiologia, como disciplina científica, a um Sem título-2 30/7/2010, 12:0291 94 Portanto, revisar criticamente o paradigma científico dominante pode ser uma via de analisar certas possibilidades de transição paradigmática no cam- po da Saúde Coletiva, diante da complexidade do objeto da epidemiologia. Nesse caso, caberia “aproximar a ciência da sociedade e seus problemas ampliando sua capacidade de produzir conhecimento crítico e propositivo. Conhecimento ético, emancipador, solidário e democrático” (DRUMMOND, 2001, p. 8). Evidentemente que numa estrutura social que nega tais valores, a epidemiologia defronta-se com sérias contradições: “na sua tensão entre disciplina científica e campo profissional, a epidemiologia traz à tona, para os seus praticantes, independentemente de onde estejam situados, os desafios da dialética entre o sonhar e o fazer, entre a utopia e a realidade, entre a técnica e a política” (BARRETO, 1998). Ainda que muitas questões relevantes na atualidade sejam insuficientemente consideradas pela epidemiologia hegemônica caberia destacar certos “objeti- vos essenciais” de um saber que tome partido pela vida e pela emancipação dos seres humanos. Uma epidemiologia que fundamente as ações em Saúde Coletiva, inspirada nos seus compromissos democráticos desde as lutas histó- ricas do movimento sanitário contra o autoritarismo. Uma epidemiologia que possa garantir o conhecimento do processo saúde-doença na realidade com- plexa e concreta; reconhecer e abordar suas relações em diferentes níveis da realidade buscando se integrar com as visões de diferentes disciplinas e profis- sionais para orientar intervenções; e contribuir na redução do sofrimento hu- mano, das iniqüidades sociais detectadas e no movimento em defesa da vida (DRUMMOND JR., 2001, p. ?). Trata-se, enfim, de construir coletivamente as bases de uma epidemiologia contra-hegemônica que examine o movimento geral da sociedade e suas relações com o modo de vida dos grupos sociais e com o estilo de vida das pessoas, identificando processos críticos de exposi- ção ou de imposição (BREILH, 2002), conforme as palavras do autor: Hablar de praxis epidemiológica a comienzos del novo milenio no es lo mismo que hacerlo cuando fundábamos el movimiento de la salud colectiva en la década de los setenta e trabajábamos en las primeras rupturas [...]. No somos lo mismos pero somos iguales. No somos lo mismos porque nuestra praxis ha experimentado cambios y acumulaciones decisivas, nuestras propuestas se han enriquecido, nuestras ideas han crecido en amplitud y extensión. Pero somos iguales, porque seguimos siendo humanistas, en el más profundo y marxista sentido de la palabra, el sentido de forjar identidad e recrear utopía emancipadora (BREILH, 2002, p. 188). Sem título-2 30/7/2010, 12:0294 95 Uma epidemiologia que contribua na constituição de sujeitos sociais com- prometidos com uma prática sanitária voltada para a generosidade, a solida- riedade e a ética na luta pela saúde e qualidade de vida, representa uma aposta na planificação e gestão de um sistema de saúde que se pretende efetivo, democrático, humanizado e equânime. Mais que uma aposta, tais processos de construção contra-hegemônica implicam una articulación organizativa entre sujetos como condición previa a la transformación de las prácticas, tal como lo quería GRAMSCI, al generar un nuovo pensamiento que no sólo cuestiona los saberes tradicionales sino que pude constituirse en el liderazgo para proponer uma nueva manera de hacer las cosas (TESTA, 1997, p. 156). Portanto, a explicitação, a disseminação e a apropriação des- ses valores pelas classes subalternas e seus intelectuais orgânicos poderá fa- vorecer a construção de identidades capazes de influir na mobilização de sub- jetividades e vontades políticas para a concretização de práticas epidemiológicas e de gestão comprometidas com os princípios e diretrizes originais do SUS. Sem título-2 30/7/2010, 12:0295 96 Referências ABRASCO. Outra emenda pior que o soneto. APEC – Novas Ameaças ao Processo de Descentralização da Saúde (Editorial). Boletim Abrasco, Rio de Janeiro, n. 84, p. 2-3, 2002. 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