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Neurociências - 4ªEd. - Dale Purves, Notas de estudo de Engenharia de Produção

neurociências

Tipologia: Notas de estudo

2017
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Compartilhado em 18/10/2017

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Baixe Neurociências - 4ªEd. - Dale Purves e outras Notas de estudo em PDF para Engenharia de Produção, somente na Docsity! Neurociências 4 a Edição Dale Purves George J. Augustine David Fitzpatrick William C. Hall Anthony-Samuel LaMantia James O. McNamara Leonard E. White Sumário 1 Estudando o Sistema Nervoso 1 Parte I Sinalização Neural 2 Sinais Elétricos das Células Nervosas 25 3 Permeabilidade da Membrana Dependente de Voltagem 41 4 Canais e Transportadores 61 5 Transmissão Sináptica 85 6 Neurotransmissores e seus Receptores 119 7 Sinalização Molecular dentro dos Neurónios 153 8 Plasticidade Sináptica 177 Parte II Sensações e Processamento Sensorial 9 O Sistema Somatossensorial: Tato e Propriocepção 207 10 Dor 231 11 Visão: O Olho 253 12 Vias Centrais da Visão 289 13 O Sistema Auditivo 313 14 O Sistema Vestibular 343 15 Os Sentidos Químicos 363 Parte III Movimento e seu Controle Central 16 Circuitos do Neurônio Motor Inferior e Controle Motor 397 17 Controle do Neurônio Motor Superior do Tronco Encefálico e da Medula Espinhal 423 18 Modulação do Movimento Pelos Núcleos da Base 453 19 Modulação do Movimento pelo Cerebelo 499 20 Movimentos Oculares e Integração Sensório-Motora 495 21 O Sistema Motor Visceral 513 Parte IV O Encéfalo em Mudança 22 Desenvolvimento Inicial do Encéfalo 545 23 Construção dos Circuitos Neurais 577 24 Modificações de Circuitos Encefálicos como Resultado da Experiência 611 25 Reparo e Regeneração no Sistema Nervoso 635 Parte V Funções Complexas do Encéfalo 26 Os Córtices Associativos 663 27 Fala e Linguagem 687 28 Sono e Vigília 707 29 Emoções 733 30 Sexo, Sexualidade e o Encéfalo 761 31 Memória 791 APÊNDICE: Neuroanatomia Humana 815 ATLAS: O Sistema Nervoso Central Humano 843 deduzidas a part i r do estudo dos encéfalos de uma grande variedade de espécies. Diversas vezes, a escolha das espécies estudadas decorre de suposições sobre ca- pacidades funcionais aumentadas dessas espécies. Por exemplo, entre as décadas de 1950 e 1970, f o r a m realizados estudos pioneiros sobre as funções visuais em gatos. Eles f o r a m escolhidos por serem animais altamente "v isuais" , e, por tan- to, esperava-se que tivessem as regiões encefálicas dedicadas à visão be m desen- volvidas - regiões essas similares àquelas encontradas em primatas, inc lu indo os humanos. M u i t o do que se sabe hoje sobre a visão humana tem base nos estudos realizados em gatos. Estudos em invertebrados, como a lula e o molusco do mar Aplysia californica, levaram a conhecimentos que são também m u i t o importantes na biologia celular básica dos neurónios, da transmissão sináptica e da plast ici- dade sináptica (a base do aprendizado e da memória) . E m cada caso, o an imal estudado mostrou vantagens que possibil i taram responder questões decisivas das neurociências que abordamos neste l i v r o . Hoje, estudos bioquímicos, celulares, anatómicos, fisiológicos e comporta- mentais cont inuam a ser conduzidos em u m a vasta gama de animais. Entretanto, o sequenciamento completo d o genoma de u m pequeno número de espécies de invertebrados, vertebrados e mamíferos levou à adoção i n f o r m a l de quatro orga- n i smos- "modelo" por mui tos neurocientistas. Eles são o verme nematódeo Cae- norhabditis elegans; a mosca-das-frutas Drosophila melanogaster; o peixe-zebra Danio rerio, e o camundongo Mus musculus. A despeito de certas limitações em cada uma dessas espécies, sua relativa facil idade de manipulação e análise genética, be m como a d isponib i l idade de suas sequências genômicas completas, possibil i ta a pesquisa de u m grande número de questões neurocientíficas em níveis molecular, celular, anatómico e fisiológico. Outras espécies, claro, também são estudadas. Aves e anfíbios, como galinhas e rãs, cont inuam a ser particularmente úteis para estudar o desenvolvimento neu- ral nas suas fases iniciais, e mamíferos, como o rato, são usados com frequên- cia em estudos neurofarmacológicos e comportamentais da função encefálica no adulto . Por f i m , primatas não humanos (em particular o macaco rhesus) p e r m i t e m oportunidades de estudo de funções complexas que m u i t o se assemelham àquelas realizadas pelo encéfalo humano. Os componentes celulares do sistema nervoso Já no início d o século XIX , a célula f o i reconhecida como a u n i d a d e f u n d a m e n - tal de todos os organismos v i v o s . N o entanto, f o i apenas mais recentemente - d u r a n t e o século X X - que os neurocientistas chegaram a u m consenso de que o tecido nervoso, como os demais órgãos, também é constituído por essas unidades fundamenta i s . A p r i n c i p a l razão para isso é que a p r i m e i r a geração de neurobiólogos " m o d e r n o s " n o século XIX , c o m os microscópios e as técni- cas de tinção até então disponíveis , t i n h a d i f i cu ldades para ident i f i car a n a t u - reza unitária das células nervosas. A s formas extraodinar iamente complexas e as intensas ramificações de células nervosas i n d i v i d u a i s - todas agrupadas e difíceis de serem d i s t i n g u i d a s umas das outras - d i f i c u l t a r a m a observação de suas semelhanças c o m outras células geometricamente mais simples de o u - tros tecidos (Figura 1.2). A s s i m , alguns biólogos da época concluíram que cada célula nervosa estava conectada a suas v iz inhas p o r uniões protoplasmáticas , f o r m a n d o u m a malha contínua de neurónios, o " re t í culo" (do l a t i m , reticulum). Foi o patologista i tal iano C a m i l l o G o l g i q u e m a r t i c u l o u e defendeu essa " teoria re t i cu lar " da comunicação de células nervosas. G o l g i fez mui tas contribuições importantes às ciências médicas , i n c l u i n d o a identificação da organela celular que f ina lmente f o i denominada aparelho de G o l g i ; o descobrimento da técnica de impregnação celular, de f u n d a m e n t a l importância, que leva seu n o m e (Fi- gura 1.2), e a compreensão da f is iopatologia da malária. Entretanto, sua teoria ret icular d o sistema nervoso, p o r f i m , sucumbir ia , sendo substituída p o r outra que ve io a ser chamada de "a d o u t r i n a n e u r o n a l " . Os pr inc ipais proponentes da d o u t r i n a neurona l f o r a m o neuroanatomista espanhol Santiago R a m o n y Cajal e o f isiologista britânico Charles Sherr ington. 4 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White (A) Neurónios no núcleo do nervo craniano V, no mesencéfalo Corpos celulares (B) Célula bipolar da retina (C) Célula ganglionar da retina Axônios Dendritos < Corpo celular Axônio Dendritos (D) Célula amácrina da retina Dendritos < • Axônio Figura 1.2 Exemplos da rica varieda- de morfológica das células nervosas en- contradas no sistema nervoso humano. Os desenhos são das células nervosas verdadeiras coradas pela impregnação de sais de prata (a tão conhecida técni- ca de Golgi, método usado nos clássicos estudos de Golgi e Cajal). Asteriscos indicam que o axônio vai muito além do que o mostrado. Note que algumas células, como a célula bipolar da retina, têm um axônio muito curto e que ou - tras, como a célula amácrina da retina, não têm axônio. Os desenhos não es- tão todos na mesma escala. (E) Célula piramidal cortical Corpo celular (F) Célula de Purkinje cerebelar Dendritos Dendritos Corpo celular Axônio O debate acalorado ocasionado pelas visões contrárias representadas p o r G o l g i e Cajal no início d o século XX estabeleceu o curso das modernas n e u - rociências. C o m base em exames ao microscópio óptico d o tecido nervoso i m - pregnado com sais de prata , de acordo com o método p ione i ro de G o l g i , Cajal argumentava de m o d o persuasivo que as células nervosas são entidades d i s t i n - tas e que se c o m u n i c a m p o r m e i o de contatos especializados, que Sherr ington c h a m o u de sinapses. A despeito do t r i u n f o m á x i m o d o entendimento de Cajal sobre o de G o l g i , ambos f o r a m laureados c o m o Prémio N o b e l de Fis iologia e M e d i c i n a p o r suas contribuições decisivas na compreensão da organização básica d o encéfalo. Os trabalhos subsequentes de Sherrington e outros demonstrando a trans- ferência de sinais elétricos em junções sinápticas entre células nervosas propor- cionaram forte fundamentação à doutr ina neuronal , apesar de algumas objeções ocasionais à ideia de autonomia dos neurónios. Apenas com o advento da m i - croscopia eletrônica na década de 1950 que f o i possível acabar com as dúvidas sobre a i n d i v i d u a l i d a d e dos neurónios. As fotografias de altas amplificação e re- solução obtidas com o microscópio eletrônico (veja Figura 1.3) estabeleceram, de forma clara, que células nervosas são unidades com funções independentes. Essas micrografias também p e r m i t i r a m identif icar as junções celulares especializadas que Sherrington chamou de sinapses. Entretanto, talvez como u m consolo tardio a Golgi , esses estudos de microscopia eletrônica também demonstraram cont inui - dades intercelulares especializadas entre neurónios - embora relativamente raras - chamadas de junções comunicantes (gap junctions), similares àquelas encontra- das entre células epiteliais, como no intestino e no pulmão. De fato, essas junções p e r m i t e m a continuidade citoplasmática e a transferência direta de sinais elétricos e químicos entre células no sistema nervoso. Os estudos histológicos de Cajal, de Golg i e de muitos sucessores levaram ao consenso de que as células do sistema nervoso p o d e m ser d iv id idas em duas am- plas categorias: células nervosas (ou neurónios) e células de suporte o u sustenta- ção chamadas de células neurogliais (ou simplesmente glia). As células nervosas são especializadas na sinalização elétrica em longas distâncias. Compreender esse processo representa u m a das histórias de sucesso mais impressionantes da b io - logia moderna , sendo o tema da Parte I . As células gliais, ao contrário, não são capazes de sinalização elétrica signif icativa. Elas possuem, no entanto, funções essenciais nos encéfalos em desenvolvimento e no adulto, be m como contr ibuem para a regeneração do sistema nervoso lesionado - em alguns casos, promovendo novo crescimento de neurónios lesionados e, em outros, i m p e d i n d o essa regene- ração (veja Parte I V ) . Neurónios e glia compart i lham das mesmas organelas presentes em todas as células, inc lu indo retículo endoplasmático, aparelho de Golgi , mitocôndrias e uma variedade de estruturas vesiculares. E m neurónios, entretanto, essas organelas muitas vezes são mais evidentes em algumas regiões. Mitocôndrias, por exemplo, tendem a se concentrar nas sinapses, enquanto organelas de síntese proteica, como o retículo endoplasmático, estão quase que ausentes em axônios e dendritos. E m adição à distribuição de organelas e componentes subcelulares, neurónios e glia são, em certa medida, diferentes de outras células quanto às proteínas tubulares o u fibrilares especializadas que constituem o citoesqueleto (veja Figura 1.4). A p e - sar de muitas dessas proteínas - isoformas de actina, tubul ina , miosina e várias outras - serem encontradas e m outras células, sua organização diferenciada nos neurónios é fundamenta l para a estabilidade e a função dos processos neuronais e das junções sinápticas. Os diversos fi lamentos, túbulos, motores subcelulares e proteínas de arcabouço d o citoesqueleto neuronal regem numerosas funções, i n - c luindo o crescimento de axônios e dendritos; o tráfego e o posicionamento apro- pr iado de componentes de membrana, organelas e vesículas, e os processos ativos de exocitose e endocitose subjacentes à comunicação sináptica. Compreender as formas como os componentes moleculares são usados para garantir o desenvol- v imento apropriado e as funções de neurónios e células gliais ainda permanece como foco pr inc ipa l da neurobiologia moderna. Neurónios Neurónios são claramente diferenciados por serem especializados e m c o m u n i - cação intercelular. Esse a t r i b u t o é evidente e m sua m o r f o l o g i a geral , na orga- nização específica de seus componentes de membrana para a sinalização elé- trica e nas complexidades func iona l e es t rutura l dos contatos sinápticos entre neurónios (Figura 1.3). O mais óbvio sinal morfológico de especialização para comunicação através de sinais elétricos é a intensa ramificação dos neurónios. O aspecto mais saliente dessa ramificação por células nervosas típicas é a elabora- da arborização dos dendritos que emergem d o corpo celular neuronal na f o r m a de ramos dendríticos (ou processos dendríticos; veja Figura 1.3E). Dendri tos são o a lvo primário de sinais de entradas sinápticos or iundos de outros neurónios, diferenciando-se p o r seu alto conteúdo de ribossomos, b e m como de proteínas específicas d o citoesqueleto. O espectro de geometrias neuronais i n c l u i desde u m a pequena m i n o r i a de células que não possuem dendritos até neurónios com ramos dendríticos que r i - va l izam com a complexidade de uma árvore m a d u r a de verdade (veja Figura 1.2). 8 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White Figura 1.4 Os arranjos distintos dos elementos do citoesqueleto de neurónios. (A) O corpo celular, axônios e dendritos são distinguidos pela distri- buição de tubulina (verde por toda a célula) versus outros elementos citoesqueléticos - nesse caso, a proteína ligante do microtúbulo, tau (vermelho), que é encontrada somente em axônios. (B) A localização da actina (vermelho) nas extremidades em cresci- mento de processos dendríticos e axonais é aqui mostrada em neurónios do hipocampo cultivados. (C) Por outro lado, em uma célula epitelial em cul- tura, a actina (vermelho) encontra-se distribuída em fibrilas que ocupam a maior parte do corpo celular. (D) Em células astrogliais em cultura, a actina (ver- melho) é vista também em feixes fibrilares. (E) Tubuli- na (verde) pode ser vista no corpo celular e ao longo de dendritos neuronais. (F) Apesar de a tubulina ser um componente importante de dendritos e esten- der-se para os espinhos, a cabeça do espinho é rica em actina (vermelho). (G) A tubulina que compõe o citoesqueleto em células não neuronais distribui-se em redes filamentosas. (H-K) Sinapses possuem um arranjo distinto de elementos do citoesqueleto, re- ceptores e proteínas de arcabouço. (H) Dois axônios (verde; tubulina) originários de neurónios motores são vistos emitindo dois ramos cada para quatro f i - bras musculares. O vermelho mostra o agrupamen- to de receptores pós-sinápticos (nesse caso, para o neurotransmissoracetilcolina). (I) Uma visão de alta resolução de sinapse de neurônio motor mostran- do a relação entre o axônio (verde) e os receptores pós-sinápticos (vermelho). (J) Proteínas no espaço extracelular entre o axônio e seu músculo-alvo são marcadas em verde. (K) Proteínas de arcabouço (ver- de) localizam receptores (vermelho) e os conectam a outros elementos do citoesqueleto. A proteína de arcabouço mostrada aqui é a distrofina, cuja estru- tura e função estão comprometidas em muitas for- mas de distrofia muscular. (A é cortesia de Y N. Jan; B é cortesia de E. Dent e E Gertler; C é cortesia de D. Ameman e C. Otey; D é cortesia de A. Gonzales e R. Cheney; E, segundo Sheng, 2003; E segundo Matus, 2000; G é cortesia de T. Salmon et ai; H-K são cortesia de R. Sealock.) Neurociências 9 po de proteínas localizadas dentro o u associadas às vesículas. Os neurotransmis- sores liberados pelas vesículas sinápticas m o d i f i c a m as propriedades elétricas da célula-alvo por meio da ligação a receptores de neurotransmissores, localizados principalmente na especialização pós-sináptica. A intr incada e coordenada at ividade de neurotransmissores, receptores, ele- mentos do citoesqueleto e moléculas de transdução de sinais são a base da co- municação das células nervosas entre si e com as células efetoras em músculos e glândulas. Células neurogliais Células neurogliais - também chamadas de células gliais ou , simplesmente, glia - são m u i t o diferentes das células nervosas. N o encéfalo, células gliais estão em maior número do que neurónios, suplantando-os em u m a razão provável de 3 para 1 . Apesar de sua superioridade numérica, a glia não participa de m o d o direto nas interações sinápticas e na sinalização elétrica, ainda que, em suas funções de suporte, auxil ie na definição de contatos sinápticos e na manutenção das habi- lidades sinalizadoras dos neurónios. Células gliais também possuem processos complexos estendendo-se a par t i r de seus corpos celulares, mas esses processos são, e m geral, menos importantes d o que os ramos neuronais e não servem aos mesmos propósitos de axônios e dendritos. O termo glia (em grego, "cola") reflete o fato de se ter presumido, durante o século XIX, que essas células " m a n t i n h a m o sistema nervoso u n i d o " de alguma forma. A palavra sobreviveu apesar da ausência de qualquer evidência de que células gliais mantenham as células nervosas coesas. As funções gliais de fato bem estabelecidas inc luem manter o ambiente iônico das células nervosas, m o d u l a r a velocidade de propagação do sinal nervoso, m o d u l a r a at iv idade sináptica por meio da captação de neurotransmissores na fenda sináptica o u próximos a ela, for- necer arcabouço estrutural durante alguns aspectos d o desenvolvimento neural e auxiliar (e, às vezes, i m p e d i r ) a regeneração neural após lesão. N o sistema nervoso central maduro , há três tipos de células gliais: astrócitos, oligodendrócitos e células microgliais (Figura 1.5). O astrócitos, restritos ao siste- ma nervoso central ( i . e., encéfalo e medula espinhal), possuem processos locais (A) Astrócito (B) Oligodendrócito (C) Célula microglial gliais Figura 1.5 Variedades de células neurogliais. Desenhos de um astrócito (A), de um oligodendrócito (B) e de uma célula microglial (C) visualizados utilizando-se o método de Golgi. As imagens estão aproximadamente na mesma escala. (D) Astrócitos em cultura de tecido, marcados (vermelho) com um anticorpo contra uma proteína especí- fica de astrócito. (E) Células oligoden- drogliais (verde) em cultura, marcadas com um anticorpo contra uma pro- teína específica de oligodendrócito. (F) Axônios periféricos embainhados pela mielina (marcada em vermelho), exceto nos nodos de Ranvier (veja Figura 1.3G). A marcação verde indica canais iónicos concentrados no nodo; a marcação azul indica uma região molecular distinta chamada de paranodo. (G) Células mi - crogliais da medula espinhal, marcadas com um anticorpo específico para o tipo celular. Em detalhe: imagem de alta am- plificação de uma única célula microglial, identificada com marcador seletivo para macrófagos. (A-C conforme Jones e Cowan, 1983; D, E são cortesia de A.-S. LaMantia; F é cortesia M. Bhat; G é cor- tesia de A. Light; imagem em detalhe, cortesia de G. Matsushima.) 10 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White elaborados que lhes dão uma aparência estrelada. U m a das principais funções dos astrócitos é manter, por diversos mecanismos, u m ambiente químico propício à si- nalização neuronal . Além disso, observações recentes sugerem que u m subgrupo de astrócitos no encéfalo adul to pode conservar certas características de células- -tronco neurais - isto é, a capacidade de entrar em mitose e gerar todos os t ipos celulares encontrados no sistema nervoso (veja Parte IV) . Os oligodendrócitos, que também são restritos ao sistema nervoso central, deposi tam u m envoltório laminado, rico em lipídeos, chamado de mielina, em torno de muitos (mas não de todos) axônios (veja Figuras 1.3D,G). A miel ina pos- sui efeitos importantes sobre a velocidade de transmissão de sinais elétricos (veja Capítulo 3). N o sistema nervoso periférico, a miel ina é elaborada pelas denomina- das células de Schwann. Finalmente, as células microgliais são derivadas pr inc ipalmente de células precursoras hematopoiéticas (apesar de algumas poderem ser derivadas de m o d o direto de células precursoras neurais). As células microgliais compart i lham m u i - tas propriedades comuns a macrófagos de outros tecidos e são fundamentalmente células "recicladoras" (scavengers) que removem os restos celulares de locais le- sionados o u da renovação celular n o r m a l . Além disso, a microgl ia , assim como os macrófagos, secreta moléculas sinalizadoras - em particular, u m vasto g r u p o de citocinas, também produzidas por células imunológicas - que p o d e m modular a inflamação no local e influenciar a sobrevivência o u a morte celulares. A l g u n s neurobiólogos, inclusive, preferem classificar a microgl ia como u m t ipo de macró- fago. Após u m a lesão encefálica, o número de células microgliais no local aumenta de forma considerável. A l g u m a s dessas células p r o l i f e r a m a par t i r da microgl ia residente no encéfalo, enquanto outras provêm de macrófagos que m i g r a m para a área lesionada e penetram no encéfalo a part i r de pequenas rupturas na micro- vasculatura cerebral. A diversidade celular no sistema nervoso Apesar de os constituintes celulares do sistema nervoso h u m a n o serem, sob m u i - tos aspectos, semelhantes àqueles de outros órgãos, eles são incomuns por sua quantidade extraordinária. Estima-se que o encéfalo humano contenha 100 bilhões de neurónios e muitas vezes esse valor como células de suporte. Mais importante , o sistema nervoso contém u m a variedade maior de tipos celulares - o u categori- zados por morfo log ia , indent idade molecular o u por at ividade fisiológica - do que qualquer outro órgão ( u m fato que presumivelmente explica por que tantos genes diferentes são expressos no sistema nervoso, como f o i mencionado no início deste capítulo). A diversidade celular de qualquer sistema nervoso responde, sem dúvida, pela capacidade do sistema de formar redes cada vez mais complexas e de mediar comportamentos progressivamente mais sofisticados. N a maior parte do século XX, os neurocientistas dependeram d o conjunto de técnicas desenvol- vidas por Cajal, Go lg i e outros pioneiros da histologia e da patologia para des- crever e categorizar os diversos tipos celulares do sistema nervoso. O método de t ing imento desenvolvido por Golg i p e r m i t i u a visualização de células nervosas i n d i v i d u a i s e de seus processos que t i n h a m sido impregnados de sais de prata de forma aparentemente aleatória (Figura 1.6A,B). E m uma contrapartida moderna, corantes fluorescentes e outras moléculas solúveis injetadas em neurónios i n d i v i - duais, muitas vezes após identificação da função da célula por registro fisiológico, fornecem abordagens alternativas para visualizar células nervosas de forma i n d i - v i d u a l e seus processos (Figura 1.6C,D). C o m o complemento a essas técnicas (que fornecem u m a amostra aleatória de apenas poucos neurónios e células gliais) , outros corantes são usados para demonstrar a distribuição de todos os corpos celulares - mas não de seus proces- sos o u suas conexões - no tecido neural . O método de Niss l , usado amplamente , é u m deles. Essa técnica cora o nucléolo e outras estruturas (p. ex., ribossomos), onde se encontram o A D N e o A R N (Figura 1.6E). Essas colorações d e m o n s t r a m Neurociências 13 . Axônio sensorial (aferente) / Axônios motores (eferentes) Interneurônio Batida do martelo T Neurônio sensorial mi i i i i III! i i i i Neurônio motor (extensor) | | 1 1 l i Interneurônio IH i i i i i i i i Neurônio motor (flexor) 1 | i i I N I I I i i 1 I I 1 I I • Figura 1.8 Frequência relativa dos potenciais de ação (indicada pelas linhas verticais individuais) em diferen- tes componentes do reflexo miotático quando a via reflexa é ativada. Note o efeito modulatório do interneurônio. A perna se estende U m quadro mais detalhado dos eventos que transcorrem durante o reflexo miotático o u e m qualquer o u t r o c i rcui to pode ser obt ido p o r registros e letrof i - siológicos. Há duas formas de se mensurar a a t iv idade elétrica de u m a célula nervosa: o registro extracelular, e m que o eletrodo é colocado próximo à célula nervosa de que se queira detectar a a t iv idade , e o registro intracelular, e m que o eletrodo é colocado dentro da célula. Registros extracelulares funamentalmente detectam potenciais de ação, as alterações tudo-ou-nada no potencial (voltagem) de membrana de células nervosas que conduzem informação de u m ponto a o u - tro no sistema nervoso. Potenciais de ação são descritos e m detalhe no Capítulo 2. O registro extracelular é part icularmente útil para detectar padrões temporais na a t iv idade dos potenciais de ação e relacionar esses padrões à estimulação por outras entradas, o u a eventos comportamentais específicos. Os registros intrace- lulares p o d e m detectar e graduar as menores mudanças de potencial que servem para desencadear potenciais de ação e assim p e r m i t e m u m a análise mais deta- lhada da comunicação entre neurónios dentro de u m circui to . Esses potenciais graduados de disparo p o d e m tanto originar-se de receptores sensoriais quanto de sinapses, sendo chamados, respectivamente, de potenciais de receptor o u de potenciais sinápticos. Para o circuito miotático, a mensuração da at ividade elétrica pode ser tanto intracelular quanto extracelular, assim def in indo as relações funcionais entre os neurónios dentro do circuito. C o m eletrodos colocados próximos, mas ainda fora de células ind iv idua is , o padrão de at ividade de potenciais de ação pode ser regis- trado, fora da célula, para cada elemento do circuito (ou seja, aferências, eferências e interneurônios) antes, durante e após u m estímulo (Figura 1.8). A comparação entre o início, a duração e a frequência da at iv idade dos potenciais de ação em cada célula nos permite compreender a organização funcional do circuito. Como resultado d o estímulo, o neurônio sensorial é levado a disparar e m frequências mais altas (ou seja, mais potenciais de ação por unidade de tempo). Por sua vez, esse aumento dispara, com maior frequência, potenciais de ação tanto nos neuró- nios motores extensores quanto nos interneurônios. De m o d o concomitante, as sinapses inibitórias estabelecidas pelos interneurônios sobre neurónios motores flexores p r o m o v e m u m declínio na frequência dos potenciais de ação nessas célu- las. Empregando-se registros intracelulares, é possível observar, de m o d o direto, as mudanças no potencial de membrana subjacentes às conexões sinápticas de cada elemento do circuito do reflexo miotático (Figura 1.9). A organização do sistema nervoso humano Q u a n d o considerados e m conjunto, circuitos que processam t ipos semelhantes de informação c o m p õ e m sistemas neurais que servem a propósitos compor ta - mentais mais amplos . A distinção f u n c i o n a l mais geral d i v i d e esses conjuntos e m sistemas sensoriais, que a d q u i r e m e processam informação d o ambiente (p. ex., o sistema v i s u a l o u o a u d i t i v o , ambos descritos na Parte I I ) , e e m siste- 14 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White Figura 1.9 Respostas registradas dentro da célula durante reflexo miotático. (A) Potencial de ação medido em um neurônio sensorial. (B) Potencial de disparo pós- -sináptico registrado em um neurônio motor extensor. (C) Potencial de disparo pós- -sináptico registrado em um interneurônio. (D) Potencial pós-sináptico inibitório em um neurônio motor flexor. Esses registros intracelulares são a base para se entender os mecanismos celulares da geração do potencial de ação e os potenciais de recep- tor sensorial e potenciais sinápticos que disparam esses sinais. c 2 CD £ P H rjj (A) Neurônio sensorial 1 j Potencial I H l Microeletrodo para medir o potencial de membrana (B) Neurônio motor (extensor) Interneurônio o S C H OJ s • « s Neurônio motor (extensor) Neurônio motor (flexor) Potencial —' • Potencial de ação / x /sináptico \ Sinapse excitatória ativada (C) Interneurônio Potencial de ação Potencial / sináptico i— ™ rP 6 P H CD Sinapse excitatória ativada (D) Neurônio motor (flexor) Sinapse inibitória ativada Tempo (ms) mas motores, que r e s p o n d e m a essas informações gerando m o v i m e n t o s e o u - tros comportamentos (Parte I I I ) . Existe, entretanto, grande número de células e c ircuitos que se s i t u a m entre esses dois b e m - d e f i n i d o s sistemas de entrada e saída. N o seu con junto , eles são chamados de sistemas associativos e são responsáveis pelas funções encefálicas mais complexas e menos bem-caracte- rizadas (Parte V ) . Além dessas distinções funcionais mais abrangentes, os neurocientistas e neurobiólogos convencionaram d i v i d i r o sistema nervoso dos vertebrados, sob a forma anatómica, em componentes central e periférico (Figura 1.10). O sistema nervoso central, geralmente chamado de S N C , compreende o encéfalo (hemisfé- rios cerebrais, diencéfalo, cerebelo e tronco encefálico) e a medula espinhal (veja o Apêndice A para mais informações sobre as características anatómicas do SNC). O sistema nervoso periférico (SNP) i n c l u i os neurónios sensoriais que conectam os receptores sensoriais da superfície o u os de dentro do corpo com circuitos de processamento relevantes no sistema nervoso central. A porção motora do sistema nervoso periférico consiste em dois componentes. Os axônios motores que conec- t a m o encéfalo e a medula espinhal aos músculos esqueléticos f o r m a m a divisão motora somática do sistema nervoso periférico, enquanto as células e os axônios que inervam os músculos lisos, o músculo cardíaco e as glândulas f o r m a m a divi - são motora neurovegetativa o u viceral. Os corpos celulares das células nervosas do sistema nervoso periférico estão localizados em gânglios, que são simplesmente acúmulos locais de corpos de cé- lulas nervosas (e células de apoio) . Os axônios periféricos estão agrupados em nervos, que são feixes de axônios, muitos dos quais envolvidos pelas células gliais do sistema nervoso periférico, as células de Schwann, antes mencionadas. Neurociências 15 (A) (B) Sistema nervoso central Encéfalo Medula espinhal Sistema nervoso periférico Nervos cranianos Nervos espinhais Hemisférios cerebrais, diencéfalo, cerebelo, tronco encefálico e medula espinhal (análise e integração da informação sensorial e motora) 03 (T> o COMPONENTES SENSORIAIS Gânglios e nervos sensoriais Receptores sensoriais (na superfície e dentro do corpo) AMBIENTE INTERNO E EXTERNO WIBÊÈÊÊÊÊ&&:~JÈÊÈtÈÈÊKÈKIÊÉÈtÈÊÊÊÊHÈÊI^:""' JÊUSBIBÊBSÊB COMPONENTES MOTORES SISTEMA MOTOR VISCERAL SISTEMA MOTOR SOMÁTICO (divisões simpática, parassimpática e entérica) Nervos motores Gânglios e nervos neurovegetativos EFETORES Músculos lisos, músculos cardía- cos e glândulas Músculos esqueléticos (estriados) N o sistema nervoso central, as células nervosas estão arranjadas de duas for- mas diferentes. Os núcleos são conjuntos locais de neurónios que apresentam co- nexões e funções mais o u menos semelhantes. Essas coleções se encontram por todo o cérebro, tronco encefálico e medula espinhal. E m contraste, o córtex (no p lura l , diz-se córtices) apresenta u m a distribuição em forma de lâminas o u cama- das de células nervosas (consulte o Apêndice A para informações adicionais e i lus- trações). Os córtices dos hemisférios cerebrais e do cerebelo são os exemplos mais evidentes desse t ipo de organização. Os axônios no sistema nervoso central estão agrupados em tractos que são mais o u menos análogos aos nervos da periferia. Tractos que cruzam a l inha média do encéfalo são referidos como comissuras. Dois termos histológicos amplamente aplicados ao sistema nervoso central d is t inguem regiões ricas em corpos celulares neuronais de regiões ricas em axônios: substância cinzenta refere-se a qualquer concentração no encéfalo o u na medula espinhal de corpos neurais e neurópilo (p. ex., núcleos o u córtices), e substância branca (assim chamada por sua aparência mais o u menos clara, em v i r t u d e de seu conteúdo lipídico da miel ina) , que inc lu i os tractos axonais e as comissuras. A organização da divisão motora visceral do sistema nervoso periférico (célu- las nervosas que controlam as funções dos órgãos viscerais, inc lu indo o coração, pulmões, o trato gastrintestinal e a genitália) é u m pouco mais complicada (veja Capítulo 21). Os neurónios motores viscerais do tronco encefálico e da medula espinhal - denominados neurónios pré-ganglionares - f o r m a m sinapses com neu- rónios motores periféricos localizados nos gânglios viscerais (também chamados de "vegetat ivos" ). Os neurónios motores periféricos nos gânglios viscerais iner- v a m os músculos lisos, as glândulas e o músculo cardíaco, controlando, portanto, a maior parte do comportamento involuntário. N a divisão simpática d o sistema motor neurovegetativo, os gânglios situam-se ao longo o u à frente da coluna ver- Figura 1.10 Os principais compo- nentes do sistema nervoso e suas rela- ções funcionais. (A) O SNC (encéfalo e medula espinhal) e o SNP (nervos crania- nos e espinhais). (B) Diagrama dos prin- cipais componentes do sistema nervoso central e do periférico e suas relações funcionais. Os estímulos do ambiente determinam a transmissão de informa- ção para circuitos de processamento no encéfalo e na medula espinhal, que, por sua vez, interpretam seu significado e enviam sinais para efetores periféricos que movimentam o corpo e ajustam o funcionamento de seus órgãos internos. 18 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White Figura 1.13 Registro eletrofisiológico unitário de neurônio piramidal cortical mostrando o padrão de disparo em resposta a um estímulo periférico espe- cífico. (A) Preparo típico do experimento, em que um eletrodo é inserido no encé- falo. (B) Definindo os campos receptivos neuronais. Análise funcional dos sistemas neurais U m a vasta gama de métodos fisiológicos agora encontram-se disponíveis para avaliarmos a at ividade elétrica (e metabólica) dos circuitos neuronais que com- põem u m sistema neural . Duas abordagens, entretanto, têm sido particularmente úteis para def inir como os sistemas neurais representam uma informação. O mé- todo mais ut i l izado é o registro eletrofisiológico com microeletrodos i n t r o d u z i - dos em u m a única célula, denominados potenciais unitários. C o m frequência, esse método faz registros de várias células adjacentes além daquela selecionada, p e r m i t i n d o a obtenção de outras informações úteis. O uso de microeletrodos para registrar a at ividade de potenciais de ação fornece uma análise célula a célula da organização de mapas topográficos, o que permite vislumbrar-se para qual t ipo de estímulo u m neurônio está "especializado" ( i . e., o estímulo que evoca a alteração máxima na atividade de potenciais de ação em relação ao estado basal). A análise unitária muitas vezes é usada para def inir o campo receptivo de u m neurônio - a região d o espaço sensorial (p. ex., da superfície corporal , o u de u m a estrutura especializada como a retina), na qual u m estímulo específico evoca a máxima res- posta de potenciais de ação (Figura 1.13). Essa forma de abordar e compreender sistemas neurais f o i i n t r o d u z i d a por Stephen Kuf f le r e Vernon Mountcastle , no início da década de 1950, e desde então v e m sendo usada por muitas gerações de neurocientistas para avaliar a relação entre estímulos e respostas neuronais, em sistemas tanto sensoriais quanto motores. Técnicas de registro elétrico no nível de uma única célula agora têm sido ampliadas e refinadas para incluir , de forma simultânea, análises de u m a o u múltiplas células em animais realizando tarefas cognitivas complexas, registros intracelulares em animais ilesos e o uso de eletro- dos de fixação de membrana (patch eletrodes) para detectar e monitorar a at ividade de moléculas de membranas que, em última instância, constituem o substrato da sinalização neural (veja Parte I ) . A segunda grande área onde notáveis avanços técnicos têm sido realizados consiste no imageamento funcional do encéfalo em humanos (e, em menor exten- são, em animais). Nas duas últimas décadas, as técnicas de imageamento funcio- nal do encéfalo têm revolucionado nossa compreensão dos sistemas neurais, bem como nossa capacidade para diagnosticar e descrever anormalidades funcionais (Quadro I A ) . A o contrário dos métodos elétricos de registro da atividade neuronal, que expõem o encéfalo e nele inserem eletrodos, o imageamento funcional não é Neurociências 19 QUADRO I A Técnicas de imageamento do encéfalo Tomografia computadorizada (TC) ' Na década de 1970, a tomografia com- putadorizada, ou T C , inaugurou uma nova era de imageamento não invasi- vo, introduzindo o uso de tecnologia de processamento por computador para auxiliar no estudo do encéfalo vivo. Antes da TC, a única técnica dis- ponível de imageamento do encéfalo era a radiografia simples, ou raios X, que mostra u m contraste sofrível de tecidos moles e envolve exposição re- lativamente alta à radiação. A TC usa u m estreito feixe de raios X móvel e uma série de detectores muito sensíveis nos lados opostos da cabeça para explorar apenas uma pe- quena parte do tecido por u m tempo de exposição limitado para evitar a radiação (Figura A ) . Para fazer uma imagem, o tubo de raios X e os detec- tores giram ao redor da cabeça para coletar informação da radiodensidade de cada orientação ao redor de uma estreita secção encefálica. Técnicas de processamento computacional calcu- lam então a radiodensidade de cada ponto dentro do plano da secção, pro- duzindo a imagem tomográfica (tomo significa "corte" ou "fatia"). Se o pa- ciente é lentamente movido ao longo do aparelho enquanto o tubo de raios X gira, pode-se criar uma imagem tridimensional da matriz encefálica radiodensa, permitindo a computa- - ção de imagens de qualquer plano ao longo do encéfalo. A TC permite dis- tinguir com facilidade as substâncias branca e cinzenta, diferenciar muito bem os ventrículos e mostrar muitas outras estruturas com uma resolução espacial de poucos milímetros. Imageamento por ressonância magnética (IRM) O imageamento do encéfalo avan- çou muito na década de 1980 com o desenvolvimento do imageamento por ressonância magnética (IRM). O I R M baseia-se no fato de que os núcleos de alguns átomos agem como magnetos giratórios que, se colocados em u m campo magnético forte, irão se alinhar com esse campo e girar em uma frequência que é dependente da força dele. Se for aplicado u m breve (A) Na tomografia computadorizada, a fonte de raios X e os detectores são movidos ao redor da cabeça do paciente. A figura em detalhe mostra uma secção horizontal de TC de um encé- falo adulto normal. pulso de radiofrequência ajustado para a frequência de giro original dos átomos, eles serão expulsos do alinha- mento e, por consequência, emitirão energia de forma oscilatória, enquan- to se realinham, de forma gradual, com o campo. A força do sinal emitido depende de quantos núcleos atómicos foram afetados por esse processo. N o I R M , o campo magnético é levemente distorcido ao se imporem gradientes magnéticos ao longo de três diferentes eixos espaciais, de forma que apenas os núcleos de de- terminados locais sejam ajustados à frequência do detector em cada momento. Quase todos os aparelhos de IRM usam detectores ajustados às radiofrequências de giro dos núcleos de hidrogénio das moléculas de água, criando imagens com base na distribuição de água nos diferentes tecidos. A manipulação cuidadosa dos gradientes de campo magnético e os pulsos de radiofrequência tornam possível construir imagens espaciais extraordinariamente detalhadas do encéfalo em qualquer localização e orientação, com resolução submilimé- trica (Figura B). O forte campo magnético e os pulsos de radiofrequência usados na I R M são inofensivos, caracterizando-a como uma técnica completamente não invasiva (apesar de objetos metálicos dentro ou próximos ao aparelho se- rem uma preocupação de segurança). O I R M também é bastante versátil, porque se pode gerar imagens com base em uma larga variedade de me- canismos de contraste mudando-se os parâmetros do aparelho. Por exemplo, imagens convencionais de R M tiram vantagem no fato de o hidrogénio possuir diferentes taxas de realinha- mento em diferentes tipos de tecido (p. ex., substâncias cinzenta, branca e f luido cerebrospinal). Isso significa que o contraste entre tecidos moles pode ser manipulado por u m simples ajuste quando for medido o realinha- mento do sinal de hidrogénio. Dife- rentes ajustes de parâmetros podem também ser utilizados para gerar ima- gens nas quais as substâncias cinzenta e branca são invisíveis, mas a vascu- latura se mostra em detalhes nítidos. A segurança e a versatilidade do I R M fizeram-no a técnica preferida de ima- geamento da estrutura do encéfalo na maioria das aplicações. Imageamento funcional do encéfalo Observações de variações em ima- gens refletindo funções do encéfalo v ivo tornaram-se possíveis com o desenvolvimento recente de técnicas para detectar mudanças pequenas no (Continua) 2 0 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White metabolismo ou no fluxo sanguíneo cerebral. Para conservar energia, o en- céfalo regula seu fluxo sanguíneo de modo que os neurónios ativos (com demandas metabólicas relativamente altas) recebam mais sangue do que neurónios relativamente inativos. De- tectar e mapear essas mudanças locais no fluxo sanguíneo cerebral consti- tuem o fundamento de três técnicas muito utilizadas no imageamento do encéfalo: a tomografia de emissão de pósitrons (TEP), a tomografia com- putadorizada por emissão de fóton individual (single-photon emission computerized tomography, ou SPECT) e o imageamento por ressonância mag- nética funcional (IRMf). Na TEP, isótopos instáveis emisso- res de pósitrons são incorporados a diferentes reagentes (incluindo água, moléculas precursoras de neurotrans- missores específicos e glicose) e injeta- dos na circulação. Oxigénio e glicose marcados rapidamente se acumulam em áreas de metabolismo ativo, e os neurotransmissores marcados são captados, de modo seletivo, pelas regiões apropriadas. A medida que os isótopos instáveis decaem, dois pósitrons são emitidos, movendo-se em direções opostas. Detectores de raios gama são colocados em volta da cabeça e registram o " impacto" dos pósitrons apenas quando dois deles separados a 180° detectam os pósitrons de maneira simultânea. Imagens da densidade de isótopos no tecido então podem ser geradas (de modo semelhante à forma como as imagens de TC são calculadas), mostrando a localização de regiões ativas com uma resolução espacial de cerca de 4 m m . Dependendo do tipo de sonda injetada, o imageamento por TEP pode ser usado para visualizar mudanças dependentes de atividade no fluxo sanguíneo, no metabolismo tecidual ou na atividade bioquímica. O imageamento por SPECT é similar à TEP quanto ao fato de envolver a injeção ou a inalação de compostos radiomarcados (p. ex., iodoanfetami- na marcada com n3Xe ou m I ) , o que produz fótons que são detectados por uma câmera de raios gama movendo- -se rapidamente ao redor da cabeça. O I R M funcional, uma variante do I R M , atualmente oferece a melhor abordagem para visualizar a função encefálica com base no metabolismo local. O IRMf fundamenta-se no fato de a hemoglobina no sangue distor- invasivo e, assim, aplicável tanto em pacientes quanto em seres humanos sadios. Além disso, o imageamento permite a avaliação simultânea de múltiplas estrutu- ras encefálicas (o que é possível, porém difícil, com métodos de registro elétrico). N o decorrer dos últimos 20 anos, métodos não invasivos ainda mais poderosos têm p e r m i t i d o aos neurocientistas avaliar a representação de u m grande número de comportamentos humanos complexos e, ao mesmo tempo, têm oferecido fer- ramentas diagnosticas, cujo uso hoje rotineiro, muitas vezes, obscurece a natureza verdadeiramente extraordinária das informações que elas fornecem. Hoje muitos pacientes p o d e m aceitar como algo c o m u m diagnósticos e tratamentos precisos e acurados que há 20 anos não passariam de conjecturas inteligentes por parte dos médicos. E interessante, contudo, que muitas das observações resultantes de novas tecnologias conf i rmaram inferências sobre a localização funcional e a orga- nização dos sistemas neurais, or iginalmente com base nos estudos de pacientes com problemas neurológicos que apresentaram comportamentos alterados (após acidentes vasculares cerebrais o u outras formas de lesão encefálica). Capítulo 2 Sinais Elétricos das Células Nervosas Visão geral As células nervosas geram uma multiplicidade de sinais elétricos que transmitem informação. Apesar de os neurónios não serem intrinsecamente bons condutores de eletricidade, eles desenvolveram mecanismos complexos para a geração de si- nais elétricos a partir do fluxo de íons através de suas membranas plasmáticas. Normalmente, os neurónios geram um potencial negativo, denominado poten- cial de repouso da membrana, que pode ser medido registrando-se a diferença de voltagem entre o interior e o exterior de células nervosas. O potencial de ação anula o potencial de repouso negativo e torna o potencial transmembrana transi- toriamente positivo. Os potenciais de ação são propagados ao longo da extensão dos axônios e são os sinais fundamentais que carregam a informação de um lugar a outro no sistema nervoso. Há ainda outros tipos de sinais elétricos que são pro- duzidos pela ativação de contatos sinápticos entre os neurónios ou pela ação de formas externas de energia sobre neurónios sensoriais. Todos esses sinais elétricos originam-se a partir dos fluxos iónicos resultantes da permeabilidade seletiva das membranas das células nervosas a diferentes íons e da distribuição não uniforme desses íons através da membrana celular. Potenciais elétricos através das membranas neuronais Os neurónios utilizam diferentes tipos de sinais elétricos para codificar e transferir informação. A melhor maneira de se observar esses sinais é usar um microeletrodo intracelular para registrar diretamente o potencial elétrico através da membrana plasmática neuronal. Um microeletrodo típico consiste em um tubo de vidro de ponta muito fina (com uma abertura de diâmetro menor do que 1 um) preenchido com um bom condutor elétrico, como, por exemplo, uma solução salina concen- trada. Esse centro condutor poderá então ser conectado a um voltímetro, como um osciloscópio, para registrar a voltagem transmembrana da célula nervosa. O primeiro tipo de fenómeno elétrico pode ser observado tão logo um m i - croeletrodo seja inserido através da membrana de u m neuronio. Ao entrar na célula, o microeletrodo registra um potencial negativo, indicando que a célula é capaz de gerar uma voltagem constante através de sua membrana quando em repouso. Essa voltagem, denominada potencial de repouso da membrana, depende do tipo de neuronio examinado, mas é sempre uma fração de 1 volt (em geral, -40 a -90 mV). Os sinais elétricos produzidos pelos neurónios são causados por respostas a estímulos, os quais então mudam o potencial de repouso da membrana. Poten- ciais do receptor são devidos à ativaçã* de neurónios sensoriais por estímulos externos, como luz, som ou calor. Por exemplo, toques na pele ativam corpúsculos de Pacini, neurónios receptores que percebem perturbações mecânicas da pele. Esses neurónios respondem ao toque com um potencial do receptor que muda o potencial de repouso por uma fração de segundo (Figura 2.IA). Essas alterações transitórias no potencial de membrana desses neurónios receptores são o primeiro passo para a geração da sensação de vibrações (ou "cócegas") da pele no sistema somatossensorial (veja Capítulo 9). Tipos semelhantes de potenciais do receptor 26 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White Figura 2 .1 Tipos de sinais elétricos em um neuronio. Em todos os casos, microeletrodos são usados para medir alterações no potencial de repouso da membrana durante os sinais indicados. (A) Um breve toque causa um potencial do receptor em um corpúsculo de Pacini na pele. (B) Ativação de um contato sináptico sobre um neuronio piramidal do hipocampo determina um potencial sináptico. (C) Estimulação de um reflexo espinhal produz um potencial de ação em u m neuronio motor espinhal. (A) Potencial do receptor (B) Potencial sináptico (C) Potencial de ação -50 -60 -60 -•-Toqi e na pe e Tempo (ms) -70 Sin< ativ ipse ada Tempo (ms) +40 A ia ( m V Ativação de neuro- nio motor m br ar u Ê - 6 0 i Tempo (ms) são observados em todos os outros neurónios sensoriais durante a transdução de sinais sensoriais, como descrito na Parte I I . Outro tipo de sinal elétrico está associado à comunicação entre os neurónios nos contatos sinápticos. A ativação dessas sinapses gera potenciais sinápticos, os quais permitem a transmissão da informação de um neuronio para outro. Um exemplo desses sinais é mostrado na Figura 2.1B. Nesse caso, a ativação de um terminal sináptico que inerva um neuronio piramidal do hipocampo causa uma mudança muito breve no potencial de repouso da membrana no neuronio piramidal. Potenciais sinápticos são um meio de trocar informações em circui- tos neurais complexos, tanto no sistema nervoso central quanto no periférico (veja Capítulo 5). O uso de sinais elétricos - como a condução elétrica por cabos de energia ou comunicação - apresenta uma série de problemas na engenharia elétrica. U m problema fundamental para os neurónios é que seus axônios, os quais podem ser bastante longos (um neuronio motor da medula pode estender-se por 1 m ou mais), não são bons condutores elétricos. Embora neurónios e cabos de cobre sejam capazes de conduzir eletricidade de forma passiva, as propriedades elé- tricas de neurónios são relativamente pobres quando comparadas ao mais ordi- nário dos cabos. Para compensar essa deficiência, os neurónios desenvolveram um "sistema de propagação autossustentada" que lhes permite conduzir sinais elétricos por grandes distâncias apesar de suas características elétricas intrinse- camente pobres. Os sinais elétricos produzidos por esse sistema autossustentado são chamados de potenciais de ação (também denominados potenciais em pico, Neurociências 27 em ponta ou em "espiga", ou ainda de "impulsos" nervosos). U m exemplo de potencial de ação registrado em um axonio de um neuronio motor espinhal é mostrado na Figura 2.1C. Uma maneira de se provocar um potencial de ação é passar uma corrente elé- trica pela membrana de um neuronio. Em circunstâncias normais, essa corrente seria gerada por potenciais do receptor ou por potenciais sinápticos. No laborató- rio, no entanto, uma corrente elétrica adequada para iniciar um potencial de ação pode ser produzida com facilidade ao se inserir um segundo microeletrodo no mesmo neuronio e então conectar o eletrodo a uma bateria (Figura 2.2A). Se a cor- rente injetada dessa maneira tornar o potencial de membrana mais negativo (hi- perpolarização), quase nada acontece. O potencial de membrana apenas muda na proporção da magnitude da corrente injetada (Figura 2.2B, painel superior). Essas respostas de hiperpolarização não precisam de qualquer propriedade especial dos neurónios, sendo por isso chamadas de respostas elétricas passivas. Ocorre um fenómeno muito mais interessante quando uma corrente de polaridade oposta é injetada, a fim de tornar o potencial de membrana da célula nervosa mais positivo do que o potencial de repouso (despolarização). Nesse caso, em um certo nível de potencial de membrana, denominado potencial limiar, aparece um potencial de ação (veja Figura 2.2B, à direita). O potencial de ação, que é uma resposta ativa gerada pelo neuronio, é mos- trado em osciloscópio como uma breve (cerca de 1 ms) mudança de negativo para positivo no potencial transmembrana. E importante ressaltar que a amplitude do potencial de ação independe da magnitude da corrente usada para provocá-lo; quer dizer, correntes maiores não provocam potenciais de ação maiores. Portanto, diz-se que potenciais de ação de um dado neuronio são tudo-ou-nada, porque ou eles se manifestam de forma completa, ou não ocorrem. Se a amplitude ou a dura- ção da corrente estimulatória for suficientemente aumentada, vários potenciais de ação ocorrem, como pode ser visto nas respostas às três correntes de intensidades diferentes mostradas no lado direito da Figura 2.2B. Assim, a intensidade de um estímulo é codificada na frequência dos potenciais de ação, e não nas suas ampli- tudes. Esse arranjo difere bastante dos potenciais de receptor, cujas amplitudes (A) Figura 2.2 Registro de sinais elétri- cos passivos e ativos em um neuronio. (A) Dois microeletrodos são inseridos em um neuronio; um deles mede o potencial de membrana, enquanto o outro injeta corrente. (B) A inserção no neuronio do microeletrodo que mede a voltagem revela um potencial negativo, o potencial de repouso da membrana. A injeção de corrente pelo microeletrodo que injeta corrente altera o potencial de membrana neuronal. Pulsos de corrente hiperpolarizantes produzem apenas alterações passivas no potencial de membrana. Enquanto pequenas correntes despolarizantes provocam igualmente apenas respostas passivas, despolarizações que façam o potencial de membrana alcançar ou exceder um limiar provocam também potenciais de ação. Potenciais de ação são respostas ativas no sentido de serem geradas por alterações na permeabilidade da mem- brana neuronal. Neuronio Microeletrodo para medir o potencial de membrana Tempo - 3 0 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White através da membrana (veja Figura 2.4B). O número de íons que precisam f l u i r para gerar o potencial elétrico é m u i t o pequeno (cerca de IO" 1 2 mols de K + , o u I O 1 2 íons de potássio, por c m 2 de membrana) . Esse último fato é s ignif icat ivo de duas maneiras. Pr imeiro , significa que as concentrações de íons permeantes e m cada lado da membrana permanecem prat icamente constantes, mesmo depois de o f l u x o iônico ter gerado o potencial . E m segundo lugar, os pequenos f luxos iónicos necessários para estabelecer o potencial de membrana quase não per- t u r b a m a eletroneutral idade química, porque cada íon possui u m contraíon de carga oposta (p. ex., íons de cloreto mostrados na Figura 2.4) para manter a ele- troneutral idade das soluções em cada lado da membrana. A concentração de K + permanece igua l à concentração de íons cloreto (CF) nas soluções dos compar t i - mentos 1 e 2, o que significa que a separação de carga responsável pela diferença de potencial é restrita à vizinhança imediata da membrana. As forças que criam potenciais de membrana O potencial de membrana gerado através da membrana em equilíbrio eletroquí- mico, o potencial de equilíbrio, pode ser previsto por u m a fórmula simples deno- minada equação de Nernst. Essa relação é geralmente expressa como F R T , n [ X ] 2 x z F [XL em que Ex é o potencial de equilíbrio para qualquer íon X, R é a constante dos gases, T é a temperatura absoluta (em graus na escala Kelv in) , z é a valência (carga elétrica) do íon permeante, e F é a constante de Faraday (a quantidade de carga elétrica contida em u m m o l de u m íon univalente) . Os colchetes i n d i c a m as con- centrações do íon X em cada lado da membrana, e o símbolo l n indica o logari tmo natural da razão entre as concentrações nos dois lados. U m a vez que é mais fácil fazer o cáculo usando logaritmos na base 10 e realizar experimentos à temperatura ambiente, essa relação é normalmente simplif icada para E x =f logp% 2 M t em que log indica o logar i tmo na base 10 da razão entre as concentrações nos dois lados. Ass im, para o exemplo na Figura 2.4B, o potencial através da membra- na no equilíbrio eletroquímico é E K = ^ log • = — = 5 8 1 o g — = - 5 8 m V K 2 6 [ K ] j 8 1 0 Por convenção, o potencial de equilíbrio é d e f i n i d o pela diferença de potencial entre o c o m p a r t i m e n t o de referência ( lado 2 na Figura 2.4) e o outro lado. Essa abordagem é também aplicada a sistemas biológicos. Nesse caso, o exterior da célula é o p o n t o de referência convencional (def in ido como potencial zero). Des- se m o d o , q u a n d o a concentração de K + é m a i o r no in ter ior d o que no exterior, u m potencial negat ivo no inter ior é m e d i d o através da membrana neuronal per- meável ao K + . E m u m sistema hipotético simples com apenas u m a espécie de íon perme- ante, a equação de Nernst permite que o potencial elétrico através da membrana em equilíbrio seja previsto com exatidão. Por exemplo, se a concentração de K + no lado 1 é elevada a 100 m M , o potencial de membrana será -116 mV. Se em u m gráfico o potencial de membrana é colocado contra o logar i tmo do gradiente da concentração de potássio ( [K]2/[K]1) , a equação de Nernst prevê u m a relação linear com uma inclinação de 58 m V (na verdade 58/z) para cada alteração de 10 vezes no gradiente de K + (Figura 2.4C). (A inclinação é de 61 m V na temperatura corporal de mamíferos.) Neurociências 31 Para reforçar e estender o conceito de equilíbrio eletroquímico, considere al- guns experimentos adicionais sobre a influência de espécies iónicas e a permeabi- l idade iônica que poder iam ser realizados no sistema-modelo simples da Figura 2.4. O que aconteceria ao potencial elétrico através da membrana (o potencial do lado 1 em relação ao lado 2) se o K + n o lado 2 fosse substituído por 10 m M de íons de sódio (Na + ) e o potássio no compart imento 1 fosse substituído por 1 m M de Na +? N e n h u m potencial seria gerado, porque n e n h u m N a + f lu i r ia pela membrana (que fo i def inida como sendo permeável somente ao K + ) . N o entanto, se sob essas condições iónicas (10 vezes mais N a + no compart imento 2) a membrana permeá- vel ao K + fosse magicamente substituída por uma membrana permeável apenas ao N a + , u m potencial de +58 m V seria registrado no equilíbrio. Se 10 m M de íons de cálcio (Ca 2 +) estivessem presentes no compart imento 2 e 1 m M de Ca 2 + no com- partimento 1 e uma membrana seletivamente permeável ao C a 2 + separasse os dois lados, o que aconteceria com o potencial de membrana? U m potencial de +29 m V seria gerado, porque a valência do cálcio é +2. Por f i m , o que aconteceria ao po- tencial de membrana se 10 m M de Cl~ estivessem presentes no compart imento 1 e 1 m M de CF estivesse presente no compart imento 2, com os dois lados separados por uma membrana permeável ao CF? U m a vez que a valência desse ânion é - 1 , o potencial novamente seria +58 mV. O balanço de forças químicas e elétricas no equilíbrio significa que o potencial elétrico pode determinar fluxos iónicos através da membrana, da mesma maneira que o gradiente iônico pode determinar o potencial de membrana. Para examinar a influência do potencial de membrana no f luxo iônico, imagine que uma bateria esteja conectada aos dois lados da membrana para controlar o potencial elétrico através dela sem alterar a distribuição de íons nos dois lados (Figura 2.5). En- quanto a bateria estiver desligada, a situação permanecerá como na Figura 2.4, com u m f luxo de K + do compart imento 1 ao compart imento 2 gerando u m poten- cial de membrana negativo (Figura 2.5A, à esquerda). N o entanto, se a bateria for usada para tornar o compart imento 1 inicialmente mais negativo em relação ao compart imento 2, o f luxo de K + será menor, porque o potencial negativo tenderá a manter o K + no compart imento 1 . Quão negativo o lado 1 precisará ser para que não ocorra f luxo líquido de K + ? A resposta é -58 mV, a vol tagem necessária para contrabalançar a diferença de 10 vezes nas concentrações de K + nos dois lados da membrana (Figura 2.5A, centro). Se o compart imento 1 for inicialmente mais negativo do que -58 mV, então o K + fluirá do compart imento 2 para o compar- (A) Bateria desligada y ,_ ,= 0 mV Bateria ligada Vl-2= ~ 5 8 m V e o Bateria ligada V, _,= -116 mV F igura 2.5 O potencial de mem- brana influencia os fluxos iónicos. (A) A conexão de uma bateria aos dois lados de uma membrana permeável ao K+ permite o controle direto do potencial de membrana. Quando a bateria está desligada [esquerda], íons K+ (em amare- lo) simplesmente fluem de acordo com seu gradiente de concentração. Ajustar o potencial de membrana inicial (V,.J no potencial de equilíbrio do K+ {cen- tro] não causa um fluxo líquido desse íon, ao passo que tornar o potencial de membrana mais negativo do que o potencial de equilíbrio do K+ {direita] faz com que o K+ flua contra o seu gradien- te de concentração. (B) Relação entre o potencial de membrana e o sentido do fluxo de K+. Bateria  •?°"T í O • O •, O o ° - Bateria 3 • «I ° o O f l O ° O o o " O o o * S o • O O Bateria o ° j | o o ° o j j o o o o* T| ° O o o o l O m M K C l l m M K C l 10 m M KC1 1 m M KC1 l O m M K C l 1 m M KC1 Fluxo líquido de K + de 1 para 2 Sem fluxo líquido de K + Fluxo líquido de K + de 2 para 1 (B) Fluxo líquido de Potencial de membrana (mV) 32 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White Figura 2.6 Os potenciais de repouso e de ação envolvem permeabilidades da membrana a diferentes íons. (A) Situa- ção hipotética em que uma membrana variavelmente permeável ao N a + (verme- lho) e ao K+ (amarelo) separa dois com- partimentos que contêm os dois íons. Por uma questão de simplicidade, íons C f não são mostrados. (B) Representa- ção esquemática das permeabilidades iónicas da membrana associadas aos potenciais de repouso e de ação. Em repouso, as membranas neuronais são mais permeáveis ao K+ (amarelo) do que ao N a + (vermelho); em função disso, o potencial de repouso da membrana é negativo e apraxima-se do potencial de equilíbrio para o K+, EK. Durante um po- tencial de ação, a membrana toma-se muito permeável ao Na + (vermelho); as- sim, o potencial de membrana torna-se positivo e aproxima-se do potencial de equilíbrio para o Na*, ENl. No entanto, o aumento na permeabilidade ao N a + é transitório, de modo que a membrana torna-se, mais uma vez, permeável prin- cipalmente ao K+ (amarelo), fazendo o potencial retornar ao valor negativo de repouso. timento 1, porque os íons positivos serão atraídos pelo potencial mais negativo do compartimento 1 (Figura 2.5A, à direita). Esse exemplo mostra que tanto o sentido quanto a magnitude do fluxo iônico dependem do potencial de membra- na. Portanto, em algumas circunstâncias, o potencial elétrico pode sobrepor-se ao gradiente de concentração iônico. A capacidade de alterar o fluxo iônico experimentalmente pela alteração do potencial imposto à membrana (Figura 2.5B) ou do gradiente transmembrana de concentração de um íon (veja Figura 2.4C) fornece ferramentas convenientes para se estudar os fluxos de íons através das membranas plasmáticas dos neuró- nios, como ficará evidente em muitos dos experimentos descritos nos próximos capítulos. Equilíbrio eletroquímico em um ambiente com mais de um íon permeante Analisemos agora uma situação mais complexa, em que Na + e K + estão desigual- mente distribuídos através da membrana, como na Figura 2.6A. O que aconteceria se 10 m M de K + e 1 m M de Na + estivessem presentes no compartimento 1, e 1 m M de K + e 10 m M de Na + estivessem presentes no compartimento 2? Se a membrana fosse permeável apenas ao K + , o potencial de membrana seria -58 mV; se a mem- brana fosse permeável apenas ao Na + , o potencial de membrana seria +58 mV. Contudo, qual seria o potencial se a membrana fosse permeável tanto ao K + como ao Na+? Nesse caso, o potencial dependeria da permeabilidade relativa da mem- brana ao K + e ao Na + . Se ela for mais permeável ao K + , o potencial se aproximará de -58 mV, enquanto que se ela for mais permeável ao Na + , o potencial estará mais próximo de +58 mV. Uma vez que não existe uma variável de permeabilidade na equação de Nernst, pois ela considera apenas o caso simples de uma única espécie iônica permeante, é necessária uma equação mais complexa que leve em consi- deração os gradientes de concentração dos íons permeantes e a permeabilidade relativa da membrana a cada espécie permeante. Uma equação para isso foi desenvolvida por David Goldman em 1943. No caso mais relevante para neurónios, nos quais K + , Na + e Cl~ são os principais íons permeantes, a equação de Goldman é escrita assim v _ 5 g l o P K [ K ] 2 + P N a [ N a ] 2 + P c , [ a ] t ° g P K [ K ] 1 + P N a [ N a ] 1 + P c l [ C l ] 2 em que V é a voltagem através da membrana (novamente, compartimento 1 em relação ao compartimento 2, de referência), e P indica a permeabilidade da membrana a cada íon específico. A equação de Goldman é, portanto, uma versão estendida da equação de Nernst que considera as permeabilidades relativas de Neurociências 3 5 QUADRO 2A As extraordinárias células nervosas gigantes das lulas Muitas das noções iniciais sobre como os gradientes de concentração e as mudanças na permeabilidade da membrana produzem sinais elétricos vieram dos experimentos realizados nas excepcionalmente grandes células nervosas das lulas. Os axônios des- sas células nervosas podem atingir 1 m m de diâmetro - 100 a 1.000 vezes maiores do que os axônios de mamí- feros. Os axônios de lula são grandes o suficiente para permitirem expe- rimentos que seriam impossíveis na maioria das outras células nervosas. Por exemplo, não é difícil inserir ele- trodos simples dentro desses axônios gigantes e fazer medições elétricas confiáveis. A relativa facilidade dessa abordagem produziu os primeiros registros intracelulares de potenciais de ação em neurónios e, como será discutido no próximo capítulo, os primeiros registros experimentais de correntes iónicas que produzem potenciais de ação. E prático também remover o citoplasma dos axônios g i - gantes e medir sua composição iônica forma mais eficiente de seus inúmeros inimigos. Atualmente - quase 70 anos depois de sua descoberta por John Z. Young, na Universidade College de Londres - , os neurónios gigantes de lula con- tinuam a ser sistemas experimentais úteis para averiguar funções neuro- nais básicas. Referências LLINÁS, R. (1999) The Squid Synapse: A Modelfor Chemical Transmission. O x f o r d : O x f o r d Univers i ty Press. Y O U N G , J. Z. (1939) Fused neurons and synaptic contacts i n the giant nerve fibres of cephalopods. Phil. Trans. R. Soe. Lond. 229(B): 465-503. (veja Tabela 2.1). Além disso, alguns neurónios gigantes formam contatos sinápticos com outros neurónios gi- gantes, produzindo sinapses enormes, que foram extremamente valiosas para a compreensão dos mecanismos fundamentais da transmissão sinápti- ca (veja Capítulo 5). E evidente que neurónios gigan- tes evoluíram nas lulas porque eles favoreciam sua sobrevivência. Esses neurónios participam de u m circuito neural simples que ativa a contração do músculo do manto, produzindo u m efeito de propulsão a jato que permite à lula fugir de predadores com rapidez. Conforme discutido no Capítulo 3, diâmetros axonais maiores permitem uma condução mais rápida dos potenciais de ação. Assim, as lulas provavelmente possuem esses neu- rónios enormes para escaparem de (A) Diagrama de uma lula, mostrando a localização de suas células nervosas gigantes. Co- res diferentes indicam os componentes neuronais do circuito de fuga. Os neurónios de pri- meiro e de segundo níveis originam-se no encéfalo, enquanto os neurónios de terceiro nível estão no gânglio estrelado e inervam as células musculares do manto. (B) Sinapses gigantes dentro do gânglio estrelado. O neurônio de segundo nível forma uma série de processos di- gitiformes, cada um dos quais faz sinapses extremamente grandes com um único neurônio de terceiro nível. (C) Estrutura do axônio gigante de um neurônio de terceiro nível dentro de seu nervo. A enorme diferença entre os diâmetros de um axônio gigante de lula e de um axônio de mamífero é mostrada a seguir. Axônio gigante Nervo estrelado Encéfalo Neurônio de- primeiro nível Neurônio de - segundo nível - Axônio gigante da lula = 800 |im de diâmetro • o Axônio de mamíferos = 2 um de diâmetro 36 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White repouso da membrana também ficou próximo de 0 mV. Em resumo, o potencial de repouso da membrana variou conforme previsto pelo logaritmo da concentração de K + ,com uma inclinação aproximada de 58 mV para cada alteração de 10 vezes na concentração de K + (Figura 2.7B). O valor obtido não foi exatamente de 58 mV, porque outros íons, tais como CF e Na + , também são fracamente permeáveis e, portanto, influenciam o potencial de repouso em uma pequena medida. A contri- buição desses outros íons é evidente, em especial, em baixas concentrações exter- nas de K + , mais uma vez de acordo com a equação de Goldman. Em geral, contu- do, a manipulação das concentrações externas desses outros íons produz apenas um pequeno efeito, o que enfatiza que a permeabilidade ao K + é de fato a principal fonte do potencial de membrana de repouso. Resumindo, Hodgkin e Katz mostraram que o interior negativo do potencial de membrana surge porque (1) a membrana do neuronio em repouso é mais per- meável ao K + do que a qualquer dos outros íons presentes, e (2) há mais K + dentro do que fora do neuronio. A permeabilidade seletiva ao K + é causada por canais na membrana permeáveis ao K + que estão abertos no neuronio em repouso, e o gran- de gradiente de concentração de K + é, como observado, produzido por transpor- tadores na membrana que seletivamente acumulam o íon dentro dos neurónios. Vários estudos subsequentes confirmaram a validade geral desses princípios. As bases iónicas dos potenciais de ação O que faz o potencial de membrana de um neuronio despolarizar durante um potencial de ação? Embora uma resposta geral a essa questão tenha sido dada na Figura 2.6B (permeabilidade ao Na + aumentada), é importante examinar algumas das evidências experimentais para esse conceito. Usando os dados apresentados na Tabela 2.1, podemos aplicar a equação de Nernst para calcular que o potencial de equilíbrio para o Na + (ENa) nos neurónios, e na verdade na maioria das células, (A) Figura 2.8 Função do N a + na ge- ração de um potencial de ação em um ., axonio gigante de lula. (A) Um potencial de ação desencadeado em concen- trações iónicas extra e intracelulares normais. (B) A amplitude e a taxa de as- censão do potencial de ação diminuem quando a concentração externa de N a + é reduzida a um terço do normal, mas (Q voltam ao normal quanúo o Na* é reposto. (D) Enquanto a amplitude do potencial de ação é bastante sensível à concentração externa de Na + , o p o - tencial de repouso da membrana (E) é pouco afetado pela alteração na con- centração desse íon. (Segundo Hodgkin eKatz, 1949.) 440 (B) +40 > -a S- 0 1 2 õ s -40 6 -80 (C) +40 Baixa [Na + ] A Inclinação = 58 mV a cada alteração de 10 vezes no gradiente de N a + 200 500 1.000 [ N a + ] e (mM) 1 2 Tempo (ms) (E) o „ | | ^ -20 a « u c S 6 u ai c S v c -40 -60 -80 mmmSHÊSÊtM 50 100 200 500 1.000 [ N a + ] e (mM) 1 2 Tempo (ms) é positivo. Portanto, se a membrana se tornasse altamente permeável ao Na + , o potencial de membrana aproximar-se-ia do EN a. Com base nessas considerações, Hodgkin e Katz propuseram a hipótese de que o potencial de ação surge porque a membrana neuronal torna-se temporariamente permeável ao Na + . Fazendo o mesmo tipo de experimento de substituição de íons que fizeram para verificar o potencial de repouso, Hodgkin e Katz testaram a função do Na + na geração do potencial de ação ao questionarem o que acontece ao potencial de ação quando o Na + é removido do meio externo. Eles observaram que a dimi- nuição da concentração externa de Na + , para reduzir o EN a, reduz tanto a taxa de elevação do potencial de ação quanto sua amplitude máxima (Figura 2.8A-C). De fato, quando examinaram essa dependência quantitativa de Na + , eles encon- traram uma relação mais ou menos linear entre a amplitude do potencial de ação e o logaritmo da concentração externa de Na + (Figura 2.8D). A inclinação dessa relação aproximava-se a um valor de 58 mV para cada alteração de 10 vezes na concentração de Na + , conforme esperado para uma membrana sele- tivamente permeável ao Na + . A diminuição na concentração de Na + , por outro lado, teve muito pouco efeito no potencial de repouso da membrana (Figura 2.8E). Assim, enquanto a membrana neuronal em repouso é apenas fracamente permeável ao Na + , ela se torna extraordinariamente permeável ao Na + durante a fase ascendente e o pico de ultrapassagem do potencial de ação (veja Quadro 2B para uma explanação sobre a nomenclatura do potencial de ação). Esse aumento temporário na permeabilidade ao Na + resulta da abertura de canais seletivos ao Na + que estão essencialmente fechados no estado de repouso. Bombas presentes na membrana mantêm o grande gradiente eletroquímico do Na + , o qual está em muito maior concentração fora do que dentro do neuronio. Quando os canais de Na + se abrem, o íon entra no neuronio, levando o potencial de membrana a despolarizar e a se aproximar do EN a. O tempo durante o qual o potencial de membrana permanece próximo ao EN a (cerca de +58 mV) durante o pico de ultrapassagem de um potencial de ação é breve, uma vez que a própria permeabilidade elevada da membrana ao Na + é de curta duração. O potencial de membrana repolariza com rapidez até os níveis de repouso e é, na verdade, seguido por uma pós-hiperpolarização transitória. Como será descrito no Capítulo 3, esses últimos eventos no potencial de ação são devidos a uma inativação da permeabilidade ao Na + e a um aumento na permeabilidade da membrana ao K + . Durante a pós-hiperpolarização, o potencial de membrana é transitoriamente hiperpolarizado, porque a permeabilidade ao K + torna-se ainda maior do que quando em repouso. O potencial de ação termina quando essa fase aumentada de permeabilidade ao K + diminui, e o potencial de membrana retorna, portanto, ao nível de repouso normal. Os experimentos de substituição de íons realizados por Hodgkin e Katz for- neceram evidências convincentes de que o potencial de repouso da membrana re- sulta de sua alta permeabilidade ao K + e que a despolarização durante o potencial de ação resulta de um aumento transitório na permeabilidade da membrana ao Na + . Embora esses experimentos tenham identificado os íons que fluem durante um potencial de ação, eles não estabeleceram como a membrana neuronal é capaz de alterar sua permeabilidade iônica para gerar um potencial de ação, ou quais mecanismos disparam essa alteração crucial. O próximo capítulo abordará essas questões, documentando a conclusão surpreendente de que o próprio potencial de membrana do neuronio afeta a permeabilidade da membrana. Resumo Células nervosas geram sinais elétricos para levar informação a distâncias signi- ficativas e a transmitem a outras células por meio de conexões sinápticas. Esses sinais dependem basicamente de mudanças no potencial elétrico de repouso atra- vés da membrana neuronal. Um potencial de repouso ocorre porque as membra- nas das células nervosas são permeáveis a uma ou mais espécies iónicas sujeitas Capítulo 3 Permeabilidade da Membrana Dependente de Voltagem Visão geral O potencial de ação, o principal sinal elétrico gerado pelas células nervosas, re- flete alterações na permeabilidade da membrana axonal do neurônio a íons espe- cíficos. A atual compreensão da permeabilidade iônica da membrana origina-se de evidências obtidas pela técnica de fixação de voltagem, que permite uma ca- racterização detalhada das alterações na permeabilidade em função do potencial de membrana e do tempo. Para a maioria dos tipos de axônios, essas alterações consistem em u m aumento rápido e transitório na permeabilidade ao sódio (Na +), seguido de um aumento mais lento e mais prolongado na permeabilida- de ao potássio (K +). Ambas as permeabilidades são dependentes de voltagem, aumentando à medida que o potencial de membrana despolariza. A cinética e a dependência da voltagem nas permeabilidades ao Na + e ao K + explicam de forma cabal a geração do potencial de ação. A despolarização do potencial de membrana ao limiar causa um aumento rápido e autossustentável na permea- bilidade ao Na + , produzindo a fase ascendente do potencial de ação; contudo, o aumento na permeabilidade ao Na + é fugaz, sendo seguido de um aumento mais lento na permeabilidade ao K + , que recoloca o potencial de membrana em seu nível negativo normal de repouso. U m modelo matemático que descreve o comportamento dessas permeabilidades iónicas prevê praticamente todas as propriedades dos potenciais de ação observadas. Vale ressaltar que esse mesmo mecanismo iônico também permite que potenciais de ação sejam propagados ao longo do comprimento dos axônios neuronais, explicando como sinais elétricos são transmitidos por todo o sistema nervoso. Correntes iónicas através de membranas celulares neuronais O capítulo anterior introduziu a ideia de que células nervosas geram sinais elétricos por causa de uma membrana que é distintamente permeável a várias espécies iónicas. Especificamente, um aumento transitório na permeabilidade da membrana neuronal ao Na + inicia o potencial de ação. Este capítulo estu- da exatamente como ocorre esse aumento na permeabilidade ao Na + . A chave para a compreensão desse fenómeno é a observação de que potenciais de ação são iniciados apenas quando o potencial da membrana neuronal torna-se mais positivo do que um determinado limiar. Essa relação sugere que o mecanismo responsável pelo aumento na permeabilidade ao Na + é sensível ao potencial de membrana. Portanto, se pudermos entender como uma mudança no potencial de membrana ativa a permeabilidade ao Na + , será possível explicar como poten- ciais de ação são gerados. O fato de a permeabilidade ao Na" que gera a alteração no potencial de mem- brana ser ela própria sensível ao potencial apresenta obstáculos conceituais e práticos ao estudo do mecanismo do potencial de ação. Um problema prático é a dificuldade em se variar, de forma sistemática, o potencial de membrana para es- tudar a alteração na permeabilidade, pois essas alterações produzirão um poten- cial de ação, o qual causará alterações posteriores e incontroláveis no potencial de membrana. Então, historicamente, não era, de fato, possível entender potenciais de ação, até que uma técnica foi desenvolvida, a qual permitiu a investigadores 42 Purves, Augustine. Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White controlar o potencial de membrana e, ao mesmo tempo, medir as alterações de per- meabilidade subjacentes. Essa técnica, o método de fixação de voltagem (Quadro 3A), fornece a informação necessária para determinar a permeabilidade da mem- brana em qualquer potencial de membrana. No final da década de 1940, Alan Hodgkin e Andrew Huxley, trabalhando na Universidade de Cambridge, usaram a técnica de fixação de voltagem para decifrar as alterações na permeabilidade subjacentes ao potencial de ação. Mais uma vez, eles optaram por usar o neurônio gigante de lula, pois seu grande ta- O método de fixação de voltagem QUADRO 3A Na pesquisa científica, grandes avanços dependem, com frequên- cia, do desenvolvimento de novas tecnologias. No caso do potencial de ação, sua compreensão detalhada foi alcançada apenas depois da invenção da técnica de fixação de voltagem por Kenneth Cole, na década de 1940. Esse método é chamado de fixação de voltagem, porque ele controla, ou fixa, o potencial de membrana (ou voltagem) em qualquer nível deseja- do pelo investigador. Como descrito na figura a seguir, o método mede o potencial de membrana com um microeletrodo (ou outro tipo de ele- trodo) colocado dentro da célula (1) e compara eletronicamente essa volta- gem à que deve ser mantida (denomi- nada voltagem-comando) (2). O circuito de fixação, então, passa a corrente de volta à célula através de outro eletro- do intracelular (3). Esse circuito de retroalimentação eletrônica mantém o potencial de membrana no nível desejado, apesar das modificações de permeabilidade que normalmente alterariam esse potencial (tais como aquelas geradas durante o potencial de ação). O importante é que o méto- do mede, ao mesmo tempo, a corren- te necessária para manter a célula em uma dada voltagem (4). Essa corrente é exatamente igual à quantidade de corrente que flui através da membra- na neuronal, permitindo uma medida direta dessas correntes através da membrana. Portanto, a técnica de fixação de voltagem pode indicar de que modo o potencial de membrana influencia o fluxo de correntes iónicas através da membrana. Essa infor- mação deu a Hodgkin e Huxley as noções-chave que os levaram a pro- por o modelo de geração do potencial de ação. Hoje, o método de fixação de vol- tagem continua sendo amplamente usado para estudar correntes iónicas em neurónios e em outras células. A versão contemporânea mais popu- lar dessa abordagem é a técnica de fixação de membrana, uma variação do método de fixação de voltagem que pode ser aplicado a praticamente qualquer célula e que possui uma resolução alta o suficiente para medir correntes elétricas minúsculas fluindo através de um único canal iônico (veja Quadro 4A). Referência COLE, K. S. (1968) Membranes, Ions and Impulses: A Chapter ofClassical Biophysics. Berkeley, CA: University of Califórnia Press. U m eletrodo interno mede o potencial de membrana ( V m ) e está conectado ao amplificador do fixador de voltagem 0 O amplificador do fixador de voltagem compara o potencial de membrana ao potencial desejado (comando) Solução - salina Medição d o V m Eletrodo de referência Amplificador j do fixador de voltagem j B Quando o Vm é diferente do potencial-comando, o amplificador do fixador injeta corrente no axonio através de u m segundo eletrodo. Esse arranjo retroalimentado leva o potencial de membrana a se tornar igual ao potencial-comando A corrente que f lui de volta ao axonio, e, portanto, através da membrana, pode ser aqui medida Eletrodo de registro í lerf ouO áè passagem de corrente Tççniça de fixação de voltagem para o estudo de correntes de membrana em um axonio gigante de lula. Neurociências 43 (A) "u £ I— " - u B Xi | 6 6 c CO Ei X: -130 +1 De saída T3 < S 5 De entrada / Corrente capacitativa De saída 0 De entrada - 1 % ^Corrente capa- citativa ^ Corrente de saída com atraso Corrente de entrada transitória 1 2 3 Tempo (ms) manho (até 1 mm de diâmetro; veja Quadro 2A) permitia a inserção dos eletrodos necessários à fixação da voltagem. Hodgkin e Huxley foram os primeiros investi- gadores a testar diretamente a hipótese de que as alterações nas permeabilidades ao Na + e ao K + sensíveis ao potencial são, ambas, necessárias e suficientes para a produção de potenciais de ação. O primeiro objetivo de Hodgkin e Huxley era determinar se as membra- nas neuronais possuiriam, de fato, permeabilidades dependentes de voltagem. Para responder a essa questão, eles queriam saber se correntes iónicas fluiriam através da membrana quando seu potencial fosse alterado. O resultado des- se experimento é mostrado na Figura 3.1. A Figura 3 . IA ilustra as correntes produzidas por um axonio de lula quando seu potencial de membrana, Vm, é hiperpolarizado do seu nível de repouso de -65mV para -130mV. A resposta inicial do axonio resulta da redistribuição de cargas através da membrana axo- nal. Essa corrente capacitativa é quase instantânea, cessando em uma fração de milissegundo. Além desse breve evento, muito pouca corrente f lu i quando a membrana está hiperpolarizada. Contudo, quando o potencial de membrana é despolarizado de -65mV a OmV, a resposta é bem diferente (Figura 3.1B). Após a corrente capacitativa, o axonio produz um rápido aumento na entrada de corrente iônica (entrada refere-se à carga positiva entrando na célula, ou seja, cátions para dentro ou ânions para fora), que cede lugar a um lento aumento na saída de corrente com atraso. O fato de que a despolarização de membrana provoca essas correntes iónicas comprova que a permeabilidade da membrana é realmente dependente de voltagem. Dois tipos de correntes iónicas dependentes de voltagem Os resultados mostrados na Figura 3.1 demonstram que a permeabilidade iônica das membranas neuronais é sensível à voltagem, mas os experimentos não iden- tificam quantos tipos de permeabilidade existem ou quais íons estão envolvidos. Conforme discutido no Capítulo 2 (veja Figura 2.5), a variação do potencial de membrana torna possível deduzir o potencial de equilíbrio para os fluxos de di - ferentes íons através da membrana e, assim, identificar os íons que estão fluindo. Uma vez que o método de fixação de voltagem permite que o potencial de mem- brana seja alterado enquanto as correntes iónicas estão sendo medidas, foi fácil •ara Hodgkin e Huxley determinar a permeabilidade iônica examinando como as propriedades das correntes de entrada inicial e de saída tardia mudavam de accfdo com a variação no potencial de membrana (Figura 3.2). Conforme já notado, não há um fluxo apreciável de correntes iónicas em •nlenciais de membrana mais negativos do que o potencial de repouso. Em po- iz"oa:í :nais positivos, no entanto, as correntes não apenas fluem, mas também alteram sua magnitude. A corrente inicial possui dependência, em forma de U, 1 2 3 4 Tempo (ms) F i g u r a 3.1 O fluxo de corrente atra- vés da membrana de um axonio de lula durante um experimento de fixação de voltagem. (A) Uma hiperpolarização de 65 mV do potencial de membrana pro- duz apenas uma corrente capacitativa muito breve. (B) Uma despolarização de 65 mV do potencial de membrana também produz uma breve corrente ca- pacitativa, que é seguida por uma fase de maior duração, mas ainda transitória, de corrente de entrada e uma corrente de saída com atraso, mas duradoura. (Segundo Hodgkin et ai, 1952a.) 46 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White F i g u r a 3 . 6 Alterações na condutân- cia de membrana subjacentes ao poten- cial de ação são dependentes de tempo e de voltagem. Despolarizações em vá- rios potenciais de membrana (A) provo- cam diferentes correntes de membrana (B). A seguir, são mostradas as condu- tâncias de Na + (C) e K+ (D) calculadas a partir dessas correntes. Tanto a con- dutância máxima de Na + como a con- dutância de estado estacionário de K+ aumentam à medida que o potencial de membrana toma-se mais positivo. Além disso, a ativação das duas condutâncias e a taxa de inativação da condutância de Na + ocorrem mais rapidamente com despolarizações mais acentuadas. (Se- gundo Hodgkin e Huxley, 1952b.) peixes fugu (como o baiacu), em rãs tropicais e em salamandras, bloqueia a cor- rente de Na + sem afetar a corrente de K + . Ao contrário, íons de tetraetilamônio bloqueiam correntes de K + sem afetar correntes de Na + . A sensibilidade diferente das correntes de Na + e K + a essas drogas mostra outras evidências fortes de que o Na + e o K * fluem através de rotas de permeabilidade independentes. Agora se sabe que essas rotas são proteínas de membrana, denominadas canais iónicos, seletivamente permeáveis ao Na + ou ao K + . De fato, a tetrodotoxina, o tetraetila- mônio e outras drogas que interagem com tipos específicos de canais iónicos têm sido ferramentas extremamente valiosas na caracterização dessas moléculas-ca- nais, conforme será discutido no Capítulo 4. Duas condutâncias de membrana dependentes de voltagem O objetivo seguinte a que Hodgkin e Huxley se propuseram foi descrever mate- maticamente as alterações na permeabilidade de Na + e K + . Para isso, eles presu- miram que as correntes iónicas são devidas a alterações na condutância da mem- brana, definida como o recíproco da resistência da membrana. A condutância da membrana está, portanto, intimamente relacionada, embora não seja idêntica, à permeabilidade da membrana. Quando os movimentos iónicos são avaliados sob uma perspectiva elétrica, é conveniente descrevê-los em termos de condutâncias iónicas em vez de permeabilidades iónicas. Para nossos propósitos, permeabilida- de e condutância podem ser consideradas sinónimos. Se a condutância da mem- brana (g) obedece à Lei de Ohm (que diz que a voltagem é igual ao produto da (A) 01 _Q ° S r, ri -a < S 6 l i â | D 50 25 0 -25 -50 -75 -39 J • o ; í i 0 > í [ 6 8 ( ) 2 i 1 6 8 Tempo (ms) Neurociências 47 corrente vezes a resistência), então a corrente iônica que flui durante um aumento na condutância da membrana é dada por í̂on Sion ( ^ - í o n ) onde Iíon é a corrente iônica, Vm é o potencial de membrana, e E l o n é o potencial de equilíbrio para o íon fluindo através da condutância, gíon. A diferença entre Vm e E í o n é a força eletroquímica de impulsão atuando sobre o íon. Hodgkin e Huxley usaram essa relação simples para calcular quanto as con- dutâncias de Na + e K + dependiam do tempo e do potencial de membrana. Eles sabiam a Vm, que era determinada pelo seu equipamento de fixação de voltagem (Figura 3.6A), e podiam determinar a E N a e a E K a partir das concentrações iónicas nos dois lados da membrana axonal (veja Tabela 2.1). As correntes carregadas pelo Na + e pelo K + - J N a e IK - poderiam ser determinadas separadamente a partir das medidas das correntes de membrana resultantes de despolarização (Figura 3.6B), por meio da diferença entre as correntes medidas na presença e na ausência de Na + externo (como mostrado na Figura 3.4). A partir desses parâmetros, Hodgkin e Huxley conseguiram calcular a g N a e a ^ K (Figura 3.6C,D) e tiraram duas con- clusões fundamentais sobre essas condutâncias. A primeira conclusão é que as condutâncias de Na + e K + mudam ao longo do tempo. Por exemplo, a condutân- cia do Na + e a do K* requerem algum tempo para serem ativadas, ou ligadas. A condutância do K + , em particular, possui um atraso acentuado, requerendo vários milissegundos para atingir seu máximo (Figura 3.6D), enquanto a condutância do Na + alcança seu máximo mais rapidamente (Figura 3.6C). A ativação mais rápida da condutância do Na + permite que a corrente de entrada de Na + resultante prece- da a corrente de saída com atraso de K + (veja Figura 3.6B). Embora a condutância do N a + aumente com rapidez, ela logo d i m i n u i , mesmo que o potencial de membrana seja mantido em u m nível despolari- zado. Isso mostra que a despolarização não apenas ativa a condutância do Na + , mas também a leva a decrescer ao longo do tempo, ou seja, a se tornar inativa. A condutância do K + no axonio de lula não é inativada dessa maneira; assim, enquanto as condutâncias de N a + e K + compartilham a propriedade da ativação dependente de tempo, apenas a condutância do N a + é inativada. i Condutâncias de K + capazes de serem inativadas têm sido descobertas em outros tipos de células nervosas; veja Capítulo 4.) Os cursos temporais das condutâncias de N a + e K + são dependentes de voltagem, com suas velocidades de ativação e inativação aumentando em potenciais mais despolarizados. Es- sas descobertas explicam os tempos de correntes de membrana mais rápidos medidos em potenciais mais despolarizados. A segunda conclusão tirada dos cálculos de Hodgkin e Huxley é que tanto a con- dutância de Na + quanto a de K + são dependentes de voltagem, isto é, ambas aumen- tam progressivamente à medida que o neurônio é despolarizado. A Figura 3.7 ilustra 20 15 g I 10 Na+ / -60 -40 -20 0 20 40 Potencial de membrana (mV) WÊKÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊ -80 -60 -40 -20 0 20 40 Potencial de membrana (mV) F i g u r a 3 .7 A despolarização au- menta as condutâncias de Na + e K+ do axonio gigante de lula. A magnitude do pico da condutância de Na + e o valor de estado estacionário da condutância de K+ aumentam abruptamente quando o potencial de membrana é despolariza- do. (Segundo Hodgkin e Huxley, 1952b.) 48 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White (A) (B) (C) 30 20 10 Na + 1 \ 1 V K * 1 2 3 4 Tempo (ms) F i g u r a 3 . 8 Reconstrução matemá- tica do potencial de ação. (A) Recons- trução de um potencial de ação (curva preta) e alterações subjacentes nas condutâncias de Na + (curva vermelha) e de K+ (curva amarela). O tamanho e a curva de tempo do potencial de ação foram calculados usando-se apenas as propriedades das gNi e gK medidas em experimentos de fixação de voltagem. (B) O período refratário pode ser obser- vado estimulando-se um axonio com dois pulsos de corrente separados, em intervalos variáveis. Enquanto o primeiro estímulo sempre dispara um potencial de ação, o segundo estímulo, durante o período refratário, gera apenas um pe- queno potencial de ação (ou então não gera resposta alguma). O modelo mate- mático simula com precisão as respostas do axonio durante o período refratário. (Segundo Hodgkin e Huxley, I952d.) POTENCIAIS DE AÇÃO DO AXONIO DE LULA 2i ° S o o, o T3 9 a J U L 35 15 0 -15 -50 -65 35 15 0 -15 -50 -65 35 15 0 -15 -50 -65 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 4,5 ms 0 s J \ \ V í\ A A J \ \ \ 9ms \ \ \ • 4 5 6 7 8 9 10 12 Intervalo entre os estímulos (ms) c 1 C/l CU MODELO MATEMÁTICO, COM BASE NAS CONDUTÂNCIAS DO N a + E DO K + 90 0 Jl ÍLXJL n õ A 8ms \ U 0,0 B < 4 5 6 7 8 9 10 12 Intervalo entre os estímulos (ms) esse fato ao colocar em gráfico a relação entre o valor mais alto das condutâncias (da Figura 3.6C,D) versus o potencial de membrana. Observe que há uma dependência de voltagem similar para cada condutância; as duas condutâncias são bem pequenas em potenciais negativos, máximas em potenciais muito positivos e sensivelmente dependentes da voltagem de membrana em potenciais intermediários. A observação de que as condutâncias de Na + e de K + são sensíveis a alterações no potencial de membrana mostra que o mecanismo subjacente às condutâncias de alguma maneira "sente" a voltagem através da membrana. Em suma, experimentos de fixação de voltagem realizados por Hodgkin e Hu- xley mostraram que as correntes iónicas que fluem quando a membrana neuronal está despolarizada são devidas a três diferentes processos sensíveis à voltagem: (1) ativação da condutância de Na + , (2) ativação da condutância de K + e (3) inativa- ção da condutância de Na + . Reconstrução do potencial de ação A partir das medidas experimentais, Hodgkin e Huxley conseguiram construir um modelo matemático detalhado das alterações nas condutâncias de Na + e K + . O objetivo desses esforços de modelagem era determinar se as condutâncias de N a + e K + isoladamente seriam suficientes para produzir um potencial de ação. Neurociências 51 0 10 20 30 40 0 10 20 30 40 0 10 20 30 40 0 10 20 30 40 0 10 20 30 40 0 10 20 30 40 0 10 20 30 40 Tempo (ms) 0,5 1,0 1,5 Distância ao longo do axônio (mm) Distância do ponto de injeção da corrente (mm) 0 SE 0,5 1 A 1,5 2-'° 2,5 10 20 30 Tempo (ms) 40 F igura 3.10 Fluxo passivo de corrente em um axônio. (A) Arranjo experimental para examinar o fluxo local de corrente elétrica em um axô- nio. Um eletrodo que passa corrente produz uma alteração subliminar no potencial de membrana, que se espalha passivamente ao longo do axônio. (B) Respostas dos potenciais registradas nas posições indicadas pelos microeletrodos. Com o aumento da distância a partir do sítio de injeção de corrente, a amplitude da alteração do potencial é atenuada. (C) Relação entre a amplitude das res- postas dos potenciais e a distância. (D) Respostas sobrepostas (de B) ao pulso de corrente medidas nas distâncias indicadas ao longo do axônio. Observe que, a distâncias maiores a partir do sítio de injeção de corrente, as respostas desenvolvem-se mais lentamente, por razões explicadas no Quadro 3C. (Se- gundo Hodgkin e Rushton, 1938.) r ítulo 2 que neurónios são condutores de eletricidade relat ivamente p o - : elo menos q u a n d o comparados a u m cabo elétrico. A condução de cor- r o r cabos e por neurónios na ausência de potenciais de ação é chamada de i i t i : r i í s i v o de corrente (Figura 3.10). A s propriedades elétricas passivas do — i in de u m a célula nervosa p o d e m ser determinadas medindo-se a alteração ragem resultante de u m pulso de corrente que atravessa a membrana axo- = 3.10A). Se esse pulso de corrente não é grande o suficiente para gerar de ação, a m a g n i t u d e da consequente alteração no potencia l decai 52 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White Propriedades passivas da membrana QUADRO 3C O fluxo passivo de corrente elétrica tem uma função central na propaga- ção do potencial de ação, na trans- missão sináptica e em todas as outras formas de sinalização elétrica em células nervosas. Assim, é importante compreender, em termos quantita- tivos, como o fluxo de corrente pas- siva varia com a distância ao longo do neurônio. No caso de um axonio cilíndrico, como o mostrado na Figura 3.10, uma corrente subliminar injetada em uma parte do axonio espalha-se passivamente ao longo do axonio até a corrente ser dissipada por vazamen- to através da membrana do axonio. O decremento do fluxo de corrente com a distância (Figura A) é descrito por uma simples função exponencial: Vx = V 0e-*A onde V x é a resposta de voltagem em qualquer distância x ao longo do axonio, V0 é a alteração de voltagem em qualquer ponto onde a corrente é injetada no axonio e é a base dos lo- garitmos naturais (aproximadamente 2,7), e A, é a constante de comprimento do axonio. Como fica evidente nessa relação, a constante de comprimento é a distância na qual a resposta de vol- tagem inicial (Va) cai a l/e (ou 37%) (A) Decaimento espacial do potencial de membrana ao longo de um axonio cilíndrico. Um pulso de corrente injetado em um ponto do axonio (0 mm) produz respostas de vol- tagem (VJ que diminuem exponencialmente com a distância. A distância em que a respos- ta de voltagem é l/e do seu valor inicial (l/J é a constante de distância, X. do seu valor. A constante de compri- mento é, portanto, uma maneira de caracterizar quão longe um fluxo de corrente passiva espalha-se antes de vazar do axonio, com axônios que vazam mais possuindo constantes de comprimento menores. A constante de comprimento de- pende das propriedades físicas do axonio, em particular das resistências relativas da membrana plasmática (rm), do axoplasma intracelular (r) e do meio extracelular (r0). A relação entre esses parâmetros é: Assim, para aumentar o fluxo passi- vo de corrente ao longo do axonio, a resistência da membrana plasmática deve ser a mais alta possível, enquan- to as resistências do axoplasma e do meio extracelular devem ser baixas. Outra consequência importante das propriedades passivas dos neu- rónios é que as correntes que fluem através da membrana não alteram o potencial de membrana ime- diatamente. Por exemplo, quando um pulso "retangular" de corrente é injetado no axonio mostrado no ex- perimento ilustrado na Figura 3.10A, o potencial de membrana despolariza lentamente por alguns milissegundos e então repolariza por um período de tempo similar, quando o pulso de corrente cessa (veja Figura 3.10D). Esses retardos na mudança do poten- cial da membrana se devem ao fato de que a membrana plasmática com- porta-se como um capacitar, arma- zenando as cargas iniciais que fluem cada vez que começa ou termina um pulso de corrente. Para o caso de uma célula cujo potencial de mem- brana seja espacialmente uniforme, a mudança no potencial de membrana, exponencialmente com o aumento da distância a partir do sítio de injeção da cor- rente (Figura 3.10B). Normalmente, o potencial diminui a uma pequena fração do seu valor inicial ao se distanciar não mais do que poucos milímetros do sítio de injeção (Figura 3.10 C). A diminuição progressiva na amplitude da alteração de potencial induzida ocorre porque a corrente injetada vaza pela membrana axonal; em função disso, há menos corrente disponível para alterar o potencial de membrana mais adiante no axonio (Quadro 3C). Portanto, a propriedade de vazamento da membrana axonal evita a transmissão passiva efetiva de sinais elétricos em todos axônios, exceto nos mais curtos (aqueles com 1 mm ou menos de comprimento). Da mesma maneira, a propriedade de vazamento da mem- brana torna mais lentas as curvas de tempo das respostas medidas a distâncias maiores do lugar onde a corrente foi injetada (Figura 3.10D). Neurociências 53 a qualquer tempo, Vt, após o início do pulso de corrente (Figura B), pode também ser descrita por uma relação exponencial. onde Vx é o valor para o equilíbrio estacionário da alteração do potencial de membrana, í é o tempo após o início de um pulso de corrente, e x é a constante de tempo da membrana. A constante de tempo é, portanto, definida como o tempo em que a resposta de voltagem (Vt) alcança H l / e ) (ou 63%) da V_. Depois que o pulso de corrente cessa, a alteração do potencial de membrana também diminui exponencialmente, de acordo com a relação: V,= V7„e",/X Durante esse decaimento, o poten- cial de membrana retorna al/edo V„ por um período de tempo igual a t. Para células com geometrias mais complexas do que o axonio da Figura 3.10, as curvas de tempo para as al- terações no potencial de membrana não são simples exponenciais, porém, mesmo assim, dependem da constan- te de tempo da membrana. Portanto, a constante de tempo caracteriza quão rapidamente um fluxo de corrente altera o potencial de membrana. A o u 1,0 0,80 „ 0,60 0,40 0,20 0,00 v t - v j \'} 63% . 37% 20 30 35 Tempo (ms) constante de tempo da membrana de- pende também das propriedades físi- cas da célula nervosa, especificamente da resistência (rm) e da capacitância (cm) da membrana plasmática, de tal forma que: Os valores de rm e cm dependem, em parte, do tamanho do neurônio, sendo que células maiores possuem menores resistências e maiores capa- citâncias. Em geral, células nervosas pequenas tendem a ter constantes de tempo longas, e células grandes, constantes de tempo breves. Referências H O D G K I N , A . L. and W. A . H . RUSHTON (1938) The electrical constants of a crus- tacean nerve fibre. Proc. R. Soe. Lond. 133: 444-479. JOHNSTON, D. and S. M.-S. W u (1995) Foundations ofCellular Neurophysiology. Cambridge, M A : M I T Press. R A L L , W. (1977) Core conductor theory and cable properties of neurons. In Hand- book ofPhysiology, Section 1 : The Nervous System, Vol. 1: Cellular Biology of Neurons. E. R. Kandel (ed.). Bethesda, M D : American Physiological Society, p. 39-98. (B) Curso temporal das alterações do potencial produzidas por um pulso de corrente em uma célula espacialmente uniforme. O aumento e a queda do potencial de membrana (l/) podem ser descritos como funções exponen- ciais, com a constante de tempo x definindo 0 tempo necessário para a resposta atingir 1 - (l/e) do valor para o equilíbrio estacionário da alteração do potencial de membrana (l/J, ou para declinara l/e do 1/. Se o experimento mostrado na Figura 3.10 é repetido com um pulso de cor- rente despolarizante grande o suficiente para produzir um potencial de ação, o resultado é muito diferente (Figura 3 .HA). Nesse caso, ocorre um potencial de ação sem diminuição ao longo de todo o comprimento do axonio, que, em humanos, pode atingir a distância de 1 m ou mais (Figura 3.11B). Assim, poten- ciais de ação de alguma maneira evadem a propriedade de vazamento inerente dos neurónios. Como, então, potenciais de ação atravessam grandes distâncias ao longo de um condutor passivo tão ruim? A resposta é, em parte, fornecida pela observa- ção de que a amplitude dos potenciais de ação registrados em distâncias dife- rentes é constante. Esse comportamento tudo-ou-nada indica que mais do que um simples fluxo de corrente passiva deve estar envolvido na propagação do 56 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White fluxo de corrente - o fluxo de corrente passiva e as correntes ativas, ambas fluindo através de canais iónicos dependentes de voltagem. As propriedades regenerativas de abertura dos canais de N a + permitem que os potenciais de ação propaguem-se de uma maneira tudo-ou-nada por atuarem estimulando cada ponto ao longo do axonio, garantindo, assim, a transmissão de sinais elétricos a longa distância. O período refratário garante a propagação unidirecional dos potenciais de ação Lembre-se de que os axônios tornam-se refratários após um potencial de ação, ou seja, a geração de um potencial de ação torna transitoriamente mais difícil ao axonio gerar potenciais de ação subsequentes (veja Figura 3.8B). Assim, o período refratário limita o número de potenciais de ação que um dado neurônio pode pro- duzir por unidade de tempo, sendo que diferentes tipos de neurónios possuem di- ferentes taxas máximas de disparo de potencial de ação, em virtude das diferenças nos tipos e nas densidades dos canais iónicos. Como descrito na seção anterior, o período refratário surge porque a despolarização que ocasiona a abertura de ca- nais de Na + também causa tardias ativação de canais de K + e inativação de canais de Na + , o que temporariamente torna mais difícil para o axonio produzir outro potencial de ação. O potencial de ação passa com rapidez ao longo da extensão do axonio e deixa os canais de Na + inativados e os canais de K + ativados por um breve período de tempo. A refratariedade da membrana no sítio de início do potencial de ação impede a subsequente reexcitação dessa membrana (veja Figura 3.12), o que explica por que potenciais não se propagam de volta ao ponto de início à me- dida que percorrem a extensão de um axonio. Assim, o comportamento refratário assegura a propagação polarizada do potencial de ação a partir de seu ponto usual de início, próximo ao corpo celular do neurônio, em direção aos terminais sinápti- cos na extremidade distai do axonio. A mielinização leva ao aumento da velocidade de condução A velocidade da condução do potencial de ação limita o fluxo de informação no sistema nervoso. Não surpreende, portanto, que vários mecanismos tenham si- do desenvolvidos para otimizar a propagação de potenciais de ação ao longo de axônios. Como a condução do potencial de ação requer fluxo de corrente passiva e ativa (veja Figura 3.12), a velocidade de propagação do potencial de ação é de- terminada por esses dois fenómenos. Uma maneira de aumentar o fluxo de cor- rente passiva é aumentar o diâmetro de um axonio, o que efetivamente diminui a resistência interna ao fluxo de corrente passiva (veja Quadro 3C). O consequente aumento na velocidade de condução do potencial de ação supostamente explica por que axônios gigantes evoluíram em invertebrados como a lula e por que, em todos os animais, os axônios que conduzem o potencial com rapidez tendem a ser maiores do que aqueles que o conduzem lentamente. Outra estratégia para aumentar o fluxo passivo de corrente elétrica é isolar a membrana axonal, reduzindo a possibilidade de a corrente vazar do axonio e, assim, aumentando a distância, ao longo do axonio, pela qual uma dada corren- te local pode fluir passivamente. Entre os vertebrados, essa estratégia é evidente na mielinização dos axônios, um processo mediante o qual oligodendrócitos no sistema nervoso central (e células de Schwann no sistema nervoso periférico) en- volvem o axonio em mielina, que consiste em múltiplas camadas de membranas gliais intimamente justapostas (Figura 3.13A). Ao atuar como isolante elétrico, a mielina aumenta muito a velocidade de condução do potencial de ação (Figu- ra 3.14). Por exemplo, enquanto as velocidades de condução de um axonio não mielinizado variam entre 0,5 e 10 m/s, axônios mielinizados podem conduzir o potencial a velocidades de até 150 m/s. Esse grande aumento na velocidade acon- tece principalmente porque o processo demorado de geração do potencial de ação ocorre apenas em pontos específicos ao longo do axonio, denominados nodos de Ranvier, onde não há mielina enrolada. Se toda a superfície de um axonio fosse Neurociências 57 (A) Axonio mielinizado Oligodendrócito Bainha de mielina (B) Canais de N a + (C) Propagação do potencial de ação N a + ( = 1 / Axonio Na Ponto A TJl TJL Ponto C f = l,5 Ponto A ( = 2 ÍUk Ponto A Ponto A Ponto B Ponto C I = 1,5 t=2 L I 1 0 mV -65 0 -65 0 -65 -Limiar (potencial de repouso) F i g u r a 3 . 1 3 Condução saltatória do potencial de ação ao longo de um axonio mielinizado. (A) Diagrama de um axonio mielinizado. (B) Localização de canais de Na + dependentes de voltagem (vermelho) em um nodo de Ranvier de um axonio mielinizado do nervo óptico. A cor verde indica uma proteína denominada Caspr, de localização ad- jacente ao nodo de Ranvier. (C) A corrente local em resposta à iniciação do potencial de ação em um sítio específico flui localmente, conforme descrito na Figura 3.12. Contudo, a presença de mielina evita o vazamento da corrente local pela membrana internodular; assim, a corrente flui mais longe pelo axonio do que fluiria na ausência de mielina. Além disso, canais de Na + regulados por voltagem estão presentes apenas nos nodos de Ran- vier (canais de K+ estão presentes nos nodos de alguns neurónios e não em outros). Essa organização significa que a geração de correntes de Na + ativas, reguladas por voltagem, necessita ocorrer apenas nessas regiões não mielinizadas. O resultado é um grande aumento na velocidade de condução do potencial de ação. O painel à esquerda desta legenda da figura mostra o potencial de membrana mudando nos pontos indicados em função do tempo. (B, segundo Chen etal., 2004.) 58 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White F i g u r a 3 . 1 4 Comparação da f = l velocidade de condução do potencial Axonio não mielinizado de ação em axônios não mielinizados (parte superior) e mielinizados (parte inferior). Para maior clareza, o fluxo de corrente passiva é mostrado apenas no sentido da propagação do potencial de Axonio mielinizado isolada, não haveria lugar para a corrente sair do axonio, e potenciais de ação não poderiam ser gerados. Assim, os canais de Na + dependentes de voltagem neces- sários para o potencial de ação são encontrados apenas nesses nodos de Ranvier (Figura 3.13B). Um potencial de ação gerado em um nodo de Ranvier produz uma corrente que flui passivamente no interior do segmento mielinizado até que o pró- ximo nodo seja atingido. Esse fluxo de corrente local gera, então, um potencial de ação no segmento vizinho, sendo o ciclo repetido ao longo da extensão do axonio. Já que a corrente f lui através da membrana neuronal apenas nos nodos (Figura 3.13C), esse tipo de propagação é chamada de saltatória, significando que o poten- cial de ação pula de um nodo para outro. Não é surpresa alguma que a perda de mielina, como ocorre em doenças como a esclerose múltipla, causa uma variedade de problemas neurológicos sérios (Quadro 3D). Capítulo 4 Canais e Transportadores Visão geral A geração de sinais elétricos em neurónios exige que a membrana estabeleça gra- dientes de concentração para íons específicos e seja capaz de sofrer mudanças rápidas e seletivas em sua permeabilidade a esses íons. As proteínas de mem- brana responsáveis pelas mudanças na permeabilidade seletiva são chamadas de canais iónicos, enquanto outras proteínas, denominadas transportadores ativos, originam e mantêm os gradientes iónicos. Como o nome sugere, canais iónicos são proteínas transmembrana que contêm estruturas especializadas, denomina- das poros, que permitem que íons específicos atravessem a membrana neuronal. Alguns desses canais também contêm estruturas capazes de atuar como sensores do potencial elétrico através da membrana. Tais canais regulados por voltagem abrem-se ou fecham-se em resposta à magnitude do potencial de membrana, per- mitindo que a permeabilidade da membrana seja regulada por mudanças nesse potencial. Alguns canais iónicos são regulados por sinais químicos extracelulares, como neurotransmissores; outros, por sinais intracelulares, como segundos men- sageiros. Outros ainda respondem a estímulos mecânicos, a alterações na tempe- ratura ou a uma combinação de estímulos. Muitos tipos de canais iónicos têm sido caracterizados nos níveis genômico e proteico, resultando na identificação de um grande número de subtipos de canais iónicos, com diferentes expressões em célu- las neuronais e não neuronais. O padrão específico de expressão de canais iónicos em cada tipo celular pode gerar um amplo espectro de características elétricas. Diferentemente das funções dos canais iónicos, os transportadores ativos são pro- teínas de membrana que produzem e mantêm gradientes de concentração iôni- ca. O mais importante desses transportadores é a bomba de Na + , a qual hidrolisa ATP para regular as concentrações intracelulares tanto de Na + como de K + . Outros transportadores ativos produzem gradientes de concentração para toda a gama de íons fisiologicamente importantes, incluindo Cl~, Ca 2 + e H + . Do ponto de vista da sinalização elétrica, transportadores ativos e canais iónicos são complementares: transportadores criam gradientes iónicos que impulsionam íons através de canais iónicos abertos, gerando, desse modo, sinais elétricos. Canais iónicos subjacentes a potenciais de ação Embora Hodgkin e Huxley não tivessem conhecimento da natureza física dos mecanismos de condutância subjacentes aos potenciais de ação, eles, no entanto, mostraram que as membranas das células nervosas têm canais que permitem que íons passem seletivamente de um lado para o outro da membrana (veja Capítulo 3). Com base nas condutâncias e nas correntes iónicas medidas nos experimen- tos de fixação de voltagem, os supostos canais deveriam ter várias propriedades. Primeiro, uma vez que as correntes iónicas são bem grandes, os canais deveriam ser capazes de permitir altas taxas de movimento de íons através da membra- na. Segundo, já que as correntes iónicas dependem do gradiente eletroquímico através da membrana, os canais deveriam utilizar-se desses gradientes. Terceiro, como Na + e K + fluem pela membrana sem depender um do outro, diferentes tipos de canais deveriam ser capazes de discriminar entre Na + e K + , permitindo que apenas um desses íons fluísse para o outro lado da membrana sob as condições 62 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White (A) > Í.6. C i-t CU X i £ £ Cl- OJ s -40 -80 — 1 5 10 15 Tempo (ms) Fechado - Aberto. (B) > " ^ A r ^ " r M > * y t ' l f t M ' o u "EL 8̂ -0,4 o 6 -0,8 0 5 10 15 Tempo (ms) 5 10 15 Tempo (ms) 200 < OH OH -200 E -400 -600 -800 5 10 15 Tempo (ms) -80 -60 -40 -20 0 20 40 60 Potencial de membrana (mV) relevantes. Por f im, considerando que as condutâncias são dependentes de vol- tagem, os canais deveriam ser capazes de perceber a queda de voltagem através da membrana, abrindo-se apenas quando a voltagem alcançasse níveis apropria- dos. Enquanto esse conceito de canais era altamente especulativo, na década de 1950, trabalhos experimentais subsequentes demonstraram, sem deixar dúvida, que proteínas transmembranas denominadas canais iónicos sensíveis à voltagem realmente existem e são responsáveis por todo o fenómeno de condutância iônica descrito no Capítulo 3. A primeira evidência direta da presença de canais seletivos para íons e sensí- veis à voltagem nas membranas das células nervosas veio de medições das cor- rentes iónicas que fluem por canais iónicos individuais. O aparato de fixação de voltagem usado por Hodgkin e Huxley pode diferenciar apenas a corrente coletiva resultante do fluxo de íons através de muitos milhares de canais. Uma técnica capaz de medir as correntes que fluem através de canais individuais foi desenvol- vida em 1976 por Erwin Neher e Bert Sakmann, no Instituto Max Planck, em Goet- tingen. Essa abordagem excepcional, denominada fixação de membrana (Quadro 4A), revolucionou o estudo de correntes de membrana. Particularmente, o método de fixação de membrana forneceu os meios para se testar diretamente as propos- tas de Hodgkin e Huxley sobre as características dos canais iónicos. Correntes que fluem por canais de Na + são mais bem examinadas em circuns- tâncias experimentais que evitam o fluxo de corrente através de outros tipos de canais presentes na membrana (p. ex., canais de K + ) . Nessas condições, a despola- rização de um pedaço da membrana de um axônio gigante de lula causa o fluxo de uma pequeníssima corrente de entrada, mas apenas ocasionalmente (Figura 4.1). A amplitude dessas correntes é minúscula - aproximadamente 1-2 pA (i. e., 10"12 amperes), que é algumas ordens de magnitude menor do que as correntes de Na + do axônio inteiro medidas por fixação de voltagem. As correntes que fluem através de canais individuais são chamadas de correntes microscópicas para dis- tingui-las das correntes macroscópicas que fluem pelo grande número de canais distribuídos por uma região muito mais extensa da superfície da membrana. Em- bora correntes microscópicas sejam certamente pequenas, uma corrente de 1 pA reflete o fluxo de milhares de íons por milissegundo. Portanto, como previsto, um único canal pode deixar muitos íons passarem para o outro lado da membrana em um curto intervalo de tempo. Várias observações subsequentes provaram que as correntes microscópicas na Figura 4.1B devem-se à abertura de um único canal de Na + ativado por voltagem. Primeiro, as correntes são levadas por Na + ; assim, elas são direcionadas para den- tro da célula em potenciais de membrana mais negativos do que o EN a , revertem sua polaridade no EN a , são mandadas para fora em potenciais mais positivos e são reduzidas quando a concentração extracelular de Na + é diminuída. Esse compor- tamento é um paralelo exato das correntes macroscópicas de Na + descritas no Ca- pítulo 3. Segundo, os canais possuem um tempo para abertura, para fechamento e para inativação que se iguala à cinética das correntes macroscópicas de Na + . Essa correspondência é difícil de ser apreciada nas medições de correntes microscópi- cas que fluem por um único canal aberto, porque canais individuais abrem-se e Figura 4.1 Medições por fixação de membrana de correntes iónicas que fluem por canais de Na + individuais em um axônio gigante de lula. Nesses experimentos, aplicou-se Cs + no axônio para bloquear os canais de K+ sensíveis à voltagem. Pulsos de voltagem despolarizante (A) aplica- dos no pedaço de membrana que contém um único canal de Na + resultam em correntes breves (B, deflexões para baixo) nas sete medições sucessivas da corrente de membrana (/Na). (C) A soma das várias correntes medidas mostra que a maioria dos canais abrem-se nos primeiros 1 -2 ms após a despolarização da membrana; depois disso, a probabilidade de um canal se abrir diminui por causa da inativação. (D) Uma corrente macroscópica medida em outro axônio mostra a es- treita correlação entre as curvas de tempo das correntes de Na + microscópicas e macroscópicas. (E) A probabilidade de um canal de Na + abrir-se depende do potencial de membrana, probabili- dade que aumenta à medida que a membrana é despolarizada. (B, C, segundo Bezanilla e Cor- rea, 1995; D, segundo Vandenburg e Bezanilla, 1991; E, segundo Correa e Bezanilla, 1994.) Neurociências 63 QUADRO 4A O método de fixação de membrana Uma abundância de novas informa- ções sobre canais iónicos resultou da invenção, na década de 1970, do mé- todo de fixação de membrana. Essa técnica baseia-se em uma ideia muito simples. Uma pipeta de vidro com uma abertura muito pequena é usada para fazer um contato firme com uma pequena área da membrana neuronal. Depois da aplicação de pequena suc- ção na pipeta, a junção entre a pipeta e a membrana torna-se tão justa e firme que nenhum íon consegue esca- par por entre a pipeta e a membrana. Assim, todos os íons que fluem quan- do um único canal iônico se abre têm que correr para dentro da pipeta. A corrente elétrica resultante, embora pequena, pode ser medida com um amplificador eletrônico ultrassensí- vel conectado à pipeta. Com base na geometria envolvida, esse arranjo é normalmente chamado de método de medição aderida à célula por fixação de membrana. Tal como o método de fixação de voltagem convencional, o método de fixação de membrana possibilita o controle experimental do potencial de membrana para caracterizar a dependência da volta- gem das correntes de membrana. Pequenas modificações técnicas fornecem ainda outras configura- ções para registro. Por exem- plo, se o pedaço de membrana dentro da pipeta for rompido pela aplicação breve de uma sucção forte, o interior da pipe- ta torna-se uma continuação do citoplasma da célula. Esse ar- ranjo permite que sejam feitas medições dos potenciais e das correntes elétricas de toda a cé- lula, sendo, portanto, chamado de método de medição da célula inteira. A configuração com a célula inteira permite ainda a troca por difusão entre a pipeta e o citoplasma, fornecendo uma maneira conveniente de injetar substâncias no interior da célula "fixada". Duas outras variantes do método de fixação de membrana origina- ram-se da descoberta de que, após estabelecida uma junção firme entre a membrana e a pipeta de vidro, peque- nos pedaços de membrana podiam ser puxados para fora da célula sem perturbar a junção; isso produz uma preparação que está livre das compli- cações impostas pelo resto da célula. A simples retração da pipeta que está na configuração aderida à célula leva uma pequena vesícula de membrana a permanecer aderida à pipeta. Ao expor a ponta da pipeta ao ar, a vesí- cula abre-se, produzindo um pequeno retalho de membrana com o que era sua superfície intracelular exposta. Esse arranjo, denominado configuração de medição de membrana com interior (face intracelular) para fora, permite a medição de correntes de um único canal, com o benefício adicional de Registro aderido à célula Pipeta de registro _Y7 Contato firme entre a pipeta e a membrana Registro com a célula inteira Registro com a face interna para fora Pulso de - sucção I L Citoplasma em continui- dade com o interior da pipeta"' tornar possível a alteração do meio ao qual a face intracelular da membrana está exposta. Assim, a configuração interior para fora é especialmente valiosa para se estudar a influência de moléculas intracelulares na função do canal iônico. Alternativamente, se a pipeta é retraída durante a configuração da célula inteira, o retalho de membrana produzido possui sua face extracelu- lar exposta. Esse arranjo, denomina- do de configuração de membrana com exterior (face extracelular) para fora, é o mais adequado para se estudar como a atividade do canal é influenciada por sinais químicos extracelulares, como neurotransmissores (veja Capí- tulo 5). Essa gama de configurações possíveis torna o método de fixação de membrana uma técnica excepcio- nalmente versátil no estudo da fun- ção de canais iónicos. Referências H A M I L L , O. P., A . M A R - TY, E. NEHER, B. SAK- M A N N and F. J. SIGWOR- T H (1981) Improved patch-clamp techniques for high-resolution cur- rent recording from cells and cell-free membrane patches. Pfliigers Arch. 391: 85-100. LEVIS, R. A . and J. L. RAE (1998) Low-noise patch-clamp techniques. Meth. Enzym. 293:218-266. S A K M A N N , B. and E. N E H E R (1995) Sin- gle-Channel Recording, 2nd Ed. N e w York: Ple- n u m Press. Domínio citoplasmático acessível Registro com a face externa para fora Quatro configurações de medições de correntes iónicas por fixação de membrana. Retração íf da pipeta // 66 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White QUADRO 4B Expressão de canais iónicos em oócitos de Xenopus Estabelecer o elo entre a sequência do gene de um canal iônico e a com- preensão de sua função é um desafio. Para vencer esse desafio, é essencial possuir um sistema experimental no qual o produto do gene possa ser expresso eficientemente e no qual a função do canal, uma vez expresso, possa ser estudada por métodos como a técnica de fixação de mem- brana. De preferência, o veículo para a expressão deve estar prontamente disponível, possuir poucos canais en- dógenos e ser grande o suficiente para permitir que ARNm e ADN sejam microinjetados com facilidade. Oóci- tos (óvulos imaturos) da rã africana Xenopus laevis (Figura A) preenchem todos esses requisitos. Essas células enormes (aproximadamente 1 mm de diâmetro; Figura B) são facilmente coletadas da fêmea de Xenopus. Um trabalho realizado na década de 1970 por John Gurdon, um biólogo do de- senvolvimento, mostrou que a injeção de ARNm exógeno em oócitos de rã os faz sintetizar a proteína exógena em grandes quantidades. No início da década de 1980, Ricardo Miledi, Eric Barnard e outros neurobiólogos demonstraram que oócitos de Xeno- pus poderiam expressar canais iónicos exógenos e que métodos fisiológicos poderiam ser usados para estudar as correntes iónicas geradas pelos canais recém-sintetizados (Figura C). Como resultado desses estudos pioneiros, experimentos de expres- são heteróloga tornaram-se um método-padrão de se estudar canais iónicos. Essa abordagem tem sido especialmente valiosa para se decifrar a relação entre a estrutura e a função de um canal. Nesses experimentos, mutações definidas (com frequência afetando um único nucleotídeo) são feitas na região do gene do canal que codifica a estrutura de interesse; as proteínas-canal resultantes são então expressas em oócitos para avaliar as consequências funcionais da mutação. A capacidade de se combinar mé- todos moleculares e fisiológicos em um único sistema celular tornou (A) os oócitos de Xenopus uma ferra- menta experimental poderosa. De fato, esse sistema tem sido tão va- lioso nos estudos atuais de canais iónicos dependentes de voltagem quanto o axônio de lula foi para esses estudos nas décadas de 1950 e60. Referências GUNDERSEN, C. B., R. M I L E D I and I . PARKER (1984) Slowly inactivating potassium channels induced i n Xeno- pus oocytes by messenger ribonucleic ^~ acid f rom Torpedo brain. /. Physiol. (Lond.) 353: 231-248. GURDON, J. B., C. D. L A N E , H . R. W O O D L A N D and G. 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(Segundo Gundersen et ai. 1984.) 0,2 0,4 0,6 0,8 Tempo (s) 1,0 Neurociências 67 do muitos genes que codificam canais dependentes de voltagem que respondem ao potencial de membrana quase da mesma maneira que os canais de Na + e K + subjacentes ao potencial de ação. Outros canais, contudo, são ativados por sinais químicos que ligam domínios extracelulares ou intracelulares nessas proteínas e são insensíveis à voltagem da membrana. Outros ainda são sensíveis a desloca- mento mecânico ou a alterações na temperatura. Aumentando ainda mais a diversidade dos canais iónicos, há uma variedade de mecanismos capazes de produzir tipos funcionalmente diferentes de canais iónicos a partir de um único gene. Genes para canais têm um grande número de regiões codificantes que podem sofrer corte-junção de diferentes formas (usan- do diferentes sítios de processamento no ARN), de modo que um único gene Eode gerar múltiplas formas de proteínas de canais que podem ser muitíssimo diferentes em suas propriedades funcionais. ARNs que codificam canais iónicos smbém podem ser editados, tendo sua composição de bases modificada após 2 transcrição. Por exemplo, a edição do A R N para alguns receptores do neuro- transmissor glutamato (veja Capítulo 6) pode determinar a modificação de um róico aminoácido dentro do receptor, uma alteração que origina canais que dife- rem em suas seletividades para cátions e em suas condutâncias. As subunidades de proteínas dos canais podem também sofrer modificações pós-traducionais, como por exemplo, fosforilação por proteínas cinases (veja Capítulo 7), que al- teiam ainda mais suas características funcionais. Assim, embora os sinais elétri- ODS básicos do sistema nervoso sejam relativamente estereotipados, as proteí- =as responsáveis por sua geração são extraordinariamente diversas, conferindo rropriedades sinalizadoras distintas aos vários tipos de células neuronais que ncmpõem o sistema nervoso. Esses canais estão ainda envolvidos em uma ampla j a n a de doenças neurológicas. Canais iónicos dependentes de voltagem Cmais iónicos dependentes de voltagem que são seletivamente permeáveis a cada «m dos principais íons fisiológicos - Na + , K + Ca 2 + e Cl~ - foram agora descobertos Figura 4.4A-D). De fato, muitos genes diferentes foram descobertos para cada Gpo de canal iônico dependente de voltagem. Por exemplo, 10 genes para canais a~ humanos foram identificados. Essa descoberta era inesperada, porque ca- sais de Na + de vários tipos de células diferentes possuem propriedades funcio- similares compatíves com sua origem a partir de um único gene. Atualmente está claro, contudo, que todos esses genes para canais de Na + (denominados genes produzem proteínas que diferem na sua estrutura, na função e na distribui- ção em tecidos específicos. Por exemplo, além dos canais de Na + que se inativam Eçndamente, descobertos por Hodgkin e Huxley no axônio de lula, foi identifica- Figura 4.4 Tipos de canais iónicos dependentes de voltagem. Exemplos de canais dependentes de voltagem in- cluem aqueles seletivamente permeáveis a Na + (A), Ca 2 + (B), KT (C) e Cf (D). Ca- nais iónicos ativados por ligante incluem aqueles ativados pela presença extra- celular de neurotransmissores, como o glutamato (E). Outros canais ativados por ligante são ativados por segundos mensageiros intracelulares, como o Ca 2 + (F), ou pelos nucleotídeos cíclicos AMPc eGMPc (G). ."AIS ATIVADOS POR VOLTAGEM Canal d e N a + (B) Canal (C) Canal de Ca 2 + de K + (D) Canal d e C r CANAIS ATIVADOS POR LIGANTE (F) (E) Receptor de neurotransmissor Canal de K+ ativado por C a 2 + Sensor de voltagem N a + . Glutamato (G) Canal ativado por nucleotídeo cíclico N a + . 68 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White do, em neurónios de mamíferos, um canal de Na + sensível à voltagem que não é inativado. Como seria de se esperar, esse canal ocasiona potenciais de ação de lon- ga duração e é um dos alvos de anestésicos locais como benzocaína e lidocaína. Outras respostas elétricas em neurónios são resultado da ativação de canais de Ca 2 + dependentes de voltagem (Figura 4.4B). Em alguns neurónios, canais de Ca 2 + dependentes de voltagem ocasionam potenciais de ação quase da mesma ma- neira que os canais de Na + sensíveis à voltagem. Em outros neurónios, canais de Ca 2 + podem controlar o formato dos potenciais de ação gerados principalmente por alterações na condutância de Na + . O resultado mais geral da atividade de ca- nais de Ca 2 +, contudo, é a alteração das concentrações intracelulares de Ca 2 +, o que leva à regulação de uma gama enorme de processos bioquímicos de sinalização no interior das células (veja Capítulo 7). Talvez o mais importante dos processos encefálicos regulados por canais de Ca 2 + sensíveis à voltagem seja a liberação de neurotransmissores nas sinapses (veja Capítulo 5). Considerando essas funções cruciais, talvez não seja surpreendente que 16 genes diferentes para canais de Ca + (denominados genes CACNA) tenham sido identificados. Assim como os canais de Na + , canais de Ca 2 + distintos diferem em suas propriedades de ativação e inativa- ção, permitindo variações sutis nos processos sinalizadores elétricos e químicos mediados por Ca 2 +. Como consequência, drogas que bloqueiam canais de Ca 2 + regulados por voltagem são particularmente valiosas no tratamento de várias con- dições, desde doenças cardíacas até transtornos de ansiedade. A maior e mais diversa classe de canais iónicos dependentes de voltagem são os canais de K + (Figura 4.4C). Aproximadamente cem genes para canais de K + são conhecidos até o momento, e eles se enquadram em vários grupos distintos que diferem substancialmente em suas propriedades de ativação, engatilhamento e inativação. Alguns levam minutos para se inativarem, como no caso dos canais de K + do axônio de lula estudados por Hodgkin e Huxley (Figura 4.5A); outros inativam-se em milissegundos, como é típico da maioria dos canais de Na + depen- dentes de voltagem (Figura 4.5B). Essas propriedades influenciam a duração e a velocidade do disparo de potenciais de ação, com consequências importantes para a condução axonal e para a transmissão sináptica. Talvez a função mais importan- te dos canais de K + seja a que eles exercem na geração do potencial de repouso da membrana (veja Capítulo 2). Pelo menos duas famílias de canais de K + abertos em potenciais de membrana bastante negativos contribuem para o estabelecimento do potencial de membrana de repouso (Figura 4.5D). Por fim, vários tipos de canais de CF dependentes de voltagem também foram identificados (veja Figura 4.4D). Esses canais estão presentes em todos os tipos de neurônio, onde eles controlam a excitabilidade, contribuem para o potencial de repouso da membrana e auxiliam na regulação do volume celular. Canais iónicos ativados por ligante Muitos tipos de canais iónicos respondem a sinais químicos (ligantes) em vez de a alterações no potencial de membrana. Os mais importantes desses canais iónicos ativados por ligante no sistema nervoso são aqueles ativados pela ligação de neu- rotransmissores (Figura 4.4E). Esses canais são essenciais na transmissão sináptica e em outras formas de sinalização célula-célula discutidas nos Capítulos 5 a 7. Enquanto os canais iónicos dependentes de voltagem subjacentes ao potencial de ação, em geral, permitem a passagem de apenas um tipo de íon, canais ativados por ligantes extracelulares são normalmente menos seletivos, permitindo a passa- gem de dois ou mais tipos de íons através do poro do canal. Outros canais ativados por ligante são sensíveis a sinais químicos provenien- tes do citoplasma de neurónios (veja Capítulo 7). Esses canais podem ser seletivos para íons específicos, como K + ou Cl", ou podem ser permeáveis a todos os cátions fisiológicos. Esses canais possuem domínios de ligação a ligante na sua superfície intracelular, os quais interagem com segundos mensageiros como Ca 2 +, os nucleo- tídeos cíclicos AMPc e GMPc ou prótons. Exemplos de canais que respondem a Neurociências 71 (A) C A N A L DE Na I (B) C A N A L DE Ca 2 + I I I os íons podem se difundir, e um desses domínios contém uma alça proteica que confere seletividade iônica, permitindo que apenas certos íons se difundam atra- vés do poro do canal (Figura 4.7). Como se esperava, a sequência dos aminoácidos constituintes da alça do poro difere de acordo com o íon conduzido pelo canal. Essas características estruturais distintas das proteínas do canal também fornecem sítios de ligação exclusivos para drogas e para várias neurotoxinas conhecidas por bloquearem subclasses específicas de canais iónicos (Quadro 4C). Além disso, muitos canais iónicos dependentes de voltagem apresentam um tipo distinto de hélice transmembrana contendo diversos aminoácidos carregados positivamente ao longo de uma face da hélice (as estruturas em amarelo nas Figuras 4.6 e 4.7). Essa estrutura é, evidentemente, o sensor de voltagem que detecta mudanças no potencial elétrico através da membrana. A despolarização da membrana influen- cia a carga desses aminoácidos e determina uma mudança na posição da hélice, permitindo que o poro do canal abra, mas a natureza dessa mudança de posição ainda não está clara. Outros experimentos utilizando mutagênese demonstraram que uma das extremidades de certos canais de K + desempenha um importante pa- pel na inativação do canal. Essa estrutura intracelular (marcada com " N " na Figu- ra 4.6C) pode acionar o poro do canal durante uma despolarização prolongada. Mais recentemente, informações diretas acerca do suporte estrutural para a função dos canais iónicos foram obtidas por estudos utilizando cristalografia por raio X de canais de K + . A primeira informação sobre a estrutura do poro do canal de K + veio de estudos de um canal de K + bacteriano. Essa molécula foi escolhida para análise porque a grande quantidade de proteína-canal necessária para a cris- talografia podia ser obtida pelo crescimento de um grande número de bactérias que expressavam essa molécula. Os resultados desses estudos mostraram que o Figura 4.6 Topologia das principais subunidades de canais de N a \ Ca 2 + , K+ e Cf dependentes de voltagem. Os mo- tivos repetitivos dos canais de Na ' (A) e Ca 2 + (B) estão indicados por I, II, III e IV; (C-F) canais de K+ são mais diversos. Em todos os casos, quatro subunidades combinam-se para formar um canal fun - cional. (G) Canais de cloreto são estru- turalmente distintos de todos os outros canais dependentes de voltagem. 72 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White Toxinas que envenenam canais iónicos QUADRO 4C Dada a importância dos canais de Na + e K + na excitabilidade neuronal, não é surpresa que diversos organis- mos tenham desenvolvido toxinas específicas para canais como meca- nismos de autodefesa ou para captu- ra de presas. Uma rica coleção de to- xinas naturais tem como alvo seletivo canais iónicos de neurónios e outras células. Essas toxinas são valiosas não apenas para a sobrevivência desses organismos, mas também para o estu- do da função de canais iónicos celu- lares. A toxina para canal mais conhe- cida é a tetrodotoxina, produzida por certos peixes como ofugu ou o baiacu e por outros animais. A tetrodotoxi- na produz uma obstrução potente e específica dos canais de Na + respon- sáveis pela geração do potencial de ação, de modo a paralisar os animais que foram infelizes o suficiente para ingeri-la. A saxitoxina, um homólogo químico da tetrodotoxina produzida por dinoflagelados, possui uma ação similar nos canais de Na +. Os efeitos potencialmente letais da ingestão de ostras e mariscos que se alimentaram desses dinoflagelados da "maré ver- melha" são devidos às ações neuro- nais potentes da saxitoxina. Escorpiões paralisam sua presa ao injetarem uma mistura potente de to- xinas peptídicas que também afetam canais iónicos. Entre essas estão as a-toxinas, que retardam a inativação de canais de Na + (Figura A l ) ; a ex- posição de neurónios a essas toxinas (A) Efeitos do tratamento com toxina em axônios de rã. (1) A a-toxina do escorpião Leiurus quinquestriatus prolonga as correntes de Na + medidas pelo método de fixação de voltagem. (2) Como resultado do aumento na corrente de Na*, a a-toxina prolonga muito a duração do potencial de ação axonal. Note a mudança na escala de tempo após tratamen- to com a toxina. (B) O tratamento de um axô- nio de rã com (S-toxina de outro escorpião, Centruroides sculpturatus, altera a ativação de canais de Na f , de modo que a condutân- cia de Na + começa a aumentar em potenciais muito mais negativos do que o normal. (A, segundo Schmidt e Schmidt, 1972; B, segun- do Cahalan, 1975.) prolonga o potencial de ação (Figura A2), perturbando, assim, o fluxo de informação no sistema nervoso da vítima a ser devorada. Outros peptídeos no veneno de escorpião, denominados ^-toxinas, alteram a de- pendência pela voltagem da ativação de canais de Na + (Figura B). Essas to- xinas causam a abertura de canais de Na + em potenciais muito mais nega- tivos do que o normal, perturbando a geração do potencial de ação. Algu- mas toxinas alcaloídicas combinam essas ações, impedindo a inativação e alterando a ativação de canais de Na +. Uma dessas toxinas é a batraco- toxina, produzida por uma espécie de rã; algumas tribos indígenas na América do Sul usam esse veneno na ponta de suas flechas. Algumas plantas produzem toxinas similares, incluindo aconitina, de ranúnculos; veratridina, de lírios e toxinas inseti- cidas produzidas por plantas como crisântemos e azaleias. Canais de potássio também têm sido alvos de organismos produtores de toxinas. Toxinas peptídicas que afetam canais de K + incluem dendroto- xina, de vespas; apamina, de abelhas, e caribdotoxina, outra toxina produzida por escorpiões. Todas essas toxinas têm como ação principal o bloqueio de canais de K +; não se conhece toxina que afete a ativação ou inati- vação desses canais, embora haja a possibilidade de que esses agentes estejam apenas aguardando para ser descobertos. Referências C A H A L A N , M . 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(A) .2 2 > c g e p. s (1) o -40 -80 C ra S qj 7 u o tu < U "° C Controle Tratado com toxina C ) de escorpião _r 0 20 40 i_r r 60 80 0 Tempo (ms) 20 40 60 Potencial de membrana (mV) (2) +50 +25 .2 £ > fl) *-« ' -75 Controle Tratado com toxina de escorpião 0 2 4 6 0 4 8 10 Tempo (ms) Tempo (ms) Neurociêncías 73 Poro fechado Poro aberto A despolarização da membra- na causa alteração na posição dos sensores de voltagem Figura 4.7 Um sensor de voltagem carregado permite o controle dependente de voltagem do canal iônico. O processo de ativação pela vol- tagem envolve o movimento de um sensor de voltagem carregado positivamente dentro da membrana. Esse movimento causa alteração na conformação do poro do canal, capacitando o canal a conduzir íons específicos. canal é formado por subunidades que cruzam a membrana plasmática duas vezes; entre essas duas estruturas que atravessam a membrana, há uma alça que se insere na membrana plasmática (Figura 4.8A). Quatro dessas subunidades são monta- das para formar um canal (Figura 4.8B). No centro do canal montado, existe uma abertura estreita através da proteína que permite o fluxo de K + pela membrana. O poro, como esse túnel é normalmente denominado, é formado pela alça proteica, bem como pelos domínios que atravessam a membrana. A estrutura do poro é muito adequada para conduzir íons K + (Figura 4.8C). A parte mais estreita está próxima da boca externa do canal, sendo tão estreita que apenas um K + não hidra- tado cabe nesse gargalo. Cátions maiores, como o Cs+, não conseguem atravessar essa região do poro, enquanto cátions menores, como o Na + , não podem entrar no poro porque as "paredes" do poro estão muito distantes uma da outra para estabilizar um ion Na + desidratado. Essa parte do complexo do canal é, portanto, responsável pela permeabilidade seletiva ao K + , sendo, então, chamada de f i l tro de seletividade. A sequência de aminoácidos que constitui parte desse filtro de seletividade com frequência é denominada "sequência-assinatura" do canal de K + e difere das sequências encontradas em canais permeáveis a outros cátions. Mais no interior do canal, há uma cavidade preenchida com água, que faz conexão com o interior da célula. Essa cavidade evidentemente coleta K + do cito- plasma e, utilizando cargas negativas da proteína, desidrata os íons K + , de manei- ra que eles possam entrar através do filtro de seletividade. Esses íons "nus" são então capazes de se mover através de quatro sítios de ligação ao K + dentro do filtro de seletividade até alcançar o espaço extracelular (lembre-se de que o gradiente de concentração normal impele K + para fora da célula). A presença de múltiplos (até quatro) íons K + dentro do filtro de seletividade causa repulsão eletrostática entre os íons, o que ajuda a acelerar seu trânsito através desse filtro, permitindo assim um rápido fluxo iônico através do canal. Estudos cristalográficos recentes determinaram também a estrutura de um canal de K + dependente de voltagem de mamíferos. Esses estudos forneceram importantes informações acerca de como ocorre a ativação dependente de vol- tagem dos canais iónicos. Como no caso dos canais de K + bacterianos descri- tos anteriormente, quatro subunidades são reunidas para formar o canal de K + dependente de voltagem (Figura 4.9A). Embora a região do poro desse canal seja muito semelhante àquela dos canais de K+bacterianos (Figura 4.9B), o canal dependente de voltagem apresenta estruturas adicionais em seu lado citoplas- mático, como uma subunidade P e um domínio T l que une a subunidade P ao canal. Espaços entre o domínio T l e a parte do canal mergulhada na membrana possibilitam o K + entrar no canal e permitem a inserção de partes do canal en- volvidas na inativação (Figura 4.9C). Mais importante, esse canal possui senso- 76 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White Doenças causadas por alterações em canais iónicos CANAIS DE C a 2 + + EHF • AE2 * CSNB _ Paralteia CANAIS DE N a + CANAIS DE K + CANAIS DE C l " taxm. HfH-í? < A E l • CNF • I I • Miotonia (A) Mutações genéticas em canais de Ca2*, de Na*, de K~ e de Cf que resultam em doenças. Sím- bolos vermelhos indicam sítios e patologias específicas dessas mutações. (Segundo Lehmann-Hom e Jurkat-Kott, 1999.) QUADRO 4D Várias doenças genéticas, denomina- das coletivamente canalopatias, são de- correntes de alterações pequenas, mas críticas, em genes para canais iónicos (Figura A). As mais bem caracteriza- das dessas doenças são aquelas que afetam as células musculares esquelé- ticas. Nesses distúrbios, alterações em proteínas de canais iónicos produzem miotonia (rigidez muscular devida à excitabilidade elétrica excessiva) ou paralisia (devida à excitabilidade muscular insuficiente). Outras doen- ças surgem em virtude de defeitos em canais iónicos no coração, no rim e no ouvido interno. Canalopatias associadas a canais iónicos localizados no encéfalo são muito mais difíceis de serem estu- dadas. Apesar disso, canais de Ca2* dependentes de voltagem têm sido recentemente implicados em uma gama de doenças neurológicas. Elas incluem ataxia episódica, degenera- ção espinocerebelar, cegueira noturna e enxaquecas. A enxaqueca hemiplégica familiar (EHF) é caracterizada por ataques de enxaqueca que duram geralmente de um a três dias. Durante esses episódios, os pacientes expe- rimentam intensas dores de cabeça e vómitos. Várias mutações em um canal de Ca2* humano foram identi- ficadas em famílias com enxaqueca hemiplégica familiar, cada uma apre- sentando sintomas clínicos diferentes. Por exemplo, uma mutação na região que forma o poro do canal produz enxaqueca hemiplégica com ataxia ce- rebelar progressiva, enquanto outras mutações causam apenas os sintomas usuais da enxaqueca hemiplégica familiar. Não se sabe como essas pro- priedades alteradas dos canais de Ca2* levam a ataques de enxaqueca. A ataxia episódica tipo 2 (AE2) é uma doença neurológica em que os indiví- duos afetados sofrem ataques recor- rentes de descoordenação motora e ataxia grave. Esses problemas são, às vezes, acompanhados de vertigem, náusea e dor de cabeça. Normalmen- te, os ataques são desencadeados por estresse emocional, exercício ou álcool e duram algumas horas. As mutações em AE2 deixam canais de Ca2* trun- cados em vários sítios, o que pode causar as manifestações clínicas da doença ao evitar a montagem normal dos canais de Ca2* na membrana. A cegueira noturna estacionária congénita ligada ao X (CSNB, de congenital stationary night blindness) Neurociências 77 é um distúrbio retinal recessivo que causa cegueira noturna, diminuição da acuidade visual, miopia, nistagmo e estrabismo. A cegueira noturna es- tacionária congénita completa torna não funcionais os fotorreceptores retinianos do tipo bastonete. A ce- gueira noturna estacionária congénita incompleta consiste no funcionamen- to subnormal (mas mensurável) dos fotorreceptores cones e bastonetes. Assim como a A E 2 , o tipo incompleto da cegueira noturna estacionária con- génita é causado por mutações que produzem canais de Ca2 + truncados. A função anormal da retina pode surgir a partir de uma diminuição nas cor- rentes de Ca2 + e na liberação de neu- rotransmissores dos fotorreceptores veja Capítulo 11). Um defeito nos canais de Na + no encéfalo causa epilepsia generalizada com acessos febris (GEFS, de generali- zed epilepsy zvith febrile seizures), que principia no início da infância e nor- malmente continua até o início da pu- berdade. Esse defeito foi atribuído a duas mutações: uma no cromossomo 2, que codifica uma subunidade a de um canal de Na + dependente de vol- tagem, e a outra no cromossomo 19, que codifica uma subunidade P do canal de Na*. Essas mutações acarre- tam atraso na inativação do canal de Na" (Figura B), o que pode explicar a hiperexcitabilidade neuronal subja- cente à GEFS. Outro tipo de ataque, a convulsão neonatal familiar benigna (CNFB), é devido a mutações em canais de K". Essa doença é caracterizada por ataques breves, mas frequentes, que começam na primeira semana de vida e desaparecem espontaneamente em alguns meses. A doença foi atribuída a mutações em pelo menos dois genes para canais de K + dependentes de voltagem. Uma redução no fluxo de corrente de K + através dos canais mu- tados é provavelmente responsável pela hiperexcitabilidade associada a esse defeito. Uma doença relacionada, a ataxia episódica tipo 1 (AEl), foi ligada a um defeito em outro tipo de canal de K + dependente de voltagem. A AEl é caracterizada por episódios breves de ataxia. Canais mutantes inibem a função de outros canais de K +, não mutados, podendo produzir os sintomas clínicos por prejudicar a repolarização do potencial de ação. Mutações nos canais de K + do mús- t j G, 40 c 2 _40 o Ê -80 — 1) Tipo selvagem "Canais d e N a + mutantes 0 5 10 Tempo (ms) (B) Mutações em canais de Na* diminuem a velocidade de inativação das correntes de Na + . (Segundo Barchí, 1995.) culo cardíaco são responsáveis pela frequência cardíaca irregular de pa- cientes com síndrome do QT longo. Numerosos defeitos genéticos afetam canais dependentes de voltagem do músculo esquelético e são responsá- veis por uma série de doenças muscu- lares que causam ou fraqueza muscu- lar (paralisia) ou contração muscular (miotonia). Referências ASHCROFT, F. M . (2000) Ion Channels and Disease. Boston: Academic Press. BARCHI, R. L. (1995) Molecular pathology of the skeletal muscle sodium channel. Annu. Rev. Physiol. 57:355-385. BERKOVIC, S. F. and I . E. SCHEFFER (1997) Epilepsies w i t h single gene inheri- tance. Brain Develop. 19:13-28. COOPER, E. C. and L. Y. J A N (1999) Ion channels genes and human neurological disease: Recent progress, prospects, and challenges. Proc. Natl. Acad. Sei. USA 96: 4759-4766. DAVIES, N . P. and M . G. H A N N A (1999) Neurological channelopathies: Diagnosis and therapy i n the new mil lennium. Ann. Med. 31: 406-420. JEN, J. 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Em resumo, transportadores ativos gradualmente armazenam energia na forma de gradien- tes de concentração iônica, enquanto a abertura de canais iónicos dissipa, com rapidez, essa energia armazenada, durante eventos de sinalização elétrica rela- tivamente breves. Vários tipos de transportadores ativos foram identificados. Embora os tra- balhos específicos dos transportadores sejam diferentes, todos devem transladar íons contra seus gradientes eletroquímicos. Mover íons desfavoravelmente requer 78 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White consumo de energia, e os transportadores neuronais enquadram-se em duas clas- ses, com base na sua fonte de energia. Alguns transportadores adquirem energia diretamente da hidrólise de ATP, sendo chamados de bombas ATPase (Figura 4.10, à esquerda). O exemplo mais notável de uma bomba ATPase é a bomba de Na + (ou, mais apropriadamente, a bomba de Na + /K + ATPase), que é responsá- vel pela manutenção dos gradientes transmembrana de concentração de Na + e K + (Figura 4.10A). Outro exemplo é a bomba de Ca 2 +, que fornece um dos principais mecanismos de remoção de Ca + das células (Figura 4.10B). A segunda classe de transportadores ativos não usa ATP diretamente, porém depende dos gradientes eletroquímicos de outros íons como fonte de energia. Esse tipo de transportador carrega um ou mais íons contra seu gradiente eletroquímico enquanto leva simultaneamente outro ion (geralmente Na +) a favor de seu gradien- te. Como pelo menos duas espécies iónicas estão envolvidas nessas transações, esses transportadores são usualmente chamados de trocadores de íons (Figura 4.10, à direita). Um exemplo de um desses transportadores é o trocador de NaV Ca 2 +, que divide com a bomba de Ca 2 + a importante função de manter baixas as concentrações intracelulares de Ca 2 + (Figura 4.10C). Dois outros trocadores nessa categoria regulam a concentração intracelular de CF, ao transportar CF juntamen- te a Na + e/ou K + extracelulares. Esses transportadores são o cotransporte NaV K+/C1", que carrega CF junto a Na + e K + para dentro das células (Figura 4.10D), e o cotransporte K+/C1", que remove o CF intracelular juntamente ao K + (Figu- ra 4.10E). Uma vez que esses dois cotransportadores movem o CF em sentidos opostos, a concentração líquida intracelular do ion dependerá do equilíbrio entre ambas as atividades. Outros trocadores iónicos, como o de Na+/FP (Figura 4.10F), também regulam o p H intracelular. Ainda outros trocadores iónicos estão envol- vidos no transporte de neurotransmissores para dentro dos terminais sinápticos (Figura 4.10G), como descrito no Capítulo 6. Embora o gradiente eletroquímico do Na + (ou de outros contraíons) seja a fonte de energia mais direta para trocadores de íons, esses gradientes dependem, em última análise, da hidrólise de ATP por bombas ATPases, tal como a bomba de Na + /K + ATPase. Figura 4.10 Exemplos de transpor- tadores iónicos encontrados nas mem- branas celulares. (A, B) Alguns transpor- tadores obtêm energia da hidrólise de ATP (bombas ATPases), enquanto outros (C-G) usam os gradientes eletroquími- cos de íons cotransportados como fonte de energia (trocadores de íons). BOMBAS ATPase (A) Bomba N a + / K + (B) Bomba de Porção K + extra- Q celular Propriedades funcionais da bomba de Na+/K+ Dos vários transportadores, o mais bem compreendido é a bomba de Na + /K + . Es- tima-se que a atividade dessa bomba seja responsável por 20 a 40% do consumo de energia do encéfalo, o que indica sua importância crucial. A bomba de Na + foi descoberta em neurónios na década de 1950, quando Richard Keynes, na Uni- versidade de Cambrigde, usou Na + radioativo para demonstrar o efluxo de Na + dependente de energia, proveniente dos axônios gigantes de lula. Keynes e seus colaboradores observaram que o efluxo cessava quando o suprimento de ATP no axônio era interrompido por tratamento com venenos metabólicos (Figura 4.11A, TROCADORES DE ÍONS Ca 2* (C) Trocador (D) Cotransportador (E) Cotranspor- (F) Trocador (G) Transportador N a V C a 2 + N a + / K + / C l " t a d o r K V C r N a + / H + NaVneuro- transmissor N a + GABA, * i - Dopamina celular Neurociências 81 (A) . Sítio de 0 , , / t Porção ugaçaoà q 2 K ouabaína > (B) Sítio de ligação à ouabaína Porção extracelular Sítio de ligação a N a + e K+„ Membrana Y Y Y Y Y Y Y Y Porção intracelular N lular I 3 N a + Subunidade a / Sítio de fosforilação ' Sítio de ligação ao ATP de membrana constituída por pelo menos duas subunidades, denominadas a e p\ A sequência primária mostra que a subunidade a atravessa a membrana 10 vezes, estando a maior parte da molécula presente na face citoplasmática, enquanto a subunidade (3 atravessa a membrana uma vez, sendo predominantemente extra- celular (Figura 4.13B). Embora ainda não se conheça, com detalhes, a estrutura da bomba de Na + /K + , algumas partes da sequência de aminoácidos possuem funções identificadas. U m domínio intracelular da proteína é necessário para a ligação e a hidrólise de ATP, e o aminoácido fosforilado pelo ATP foi identificado. Outro domínio extracelular pode representar o sítio de ligação à ouabaína. Contudo, os sítios envolvidos na função mais importante da bomba - o movimento de Na + e K" - ainda não foram identificados. Apesar disso, a alteração de certos domínios que atravessam a membrana (em vermelho na Figura 4.13B) prejudica o translado de íons; além disso, estudos cinéticos indicam que os dois íons ligam-se à bomba no mesmo sítio. Como esses íons movem-se para o outro lado da membrana, é provável que esse sítio atravesse a membrana plasmática; é também provável que o sítio tenha carga negativa, uma vez que tanto Na + como K + são carregados posi- tivamente. A observação de que a remoção de resíduos carregados negativamente em um domínio da proteína que atravessa a membrana (amarelo claro na Figura 4.13B) reduz muito a ligação de Na + e K + nos dá pelo menos uma ideia sobre o domínio transportador de íons dessa molécula. A relação entre a estrutura e a função de um transportador foi mais bem elu- cidada no caso da bomba de Ca 2 + que está bastante relacionada à bomba de Na + e K". Essa bomba utiliza a hidrólise do ATP para fornecer energia para translocar Ca"" do citoplasma através da membrana do retículo sarcoplasmático, uma orga- nela de armazenamento do Ca 2 + intracelular no músculo que é análoga ao retícu- lo endoplasmático utilizado para armazenar e liberar Ca 2 + dentro de neurónios e células gliais (veja Capítulo 7). A estrutura dessa bomba ATPase foi determinada com a utilização das mesmas técnicas de cristalografia de raios X que elucidaram a estrutura molecular dos canais de K + e de muitas outras proteínas. Esses estudos revelaram que a bomba de Ca 2 +, assim como a bomba de Na + e K + , é uma proteína muito grande que atravessa a membrana 10 vezes e consiste em diversos domí- nios (Figura 4.14A). Um desses domínios liga ATP e é chamado de domínio de l i - gação de nucleotídeo, enquanto outros domínios estão envolvidos na fosforilação da bomba ou na translocação de íons. Como também ocorre com a bomba de Na" e K + , a bomba de Ca 2 + sofre fosforilação que impulsiona um ciclo de alterações conformacionais. Por meio do exame da bomba de Ca 2 + em diferentes estágios de seu ciclo, o mecanismo da translocação de Ca 2 +foi esclarecido . O Ca 2 + liga-se primeiro ao lado citoplasmático da bomba. Os íons são então transportados através da membra- na como resultado de alterações conformacionais induzidas por fosforilação nos ^ N Subunidade |3 Figura 4.13 Organização molecular da bomba de Na+/K+. (A) Características gerais da bomba. (B) A molécula atra- vessa a membrana 10 vezes. Resíduos de aminoácidos supostamente impor- tantes para a ligação de ATP K* e oua- baína estão realçados. (Segundo Lingrel et ai. 1994.) 82 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White (A) Porção extracelular Figura 4.14 Estrutura molecular da bomba de Ca 2 + . (A) Estrutura da bomba de Ca 2 + . Os domínios responsáveis pela ligação dos nucleotídeos (LN), fosforilação (F) e ativi- dade de transporte de íons (AT) estão indica- dos. O painel em (A) e o primeiro painel em (B) mostram a estrutura da bomba quando ligada ao ADP; nesse estado, dois átomos de Ca 2* são sequestrados dentro da região da bomba que atravessa a membrana. (B) Sequência hipotética de alterações estrutu- rais associadas à translocação de Ca z* pela bomba de Ca2*. De maneira análoga à se- quência de eventos envolvidos na função da bomba Na*/K* (veja Figura 4.11B), a bomba de Ca 2 + sofre um ciclo de fosforilação e des- fosforilação que determina alterações con- formacionais (setas pretas) que impulsionam o Ca 2* através da membrana. (Segundo Toyoshima et ai, 2004.) Alteração conformacional determina a liberação de Ca 2 domínios que cruzam a membrana que por f im resultam na liberação do Ca + no outro lado da membrana (Figura 4.14B). Diferentemente dos canais iónicos, nos quais a translocação de íons ocorre por movimento com base em difusão através de um poro aquoso, a translocação de Ca2* pela bomba ocorre por meio do seques- tro desse ion, que fica ligado em uma região profunda da proteína, separado do meio aquoso. Isso explica como a bomba é capaz de mover Ca2* contra o acentua- do gradiente eletroquímico do Ca2* presente através da membrana. Resumo Transportadores e canais iónicos possuem funções complementares. O principal propósito dos transportadores é gerar gradientes de concentração transmembra- na, os quais são então aproveitados por canais iónicos para gerar sinais elétricos. Neurociêncías 83 Canais iónicos são responsáveis pelas condutâncias dependentes de voltagem das membranas das células nervosas. Os canais subjacentes ao potencial de ação são proteínas integrais de membrana que abrem ou fecham poros seletivos para íons em resposta ao potencial de membrana, deixando íons específicos difundirem para o outro lado da membrana. O fluxo de íons através de canais individuais abertos pode ser detectado como correntes elétricas minúsculas; a abertura sincronizada de muitos desses canais gera a corrente macroscópica que produz potenciais de ação. Estudos moleculares mostram que tais canais dependentes de voltagem pos- suem estruturas altamente conservadas que são responsáveis por propriedades como permeação iônica e sensibilidade à voltagem, bem como pelas propriedades que determinam a seletividade iônica e a suscetibilidade a toxinas. Outros tipos de canais são sensíveis a sinais químicos, como neurotransmissores ou segundos mensageiros, ou a calor ou deformação da membrana. Um grande número de ge- nes para canais iónicos originam canais com uma correspondente gama de carac- terísticas funcionais, dessa maneira permitindo que tipos diferentes de neurónios tenham um extraordinário espectro de propriedades elétricas. Proteínas transpor- tadoras de íons são bem diferentes tanto na estrutura como na função. A energia necessária para o movimento de íons contra um gradiente de concentração (p. ex., na manutenção do potencial de repouso) é fornecida ou pela hidrólise de ATP ou pelo gradiente eletroquímico de íons cotransportados. A bomba de Na + /K + pro- duz e mantém os gradientes de Na + e K + através da membrana, enquanto outros transportadores são responsáveis pelos gradientes eletroquímicos de outros íons fisiologicamente importantes, como Cl", Ca + e H + . Juntos, transportadores e canais fornecem uma explicação molecular razoavelmente abrangente para a capacidade dos neurónios em gerar sinais elétricos. Leitura complementar Revisões ARMSTRONG, C. 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Essa corrente muda o potencial de membrana pós-sináptico, iniciando (ou inibindo em alguns casos) a geração de potenciais de ação pós-sinápticos. (B) Nas sinapses químicas, não há continui- dade intercelular, e, portanto, não há passagem direta de corrente do neurô- nio pré-sináptico para o pós-sináptico. A corrente sináptica flui através da mem- brana pós-sináptica apenas em resposta à secreção de neurotransmissores, os quais abrem ou fecham canais iónicos pós-sinápticos depois de se ligarem a moléculas receptoras (veja detalhe am- pliado do esquema). nio a jusante, por onde a corrente flui, é denominado elemento pós-sináptico. As membranas dos dois neurónios comunicantes aproximam-se m u i t o junto à sinap- se e são conectadas por uma especialização intercelular denominada junção co- municante o u em fenda*. Junções comunicantes contêm canais nas membranas pré e pós-sinápticas precisamente pareados e alinhados, de tal maneira que cada par de canais forma u m poro (Figura 5.2A). O poro da junção comunicante é maior do que os canais dependentes de vol tagem descritos no capítulo anterior. Como resultado, u m a variedade de substâncias pode apenas di fundir -se entre os cito- plasmas dos neurónios pré e pós-sinápticos. Além de íons, as substâncias que se d i f u n d e m através dos poros das junções comunicantes inc luem moléculas com pesos moleculares tão grandes quanto várias centenas de dáltons. Isso permite que o ATP e outros importantes metabólitos intracelulares, tais como os segundos mensageiros (veja Capítulo 7), sejam transferidos entre neurónios. Sinapses elétricas, portanto, func ionam p e r m i t i n d o que a corrente iônica f lua de forma passiva através dos poros das junções comunicantes de u m neurônio para outro . A fonte usual dessa corrente é a diferença de potencial gerada no local pelo potencial de ação (veja Capítulo 3). A comunicação através dessas j u n - ções tem inúmeras consequências interessantes: u m a delas é que a transmissão pode ser bidirecional , isto é, a corrente pode fluir em qualquer direção através da junção comunicante, dependendo de qual m e m b r o do par acoplado é i n v a d i d o por u m potencial de ação (embora alguns tipos de junções comunicantes tenham propriedades especiais que resultem em u m a transmissão unidirec ional ) . O u t r o aspecto importante das sinapses elétricas é a transmissão extremamente rápida: * N . de T. Do inglês gap junction, em que gap significa "fenda". O termo "sinapse elétrica" não deve ser usado como sinónimo de junção comunicante, uma vez que essa é encontrada também entre outras células além dos neurónios. Neurociências 87 Membrana celular pré-sináptica (B) Membrana celular pós-sináptica Poros conectando o citoplasma de dois neurónios Figura 5.2 Estrutura e função de junções comuni- cantes nas sinapses elétricas. (A) Junções comunicantes consistem em hexâmeros denominadas conéxons*, os caiais estão presentes nas membranas pré e pós-sináp- Os poros desses canais conectam os neurónios, io uma continuidade entre as células. (B) A rápida nansmissão dos sinais nas sinapses elétricas do lagos- •m. Um potencial de ação no neurônio pré-sináptico despolarização do neurônio pós-sináptico em - "ração de milissegundo. (C) As sinapses elétricas permitem a sincronização da atividade elétrica em inter- neurônios hipocampais. Em um par de interneurônios conectados por sinapses elétricas, a geração de um potencial de ação em um neurônio muitas vezes resulta : : sparo de um potencial de ação para outro neurônio scos em vermelho) (B, Furshpan and Potter, 1959; CBeierlein et ai, 2000). (C) > I O» 6 o» 73 > 1 tu -a 25 -25 -50 . Neurônio \ pós-sináptico S k J Atraso sináptico de ^1 curta duração (-0,1 ms) | 100 o fluxo da corrente passiva através da junção comunicante é prat icamente instantâneo, sem atrasos na comunicação, como ocorre nas sinap- ses químicas. Esses aspectos são evidentes no funciona- mento das pr imeiras sinapses elétricas desco- bertas no sistema nervoso do lagostim. U m sinal elétrico pós-sináptico é observado nessa sinapse «m u m a fração de mil issegundo depois da ge- ração do potencial pré-sináptico (Figura 5.2B). De fato, parte desse breve atraso sináptico é causado pela propagação do potencial no terminal pré-sináptico, não havendo, portanto, atraso na transmissão de sinais na sinapse elétrica. Tais sinap- ses interconectam muitos dos neurónios que permi tem aos lagostins escaparem de seus predadores, m i n i m i z a n d o o tempo de transmissão entre o estímulo ameaça- dor e uma resposta motora potencialmente de sobrevivência. O propósito mais geral das sinapses elétricas é sincronizar a at ividade elétri- ca entre populações de neurónios. Por exemplo, neurónios d o tronco encefálico que controlam o r i t m o da at ividade elétrica envolv ida na respiração estão sin- 200 300 400 Tempo (ms) 1 N . de T. Cada conéxon é formado por seis subunidades proteicas denominadas conexinas. 8 8 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White cronizados por sinapses elétricas, assim como populações de interneurônios no córtex cerebral, no tálamo, no cerebelo e em outras regiões do SNC (Figura 5.2C). A transmissão elétrica entre determinados neurónios secretores de hormônios no hipotálamo de mamíferos garante que todas as células desencadeiem potenciais de ação quase ao mesmo tempo, facil i tando a descarga da secreção hormonal na circulação. O fato de que os poros das junções comunicantes são grandes o su- ficiente para permi t i r a difusão intercelular de moléculas como ATP e segundos mensageiros também permite que as sinapses elétricas coordenem a sinalização e o metabolismo de neurónios acoplados. Essa propriedade pode ser importante , em especial, para células gliais, as quais f o r m a m extensas redes de sinalização através de junções comunicantes. Transmissão de sinal nas sinapses químicas A estrutura geral de uma sinapse química é mostrada esquematicamente na Fi - gura 5.1B. O espaço entre os neurónios pré e pós-sinápticos é m u i t o maior nas sinapses químicas d o que nas sinapses elétricas e é chamado de fenda sináptica. Entretanto, u m aspecto essencial de todas as sinapses químicas é a presença de pequenas organelas próximas o u ligadas à membrana no terminal pré-sináptico denominadas vesículas sinápticas. Essas organelas esféricas são preenchidas com u m ou mais neurotransmissores, os sinais químicos secretados pelos neurónios pré-sinápticos que agem como mensageiros entre os neurónios comunicantes, dando nome à sinapse de acordo com a natureza do neurotransmissor. A transmissão nas sinapses químicas baseia-se em u m a elaborada sequência de eventos descritos na Figura 5.3. O processo é iniciado quando u m potencial de ação invade o terminal neuronal pré-sináptico. A mudança no potencial de ação causada pela chegada do potencial provoca a abertura de canais de C a 2 + depen- dentes de voltagem no terminal pré-sináptico. E m v i r t u d e do enorme gradiente de concentração através da membrana pré-sináptica (a concentração de C a 2 + externa é de cerca de 10~ 3M, enquanto a concentração interna é cerca de 1(X 7 M), a abertu- ra desses canais causa u m i n f l u x o rápido de C a 2 + no terminal , o que resulta em elevação transitória da concentração de Ca 2 + . Essa elevação, por sua vez, permite a fusão das vesículas com a membrana plasmática do terminal pré-sináptico. A fusão das vesículas com a membrana do terminal permite a liberação do conteúdo vesicular (principalmente neurotransmissores) na fenda sináptica. Seguindo a exocitose, os neurotransmissores se d i f u n d e m através da fenda sináptica e se l igam a receptores específicos na membrana neuronal pós-sináptica. A ligação de neurotransmissores aos receptores causa a abertura (ou o fechamen- to em alguns casos) de canais na membrana pós-sináptica, alterando, portanto, a permeabil idade iônica nas células pós-sinápticas. A corrente resultante i n d u z i d a pelo neurotransmissor altera a condutância e, comumente, o potencial de m e m - brana pós-sináptica, aumentando ou d i m i n u i n d o a probabil idade do neurônio de desencadear u m potencial de ação. Dessa maneira, a informação é transmit ida de u m neurônio para outro. Propriedades dos neurotransmissores A noção de que a informação elétrica pode ser transferida de u m neurônio ao seguinte mediante sinais químicos f o i objeto de intenso debate durante a p r i m e i - ra metade d o século XX. U m experimento-chave que ve io apoiar essa ideia f o i realizado, e m 1926, pelo fisiologista alemão O t t o L o e w i . Trabalhando sobre u m a ideia que teria lhe ocorr ido no meio da noite , L o e w i p r o v o u que a estimulação elétrica d o nervo vago d i m i n u i os batimentos cardíacos mediante a liberação de u m sinal químico. Ele isolou e p e r f u n d i u os corações de duas rãs, m o n i t o r a n d o suas taxas de bat imentos (Figura 5.4). A ideia central e m seu experimento era coletar o l íquido que havia s ido p e r f u n d i d o através d o coração es t imulado e transferi- lo para o segundo coração. Embora o nervo vago d o segundo coração não houvesse sido es t imulado, seus batimentos também diminuíram, mostran- d o que o n e r v o vago regula a taxa de bat imentos cardíacos pela l iberação de Neurociências 91 QUADRO 5A Critérios que definem um neurotransmissor Três critérios principais têm sido u t i - lizados ao longo dos anos para confir- mar se uma molécula atua como u m neurotransmissor em determinada sinapse química. ' 1 . A substância deve estar presente no interior do neurônio pré-sináptico. E claro que uma substância quími- ca não pode ser secretada de u m neurônio pré-sináptico, a não ser que esteja ali presente. Uma vez que vias bioquímicas elaboradas são necessárias para produzir neu- rotransmissores, a demonstração de que as enzimas e os precur- sores necessários para a síntese da substância estão presentes em neurónios pré-sinápticos gera evi- dências adicionais de que, a subs- tância é util izada como neuro- transmissor. Observe, entretanto, que, uma vez que os transmissores glutamato, glicina e aspartato são também necessários na síntese proteica e em outras reações me- tabólicas em todos os neurónios, suas presenças não são evidência suficiente para provar que sejam neurotransmissores. 2. A substância deve ser liberada em res- posta à despolarização pré-sínáptica, e a liberação deve ser dependente de Ca2*. Outro critério essencial para identificar u m neurotransmissor é a demonstração de que ele é libe- rado de u m neurônio pré-sináptico em resposta à atividade elétrica pré-sináptica e que essa liberação requer influxo de Ca 2 + no terminal pré-sináptico. A satisfação desse critério é tecnicamente u m desafio, não apenas porque pode ser difícil estimular seletivamente os neuró- nios pré-sinápticos, mas também porque enzimas e transportadores removem os neurotransmissores secretados de forma eficiente. 3. Receptores específicos para essa substância devem estar presentes na célula pós-sináptica. U m neu- rotransmissor não pode atuar em seu alvo, a não ser que receptores específicos ao transmissor estejam presentes na membrana pós-sináp- tica. Uma maneira de demonstrar a existência de receptores consiste em mostrar que a aplicação exóge- na de transmissor mimetiza os efei- tos pós-sinápticos da estimulação pré-sináptica. Uma demonstração mais rigorosa é a comprovação de que agonistas e antagonistas que alteram a resposta pós-sináptica normal apresentam o mesmo efeito quando a substância em questão é aplicada exogenamente. Méto- dos histológicos de alta resolução também podem ser utilizados para demonstrar que receptores especí- ficos estão presentes na membrana pós-sináptica. Quando uma substância preenche esses critérios, pode-se estabelecer, de forma inequívoca, que ela é utilizada como u m transmissor em determi- nada sinapse. Em muitos tipos de sinapses, porém, dificuldades técnicas impedem que esses padrões sejam aplicados. E por essa razão que tantas substâncias são referidas como neuro- transmissores "putativos". Verificar a identidade de um neurotransmissor requer demonstrar (1) sua presença, (2) sua libe- ração e (3) a presença de receptores pós-sinápticos específicos. O) (2) (3) 9 2 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaManria, McNamara & White transporte axonal lento. As moléculas precursoras uti l izadas por essas enzimas de síntese são normalmente captadas para o inter ior d o t e r m i n a l nervoso por proteínas transportadoras encontradas na membrana plasmática do terminal . As enzimas sintet izam os neurotransmissores no citoplasma do termina l pré-sináp- tico, e os transmissores são então carregados nas vesículas sinápticas por proteí- nas transportadoras localizadas na membrana vesicular (veja Capítulo 4). Para alguns neurotransmissores de baixo peso molecular, os passos finais da síntese ocorrem dentro das vesículas sinápticas. A maior ia dos neurotransmissores de baixo peso é empacotada em vesículas de 40 a 60 n m de diâmetro, cujos centros parecem claros em micrografias eletrônicas; por isso, essas vesículas são referidas como vesículas pequenas e eletronlúcidas (Figura 5.5B). Os neuropeptídeos são sintetizados no corpo neuronal , o que significa que são produzidos longe d o local de secreção (Figura 5.5C). Para resolver esse problema, vesículas carregadas de peptídeos são transportadas ao longo do axônio no sentido do terminal sináptico por meio de u m transporte axonal rápido. Esse processo leva vesículas a u m a velocidade de 400 milímetros por dia ao longo de elementos do citoesqueleto de- nominados microtúbulos, que são longos f i lamentos cilíndricos com diâmetro de 25 n m . As vesículas contendo os peptídeos se m o v e m ao longo dos microtúbulos sobre tr i lhas específicas, envolvendo proteínas motoras que usam ATP, como a cinesina. Os neuropeptídeos são empacotados em vesículas com diâmetro de 90 a 250 n m , as quais são densas em micrografias eletrônicas; por isso, são denomina- das vesículas grandes e eletrondensas (Figura 5.5D). Depois de u m neurotransmissor ser secretado na fenda sináptica, ele deve ser r e m o v i d o para p e r m i t i r que o neurônio pós-sináptico se envolva e m o u t r o ciclo de transmissão sináptica. A remoção de neurotransmissores pressupõe sua difusão para longe dos receptores pós-sinápticos, sua recaptação nos terminais neuronais o u pelas células gliais que cercam a sinapse, sua metabolização p o r enzimas específicas o u a combinação desses mecanismos. Proteínas transporta- doras específicas r e m o v e m a maior ia dos neurotrasmissores de baixo peso (ou seus metabólitos) da fenda sináptica, devolvendo-os , mui tas vezes, aos t e r m i - nais sinápticos para reutilização. IMeurotransmissão quântica nas sinapses neuromusculares M u i t a s das evidências para a compreensão atual da transmissão sináptica quí- mica f o r a m obtidas em experimentos que e x a m i n a m a liberação de aceti lcoli- na nas junções neuromusculares. Essas sinapses entre os neurónios motores da medula espinhal e as células musculares esqueléticas são simples, grandes e lo - Figura 5.5 Metabolismo de neurotransmissores de baixo peso molecular e neuropeptídeos. (A) Neurotransmissores de baixo peso são sintetizados nos terminais sinápticos. As enzimas necessárias para a síntese dos neurotransmissores são sintetizadas no corpo celular do neurônio pré-sináptico (1) e são transportadas ao longo do axônio pelo processo de transporte axonal lento (2). Os precursores são captados pelos terminais nervosos por transportadores específicos, e a síntese do neurotransmissor, assim como seu empacotamento, ocorre dentro dos terminais nervosos (3). Após fusão das vesículas e liberação dos transmissores (4), o neurotransmissor pode ser degradado enzimaticamente. A recaptação do neurotransmissor (ou de seus meta- bólitos) começa outro ciclo de síntese, empacotamento, liberação e remoção (5). (B) Vesículas pequenas e eletronlúcidas em uma sinapse entre um terminal axonal e um espinho dendrítico no SNC. Tais vesículas, em geral, contêm neurotransmissores de baixo peso molecular. (C) Neu- rotransmissores peptidérgicos, assim como as enzimas que processarão seus precursores, são sintetizados no corpo neuronal (1). As enzimas e os pró-peptídeos são empacotados em vesícu- las no aparelho de Golgi. Durante o transporte axonal rápido dessas vesículas para os terminais nervosos (2), as enzimas modificam os pró-peptídeos, produzindo um ou mais peptídeos neu- rotransmissores (3). Após a fusão da vesícula e a exocitose, os peptídeos difundem para outros pontos e são degradados por enzimas proteolíticas (4). (D) Vesículas grandes e eletrondensas em outro tipo de terminal axonal central que estabelece uma sinapse com um dendrito. Tais ve- sículas contêm, normalmente, neuropeptídeos ou, em alguns casos, aminas biogênicas. (B e D, de Peters, Palay e Webster, 1991). Neurociências 9 3 (A) NEUROTRANSMISSORES DE BAIXO PESO MOLECULAR (C) NEUROTRANSMISSORES PEPTIDÉRGICOS Síntese de enzimas no corpo celular Síntese e empa- cotamento de neurotransmissor Terminais pré-sinápticos Vesículas Dendritos 0,5 um 9 6 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White centrada nas vesículas sinápticas de neurónios motores, onde está presente e m u m a concentração aproximada de 100 m M . Considerando o tamanho da vesícu- la sináptica (-50 n m ) , ela contém cerca de 10 m i l moléculas de neurotransmis- sores. Esse número corresponde aproximadamente à quant idade necessária de acetilcolina que deve ser aplicada a u m a junção neuromuscular para m i m e t i z a r u m EPP e m m i n i a t u r a , d a n d o suporte à ideia de que os quanta se o r i g i n a m da descarga dos conteúdos de vesículas sinápticas. Para provar que os quanta são decorrentes da fusão de vesículas sinápticas i n d i v i d u a i s com a membrana plasmática, é necessário mostrar que cada vesícula f u n d i d a causa u m único evento quântico registrável na pós-sinapse. Esse desafio f o i enfrentado no f i m dos anos 1970, quando John Heuser, Tom Reese e outros colegas correlacionaram medidas de fusão vesicular com os conteúdos quânticos dos PPTs na junção neuromuscular. E m seus experimentos, o número de vesículas fundidas com a membrana plasmática f o i m e d i d o por microscopia eletrônica nos terminais que t i n h a m sido tratados com u m a droga (4 -aminopir id ina o u 4-AP) que aumenta o número de fusões produzidas por u m simples potencial de ação (Figura 5.8A). Paralelamente, foram feitas medidas elétricas do conteúdo quântico dos PPTs evocados dessa maneira. A comparação do número de fusões de vesícu- las sinápticas observadas na microscopia eletrônica e o número de quanta l iberado nas sinapses mostraram u m a correlação posi t iva entre as duas medidas (Figura 5.8B). Esses resultados ainda são u m a das mais fortes l inhas de apoio à ideia de que u m quantum da liberação de neurotransmissores é devido à fusão de u m a ve- sícula sináptica com a membrana plasmática pré-sináptica. Evidências posteriores, com base em outros métodos de medida da fusão vesicular, não de ixam dúvidas (A) Não estimulada •f- Estimulada Vesículas sinápticas Vesícula fundida com a membrana plasmática (B) •D 3.000 Ti O £ 2 1.000 Concentração de • 4-AP: 10-JiV [ Í O ^ M / 1 0 ~ 5 M / 1.000 3.000 5.000 Número de quanta liberado Canais de Ca Figura 5.8 Correlação da exocitose de vesículas sinápticas e liberação quântica de neurotransmissores. (A) Uma técnica especial de microscopia eletrônica denominada "fratura a frio" foi usada para visualizar a fusão das vesículas sinápticas nos terminais pré-sinápticos de neurónios motores de rã. Painel esquerdo: Imagem da membrana plasmática de um terminal pré-sináptico não estimulado por um potencial de ação. Painel direito: Imagem de uma membrana plasmática de um terminal estimulado por um potencial de ação. A estimulação causou a aparência de uma estrutura com covas que representam a fusão das vesículas sinápticas. (B) Comparação do número de fu - sões vesiculares ao número de quanta liberado pelo potencial de ação na pré-sinapse. A liberação de neurotransmissores foi variada pelo uso de 4-AP que afeta a duração do potencial pré-sináptico, alterando, portanto, a quantidade de Ca 2 + que entra du - rante o potencial de ação. A linha diagonal representa a relação 1:1 esperada se cada vesícula aberta liberasse um único quantum de neurotransmissor. (C) Estrutura dos locais de fusão nos terminais pré-sinápticos. As vesículas sinápticas estão dispostas em fileiras e estão conectadas uma a outra e à membrana plasmática por uma va- riedade de elementos proteicos (em amarelo). As estruturas em verde na membrana pré-sináptica correspondem à fileira de partículas vistas em (A), que se acredita serem canais de Ca 2 + (A e B, de Heuser et a/., 1979; C, segundo Harlow et ai, 2001). Neurociências 97 sobre a val idade dessa interpretação geral da transmissão sináptica química. U m ho mais recente ident i f i cou as estruturas dentro d o terminal pré-sináptico que conectam vesículas à membrana plasmática e p o d e m estar envolvidas na f u - são de membranas (Figura 5.8C). Reciclagem local de vesículas sinápticas A fusão de vesículas sinápticas causa u m a adição de membrana à membrana plas- mática do terminal pré-sináptico, mas essa adição não é permanente. Embora a vocitose possa aumentar, de forma significativa, a área da superfície dos t e r m i - nais pré-sinápticos, a membrana extra é removida em alguns minutos . Heuser e Reese executaram outro importante conjunto de experimentos mostrando que a vesícula f u n d i d a é realmente recuperada e devolv ida ao citoplasma d o terminal í o s o (em u m processo denominado endocitose). Os experimentos, executados nente em junções neuromusculares de rã, basearam-se no preenchimento da fenda sináptica com peroxidase de rabanete (HRP, de horseradish peroxidase), enzima capaz de p r o d u z i r u m p r o d u t o denso que é visível à microscopia ônica. Sob condições experimentais apropriadas, a endocitose poderia, então, visualizada pela captação da HRP nos terminais nervosos (Figura 5.9). Para • ar a endocitose, o terminal pré-sináptico f o i est imulado com uma sequência ; potenciais de ação e, subsequentemente, o destino da HRP fo i seguido por m i - croscopia eletrônica. Logo após a estimulação, a HRP f o i encontrada em organe- b s endocíticas especiais, denominadas vesículas revestidas com clatrina (Figura 59A,B) . A lguns minutos mais tarde, entretanto, as vesículas revestidas desapare- Lavagem da HRP extracelular; espera de 5 minutos Cavidades e vesículas encapadas contêm HRP Peroxidase de rabanete (HRP) a 5.9 Reciclagem local das vesículas sinápticas rrninais pré-sinápticos. (A) A enzima HRP introdu- a fenda sináptica é usada para seguir o destino mbrana recuperada da membrana plasmática váptica. A estimulação da endocitose por poten- e ação pré-sinápticos causa a captação da HRP entro dos terminais pré-sinápticos por um cami- ue inclui (B) vesículas revestidas e (C) endossomas. r fim, a HRP é encontrada em uma recém-forma- ícula sináptica. (E) Interpretação dos resultados dos em A-D. A fusão das vesículas com a mem- iregulada por Ca 2 +) é seguida por recuperação foca da membrana vesicular pelas vesículas reves- ! pelos endossomos e subsequente formação de vesículas sinápticas. (Heuser e Reese, 1973.) Exocitose 9 8 Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara & White ceram, e a HRP f o i encontrada em u m a organela diferente, o endossomo (Figura 5.9C). Por f i m , mais ou menos uma hora depois da estimulação, a reação da HRP f o i localizada dentro de vesículas sinápticas (Figura 5.9D). Essas observações ind icam que a vesícula sináptica é reciclada dentro do ter- m i n a l pré-sináptico por meio da sequência detalhada na Figura 5.9E. Nesse pro- cesso, denominado ciclo da vesícula sináptica, a membrana vesicular recuperada passa por diversos compart imentos intracelulares (vesículas revestidas e endos- somos) e é f inalmente usada para fazer novas vesículas. Depois de reconstituídas, as vesículas são armazenadas no citoplasma até que par t i c ipem novamente da liberação de neurotransmissores. Elas são mobil izadas, ancoradas na membrana pré-sináptica e preparadas para participar da exocitose em u m novo ciclo. Traba- lhos mais recentes, u t i l i zando marcadores fluorescentes em vez de HRP, p e r m i t i - r a m determinar o tempo nas etapas de reciclagem de vesículas sinápticas. Esses estudos ind icam que u m ciclo completo dura cerca de 1 m i n , sendo que a etapa de endocitose leva de 10 a 20 s. Como pode ser visto pelo atraso de 1 ms na trans- missão após a excitação da membrana pré-sináptica (veja Figura 5.6B), a etapa de fusão durante a exocitose é m u i t o mais rápida do que a de brotamento da endo- citose. Portanto, todas as etapas interpostas entre o brotamento da membrana e a subsequente fusão de u m a vesícula ocorrem inteiramente em menos de 1 m i n . Os precursores para vesículas sinápticas originalmente f o r a m produzidos no retículo endoplasmático e no aparelho de Golg i , no corpo neuronal . E m v i r t u d e da longa distância entre o corpo celular e o terminal pré-sináptico, na maioria dos neurónios, o transporte de vesículas d o soma não pe r mi t i r i a u m a rápida reposi- ção de vesículas durante a contínua at ividade neural . Portanto, a reciclagem lo- cal é bem adequada à anatomia peculiar dos neurónios, fornecendo aos terminais nervosos os meios para dar contínuo suplemento de vesículas sinápticas. Como poderia ser esperado, defeitos na reciclagem de vesículas causam distúrbios neu- rológicos graves, alguns dos quais são descritos no Quadro 5B. O papel do C a 2 + na secreção de neurotransmissores C o m o pôde ser percebido nos experimentos de Katz e e m outros descritos nas seções anteriores, a redução da concentração externa de C a 2 + na região pré-si- náptica de neurónios motores r e d u z i u o tamanho dos PPTs (compare as Figuras 5.6B e D ) . Além disso, a medida d o número quântico de neurotransmissores l ibe- rados nessas condições mostra que a razão de o PPT ter ficado menor é que a re- dução da concentração de C a 2 + d i m i n u i u o número de vesículas que se f u n d i r a m c o m a membrana d o t e r m i n a l . U m i m p o r t a n t e conceito para entender como o C a 2 + regula a fusão das vesículas sinápticas f o i a descoberta de que os terminais pré-sinápticos têm canais de C a 2 + sensíveis à vo l tagem e m suas membranas plas- máticas (veja Capítulo 4). A pr imeira indicação da existência de canais de C a 2 + f o i dada por Katz e Ricar- do M i l e d i . Eles observaram que os terminais tratados com tetrodotoxina (a qual bloqueia canais de N a + ; veja Capítulo 3) p o d e r i a m ainda gerar u m potencial de ação part icularmente prolongado. A explicação para esse achado surpreendente f o i que a corrente continuava a f l u i r através de canais de Ca 2 + , subst i tuindo pela corrente usual através dos canais de N a + . Experiências subsequentes por Rodolfo Llinás e outros, usando a fixação de voltagem em terminais gigantes de lula (Figu- ra 5.10A), conf i rmaram a presença de canais de C a 2 + dependentes de vol tagem no terminal pré-sináptico (Figura 5.10B). Essas experiências mostraram que a quan- tidade de neurotransmissor l iberado é m u i t o sensível à quantidade de C a 2 + que entra. O bloqueio desses canais com drogas também inibe a liberação de neuro- transmissores (Figura 5.10B, painéis à direita). Todas essas observações conf i rmam que canais de C a 2 + estão diretamente envolvidos na neurotransmissão. Portanto, potenciais de ação pré-sinápticos abrem canais de C a 2 + sensíveis à voltagem, resul- tando em u m i n f l u x o desse íon.
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