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Guias e Dicas
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Curso de Direito Processual Penal - Guilherme Madeira - 2016, Notas de estudo de Direito Processual Penal

2016, 2ª ed., conforme o novo CPC.

Tipologia: Notas de estudo

2016

Compartilhado em 12/12/2016

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Baixe Curso de Direito Processual Penal - Guilherme Madeira - 2016 e outras Notas de estudo em PDF para Direito Processual Penal, somente na Docsity! 2016 - 04 - 30 Curso de processo penal PRIMEIRAS PÁGINAS Curso DE Processo Penal Guabe Magia Dizom Coordenadores Darlan Barroso Marco Antonio Araujo Junior 2. ed. em e-book baseada na 2. ed. impressa “O desta edição e-book [2016] Enora REVISTA DOS TriguNais LIDA, Maisa Haras Diretora responsável Rua do Bosque, 820 - Barra Funda Tel TE 3638400 = Fax 11 3613-8450 CEP 61136-000 São Paulo, SP. Brasil TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Prodida a reprodução total ou parcial, poe qualquer meio cu processo, es. pecialmmente poe sisters gráficos, microicos, fotográficos, reprográficos, fonográicos, videogáficos Vedada a me- maização elo a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados, Essas poibições aplicam-se também às caracteváicas gráficas da oa e à sua cito A violação dos dieitos autorais é punível como crime ta. Ti e parágrafos, do Código Penal, com pena de prisão e mia, conjuntamente com busca e apreensão indenizações diversas fts 101 a TIO da Lei 9610, de 19.02.1998, Lei Coxa e Rsciorcuunto RT fatendlimento, em dias úteis, as Bs 17 horas) Tel. 0800.702-2433 email de atendimento ao consumidor sacra com br Visito nosso sit nn com br Universitário (to) Fechameno desta edição [22.01.2016 ISBN 976-85-203.6701.5 2016 - 04 - 30 © desta edição [2016] Curso de processo penal SOBRE O AUTOR GUILHERME MADEIRA DEZEM Doutor e Mestre em Direito Processual Penal pela USP. Professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie e no Damásio Educacional. Membro-fundador do Instituto de Estudos Avançados de Processo Penal – ASF. Juiz de Direito. Autor do blog [professormadeira.com]. Autor de outras obras pela Editora Revista dos Tribunais. 2016 - 04 - 30 © desta edição [2016] Curso de processo penal APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO É com grande satisfação que apresentamos a nova coleção de Cursos da Editora Revista dos Tribunais, com obras que reúnem o que há de mais importante para aqueles que buscam textos jurídicos de qualidade: de um lado o compromisso técnico e experiência dos Autores, e do outro a tradição e reconhecimento do mundo jurídico da excelência dos textos publicados pela RT. Houve grande preocupação dos Autores e coordenação na produção de textos com alta qualidade técnica, mas com elevada carga de didática, imprimindo a experiência que os Autores possuem na docência universitária e em cursos preparatórios de notoriedade. Temos a convicção que não adianta ao leitor – seja acadêmico ou profissional do Direito – deparar-se com textos extremamente rebuscados e de complexa compreensão das ideias. Nessa obra, o Professor Guilherme Madeira, mestre e doutor em Processo Penal, trata da disciplina de forma aprofundada, com vinculação teórica à prática, com análise da jurisprudência e das principais fontes doutrinárias, nacionais e estrangeiras, tudo isso em textos absolutamente didáticos, ao ponto de levar o leitor à impressão de que está tendo uma verdadeira aula. Além disso, o Autor transmite na Obra sua larga experiência como magistrado e o longo tempo de docência em cursos preparatórios e atuação acadêmica universitária. O Curso de Processo Penal, com certeza, agradará muito e será fonte de conhecimento aos acadêmicos da graduação e pós, concurseiros e profissionais do Direito que buscam atualização, técnica e didática sobre a disciplina. PROF. DARLAN BARROSO PROF. MARCO ANTONIO ARAUJO JUNIOR Coordenadores 2016 - 04 - 30 Curso de processo penal CAPÍTULO 1. PROCESSO PENAL: ENTRE O GARANTISMO E A EFICIÊNCIA Capítulo 1. Processo Penal: entre o garantismo e a eficiência O Direito Processual Penal, assim como o Direito Penal, representa grande concentração dos valores existentes em cada sociedade. É na forma como se lida com o poder-dever de punir e seu instrumento que se pode verificar se há efetivamente sociedade que respeita o Estado Democrático de Direito e os valores constitucionalmente fixados. Nesta ordem de situações, dois conceitos têm ganhado visibilidade modernamente: garantismo e eficiência do sistema. Saber o que significa e qual a relevância de cada um destes conceitos mostra-se relevante para a completa compreensão do fenômeno processual penal.1 Garantismo, na forma como conhecido modernamente é conceito que fora cunhado por Luigi Ferrajoli em sua obra Direito e Razão: teoria do garantismo penal,2 publicada inicialmente na Itália em 1989 e, no Brasil, sua primeira edição data de 2002. O garantismo consiste, em verdade, em um conjunto de premissas técnicas que envolvem o modo de pensar e atuar as ciências jurídicas, e, em especial, a ciência penal. Norberto Bobbio, no prefácio da primeira edição da obra afirma a tal respeito que: "Todo este amplo discurso se desenvolve de forma compacta entre a crítica dos fundamentos gnosiológicos e éticos do direito penal, em um extremo, e a crítica da práxis judicial de nosso país, em outro, afastando-se dos dois vícios opostos da teoria sem controles empíricos e da prática sem princípios, e sem perder jamais de vista, não obstante a multiplicidade dos problemas enfrentados e a riqueza da informação, a coerência das partes com o todo, a unidade do sistema, a síntese final".3 Para melhor compreender o que consiste o garantismo, deve-se verificar que o autor indica dez axiomas que se fazem necessários para que um sistema possa ser considerado garantista. Afirma o próprio autor que se trata de modelo-limite, jamais perfeitamente factível em uma sociedade. São eles: "1) princípio da retributividade ou da consequencialidade da pena em relação ao delito; 2) princípio da legalidade, no sentido lato ou no sentido estrito; 3) princípio da necessidade ou da economia do direito penal; 4) princípio da lesividade ou da ofensividade do evento; 5) princípio da materialidade ou da exteriorização da ação; 6) princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal; 7) princípio da jurisdicionalidade, também no sentido lato ou no sentido estrito; 8) princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação; 9) princípio do ônus da prova ou da verificação; 10) princípio do contraditório ou da defesa, ou da falseabilidade".4 Sustenta Ferrajoli que este modelo garantista (também chamado por ele de modelo de responsabilidade penal) é definido por meio destes 10 princípios e que eles são fruto do pensamento jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, concebidos que foram como limitações ao abuso do poder estatal, como limitações ao poder absoluto. Ao longo da obra o autor passará a esclarecer o conteúdo deste modelo garantista com suas diversas consequências. Não cabe, nos limites deste trabalho, a verificação exaustiva de cada uma das análises empreendidas pelo autor. Para melhor fixação do que significa efetivamente o garantismo, a citação de texto de Alberto Silva Franco se faz necessária: "No paradigma garantista, no entanto, o papel do juiz é inteiramente diverso. Conforme ensina Luigi Ferrajoli (O Direito Como Sistema de Garantias, p. 29/49, Revista do Ministério Público, n. 61, Lisboa), 'a sujeição do juiz à lei já não é de facto, como no velho paradigma juspositivista, sujeição à lei somente quando válida, ou seja, coerente com a Constituição. E a validade já não é, no modelo constitucionalista-garantista, um dogma ligado à existência formal da lei, mas uma sua qualidade contingente ligada à coerência - mais ou menos opinável e sempre submetida à valoração do juiz - dos seus significados com a Constituição. Daí deriva que a interpretação judicial da lei é também sempre um juízo sobre a própria lei, relativamente à qual o juiz tem o dever e a responsabilidade de escolher somente os significados válidos, ou seja, compatíveis com as normas constitucionais substanciais e com os direitos fundamentais por elas estabelecidos'".5 Contudo, há que se considerar que o Estado não se compromete tão somente com o estabelecimento de máximas garantias para os acusados em geral.6 Ocorre que a Constituição Federal também garante a todos, em uma série de artigos, o direito à segurança, por exemplo. Esta leitura, no sentido de que a Constituição Federal impõe deveres de garantia aos membros da sociedade brasileira não é comumente feita pela doutrina pátria, muito embora encontre respaldo já em decisões judiciais da Corte Europeia de Direitos do Homem. Além disso, também se tem como consequência que, quando noticiada a ocorrência de um crime, há o dever legal do Estado de investigar este crime e efetivar inquérito eficaz com processo que, respeitadas as garantias constitucionais, assegure a punição do responsável pelo crime.7 Importa, sim, que se tenha em mente na práxis diária a efetivação dos valores constitucionais, sob pena de a Constituição não passar de mera retórica a legitimar a barbárie. Assim temos que encontrar espaço para a compatibilização entre os tratados e convenções, a Constituição Federal e o Código de Processo Penal. Vale dizer: se um tratado dispuser de maneira distinta do que dispõe o Código de Processo Penal, o que deverá prevalecer? O Código de Processo Penal ou o Tratado? E se a incompatibilidade se der entre a Constituição Federal e o Tratado? 2.2.1. Constituição Federal, Tratados e o Código de Processo Penal Normas de direito processual penal existem não apenas no Código de Processo Penal. Também elas estão previstas em tratados e convenções internacionais e na Constituição Federal. Não raro estas normas podem entrar em conflito entre si: o CPP ou mesmo a CF podem apresentar uma disposição que esteja em conflito com tratado internacional. Surge a questão, então, de como compatibilizar estes conflitos (antinomias). O STF pacificou a questão no RE 466.343/SP, tendo também analisado no RE 349.703/RS e nos HC 87.585/TO, 92.566/SP e 96.772/SP distinguindo os tratados de direitos humanos conforme o rito que tenham adotado para sua incorporação no direito brasileiro. "Prisão Civil. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5.º, inc. LXVII e §§ 1.º, 2.º e 3.º, da CF, à luz do art. 7.º, § 7.º, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE 349.703 e dos HCs 87.585 e 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito" (RE 466343/SP, j. 03.12.2008 rel. Min. Cezar Peluso)." Isto porque a EC 45/2004 incluiu o § 3.º ao art. 5.º da CF que dispõe: "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais". Pela leitura da norma constitucional fica claro que, caso o tratado de direito humano tenha sido aprovado por 3/5 em ambas as casas do Congresso Nacional e em dois turnos, então terá força de Emenda Constitucional.4 Porém, ficava uma dúvida: e se o tratado não tivesse tido esta votação diferenciada, qual seria sua força? Após muita discussão, o STF assentou que, neste caso, a força seria supralegal, ou seja, superior às leis, mas inferior à Constituição Federal. No entanto, há posição minoritária que entende que estas normas tem status constitucional. É de se ressaltar, neste aspecto, a posição do relator do HC 96772/SP, Min. Celso de Mello, que entende que possuirão status constitucional as normas de tratados e convenções internacionais, ainda que não tenham passado por processo legislativo diferenciado. Concordamos com a posição apresentada pelo Min. Celso de Mello e também entendemos tais normas como tendo natureza constitucional independente do processo legislativo a que tenham sido submetidas. "Tratados Internacionais de Direitos Humanos: As suas relações com o direito interno brasileiro e a questão de sua posição hierárquica. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 7.º, n. 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana. Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções internacionais de direitos humanos (CF, art. 5.º e §§ 2.º e 3.º). Precedentes. Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade? Entendimento do relator, Min. Celso de Mello, que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos. A interpretação judicial como instrumento de mutação informal da constituição. A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea. Hermenêutica e Direitos Humanos: a norma mais favorável como critério que deve reger a interpretação do poder judiciário. Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. Aplicação, ao caso, do art. 7.º, n. 7, c/c o art. 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano" (HC 96.772/SP, j. 09.06.2009, rel. Min. Celso de Mello). Trata-se de posição minoritária que pode ser fundamentada no seguinte trecho de Flávia Piovesan: "Estes argumentos sustentam a conclusão de que o Direito brasileiro faz opção por um sistema misto disciplinador dos tratados. Este sistema misto caracteriza-se por combinar regimes jurídicos diferenciados: um regime aplicável aos tratados de direitos humanos e um outro aplicável aos tratados tradicionais. Enquanto os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos - por força do art. 5.º, §§ 1.º e 2.º - apresentam natureza de norma constitucional e aplicação imediata, os demais tratados internacionais apresentam natureza infraconstitucional e se submetem à sistemática da incorporação legislativa".5Desta forma, tem-se o seguinte quadro que resume as diversas posições existentes acerca da posição hierárquica dos tratados de direitos humanos: Norma Status Fundamento legal Posição Tratados de direitos humanos com procedimento diferenciado de votação Emenda Constitucional Art. 5.º, § 3.º, da CF Majoritária Tratados de direitos humanos sem procedimento de votação diferenciado Norma supra legal -------------- Majoritária Norma Constitucional Art. 5.º, § 2.º, da CF Minoritária A análise de determinada disposição legal é objeto de dupla filtragem: de um lado tem-se a análise tradicional do controle de constitucionalidade das leis, que consiste em verificar a compatibilidade entre a disposição legal e a Constituição Federal. No entanto, há outra filtragem a que nosso raciocínio jurídico não está acostumado, trata-se do chamado controle de convencionalidade das leis. O controle de convencionalidade das leis é o filtro que cuida da compatibilidade entre a legislação e as convenções de direitos humanos. A lição de Valério Mazzuoli é clara neste sentido: "à medida que os tratados de direitos humanos ou são materialmente constitucional (art. 5.º, § 2.º) ou material e formalmente constitucionais (art. 5.º, § 3.º) é lícito entender que o clássico 'controle de constitucionalidade' deve agora dividir espaço com esse novo tipo de controle ('de convencionalidade') da produção e aplicação da normatividade interna."6 O controle de convencionalidade pode ser vocalizado em duas ordens. Na ordem interna, o controle de convencionalidade pode ser feito tanto pelo STF quanto por qualquer juiz, de maneira que se assemelha ao controle de constitucionalidade. Na ordem internacional o controle de convencionalidade é feito pelo Tribunal Internacional de Direitos Humanos a que o país esteja submetido e, no caso brasileiro, é a Corte Interamericana de Direitos Humanos. O que sustento neste ponto é tema ainda controverso, qual seja, o de que a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos vincula o Brasil. Note-se neste ponto a extensão da minha afirmação. Caso o Brasil seja condenado pela CIDH, não há dúvidas de que esta sentença deva ser executada no Brasil. O que sustento é que, ainda que o Brasil não tenha sido parte no julgamento, este julgado tem força impositiva no Poder Judiciário local e deve ser observado pelos juízes do país. Este é o entendimento apresentado pela própria CIDH, levado a cabo, entre outros, no caso Almonacid Arellano e outros vs Chile: "124. La Corte es consciente que los jueces y tribunales internos están sujetos al imperio de la ley y, por ello, están obligados a aplicar las disposiciones vigentes en el ordenamiento jurídico. Pero cuando un Estado ha ratificado un tratado internacional como la Convención Americana, sus jueces, como parte del aparato del Estado, también están sometidos a ella, lo que les obliga a velar porque los efectos de las disposiciones de la Convención no se vean mermadas por la aplicación de leyes contrarias a su objeto y fin, y que desde un inicio carecen de efectos jurídicos. En otras palabras, el Poder Judicial debe ejercer una especie de "control de convencionalidad" entre las normas jurídicas internas que aplican en los casos concretos y la Convención Americana sobre Derechos Humanos. En esta tarea, el Poder Judicial debe tener en cuenta no solamente el tratado, sino también la interpretación que del mismo ha hecho la Corte Interamericana, intérprete última de la Convención Americana. 125. En esta misma línea de ideas, esta Corte ha establecido que "[s]egún el derecho internacional las obligaciones que éste impone deben ser cumplidas de buena fe y no puede invocarse para su incumplimiento el derecho interno."7 Esta regla ha sido codificada en el artículo 27 de la Convención de Viena sobre el Derecho de los Tratados de 1969." (Caso Almonacid Arellano y otros vs Chile, 26.09.2006). No Brasil esta concepção ainda encontra-se de maneira ambivalente, seja por parte da jurisprudência, seja por parte do próprio Poder Executivo. Estas ambivalências ficam claras quando se pensa nas decisões tomadas pela CIDH e na posição brasileira. Assim, por exemplo, o Poder Executivo brasileiro cumpriu apenas parte da condenação da CIDH no Caso Gomes Lund e outros vs Brasil. Foram criadas, por exemplo, as comissões da verdade, que foram objeto da condenação brasileira na Corte, mas não houve a revogação da Lei de Anistia como determinado na sentença. Ainda caminhamos com passos curtos para a efetivação dos direitos humanos na ordem interna e é preciso que se abandone esta postura ambivalente no trato de temática tão importante como esta. 2.3. Fontes do Processo Penal Falar em fontes exige imaginar a origem de algo.8 Vale dizer: falar em fontes do processo penal implica na busca pela origem das normas que regulam o processo penal. Neste sentido afirma Tércio Sampaio Ferraz que: "A questão da consistência (antinomias) e da completude (lacunas) do ordenamento visto como sistema aponta para o problema dos centros produtores de normas e sua unidade ou pluralidade. Se, num sistema, podem surgir conflitos normativos, temos que admitir que as normas entram no sistema a partir de diferentes canais, que, com relativa independência, estabelecem suas prescrições. Se são admitidas lacunas, é porque se aceita que o sistema, a partir de um centro produtor unificado, não cobre o universo dos comportamentos, exigindo-se outros centros produtores. São essas as suposições que estão por detrás das discussões em torno das chamadas fontes do direito".9 Embora a classificação das fontes do direito seja extremamente criticável, pois não revela o caráter unitário do direito, ela ainda é utilizada pela doutrina majoritária, de forma que será aqui também utilizada apenas por critério metodológico. Divide a doutrina clássica as fontes do direito em fontes formais (de cognição) e fontes materiais (fontes de produção).10 Fontes formais correspondem ao modo de expressão do direito processual penal. José Frederico Marques cita Battaglini em interessante passagem: "Fontes formais são os modos de expressão da norma jurídica positiva (...)".11 Já as fontes materiais são as chamadas fontes materiais, ou substanciais, novamente segundo a lição de Battaglini citado por José Frederico Marques "são as que constituem a matéria com que é atingido o conteúdo do preceito jurídico".12 Tratando de maneira simplificada, pode-se dizer em resumo: a) fontes formais: responde-se à pergunta sobre qual o veículo do direito (lei, decreto etc.); b) fontes materiais: responde-se à pergunta sobre quem produz o direito (União, Estados, Município). 2.3.1. Fontes materiais do Direito Processual Penal A Constituição Federal estabelece que compete à União, de maneira privativa, legislar sobre matéria processual. Neste sentido o art. 22, I, da CF: "Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho". Desta forma, sempre que um Estado legislar sobre matéria processual, haverá inconstitucionalidade, tendo em vista que a matéria processual é de competência privativa da União.13 Há três exceções em que se permite aos Estados legislar em matéria referente ao processo penal: a) Lei Complementar poderá autorizar o Estado a legislar sobre as matérias de competência privativa da União (art. 22, parágrafo único, da CF). Desta forma, em havendo Lei Complementar autorizante, poderá o Estado legislar sobre matéria de Direito Processual Penal; b) Há, ainda, possibilidade de legislação concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal em se tratando de: b1) direito penitenciário; b2) custas dos serviços forenses;14 b3) criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas; b4) procedimentos em matéria processual.15 Tais previsões encontram-se no art. 24, I, IV, X e XI, respectivamente, da CF; c) cabe ainda aos Estados, a teor do art. 125, § 1.º, da CF, a edição de lei de organização judiciária (em projeto de lei de iniciativa do Tribunal de Justiça). Assim, verifica-se que algumas regras podem ser extraídas da Constituição Federal: 1) competência para legislar sobre matéria processual: via de regra é privativa da União; 2) excepcionalmente pode haver competência delegada aos Estados; 3) os Estados podem legislar sobre procedimentos em matéria criminal. 2.3.2. Fontes formais do Direito Processual Penal Quanto a este tema, deve-se verificar que o veículo básico por meio do qual emerge a norma processual é a lei.16 Lei que deve ser considerada em sentido estrito,17 não sendo possível a criação de normas processuais penais por meio de medida provisória. Neste aspecto tem-se o disposto no art. 62, § 1.º, da CF, após a EC 32, de 2001, que é expresso ao dispor que: "§ 1.º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I - relativa a: b) direito penal, processual penal e processual civil". Certamente um dos grandes temas do direito atual é o controle de convencionalidade. Como leciona Valerio Mazzuoli, por controle de convencionalidade entende-se o processo de compatibilização vertical das normas domésticas com as convenções internacionais de Direitos Humanos.46 André de Carvalho Ramos esclarece que há dois tipos de controle de convencionalidade:47 a) controle de convencionalidade de matriz internacional (controle de convencionalidade autêntico ou definitivo) - atribuído a órgãos internacionais como é o caso da Corte Interamericana de Direitos Humanos. b) controle de convencionalidade de matriz nacional (provisório ou preliminar) - trata-se do exame da compatibilidade feito pelos juízes internos do Brasil. A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) desponta como intérprete último dos direitos humanos no sistema interamericano. A evolução do controle de convencionalidade na visão da CIDH pode ser vista a partir dos seguintes precedentes: a) Caso Almonacid Arellano e outros vs Chile - 2006 - surgimento da teoria no âmbito da CIDH em que fica estabelecido que o Poder Judiciário deve exercer o controle de convencionalidade entre as normas jurídicas internas que aplicam nos casos concretos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Também se estabelece que o Poder Judiciário local deve ter em conta não somente o tratado, senão também a interpretação que dele tem feito a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana; b) Caso Gómez Palomino vs Perú - 2005 - estabeleceu a CIDH que a análise da convencionalidade feita por ela e pelos juízes internos deve tomar por paradigma todo e qualquer tratado de direitos humanos e não apenas a Convenção Americana de Direitos Humanos. Neste caso temos a primeira vez que foi analisada a convencionalidade de outro tratado que não a Convenção Americana de Direitos Humanos. No caso, a Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas (Belém do Pará - 1994). c) Caso Gelman vs Uruguai - 2011 - estabeleceu a CIDH que todos os órgãos do Estado (incluídos os juízes e órgãos ligados à administração da justiça) tem a obrigação de exercer ex officio o controle de convencionalidade entre as normas internas e as Convenções de Direitos Humanos. O controle de convencionalidade quando vocalizado pela CIDH acaba por encontrar resistência no Brasil ou comportamento contraditório das autoridades, notadamente do STF, não raras vezes. Normalmente o escudo utilizado para a não aceitação das posições da CIDH é a soberania. Assim, valendo-se do conceito de soberania, os atores nacionais acabam por escolher quais posições da CIDH seguirão e quais não. A noção original de soberania está expressa no brocardo suprema potestas superiorem non recognoscens (poder supremo que não reconhece outro acima de si).48 Esta noção de soberania forma-se, em especial, com a paz de Westfalia, de 1648 que dá origem aos Estados soberanos. Com o surgimento destes Estados, tem-se então mudança em suas relações: de um lado, deveriam relacionar-se com seus súditos e, de outro, com outros Estados igualmente soberanos. Na lição clássica, a soberania pode ser analisada em sua manifestação interna e em sua manifestação externa e, como bem demonstrou Luigi Ferrajoli,ambas as manifestações estão indissociavelmente ligadas.49 Segundo Ferrajoli, é no plano da relação interna com seus súditos que se percebe a quebra no sentido clássico de soberania a partir da Revolução Francesa: o sentido absoluto e interno da soberania deixa de existir, ocorrendo progressiva limitação do poder estatal por meio das declarações de direitos fundamentais.50 No entanto, quanto mais se limitava o poder soberano no âmbito interno, mais se proclamava o Estado como absoluto no âmbito externo. Neste sentido, novamente, é a lição de Ferrajoli: "O estado de direito, internamente, e o estado absoluto, externamente, crescem juntos como os dois lados da mesma moeda. Quanto mais se limita - e, através de seus próprios limites, se autolegitima - a soberania interna, tanto mais se absolutiza e se legitima, em relação aos outros Estados e sobretudo em relação ao mundo "incivil", a soberania externa."51 Esta soberania externa se manteve praticamente intacta até o advento das Guerras Mundiais e o seu final, com o surgimento da ONU e da Declaração Universal dos Direitos do Homem e os sucessivos pactos que então surgiram. A partir do surgimento de regras que passam a limitar também a atuação externa dos Estados, tem-se aí outro ataque ao conceito clássico de soberania, agora em sua vertente externa. Novamente Ferrajoli: "Sua crise - agora o podemos afirmar, começa justamente, tanto na sua dimensão interna quanto naquela externa, no mesmo momento em que a soberania entra em contato com o direito, dado que ela é a negação deste, assim como o direito é a sua negação. E isso uma vez que a soberania é a ausência de limites e de regras, ou seja, é o contrário daquilo em que o direito consiste. Por essa razão, a história jurídica da soberania é a história de uma antinomia entre dois termos - direito e soberania -, logicamente incompatíveis e historicamente em luta entre si."52 © desta edição [2016] Em suma, o autor vê o nascimento e a morte do conceito de soberania (em sua dupla dimensão) de maneira concomitante ao próprio nascimento e ascensão do Estado de Direito. Esta ideia de limitação da soberania por força do direito mostra-se correta. No entanto, não se mostra correta a ideia de Ferrajoli de que não existe mais soberania no mundo atual. O que houve foi uma mudança em sua concepção. A crise no conceito de soberania conduz a uma mudança no paradigma de soberania. O paradigma anterior amparado na desconfiança, base para a sustentação de um poder ilimitado dos Estados, não se mostra mais como adequado e não corresponde à realidade mundial, sendo necessária sua superação. Deve-se superar o paradigma da desconfiança para que se caminhe em direção ao paradigma da confiança. Quando os Estados se colocavam de maneira absoluta em suas relações externas, colocavam-se como iguais e, por isso, conviviam em um mundo em que imperava a desconfiança. O diferente gerava em outro Estado automaticamente repúdio. Tome-se como exemplo o tema da cooperação jurídica internacional, a cooperação era facilitada entre Estados com sistemas jurídicos similares. Chegava-se mesmo a recusar a cooperação mediante e principalmente em virtude da "ordem pública" e, nesse quadro, o cumprimento de decisões executórias emitidas por um país em outro era algo impensável. No entanto, com a evolução das relações entre os Estados, a globalização houve a necessidade de mudança do paradigma. Estabeleceu-se um novo paradigma em que os Estados não atuariam mais com a desconfiança que era a base do modelo até então vigente. Vem de Peter Häberle a elaboração teórica deste novo modelo em oposição ao anterior. Em texto de 1977 referiu o surgimento daquilo que denominou de "Estado Constitucional Cooperativo". Para Häberle este Estado Constitucional Cooperativo é fundado e limitado juridicamente por meio de princípios constitucionais materiais e formais: "É o Estado no qual o (crescente) poder social também é limitado através da 'política de Direitos Fundamentais' e da separação social (por exemplo, 'publicista') de Poderes."53 Em suma, o Estado Constitucional Cooperativo está centrado no respeito aos direitos fundamentais,54 que é base para o desenvolvimento das relações jurídicas entre os diversos Estados. O novo paradigma da confiança conduz o Estado a ampliar seu alcance.55 No paradigma da desconfiança, um nacional poderia muito bem, em uma série de situações, conseguir "imunidade" por seus atos simplesmente cruzando a fronteira de seu país. Já no paradigma da confiança, os Estados prometem cooperar entre si de forma que este mesmo nacional já não mais está imune pelo simples atravessar de uma fronteira.56 Enfim o Estado Constitucional Cooperativo confia no sistema internacional e nos demais Estados.57 O fato de seu fundamento repousar no respeito aos direitos humanos facilita este mútuo reconhecimento e torna mais segura as bases de relacionamento entre os Estados que não mais possuem motivos para desconfiar de outros sistemas jurídicos. Este modelo de Estado não é um fim em si mesmo, nem se encontra pronto e acabado.58 O Estado Constitucional Cooperativo é um modelo a ser perseguido e que encontra vários desafios para sua implementação.59 2016 - 04 - 30 Curso de processo penal CAPÍTULO 3. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS Capítulo 3. Sistemas Processuais Penais Sumário: 3.1 Sistema - noção e importância 3.2 Sistema inquisitivo 3.3 Sistema acusatório 3.4 Sistema misto. 3.1. Sistema - noção e importância A utilização do termo sistema é marcada por confusão na doutrina e na jurisprudência brasileiras. Além de seu conteúdo polissêmico, normalmente parte-se diretamente ao estudo dos sistemas sem que se identifique, claramente, o que se pretende entender por sistema. Modernamente, uma das obras mais importantes a tratar do sistema e de seu conceito é a obra de Claus Wilhelm Canaris (Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito). Após analisar o conceito de sistema em vários autores, iniciando por Kant, afirma Canaris que: "Há duas características que emergiram em todas as definições: a da ordenação e a da unidade; elas estão, uma para com a outra, na mais estreita relação de intercâmbio, mas são, no fundo, de separar. No que respeita, em primeiro lugar, à ordenação, pretende-se com ela - quando se recorra a uma formulação muito geral, para evitar qualquer restrição precipitada - exprimir um estado de coisas intrínseco racionalmente apreensível, isto é, fundado na realidade. No que toca à unidade, verifica-se que este factor modifica o que resulta já da ordenação, por não permitir uma dispersão numa multitude de singularidades desconexas, antes devendo deixá-las reconduzir-se a uns quantos princípios fundamentais".1 Canaris apresenta conceito de sistema que, por se mostrar mais completo do que o de outros autores, é o conceito aqui seguido: sistema é toda "ordem axiológica ou teleológica de princípios jurídicos gerais".2 Desta forma, percebe-se a importância do conceito de sistema para a ciência do direito. Sem ele, tem-se tão somente um aglomerado de leis sem qualquer relação entre si, o que, à evidência, não é admissível. No Direito Processual Penal, este conceito de sistema fora aplicado e identificaram-se ao longo da história, basicamente, três grupos de sistemas. Embora haja discussão sobre sua classificação, tendo em vista os limites deste trabalho, serão apresentados ao leitor os três sistemas básicos: (a) sistema acusatório; (b) sistema inquisitivo e (c) sistema misto. Para que se possa deixar claro o raciocínio, deve-se entender que, no direito brasileiro, não há uniformidade de posições entre os autores de maneira clara.3 Podemos organizar dois grandes dilemas: (a) qual o sistema adotado no Brasil? (b) o que caracteriza cada sistema? Para facilitar a leitura abaixo das características de cada sistema, podemos organizar um quadro para a resposta às duas perguntas acima, da seguinte forma: Posição Majoritária Posição Minoritária Qual o sistema adotado no Brasil? Acusatório Misto O que caracteriza cada sistema Mais de um princípio Apenas um princípio Pelo quadro acima, percebe-se claramente a distinção havida na doutrina e na jurisprudência brasileiras. Percebe-se que a posição majoritária entende que o sistema adotado pelo Brasil é o sistema acusatório, e vários são os princípios que caracterizam este sistema.4 De outro lado, tem-se a posição minoritária, que vê o sistema misto como o adotado no Brasil e, também, caracterizado por apenas um princípio vetor. É importante tomar cuidado, pois não necessariamente os defensores de uma posição são os mesmos da outra. Ao final deste tópico, haverá novamente outro quadro mais completo, com os defensores de cada uma das posições. Vejamos, agora, as principais noções sobre cada sistema. 3.2. Sistema inquisitivo © desta edição [2016] Tourinho Filho17 Sistema acusatório X Aury Lopes Júnior Sistema (neo)inquisitivo X Guilherme Nucci Sistema misto X Eugênio Pacelli de Oliveira18 Sistema acusatório X Gustavo Badaró19 Sistema misto X 2016 - 04 - 30 Curso de processo penal CAPÍTULO 4. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL Capítulo 4. Princípios do Processo Penal 4.1. Princípios - noção e importância O pensamento sistemático impõe que o raciocínio jurídico seja feito com base em princípios, e, não, apenas em normas penais. A importância dos princípios para o sistema é fundamental. Com efeito, é por meio dos princípios que a interpretação e a aplicação do direito devem ser orientadas. Metodologicamente, o ideal seria que cada princípio fosse apresentado quando do estudo da matéria diretamente a ele relacionada. Contudo, a fim de facilitar o estudo, são apresentados, neste capítulo, os mais importantes princípios que regem o processo penal e, posteriormente, em cada capítulo serão apresentados outros relacionados ao tema específico que estiver em estudo. A distinção entre princípios e regras é, seguramente, um dos temas mais controversos dentro da filosofia do direito. Embora não seja o objetivo desta obra, cumpre indicar, ao menos, um critério de diferenciação entre princípios e regras. Várias são as escolas e posições sobre esta diferenciação. No Brasil, temos duas grandes linhas de autores que influenciam a doutrina. De um lado, tem-se a posição de Robert Alexy e, de outro, a posição de Humberto Ávila. Para Robert Alexy, os princípios são mandamentos de otimização (Optimierungsordnung), enquanto as regras "expressam deveres definitivos e são aplicadas por meio de subsunção".1 Neste sentido, afirma Virgílio Afonso da Silva que: "Alexy divide as normas jurídicas em duas categorias, as regras e os princípios. Essa divisão não se baseia em critérios como generalidade e especialidade da norma, mas em sua estrutura e forma de aplicação. Regras expressam deveres definitivos e são aplicadas por meio de subsunção. Princípios expressam deveres prima facie, cujo conteúdo definitivo somente é fixado após o sopesamento com princípios colidentes. Princípios são, portanto, 'normas que obrigam que algo seja realizado na maior medida do possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas'; são, por conseguinte, mandamentos de otimização".2 Já para Humberto Ávila: "As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte e nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos". Já os princípios são: "normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação demandam uma avaliação da correção entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção".3 Passemos agora à análise dos principais princípios atinentes ao processo penal. Antes, porém, um alerta se faz necessário: não é correto imaginar-se a aplicação isolada dos princípios. Via de regra, eles se entrelaçam, formando um todo único no sistema protetivo, mas a explicação isolada se dá por questões metodológicas, para facilitar o estudo. 4.2. Princípio da ampla defesa Este princípio vem formalmente reconhecido pela Constituição Federal, que no art. 5.º, LV, dispõe que: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". O princípio da ampla defesa se manifesta em duas vertentes: (a) a autodefesa, também chamada de defesa pessoal e (b) defesa técnica.4 Vejamos cada uma dessas duas manifestações de maneira mais ampla. 4.2.1. Autodefesa A autodefesa manifesta-se, basicamente, por meio de três aspectos: (a) direito de audiência; (b) direito de presença e (c) direito de postular pessoalmente.5 O direito de audiência corresponde ao direito que o acusado tem de apresentar para o juiz da causa a sua defesa. Ensina a este respeito Antonio Scarance Fernandes: "consiste no direito que tem o acusado de, pessoalmente, apresentar ao juiz da causa a sua defesa. Isso se manifesta por meio do interrogatório, sendo este o momento adequado para o acusado, em contato direto com o juiz, trazer a sua versão a respeito do fato da imputação".6 O direito de presença significa que o acusado tem o direito de acompanhar todos os atos processuais juntamente com seu defensor. Neste sentido já decidiu o STF: "O acusado tem o direito de comparecer, de presenciar e de assistir, sob pena de nulidade absoluta, aos atos processuais, notadamente àqueles que se produzem na fase de instrução do processo penal, que se realiza, sempre, sob a égide do contraditório. São irrelevantes, para esse efeito, as alegações do Poder Público concernentes à dificuldade ou inconveniência de proceder ao custeio de deslocamento do réu militar, no interesse da Justiça, para fora da sede de sua Organização Militar, eis que razões de mera conveniência administrativa não têm - nem podem ter - precedência sobre as inafastáveis exigências de cumprimento e de respeito ao que determina a Constituição. Doutrina. Jurisprudência. - O direito de audiência, de um lado, e o direito de presença do réu (civil ou militar), de outro, esteja ele preso ou não, traduzem prerrogativas jurídicas essenciais que derivam da garantia constitucional do "due process of law" e que asseguram, por isso mesmo, ao acusado o direito de comparecer aos atos processuais a serem realizados perante o juízo processante, ainda que situado este em local diverso daquele da sede da Organização Militar a que o réu esteja vinculado. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos/ONU (art. 14, n. 3, d); Convenção Americana de Direitos Humanos/OEA (art. 8º, § 2.º, d e f); e Dec. 4.307/2002 (art. 28, I). Essa prerrogativa processual reveste-se de caráter fundamental, pois compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal, seja perante a Justiça Comum, seja perante a Justiça Militar. Precedentes." (STF, HC 111.567/AgR/AM, j. 05.08.14, rel. Min. Celso de Mello). O direito de postular pessoalmente significa que o acusado pode praticar alguns atos pessoalmente, sem a necessidade de se fazer representar por defensor. A seu respeito afirma Scarance Fernandes que o acusado pode: "interpor recursos, impetrar habeas corpus, formular pedidos relativos à execução da pena, como o pedido para a progressão de regime".7 A autodefesa não é absoluta. Com isto queremos dizer que não pode o acusado praticar qualquer conduta e pretender justificar seu ato com fundamento na autodefesa. Assim, não pode o acusado mentir na sua qualificação no interrogatório e querer usar a autodefesa como fundamento de sua conduta conforme a Súmula 522 do STJ - "A conduta de atribuir-se falsa identidade perante a autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa." A autodefesa é renunciável, podendo o acusado dela abrir mão.8 Assim, por exemplo, poderá o acusado confessar o delito ou requerer que não seja levado para o julgamento perante o Tribunal do Júri nos termos do art. 457, § 2.º, do CPP. Neste sentido a jurisprudência entende que se o acusado se recusa a ir para a audiência, não haverá nulidade: "2. Pacientes devidamente intimados e requisitados, recusaram-se a sair do presídio onde estavam recolhidos e a comparecer à audiência de instrução, o que atrai o disposto no art. 565 do Código de Processo Penal." (STJ, HC 87875/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 10.02.15). Já a defesa técnica é irrenunciável, devendo o acusado ser sempre assistido por profissional legalmente habilitado,9 conforme se depreende do art. 261 do CPP que estabelece que nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor. 4.2.1.1. Autodefesa e acusado estrangeiro Para que a autodefesa possa ser ampla como determina o Texto Constitucional, há um especial requisito a ser observado em se tratando de acusado que não fale o idioma nacional. Conforme dispõe o art. 8.º, 2, a, do Pacto de São José da Costa Rica: "direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal". Vale dizer: acusado estrangeiro tem direito à tradução dos termos e atos do processo, sob pena de transformar-se a autodefesa em verdadeiro arremedo, farsa. Ou o acusado tem o direito de conhecer exatamente aquilo que se passa no processo, ou então a autodefesa será violada. O próprio STJ, neste caso, entende que é necessária a tradução das peças processuais caso se trate de réu estrangeiro que não fale o idioma nacional: "2. No caso, não obstante a prisão ter se dado em 19.06.10, trata-se de feito complexo - que apura a ocorrência de associação para o tráfico e tráfico internacional de entorpecentes -, com 7 (sete) réus, em sua maioria estrangeiros de nacionalidade sérvia e croata, que não falam o idioma português, motivo pelo qual foi necessária a tradução da peça acusatória para repetição da notificação para apresentação de defesa preliminar. Ademais, além de vários pedidos de liberdade terem sido analisados minuciosamente pelo Juízo de primeiro grau, a ação vem tramitando de forma regular e houve a necessidade de expedição de cartas precatórias para intimação dos réus custodiados fora do distrito da culpa, inclusive, o paciente." (STJ, HC 195.923/RS, 6.ª T., j. 02.06.2011, rel. Min. Og Fernandes). Também entendeu o STJ que se o próprio réu declara ser capaz de conhecer o idioma em que será interrogado, não há necessidade de nomeação de tradutor: "É desnecessária a nomeação de tradutor ao interrogando quando ele próprio declara entender o idioma do local onde será interrogado." (HC 92.726/RS, j. 13.12.2007, rel. Min. Jane Silva). 4.2.2. Defesa técnica reconoce. Por consiguiente, la tolerancia del Estado a circunstancias o condiciones que impidan a los individuos acceder a los recursos internos adecuados para proteger sus derechos, constituye una violación del artículo 1.1 de la Convención" Assim, a existência de custas judiciais no âmbito do processo penal, por exemplo, não significa por si só violação do direito de acesso à justiça. Os óbices à tutela jurisdicional somente tornam-se ilegítimos quando não há nenhum mecanismo alternativo para superação deste óbice. A existência do benefício da assistência judiciária gratuita é mecanismo que garante o acesso à justiça para aqueles que não podem custeá-la. Do ponto de vista convencional o Brasil submete-se neste ponto a dois instrumentos: a) Carta de Direitos das Pessoas perante a Justiça no Espaço Judicial Ibero-Americano (Cancun, 2002) e, mais especificamente, b) 100 regras de Brasília. As "100 Regras de Brasília" foram adotadas em 06.03.2008 na XIV Cúpula Judicial Ibero-americana. Conhecidas como "100 Regras de Brasília" na verdade seu nome completo e que dá a tônica é "100 regras de Brasília sobre acesso à justiça das pessoas em condição de vulnerabilidade". O objetivo destas regras é o de garantir as condições de acesso efetivo à justiça das pessoas em condição de vulnerabilidade, sem discriminação alguma. Engloba, para tanto, conjunto de políticas, medidas, facilidades e apoios que permitam que as referidas pessoas usufruam do pleno gozo dos serviços do sistema judicial. Para fins das regras as pessoas em situação de vulnerabilidade são as pessoas que, por razão da sua idade, gênero, estado físico ou mental, ou por circunstâncias sociais, econômicas, étnicas e/ou culturais, encontram especiais dificuldades em exercitar com plenitude perante o sistema de justiça os direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico. As pessoas em condição de vulnerabilidade merecem especial atenção por parte dos sistemas legislativos e judicial. As causas de vulnerabilidade são, segundo as regras de Brasília: a) a idade; b) a incapacidade; c) a pertença a comunidades indígenas ou a minorias; d) a vitimização; e) a migração e o deslocamento interno; f) a pobreza, g) ou gênero e h) a privação de liberdade. No entanto, a concreta determinação das pessoas em condição de vulnerabilidade em cada país dependerá das suas características específicas, ou inclusive do seu nível de desenvolvimento social e econômico. É dizer, não basta apenas a incidência das circunstâncias para que sejam considerados vulneráveis, é preciso a análise da circunstância concreta. 4.4. Princípio do contraditório Este princípio vem formalmente reconhecido pela Constituição Federal que, no art. 5.º, LV, dispõe que: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Clássica é, entre nós, a definição apresentada por Joaquim Canuto Mendes de Almeida: contraditório é a "ciência bilateral dos atos e termos do processo e a possibilidade de contrariá-lo".14 Por meio deste conceito, exprimiu Canuto os elementos integrantes do contraditório: necessidade de informação e possibilidade de reação.15 Posteriormente, evoluiu-se nesta visão de contraditório. De mera possibilidade de reação, passou-se à ideia de que deve haver contraditório efetivo para que a promessa constitucional se efetive aos litigantes em geral. Esclarecedora, ainda, é a lição de Teresa Armenta Deu: "Este princípio resume-se na frase 'ninguém pode ser condenado sem ser ouvido e vencido em juízo', constitui um dos grandes avanços na erradicação de uma justiça primária ou inquisitorial".16 Ainda, não se pode perder de vista que o princípio do contraditório fora erigido por Luigi Ferrajoli como um dos dez axiomas necessários para a verificação do modelo garantista. Escolhe o autor como décimo axioma: "A 10 - Nulla probatio sine defensione (princípio do contraditório, ou da defesa, ou da falsificação)".17 A maioria da doutrina vê o princípio do contraditório com abrangência tão somente perante a fase processual18 (seja em processo judicial, seja em processo administrativo). Ainda, é discutível se o contraditório deve incidir sobre alegações de fato e de direito ou apenas sobre alegações de direito. Guilherme Nucci entende que apenas de maneira excepcional poderá o contraditório incidir sobre matéria de direito. Nesse sentido, afirma que: "Excepcionalmente, o contraditório deve ser exercitado quando houver alegação de direito. Nesse caso, deve-se verificar se a questão invocada pode colocar fim à demanda. Exemplo disso é a alegação de ter havido abolitio criminis (quando a lei nova deixa de considerar crime determinada conduta), que deve provocar a oitiva da parte contrária, pois o processo pode findar em função da extinção da punibilidade. No mais, se uma parte invoca uma questão de direito, não há sempre necessidade de ouvir a parte contrária, bastando que o juiz aplique a lei ao caso concreto".19 Discordamos da posição apresentada pelo autor. O contraditório não encontra limitação quanto ao seu conteúdo e, por isso, deve ser aplicado tanto às hipóteses de fato quanto às hipóteses de direito. Neste sentido é a lição do jurista português Germano Marques da Silva: "Este princípio [contraditório] traduz o direito que tem a acusação e a defesa de se pronunciarem sobre as alegações, as iniciativas, os actos ou quaisquer atitudes processuais de qualquer delas".20 Há situações em que o contraditório pode ser limitado. Estas limitações ligam-se à própria natureza da medida a ser tomada com contraditório restringido. Explico melhor. Quando é requerida a determinação de interceptação telefônica não se intima a parte contra quem a medida será tomada para se manifestar sobre ela. É que caso isto acontecesse, evidentemente a medida perderia sentido, pois ninguém falaria ao telefone sabendo que ele está sendo monitorado. Porém não apenas em situações em favor da investigação é que se restringe o contraditório. Também para favorecer a defesa há esta limitação como é o caso da concessão de liminares em HabeasCorpus. Concede-se a liminar sem que a acusação seja ouvida. No entanto, o contraditório é um imperativo e, nestes casos incidirá após a tomada de decisão naquilo que ficou conhecido como contraditório postergado ou diferido. Assim, a defesa se manifestará sobre a interceptação telefônica e a acusação sobre a liminar em Habeas Corpus posteriormente. Assim, em resumo, temos: a) em regra o contraditório não pode ser limitado; b) há limitação quanto ao contraditório no inquérito policial e c) para as demais hipóteses poderá haver limitação do contraditório quando ele, contraditório, for incompatível com a natureza da medida. Nestas hipóteses sua incidência se dará posteriormente ao ato com o chamado contraditório diferido. Há, em matéria criminal, basicamente duas súmulas do Supremo Tribunal Federal envolvendo o tema do contraditório. Assim, tem-se: Súmula 523: "No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu"; Súmula 701: "No mandado de segurança impetrado pelo ministério público contra decisão proferida em processo penal, é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo". De se notar que são súmulas semelhantes às mencionadas quando do princípio da ampla defesa, tendo em vista a aproximação dos princípios. 4.5. Princípio do devido processo legal O princípio do devido processo legal é largamente estudado entre nós e encontra na obra de Maria Rosynete Oliveira Lima um dos mais aprofundados estudos feitos.21 Seu fundamento constitucional está no art. 5.º, LIV: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Seu surgimento se dá com a Magna Carta de 1215, mais especificamente em seu Capítulo 39, que em tradução do latim feita pela autora acima mencionada assim se dá: "nenhum homem livre será detido ou preso ou tirado de sua terra ou posto fora da lei ou exilado ou, de qualquer outro modo destruído (arruinado), nem lhe imporemos nossa autoridade pela força ou enviaremos contra ele nossos agentes, senão pelo julgamento legal de seus pares ou pela lei da terra".22 Reconhece-se tradicionalmente que a expressão "lei da terra" é o antecedente histórico da "expressão consagrada pelo direito norte- americano: due process of law".23 O devido processo legal tem, em verdade, duplo aspecto: (a) há o âmbito processual, também chamado de devido processo legal procedimental; (b) há o âmbito substancial, também chamado de devido processo legal substancial (ou material ou substantivo). Aspecto procedimental - O devido processo legal procedimental consiste na interpretação mais tradicional feita entre nós: Maria Rosynete Oliveira Lima afirma que "devido processo legal processual, procedimental, ou adjetivo significa, basicamente um procedimento ordenado. Assim, o aplicador do Direito deve estar atento para não atingir quaisquer dos interesses protegidos pela garantia, sem antes trilhar por certos caminhos".24 Aspecto substancial - O devido processo legal, em seu aspecto substancial (material), novamente pelas lições de Maria Rosynete Oliveira Lima, "significa que o Estado não pode, a despeito de observar a sequência de etapas em um dado procedimento, privar arbitrariamente os indivíduos de certos direitos fundamentais. Exige-se razoabilidade da restrição".25 É de se notar que seu surgimento, originariamente, não é ligado ao Direito Penal ou ao Direito Processual Penal. Surge, em verdade, a partir de decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos, desde o século XIX e significa que "existem alguns direitos substantivos que, por serem fundamentais, não podem ser violados por meio de qualquer processo, por mais justo e razoável que seja".26 De se destacar, quanto a tal origem, que começa a ser discutido no caso Calder v. Bull, objeto de julgamento em 1798, em que se discutia sobre os limites dos atos legislativos. Ainda sobre o aspecto substancial, manifesta-se Scarance Fernandes, com apoio em Rogério Lauria Tucci: "A doutrina vai além, deixando de circunscrever a garantia a âmbito estritamente processual, para dar-lhe uma feição substancial. Exige-se um 'processo legislativo de elaboração de lei previamente definido e regular, bem como razoabilidade e senso de justiça de seus dispositivos, necessariamente enquadrados nas preceituações constitucionais'".27 Há autores que veem no devido processo legal aspecto particular quando aplicado ao processo penal e lhe dão o nome de devido processo penal. Neste sentido, afirma Rogério Lauria Tucci que: "Estes, por sua vez, e como tivemos oportunidade de demonstrar, constituem, na força de sua conjunção, em sede penal, o devido processo penal, designação apropriada (como tal, dotada de rigor técnico) à sua verificação em particularizado campo processual de aplicação. Explica-o, com acuidade e precisão, Pedro J. Bertolino, ao asserir a possibilidade da 'especificidad penal de la garantia constitucional del debido processo'; e complementando, verbis: 'Claro está que la denominación de penal adscripta à la garantia menta, por cierto, el modo corriente com el cual se indica al derecho que em el proceso respectivo se actúa. Este es, digámoslo así, el sentido más apropriado y riguroso de la denominación'".28 Esta particular noção de devido processo penal é acompanhada, também, por Antonio Scarance Fernandes, que afirma que "nesse quadro amplo, insere-se o devido processo penal, que abrange as mesmas garantias de outros processos, vistas em face do processo penal".29 De se destacar que muitos autores veem no devido processo legal aspecto mais amplo do que o simples aspecto procedimental e material. Em verdade, para tais autores, constitui-se em verdade cláusula de segurança, na medida em que, na eventual ausência de algum princípio formalmente no sistema, poderá ele ser visto como decorrência do devido processo legal. A tal respeito, manifestam-se Alberto Silva Franco e Maurício Zanoide: "O devido processo legal, porém, ainda é 'cláusula de segurança' para o sistema de garantias processuais penais previstas na Constituição Federal, uma vez que é nele que se irá buscar eventual princípio do qual o sistema jurídico sinta falta para sua melhor realização e que não esteja (ainda) expressa e individualmente normatizado".30 Variadas têm sido as manifestações dos tribunais acerca da incidência do princípio do devido processo legal. Vejamos algumas incidências. Em primeiro lugar, a jurisprudência dos tribunais superiores não aceita mais a alegação genérica de violação do devido processo legal. É preciso que os princípios sejam levados a sério, de forma que a alegação genérica de violação do devido processo legal não tem sido admitida: "Os princípios da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e os limites da coisa julgada, quando debatidos sob a ótica infraconstitucional, revelam violação reflexa e oblíqua da Constituição Federal, decorrente da necessidade de análise de malferimento de dispositivo infraconstitucional, o que torna inadmissível o recurso extraordinário" (STF, ARE 866518 ED/PR, Rel. Min. Luiz Fux, j. 17.03.15). Entendeu o STF haver violação direta do devido processo legal quando o paciente impetra de próprio punho o habeas corpus e solicita a intervenção da Defensoria Pública e o pedido sequer é analisado: "O paciente postulou a assistência judiciária da Defensoria Pública da União, ao impetrar habeas corpus perante o STJ, de próprio punho. Pedido que não foi examinado pela autoridade apontada como coatora. O que viola as garantias constitucionais do devido processo legal e da 'assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos' (...)." (HC 90.423, 1.ª T., j. 1.º.12.2009, rel. Min. Carlos Britto, DJE 12.02.2010.) Embora o tema seja controverso na jurisprudência, há bela passagem de acórdão da lavra do Min. Marco Aurélio que merece citação: "O simples fato de olvidar-se elemento próprio ao devido processo legal gera a presunção de prejuízo, que, depois de prolatada decisão condenatória, fica certificado mediante instrumento público formalizado pelo Judiciário." (HC 96.864, 1.ª T., j. 20.10.2009, rel. Min. Cármen Lúcia, rel. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, DJE 18.12.2009) A questão do prejuízo em sede de nulidades no processo penal é extremamente controversa e sobre ela falamos no capítulo das nulidades. No entanto, merece indicação e reafirmação a fala do Min. Marco Aurélio: a ausência de observância do devido processo legal é comprovada pela sentença condenatória. 4.6. Princípio da dignidade da pessoa humana Este princípio constitui-se um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Seu significado jurídico é servir de orientação para a forma de aplicação e interpretação de todo o sistema legal, inclusive quanto aos outros princípios. Dispõe o art. 1.º, III, da CF/1988: "Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana". A seu respeito, leciona o constitucionalista português J.J. Gomes Canotilho: "O que é ou que sentido tem uma república baseada na dignidade da pessoa humana? A resposta deve tomar em consideração o princípio material subjacente à ideia de dignidade da pessoa humana. Trata-se do princípio antrópico que acolhe a ideia pré-moderna e moderna da dignitas - hominis (Pico della Mirandola) ou seja, do indivíduo como formadora de si própria e da sua vida segundo seu próprio projeto e espiritual (plastes et fictor). Perante as experiências históricas da aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos), a dignidade da pessoa humana como base da república significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da república".31 A dignidade da pessoa humana encontra previsão constitucional em uma série de dispositivos. Assim temos: a) dignidade da pessoa humana - Art. 1.º, III da CF - Fundamento do Estado Democrático de Direito; 4.8. Princípio da duração razoável do processo O princípio da duração razoável do processo encontra-se, atualmente, previsto no art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988 e possui a seguinte redação: "LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". 4.8.1. Origem É de se notar que antes mesmo da EC 45/2004 já se discutia acerca da existência deste princípio no sistema processual brasileiro. Neste sentido, afirmara Fauzi Hassan Choukr que: "Apoiando tal entendimento, é de ser visitada a norma do art. 7.º, § 5.º, da Convenção lnteramericana sobre Direitos Humanos, que determina que os processos devem terminar dentro de um prazo razoável. A noção de razoabilidade no caso em estudo é da pena mínima aplicada, sobretudo pela feição humanitária que encerra".39 No mesmo sentido, afirmam Aury Lopes Jr. e Gustavo Henrique Badaró: "Esse direito fundamental já estava expressamente assegurado nos arts. 7.5 e 8.1 da CADH, recepcionados pelo art. 5.º, § 2.º, da Constituição. Assim, a EC 45, de 30 de dezembro de 2004, não inovou em nada com a inclusão do inc. LXXVIII no art. 5.º".40 Embora concordemos que do ponto de vista material não representou a inclusão de referido inciso ao art. 5.º, verdadeira novidade, o fato é que do ponto de vista formal, fora ela extremamente importante. Isto porque, a partir de então, não mais se pode utilizar de qualquer subterfúgio retórico para o não reconhecimento desta verdadeira garantia ao indivíduo, agora de natureza induvidosamente constitucional: o direito a ser julgado em um prazo razoável. 4.8.2. Noção e critérios Tendo em vista que o dispositivo constitucional é escrito de maneira vaga (utilizando-se da expressão "razoável duração do processo"), há discussões acerca do que efetivamente possa ser considerado como duração razoável. Inclusive, é comum em sede doutrinária que se diga que a legislação brasileira utilizou-se da doutrina do "não prazo", que significa que não há a fixação constitucional do que se entenda por prazo razoável. Por conta disto, mostra-se fonte importante para tal análise a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, vez que nossa jurisprudência ainda é escassa quanto ao que integra o conteúdo da razoável duração do processo. Foi com o caso Wemhoff (com sentença datada de 27.06.1968)41 que se iniciou a definição de certos critérios sobre o que seria considerado como duração indevida do processo. Estabeleceu-se, então, a chamada doutrina dos três critérios sobre o tema. Há três critérios que devem ser considerados para a verificação da indevida duração do processo:42 1) complexidade do caso; 2) conduta processual do acusado; 3) conduta das autoridades judiciárias. Assim, para que se avalie se determinado processo encontra-se com sua duração fora de razoabilidade, deve-se perquirir através destes três critérios e, a depender das respostas, haverá ou não falta de razoabilidade na duração do processo (estes critérios têm sido tradicionalmente invocados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos). De se destacar que esta doutrina do não prazo contrapõe-se à doutrina do prazo fixo, em que é estabelecido prazo determinado para o encerramento do processo. Não é o caso brasileiro, embora haja algumas exceções, em que a legislação fixa o prazo para o encerramento da instrução (como era o caso da revogada Lei 9.034/1995, que tratava do crime organizado) ou mesmo atualmente no CPP que prevê, no procedimento do júri, que a primeira fase deva ser encerrada em 90 dias (art. 412 do CPP). É curioso notar, contudo, que mais do que o reconhecimento da necessidade de que o processo tenha duração razoável, é necessário que se estabeleça adequadamente sistema de sanções para o caso de violação da norma constitucional, sob pena de se tornar completamente ineficaz o sistema de garantias constitucionais. Vale dizer: a falta de adequadas sanções pode inviabilizar por completo o comando constitucional. Neste sentido, verifica-se que somente há uma efetiva sanção prevista doutrinaria e jurisprudencialmente para o caso de excesso de prazo: trata-se do processo em que o réu se encontre preso. Nesta situação, a prisão que se origina legal torna-se ilegal, havendo necessidade de seu relaxamento. Contudo, não há a previsão de qualquer sanção para o processo em que o réu se encontre solto e esteja a demorar além do razoável. Parece, então, que a norma constitucional somente seria direcionada para o processo com réu preso, o que não pode ser aceito como interpretação razoável. Por conta disso, deve o legislador estabelecer sanções para o caso de o processo demorar além do razoável, mesmo nos casos em que o réu se encontre solto, na medida em que se possa concretizar, adequadamente, o mandamento constitucional. Este princípio foi tratado, também, no capítulo relativo às medidas cautelares pessoais quando do estudo dos princípios norteadores das medidas cautelares pessoais. 4.9. Princípio da economia processual O princípio da economia processual foi bem explicado por Rui Portanova, que afirma que "os processualistas perseguem o ideal de uma justiça barata, rápida e justa. A busca de processo e procedimentos tão viáveis quanto enxutos, com um mínimo de sacrifício (tempo e dinheiro) e de esforço (para todos os sujeitos processuais), interessa ao processo como um todo (...)".43 Contudo, é importante notar que este princípio deve ser adequadamente pensado em sede de Direito Processual Penal. Não se pode levar este princípio jamais de forma a limitar direitos e garantias individuais, sob pena de se permitir que o fator econômico prepondere sobre a liberdade do indivíduo. Assim, tem-se como ótimo exemplo de aplicação do princípio, que não viola os direitos e garantias individuais, o previsto no art. 355, § 1.º, do CPP, que dispõe acerca da carta precatória para citação e seu caráter itinerante: "Verificado que o réu se encontra em território sujeito à jurisdição de outro juiz, a este remeterá o juiz deprecado os autos para efetivação da diligência, desde que haja tempo para fazer-se a citação". Da mesma forma, o art. 580 do CPP, que dispõe acerca do efeito extensivo dos recursos: "No caso de concurso de agentes (Código Penal, art. 25), a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros". O Código de Processo Penal não prevê expressamente este princípio, mas sua aplicação decorre da leitura constitucional de diversos princípios. Neste sentido, afirma Guilherme Nucci que "a edição da EC 45/2004 (Reforma do Judiciário) tornou o princípio explícito, dentre as garantias individuais, passando a figurar no art. 5.º, LXXVIII (...)" (artigo que trata da duração razoável do processo).44 É de se notar que, também em nível infraconstitucional, algumas legislações preveem expressamente a aplicação deste princípio, como é o caso do art. 2.º da Lei 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais), que dispõe que: "Art. 2.º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação". 4.10. Princípio da iniciativa das partes Este princípio significa que cabe à acusação a iniciativa de movimentação do Poder Judiciário, não podendo o magistrado dar início ao processo de ofício. Assim, caberá tanto ao Ministério Público (nos casos de ação penal pública), quanto ao particular (nos casos de ação penal pública de iniciativa privada), a decisão pela promoção da ação. Este princípio não encontra previsão expressa no sistema legal, mas, sim, previsão implícita. Neste sentido é a posição de Guilherme Nucci, que afirma que a previsão implícita decorre do quanto previsto nos arts. 129, I, e 5.º, LIX, da CF/1988.45 Tal princípio é manifestação do sistema acusatório que, como esclarecido no sistema anterior, implica na necessária separação entre as funções de julgar, acusar e defender. Afinal de contas, seria pouco sustentável que houvesse sistema acusatório na situação em que o magistrado possa instaurar de ofício ação penal contra qualquer pessoa. De se notar o que pode ser considerado como exceção a este princípio: trata-se do início da execução (que, como sabido, desponta como processo autônomo no sistema processual penal em relação ao processo de conhecimento). Com efeito, pode o magistrado dar início à execução de sentença penal condenatória. Aliás, com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é decorrência natural, pelo magistrado, da expedição do mandado de prisão. 4.11. Princípio do impulso oficial De acordo com tal princípio, tem-se que, uma vez iniciada a ação penal, cabe ao magistrado promover seu desenvolvimento até o provimento final. É importante notar a diferença de atuação entre este princípio e o princípio anteriormente mencionado (princípio da iniciativa das partes): neste (iniciativa das partes), a atuação é anterior à ação penal (cabe à acusação dar início à ação penal), já no princípio do impulso oficial, uma vez iniciada a ação penal, tem-se que cabe ao magistrado zelar pelo seu regular andamento. Encontra este princípio previsão legal em diversos artigos do Código de Processo Penal. Dentre estes, destaca-se o art. 251 do CPP, que prevê que: "Ao juiz incumbirá prover à regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos, podendo, para tal fim, requisitar a força pública" (também há outras manifestações do princípio, como no caso dos arts. 156, 176 e 196, entre outros, todos do CPP). De se notar, contudo, que o princípio atua de maneira plena tão somente na ação penal pública, não tendo incidência plena nos casos de ação penal de iniciativa privada. Isto porque há, nesta ação específica, hipótese de perempção, prevista no art. 60, I, do CPP, que determina que: Art. 60. Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á perempta a ação penal: I - quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30 dias seguidos (...)". Contudo, mesmo neste caso, é de se considerar a atuação do princípio, embora de maneira mitigada, na medida em que para incidir a causa do inciso primeiro, há necessidade de que o magistrado intime a parte para dar andamento ao feito, o que importa em reconhecer a aplicação do princípio do impulso oficial. O tema da perempção será melhor abordado no capítulo referente à ação penal. 4.12. Princípio da isonomia O princípio da isonomia também é conhecido como princípio da igualdade ou da paridade de armas e, também, como princípio da igualdade de oportunidades. Encontra previsão no art. 5.º da CF/1988, que determina que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)". A ideia de processo justo não sobrevive caso haja tratamento diferenciado concedido a qualquer dos sujeitos parciais do processo. Significa que os sujeitos processuais parciais não podem ter tratamento diferenciado no processo, seja pela concessão de indevidos privilégios, seja por atuação condescendente do magistrado. Como afirma Germano Marques da Silva: "significa a atribuição à acusação e à defesa de meios jurídicos igualmente eficazes para tornar efetivos os direitos de intervenção processual".46 Deve-se notar que há autores, como Tourinho,47 que separa o princípio da igualdade do princípio da paridade de armas. Afirma o autor que a paridade de armas mostra-se como específico aspecto da igualdade, voltada para o tratamento igualitário das partes no sentido da possibilidade de disporem dos mesmos instrumentos.48 Não se impede, por meio de tal princípio, o tratamento diferenciado das partes pela lei. Contudo, tal tratamento diferenciado deve basear-se em critério razoável de discriminação, não se autorizando quaisquer discriminações arbitrárias. Desta forma, por exemplo, a necessidade de intimação pessoal dos defensores públicos e membros do Ministério Público não se mostra violadora do princípio da igualdade. No âmbito da doutrina nacional é de se destacar a obra de Renato Stanziola Vieira. Vieira em sua obra Paridade de Armas no Processo Penal a define como "(...) igual distribuição, ao longo do processo penal - desde sua fase pré-judicial até a etapa executiva - aos envolvidos que defendam interesses contrapostos, de oportunidade para apresentação de argumentos orais ou escritos e provas com vistas a fazer prevalecer perante uma autoridade judicial suas respectivas teses".49 Paridade de armas que poderá implicar, por vezes, em que se dê tratamento diferenciado para a defesa. Este tratamento diferenciado, longe de representar violação da paridade, visa retirar das partes seu natural estado de desigualdade e coloca-las no mesmo plano. Ora, há natural desequilíbrio entre a acusação e a defesa no processo penal, pendendo a balança em favor da acusação, daí porque a lei confere alguns tratamentos diferenciados em favor da defesa para buscar a igualdade real das partes no âmbito do processo penal.50 4.13. Princípio do juiz natural (princípio do juiz legal, do juiz constitucional, da naturalidade do juiz) O princípio do juiz natural encontra-se previsto no art. 5.º, LIII: "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente". Também encontra previsão no Pacto de São José da Costa Rica, que prevê em seu art. 8.º, 1: "Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei (...)". Há, ainda, outra previsão constitucional que se liga diretamente ao tema do juiz natural, no art. 5.º, XXXVII: "não haverá juízo ou tribunal de exceção". Origem histórica - Rui Portanova explica que a primeira referência legal ao tema do juiz natural consta do "art. 17 do título II da Lei Francesa de 24.08.1790. Também aos franceses se deve a prioridade da primeira referência constitucional no texto fundamental de 1791. Contudo, a Magna Carta Inglesa, de 1215, mesmo com a distribuição da justiça ainda pelos proprietários de terra e a incipiente justiça estatal, já previa sanções a condes e barões (art. 21) e homens livres (art. 39), após 'julgamento legítimo de seus pares e pela lei da terra'".51 Explica, ainda, referido autor que, com este princípio, procurava-se evitar os poderes de comissão, evocação e atribuição. Poder de comissão consiste na instituição/criação de órgãos julgadores sem prévia previsão legal e estranhos à organização judiciária estatal. Poder de evocação consistia no poder dado ao rei de designar pessoa estranha para o julgamento da causa diversa do previsto em lei. Por fim, ainda segundo o autor, poder de atribuição consistia no poder dado ao rei de designar específicos órgãos para o julgamento de determinada matéria, antes da ocorrência do fato (corresponde, atualmente, aos chamados juízos especializados em razão da matéria). © desta edição [2016] 4.16. Princípio do nemo tenetur se detegere (vedação da produção de prova contra si próprio, princípio da não autoincriminação ou nemo tenetur se ipsum accusare) O princípio que veda a produção de prova contra si mesmo não encontra previsão expressa na Constituição Federal, mas interpreta-se que ele decorra do previsto no art. 5.º, LXIII: "o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado". Mais clara, contudo, é a opção feita pelo Pacto de São José da Costa Rica, que prevê, no art. 8.º, 2, g: "direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada". É de se notar que, a rigor, o direito ao silêncio é uma das consequências do princípio ora estudado. Contudo, tendo em vista que não há previsão constitucional expressa do princípio da vedação da autoincriminação, entende-se que ele decorra do direito ao silêncio.64 Também não se pode esquecer do quanto dito acerca do princípio do devido processo legal como garantia política, no sentido de que tudo o que não for expressamente previsto na Constituição Federal, poderá decorrer do devido processo legal. Maria Elisabete Queijo, por sua vez, vê o princípio como decorrência do devido processo legal, da ampla defesa, do direito ao silêncio e da presunção de inocência. Neste sentido, afirma: "Antes de ser reconhecido expressamente no direito brasileiro por meio das incorporações, ao direito interno, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, já era possível extrair a incidência do nemo tenetur se detegere da cláusula do devido processo legal, do direito à ampla defesa, com relevo para o direito ao silêncio, e do princípio da presunção de inocência".65 Diante deste princípio, não é possível obrigar o indiciado ou o acusado de qualquer crime a submeter-se coercitivamente a exames de DNA, bafômetro e todos os demais que dependam de sua colaboração. Pensamos, contudo, que a extensão deste princípio deva ser repensada. Sua origem histórica liga-se à proibição da tortura. Ora, como se pode falar em tortura na colheita do material genético quando se passa um cotonete dentro da boca da pessoa para retirada da mucosa para exame de DNA? Ou, ainda, na retirada de um fio de cabelo para a realização do exame? O tema, é certo, é controverso. No entanto, pensamos que as discussões devam avançar, até mesmo para que a proteção seja eficaz e dentro do núcleo essencial deste direito fundamental. Discute-se se, diante deste princípio, teria sido recepcionado o disposto no art. 260 do CPP: "Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença". Trata do reconhecimento de modalidade passiva, em que não há invasão corporal sobre a pessoa a ser reconhecida e, desta forma, tem-se entendido que tal disposição fora recepcionada pela Constituição Federal. 2016 - 04 - 30 Curso de processo penal CAPÍTULO 5. EFICÁCIA DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO E NO ESPAÇO Capítulo 5. Eficácia da Lei Processual Penal no Tempo e no Espaço Sumário: 5.1 Sistemas de solução de conflito de leis processuais no tempo - 5.2 Exceções legais ao princípio do tempus regit actum - 5.3 Exceções admitidas pela doutrina e pela jurisprudência - 5.4 Lei Processual Penal no Espaço. O tema da lei processual penal no tempo liga-se à ideia de saber qual lei deve reger o processo em caso de sucessão de leis processuais. Vale dizer, durante o processo ocorre mudança da lei, nesta hipótese a nova lei regerá o processo, irá retroagir? Enfim, o tema deste capítulo cuida de responder a estas perguntas. Em primeiro lugar é importante desde logo afastar confusão comum entre os estudantes de direito. Como regra geral, o conflito de leis no tempo é resolvido de maneira distinta pelo direito penal material e pelo direito processual penal. No Direito Penal Material aplica-se a regra de que a norma mais benéfica poderá retroagir ou ultra-agir.1 Vale dizer: leva- se sempre em conta se a norma é mais benéfica para o acusado ou não. Já no Direito Processual Penal, em regra esta não é a solução. 5.1. Sistemas de solução de conflito de leis processuais no tempo Há três sistemas de solução de conflitos de lei no tempo: a) sistema da unidade processual: por este sistema a lei que iniciou o processo irá regê-lo até o final, ainda que haja mudança da lei no meio do processo. Não é o sistema adotado no Brasil. b) sistema das fases processuais: por este sistema a lei que iniciou a fase processual irá regê-la até seu final. Em geral a doutrina divide as fases do processo em: postulatória, instrutória e decisória. Caso tenha se iniciado a fase instrutória e a lei mude, esta nova lei somente irá incidir na próxima fase, ou seja, na fase decisória. Não é o sistema adotado no Brasil. c) sistema do isolamento dos atos processuais: também chamado de teoria do isolamento dos atos processuais, princípio do efeito imediato, princípio da aplicação imediata ou princípio do tempus regit actum. Para este sistema a lei rege unicamente o ato processual a ser realizado. Uma vez praticado o ato, haverá a incidência da nova lei. Este último sistema é o adotado no Código de Processo Penal que em seu art. 2.º dispõe: "A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior". Uma vez que o sistema processual é diferente do sistema de direito penal material, a lei nova não irá afetar os atos já praticados, ou seja, ela somente irá valer para o futuro.2 Esta teoria é adotada para as normas processuais penais puras, próprias, comuns ou genuínas. 5.2. Exceções legais ao princípio do tempus regit actum É possível que a própria lei excepcione a regra do art. 2.º do CPP, como se vê nos exemplos abaixo indicados. Na maioria das vezes estas exceções vêm já reguladas pela Lei de Introdução ao Código de Processo Penal (Dec.-lei 3.931/1941), mas nada impede que a própria lei nova traga regra de transição. a) Lei que modifica o prazo para a interposição de recursos - Neste caso o art. 3.º da LICPP estabelece: "O prazo já iniciado, inclusive o estabelecido para a interposição de recurso, será regulado pela lei anterior, se esta não prescrever prazo menor do que o fixado no CPP".3 b) Lei que estabelece novas condições de admissibilidade recursal - Neste caso o art. 11 da LICPP estabelece que já tendo sido interposto recurso de despacho ou de sentença, as condições de admissibilidade, a forma e o julgamento serão regulados pela lei anterior.4 c) Mudança de rito - O art. 6.º da LICPP estabelece que: "As ações penais, em que já se tenha iniciado a produção de prova testemunhal, prosseguirão, até a sentença de primeira instância, com o rito estabelecido na lei anterior". d) Nova lei que passa a estabelecer a necessidade de representação para crime que antes era de ação penal pública incondicionada - Esta situação ocorreu com a Lei 9.099/1995 que estabeleceu que lesão corporal leve passaria a ser promovida mediante representação. A própria lei estabeleceu no art. 91 a solução para os casos que tenham se iniciado antes da lei ao dispor que: "Nos casos em que esta Lei passa a exigir representação para a propositura da ação penal pública, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferecê-la no prazo de trinta dias, sob pena de decadência". 5.3. Exceções admitidas pela doutrina e pela jurisprudência A doutrina e a jurisprudência também criaram exceções ao art. 2.º do CPP. Destacaremos aqui duas exceções: uma amplamente aceita e outra aceita apenas por poucos autores. a) Norma mista (processual de efeito material) - Norma mista é que possui conteúdo duplo, ou seja, tanto matéria de direito processual penal quanto matéria de direito penal material. Como exemplos podemos citar o art. 366 do CPP. Neste artigo há disposição relativa à suspensão do processo (direito processual) e à suspensão da prescrição (direito material). Vale dizer: a norma traz em si disposições de dois ramos distintos do direito, tanto do direito material quanto do direito processual. Nesta situação há evidente conflito para a solução do problema da lei processual no tempo: o direito penal material diz que se for mais benéfica a norma deverá retroagir e o direito processual penal diz que elas não irão retroagir. É importante notar que a solução neste caso deve ser única, não sendo possível cindir a aplicação da norma. Ou seja, não é possível que no aspecto da norma que seja de direito penal material siga a regra deste ramo do direito e no do direito processual penal siga a irretroatividade. Tendo em vista que é preciso que haja uma única solução, a doutrina e a jurisprudência entendem que deve ser o tema regido pelo direito penal material, afastando-se a regra do art. 2.º do CPP. Ou seja, se forem mais benéficas devem retroagir e forem menos benéficas a norma anterior deverá ultra-agir. Outro exemplo reconhecido pelo STJ de norma mista é a disposição contida no artigo 387, IV do CPP. Este inciso define que o juiz irá fixar o valor mínimo da indenização em favor do ofendido levando em conta os prejuízos por ele sofridos. Por se tratar de fixação de indenização, entendeu o STJ que este tema é de direito material e daí o caráter de norma mista (direito material na parte da indenização e direito processual por se tratar de sentença). Para maiores referências de julgamento remete-se o leitor para o capítulo relativo à ação civil ex delicto. b) Normas de garantia - Existe ainda outra posição sobre o tema da sucessão de leis processuais penais no tempo. Trata-se de posição minoritária defendida por Giovanni Conso (Itália), Alberto Binder (Argentina) e, no Brasil por (Jaques de Camargo Penteado e por mim). Para esta posição minoritária as normas de direito processual penal dividem-se em duas categorias: normas de garantia e normas que cuidam apenas de aspectos burocráticos do processo. Toda vez que a norma de direito processual penal referir-se a direitos e garantias do indivíduo, ela deverá seguir o sistema do direito penal material afastando-se da regra do art. 2.º do CPP.5 Vejamos este tema a partir de um caso concreto e como as posições majoritária e minoritária resolveriam a questão para melhor compreensão. Imagine-se que um indivíduo cometa um crime na data de hoje. Instaurado o inquérito policial, durante as investigações sobrevém nova lei que inclui o crime investigado entre aqueles que admite a prisão temporária. Pergunta-se: pode ser decretada a prisão temporária nesta hipótese? A posição majoritária seguirá a regra do art. 2.º do CPP e sustentará que é possível, pois a lei tem incidência imediata.6 Já a posição minoritária sustenta ser uma norma de garantia e, por isso, não é possível que seja decretada esta prisão do investigado na medida em que quando do cometimento do crime não havia esta previsão.7 5.4. Lei Processual Penal no Espaço O Capítulo referente à Lei Processual Penal no Espaço refere-se ao local em que as leis processuais penais são aplicadas. Vale dizer, qual o local em que são aplicadas as leis processuais brasileiras. A regra é dada pelo art. 1.º do CPP: "Art. 1.º O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código, ressalvados: (...)". A regra do art. 1.º positiva o princípio da lex fori e deste artigo primeiro podem ser retiradas duas consequências: a) em primeiro lugar o CPP é aplicado em todo o território nacional. Isto significa dizer que a Lei Federal é a lei que regerá o processo penal brasileiro. Vale dizer, o CPP é a fonte primária das regras de processo penal, não havendo códigos estaduais de processo penal. b) em segundo lugar significa que o CPP somente é aplicado no território brasileiro, não havendo que se falar em extraterritorialidade da Lei Processual Penal. Judiciário possuem. Estes poderes foram delimitados no MS 23.452/RJ, tendo por relator o Min. Celso de Mello, que estabeleceu que as CPIs não podem: a) Determinar a indisponibilidade de bens do investigado. b) Decretar a prisão preventiva (mas pode decretar prisão só em flagrante); c) Determinar interceptação telefônica; d) Determinar o afastamento de cargo ou função pública durante a investigação; e e) Decretar busca e apreensão domiciliar de documentos. Destaca-se importante trecho deste mandado de segurança que, embora antigo, ainda baliza o funcionamento dos poderes instrutórios das CPIs: "A Constituição da República, ao outorgar às Comissões Parlamentares de Inquérito 'poderes de investigação próprios das autoridades judiciais' (art. 58, § 3.º), claramente delimitou a natureza de suas atribuições institucionais, restringindo-as, unicamente, ao campo da indagação probatória, com absoluta exclusão de quaisquer outras prerrogativas que se incluem, ordinariamente, na esfera de competência dos magistrados e Tribunais, inclusive aquelas que decorrem do poder geral de cautela conferido aos juízes, como o poder de decretar a indisponibilidade dos bens pertencentes a pessoas sujeitas à investigação parlamentar. A circunstância de os poderes investigatórios de uma CPI serem essencialmente limitados levou a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal a advertir que as Comissões Parlamentares de Inquérito não podem formular acusações e nem punir delitos (RDA 199/205, rel. Min. Paulo Brossard), nem desrespeitar o privilégio contra a autoincriminação que assiste a qualquer indiciado ou testemunha (RDA 196/197, rel. Min. Celso de Mello - HC 79.244-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence), nem decretar a prisão de qualquer pessoa, exceto nas hipóteses de flagrância (RDA 196/195, rel. Min. Celso de Mello - RDA 199/205, rel. Min. Paulo Brossard)" (STF, MS 23.452/RJ, rel. Min. Celso de Mello, j. 16.09.1999). 6.1.2. A investigação pelo Ministério Público Outra forma de investigação preliminar que tem causado grande controvérsia é a chamada Investigação pelo Ministério Público. Trata-se da possibilidade de o Ministério Público investigar diretamente as infrações penais, sem que seja instaurado inquérito policial. Há, basicamente, duas posições sobre a possibilidade de o Ministério Público investigar. Para primeira posição, o MP não pode investigar na medida em que o art. 144, § 1.º, III, da CF conferiria exclusividade nas investigações para a Polícia Judiciária. Além disso, para os defensores desta posição, haveria violação do sistema acusatório na medida em que o MP é parte e não é isento como o é a autoridade policial.1 Para os defensores da possibilidade de o MP investigar, os fundamentos vem no sentido de que a Lei 8.625/1993 e a LC 75/1993 confeririam poderes ao MP para investigar.2 Também para os defensores desta posição, a teoria dos poderes implícitos permitiria ao MP conduzir estas investigações. Esta teoria é criação da Suprema Corte dos EUA desenvolvidas nos casos Macculloch vs. Maryland e Myers v. Estados Unidos US - 272 - 52, 118. Por esta teoria, sempre que a Constituição atribui determinada função a um órgão, implicitamente lhe dá os poderes para realizar sua missão. Aplicada ao caso da investigação pelo MP temos o seguinte raciocínio: o art. 129, I, da CF atribui a titularidade da ação penal para o MP, logo, implicitamente, poderá haver investigação para que realize sua missão constitucional. Embora não haja lei específica no Brasil a regulamentar a atividade investigativa do Ministério Público,3 o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) regulamentou a investigação por meio de resolução. Trata-se da Res. 13/2006.4 No âmbito do STF, a questão está sendo discutida no RE 593.727/MG, cujo julgamento ainda não se encerrou. Até o presente momento o julgamento encontra-se da seguinte forma: a) Favoráveis à investigação pelo MP - Ayres Brito, Joaquim Barbosa, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Luiz Fux; b) Contra a investigação pelo MP - César Peluso, Ricardo Lewandowski Em 26.08.2014 os autos foram devolvidos para julgamento e em 25.03.15 foi requerida prioridade na tramitação do feito, tendo sido definitivamente julgado em 18.05.15 com reconhecimento da possibilidade de investigação pelo Ministério Público: "O Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso extraordinário e reconheceu o poder de investigação do Ministério Público, nos termos dos votos dos Ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Rosa Weber e Cármen Lúcia, vencidos os Ministros Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, que davam provimento ao recurso extraordinário e reconheciam, em menor extensão, o poder de investigação do Ministério Público, e o Ministro Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso extraordinário e negava ao Ministério Público o poder de investigação. Em seguida, o Tribunal afirmou a tese de que o Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, art. 7.º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade ? sempre presente no Estado democrático de Direito ? do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa Instituição. Redator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes." (STF, RE 593727/MG, Rel. Para o acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18.05.15). De nossa parte entendemos que o tema merece maior reflexão, fugindo dos extremos. Se é verdade que entendemos que o Ministério Público pode produzir sua investigação fora do inquérito policial, também é verdade que entendemos que ela deva ser melhor regulamentada do que é nos termos atuais. Por se tratar de ato administrativo, esta investigação precisa estar pautada estritamente no modelo constitucional do Estado Democrático de Direito e, infelizmente não é isso que a regulamentação atual mostra. Assim, destaco a título de exemplo o art. 14 da Res. 13 do CNMP - Art. 14 O presidente do procedimento investigatório criminal poderá decretar o sigilo das investigações, no todo ou em parte, por decisão fundamentada, quando a elucidação do fato ou interesse público exigir; garantida ao investigado a obtenção, por cópia autenticada, de depoimento que tenha prestado e dos atos de que tenha, pessoalmente, participado. Ora, nem mesmo em processo judicial ou inquérito policial tem-se tamanha extensão de sigilo, qual a razão de se admitir esta extensão na investigação pelo Ministério Público? É preciso, especialmente por não haver lei regulamentando esta investigação, que a resolução não dê margem a questionamentos de constitucionalidade, sob pena de ter sua própria legitimidade questionada. Podemos organizar as diversas posições no seguinte quadro: Fundamentos contrários à função investigatória do MP no inquérito policial Fundamentos favoráveis à função investigatória do MP no inquérito policial Atenta contra o sistema acusatório, pois a partir do momento em que se permite que o MP investigue, cria desequilíbrio entre a acusação e a defesa. Teoria dos Poderes Implícitos - implied powersdoctrine (Suprema Corte Americana - precedente de 1.819), a CF ao conceder uma atividade fim a um determinado órgão ou instituição, implícita e simultaneamente, concede a ele todos os meios necessários para alcançar aquele objetivo. Se a última palavra acerca de um fato criminoso cabe ao MP (art. 129, I, da CF), deve-se outorgar a ele, os meios para firmar seu convencimento. A CF dotou o MP do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial. A norma constitucional não possibilita que o MP realize e presida inquérito policial (art. 129, VIII, da CF). A atividade de investigação é exclusiva da Polícia judiciária. Polícia Judiciária é polícia auxiliar do juiz, sendo de competência exclusiva da Polícia Federal. Não se confunde com Polícia Investigativa, que não é exclusivo da polícia. Se a Coaf e as CPIs podem investigar, o MP também poderia. Falta de previsão legal e instrumento apto para uma investigação. Procedimento investigatório criminal: é um instrumento de natureza administrativa e inquisitorial, instaurado e presidido por um membro do MP, com atribuição criminal, e terá como finalidade apurar a ocorrência de infrações penais, de natureza pública, fornecendo elementos para o oferecimento ou não da denúncia (Res. 13 do Conselho Nacional do MP). 6.1.3. A investigação no Juizado Especial Criminal O Juizado Especial Criminal é competente para a apuração das infrações de menor potencial ofensivo que, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/1995, são: a) os crimes com pena máxima não superior a 2 anos, cumulada ou não com multa; b) as contravenções penais (aqui, independentemente da pena fixada). No sistema do Juizado Especial Criminal não há investigação preliminar por meio de inquérito policial. A investigação preliminar no sistema do Jecrim se dá pelo chamado Termo Circunstanciado. O Termo Circunstanciado é uma forma mais simples de investigação preliminar não seguindo as formalidades do inquérito policial.5 O Termo Circunstanciado é regulamentado no art. 69 da Lei 9.099/1995 que dispõe: "A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários". 6.1.4. Inquérito Civil O inquérito civil é uma forma de investigação preliminar prevista na Lei 7.347/1985. Trata-se de uma forma de investigação preliminar presidido por Promotor de Justiça. Durante a investigação o promotor poderá requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis. Caso entenda, esgotadas todas as diligências, que inexista fundamento para a propositura da ação civil, o promotor promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente. Neste caso, os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivadas serão remetidos, sob pena de se incorrer em falta grave, no prazo de 3 (três) dias, ao Conselho Superior do Ministério Público. 6.1.5. A investigação defensiva Modernamente tem surgido em alguns países a chamada investigação defensiva, ou seja, a investigação que é levada a cabo pela defesa. Trata-se de investigação privada que é desenvolvida pelo defensor do imputado. Não se trata unicamente de participação do imputado na investigação nos moldes do art. 14 do CPP. Trata-se de forma mais ampla de atuação. Entre nós, André Augusto Machado Mendes é uma das maiores autoridades no assunto e em sua obra define a investigação defensiva como "procedimento investigatório realizado pelo defensor do imputado, em qualquer momento da persecução penal, com o eventual auxílio de assistentes técnicos, apartado dos autos da investigação pública, com o objetivo de reunir elementos favoráveis a seu cliente".6 Trata-se de expediente comum no Direito Norte-Americano e no Direito Italiano (a investigação defensiva na Itália foi criada pela Lei 397/2000),7 embora em cada um destes países os contornos legais sejam distintos. 6.2. As várias polícias existentes no Brasil e suas funções O sistema de segurança pública brasileiro é traçado a partir do art. 144 da CF que estabelece que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos. Ainda estabelece que a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio é exercida pelos seguintes órgãos: "I - polícia federal II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal IV - polícias civis V - polícias militares e corpos de bombeiros militares." Apesar da existência destes vários órgãos, é possível que classifiquemos as diversas polícias em dois grandes grupos, conforme a função que cada polícia exerça:8 a) Polícia administrativa:9 é a atividade que tem caráter preventivo. O escopo da polícia administrativa é evitar a prática da infração penal, visando a garantia da ordem pública e a pacificação da ordem social. Assim, esta é a função primordial da Por outro lado, é possível sustentar posição em contrário com base no princípio da legalidade estrita. Ora, tendo em vista que o inquérito policial tem cunho administrativo, e está regulado pelo princípio da legalidade estrita , desta forma, somente pode ser feito aquilo que estiver expressamente autorizado pela lei. Seja qual posição que se adote, o fato é que há necessidade de regulamentação deste procedimento, seja por parte dos órgãos de direção da Polícia Judiciária, seja por parte do Poder Judiciário por meio de sua corregedoria ou do Conselho Nacional de Justiça. 6.3.2.2. Procedimento Sigiloso Para falar em sigilo, é necessário que se fale em seu oposto, ou seja, deve-se falar em publicidade. A regra no sistema brasileiro é a publicidade, seja pela Constituição Federal, seja pelo Pacto de São José da Costa Rica, seja pelo próprio Código de Processo Penal. Vejamos as regras contidas em cada um destes ordenamentos: a) CF - art. 5.º, XXXIII: "Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado"; b) CF - art. 5.º, LX: "A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem"; c) CF - art. 93, IX: "Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação"; d) Pacto de São José da Costa Rica - art. 8.º, 5: "O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça". e) CPP - art. 792: "As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados. § 1.o Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes. § 2.o As audiências, as sessões e os atos processuais, em caso de necessidade, poderão realizar-se na residência do juiz, ou em outra casa por ele especialmente designada". f) CPP - art. 20: "A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade". Como se vê das regras acima apresentadas, a publicidade é o padrão adotado pelo sistema processual brasileiro. Portanto, em regra, deverá ser sempre assegurada a publicidade dos atos em geral. É certo que a única norma acima transcrita que trata do inquérito é a constante do art. 20 do CPP, mas o raciocínio que se faz é: se para o processo a regra é a publicidade, então para o inquérito esta também deve ser a regra. No entanto, a publicidade pode ser restringida, e daí passa-se a falar em sigilo. O sigilo nada mais é do que a restrição da publicidade. Pode haver dois tipos de sigilo: a) sigilo interno - consiste na limitação da informação a determinado sujeito da investigação. Normalmente a publicidade é limitada ao investigado. b) sigilo externo - consiste na limitação da informação para o público externo, para a sociedade em geral. O art. 20 do CPP tem por destinatário o público em geral. Vale dizer: o art. 20 cuida do sigilo externo, limitando o acesso da sociedade em geral aos atos da investigação. Já o sigilo interno é exceção em nosso sistema. Em regra não poderá haver limitação do acesso das partes aos atos da investigação. Isto vem garantido pelas regras acima apresentadas e, também, pelo disposto no Estatuto da OAB, que assegura o direito de acesso aos autos ao advogado conforme se vê do art. 7.º, XIII, XV, XVI e § 1.º (Estatuto da OAB, Lei 8.906/1994). No entanto, há situações em que o sigilo interno deve incidir. Estas situações referem-se normalmente à figura do advogado e de seu defensor, seja constituído, dativo ou mesmo defensor público. São situações ligadas à natureza da medida tomada ou então à própria cautelaridade do ato a justificar que se restrinja o acesso de uma das partes aos atos de investigação sob pena de perda de sua eficácia. Ora, quando se tem interceptação telefônica em andamento, é evidente que não pode ser permitido o acesso do investigado à medida, vale dizer, não pode o investigado saber da existência da interceptação telefônica sob pena de simplesmente ela perder a eficácia, na medida em que ninguém, em sã consciência, usaria um telefone sabendo que ele está grampeado. Da mesma forma, quando se defere busca e apreensão na residência do investigado, não se pode permitir que ele saiba que os policiais irão até sua residência sob pena de o acusado destruir todas as provas e fontes de prova que seriam encontradas com a medida. No entanto, a restrição ao sigilo interno é medida excepcional. Tanto assim que fora editada a Súmula Vinculante 14 pelo STF com o seguinte teor: "É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa". Esta súmula deve ser entendida de maneira ampla, de forma que podemos extrair algumas regras: a) a regra é que o sigilo interno não alcance o defensor b) o defensor poderá ter acesso amplo aos elementos de prova que afetem os interesses do representado c) este acesso é garantido unicamente aos elementos de prova já documentados. No que se refere ao comentário do tópico "b", a crítica é evidente: quem decidirá o que é de interesse do representado? Pela atual sistemática esta deliberação caberá ao delegado de polícia e por isso mesmo os delegados de polícia devem agir sempre conscientes de sua missão de investigação e, ao mesmo tempo, de proteção constitucional. O próprio STF já entendeu que a Súmula Vinculante 14 assegura o acesso às informações relativas ao próprio investigado e não a terceiros: " I - O direito assegurado ao indiciado (bem como ao seu defensor) de acesso aos elementos constantes em procedimento investigatório que lhe digam respeito e que já se encontrem documentados nos autos, não abrange, por óbvio, as informações concernentes à decretação e à realização das diligências investigatórias, mormente as que digam respeito a terceiros eventualmente envolvidos" (STF, ED no HC 94.387/RS, j. 06.04.2010, rel. Min. Ricardo Lewandowski). "Processo - Acesso a peças - Definição pela defesa técnica - Verbete Vinculante 14 da súmula do Supremo - Descompasso não configurado. Fica longe de implicar o desrespeito ao teor do Verbete Vinculante 14 da Súmula do Supremo - "É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa" - decisão no sentido de a parte, a defesa técnica, ante inúmeros volumes e diversos acusados, indicar as peças do processo a serem copiadas, viabilizando-se, até mesmo, a entrega de mídia alusiva a gravação" (STF, Rcl 13.215, j. 23.04.13, rel. Min. Marco Aurélio). Esta opção do STF, com a devida vênia, parece muito equivocada. Ora, se há mais de um investigado no mesmo inquérito é porque vislumbrou-se aí forma de conexão e continência e os dados relativos a um investigado podem afetar o outro. Daí porque a limitação apresentada pelo STF mostra-se incompreensível. Quanto ao tópico "c", é importante notar o caso da interceptação telefônica. A interceptação telefônica somente é documentada quando se encerra. Desta forma, enquanto não encerrada a interceptação telefônica não poderá ser documentada e não poderá a defesa ter acesso a ela. Há muita crítica a este dispositivo da Súmula Vinculante 14 por parte da OAB e de movimentos de defesa por força da colocação do termo "documentado". Parece-nos, contudo, que em princípio o STF agiu corretamente. Com efeito, a defesa terá seu direito assegurado de manifestação, apenas não pode exercê-lo enquanto a interceptação telefônica está em andamento. Ora, como já dito no primeiro capítulo, é preciso que sejam compatibilizados a eficiência e o garantismo, sob pena de termos um processo penal míope. Caso haja violação da Súmula Vinculante 14, três são as oportunidades reconhecidas de atuação: a) Reclamação ao Supremo Tribunal Federal - a reclamação consiste em manifestação do direito de petição e deve ser feita diretamente ao STF, podendo haver pedido de liminar. Será tratada diretamente no capítulo dos recursos e ações autônomas impugnativas. b) Mandado de Segurança - o mandado de segurança poderá ser impetrado diretamente ao juiz criminal para assegurar o acesso aos autos do inquérito policial. Sobre o mandado de segurança veja o capítulo referente aos recursos e ações autônomas impugnativas. c) Habeas Corpus - controversa é a possibilidade de utilização do HC unicamente com o fito de ter acesso aos autos do inquérito policial. A doutrina tem rejeitado esta possibilidade, mas a jurisprudência tem aceito. De se notar, contudo, que nas vezes em que o STF analisou este tipo de HC a pretensão sempre vinha com outros pedidos típicos de HC (temas relativos à prisão e liberdade, por exemplo). Por fim, como visto acima, entende-se prevalentemente que o Ministério Público pode investigar. Ora, sendo possível a investigação pelo MP, não há motivo algum para não estender esta Súmula Vinculante 14 também aos procedimentos afetos ao MP. 6.3.2.3. Procedimento Indisponível O inquérito policial é indisponível e isso significa que a autoridade policial não pode arquivar os autos do inquérito como dispõe o art. 17 do CPP: "A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito". Uma vez iniciado o inquérito policial, não poderá a autoridade policial determinar o arquivamento, ainda que se trate de fato atípico. O arquivamento é determinado pelo juiz a pedido do Ministério Público. 6.3.2.4. Procedimento obrigatório O inquérito policial é obrigatório para a autoridade policial. Isso significa que, sendo narrado em tese fato típico e antijurídico, a autoridade policial tem o dever funcional de instaurar o inquérito policial. Não se pode confundir esta obrigatoriedade com outros temas similares: a) apesar de obrigatório para a autoridade policial, se ela entender que é o caso, ela pode indeferir o pedido de abertura do inquérito policial (veja no tópico referente à abertura do inquérito policial maiores explicações quanto a isso); b) o inquérito policial é obrigatório para a autoridade policial, mas dispensável para a ação penal. Ou seja, pode haver ação penal sem que haja inquérito policial, conforme se verá no próximo tópico. 6.3.2.5. Procedimento dispensável Dizer que o inquérito policial é dispensável significa reconhecer que poderá haver ação penal sem que antes tenha havido inquérito policial, conforme se depreende dos arts. 12, 39, § 5.º e 46, § 1.º, todos do CPP. Para que seja oferecida a denúncia ou queixa-crime é preciso que haja indícios suficientes de autoria e prova da materialidade (prova da existência do crime). Estes elementos não precisam ser provados, necessariamente, com o inquérito policial. Assim, pode haver prova destes elementos por meio de outros elementos, como é o caso de sindicâncias, processos administrativos ou até mesmo com o relatório recebido pelo Promotor Público de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). 6.3.2.6. Caráter discricionário da investigação Quando se discutiu a natureza jurídica do inquérito policial apresentou-se a crítica aos que chamam o inquérito de procedimento. Os que criticam a natureza de procedimento do inquérito dizem que não há sequência de atos rígida a ser observada. Daí porque se fala do caráter discricionário da investigação: a autoridade policial não é obrigada a seguir sequência predeterminada de atos. Afinal, não haveria sentido mesmo em se engessar a investigação que, no mais das vezes, não ostenta necessariamente linhas comuns. É dizer: cada investigação é única, e por isso que a autoridade policial deve realizar os atos na sequência que melhor lhe parecer para o esclarecimento dos fatos. É de se notar que o art. 6.º do CPP apresenta uma série de atos que não são de observância obrigatória na sequência lá apresentada pelo Código.15 6.3.2.7. Caráter inquisitivo Vimos em capítulo anterior que o sistema processual penal é acusatório. Ou seja, há separação entre as funções de acusar, defender e julgar. Da mesma forma, o processo é público, com contraditório e ampla defesa. No entanto, o inquérito policial não é acusatório, mas inquisitivo.16 Com isso, três características são apontadas pela doutrina: a) não há separação de funções; b) não há ampla defesa; c) não há contraditório. Assim a jurisprudência reconhece de maneira pacífica o caráter inquisitivo do inquérito policial e, então, assevera que eventuais vícios nele ocorridos não contaminam a ação penal como se vê do seguinte acórdão: "V. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça consolidou-se no sentido de que eventuais irregularidades verificadas no decorrer do inquérito policial não contaminam a ação penal, considerando o fato de que o procedimento inquisitivo consideravelmente menos agressivas do que a própria abertura da investigação. Além disso, a produção de provas em fase de inquérito busca subsidiar a acusação. As provas podem ser refeitas ou submetidas à contraprova durante a ação penal. Salvo casos em que haja fundadas razões para crer que a produção de provas teve como finalidade afastar, por via transversa, a supervisão judicial da investigação, não há sentido em exigir a repetição da produção da prova. No caso concreto, a autoridade policial instaurou o inquérito policial em desfavor do embargante em 2008, época na qual já era deputado federal, sem solicitar autorização judicial. Fez constar da portaria que o investigado era deputado estadual - fl. 2. Os elementos levam a crer que a autoridade incorreu em equívoco. Não há razão para acreditar que a indicação errada do cargo tivera o propósito de prejudicar o parlamentar. Após a colheita do primeiro depoimento, os autos foram encaminhados ao Tribunal Regional Eleitoral de Roraima - até então, estava em investigação crime eleitoral (fl. 145). Tinha-se que esse era o tribunal competente para supervisionar o inquérito, partindo do pressuposto equivocado de que o investigado era parlamentar estadual." (STF, Edecl no Inquérito 2952/RR, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 10.03.15). E a ementa deste caso é ainda mais esclarecedora:"2. Inquérito instaurado contra autoridade com prerrogativa de foro, sem observância da competente supervisão judicial. Salvo casos em que haja fundadas razões em desvio de finalidade, não são ilícitas as provas que independem de autorização judicial para produção" (STF, Edcl no Inquérito 2952/RR, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 10.03.15). O art. 33, parágrafo único, da Lei Orgânica da Magistratura estabelece que "quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação". Os regimentos internos dos diversos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais estabelecem que haverá o sorteio de um desembargador que presidirá o inquérito policial contra o magistrado. Entendemos que esta disposição da Lei Orgânica da Magistratura Nacional não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Ao determinar que o relator será o Presidente do Inquérito Policial a determinação claramente viola o sistema acusatório, concentrando nas mesmas pessoas as funções de investigar e julgar. Melhor seria se os Tribunais Estaduais e Federais adequassem seus regimentos internos ao sistema acusatório, fazendo como o Regimento Interno do STF. Nele, o relator atua no inquérito como o juiz de primeiro grau: somente para o controle do prazo do inquérito e para a tomada de medidas cautelares. De qualquer forma é admitida a validade do dispositivo do art. 33 da LOMAN e tanto assim que o STJ entende que o prosseguimento da investigação criminal em que surgiu indício da prática de crime pelo magistrado depende unicamente do relator e não de deliberação do órgão especial: "O prosseguimento da investigação criminal em que surgiu indício da prática de crime por parte de magistrado não depende de deliberação do órgão especial do tribunal competente, cabendo ao relator a quem o inquérito foi distribuído determinar as diligências que entender cabíveis. O parágrafo único do art. 33 da LOMAN ("Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte de magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação") não autoriza concluir, pelo seu conteúdo normativo, ser necessária a submissão do procedimento investigatório ao órgão especial tão logo chegue ao tribunal competente, para que seja autorizado o prosseguimento do inquérito. Trata-se, em verdade, de regra de competência. No tribunal, o inquérito é distribuído ao relator, a quem cabe determinar as diligências que entender cabíveis para realizar a apuração, podendo chegar, inclusive, ao arquivamento. Cabe ao órgão especial receber ou rejeitar a denúncia, conforme o caso, sendo desnecessária a sua autorização para a instauração do inquérito judicial, segundo a jurisprudência do STF." (STJ, HC 208.657-MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 22.04.14) 6.3.5. O valor probatório do inquérito A finalidade precípua do inquérito policial é a de fornecer elementos para que a acusação possa formar sua opinio delicti oferecendo denúncia ou queixa quando presentes indícios suficientes de autoria e prova da materialidade.20 A finalidade primeira do inquérito policial não é a de fornecer provas para que o magistrado possa fundamentar sua sentença. No entanto, isso não significa que o magistrado não possa usar o inquérito policial para fundamentar sua sentença. O magistrado pode usar o inquérito para fundamentar sua decisão, desde que não o faça de maneira exclusiva. Esta questão vem disciplinada no art. 155 do CPP que diz: "O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas". Vários são os destaques que devem ser feitos a respeito deste artigo. Em primeiro lugar, ele positiva o que já se encontrava na jurisprudência: a decisão do magistrado pode se fundamentar no inquérito policial, desde que esta não seja sua única base para a decisão. Daí o sentido do termo "exclusivamente": pode usar o inquérito na sentença, mas não pode fazê-lo de maneira exclusiva, ou seja, esta não pode ser a única referência. Contudo, uma advertência se faz necessária: a utilização dos elementos de convicção do inquérito utilizados na sentença deve estar em consonância com os elementos de prova colhidos em juízo. É comum que o estudante pergunte: mas como saber se o juiz não está utilizando outros elementos e simplesmente não os indicando em sua decisão? A pergunta é válida e correta e para resposta adequada, o inquérito não deveria acompanhar a denúncia, diversamente do que ocorre hoje. Hoje o inquérito policial acompanha a denúncia e o magistrado tem acesso a todo o material nele produzido. Não nos parece adequado, pois a prova produzida longe do contraditório não é prova. Pelo sistema atual a jurisprudência tem permitido o uso de elementos de convicção do inquérito policial em conjunto com provas colhidas em juízo para a condenação do acusado: "2. O art. 155 do Código de Processo Penal não impede que o juiz, para a formação de seu convencimento, utilize elementos de informação colhidos na fase extrajudicial, desde que se ajustem e se harmonizem à prova colhida sob o crivo do contraditório judicial." (STF, HC 125035/MG, Rel. Min. Dias toffoli, j. 10.02.15) É de se observar que o próprio artigo excepciona a regra inicial e estabelece que o juiz poderá fundamentar exclusivamente sua decisão nos elementos do inquérito policial quando se tratar de provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. O problema está em tentar delimitar o que seriam provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Esta diferenciação não é simples, especialmente porque a origem do art. 155 está no Código de Processo Penal Italiano. Muitas das explicações apresentadas para diferenciar estas três categorias não tocam no âmago da questão e no que realmente as diferencia. São apresentados conceitos sem maior reflexão que acabam por confundir o aluno. Pois o fato que deve ficar bem claro é que estes três termos efetivamente são muito próximos e, muitas vezes, uma prova encontra-se em mais de uma das categorias apresentadas. Comecemos pelas provas antecipadas. Falar em prova antecipada significa que ela está sendo antecipada em relação a algo. Vale dizer: a prova é antecipada quando produzida antes do seu momento próprio, do seu momento previsto no procedimento. Então, imagine que uma testemunha esteja gravemente enferma, prestes a morrer. Ora, nesta situação nada mais natural que seja antecipado seu depoimento para que as informações sejam válidas. Nesta situação, deverá ser nomeado defensor dativo (ou intimado o defensor constituído caso o suspeito tenha nos autos do inquérito policial constituído defensor) para que a prova seja válida. Ao ler o exemplo acima o leitor pode pensar que se trata de exemplo de prova cautelar e está correto sua análise. Trata-se, também, de exemplo de prova cautelar. A prova cautelar se apresenta sempre que houver risco de perecimento da prova. No caso, como a testemunha poderá falecer, há necessidade de antecipação desta prova por força da cautelaridade. Por fim, a prova não repetível é aquela, como o próprio nome diz, que não poderá ser refeita no futuro. Não se trata propriamente de prova cautelar, mas está mais ligada aos chamados meios de obtenção de prova que serão vistos no capítulo relativo à prova. Assim, pense-se na interceptação telefônica. Caso não seja feita naquele momento específico do inquérito policial, por exemplo, não poderá ser repetida no futuro à evidência. Há outros autores que possuem diferentes noções para estes institutos, mas quer nos parecer que, analisados desta forma, ficam mais claros e de fácil compreensão por todos. 6.4. Início do inquérito policial O início do inquérito policial vai depender do tipo de ação penal prevista para o crime cujo inquérito se deseja iniciar. Assim, conforme a ação penal seja pública incondicionada, ou condicionada, ou de iniciativa privada o início se dará de variadas formas. O art. 5.º do CPP estabelece as formas de instauração do inquérito policial, no entanto o rol ali constante não é exaustivo, pois não contempla outros mecanismos de instauração do inquérito. Em geral, o inquérito policial poderá ser instaurado pelos seguintes mecanismos: a) notitia criminis b) requisição c) portaria d) auto de prisão em flagrante. 6.4.1. Notitia criminis A notitia criminis é uma das formas de início do inquérito policial para os crimes de ação penal pública. Trata-se do conhecimento pela autoridade policial de um fato delituoso. Quanto à classificação da notitia criminis temos:21 a) notitia criminis de cognição imediata ou espontânea - ocorre quando a autoridade policial toma conhecimento dos fatos por meio de suas atividades rotineiras. Nestes casos a autoridade policial não é provocada por qualquer pessoa. b) notitia criminis de cognição mediata ou provocada - ocorre quando a autoridade policial toma conhecimento do fato por meio de um expediente escrito (requisição, representação do ofendido etc.). Segundo Frederico Marques ela é "(...)o ato jurídico com que alguém dá conhecimento a um dos órgãos da persecutio criminis, ou à autoridade com funções investigatórias, da prática de fato delituoso."22 c) notitia criminis de cognição coercitiva - ocorre quando a autoridade policial toma conhecimento do fato pela apresentação do acusado preso em flagrante.23 Ainda dentro das classificações, há outras três que são de importante conhecimento: a) Delatio criminis - Trata-se de uma espécie de notitia criminis caracterizada pela comunicação de uma infração penal à autoridade policial feita por terceiro que não a vítima ou seu representante legal.24 b) Delatio criminis postulatória - Trata-se da representação nos crimes que a exigem. c) Delatio criminis inqualificada - Trata-se da notitia criminis que não possui identificação, ou seja, daquela vulgarmente conhecida como "denúncia anônima". 6.4.1.1. Delatio criminis inqualificada e a instauração do inquérito policial Discute-se se a denúncia anônima permitiria a instauração de inquérito policial por parte da autoridade policial. A discussão existe fundamentalmente porque a Constituição Federal veda o anonimato no art. 5.º, IV: "É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". Tanto o STF quanto o STJ possuem o mesmo entendimento. A instauração do inquérito policial baseada tão somente em denúncia anônima não é possível, mas é possível que a autoridade policial faça diligências e, a partir delas, caso encontre algum elemento que justifique, poderá instaurar o inquérito policial.25 Nesse sentido temos: "3. Embora não possa servir como parâmetro único da persecução penal, a delatio criminis anônima pode servir para dar início às investigações e colheitas de elementos acerca da possível prática de infração penal, de sorte a posteriormente e de forma fundamentada desencadear medidas cautelares de maior peso. 4. Na hipótese em apreço, constata-se que a comunicação anônima não foi o único dado que serviu para embasar a interceptação telefônica autorizada judicialmente, que ensejou as quebras de sigilos de outros terminais, eis que existentes diligências prévias à medida constritiva extrema. 5. Não se vislumbra qualquer flagrante ilegalidade, visto que a quebra do sigilo, a prisão e a denúncia em desfavor do paciente não estão intimamente amparadas nos informes apócrifos recebidos, existindo procedimentos investigatórios preliminares anteriores à requisição da medida constritiva extrema." (STJ, HC 297144/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 10.02.15). E também no caso do STF: "A jurisprudência do STF é unânime em repudiar a notícia-crime veiculada por meio de denúncia anônima, considerando que ela não é meio hábil para sustentar, por si só, a instauração de inquérito policial. No entanto, a informação apócrifa não inibe e nem prejudica a prévia coleta de elementos de informação dos fatos delituosos (STF, Inquérito 1.957-PR) com vistas a apurar a veracidade dos dados nela contidos (STF, HC 107362/PR, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 10.02.15). notitia criminis a autoridade policial tem o dever funcional de instaurar o inquérito policial. No entanto, esta obrigatoriedade pode ser mitigada seja nos casos de requerimento do ofendido seja nos casos envolvendo requisição do juiz ou do promotor. A autoridade policial poderá indeferir o requerimento do ofendido para a abertura de inquérito policial caso, por exemplo, entenda que o fato narrado pelo ofendido seja atípico. Nesta situação do indeferimento caberá recurso para o chefe de polícia. Trata-se de recurso administrativo, ou seja, recurso que não se encontra previsto no Código de Processo Penal mas nas leis dos respectivos estados. Esta mesma observação vale para questionar quem é o chefe de polícia. Cada Estado tem a organização da sua polícia e da sua segurança pública. Assim, cada Estado define quem é o chefe de polícia. Quanto ao indeferimento da requisição, vale o que foi dito no tópico 4.4 quando se discutiu a diferença entre requisição e requerimento de instauração do inquérito policial: apenas em situações excepcionais em que haja ordem manifestamente ilegal é que poderá a autoridade policial deixar de atender a requisição. 6.5. Desenvolvimento do inquérito policial O Código de Processo Penal não estabelece sequência obrigatória a ser observada pela autoridade policial no curso do inquérito policial. Nem teria mesmo sentido que assim o fizesse, na medida em que ela deve ter discricionariedade para seguir o melhor caminho para cada investigação, conforme as necessidades do caso concreto. Assim, o disposto no art. 6.º do CPP estabelece um rol de condutas a serem tomadas, mas não necessariamente na ordem ali contida:32 "I- dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; IV - ouvir o ofendido; V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, [do Código de Processo Penal], devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura; VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações; VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes; IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter." 6.5.1. Reprodução simulada dos fatos A reprodução simulada dos fatos também conhecida como reconstituição consiste no refazimento simulado do ato criminoso para verificar se a infração pode ter sido praticada de determinada forma. Segundo o art. 7.º do CPP poderá ser feita a reprodução desde que não haja contrariedade à moralidade ou à ordem pública. Ambos os conceitos, moralidade e ordem pública, são de difícil precisão. Devem ser avaliados pela autoridade policial ou judicial com muita cautela e, em especial, a questão da moralidade. Deve-se tentar buscar equilíbrio na definição do que seja moralidade de forma a preservar os direitos individuais tanto do indiciado quanto da vítima, sem contudo afetar sobremaneira a eficácia da investigação. No âmbito dos tribunais superiores alguns temas tem sido objeto de atenção pelo STF e pelo STJ. Já se entendeu que a realização de reprodução simulada dos fatos após o encerramento do inquérito policial sem que houvesse qualquer pedido das partes não viola o devido processo legal: "2. Alegada nulidade do processo, aos seguintes argumentos: a) ilegalidade do interrogatório policial, efetivado no curso da ação penal, meses após o recebimento da denúncia; b) Elaboração, pelo instituto de criminalística, de laudo contendo a reprodução simulada dos fatos, sem qualquer solicitação da Defesa ou determinação do Ministério Público ou do Juízo, quando já havia sido concluído o inquérito e a ação penal encontrava-se em estado adiantado. 3. Não ocorrência. 4. Ordem denegada" (HC 98.660/SP, j. 29.11.2011, rel. Min. Gilmar Mendes). A reprodução simulada pode ser determinada pela autoridade policial ou pelo juiz, mas, neste último caso, o pedido de reprodução simulada tem que ser feito em bases sólidas e claras sob pena de indeferimento: "1. A reprodução simulada de fatos, nos termos do art. 7.º do CPP, tem por objetivo verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, bem como sanar eventuais dúvidas acerca da autoria do delito. 2. De acordo com o art. 184 do CPP, 'salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade'. O texto legal refere-se ao juízo de conveniência tanto da autoridade policial, quanto do magistrado, no que tange à relevância, ou não, da prova resultante da diligência requerida. Assim, não cabe ao Superior Tribunal de Justiça aferir, em lugar do magistrado, a importância da prova para o caso concreto. Precedentes. 3. Recurso ordinário a que se nega provimento" (STJ, RHC 28.286/RJ, j. 17.04.2012, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze). O suspeito ou indiciado não é obrigado a colaborar de maneira ativa com a reprodução simulada dos fatos. Parcela da doutrina entende que pode ser determinado seu comparecimento ao ato,33 mas o STF tem entendido que nem mesmo de maneira passiva pode ser determinado seu comparecimento ao ato: "c) o direito de se recusar a participar, ativa ou passivamente, de procedimentos probatórios que lhe possam afetar a esfera jurídica, tais como a reprodução simulada (reconstituição) do evento delituoso e o fornecimento de padrões gráficos ou de padrões vocais para efeito de perícia criminal" (HC 96.219/SP, j. 23.06.09, rel. Min. Celso de Mello). 6.5.2. Prazo para a conclusão do inquérito O princípio da razoável duração do processo previsto no art. 5.º, LXXVIII, da CF tem incidência ampla, seja na fase processual seja na fase do inquérito policial. E é justamente por isso que o inquérito policial possui prazos que devem ser respeitados.34 Estes prazos variam conforme os tipos de inquérito policial que existam. Podemos organizá-los da seguinte forma: Natureza Preso Solto Regra Geral - Art. 10 10 dias 30 dias Justiça Federal - Art. 66 Lei 5.010/1966 15 dias - pode ser prorrogado por mais 15 30 dias Tóxicos - Art. 51 Lei 11343/2006 30 dias - pode ser duplicado 90 dias Inquérito Militar 20 dias 40 dias Lei 1.521/1951, Art. 10, § 1.º - Crimes contra economia popular 10 dias 10 dias A contagem deste prazo se dá segundo a regra do direito processual. Vale dizer: trata-se de prazo processual e não de prazo de Direito Penal material. Assim, exclui-se o dia do início e inclui-se o dia do final.35 Desta forma, caso seja preso no dia 08, o inquérito deverá ser encerrado no dia 18. Se o dia 18 cai em final de semana ou feriado será prorrogado para o primeiro dia útil seguinte.36 Como regra o prazo do inquérito policial quando o indiciado encontra-se solto poderá ser prorrogado. Não há no Código de Processo Penal limitação para a duração desta prorrogação, ou seja, não há indicação de quantas vezes poderia haver esta prorrogação. No entanto, é importante notar que a investigação não pode durar por tempo indeterminado. Com efeito, investigação que dure por tempo indevido viola o princípio da duração razoável do processo e constitui-se em constrangimento ilegal que poderá ser sanado pela via do Habeas Corpus. A jurisprudência não fixou parâmetros para dizer o que é demora indevida do inquérito ou mesmo quais as sanções, mas estabelece quando se admite ampliação da duração do inquérito como no caso abaixo: "Agravo regimental em recurso ordinário em habeas corpus. Excesso de prazo na conclusão de inquérito policial. Recorrente em liberdade. Inexistência de lesão à liberdade de locomoção. Razoabilidade do prazo. Diversidade de fatos e pessoas investigadas. Recurso a que se nega provimento. 1. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o tempo despendido para a conclusão do inquérito assumiria relevância, caracterizando, de fato, constrangimento ilegal, se o recorrente estivesse preso durante o curso das investigações ou se o prazo prescricional tivesse sido alcançado nesse interregno e, ainda assim, a ação penal continuasse em andamento. No entanto, nenhuma dessas hipóteses se fez presente. 2. De mais a mais, a complexidade da causa justifica um maior cuidado na condução dos trabalhos de investigação e, por conseguinte, a dilatação dos prazos, nos termos do art. 10, § 3.º, do CPP. No caso, trata-se de investigação destinada a apurar 'uma imensa pluralidade (passe a redundância) de fatos, aparentemente envolvendo quadrilha ou bando - para não falarmos em organização criminosa - integrado por mais de 20 (vinte) pessoas, em diferentes locais da Federação'. 3. Agravo regimental a que de nega provimento" (AgRg no RHC 28.133/DF, j. 21.06.2012, rel. Marco Aurelio Bellize). Na prática cotidiana os motivos normais para a prorrogação do inquérito policial normalmente se dá porque a autoridade policial não conseguiu levantar elementos que apontem indícios suficientes de autoria e prova da materialidade. Essa prorrogação de prazo é requerida pela autoridade policial nos autos do inquérito que são encaminhados para o juiz. O juiz abre vista para o Ministério Público e, em havendo a concordância deste, o juiz irá deferir o prazo. Caso o Ministério Público discorde, entendemos que o juiz não poderá autorizar o prazo na medida em que o titular da ação penal é o próprio Ministério Público e a ele cabe o juízo de oportunidade e conveniência. É evidente que o sistema não se mostra adequado. O inquérito deveria tramitar diretamente entre a autoridade policial e o MP. No sistema atual o juiz atua em verdade como chancelador da posição do Ministério Público que é o verdadeiro titular da ação penal dado o sistema acusatório.37 O Ministério Público decidirá sobre a prorrogação do inquérito policial, ainda que esta seja fundada em diligências solicitadas pela defesa, e em caso de indeferimento, o Ministério Público oferecerá a denúncia e a diligência solicitada será realizada durante a tramitação do processo. Caso o indiciado encontre-se preso, somente poderá haver prorrogação nos casos envolvendo a Justiça Federal (ocasião em que o prazo poderá ser prorrogado por igual período de 15 dias) e nos casos envolvendo tráfico de drogas (o prazo poderá ser dobrado) ou ainda nos casos envolvendo prisão temporária em crimes hediondos ou assemelhados (30 dias prorrogáveis por igual prazo). É preciso que se entenda adequadamente o que se quer dizer com a expressão "poderá ser prorrogado" o inquérito nestes casos. Na verdade, o inquérito poderá ser prorrogado mesmo nos outros casos, mas nesta ocasião haverá excesso que irá gerar o relaxamento da prisão preventiva decretada. Então que se fique claro: prorrogação sem sanção de relaxamento da prisão poderá haver nas hipóteses de crimes afetos à Justiça Federal, tráfico de drogas e nas hipóteses de prisão temporária em crimes hediondos ou assemelhados. Nos demais casos, haverá a sanção do relaxamento da prisão preventiva decretada: "Ultrapassado, em muito, o prazo previsto nos arts. 10, caput, e 46, ambos do CPP, é de se reconhecer o constrangimento ilegal para o réu cautelarmente preso, advindo do excesso de prazo para o oferecimento da denúncia. Ordem concedida" (STJ, HC, 99.701/AL, j. 09.09.08, rel. Min. Felix Fischer). Quando o Código de Processo Penal foi feito a situação do indiciado quanto à sua liberdade era baseada em um binômio: ou o indiciado estava preso ou o indiciado estava solto. Em 2011 este leque de opções foi amplamente alterado com o estabelecimento da possibilidade de medidas cautelares pessoais. Hoje o indiciado pode estar preso, solto, ou submetido a alguma das medidas cautelares pessoais diversas da prisão previstas no art. 318 ou medida alternativa prevista no art. 317. Quanto à medida alternativa prevista no art. 317 (prisão domiciliar) não há dúvida de que deverá seguir o prazo do inquérito do indiciado preso. Isto porque a prisão domiciliar pressupõe o decreto de prisão preventiva e sua substituição pela prisão domiciliar. Problema maior se tem nas hipóteses das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP. A jurisprudência não tem se manifestado quanto a este tema e a resposta não pode ser aproximação plena das hipóteses do art. 319 com a prisão para fins de duração do inquérito policial. Aquelas medidas do art. 319 que representam restrição da liberdade em menor intensidade não justificam a aproximação do inquérito policial. Estas devem seguir o prazo normal do inquérito (30 dias como regra geral). Já as medidas que representam intensa restrição aos direitos do indiciado devem ser equiparadas aos casos de indiciado preso para fins de duração do inquérito policial. Desta forma, por este critério, o inquérito deverá ser encerrado no prazo de 10 dias quando forem aplicadas as seguintes medidas alternativas à prisão: 6.5.4.2. Condutas a serem tomadas com o indiciamento e as modalidades de indiciamento Com o indiciamento são tomadas uma série de condutas por parte da autoridade policial: a) Identificação do suspeito; b) Pregressamento (que consiste na colheita de dados da vida pregressa do indiciado); c) Interrogatório do indiciado; d) Comunicação aos órgãos de identificação e estatística do indiciamento ocorrido em face do suspeito. Quanto ao interrogatório, é importante notar que não segue as regras do Código de Processo Penal (art. 187 e ss), de forma que não há que se falar em abertura, pela autoridade policial, de reperguntas por parte da defesa. Esta não aplicação do modelo do Código de Processo Penal contudo não significa que o advogado não possa sugerir ao delegado determinadas perguntas que considere relevantes. É importante notar que a prerrogativa dada a autoridades no art. 221 do CPP não se aplica quando for hipótese de autoridade que seja investigada e não testemunha como já decidiu o STJ: "As autoridades com prerrogativa de foro previstas no art. 221 do CPP, quando figurarem na condição de investigados no inquérito policial ou de acusados na ação penal, não têm o direito de serem inquiridas em local, dia e hora previamente ajustados com a autoridade policial ou com o juiz. Isso porque não há previsão legal que assegure essa prerrogativa processual, tendo em vista que o art. 221 do CPP se restringe às hipóteses em que as autoridades nele elencadas participem do processo na qualidade de testemunhas, e não como investigados ou acusados. Precedente citado do STF: Pet 4.600-AL, DJe 26/11/2009. HC 250.970-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, j. em 23/9/2014." Há, basicamente, duas modalidades de indiciamento, conforme o suspeito esteja presente ou não: a) indiciamento direto - É o realizado quando presente o suspeito e é a regra no processo penal. b) indiciamento indireto - É o realizado quando ausente o suspeito. 6.5.5. A identificação criminal 6.5.5.1. Regras que regem o tema e abrangência dos atos As regras que regulamentam a identificação criminal estão previstas tanto na Constituição Federal quanto em leis específicas. Cronologicamente temos as seguintes regras incidentes sobre o tema: 1 - CF, art. 5.º, LVIII: "O civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei"; 2 - Lei 8.069/1990, art. 109: "O adolescente civilmente identificado não será submetido a identificação compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de confrontação, havendo dúvida fundada". 3 - Lei 9.034/1995, art. 5.º: A identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas será realizada independentemente da identificação civil. 4 - Lei 10.054/2000, art. 3.º. 5 - Lei 12.037/2009 - Atual Lei de Identificação. No que tange às leis, é importante notar que o STJ considera que a Lei do Crime Organizado foi revogada pela Lei 10.054/2000 conforme se verifica do acórdão abaixo: "Penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Identificação criminal dos civilmente identificados. Art. 3.º, caput e incisos, da Lei 10.054/2000. Revogação do art. 5.º da Lei 9.034/1995. O art. 3.º, caput e incisos, da Lei 10.054/2000, enumerou, de forma incisiva, os casos nos quais o civilmente identificado deve, necessariamente, sujeitar-se à identificação criminal, não constando, entre eles, a hipótese em que o acusado se envolve com a ação praticada por organizações criminosas. Com efeito, restou revogado o preceito contido no art. 5.º da Lei 9.034/1995, o qual exige que a identificação criminal de pessoas envolvidas com o crime organizado seja realizada independentemente da existência de identificação civil. Recurso provido" (STJ, RHC 12.965/DF, j. 07.10.2003, rel. Min. Felix Fischer). Posteriormente esta Lei 10.054/2000 foi revogada pela Lei 12.037/2009, que é a atual lei de identificação criminal em vigor (a Lei 9.034/1995 também não tem mais incidência em nosso sistema tendo sido revogada). Desta forma, em sede de identificação criminal no processo penal temos as seguintes regras: 1 - CF, art. 5.º, LVIII: "O civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei"; 2 - Lei 12.037/2009 - Atual Lei de Identificação. A identificação abrange dois atos obrigatórios e necessários e um excepcional: a) abrange a identificação dactiloscópica em caráter obrigatório (retirada das impressões digitais) b) abrange a identificação fotográfica em caráter obrigatório c) abrange a identificação genética em caráter excepcional (ver comentários no próximo tópico sobre a constitucionalidade desta medida). 6.5.5.2. Hipóteses de identificação criminal Para que seja feita a identificação criminal é preciso, em primeiro lugar, que a pessoa não seja identificada civilmente. A própria Lei da Identificação Criminal estabelece o que se considera documento para fins de identificação em seu art. 2.º ao dispor: "A identificação civil é atestada por qualquer dos seguintes documentos: I - carteira de identidade; II - carteira de trabalho; III - carteira profissional; IV - passaporte; V - carteira de identificação funcional; VI - outro documento público que permita a identificação do indiciado". No entanto, ainda que possua algum destes documentos poderá ser feita a identificação criminal nas hipóteses estabelecidas no art. 3.º: "I - o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação; II - o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado; III - o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si; IV - a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa;44 V - constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; VI - o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais." Quem determina a identificação criminal é a autoridade policial, salvo na hipótese do inc. IV. Na hipótese do inc. IV somente o juiz poderá determinar a identificação criminal, de ofício, mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa. Uma vez determinada a identificação criminal o juiz ficará prevento, ou seja, o magistrado que autorizar ou negar a identificação quando esta se mostrar essencial às investigações policiais será o juiz natural da futura ação penal, salvo se for hipótese de juiz plantonista (o que atua nos plantões aos finais de semana e feriados). Também quando for essencial para as investigações poderá ser determinada a coleta de material biológico para fins de obtenção do perfil genético. Nestas hipóteses somente o magistrado poderá determinar a coleta do material. É importante notar que este dispositivo legal está pendente de regulamentação por Decreto da Presidenta da República. O tema suscita evidentes controvérsias sobre sua constitucionalidade. É possível alegar a inconstitucionalidade por violação do princípio do nemo tenetur se detegere. De outro lado, é possível sustentar-se que não haveria nenhuma ilegalidade na medida em que se trata de identificação criminal prevista constitucionalmente. De nossa parte entendemos que o tão só fato da coleta de material para a identificação genética não viola a proibição e produção de prova contra si mesmo.45 O ponto nevrálgico aqui está em se entender qual o conteúdo essencial do direito fundamental aqui discutido. A Constituição Federal fala em identificação criminal, mas não apresenta seu conteúdo. O que a nova legislação fez foi ampliar o conteúdo da identificação criminal, antes só restrita ao exame dactiloscópico e fotográfico e agora também tem-se a possibilidade de identificação genética. O conteúdo essencial da proteção do direito fundamental será violado a depender da forma de regulamentação da medida. Esta medida está pendente de regulamentação por parte da Presidenta da República. E saber se viola ou não, dependerá da regulamentação. Podemos pensar, por exemplo, que se houver determinação de algum procedimento que cause sofrimento para a pessoa que será identificada, não haverá compatibilidade com o conteúdo do direito fundamental. De outra forma, se houver o estabelecimento de mecanismo que não cause qualquer forma de dor ou constrangimento, então haverá compatibilidade com o direito fundamental. 6.5.5.3. Identificação Criminal e o uso do material em outras investigações Qual o destino que deve ser dado às fotografias e material genético retirados em determinada investigação caso o inquérito seja arquivado? Poderá a autoridade policial valer-se de arquivo fotográfico na delegacia e mostrar para vítimas de quaisquer outros inquéritos policiais? Poderá a autoridade judicial utilizar o material genético colhido em determinada investigação para comparar com elementos achados em outra investigação? No caso do perfil genético a Lei de Identificação Criminal expressamente autoriza no art. 5.º-A, esclarecendo que estes dados serão armazenados em banco de dados que será gerenciado por unidade oficial de perícia criminal.46 Estabelece a lei que o prazo máximo de permanência destes dados é o prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito, conforme claramente apresenta o art. 7.º-A ao dispor que A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito. No entanto, não há nenhuma disposição para a questão fotográfica. Diante da omissão legal entendemos que poderá ser mantida arquivada a fotografia perante a autoridade policial pelo prazo máximo da prescrição para o delito, aplicando-se por analogia o disposto no art. 7.º da Lei da Identificação Criminal. 6.5.6. Indiciado menor - nomeação de curador O Código de Processo Penal estabelece em seu art. 15 que se o indiciado for menor, ser-lhe-á nomeado curador especial. Esta disposição refere-se ao indiciado menor de 21 anos e maior de 18 anos de idade. Isto porque se for menor de 18 anos trata-se de adolescente e, desta forma, será processado na Vara da Infância e da Juventude e o inquérito seguirá os ditames próprios do Estatuto da Criança e do Adolescente. Superada esta verificação, é preciso notar que este artigo não tem mais aplicação desde 2002. Com a edição do Código Civil em 2002, a pessoa com 18 anos passou a ser plenamente capaz. Desta forma, hoje este artigo não tem mais incidência dado o fato de que a pessoa com 18 anos é plenamente capaz e não mais necessita de qualquer representante. Além disso, o artigo do Código de Processo Penal que determinava que o réu menor de 21 teria curador no processo foi revogado, de forma que entende-se que a finalidade do legislador foi retirar do sistema esta figura. 6.5.7. Irregularidades no inquérito e suas repercussões A posição majoritária se manifesta no sentido de que não há qualquer reflexo no processo de eventuais irregularidades havidas no inquérito policial. Como o inquérito se trata de procedimento administrativo e não de processo não há que se falar em qualquer vício de nulidade, pois a nulidade somente atinge os atos do processo e não do inquérito. Embora esta posição mostra-se acertada na maioria das vezes, há situações em que ela não se mostra correta. Há situações em que a mácula é tão intensa que haverá sim repercussões na esfera do processo. Imaginemos, por exemplo, o tema da prova ilícita. E imaginemos que todos os elementos de convicção e de prova que existem nos autos são decorrentes de prova ilícita ou de prova ilícita derivada. Nesta situação, tendo em vista que a consequência da prova ilícita é justamente o seu desentranhamento (art. 157 do CPP), então isso acabará por macular o processo. Isto porque a consequência para o processo é que irá faltar justa causa para a ação penal por ausência de suporte probatório mínimo para o oferecimento da denúncia. Se não há provas, a denúncia deve ser rejeitada ou até mesmo poderá haver o trancamento do inquérito policial pela via do Habeas Corpus. Para maior compreensão sobre o tema da Justa Causa veja os comentários sobre as condições da ação penal no Capítulo da ação penal. Para maior compreensão da prova ilícita veja os comentários sobre o tema no capítulo das provas. 6.5.8. Requisição administrativa Pode a autoridade administrativa requisitar o uso de propriedade particular durante a investigação criminal? Ou seja, crime diverso do tipificado pela autoridade policial. Poderá ser oferecida queixa-crime ou denúncia mesmo que não haja relatório da autoridade policial.47 Assim, por exemplo, temos a situação em que a autoridade policial requer a concessão de prazo para a continuidade das investigações. Caso o Ministério Público entenda que não são necessárias novas investigações poderá diretamente oferecer denúncia. Isso se deve à característica da dispensabilidade do inquérito policial. Caso o relatório da autoridade policial mostre-se sem qualquer fundamentação, não haverá nulidade a contaminar a ação penal. Como foi dito acima, o inquérito é peça informativa, de forma que seus vícios, em princípio, não contaminam a ação penal. Neste sentido entendeu o STJ: "6. O inquérito é peça meramente informativa, sendo que a ausência de fundamentação do relatório final da autoridade policial não contamina a ação penal" (AgRg no REsp 1.172.258/RS, 5.ª T., j. 16.10.2012, rel. Min. Jorge Mussi). Haverá peculiaridades conforme se trate de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal de iniciativa pública. Vejamos cada uma delas separadamente. 6.6.1. Encerramento do inquérito policial nos crimes de ação penal de iniciativa privada Nos casos envolvendo ação penal de iniciativa privada o inquérito policial é encaminhado para o juízo competente para a ação principal após o relatório da autoridade policial (art. 19 do CPP). Ao chegar em juízo irá aguardar a manifestação do ofendido pelo restante do prazo decadencial (em regra, são 6 meses a contar do conhecimento da autoria, para maiores detalhes vide o capítulo sobre a ação penal). O ofendido poderá oferecer a queixa-crime desde que dentro do prazo decadencial. É importante notar que o prazo de 6 meses se dá para o oferecimento da queixa-crime e não para a instauração do inquérito policial ou para o término do inquérito policial. O querelante pode, ainda, requerer o arquivamento do feito e aqui irá surgir uma questão interessante. Caso o magistrado entenda que havia indícios suficientes para a propositura da ação penal, dado o princípio da disponibilidade da ação penal, então o juiz irá declarar extinta a punibilidade por renúncia ao direito de queixa. Caso o magistrado entenda que razão assiste ao querelante, irá simplesmente arquivar o feito. 6.6.2. Encerramento nos casos envolvendo ação penal de iniciativa pública O trâmite conforme determina o art. 10 do CPP é que os autos sejam encaminhados ao juízo e que este os encaminhe para o Ministério Público. Novamente entendemos que esta atuação não se mostra adequada nos casos em que não haja restrição a direitos fundamentais (como, por exemplo, nas hipóteses em que o réu se encontra preso ou que haja interceptação telefônica). Enquanto não se coloca em nosso sistema a figura do juiz de garantias, deve-se restringir ao máximo a atuação do magistrado no inquérito policial para evitar contaminações indevidas e quebras do modelo acusatório. Ao receber os autos o promotor terá as seguintes opções: a) oferecer denúncia; b) requerer diligências imprescindíveis ao oferecimento da denúncia; c) declinar de suas atribuições e requerer a remessa dos autos para outro Promotor; d) requerer a remessa dos autos para outro juízo caso entenda se tratar de juízo incompetente. Quanto à denúncia, ela será estudada no capítulo da ação penal, mas, por ora, é importante que se compreenda que a denúncia será oferecida sempre que existirem indícios suficientes de autoria e prova da materialidade. Quanto ao requerimento de diligências, é importante notar que nosso sistema vive uma curiosa situação. Entende-se, majoritariamente, que o juiz não pode indeferir as diligências requeridas pelo Ministério Público. Ora, se o juiz não pode indeferir as diligências requeridas pelo MP, qual o sentido de o requerimento ser dirigido ao juiz? Novamente o juiz simplesmente chancela o requerimento feito pelo MP. É preciso que seja repensado o trâmite do inquérito policial, retirando-se a figura do juiz quando não houver hipótese de restrição a direitos fundamentais. Isso torna o inquérito mais ágil. De nossa parte entendemos que se o pedido de diligências for manifestamente indevido, o juiz poderá indeferi-lo dado o princípio da razoabilidade. Não se pode condescender com a irrazoabilidade, de forma que se a decisão pelas diligências for manifestamente irrazoável não poderá ser admitida. Caso o magistrado indefira o pedido de diligências, então duas são as alternativas possíveis. Em regra, caberá mandado de segurança por parte do Ministério Público contra a decisão do Juiz. No entanto, alguns estados preveem em suas leis de organização judiciária um recurso chamado correição parcial. Nestes Estados em que couber a correição parcial, não será cabível o mandado de segurança. O Promotor também pode entender que não se trata de processo afeto a suas atribuições e requerer a redistribuição para outro promotor. Esta hipótese somente se dá caso não haja alteração da competência do juízo, sendo questão interna administrativa entre promotores. Caso o promotor que receba os autos entender que não possui atribuição para atuar no feito, haverá conflito de atribuições entre os promotores. O conflito de atribuições é regulamentado internamente por cada Ministério Público mas, regra geral, quem decide sobre este conflito é o Procurador-Geral de Justiça. Caso o conflito se dê entre promotores de distintos Ministérios Públicos (União e Estado ou entre Estados distintos) a competência para o julgamento será do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, f, da CF). Também pode o promotor entender que se trata de competência afeta a outro juízo e requerer a remessa dos autos para este juízo que entende competente. Não se trata propriamente de exceção de incompetência, mas de alegação de incompetência por simples petição do promotor nos autos. Caso o juiz indefira o pedido do promotor, Gustavo Badaró entende que o promotor deverá oferecer denúncia e, conjuntamente, opor exceção de incompetência para julgamento pelo magistrado.48 O STF, contudo, tem posicionamento diverso nesta questão conforme apontado no item 6.3.1 em que tratamos do arquivamento indireto, devendo ser aplicado o art. 28 do CPP por analogia. Gustavo Badaró ainda cita Tourinho Filho em passagem em que este afirma que se o magistrado rejeitar a exceção será cabível apelação com fundamento no art. 593, II, do CPP. Discordamos de Tourinho Filho na medida em que a sistemática do código é pela inadmissibilidade de recurso da decisão que rejeita a exceção, tanto que o recurso em sentido estrito somente o admite da decisão que acolhe a exceção (art. 581, III, do CPP).49 Daí porque concordamos com a posição de Gustavo Badaró sobre este tema. Por fim, o promotor poderá propor o arquivamento do inquérito policial ao juiz, este tema será tratado no próximo tópico. 6.6.3. Arquivamento do inquérito policial O inquérito policial pode ser arquivado por distintos fundamentos. Podemos destacar entre estes motivos: a) Atipicidade da conduta, ou seja, o fato não constitui crime. b) Excludentes de ilicitude, por exemplo, os fatos praticados em legítima defesa. c) Excludentes da culpabilidade: por exemplo, a inexigibilidade de conduta diversa. De se destacar, neste ponto, que há uma única causa de exclusão da culpabilidade que não gera o arquivamento, trata-se da inimputabilidade, em que obrigatoriamente deverá haver o oferecimento da denúncia. d) Ausência de elementos informativos para a propositura da ação penal: ausência de indícios suficientes de autoria ou de prova da materialidade. É importante notar um detalhe técnico quanto às causas extintivas da punibilidade. Quando o promotor propõe o arquivamento porque considera que está extinta a punibilidade o juiz não determina simplesmente o arquivamento. O juiz deve declarar extinta a punibilidade e, por consequência, determinar a remessa dos autos do inquérito policial ao arquivo. Há um provimento por parte do juiz declarando extinta a punibilidade. Esta orientação técnica é importante, pois irá gerar consequências para as hipóteses de desarquivamento do inquérito policial abaixo tratadas. Em nosso sistema o arquivamento do inquérito policial não é feito pela autoridade policial dado o caráter de indisponibilidade do inquérito (art. 17 do CPP). O arquivamento do inquérito policial é responsabilidade, no ordenamento, de dois órgãos distintos: tanto o Ministério Público quanto o Poder Judiciário participam deste ato. Quando o promotor propõe o arquivamento os autos são enviados para o juiz que pode tomar duas decisões: pode aceitar o pedido de arquivamento e neste caso os autos serão arquivados ou pode dele discordar. Caso o juiz discorde do pedido do promotor deverá aplicar o art. 28 do CPP que faculta ao Procurador-Geral as seguintes possibilidades: a) ele próprio oferecer denúncia; b) designar outro promotor; c) insistir no arquivamento; d) determinar a realização de novas diligências. A primeira situação não é comum na prática cotidiana. Isto porque o Procurador- Geral possui uma série de importantes atribuições que lhe demandam a atenção, dando em regra atenção para outros casos, conduta que se mostra a nosso ver mais razoável. Também poderá o Procurador-Geral designar outro Promotor de Justiça para oferecer denúncia. A necessidade de ser outro promotor se dá pelo fato de que os promotores gozam de independência funcional, de forma que não poderia o Procurador-Geral determinar a um promotor que entende ser caso de arquivamento que oferecesse a denúncia.50 No entanto, é preciso que se observe esta situação com cautela. O promotor designado pelo Procurador-Geral tem o dever funcional de oferecer denúncia. Não poderá este promotor invocar a independência funcional. Isto porque este promotor designado não atua em nome próprio, mas se trata em verdade de uma longa manus do Procurador-Geral, ou seja, ele atua em nome do Procurador-Geral, sendo seu representante. No âmbito da Justiça Federal, o arquivamento do inquérito policial possui uma peculiaridade, caso o juiz discorde da proposta de arquivamento feita pelo promotor o juiz remeterá os autos para a Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, esta dará um parecer e então remeterá os autos para o Procurador-Geral da República. Este parecer é meramente opinativo e não vincula o Procurador-Geral. Este procedimento também se aplica ao MP do Distrito Federal e Territórios, mas neste caso os autos não vão para o Procurador-Geral da República e sim para o Procurador-Geral do Distrito Federal. Nos casos envolvendo competência originária, não há que se falar em aplicação do art. 28 do CPP.51 O pedido do Procurador-Geral é de observância obrigatória como já decidiu o STJ ou mesmo de qualquer membro do Ministério Público que atue em sede de competência originária: "Se membro do MPF, atuando no STJ, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação que tramitem originariamente perante esse Tribunal Superior, este, mesmo considerando improcedentes as razões invocadas, deverá determinar o arquivamento solicitado, sem a possibilidade de remessa para o Procurador-Geral da República, não se aplicando o art. 28 do CPP. Isso porque a jurisprudência do STJ é no sentido de que os membros do MPF atuam por delegação do Procurador-Geral da República na instância especial. Assim, em decorrência do sistema acusatório, nos casos em que o titular da ação penal se manifesta pelo arquivamento de inquérito policial ou de peças de informação, não há alternativa, senão acolher o pedido e determinar o arquivamento. Nesse passo, não há falar em aplicação do art. 28 do CPP nos procedimentos de competência originária do STJ"( Inq 967-DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 18.3.15) De nossa parte entendemos que o arquivamento do inquérito policial não deve passar pelo crivo do juiz. Ao passar pelo crivo do juiz este juiz é forçado a emitir um juízo sobre os fatos narrados.52 Quando ele emite um juízo de que há provas, este juiz acaba por perder a imparcialidade para julgar o caso na hipótese de virar processo. O sistema acusatório nesta hipótese é ferido de morte.53 O Código de Processo Penal é que precisa adaptar-se ao sistema acusatório e não o contrário. Daí porque entendemos que o sistema de controle do arquivamento deve ser unicamente feito dentro do Ministério Público. É comum que alguns leitores nessa hora costumem pensar que não há problemas, pois suas comarcas possuem mais de um juiz ou mais de uma vara. Ora é preciso sempre pensar com os olhos voltados para o Brasil. Raras são as comarcas em que isso acontece. A maioria das comarcas do Brasil é formada por um único juiz que cuida de todos os processos e inquéritos. Enquanto vigorar o sistema do art. 28 teremos quebras diárias do sistema acusatório, pois o mesmo juiz que decidiu que havia indícios suficientes de autoria é o juiz que irá julgar a causa. Um sistema que se mostraria adequado para solucionar este feito seria a troca de juízes. A lei deveria prever que o juiz que aplicasse o art. 28 do CPP ficaria impedido de julgar o processo e assumiria seu substituto automático (ou o juiz da vara ao lado ou o juiz da comarca mais próxima). Por fim, de se notar que, embora não conste expressamente no art. 28, a práxis consagrou a possibilidade de o Procurador-Geral baixar os autos para a realização de diligências antes de tomar alguma daquelas posturas mencionadas no art. 28 do CPP. a) quando o juiz reconhecer a atipicidade da conduta, ou seja, que o fato imputado não constitui crime;60 b) quando for declarada extinta a punibilidade (salvo nos casos em que haja certidão de óbito falsa, como se verá no capítulo de ação penal);61 Nestas hipóteses a declaração do magistrado pela atipicidade da conduta ou pela extinção de punibilidade haverá coisa julgada material de maneira que não poderá ser desarquivado o inquérito policial. Mesmo que o arquivamento seja promovido por juízo absolutamente incompetente entende-se que pelos princípios do favor rei, favor libertatis e ne bis in idem não é possível a reabertura de inquérito policial no juízo competente: "Cuida-se de habeas corpus em que se discute, em síntese, se a decisão que determina o arquivamento do inquérito policial no âmbito da Justiça comum, reconhecendo a atipicidade do fato e a incidência de cláusula excludente da ilicitude, impede o recebimento da denúncia pelo mesmo fato perante a Justiça especializada, no caso a Justiça Militar. A Turma concedeu a ordem ao entendimento de que a decisão de arquivamento do inquérito policial no âmbito da Justiça comum, acolhendo promoção ministerial no sentido da atipicidade do fato e da incidência de causa excludente de ilicitude, impossibilita a instauração de ação penal na Justiça especializada, uma vez que o Estado-Juiz já se manifestou sobre o fato, dando-o por atípico, o que enseja coisa julgada material. Registrou-se que, mesmo tratando-se de decisão proferida por juízo absolutamente incompetente, deve-se reconhecer a prevalência dos princípios do favor rei, favor libertatis e ne bis in idem, de modo a preservar a segurança jurídica que o ordenamento jurídico demanda. Precedentes citados do STF: HC 86.606-MS, DJ 03.08.2007; do STM: CP-FO 2007.01.001965-3-DF, DJ 11.01.2008; do STJ: APn 560-RJ, DJe 29.10.2009; HC 90.472-RS, DJe 03.11.2009; RHC 17.389-SE, DJe 07.04.2008; HC 36.091-RJ, DJ 14.03.2005, e HC 18.078-RJ, DJ 24.06.2002" (STJ, HC 173.397/RS, j. 17.03.11, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura). O Superior Tribunal de Justiça entende que nesta hipótese de extinção da punibilidade deve ser excluída informação do indiciado constante de folha de antecedentes por violar a proteção da intimidade: "É indevida a manutenção na folha de antecedentes criminais de dados referentes a processos nos quais foi reconhecida a extinção da pretensão punitiva estatal. Não há por que serem mantidos os registros do investigado ou processado no banco de dados do instituto de identificação nos casos de arquivamento do inquérito policial, absolvição, reabilitação ou extinção da punibilidade pelo advento da prescrição, porquanto as referidas informações passam a ser de interesse meramente eventual do juízo criminal. A manutenção dos dados na folha de antecedentes criminais nessas circunstâncias constitui ofensa ao direito à preservação da intimidade de quem foi investigado ou processado. Assim, os dados deverão ficar apenas registrados no âmbito do Poder Judiciário e disponibilizados para consultas justificadas de juízes criminais" (STJ, RMS 29.273/SP, j. 20.09.2012, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura). Não há manifestação quanto à atipicidade da conduta, no entanto, por dever de coerência, o raciocínio deve ser o mesmo. Desde que o arquivamento do inquérito policial faça coisa julgada material não deve constar na folha de antecedentes do indivíduo. Há, porém, questão polêmica referente ao arquivamento fundamentado em excludente de ilicitude. O STF tem o entendimento de que este arquivamento não faz coisa julgada material. No entanto, o próprio Supremo está revendo esta questão no Habeas Corpus 87.395/PR de Relatoria do Min. Ricardo Lewandowski e a tendência é que altere seu posicionamento. O feito ainda não foi julgado62. O STJ antes mesmo do julgamento do HC do Supremo Tribunal Federal acima mencionado entende que faz coisa julgada material o arquivamento do inquérito policial fundado em causa excludente da ilicitude: "Promovido o arquivamento do inquérito policial pelo reconhecimento de legítima defesa, a coisa julgada material impede a rediscussão do caso penal em qualquer novo feito criminal, descabendo perquirir a existência de novas provas. Isso porque a decisão judicial que define o mérito do caso penal, mesmo no arquivamento do inquérito policial, gera efeitos de coisa julgada material. Ademais, a decisão judicial que examina o mérito e reconhece a atipia ou a excludente da ilicitude é prolatada somente em caso de convencimento com grau de certeza jurídica pelo magistrado. Assim, na dúvida se o fato deu-se em legítima defesa, a previsão legal de presença de suporte probatório de autoria e materialidade exigiria o desenvolvimento da persecução criminal. Ressalte-se que a permissão de desarquivamento do inquérito pelo surgimento de provas novas contida no art. 18 do CPP e na Súmula 524/STF somente tem incidência quando o fundamento do arquivamento for a insuficiência probatória - indícios de autoria e prova do crime. Pensar o contrário permitiria a reabertura de inquéritos por revaloração jurídica e afastaria a segurança jurídica das soluções judiciais de mérito, como no reconhecimento da extinção da punibilidade, da atipia ou de excludentes da ilicitude." (STJ, Resp 791471/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 25.11.14). O STF contudo, abandonando o julgamento do feito acima mencionado julgou este tema em data posterior ao STJ e entendeu não haver coisa julgada material mesmo em se tratando de causa excludente da ilicitude: "O arquivamento de inquérito policial em razão do reconhecimento de excludente de ilicitude não faz coisa julgada material. Esse o entendimento da Segunda Turma, que, em conclusão de julgamento e por maioria, denegou a ordem em "habeas corpus" em que se pleiteava o reconhecimento da coisa julgada material e a extinção de ação penal. No caso, em razão da suposta prática do delito de homicídio tentado (CP, art. 121, § 2º, IV, c/c art. 14, II), foram instaurados dois inquéritos - um civil e um militar - em face do ora paciente e de corréus. O inquérito policial militar fora arquivado em 21.10.1993, a pedido do Ministério Público, que entendera que os agentes teriam agido em estrito cumprimento de dever legal. Já no inquérito policial civil, o paciente fora denunciado em 23.12.1998 e, instruída a ação penal, condenado à pena de 10 anos de reclusão. O Colegiado, inicialmente, destacou que, à época em que proferida a decisão determinando o arquivamento do inquérito policial militar, a Justiça Castrense seria competente para processar e julgar o paciente pelo delito em questão, já que somente com o advento da Lei 9.299/1996 teria sido deslocado o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civis para o tribunal do júri. Por outro lado, consoante o Enunciado 524 da Súmula do STF, decisão proferida por juiz competente, em que tivesse sido determinado o arquivamento de inquérito a pedido do Ministério Público, em virtude de o fato apurado estar coberto por causa excludente de ilicitude, não obstaria o desarquivamento quando surgissem novas provas, reiterado o que decidido no HC 95.211/ES (DJe de 22.8.2011). A decisão da Justiça Militar, na hipótese em comento, não afastara o fato típico ocorrido, mas sim sua ilicitude, em razão do estrito cumprimento do dever legal, que o Ministério Público entendera provado a partir dos elementos de prova de que dispunha até então. Nesse diapasão, o eventual surgimento de novos elementos de convicção teria o condão de impulsionar a reabertura do inquérito na justiça comum, a teor do art. 18 do CPP ("Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia"). Na espécie, a simples leitura das provas constantes dos autos apontaria uma nova versão para os fatos delituosos, em consequência do prosseguimento das investigações na justiça comum, não havendo impedimento legal para a propositura da nova ação penal contra o paciente naquela seara. Vencido o Ministro Teori Zavascki (relator), que entendia estar configurada a coisa julgada material. (STF, HC 125101/SP, rel. orig. Min. Teori Zavascki, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 25.8.2015.) Entendo que a razão está com o STF. Não se pode conceder ao arquivamento do inquérito policial efeito típico daquele promovido por sentença, em que há cognição plena ou exauriente. Nem se diga que seria o mesmo efeito dado à atipicidade da conduta. É que o juízo de cognição necessário para a análise da atipicidade da conduta é mais simples do que aquele envolvendo causas excludentes da ilicitude. Acompanhamos assim a posição do STF. O inquérito policial também poderá ser encerrado pela via do trancamento. O trancamento do inquérito policial quando não houver justa causa, ou seja, quando há indícios evidentes da inocência do indiciado, ou quando há atipicidade da conduta ou ainda quando esteja extinta a punibilidade. Esta situação contudo é medida excepcional e que deve estar plenamente comprovada e desde logo, sem que haja necessidade de aprofundamento do contexto fático probatório como reconhece a jurisprudência conforme se verifica de ambos os julgados abaixo indicados: "2. Há possibilidade de trancamento de inquérito em sede de habeas corpus quando o reconhecimento da atipicidade da conduta não demandar revolvimento fático-probatório, notadamente como na espécie" (STJ, HC 318518/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 14.04.15). "9. In casu, o acórdão do Superior Tribunal de Justiça observou que a ausência de justa causa que justificaria o trancamento da ação penal seria aquela que evidenciasse clara causa extintiva de punibilidade ou fato narrado atípico, verbis: 'O fato de não estar, de imediato e cabalmente comprovada a ocultação de valores, não indica a impossibilidade de manutenção da ação penal, sobretudo por estarem presentes indícios fortes da ocorrência criminosa. O trancamento da ação penal só é cabível quando evidente está uma causa extintiva da punibilidade, o fato narrado é atípico e ressalta aos olhos, de plano, a ausência de justa causa para o seu prosseguimento, o que não se pode, na hipótese dos autos, se verificar sem aprofundamento na prova, situação totalmente incompatível com o writ. É notório que a vultuosa quantia transacionada internacionalmente é presumidamente de origem ilícita, posto que, se não fosse, não haveria a necessidade de se recorrer a tal caminho obscuro. Diante disto, entendo que a denúncia atacada contém os elementos necessários exigidos em lei, descreve fato típico, há aparentes indícios de autoria e da existência do delito imputado ao paciente, logo, não se justifica o pleiteado trancamento da ação penal" (STF, HC 93.368, j. 09.08.2011, rel. Min. Luiz Fux). O conteúdo da justa causa precisa ser melhor definido pelos Tribunais Superiores, pois ora se utiliza um conteúdo e ora outro. O tema da falta de justa causa será mais bem tratado no capítulo da ação penal. Trancado o inquérito policial é de se discutir o destino do material probatório existente no inquérito que fora trancado. Vale dizer, poderá ser usado em nova investigação o material que fora anteriormente colhido no inquérito trancado? O STJ entendeu que sim conforme se vê do seguinte julgado: "A fim de não restarem dúvidas, porém, torno certo que a concessão da ordem por inválida investigação desenvolvida na polícia federal, acarreta também a invalidação dos indiciamentos ali realizados e pertinentes registros desfavoráveis a indiciados, isto atingindo a todos por aquela investigação perseguidos. A prova poderá ser aproveitada na polícia civil, a quem competirá realizar novas oitivas, indiciamento e validamente conduzir a persecução investigatória plena." (STJ, Edcl no RHC 50054/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 04.12.14). De nossa parte entendemos que a questão não pode ser decidida de maneira unicamente ambivalente com um simples sim ou não. Entendemos que o material colhido no inquérito policial trancado poderá ser utilizado ou não a depender do motivo que ensejou o trancamento do inquérito policial. Se o motivo pelo qual houve o trancamento do inquérito policial é daqueles que contaminam todo o material colhido, então nada poderá ser aproveitado. Caso contrário, o que não estiver contaminado poderá ser usado. Assim, a título de exemplo, caso seja determinado o trancamento do inquérito policial dada a ilicitude da prova e consequente desentranhamento e inutilização, tudo o que dela decorrer não poderá ser utilizado em outro inquérito. Por outro lado, caso seja trancado o inquérito policial por violação da Súmula Vinculante 24 não há justificativa para que não seja utilizado, posteriormente, o material produzido no inquérito policial. 6.7. Técnicas especiais de investigação Tem surgido na doutrina a utilização de terminologia nova ligada à investigação, trata-se das chamadas técnicas especiais de investigação. As técnicas especiais de investigação encontram previsão normativa na Convenção de Palermo, mais precisamente em seu art. 20 que dispõe: "Artigo 20 - Técnicas especiais de investigação 1. Se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o permitirem, cada Estado Parte, tendo em conta as suas possibilidades e em conformidade com as condições prescritas no seu direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir o recurso apropriado a entregas vigiadas e, quando o considere adequado, o recurso a outras técnicas especiais de investigação, como a vigilância eletrônica ou outras formas de vigilância e as operações de infiltração, por parte das autoridades competentes no seu território, a fim de combater eficazmente a criminalidade organizada. 2. Para efeitos de investigações sobre as infrações previstas na presente Convenção, os Estados Partes são instados a celebrar, se necessário, acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais apropriados para recorrer às técnicas especiais de investigação, no âmbito da cooperação internacional. Estes acordos ou protocolos serão celebrados e aplicados sem prejuízo do princípio da igualdade soberana dos Estados e serão executados em estrita conformidade com as disposições neles contidas. 3. Na ausência dos acordos ou protocolos referidos no parágrafo 2 do presente Artigo, as decisões de recorrer a técnicas especiais de investigação a nível internacional serão tomadas casuisticamente e poderão, se necessário, ter em conta acordos ou protocolos financeiros relativos ao exercício de jurisdição pelos Estados Partes interessados. 4. As entregas vigiadas a que se tenha decidido recorrer a nível internacional poderão incluir, com o consentimento dos Estados Partes envolvidos, métodos como a intercepção de mercadorias e a autorização de prosseguir o seu encaminhamento, sem alteração ou após subtração ou substituição da totalidade ou de parte dessas mercadorias." Danilo Andreato, partindo da definição legal, as define como "(...) meios de prova ou de obtenção de elementos de prova utilizados quando da inviabilidade de obtê-los por intermédio dos instrumentos investigativos convencionais, em última análise restritos a provas documental e/ou testemunhal, insuficientes para dar corpo ao dever de proteção e direito à segurança principalmente em face das características estruturais do crime organizado e da complexidade dos delitos econômicos e transnacionais do cometidos por grupos dessa espécie.".63 Também Luiz Rascovski também as define como " (...)novos e possíveis meios de investigação para obtenção de provas essenciais que levem à penalização das organizações criminosas(...)".64 De igual forma temos a definição apresentada por Hans Nilsson como "techniques for gathering information systematically in such a way as not to allow the target person to know of them, applied by law enforcement official for the purpose of detecting and investigating crimes and suspects".65 Não há dúvida de que, ao menos por força da previsão convencional, nossos olhos devem se voltar a este fenômeno: técnicas especiais de investigação. De todas as definições acima apresentadas salta aos olhos que a clandestinidade é uma das características essenciais das técnicas especiais de investigação.66 Este elemento de clandestinidade fica ainda mais claro quando pensamos nas técnicas especiais de investigação expressamente mencionadas na Convenção de Palermo: a) entrega vigiada; b) vigilância eletrônica; c) infiltração. Ora, fica então uma pergunta que ainda me parece fundamental: qual o sentido do termo "técnicas especiais de investigação"? Precisamos do uso deste termo? Haverá outro termo em nosso ordenamento que represente melhor estas medidas? O caráter clandestino de todas estas técnicas de investigação faz com que sejam reconhecidas como meios de obtenção de prova. Meios de obtenção de prova consistem em mecanismos de produção probatória que restringem direitos fundamentais, notadamente a privacidade. Contudo, se esta técnicas especiais de investigação são meios de obtenção de prova, porque a Convenção de Palermo fez 2016 - 04 - 30 Curso de processo penal CAPÍTULO 7. AÇÃO PENAL E PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS Capítulo 7. Ação Penal e Pressupostos Processuais 7. Considerações iniciais Quando se inicia o estudo do processo penal, notadamente o estudo do direito de ação, as dificuldades são enormes. Isto porque o estudo do direito de ação exige abstrações que o estudante normalmente não está acostumado. Exige também que haja a análise de diversos conceitos e de maneira integrada. Assim, embora corra o risco de ser repetitivo com o que será dito abaixo, melhor neste ponto pecar pelo excesso em favor da adequada compreensão dos temas. No sistema brasileiro, várias são as formas de compreensão do fenômeno processual penal. Assim, é possível que se estude o fenômeno jurídico, por exemplo, pela ótica da jurisdição, da ação e do processo. Neste capítulo nós estudaremos o fenômeno processual centrando foco na ação, mas também, comparando-a com o processo. Isto porque o sistema processual penal brasileiro é baseado na tríade: condições da ação, pressupostos processuais e mérito. Esta divisão é a forma como o processo penal brasileiro está estruturado: há as condições da ação, ligadas à ação; há os pressupostos processuais, ligados ao processo e há o mérito, que se liga ao tema da vida discutido no processo. Vejamos então as classificações dos tipos de ação penal para, então, estudarmos as condições da ação e pressupostos processuais e, por fim, estudarmos detalhadamente as ações penais de natureza condenatória. 7.1. Classificação da ação penal A ação consiste no direito de deduzir em juízo a pretensão que se entende devida. Desde que o Estado trouxe para si o monopólio do exercício da jurisdição, reduzindo ao máximo as hipóteses de autotutela, as pretensões somente podem ser impostas aos demais por meio de decisão judicial, e, para isto, há necessidade do exercício de um direito, que é a ação. A ação penal pode ser classificada por meio de vários critérios, e dois são os mais importantes: (a) quanto ao provimento pretendido e (b) quanto à legitimidade. A primeira classificação, defendida por José Frederico Marques,1 vê a tutela que o autor pretende para a classificação da ação penal. É uma classificação muito similar à classificação das ações cíveis, daí porque temos: a) Ação penal de conhecimento, que possui três subdivisões: a1 - declaratória; a2 - constitutiva; a3 - condenatória. b) Ação penal cautelar c) Ação penal executiva Já a segunda classificação é a classificação tradicional e usual na doutrina. Refere-se à legitimidade ativa para a propositura da ação,2 e a necessidade ou não do preenchimento de algum requisito específico. Por esta classificação, temos: a) Ação penal de iniciativa pública, que possui duas subdivisões: a1 - ação penal de iniciativa pública incondicionada; a2 - ação penal de iniciativa pública condicionada. b) Ação penal de iniciativa privada, que possui três subdivisões: b1 - ação penal de iniciativa privada propriamente dita; b2 - ação penal de iniciativa privada personalíssima; b3 - ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública. É importante notar que o legislador, ao estabelecer a modalidade de ação penal para cada crime, leva em conta o bem jurídico tutelado. Assim, para os crimes que exigem repressão ampla, já que interessam a toda a sociedade, a ação penal será de iniciativa pública incondicionada (como é o caso, por exemplo, do homicídio). Por outro lado, quando há um interesse misto, tanto da sociedade quanto do ofendido, a ação penal é de iniciativa pública condicionada (como é o caso da lesão corporal leve) e, por fim, quando o interesse preponderante é o do ofendido, a ação penal é de iniciativa privada. Esta segunda classificação é a que seguiremos ao longo deste capítulo, por isso falaremos de cada uma destas modalidades de maneira mais detida adiante. Neste momento, são importantes três observações: em primeiro lugar, é comum que se ouça as expressões "ação penal pública" e "ação penal privada". Embora aceitas no meio jurídico em geral, notadamente na prática forense diária, o fato é que esta expressão não se mostra tecnicamente correta. Isto porque todas as ações são públicas, o que se altera é tão somente a legitimidade ativa para a sua promoção. Segunda questão importante diz respeito à chamada ação penal popular. Trata-se de ação penal em que a legitimidade é amplamente conferida a qualquer pessoa. Ou seja, qualquer pessoa poderia ajuizar esta ação. Utilizando a classificação de José Frederico Marques,3 não há dúvidas de que, no Brasil, existe a ação penal popular de conhecimento, declaratória ou constitutiva. Trata-se do habeas corpus, cuja legitimidade é ampla para impetração, ou seja, qualquer pessoa pode impetrá-lo em favor de quem quer que seja.4 Mais tormentosa é a questão envolvendo a chamada ação penal popular de natureza condenatória, ou seja, uma ação penal que visa à imposição de sanção de natureza penal e que poderia ser ajuizada por qualquer pessoa. Na história do direito brasileiro, já tivemos esta modalidade de ação prevista no art. 157 da Constituição de 1824: "Por suborno, peita, peculato e concussão haverá contra elles [Juízes de Direito e Oficiais de Justiça] acção popular, que poderá ser intentada dentro de anno, e dia pelo proprio queixoso, ou por qualquer do Povo, guardada a ordem do Processo estabelecida na Lei". Atualmente, porém, não há nenhuma disposição similar em nossa Constituição Federal. Contudo, a dúvida persiste, por força da Lei 1.079, de 10.04.1950 (Define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento). Esta dúvida decorre por força de três artigos dispostos na lei, a saber: a) "Art. 14. É permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou Ministro de Estado, por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados." b) "Art. 41. É permitido a todo cidadão denunciar perante o Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador Geral da República, pêlos crimes de responsabilidade que cometerem (artigos 39 e 40)." c) Art. 75. "É permitido a todo cidadão denunciar o Governador perante a Assembleia Legislativa, por crime de responsabilidade." Ao usar a expressão "denunciar", a lei acabou por criar celeuma na doutrina. De um lado, há os que defendem que se trata de verdadeira ação penal popular (Hélio Tornaghi5, Tourinho Filho,6 Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho, Antonio Scarance Fernandes).7 De outro lado, há os que negam que se trate de ação penal popular condenatória (Eugenio Pacelli de Oliveira,8 Guilherme Nucci9 e Rogério Lauria Tucci).10 Para os que entendem que não se trata de verdadeira ação penal,11 as críticas são de duas ordens: (a) o julgamento não é afeto ao Poder Judiciário e (b) as condutas imputadas não possuem pena de prisão. De outro lado os que aceitam a ideia de que se trata de ação penal popular de natureza condenatória afirmam que o fato de o julgamento não ser realizado pelo Poder Judiciário não desnatura a natureza de ação penal, o mesmo valendo para o fato de não haver previsão para pena de prisão. O STF entende que se trata de verdadeira ação penal aquela prevista na Lei 1079/1950 embora não veja nela o caráter de ação popular, restringindo sua legitimidade ativa ao Chefe do Ministério Público Federal, tendo assim se pronunciado sobre o tema: "Impeachment de Ministro de Estado - Compete privativamente ao chefe do Ministério Público Federal a titularidade para a propositura de ação penal pública perante o Supremo Tribunal Federal, contra ministros de Estado, pela prática de crimes de responsabilidade (CF, art. 102, I, c). Com base nesse entendimento, o Tribunal, considerada a ilegitimidade ad causam, por maioria, negou seguimento à denúncia apresentada por particulares em face de ministros de Estado pela suposta prática de crime de responsabilidade - em que se pretendia o impeachment das referidas autoridades pela não liberação do repasse de verbas para o pagamento de precatórios judiciais de caráter alimentar -, determinando-se a remessa dos autos ao MPF. Considerou-se que o julgamento realizado no âmbito jurisdicional possui natureza eminentemente penal, não sendo possível estender aos cidadãos a possibilidade de iniciar, perante o Poder Judiciário, processo de afastamento de ministro de Estado, haja vista que tal legitimação restringe-se à apresentação de denúncia dessa natureza, junto ao Poder Legislativo, que envolva necessariamente Presidente da República, não se aplicando, portanto, ao processo perante o STF, as regras procedimentais constantes da Lei 1.079/1950. Vencidos os Ministros Celso de Mello e Marco Aurélio que, assentando a natureza político-administrativa dos crimes de responsabilidade - e afastando, assim, a sua conotação criminal -, reconheciam a legitimidade do cidadão para apresentar denúncia contra ministro de Estado (Lei 1.079/1950, art. 14: 'É permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou Ministro de Estado, por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados'). Precedentes citados: Pet 85-DF (DJU 13.02.1991) e MS 20.442/DF (RTJ 111/202). Leia na Seção de Transcrições deste Informativo o inteiro teor do voto proferido pelo Min. Maurício Corrêa." Pet 1.656/DF e Pet 1.954/DF, rel. Min. Maurício Corrêa, 11.09.2002.(PET-1.656)(PET-1.954). A terceira questão refere-se à identificação das modalidades de ação penal quanto à sua iniciativa, ou seja, como saber se determinado crime é de ação penal pública incondicionada, de iniciativa pública condicionada ou iniciativa privada. A definição deste tipo de ação penal é dada pelo legislador. Vale dizer, no silêncio da lei, a ação penal será de iniciativa pública incondicionada. Caso contrário, vale aquilo que a lei indicar. Em alguns casos a definição da modalidade de ação penal é dada pela jurisprudência, como é o caso da Súmula 714 do STF. No entanto, o que leva o legislador a estabelecer que determinado crime será promovido pelo Ministério Público ou pelo ofendido? São basicamente dois motivos que o legislador leva em conta ao estabelecer qual será a ação penal para determinado tipo de crime. O primeiro critério é o bem da vida tutelado pelo crime. Vale dizer, quando o bem jurídico ofendido pelo crime é de interesse prevalente do ofendido, a ação penal será de iniciativa privada como é o caso dos crimes contra a honra. De outro lado quando o bem jurídico ofendido interessa a toda a coletividade a ação penal será de iniciativa pública incondicionada, como são os casos envolvendo o homicídio doloso. Nos casos em que a ofensa interessa de maneira similar tanto ao ofendido quanto à sociedade, a ação penal será de iniciativa pública condicionada à representação. Segundo critério levado em conta pelo legislador diz com o chamado strepitus iudicii. Vale dizer, não raras vezes o processo penal causa mal também à vítima. Este caráter fica muito claro quando se pensa nos crimes contra a dignidade sexual, notadamente o estupro. É muito comum que a vítima tenha vergonha pelo ocorrido e não queira se expor. Ora, este sentimento é algo muito particular e não cabe ao terceiro tecer julgamentos morais aqui. Bem por isso o legislador acabou por entender que estes crimes deveriam ser, em regra, de ação penal de iniciativa pública condicionada à representação, conforme dispõe o art. 225 do Código Penal. Hélio Tornaghi é quem entre nós primeiro falou da chamada "ação pública secundária". Trata-se da ação penal que, originariamente privada, torna-se pública em virtude algum elemento. Tornaghi tinha em mente o disposto no art. 225 do Código Penal. Hoje houve mudança nesta ação penal que, como regra, não é mais privada, mas sim pública condicionada à representação, havendo elementos que podem torna-la pública incondicionada. 7.2. Teorias da ação: de onde viemos e para onde vamos Para que se possa entender adequadamente o fenômeno processual, é preciso que sejam entendidas adequadamente as condições da ação penal e os pressupostos processuais. Esta análise, contudo, somente pode ser feita caso se entenda a evolução das teorias da ação penal. Para que se possa compreender adequadamente esta evolução, é preciso que se entenda que todas as teorias da ação buscam entender a relação entre o direito material e o direito de ação. O cerne para esta compreensão está justamente em entender qual a relação existente entre a ação e o direito material que se alega ter. Vejamos rapidamente a evolução destas teorias. A primeira teoria é conhecida como teoria clássica, civilista ou imanentista. Foi desenvolvida pelos romanos, que entendiam que ação seria o direito de pedir em juízo o que é devido a cada um. Para os defensores desta teoria, a ação e o processo eram simples manifestações do direito substancial.12 Friedrich Karl Von Savigny (na Alemanha) e João Monteiro (no Brasil) foram defensores desta teoria. Como consequências desta teoria temos que:13 a) não há ação sem direito; b) não há direito sem ação; c) a ação segue a natureza do direito. Durante muito tempo, esta visão vigorou em todos os países, até que, em 1850, dois catedráticos estudiosos do direito romano envolveram-se em uma polêmica. Trata-se da famosa polêmica Windscheid-Muther. Muther diferencia direito violado de ação. Para Muther, há dois conceitos importantes a se analisar quando há a violação de b) o ofendido promove ação penal de iniciativa pública sem ser hipótese de ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública; c) o acusado, ao tempo do crime, era menor de 18 anos. As consequências da ilegitimidade de parte dependerão do momento em que verificada a sua ocorrência. Caso o juiz identifique, logo após o oferecimento da denúncia ou da queixa-crime, que se trata de parte ilegítima, deverá rejeitá-las com fundamento no art. 395, II, do CPP. Caso esta verificação seja feita posteriormente, deverá haver a declaração de nulidade do processo com fundamento no art. 564, II, do CPP. Há duas modalidades de legitimação, a ordinária e a extraordinária. Na ordinária, o sujeito postula em nome próprio a defesa de interesse próprio. Já na legitimação extraordinária, postula em nome próprio a defesa de interesse alheio. A legitimação extraordinária depende de expressa previsão legal, conforme se depreende do art. 18 do novo CPC. São exemplos de legitimidade extraordinária no processo penal: a) ação penal de iniciativa privada, em que o querelante defende interesse alheio em nome próprio (o interesse alheio, no caso, é o interesse do Estado na persecução penal, pois só é transmitida ao querelante a iniciativa para a ação). Aqui, concordamos, porém, com a posição de Gustavo Badaró.29 Não se trata de legitimidade extraordinária, pois o interesse de punir é sempre do Estado e, da mesma forma que o Ministério Público não é legitimado extraordinário, também não o é o querelante.30 Contudo, este posicionamento é minoritário;31 b) legitimidade extraordinária conferida ao Ministério Público para promover a ação civil ex delicto, nos termos do art. 68 do CPP. Há questionamentos sobre a constitucionalidade deste artigo, que serão analisados no capítulo referente à ação civil ex delicto. Fala-se, ainda, em legitimidade concorrente.32 Nesta situação, a legitimidade para a ação penal é atribuída a dois legitimados distintos de maneira concomitante. Há, aqui, três exemplos deste tipo de legitimidade: a) Nos casos de crime contra a honra de funcionário público em razão do exercício da função, a ação penal poderá ser promovida pelo ofendido, mediante queixa-crime, ou pelo Ministério Público, mediante representação do ofendido (Súmula 714 do STF). Esta súmula é constantemente objeto de crítica, na medida em que não se trataria propriamente de legitimidade concorrente, mas, sim, de legitimidade alternativa, isto pois oferecida a queixa-crime, fecha-se a possibilidade de oferecer a representação. Então, muito embora a súmula utilize o termo concorrente, o mais técnico seria legitimidade alternativa. b) Ação penal de iniciativa privada. No prazo de 6 meses que o ofendido tem para promover a queixa-crime, o Ministério Público também poderá promover a ação penal por meio de denúncia. c) Art. 31 do CPP - caso o ofendido morra, haverá a possibilidade de sucessão processual (que será estudada mais adiante). Trata-se de legitimidade concorrente, na medida em que os sucessores mencionados no art. 31 são colegitimados para a propositura da queixa-crime ou para a continuidade da ação penal. 7.3.3. Interesse de agir A segunda condição da ação é o interesse de agir, que é dividido em três modalidades: interesse de agir na modalidade necessidade, interesse de agir na modalidade utilidade e interesse de agir na modalidade adequação. O interesse de agir na modalidade necessidade significa que há a necessidade da ação para se obter a tutela pretendida. Vale dizer, responde-se aqui a uma pergunta: é necessária a ação para que o autor obtenha seu intento? No âmbito da ação penal de natureza condenatória, o interesse de agir é sempre existente. Isso porque não é possível, no sistema brasileiro, a imposição de sanção penal sem que haja o devido processo legal. Esta afirmação acima sofre atenuação no sistema dos Juizados Especiais Criminais. Isto porque há o instituto da transação penal, previsto no art. 76 da Lei 9.099/1995, que dispensa a possibilidade de ação penal nos casos em que haja o preenchimento de seus requisitos. A transação penal será estudada no capítulo referente ao Juizado Especial Criminal. O interesse de agir na modalidade utilidade significa que, em tese, o autor deve poder conseguir posição jurídica mais favorável do que aquela existente ao início do processo. A ausência desta modalidade de condição da ação é causa de rejeição da denúncia (art. 395, II, do CPP), podendo levar ao trancamento da ação penal ou, a depender da profundidade da cognição, é causa de absolvição do acusado. Exemplo de falta desta condição da ação tem-se na hipótese em que já se antevê, de plano, que o denunciado receberá o perdão judicial nas hipóteses em que a lei o autoriza. Imagine-se, por exemplo, que uma pessoa tenha cometido homicídio culposo contra seu filho. Nesta situação, quando o inquérito deixar evidenciado que se trata de conduta culposa por parte da investigada e que havia fortes laços a unirem mãe e filho, a ação penal se mostra inútil. Isto porque, ao final do processo, esta pessoa receberá, sem dúvida, o perdão judicial. Ora, nesta situação, caso o Ministério Público ofereça denúncia, é possível que o magistrado a rejeite por falta de interesse de agir na modalidade utilidade. Também era entendida como falta de interesse de agir na modalidade utilidade a verificação de que, ao final do processo, haveria prescrição. Trata-se da chamada prescrição antecipada. Embora concordemos com esta posição da doutrina, ela não encontra amparo na jurisprudência, que editou a Súmula 438 do STJ: "É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal."33 Por fim, o interesse de agir na modalidade adequação refere-se à verificação de adequação entre a situação narrada e a tutela pretendida.34 José Frederico Marques35 assim ensina: "O interesse de agir é a relação entre a situação antijurídica denunciada e a tutela jurisdicional requerida. Disso resulta que somente há interesse quando se pede uma providencia jurisdicional adequada à situação concreta a ser decidida". A ausência desta modalidade de condição da ação deve levar à rejeição da denúncia ou da queixa-crime, nos termos do art. 395, II, do CPP ou, quando verificada ao final do processo, pode gerar a absolvição do acusado. 7.3.4. Possibilidade jurídica do pedido No âmbito do processo penal não há consenso sobre o que deve ser entendido por possibilidade jurídica do pedido. Parcela da doutrina identifica a possibilidade jurídica do pedido com a existência do pedido feito em tese pela acusação. Ou seja, trata- se de identificar se a sanção requerida pela acusação é, em tese, prevista no sistema. Esta é a posição de Frederico Marques.36 Assim, para esta posição, haveria impossibilidade jurídica do pedido sempre que fossem requeridos pedidos não previstos em nosso sistema. Como, por exemplo, nos casos envolvendo pedido de pena de morte, degredo ou outras inexistentes em nosso sistema. No entanto, discordamos desta posição. Entendemos que a possibilidade jurídica do pedido está ligada à causa de pedir, ou seja, o fato narrado deve ser, em tese, criminoso.37 Esta questão do alcance da possibilidade jurídica do pedido não é nova na doutrina processual. No âmbito do direito processual civil, a discussão existe nos mesmo termos, ou seja, a dúvida está em saber se a possibilidade em tese é do pedido ou da causa de pedir. Assim, entendemos que, se for narrado fato atípico, deverá haver a rejeição da denúncia ou queixa-crime por força do disposto no art. 395, II, do CPP ou ser absolvido sumariamente (art. 397, III, do CPP) ou, ao final, ser absolvido o acusado com fundamento no art. 386, III, do CPP. É importante notar que Eugênio Pacelli38 diverge deste entendimento. Para Pacelli, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado, nos termos do art. 397, III, do CPP. Sustenta que a atipicidade da conduta não conduz à carência de ação, mas a verdadeiro juízo de mérito. Tendo em vista nossa concepção de condições da ação, que atuam como filtro no sistema, a impedir o surgimento de ações penais indevidas contra os indivíduos, entendemos que este posicionamento não se mostra o mais adequado. Acreditamos que entender a impossibilidade jurídica como atipicidade da conduta produz resultados mais condizentes com o processo penal constitucional democrático e evita o estigma do processo contra pessoas sabidamente inocentes. 7.3.5. Justa causa para a ação penal A justa causa é uma das condições da ação que maior confusão causa na doutrina e na jurisprudência. Isto porque, como explica Maria Thereza Rocha de Assis Moura,39 o termo "causa" é vago e ambíguo, permitindo múltiplas interpretações. No entanto, apesar desta vagueza, a justa causa possui importante função em nosso sistema. Trata-se de identificar e evitar a existência de ações penais com um mínimo de lastro probatório. Vale dizer, a justa causa representa o suporte probatório mínimo para o oferecimento da denúncia ou da queixa-crime.40 Maria Thereza Rocha de Assis Moura41 a apresenta em um duplo ângulo: a) ângulo positivo: consiste no fundamento de fato e de direito para acusar, divisando mínima probabilidade da acusação; b) ângulo negativo: a falta desses elementos constantes do ângulo positivo torna inviável o ajuizamento da ação penal ou seu recebimento pelo magistrado. Tem sido admitida pela jurisprudência o uso do habeas corpus para trancar a ação penal ou o inquérito policial por falta de justa causa. No entanto, esta medida é de caráter excepcional: "1. O trancamento da ação penal por ausência de justa causa é uma medida excepcional, somente cabível em situações nas quais, de plano, seja perceptível o constrangimento ilegal. Precedentes." (STJ, RHC 34712/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, 05.03.2013). A doutrina, portanto, aponta a justa causa como a existência de suporte probatório mínimo para o oferecimento da denúncia e a consequente instauração da ação penal. No entanto, a jurisprudência dos Tribunais Superiores não tem se mostrado afinada com a doutrina neste ponto. A jurisprudência também empresta sentido mais amplo para a justa causa. Não é apenas a existência de suporte probatório mínimo para o oferecimento da denúncia, mas, também, vê a justa causa ligada à atipicidade da conduta. Assim, diferente do quanto por nós apresentado, a jurisprudência entende que a atipicidade da conduta também é reveladora da falta de justa causa: "1. Está consagrada, na jurisprudência nacional, que o trancamento da ação penal, na via estreita do habeas corpus, faz-se possível, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade, a ausência de indícios de autoria e de prova da materialidade do delito ou a inépcia da denúncia." (STJ, RHC 55030/RJ, 5.ª T., j. 23.06.2015, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca) Para o STJ, é possível dizer com base em seus julgados, não haverá justa causa nos seguintes casos: a) atipicidade da conduta; b) presença de causa extintiva da punibilidade; c) ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade. Já o Supremo Tribunal Federal possui entendimento similar, com algumas variações. Desta forma, por exemplo, foi decidido que a inocência do acusado, quando demonstrada de forma inequívoca, é hipótese justificadora da falta de justa causa a justificar o trancamento da ação penal: 1. O trancamento de ação penal só é possível quando estiverem comprovadas, de logo, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a evidente ausência de justa causa (STF, RHC 118622/ES, j. 17.03.2015, rel. Min. Roberto Barroso). Realmente, a justa causa adquire importante função dentro da concepção apresentada de ver nas condições da ação, filtro para evitar o surgimento de ações penais indesejáveis contra o indivíduo, dado que o processo penal é sancionatório por sua própria natureza. No entanto, não podemos aceitar este entendimento largo para a justa causa. Tratá-la com a amplitude dada pela jurisprudência é alterar o conteúdo de importante ferramenta e, neste sentido, acabar por enfraquecê-la. Vale dizer, a banalização do uso tende a enfraquecer o importante instituto da justa causa. Todas as demais hipóteses apresentadas pelos julgados acima poderiam facilmente ser tratadas com as demais condições da ação apresentadas. Assim, a atipicidade da conduta está ligada à possibilidade jurídica do pedido, e a extinção da punibilidade, ao interesse de agir na modalidade utilidade, por exemplo. É possível ainda falar em justa causa duplicada. Dá-se este nome para as hipóteses em que há dois crimes, um antecedente e um consequente, e deve haver a presença de justa causa em ambos os crimes. Hipótese típica neste caso é a ligada aos crimes de lavagem de dinheiro em que devemos ter a justa causa tanto para o crime antecedente quanto para o crime de lavagem de dinheiro. O STJ, contudo não aceitou esta tese em caso concreto, em que o acusado no Brasil havia sido absolvido do crime de tráfico de drogas nos EUA e negou a concessão da ordem como se vê da seguinte ementa: "In casu, o paciente e o corréu foram condenados nas instâncias ordinárias por crime de lavagem de dinheiro e naturalização fraudulenta, sendo que a pena do corréu foi reduzida por ter sido reconhecida a continuidade nos crimes de lavagem. Ressaltou o Min. Relator que o uso do habeas corpus em substituição aos recursos cabíveis ou, incidentalmente, como salvaguarda de possíveis liberdades em perigo fora de sua inspiração originária tem sido alargado pelos tribunais. Dessa forma, entendeu que há certos limites a serem respeitados em homenagem à própria Constituição; devendo, portanto, a impetração ser compreendida dentro dos limites da racionalidade recursal preexistente e coexistente para que não se perca a razão lógica e sistemática dos recursos ordinários e mesmo dos excepcionais por uma irrefletida banalização e vulgarização do habeas corpus. Asseverou que cabe prestigiar a função constitucional excepcional do habeas corpus, mas sem desmerecer as funções das instâncias regulares de processo e julgamento, sob pena de desmoralizar o sistema ordinário de julgamento e forçosamente deslocar para os tribunais superiores o exame de matérias próprias das instâncias ordinárias, que normalmente não são afetas a eles. Segundo o Min. Relator, não procede a alegação de que houve falta de justa causa para a ação penal por ausência de demonstração do crime antecedente de suposto tráfico de entorpecente praticado em outro país, uma vez que há fortes elementos de convicção, reafirmados pela sentença e pelo acórdão na apelação e uniformemente reportados por mesmo tempo, são completamente distintos. As condições da ação são um filtro para evitar ações penais indevidas. Ligam-se, como o próprio nome diz, à ação penal. Já os pressupostos processuais, ligam-se a outro tema, ligam-se ao processo. São os requisitos necessários para que o processo possa existir e se desenvolver validamente. Daí que a doutrina separa em pressupostos processuais de existência e de validade. Há, também, classificação quanto aos pressupostos subjetivos e objetivos. Gustavo Badaró48 aponta a existência de duas correntes sobre os pressupostos processuais no direito processual civil: a corrente ampliativa e a corrente restritiva. Para a teoria restritiva, defendida por Ada Pellegrini Grinover, Antonio Carlos Araújo Cintra e Candido Rangel Dinamarco,49 os pressupostos processuais somente se referem à existência do processo, e, não, à sua validade. São eles: a) demanda regularmente proposta; b) capacidade de ser parte em juízo; c) investidura do órgão jurisdicional que recebe a demanda. Esta posição é resumida na famosa frase: haverá a presença dos pressupostos processuais sempre que houver uma correta propositura da ação, feita perante autoridade jurisdicional, por uma entidade capaz de ser parte em juízo.50 Já para a teoria ampliativa, os pressupostos processuais são de existência e, também, de validade do processo, e dividem-se em pressupostos processuais objetivos e pressupostos processuais subjetivos. Os pressupostos processuais subjetivos podem se referir ao juiz ou às partes. Assim temos: a) pressupostos processuais subjetivos referentes ao juiz: investidura, imparcialidade e competência; b) pressupostos processuais subjetivos referentes às partes: capacidade de ser parte, capacidade de estar em juízo e capacidade postulatória. Os pressupostos processuais objetivos são intrínsecos e extrínsecos. Assim, temos: a) pressupostos processuais objetivos intrínsecos: petição inicial apta, citação válida e regularidade procedimental; b) pressupostos processuais objetivos extrínsecos: ausência de coisa julgada, de litispendência, de perempção e de convenção de arbitragem. Esta concepção civilista pode ser transposta para o processo penal, da mesma forma que o faz Gustavo Badaró.51 Desta forma, aplicados ao processo penal, temos: a) pressupostos processuais subjetivos referentes ao juiz: investidura, imparcialidade e competência; b) pressupostos processuais subjetivos referentes às partes: capacidade de ser parte, capacidade de estar em juízo e capacidade postulatória. Os pressupostos processuais objetivos são intrínsecos e extrínsecos. Assim, temos: a) pressupostos processuais objetivos intrínsecos: denúncia ou queixa aptas, citação válida e regularidade procedimental; b) pressupostos processuais objetivos extrínsecos: ausência de coisa julgada, de litispendência e, no caso de ação penal de iniciativa privada, de perempção. Gustavo Badaró52 ainda faz importante crítica terminológica: como pode ser algo pressuposto do processo se somente será analisado no processo? Caso não houvesse a rejeição da denúncia desde o início, então seria impossível a terminologia "pressupostos processuais de existência do processo", pois já teríamos processo em andamento. Portanto, a terminologia que se mostra mais adequada segundo Gustavo Badaró,53 com a qual concordamos, é a de pressupostos processuais para a sentença de mérito.54 O Código de Processo Penal estabelece, em seu art. 395, II, que a falta de pressupostos processuais irá gerar a rejeição da denúncia ou da queixa. Esta não é uma determinação propriamente técnica e que possa ser aplicada indiscriminadamente para todos os pressupostos processuais. Não são todos os pressupostos processuais que geram a rejeição da denúncia. Irão gerar a rejeição da denúncia a ausência de denúncia ou queixa apta e a existência de coisa julgada, litispendência ou perempção. As demais hipóteses não são geradoras de rejeição, devendo haver a substituição do juiz, por exemplo, no caso de parcialidade, e, não, a rejeição da denúncia. Há ainda terceira forma de se ver os pressupostos processuais. Esta terceira forma é desenvolvida entre nós por José Frederico Marques e mais recentemente por Rogério Lauria Tucci que dividem os pressupostos processuais em: 1) pressupostos processuais penais subjetivos atinentes à existência do processo: a) órgão jurisdicional penal legitimamente constituído; b) relação concreta de direito penal deduzida como objeto principal do processo e c) presença de um órgão regular de acusação e intervenção da defesa; 2) Pressupostos processuais penais objetivos: a) extrínsecos: a1) existência de causa penal pendente (litispendência); a2) ocorrência de coisa julgada de autoridade absoluta; b) intrínsecos: "são pressupostos processuais penais de validade do desenvolvimento dos processos os concernentes à regularidade do iter procedimental, observado, com exação, o due processo of law; vale dizer, os determinantes de procedimento escorreito, livre de quais nulidades estatuídas no ius positum em vigor".55 7.4. Ação penal de iniciativa pública incondicionada 7.4.1. Noção e identificação A ação penal de iniciativa pública incondicionada é a ação penal em que o legitimado ativo é o Ministério Público sem que haja necessidade de qualquer requisito especial para sua propositura. Tendo em vista o sistema acusatório, adotado por força do art. 129, I, da CF/1988, o Ministério Público é o legitimado exclusivo para a promoção desta ação. Ela é a regra no sistema processual penal brasileiro. Vale dizer, quando não houver indicação na legislação de determinação em contrário, a ação penal será pública incondicionada. Normalmente, estas disposições em contrário estão dispostas na parte final de cada capítulo do Código Penal. Assim, por exemplo, no caso dos crimes contra o patrimônio, há disposições especiais com relação à ação penal no Capítulo VIII, art. 182. Também é necessário observar que, muitas vezes, o entendimento da jurisprudência acaba por fixar o tipo de ação penal, como é o caso, por exemplo, da Súmula 714 do STF. Por fim, é importante notar que, sempre que o crime for praticado em detrimento de patrimônio ou interesse da União, Estado ou Município, a ação penal será pública incondicionada (art. 24, § 2.º, do CPP). Este artigo não menciona o Distrito Federal, pois à época de sua elaboração, ele não existia, mas deve a ele ser estendida também esta regra. Ao final deste capítulo, serão tratadas algumas ações penais em espécie e sua legitimidade ativa. 7.4.2. Princípios Há princípios que são comuns a todas as ações penais, seja qual for sua legitimidade ativa, e há princípios que são específicos a cada uma delas. Vejamos primeiro os genéricos, ou seja, os que são comuns a todas as ações penais. São comuns a todas as ações penais os seguintes princípios: a) Princípio da demanda, princípio da iniciativa das partes ou princípio da ação; b) Princípio da intranscendência; c) Princípio da inadmissibilidade da persecução penal múltipla. O princípio da demanda, decorrência natural do sistema acusatório, indica que a ação penal sempre dependerá de iniciativa da parte. Vale dizer, não pode o magistrado iniciar a persecução penal. Realmente, fere até mesmo o senso comum que alguém possa processar outra pessoa e julgar esta mesma causa. Daí porque o uso de expressões como "processado pelo juízo da ____ Vara Criminal" mostram-se de pouca técnica. O juízo nunca processa ninguém, a pessoa é processada perante o juízo pelo Ministério Público ou pelo ofendido, nos casos envolvendo ação penal de iniciativa privada. Pelo princípio da intranscendência, o processo nunca pode passar da pessoa do acusado. Vale dizer, os limites do processo penal e de sua sanção ficam circunscritos à pessoa que dele fez parte. Este princípio, contudo, tem aplicação restrita ao campo processual. Não se aplica para as relações interpessoais. Isto porque, não raro, filhos de pessoas condenadas ou simplesmente processadas sofrem as consequências da conduta imputada a seus pais na vida em sociedade. Infelizmente, este princípio não tem incidência nas relações interpessoais e a família toda do acusado acaba sendo arrastada para as nefastas consequências do processo penal. São princípios específicos da ação penal pública incondicionada: a) Princípio da obrigatoriedade (legalidade); b) Princípio da indisponibilidade; c) Princípio da oficialidade (autoritariedade); d) Princípio da oficiosidade; e) Princípio da divisibilidade. O princípio da obrigatoriedade da ação penal (ou princípio da legalidade) significa que o Ministério Público tem o dever funcional de oferecer denúncia em face de todos aqueles contra quem existirem indícios suficientes de autoria e prova da materialidade.56 Encontra-se previsto no art. 24 do CPP, que determina que a ação penal "será promovida" pelo Ministério Público por meio de denúncia. Esta locução "será promovida" deixa clara a opção do legislador pelo princípio da obrigatoriedade. Este princípio faz com que sentimentos pessoais do promotor de justiça, por exemplo, não autorizem o não oferecimento da denúncia. Há mitigação deste princípio naquilo que ficou conhecido como princípio da obrigatoriedade mitigada ou discricionariedade restrita. Por este princípio, o promotor de justiça não irá oferecer denúncia nas hipóteses em que houver a presença dos requisitos da transação penal (art. 76 da Lei 9.099/1995), no Juizado Especial Criminal. O Jecrim trabalha com o modelo do consenso que estabelece que, observados determinados requisitos, não será proposta a denúncia, e, sim, será feita a oferta de transação penal. A experiência internacional mostra, contudo, crescente mitigação do princípio da obrigatoriedade. Veja-se, por exemplo, o caso da Alemanha.57 Lá, os membros do Ministério Público (promotores ou die Mitglieder des Staatsanwaltschaft) possuem peculiaridades em relação ao sistema brasileiro: a) são integrantes do Poder Executivo; b) não gozam de independência funcional;58 c) possuem corpo fortemente hierarquizado; d) o Procurador-Geral Federal (der Generalundesanwalt) é subordinado ao Ministro Federal da Justiça (der Bundesjustizminister).59 E o Ministro Federal da Justiça pode estabelecer parâmetros em que não haverá o oferecimento da denúncia por parte dos promotores. Acredito que devemos também nós brasileiros migrar para este sistema, em que haveria regras claras sobre o não oferecimento da denúncia por parte dos promotores. Isto porque vivemos, de fato, o princípio da oportunidade no processo penal brasileiro. Milhares de inquéritos são arquivados em nosso país porque a investigação não pode ser desenvolvida a contento. É dizer: o promotor precisa dispender seu escasso tempo para poder dar atenção aos casos em que efetivamente há interesse público relevante, pois isso decorre também do princípio da eficiência da Administração Pública. A título de exemplo, um caso extremo, mas que justifica a adoção desta posição: não é possível que um promotor tenha que dispender o mesmo tempo e tratamento em um inquérito policial envolvendo um furto de menor significado e um peculato, não há dúvidas de que a opção deva ser pelo peculato. Tratar absolutamente todos os casos da mesma maneira significa tratar os casos mais relevantes de maneira menos adequada. Há algumas experiências interessantes no âmbito do sistema brasileiro, embora sem a mesma força do sistema europeu continental. Assim, por exemplo, a Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo edita enunciados com os temas mais relevantes e que indicam a posição da procuradoria. Estes enunciados não vinculam os promotores, mas servem de baliza para sua atuação. Como exemplo, temos dois enunciados abaixo: Enunciado 7: "Art. 28 do CPP. Arquivamento. É legítimo o pedido de arquivamento de inquérito policial fundado em excludente de ilicitude (CP, art. 23), desde que a causa de justificação encontre-se extreme de dúvidas". Enunciado 9: "Art. 28 do CPP. Arquivamento. Não comete peculato (CP, art. 312) o depositário infiel que não entrega o bem penhorado". Há também interessante inovação que mostra que o sistema caminha para a aplicação do princípio da oportunidade também para a ação penal pública, ainda que de maneira mitigada. A Lei 12.850/2013 define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova e as infrações penais correlatas. Ao cuidar da colaboração premiada, a lei estabelece que será possível ao promotor não oferecer a denúncia observados os parâmetros do art. 4.º, § 4.º: a) desde que o colaborador não seja o líder da organização criminosa e b) desde que o colaborador A representação é necessária tanto para o inquérito policial quanto para a ação penal, vale dizer, não pode haver inquérito policial ou ação penal na falta de representação. Não são necessárias, contudo, duas representações. Basta que seja feita uma para que se alcance o intento desejado pelo legislador. No Juizado Especial Criminal, contudo, há peculiaridade a ser observada: a representação pode ser oferecida na audiência preliminar, nos termos do art. 75 da Lei 9.099/1995. No caso de concurso de agentes, a representação não precisa ser oferecida em face de todos os que cometeram o crime ou, ainda, caso no curso da investigação sejam descobertos outros autores do delito, não há necessidade de renovação da representação em face destes novos autores descobertos. A isso se dá o nome de eficácia objetiva da representação, ou seja, ela abrange fatos e não pessoas. Assim, feito o "pedido/autorização", a persecução penal pode ser iniciada em face de quem quer que seja (neste sentido, a posição do STF, STJ, de Guilherme Nucci,65 Mirabete66 e Tourinho).67 Desta forma, por exemplo, em um caso de estupro (que, em regra, é de ação penal de iniciativa pública incondicionada), caso no curso da investigação sejam descobertos outros autores deste delito, não há necessidade de intimação da vítima para representar também contra eles. O acórdão do STF é antigo, mas vale a leitura: "A representação, no caso, não tem sua validade condicionada à indicação de todos os coautores do crime. Pode o Ministério Público agir contra o comparte ou participante que veio a ser conhecido após a apresentação daquela pelo ofendido." (STF, HC 54.083/SP, j. 23.03.1976, rel. Min. Antônio Neder) 7.5.5.2. Legitimado ativo A representação poderá ser oferecida pelo ofendido, pessoalmente ou por procurador com poderes especiais, a teor do art. 39 do CPP. Mas não apenas pelo ofendido; caso este seja incapaz, poderá ser exercida por seu representante legal.68 Desta forma, temos: a) ofendido capaz e maior de 21 anos: o único legitimado é o ofendido ou procurador com poderes especiais na procuração; b) ofendido menor de 18 anos: somente o seu representante legal; c) ofendido morto ou ausente por declaração judicial: seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. No caso de cônjuge, dada a especial proteção que recebe do Poder Constituinte Originário, deve-se estender a incidência também para o companheiro ou companheira. A questão da legitimidade fica complicada para aquele que tem mais de 18 anos de idade e menos de 21 anos. Isto porque o Código de Processo Penal determina que, nesta situação, haja legitimidade concorrente entre o ofendido e seu representante legal, nos termos do art. 34 do CPP. Havia, ainda, a súmula 594 do STF, que estabelecia que eram independentes os direitos do ofendido e de seu representante legal, nesta hipótese, podendo ambos fazerem a representação. No entanto, esta disposição ficou revogada pelo Código Civil, que alterou a maioridade, considerando maiores àqueles que possuem 18 anos. Logo, estas pessoas não têm representante legal e, por isso, não há que se falar mais em legitimidade concorrente nesta hipótese.69 Há, ainda, duas situações especiais reguladas pelo Código. No caso de o ofendido ser pessoa jurídica, poderá a representação ser apresentada por quem os estatutos designarem ou, no silêncio, pelos seus diretores ou sócios-gerentes (art. 37 do CPP).70 Embora este artigo cuide da queixa-crime, também incidirá para a representação se o crime for desta natureza. Por fim, caso seja hipótese de incapaz e haja conflito de interesses entre o incapaz e seu representante legal,71 haverá a necessidade de nomeação de curador especial (art. 33 do CPP).72 Sobre este curador especial, é necessário saber: a) não precisa ser advogado; b) tem natureza jurídica de substituto processual, pois defende interesse alheio em nome próprio; c) não é obrigado a oferecer representação ou queixa-crime. Normalmente, nesta situação, é comum o estudioso se perguntar "se não é obrigado a oferecer queixa-crime, qual a sua função?". Ora, a sua função é dar justamente aquilo que foi perdido pelo representante legal, dado o conflito de interesses: isenção. Pense, leitor, em quantas vezes seu filho não se envolve em alguma "confusão" e você serenamente tenta avaliar a situação. Quando há conflito de interesses, o representante legal perde esta isenção, daí a necessidade de nomeação de curador especial (caso você não seja pai ou mãe, coloque-se na situação de filho, e se pergunte quantas vezes seus pais processaram alguém). Provavelmente as respostas anteriores serão zero, ou próximo a isso. Daí se entende o papel do curador especial: atuar com aquilo que o representante legal não mais pode, ou seja, com imparcialidade. 7.5.5.2.1. Sucessão processual A sucessão se dá no caso de morte do ofendido antes do término do prazo decadencial no caso da representação ou, no caso de ação penal de iniciativa privada, no caso de morte do ofendido, antes do término do prazo decadencial para o oferecimento da queixa-crime ou, ainda, durante o processo. O art. 24, § 1.º, do CPP estabelece que, em caso de morte do ofendido, o direito de queixa ou representação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. É de ser estendida esta regra ao companheiro, conferida a proteção especial dada pela Constituição Federal.73 Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que somente haverá sucessão processual se não tiver decorrido o prazo decadencial de seis meses do conhecimento da autoria para o ofendido. Se já houve decurso deste prazo, não haverá sucessão processual, pois, neste caso, está extinta a punibilidade. Em caso de conflito de vontades entre os sucessores, haverá prevalência da vontade positiva, ou seja, da vontade daquele que pretende representar ou oferecer queixa-crime.74 Caso o conflito seja positivo, deverá ser observada a sequência prevista na lei (cônjuge, ascendente, descendente ou irmão). É importante notar que os sucessores recebem o prazo por inteiro, ou seja, a partir do óbito do ofendido, surge o prazo de seis meses para os sucessores promoverem a queixa-crime.75 Este prazo de 6 meses flui para todos os sucessores da mesma forma, pouco importa que tenham notícia do óbito ou do conhecimento da autoria em datas distintas76 (esta é a posição também de Tourinho Filho77 e de Denilson Feitoza).78 Pode ainda ocorrer a sucessão processual, no caso de ausência do ofendido,79 isto é, quando o ofendido for aquele declarado ausente por decisão judicial, em conformidade com o Código Civil. Nesta hipótese, entendemos que o prazo de seis meses começa a fluir para os sucessores no momento em que o juiz nomeia um curador,80 nos termos do art. 22 do CC/2002, e não do conhecimento da autoria, como entende Guilherme Nucci.81 Na hipótese de se tratar de queixa-crime, e o falecimento ou a ausência se derem no curso da ação penal, a sucessão processual se dá de maneira diferente. Terão os sucessores o prazo de sessenta dias para se habilitarem, sob pena de perempção (art. 60, II, do CPP). 7.5.5.3. Destinatários da representação A representação pode ser feita tanto perante a autoridade policial, perante o promotor ou perante o juiz. As regras quanto a como proceder estão previstas no art. 39 do CPP: a) Perante o juiz: A representação, quando feita ao juiz ou perante a este reduzida a termo, será remetida à autoridade policial, para que esta proceda a inquérito (art. 39, § 4.º); b) Perante o promotor: A representação feita oralmente ou por escrito, sem assinatura devidamente autenticada do ofendido, será reduzida a termo, perante o juiz ou autoridade policial, presente o órgão do Ministério Público, quando a este houver sido dirigida (art. 39, § 1.º); c) Perante a autoridade policial: Oferecida ou reduzida a termo a representação, a autoridade policial procederá a inquérito, ou, não sendo competente, remetê-lo-á à autoridade que o for (art. 39, § 3.º). Embora o artigo use aqui o termo competência, não o emprega de maneira técnica, devendo ser lido como atribuição do delegado, e, não, como competência. Competência é termo afeto exclusivamente à atividade jurisdicional, o que não é o caso da autoridade policial. 7.5.5.4. Prazo da representação O prazo da representação é o mesmo da queixa-crime, no entanto, como esta última possui peculiaridades, será tratada quando se falar da ação penal de iniciativa privada. O prazo para a representação é de seis meses, tendo por termo inicial o conhecimento da autoria (art. 38 do CPP). Este prazo tem natureza decadencial e, desta forma, não exercido o direito de representação, estará extinta a punibilidade. Desta forma, trata-se de prazo de natureza de direito penal material. Deve-se notar que não é porque o instituto está previsto no Código de Processo Penal que necessariamente terá natureza jurídica de direito processual. Não é a localização geográfica que dá a natureza jurídica do instituto, mas as suas consequências. Por se tratar de prazo de direito penal material, a contagem se faz excluindo-se o dia do início e incluindo-se o dia do fim. Assim, se o conhecimento da autoria se deu no dia 11.04, o último dia para o oferecimento da representação é o dia 10.10. Por se tratar de prazo de direito material, ele não se prorroga, ou seja, caso se encerre em um sábado ou domingo, deve ser feita a representação na sexta-feira, ou, então, deve-se procurar a delegacia de polícia no prazo fatal para explicar que se trata do último dia do prazo e, então, representar. A cautela recomenda que não seja utilizada esta última opção. Há uma questão importante sobre o caso de o ofendido ser menor de 18 anos e não ter seu representante legal feito a representação. Este tema será tratado quando tratarmos do prazo para o oferecimento da queixa-crime. 7.5.5.5. Aspecto formal: a forma da representação O art. 39 do CPP estabelece que a representação poderá ser feita pessoalmente ou por procurador com poderes especiais e ela deve conter todas as informações que possam servir à apuração da autoria e do fato criminoso. Contudo, não se retire das disposições do art. 39 que a representação exija maiores formalidades. Basta que da manifestação do ofendido permita-se depreender a vontade de representar. Esta é a posição do STJ: "I. Não há forma rígida para a representação, bastando a manifestação de vontade do ofendido para que seja apurada a responsabilidade criminal do paciente, em delito de lesão corporal .Precedentes. II. Devem ser consideradas válidas as declarações das vítimas perante a Autoridade Policial" (STJ, RHC 19183/BA, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 12.09.2006) Esta é também a posição do STF: "A representação do ofendido, que se qualifica como verdadeira delatio criminis postulatória, constitui requisito de perseguibilidade do autor da infração penal e dispensa, quanto ao seu oferecimento, a observância de qualquer fórmula especial ou palavras sacramentais, revelando-se suficiente, para tanto, a inequívoca manifestação de vontade, por parte da vítima, em ver instaurada, contra o suposto autor da prática criminosa, a concernente persecução penal. Doutrina. Precedentes." (STF, HC 80.618/MG, j. 18.12.2001, Rel. Min. Celso de Mello) 7.5.5.6. Retratação da representação A representação pode ser retirada por parte do ofendido. Segundo dispõe o art. 25 do CPP, a representação é irretratável após o oferecimento da denúncia. Logo, antes do oferecimento, o ofendido poderá retirar a representação. Segundo Nucci,82 é válida a retratação tácita, ou seja, se o ofendido se reconciliar com o agressor, ele estará demonstrando implicitamente que não tem mais interesse na punição. Contudo, a jurisprudência não é pacífica quanto ao tema, tendo em vista que há decisões em sentido contrário à retratação tácita, sob o argumento de que não há previsão legal. Esta retratação não gera extinção da punibilidade, de forma que enquanto não houver expirado o prazo decadencial, o ofendido poderá apresentar nova representação. Daí porque é possível haver retratação da retratação, ou seja, o oferecimento da representação enquanto não expirado o prazo decadencial para o ofendido.83 Assim, imagine-se que o ofendido tenha tomado conhecimento da autoria no dia 11.04, o último dia do prazo para representar é 10.10. Imagine-se que tenha representado no dia 10.05 e se retratado no dia 12.06. Até o dia 10.10, poderá fazer nova representação.84 Tourinho Filho85 discorda desta posição e defende posição minoritária de que não seria possível a retratação da retração. Entende que haveria, neste caso, extinção da punibilidade. No entanto, discordamos desta posição. A lei trata de maneira diversa a retratação e a renúncia. À renúncia é atribuído o efeito de causa de extinção da punibilidade de maneira expressa86 (art. 107, V, do CP), o que não ocorre com a representação. Há, porém, exceção no caso da Lei Maria da Penha e do Juizado Especial Criminal, em que há previsão expressa de renúncia. Trataremos deste tema mais adiante, ainda neste capítulo, quando formos tratar de Lei Maria da Penha e de extinção da punibilidade. 7.5.5.7. Não vinculação da representação A representação não vincula o órgão do Ministério Público. Com isso se quer dizer que o promotor de justiça poderá requerer o arquivamento dos autos de inquérito policial se entender que não há elementos suficientes para o oferecimento da denúncia. Também significa dizer que o promotor não está vinculado à eventual tipificação apresentada pelo ofendido ou por seu representante legal. Vale dizer, da mesma forma que o promotor não está vinculado à tipificação apresentada pela autoridade policial, também não está à representação do ofendido, podendo oferecer denúncia pelo crime que entender mais adequado.87 Neste sentido, já se manifestou o STF: para ele nasceu, ou seja, jamais pode ser legitimamente por ele exercido? Entendemos por isso que deva haver intimação do ofendido aplicando-se por analogia o prazo do art. 91 da Lei 9.099/1995. 7.6. Ação penal de iniciativa privada 7.6.1. Noção, espécies e identificação A ação penal de iniciativa privada se dá quando a iniciativa para a propositura da ação penal fica a cargo do ofendido ou de seu representante legal. Como já dito anteriormente, toda ação é pública, havendo apenas alteração quanto à legitimidade para a sua promoção. Há, basicamente, três modalidades de ação penal de iniciativa privada: a) ação penal de iniciativa privada propriamente dita; b) ação penal de iniciativa privada personalíssima; c) ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública. Os princípios e regras abaixo apresentados ligam-se a todas as ações penais de iniciativa privada, naquilo que houver diferença haverá a explicação quando tratarmos das ações penais de iniciativa privada personalíssima e subsidiária da pública. Os fundamentos políticos para a existência destas ações penais com legitimidade atribuída ao ofendido são, basicamente, de duas ordens, a depender da modalidade de ação penal de que se fala. Nos dois primeiros casos, entende-se que o interesse do particular deve preponderar para a propositura da ação penal. Vale dizer, o interessante preponderante é o do indivíduo sobre o poder-dever de punir do Estado.92 Assim, por exemplo, cabe ao indivíduo decidir se promoverá queixa-crime em face de alguém que lhe tenha ofendido, e, não, o Estado. Já no terceiro caso, além de se dar esta opção ao ofendido, trata-se, em especial, de possibilitar a ele ou a seu representante legal que, diante da inércia do representante do Ministério Público, possa haver o suprimento da atuação do Estado pelo particular. Como já dito no início deste capítulo, a ação penal somente será de iniciativa privada quando a lei expressamente indicar. No entanto, a exceção vale para a ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública. Aqui, sempre será possível, em caso de inércia do Ministério Público, a atuação do ofendido, pois isto decorre de mandamento constitucional previsto no art. 5.º, LIX. 7.6.2. Princípios Há princípios que são próprios ou comuns a todas as ações penais, como é o caso do princípio da intranscendência (já tratado anteriormente). Outros são específicos da ação penal de iniciativa privada. Assim, temos como princípios próprios da ação penal de iniciativa privada: a) princípio da oportunidade; b) princípio da disponibilidade; c) princípio da indivisibilidade. O princípio da oportunidade (ou discricionariedade) significa que cabe exclusivamente ao titular da queixa optar por ingressar ou não com a ação. Vale dizer, somente a ele, ofendido ou seu representante legal, é que cabe a decisão sobre a existência ou não da ação penal. Já o princípio da disponibilidade significa que o querelante pode desistir da ação penal ajuizada, desde que não tenha havido trânsito em julgado da ação penal. É que com o trânsito em julgado o interesse do querelante deixa de existir e subsiste unicamente a pretensão do Estado na execução da pena. O princípio da disponibilidade manifesta-se de três formas no Código de Processo Penal: a) desistência - só há menção expressa à desistência da ação por parte do ofendido caso haja acordo entre as partes na audiência de conciliação dos crimes contra a honra (art. 520 do CPP); b) perdão do ofendido - trata-se de causa extintiva da punibilidade que será estudada em tópico próprio neste capítulo; c) perempção - outra causa de extinção da punibilidade também estudada em tópico próprio neste capítulo. Por fim, fala-se no princípio da indivisibilidade. Por este princípio, a exclusão voluntária de um dos corréus da queixa-crime gera renúncia em relação a este (causa extintiva da punibilidade) extensível aos demais corréus. Encontra-se previsto no art. 48 do CPP. É importante notar que isto somente se dá caso ocorra exclusão voluntária, ou seja, caso o ofendido saiba que uma das pessoas cometeu o crime e deliberadamente a exclua da queixa-crime.93 Não se dá, por exemplo, esta mesma hipótese quando o ofendido ignora a existência de uma pessoa que tenha também cometido o crime. Neste caso, não se trata de exclusão voluntária por parte do querelante, que não sabia da existência desta pessoa. O que poderá ocorrer, nesta situação, é que, instado a aditar a queixa-crime, não o faça, e aí teremos hipótese de violação do princípio da indivisibilidade com as consequências já apontadas. Questão mais delicada está na hipótese de, ao oferecer queixa-crime contra os corréus, o querelante apresente pedido de arquivamento em relação a um deles. Nesta situação, caso o juiz acolha o pedido de arquivamento, está-se diante de clara atuação legítima por parte do querelante, não havendo que se falar em violação do princípio da indivisibilidade. Por outro lado, caso o juiz não acolha o pedido, significa que o Estado reconheceu a violação do princípio da indivisibilidade e deve haver a sanção mencionada acima. Neste sentido entendeu o STJ: "Nos crimes sexuais contra vulnerável, a inexistência de registro de nascimento em cartório civil não é impedimento a que se faça a prova de que a vítima era menor de 14 anos à época dos fatos. De início, ressalte-se que a norma processual inscrita no art. 155, parágrafo único, do CPP estabelece que o juiz, no exercício do livre convencimento motivado, somente quanto ao estado das pessoas observará as restrições estabelecidas na lei civil. Ao enfrentar a questão, a Terceira Seção do STJ assentou a primazia da certidão de nascimento da vítima para tanto (EREsp 762.043-RJ, DJe 4/3/2009). Porém, o STJ tem considerado que a mera ausência da certidão de nascimento não impede a verificação etária, quando coligidos outros elementos hábeis à comprovação da qualidade de infante da vítima (HC 81.181-SP, Quinta Turma, DJe 21/6/2010 e AgRg no AREsp 114.864-DF, Sexta Turma, DJe 3/10/2013)". (STJ, AgRg no AREsp 12.700/AC, voto vencedor Rel. Min. Walter de Almeida Guilherme (Desembargador convocado do TJ/SP), Rel. para acórdão Min. Gurgel de Faria, j. 10.03.2015) A postura que o Ministério Público deve adotar em relação ao querelante será estudada no tópico relativo à denúncia e queixa-crime e seu aditamento pelo Ministério Público. 7.6.3. Legitimidade ativa Aqui o tema é, basicamente, o mesmo da representação. Daí porque repete-se o quanto já dito. A queixa-crime poderá ser oferecida pelo ofendido, ou por seu representante legal, a teor do art. 30 do CPP. Mas não apenas pelo ofendido; caso este seja incapaz, poderá ser exercida por seu representante legal (arts. 33 e 34 do CPP). Desta forma, temos: a) ofendido capaz e maior de 21 anos: o único legitimado é o ofendido ou procurador com poderes especiais na procuração; b) ofendido menor de 18 anos: somente o seu representante legal. c) ofendido morto ou ausente por declaração judicial: seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. No caso de cônjuge, dada a especial proteção que recebe do Poder Constituinte Originário, deve-se estender a incidência também para o companheiro ou companheira. A questão da legitimidade fica complicada para aquele que tem mais de 18 anos de idade e menos de 21 anos. Isto porque o Código de Processo Penal determina que, nesta situação, haja legitimidade concorrente entre o ofendido e seu representante legal, nos termos do art. 34 do CPP. Havia, ainda, a Súmula 594 do STF, que estabelecia que eram independentes os direitos do ofendido e de seu representante legal nesta hipótese, podendo ambos fazerem a representação. No entanto, esta disposição ficou revogada pelo Código Civil, que concedeu a maioridade para aqueles que possuem 18 anos. Logo, estas pessoas não têm representante legal e, por isso, não há que se falar mais em legitimidade concorrente nesta hipótese. Por fim, há, ainda, duas situações especiais reguladas pelo Código. No caso de o ofendido ser pessoa jurídica, poderá a representação ser apresentada por quem os estatutos designarem ou, no silêncio, pelos seus diretores ou sócios-gerentes (art. 37 do CPP). Por fim, caso seja hipótese de incapaz e haja conflito de interesses entre o incapaz e seu representante legal, haverá a necessidade de nomeação de curador especial (art. 33 do CPP). Sobre este curador especial, é necessário saber que : a) não precisa ser advogado; b) tem natureza jurídica de substituto processual, pois defende interesse alheio em nome próprio; c) não é obrigado a oferecer representação ou queixa-crime. Normalmente nesta hipótese o leitor questiona qual a função do curador especial. Isto porque, se ele não é obrigado a oferecer a queixa-crime qual a sua função? Ora, o curador dá, nesta situação, aquilo que o representante legal perdeu, ou seja, a imparcialidade. Agir com imparcialidade não significa, necessariamente, ajuizar a ação penal. 7.6.3.1. Sucessão processual Em caso de morte do ofendido antes do término do prazo decadencial, haverá a chamada sucessão processual. Assim, os arts. 31 do CPP e 100, § 4.º, do CP estabelecem que, nesse caso, haverá a sucessão processual, na seguinte ordem: a) cônjuge; b) ascendente; c) descendente; d) irmão. Por força de mandamento constitucional, estende-se ao companheiro a mesma proteção que é dada ao cônjuge. Da mesma forma, é importante notar que, em caso de conflito positivo de vontades, deverá ser observada a sequência da lei e, em caso de conflito negativo, prevalecerá sempre a vontade positiva (art. 36 do CPP). 7.6.4. Veículo O veículo pelo qual o ofendido promove sua pretensão é a queixa-crime. Trata-se, portanto, da peça que dá início à ação penal. A queixa-crime será estudada abaixo em tópico específico deste capítulo. 7.6.5. Aspecto temporal - O prazo para o oferecimento da queixa-crime Como regra, o prazo para o oferecimento da queixa-crime é de seis meses, a contar do conhecimento da autoria (arts. 38 do CPP e 103 do CP). Este prazo, por ser decadencial, liga-se diretamente à punibilidade e, portanto, é um prazo de direito penal material. Desta forma, na sua contagem, inclui-se o dia de início e exclui-se o dia do final. Assim, caso tome conhecimento do prazo no dia 29.07, o último dia do prazo será 28.01. Há, contudo, cinco exceções a este prazo: a) Crimes contra a propriedade imaterial - o prazo é de trinta dias para o oferecimento da queixa-crime, a contar da homologação do laudo pericial pelo juiz (art. 529 do CPP); b) Ocultação ou impedimento para casamento - no caso do crime do art. 236 do CP, o prazo é de seis meses, a contar do trânsito em julgado da sentença que anular o casamento; c) Ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública - o prazo é de seis meses, a contar do dia seguinte ao término do prazo para o Ministério Público; d) Ação penal privada para os sucessores - quando o ofendido morre antes do término do prazo decadencial, surge para os sucessores o prazo de seis meses para o oferecimento da queixa-crime, a contar da morte do ofendido; e) Vítima menor de 18 anos, e o representante legal não exerceu o direito de queixa-crime - seis meses, a contar do dia em que completa 18 anos. Neste último caso, contudo, é preciso explicação mais detalhada. Há, em verdade, duas posições sobre este tema. A posição majoritária é a que consta da letra "e": o ofendido menor de 18 anos terá o prazo de seis meses para oferecer queixa-crime, se seu representante legal não o fez antes dos 18 anos do ofendido. São defensores desta posição majoritária: Guilherme Nucci94 e Mirabete.95 Mas há posição minoritária neste tema. Para esta posição, minoritária, somente poderá ser exercido o direito de queixa pelo ofendido se não houve decadência para o representante legal. Neste caso, o ofendido terá o direito de queixa-crime pelo tempo restante do prazo que teria seu representante legal. É defensor desta posição minoritária: Tourinho Filho.96 Vamos entender melhor por meio de um exemplo. O ofendido é vítima de crime que se persegue por meio de ação penal de iniciativa privada com 16 anos de idade. Seus pais tomam conhecimento da autoria também neste mesmo período, mas nada fazem. Para a posição majoritária, poderá a vítima oferecer queixa-crime no prazo de seis meses ao completar 18 anos. No entanto, para a posição minoritária, nada poderá ser feito, já que transcorrido o prazo de seis meses da data do conhecimento da autoria.
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