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Guias e Dicas
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Livro - Sobre o behaviorismo - skinner.b.f, Manuais, Projetos, Pesquisas de Psicologia

raízes do behaviorismo

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2017
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Compartilhado em 26/07/2017

guilherme-silveira-45
guilherme-silveira-45 🇧🇷

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Baixe Livro - Sobre o behaviorismo - skinner.b.f e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Psicologia, somente na Docsity! B . F Skinner SOBRE O BEHAVIORISMO SOBRE O BEHAVIORISMO SUMÁRIO ntrodução 1 1 . AS CAUSAS DO COMPORTAMENTO 13 O Estruturalismo, 14; O Behaviorismo Metodológico» 16; O Behavio- rismo Radical, 16; Algumas palavras de advertência» 20. 2 . O M.UNDO DENTRO DA PELE 21 Observando e descrevendo o mundo dentro da pele, 23; Relatando coisas sentidas, 24; Relatando o comportamento, 26; Identificando as causas do comportamento de alguém, 29; O autoconhecimento, 30. 3 . O COMPORTAMENTO INATO 33 Os reflexos e os comportamentos liberados, 33; A preparação para no- vos ambientes 37 (I: Condicionamento Respondente); A preparação para novos ambientes (II: Condicionamento Operante); Mescla de contingência de sobrevivência e de reforço, 38; A evolução da men- te» 41. 4 . O COMPORTAMENTO OPERANTE 43 As sensações de reforços, 43; Carências, necessidades, desejos c an- seios, 45; Idéía e vontade» 48; Propósito e intenção» 50; Sentimentos associados com esquemas de reforço, 52; Estímulos adversativos e punição, 55; O estruturalismo, 58; A mente no comportamento operante, 61. 5 , O PERCEBER 65 Perceber ou receber?, 65; O controle, por estímulos» do comporta- mento operante». 66; Condições a afetar o que é vivo, 66; Condições a afetar o que é visto, 66; Experiência versus realidade» 69; A teoria da cópia, 71; Ver na ausência da coisa vista, 72; A mente e o controle por estímulos» 76. 6 , O COMPORTAMENTO VERBAL 79 Significado e referência, 80; Sentenças e proposições» 84; A manipu- lação de palavras e sentenças, 86; Comportamento verbal criativo, £8. 7 . O PENSAR §1 O controle "cognitivo" de estímulos» 92; Busca e rememoração» 95; Resolvendo problemas., 98; Comportamento criativo, 100; A estru- tura da mente, 101; A mente pensante» 103. 5 8 . CAUSAS E RAZÕES Ordens, conselhos e avisos, 105; Orientações e instruções, 106; Fol- clore. máximas e provérbios, 107; Leis governamentais e religiosas, 107; As leis da ciência,, 108; Comportamento modelado por contin- gências versus comportamento governado por regras, 109; Estão as regras nas contingências?, 111; Razão e razões, 112; Raciocínio (I. Indução), 113; Raciocínio (II. Dedução), 117. 9 , O CONHECER Tipos de conhecimento, 119; Provém o conhecimento da experiência?,, 120; O conhecimento como poder e como contemplação» 121; Com- preensão, 122; O conhecimento como posse de informação, 123; O conhecimento pessoal do cientista, 124; Jsmos, 126. 10. O MUNDO INTERIOR DA MOTIVAÇÃO E DA EMOÇÃO Personalidade, 129; A vida da psique, 132; Os mecanismos de defesa de Freud, 134; Causas internas, 136; Por que olhar para dentro?, 139; A inutilidade de causas internas , 142. II. O EU E OS OUTROS Conhecendo-se a si mesmo, 146; Conhecendo outra pessoa, 148; Controlando-se a si mesmo, 152; Controlando outra pessoa» 156; O eu e os outros, 161. 12, A QUESTÃO DO CONTROLE Contracontrole, 164; Ética e compaixão» 164; A luta pela liberdade, 169; O ambiente social controlador, 172; A evolução de uma cultura, 173. 13. O QUE HÁ DENTRO DA PELE Bases de comparação, 178; Fisiologia, 180; Mente e o sistema ner- voso?, 183; O sistema nervoso conceptual, 184. 14. RECAPITULANDO Desconfio que a maioria dos leões subscreveria esta descrição tran- quilizadora, se pudesse, 202; O comportamento próprio do behavio- rista, 208; Do lado positivo, 209; O futuro do behaviorismo, 211. BIBLIOGRAFIA REFERÊNCIAS SELECIONADAS f» INTRODUÇÃO O Behaviorismo não é a ciência do comportamento humano, mas, sim, a filosofia dessa ciência. Algumas das questões que ele propõe são: Ê possível tal ciência? Pode ela explicar cada aspecto do comportamento humano? Que métodos pode empregar? São suas leis tão válidas quanto as da Física e da Biologia? Proporcionará ela uma tecnologia e, em caso positivo, que papel desempenhará nos as- suntos humanos? São particularmente importantes suas relações com as formas anteriores de tratamento do mesmo assunto. O comporta- mento humano é o traço mais familiar do mundo em que as pessoas vivem, e deve ter dito mais sobre ele do que sobre qualquer outra coisa. E de tudo o que foi dito, o que vale a pena ser conservado? Algumas dessas questões serão eventualmente respondidas pelo êxito ou pelo malogro das iniciativas científica e tecnológica, mas co- locam-se alguns problemas atuais, os quais exigem que respostas pro- visórias sejam dadas de imediato. Muitas pessoas inteligentes acredi- tam que as respostas já foram encontradas e que nenhuma delas é promissora. Eis, como exemplo, algumas das coisas comumente ditas sobre o Behaviorismo ou a ciência do comportamento. Creio que são todas falsas. 1 . O Behaviorismo ignora a consciência, os sentimentos e os estados mentais. 2 . Negligencia os dons inatos e argumenta que todo comporta- mento é adquirido durante a vida do indivíduo. 3 . Apresenta o comportamento simplesmente como um con- junto de respostas a estímulos, descrevendo a pessoa como um autó- mato, um robô, um fantoche ou uma máquina. 4 . Não tenta explicar os processos cognitivos. 5 . Não considera as intenções ou os propósitos. 6 . Não consegue explicar as realizações criativas - na Arte, por exemplo, ou na Música, na Literatura, na Ciência ou na Mate- mática. 7 tamento complexo; Watson afirmando que o pensamento era apenas uma fala subvocal e Pavlov, que a linguagem não passava de "um segundo sistema de sinais". Nada, ou quase nada, tinha Watson a dizer a respeito de intenções, propósitos ou criatividade. Ele acentuava a promessa tecnológica de uma ciência do comportamento, mas seus exemplos não eram incompatíveis com um controle manipulador. Mais de sessenta anos se passaram desde que Watson publicou seu manifesto e muita coisa ocorreu nesse período. A análise cientí- fica do comportamento tem feito progressos dramáticos, e as defi- ciências da apresentação de Watson são agora, creio eu, principal- mente de interesse histórico. Contudo, a crítica não mudou muito. Todas as incompreensões apontadas acima são encontráveis em pu- blicações correntes, escritas por filósofos, teólogos, cientistas sociais, historiadores, homens e mulheres de letras, psicólogos e muitos outros. As extravagâncias da história anterior do movimento dificilmente bas- tarão para explicar tais incompreensões. Alguns problemas surgem, sem dúvida, do fato de ser o com- portamento humano um campo delicado. Há muita coisa em jogo no modo por que nos vemos a nós mesmos e uma formulação behavio- rista certamente exige mudanças perturbadoras. Além disso, termos originários de formulações anteriores estão hoje incorporados à nossa linguagem, sendo que, durante séculos, tiveram um lugar tanto na li- teratura técnica quanto na literatura leiga. Todavia, seria injusto afir- mar que o crítico não foi capaz de libertar-se desses preconceitos his- tóricos. Deve haver alguma outra razão que explique por que o beha- viorismo, como a filosofia de uma ciência do comportamento, é ainda tão mal compreendido. Creio que a explicação disso reside no fato de que a Ciência é, em si mesma, mal compreendida. Há muitos tipos de ciência do com- portamento, e algumas, como mostrarei mais tarde, apresentam seu campo de estudos de maneira a não suscitar importantes questões relativas ao comportamento. As críticas acima apontadas são respon- didas de forma deveras eficaz por uma disciplina especial que rece- beu o nome de análise experimental do comportamento. O compor- tamento de organismos individuais é estudado em ambientes cuidado- samente controlados, sendo a relação entre comportamento e ambiente então formuladas. Infelizme.ite, fora do grupo dos especialistas, muito pouco se conhece acerca dessa análise. Seus investigadores mais ativos. e há centenas deles, raramente fazem qualquer esforço para explicar seus resultados àqueles que não são especialistas. Em consequência disso, poucas pessoas estão familiarizadas com os fundamentos cien- tíficos do que, a meu ver, é a mais convincente exposição do ponto de vista behaviorista. 10 O behaviorismo que apresento neste livro é a filosofia dessa versão especial de uma ciência do comportamento. O leitor deve saber que nem todos os behavioristas concordam com tudo quanto digo. Watson falou pelo "behaviorista" e em seu tempo ele era o behavio- rista mas ninguém pode assumir esse papel hoje em dia. O que se segue é, admito - e, como um behaviorista, devo dizer necessaria- mente -, um ponto de vista pessoal. Creio, todavia, que se trata de uma descrição consistente e coerente, a qual responde de modo satis- fatório às críticas acima citadas. Acredito também em sua importância. Os maiores problemas en- frentados hoje pelo mundo só poderão ser resolvidos se melhorarmos nossa compreensão do comportamento humano. As concepções tradi- cionais têm estado em cena há séculos e creio ser justo dizer que se revelaram inadequadas. São, em grande parte, responsáveis pela situação em que nos encontramos hoje. O behaviorismo oferece uma alternativa promissora e eu escrevi este livro como um esforço para tornar clara tal posição. 11 / AS CAUSAS DO COMPORTAMENTO Por que as pessoas se comportam de uma certa maneira? Esta era, no começo, uma questão prática provavelmente: Como poderia alguém antecipar e, a partir daí, preparar-se para aquilo que uma pessoa faria? Mais tarde, o problema tornou-se prático num outro sentido: Como poderia alguém ser induzido a comportar-se de uma certa forma? Eventualmente, tornou-se um problema de compreensão e explicação do comportamento. Tal problema poderia ser sempre reduzido a uma questão acerca de causas. Tendemos a dizer, muitas vezes de modo precipitado, que se uma coisa se segue a outra, aquela foi provavelmente causada por esta - de acordo com o antigo principio segundo o qual post hoc, ergo propter hoc (depois disto, logo causado por isto). Dos múlfipios exemplos de explicação do comportamento humano, um deles é aqui especialmente importante. A pessoa com a qual estamos mais fami- liarizados é a nossa própria pessoa; muitas das coisas que observa- mos pouco antes de agir ocorrem em nossos próprios corpos e é fácil tomá-las como causas de nosso comportamento. Se nos perguntarem por que respondemos com rispidez a um amigo, poderemos dizer: "Porque me senti irritado". É verdade que já nos sentíamos irritados antes de responder, ou então durante a resposta, e por isso achamos que nossa irritação foi a causa de nossa resposta. Se nos perguntarem por que não estamos jantando, pede ser que digamos: "Porque não sinto fome" . Frequentemente sentimos fome quando comemos e por isso concluímos que comemos porque sentimos fome. Se nos pergun- tarem por que vamos nadar, poderemos responder "Porque sinto von- tade de nadar". Parece que estamos a dizer "Quando me senti assim antes, comportei-me desta ou daquela forma " . Os sentimentos ocor- rem no momento exato para funcionarem como causas do comporta- mento, e têm sido referidos como tal durante séculos. Supomos que as outras pessoas se sentem como nós quando sc poriam como nós., Mas onde estão esses sentimentos e estados mentais? De que material são feitos? A resposta tradicional é que estão situados num 13 cia dos conceitos mentalistas. Quando se pedem explicações, as prá- ticas culturais primitivas são atribuídas à "mente do selvagem"; a aqui- sição da língua, às "regras inatas de gramática"; o desenvolvimento das estratégias empregadas na solução de problemas, ao "crescimento da mente", e assim por diante. Em suma, o estruturalismo nos diz como as pessoas agem, mas esclarece muito pouco por que se com- portam desta ou daquela forma. Não tem resposta para a pergunta com a qual começamos. O Behaviorismo Metodológico O problema mental ista pode ser evitado com procurarmos dire- tamente as causas físicas anteriores, desviando-nos dos sentimentos ou estados mentais intermediários. A maneira mais rápida de fazer isto consiste em limitarmo-nos àquilo que um dos primeiros behavio- ristas, Max Meyer, chamou de "a psicologia do outro": considerar apenas aqueles fatos que podem ser objetivamente observados no com- portamento de alguém em relação com a sua história ambiental pré- via. Se todas as ligações são lícitas, não se perde nada por desconsi- derar uma ligação supostamente imaterial. Assim, se soubermos que uma criança está há muito sem comer e que, por essa razão, sente fome, e que, sentindo-se esfomeada, comerá, então saberemos que, se ela não come há algum tempo, então ela comerá. E, se tornan- do-lhe inacessíveis outras comidas, fizermos com que se sinta faminta, e se, em virtude de sentir fome, comer então uma certa comida, deverá seguir-se então que, tornando-lhe inacessíveis outras comidas nós a induziremos a comer essa comida. Da mesma maneira, se certas formas de ensinar uma pessoa le- vam-na a notar diferenças muito pequenas em suas "sensações " , e se, por ela perceber tais diferenças, mostra-se capaz de classificar corretamente objetos coloridos, segue-se então que podemos usar essas maneiras de ensiná-la a classificar corretamente os objetos. Ou, para usar ainda um outro exemplo, se as circunstâncias na história de uma pessoa de cor branca geraram nela sentimentos agressivos contra os negros, e se esses sentimentos levam-na a agir agressivamente, então podemos tratar simplesmente da relação entre as circunstâncias de sua história e o seu comportamento agressivo. É claro que não há nada de novo em tentar prever ou controlar o comportamento por meio da observação e da manipulação de acon- tecimentos públicos antecedentes. Os estruturalistas e os desenvolvi menti stas não ignoraram inteiramente as histórias de seus sujeitos e os historiadores e biógrafos têm explorado as influências do clima, 16 da cultura, das pessoas e dos incidentes. Muitos têm usado técnicas práticas de predição e controle do comportamento sem praticamente cogitar de estados mentais. Todavia, por muitos séculos, fizcram-se poucas investigações sistemáticas acerca do papel desempenhado pelo ambiente físico, embora centenas de volumes altamente técnicos sobre a compreensão humana e a vida da mente tenham sido escritos. Um programa dc behaviorismo metodológico só se tornou plausível quando se começou a fazer progresso na observação científica do comporta- mento, pois só então tornou-se possível superar o poderoso efeito exercido pelo menta! ismo no sentido de afastar a pesquisa da inves- tigação do papel desempenhado pelo ambiente. As explicações mentalistas acalmam a curiosidade e paralisam a pesquisa. É tão fácil observar sentimentos e estados mentais, num momento e num lugar, que fazem parecer sejam elas as causas, que não nos sentimos inclinados a prosseguir na investigação. Uma vez, porém, que se começa a estudar o ambiente, sua importância não pode mais ser negada. Poder-se-ia considerar o behaviorismo metodológico como uma versão psicológica do positivismo ou do operacionismo lógico, mas estes se preocupam com questões diferentes. O positivismo ou o ope- racionismo lógico sustenta que, uma vez que dois observadores não podem concordar acerca do que ocorre no mundo da mente, então, do ponto de vista da ciência física, os acontecimentos mentais são "inobserváveis"; não pode haver verdade por acordo e devemos aban- donar o exame dos fatos mentais, voltando-nos antes para a maneira por que são estudados. Não podemos medir sensações e percepções enquanto tais, mas podemos medir a capacidade que uma pessoa tem de discriminar estímulos; assim, pode-se reduzir o conceito de sensa- ção ou de percepção à operação de discriminação. Os positivistas lógicos têm sua própria versão do que seja "o outro " . Argumentam que um autómato que se comportasse exata- mente como uma pessoa, respondendo da mesma forma aos estímu- los, alterando seu comportamento em razão das mesmas operações, seria indiscerníve/ de uma pessoa real, ainda que não tivesse senti- mentos, sensações ou ideias. Se tal autómato pudesse ser construído, ele provaria que nenhuma das supostas manifestações da vida mental requer uma explicação mentalista. O behaviorismo metodológico foi bem-sucedido em relação a seus próprios objetivos. Descartou-se de muitos problemas suscitados pelo mentaíismo, ficando livre para trabalhar em seus próprios pro- jetos, sem digressões filosóficas. Com voltar a atenção para os ante- cedentes genéticos e ambientais, contrabalançou ele uma injustificada concentração na vida interior. Libertou-nos para o estudo do com- 17 portamento das espécies inferiores, onde a introspecção (então enca- rada como exclusivamente humana) não era exequível, e para a ex- ploração das semelhanças e as diferenças entre o Homem e as outras espécies. Alguns conceitos anteriormente associados com acontecimen- tos privados foram formulados de outras maneiras. Mas restaram ainda problemas. A maioria dos behavioristas me- todológicos admitia a existência dos fatos mentais, ao mesmo tempo que os excluía de consideração. Pretendiam eles realmente dizer que tais acontecimentos não importavam? Que o estágio intermediário na tripla sequência do físico-mental-físico não contribuía para nada - em outras palavras, que os sentimentos e estados mentais eram sim- plesmente epifenômenos? Não era a primeira vez que se dizia isso. Â concepção de que um mundo puramente físico poderia ser auto- suficiente fora sugerida há séculos atrás, na doutrina do paralelismo psicofísico, a qual sustentava a existência de dois mundos - um men- tal e um material - e de que nenhum deles exercia qualquer efeito sobre o outro. A demonstração freudiana do inconsciente, no qual uma consciência dos sentimentos ou estados mentais parecia desne- cessária, apontava na mesma direção. Mas e quanto às outras provas? Seria o tradicional argumento post hoc, ergo propter hoc inteiramente falso? Os sentimentos que experimentamos imediatamente antes de agir não terão nenhuma re- lação com nosso comportamento? E o poder da mente sobre a ma- téria, em Medicina Psicossomática? E quanto à Psicofísica e à relação matemática entre as magnitudes dos estímulos e das sensações? Que dizer do fluxo de consciência? E dos processos intrapsíquicos da Psi- quiatria nos quais os sentimentos produzem ou suprimem outros sen- timentos e as lembranças evocam ou mascaram outras recordações? E os processos cognitivos considerados capazes de explicar a percepção, o pensamento, a construção de sentenças e a criação artística? Deve- remos ignorar tudo isso porque não o pudemos estudar objetivamente? O Behaviorismo Radical A afirmação de que os behavioristas negam a existência de sen- timentos, sensações, idéias e outros traços da vida mental precisa ser bem esclarecida. O behaviorismo metodológico e algumas versões do positivismo lógico excluíam os acontecimentos privados porque não era possível um acordo público acerca de sua validade. A introspec- ção não podia ser aceita como uma prática científica e a psicologia de gente como Wilhelm Wundt e Edward B. Titchener era atacada por isso. O behaviorismo radical, todavia, adota uma linha diferente. 18 tingências. Se tratassem de cogumelos, a palavra "cogumelo" seria igualmente repetida com frequência. Grande parte da argumentação vai além dos fatos estabelecidos . Estou mais preocupado com interpretação do qUe com previsão e controle. Cada campo científico tem uma fronteira além da qual a discussão, embora necessária, não pode ser tão precisa quanto se desejaria. Um autor disse recentemente: "A mera especulação, que não pode ser submetida à prova da verificação experimental, não faz parte da Ciência"; se isso fosse verdade, porém, grande parte da As- tronomia ou da Física Atómica, por exemplo, não seria ciência . A especulação é de fato necessária para a ideação de métodos capazes de proporcionar melhor controle de um determinado assunto . Considero dezenas, se não centenas, de exemplos de uso men- talista. Foram tomados de textos escritos em circulação; não lhes citei as fontes, porém. Não estou discutindo com os autores , mas acerca das práticas exemplificadas por suas passagens ou termos. Uso os exemplos tal como eles são empregados em um manual de ensino de inglês. (Peço desculpas aos autores que preferissem ter sido cita- dos, mas apliquei a Regra Áurea e fiz aos outros aquilo que gostaria fizessem comigo se eu tivesse usado tais expressões .) "Traduzi em comportamento " muitas dessas expressões. Agi assim embora reco- nhecendo que Traduitori traditori - os tradutores são traidores _ e que, talvez, não haja equivalentes comportamentais exatos; certa- mente nenhum que possua as conotações e contextos do original. Perder muito tempo em redefinir exatamente consciência , vontade, de- sejos, sublimação, etc. seria tão tolo quanto os físicos fazerem o mesmo com o éter, o flogístico ou a vis viva. Finalmente, uma palavra acerca de meu próprio comportamento verbal. A língua inglesa está sobrecarregada de mentalismo . Os sen- timentos e os estados mentais têm desfrutado posição de destaque na explicação do comportamento humano; e a literatura , por se preo- cupar com o como e o porquê dos sentimentos humanos , oferece-lhe apoio contínuo. Disso resulta ser impossível engajarmo-nos num dis- curso casual sem despertar os fantasmas das teorias mentalistas . O papel do meio ambiente foi descoberto muito tarde e ainda não apa- receu um vocabulário popular apropriado. Para os fins de um discurso casual, não vejo razão de evitar uma expressão como "Escolhi discutir..." (embora eu questione a possibilidade de uma escolha livre) ou "Tenho em mente , . (ainda que eu questione a existência da mente) ou "Estou consciente do fato. . ." (embora eu faça uma interpretação muito especial de cons- ciência). O behaviorista neófito vê-se às vezes embaraçado quando se pilha usando termos mentalistas, mas a punição da qual seu em- 21 baraço é efeito justifica-se apenas quando os termos são usados numa discussão técnica. Quando é importante esclarecer uma questão, só o vocabulário técnico deverá ser empregado. Frequentemente, ele pa- recerá forçado ou tortuoso. Velhas formas de falar são abandonadas com pesar, as novas parecem desconfortáveis e canhestras, mas a mu- dança tem de ser feita. Esta não é a primeira vez que uma ciência sofreu por causa de tal transição. Houve épocas em que era difícil a um astrónomo não exprimir-se como astrólogo (ou ser, no fundo, um astrólogo) e em que o químico não se tinha ainda libertado da alquimia. Estamos num estágio semelhante na ciência do comportamento e, quanto mais cedo se efetuar a transição, melhor será. As consequências práticas podem ser facilmente demonstradas: a Educação, a Política, a Psicoterapia, a Penologia e muitos outros campos da atividade humana sofrem pelo uso eclético de um vocabulário leigo. As consequências teóricas são mais difíceis de demonstrar, mas são igualmente importantes, como espero mostrar a seguir. 22 2 O MUNDO DENTRO DA PELE Uma pequena parte do universo está contida dentro da pele de cada um de nós. Não há razão de ela dever ter uma condição física especial por estar situada dentro desses limites, e eventualmente ha- veremos de ter uma descrição completa dela, descrição que nos será fornecida pela Anatomia e pela Fisiologia. Todavia, no momento, não dispomos de uma descrição satisfatória e por isso parece ser mais importante que entremos em contato com ela de outras maneiras, Nós a sentimos e, num certo sentido, a observamos e seria loucura negligenciar tal fonte de informação só por ser a própria pessoa a única capaz de estabelecer contato com seu mundo interior, Não obs- tante, nosso comportamento, ao estabelecer esse contato, precisa ser examinado. Respondemos ao nosso próprio corpo com três sistemas nervo- sos, dois dos quais estão particularmente relacionados com traços internos. O chamado sistema interoceptívo transmite a estimula- ção de órgãos como a bexiga e o aparelho digestivo, as glândulas e seus canais, e os vasos sanguíneos. É de fundamental importância para a economia interna do organismo. O chamado sistema proprio- ceptivo transmite a estimulação dos músculos, articulações e tendões do esqueleto e de outros órgãos envolvidos na manutenção da pos- tura e na execução de movimentos. Usamos o verbo "sentir" para descrever nosso contato com esses dois tipos de estimulação. Um ter- ceiro sistema nervoso, o exteroceptivo, está basicamente envolvido no ver, ouvir, degustar, cheirar e sentir as coisas do mundo que nos cerca, mas desempenha também papel importante na observação de nosso próprio corpo. Observando e descrevendo o mundo dentro da pele Os três sistemas nervosos provavelmente evoluíram até sua con- dição atual porque desempenhavam importantes funções biológicas, 23 ternas responsáveis por eles. Por exemplo, sentimo-nos tristes [sad] no sentido original de fartos, saciados [sated\, ou excitados [excited] no sentido de provocados, instigados, mas estas expressões talvez sejam apenas metáforas. Não nos sentimos tensos no sentido literal de estar sendo distendidos, ou deprimidos no sentido literal de ver- gados sob um peso. Podemos ter adquirido tais palavras em circuns- tâncias que não têm conexão alguma com comportamento ou senti- mentos. Quase todos os termos que descrevem emoções e que fazem referência direta a condições estimuladoras foram originariamente me- táforas. Embora a comunidade verbal solucione o problema da privaci- dade dessa maneira e consiga ensinar uma pessoa a descrever muitos de seus estados orgânicos, as descrições nunca são totalmente preci- sas. O médico admite uma considerável amplitude da linguagem quando um paciente lhe descreve suas dores e achaques. A dificul- dade não advém de o paciente não estar sendo estimulado de forma perfeitamente clara, mas tão-só de ele nunca ter estado exposto a condições de instrução em que aprendesse a descrever adequadamente os estímulos. Além do mais - e este é um ponto da maior impor- tância, ao qual voltarei mais tarde -, as funções biológicas originais responsáveis pela evolução do sistema nervoso não produziram o sis- tema de que a comunidade verbal precisa. Como resultado disso, ten- demos particularmente a suspeitar de relatos acerca da estimulação privada, especialmente quando a descrição tem outras consequências - como, por exemplo, quando a pessoa finge de doente para faltar ao trabalho. Relatando o comportamento Comportamento usual, A pergunta "O que é que você está fa- zendo?" pede uma informação que pode ser deveras pública mas que, no momento, está fora do alcance de quem pergunta, o qual pode estar falando por telefone, por exemplo, ou no escuro, ou ainda, na virada da esquina. O vocabulário em que a resposta é dada pode ser adquirido quando o comportamento é visível a todos e a comunidade verbal, por conseguinte, não sofre limitações. As descrições podem limitar-se à topografia ("Estou agitando a mão") ou podem incluir efeitos sobre o ambiente ("Estou bebendo um copo d*água" ou "Es- tou pregando um botão na camisa"). Os estímulos proprioceptivos são os dominantes quando uma pessoa descreve seu próprio compor- tamento no escuro, mas relacionam-se de perto com os estímulos pú- blicos no ensino pela comunidade verbal. Perguntas deste tipo são feitas porque as respostas são importantes para a comunidade, mas, 26 como veremos mais tarde, tornam-se também importantes para o pró- prio falante e de maneiras que tendem a manter-lhes a precisão. Comportamento provável. "Você está inclinado a fazer o quê?" é uma pergunta metafórica para a qual uma resposta metafórica po- deria ser "Eu me sinto inclinado a ir". Tender a fazer algo é também uma metáfora que sugere estar-se sendo empurrado ou forçado. As respostas dependem presumivelmente de estimulação gerada por con- dições relacionadas com uma acentuada probabilidade de ação. Quan- do acontece algo engraçado numa ocasião solene, podemos dizer "Tive vontade de rir" ou "Eu queria rir" ou ainda "Mal pude conter o riso" . A estimulação assim descrita presumivelmente esteve pre- sente em casos anteriores em que o riso ocorreu e se adquiriu um vocabulário apropriado. Comportamento perceptivo Pode-se perguntar a uma pessoa: "Você vê aquilo?" ou menos vernaculamente "Está vendo aquilo?" e a resposta pode ser conferida pedindo-se o nome ou uma descrição daquilo que é visto. Comportamento passado. Respostas a perguntas como "O que você fez ontem?" ou "A quem viu você?" podem usar um vocabu- lário adquirido em conexão com o comportamento usual. Uma pes- soa fala a partir de um ponto especialmente vantajoso: ela esteve necessariamente lá. Tais perguntas pouco diferem de outras como "O que aconteceu ontem? " (A questão de se é mais fácil descrever o comportamento de ontem se a pessoa também o descreveu ontem assume certa importância. Já se sugeriu, por exemplo, que não nos lembramos do que ocorreu na infância porque, na época, não éra- mos capazes de o descrever ["infante" já significou "incapaz de fa- lar"]; todavia, não descrevemos constantemente o comportamento em que estamos empenhados, embora possamos descrevê-lo mais tarde. Não obstante, a rapidez com que esquecemos sonhos e pensamentos passageiros que não foram claramente "percebidos " sugere que uma descrição comum fluente é o melhor meio de nos assegurarmos de que o comportamento poderá ser descrito mais tarde.) Comportamento encoberto, Uma pergunta muito mais fácil é "Em que é que você está pensando?", onde "pensando" refere-se a um comportamento executado em escala tão pequena que não é vi- sível aos outros. (Outros usos da palavra "pensar " serão discutidos no Capítulo 7.) Ao descrever o comportamento encoberto, podemos estar descrevendo comportamento público em miniatura, mas ê mais provável que estejamos descrevendo condições privadas relacionadas com comportamento público, mas não necessariamente geradas por ele. O comportamento verbal pode facilmente tornar-se encoberto quando não requer apoio ambiental. "Eu disse a mim mesmo..." é 27 usado como sinónimo de "Eu pensei...mas não dizemos "Eu na- dei a mim mesmo". O comportamento perceptivo encoberto é especialmente intrigan- te. Imaginar ou fantasiar, como meios de "ver" algo na ausência da coisa vista, é presumivelmente uma questão de fazer aquilo que se faria quando o que se vê está presente. Voltarei a este ponto no Capítulo 5. A comunidade verbal pode recorrer a uma ampliação instrumen- tal, como a da atividade dos músculos, e assim, num certo sentido, tornar público o comportamento encoberto e encorajar uma volta ao nível ostensivo, como quando se pede a uma pessoa que "pense em voz alta" e ela não pode manter a precisão do comportamento enco- berto. Todavia, não há problema no tocante à procedência do voca- bulário. As palavras usadas para descrever o comportamento enco- berto são as palavras adquiridas por ocasião do comportamento pú- blico. Comportamento futuroy Outra pergunta difícil é "O que é que você vai fazer?" . A resposta não é, evidentemente, uma descrição do próprio comportamento futuro. Pode ser um relato de enérgico com- portamento encoberto a ser provavelmente emitido de público quando a ocasião surgir ( " Quando eu o vir, lembrá-lo-ei de que me deve dez dólares"). Pode ser uma previsão de comportamento baseada em condições usuais com que o comportamento está amiúde relacionado ("Quando as coisas são assim, eu geralmente desisto" ou "Estou com fome e vou procurar alguma coisa para comer"). Pode ser ainda o relato de uma farta probabilidade de assumir-se determinado compor- tamento. Enunciados acerca do comportamento futuro frequentemente en- volvem a palavra "sinto". Talvez "Sinto vontade de jogar cartas" possa ser traduzido por "Sinto-me como costumava sentir-me quando comecei a jogar cartas". "O que é que você quer fazer?" pode refe- rir-se ao futuro no sentido de perguntar acerca da probabilidade de comportamento. Uma atitude ("Você realmente quer fazer o que está fazendo?" ou "Você realmente quer ir para a praia nas férias?") pode ser parte da metáfora da inclinação ou tendência. Em geral, a comunidade verbal pode verificar a precisão dos enunciados relativos a inclinações e tendências, pelo menos de forma estatística, observando o que acontece, e a precisão do controle man- tido pelos estímulos privados é assim assegurada, em certa medida. Veremos que o comportamento autodescritivo também serve ao pró- prio indivíduo e, quando serve, tende a manter-se preciso. 28 O autoconhecimento é de origem social. Só quando o mando privado de uma pessoa se toma importante para as demais é que ele se torna importante para ela própria. Ele então ingressa no con- trole de comportamento chamado conhecimento. Mas o autoconheci- mento tem um valor especial para o próprio indivíduo. Uma pessoa que se "tornou consciente de si mesma" por meio de perguntas que lhe foram feitas está em melhor posição de prever e controlar seu próprio comportamento. Uma análise behaviorista não discute a utilidade prática dos re- latos acerca do mundo interior, o qual é sentido e observado intros- pectivamente. Eles são pistas (1) para o comportamento passado e as condições que o afetaram, (2) para o comportamento atual e as condições que o afetam, e (3) para as condições relacionadas com o comportamento futuro. Contudo, o mundo privado dentro da pele não é claramente observado ou conhecido. Mencionei já duas ra- zões, às quais terei muitas oportunidades de voltar: ao ensinar o au- toconhecimento (1) a comunidade verbal tem de haver-se com sis- temas nervosos bastante primitivos, e (2) não pode solucionar com- pletamente o problema da privacidade. Há um velho princípio segundo o qual nada é diferente enquanto não fizer diferença e, no que diz respeito aos acontecimentos do mundo dentro da pele, a comunidade verbal não foi capaz de tornar as coisas suficientemente diferentes. Daí resulta haver margem para a especulação, a qual tem mostrado, ao longo dos séculos, a mais extraordinária diversidade. Diz-se que Platão descobriu a mente, mas seria mais acertado dizer que ele inventou uma versão dela. Muito antes de sua época, os gregos íiaviam construído um minucioso sistema explicativo, uma estranha mistura de Fisiologia e Metafísica. Não tardou muito para que surgisse o puro mentalismo, o qual acabou por dominar o pen- samento ocidental durante mais de dois mil anos. Quase todas as versões sustentam que a mente é um espaço não-físico no qual os acontecimentos obedecem a leis não-físicas. A "consciência" que se diz a pessoa possuir tornou-se de tal forma um elemento componente do pensamento ocidental que "toda a gente sabe o que significa ser consciente" e o behaviorista que levanta o problema é considerado sorrateiro, como se estivesse recusando-se a admitir o testemunho de seus sentidos. Mesmo aqueles que insistem na realidade da vida mental geral- mente concordam em que pouco ou nenhum progresso foi feito desde os tempos de Platão. As teorias mentalistas estão sujeitas a mudanças da moda e, como na história da arquitetura ou do vestuário, basta esperar tempo suficiente para ver ressurgir uma concepção pregressa. Tivemos revivescências aristotélicas e diz-se que agora estamos vol- 31 tando a Platão. A Psicologia moderna pode sustentar que foi muito além de Platão no que diz respeito ao controle dos ambientes de que as pessoas se dizem conscientes, mas ela não lhes melhorou muito o acesso à própria consciência porque não foi capaz de aperfeiçoar as contingências verbais em que os sentimentos e os estados mentais são descritos e conhecidos. Basta olhar meia dúzia de teorias mentalistas atuais para se ver quanta variedade é ainda possível. O behaviorismo, por outro lado, avançou. Aproveitando-se dos recentes progressos da análise experimental do comportamento, exa- minou ela mais de perto as condições em que as pessoas respondem ao mundo no interior de suas peles, e pode agora analisar, um poi um, os termos-chaves do arsenal mentalista. O que se segue é ofere- cido como um exemplo. 32 3 O COMPORTAMENTO INATO A espécie humana, como as demais espécies, é um produto da seleção natural. Cada um de seus membros é um organismo extrema- mente complexo, um sistema vivo, o objeto da Anatomia e da Fisio- logia. Campos como a respiração, a digestão, a circulação e a imuni- zação foram isolados para estudo especial e entre eles está a área a que chamamos comportamento. Este envolve comumente o ambiente. O recém-nascido é cons- truído de forma a ingerir ar e comida e a expelir resíduos. Respirar, mamar, urinar e defecar são coisas que o recém-nascido faz, mas o mesmo se pode dizer de todas as suas outras atividades fisiológicas. Quando conhecermos suficientemente a anatomia e a fisiologia do recém-nascido, seremos capazes de dizer por que ele respira, mama, urina e defeca; no momento, porém, devemos contentar-nos em des- crever o comportamento em si mesmo e investigar as condições em que ocorre - tais como a estimulação externa ou interna, a idade, ou o nível de privação. Os reflexos e os comportamentos liberados Um tipo de relação entre o comportamento e a estimulação é chamado reflexo. Tão logo se cunhou a palavra, ela foi entendida como referindo-se à anatomia e à fisiologia subjacentes, mas estas são ainda mal conhecidas. No momento, um reflexo tem apenas força descritiva; não é uma explicação. Dizer que um bebé respira ou mama porque possui reflexos apropriados é simplesmente dizer que respira ou mama presumivelmente porque evoluiu de maneira a poder fazê-lo. Respirar e mamar implicam respostas ao ambiente, mas não devem, de nenhuma forma, ser diferenciados do restante da respiração e da digestão. 33 Embora ainda não saibamos muito acerca da anatomia e , da fi- siologia subjacentes ao comportamento, podemos especular quanto ao processo de seleção que as tornou parte de uma dotação genética. A sobrevivência pode ser dita contingente em relação a certos tipos de comportamento. Por exemplo, se os membros de uma espécie não se acasalam, não cuidam de suas crias ou não se defendem dos pre- dadores, a espécie não sobreviverá. Não é fácil estudar experimental- mente essas "contingências de sobrevivência" porque a seleção é um processo lento; alguns efeitos, porém, podem ser mostrados estudan- do-se espécies que amadurecem rapidamente para a reprodução e organizando com cuidado as condições de seleção. As contingências de sobrevivência são frequentemente descritas em termos que sugerem um tipo diferente de ação causal. "A pres- são da seleção" é um exemplo. A seleção é tipo especial de causali- dade que não é propriamente representada como uma força ou pres- são. Dizer que "nos mamíferos não há uma pressão seletiva óbvia que explique o alto nível de inteligência alcançada pelos primatas" é simplesmente dizer que é difícil imaginar condições em que os mem- bros ligeiramente mais inteligentes de uma espécie tivessem maior pro- babilidade de sobreviver. (A propósito, o que está errado é a su- gestão de que a "pressão " é exercida, em primeiro lugar, por outras espécies. A sobrevivência pode depender quase inteiramente da "com- petição com " o ambiente físico, quando o comportamento inteligente é claramente favorecido.) É mais fácil imaginar contingências de sobrevivência se o com- portamento tornar mais provável que os indivíduos sobrevivam e se reproduzam e se as contingências prevalecerem por longos períodos de tempo. As condições internas do corpo têm comumente satisfeito essas duas exigências e algumas características do meio exterior, tais como os ciclos de dia e noite, ou as estações do ano, ou da tempera- tura ou o campo gravitacional, são de longa duração. Também o são os demais membros da mesma espécie, fato que explica a proeminên- cia dada pelos etologistas à corte, ao sexo, aos cuidados dos pais, ao comportamento social, ao jogo, à imitação e à agressão. Mas é difícil encontrar condições plausíveis de seleção que sirvam de apoio a uma afirmação como a de que "os princípios da gramática estão presen- tes na mente no momento do nascimento", de vez que o comporta- mento gramatical dificilmente poderia ter sido importante para a so- brevivência, durante um tempo suficientemente longo para explicar sua seleção. Como voltarei a apontar mais tarde, o comportamento verbal só poderia surgir quando os ingredientes necessários já tives- sem evoluído por outras razões. 36 A preparação para novos ambientes I: Condicionamento Respondente As contingências de sobrevivência não podem produzir compor- tamento útil se o meio mudar substancialmente a cada geração, mas certos mecanismos evoluíram por meio dos quais o individuo adquire comportamento apropriado a um novo ambiente durante seu tempo de vida. O reflexo condicionado é um exemplo relativamente simples. Certos reflexos cardíacos suportam um grande esforço, como por exemplo fugir ou lutar com um predador; e há provavelmente uma vantagem se o coração responder antes que a fuga ou a luta comece; a aparência dos predadores varia, porém, e é só por via do condi- cionamento respondente que uma determinada aparência pode susci- tar o comportamento cardíaco apropriado antes da fuga ou da luta. Um reflexo condicionado, como algo que a pessoa possui, não tem força explicativa maior do que um reflexo incondicionado ou inato. O coração de um corredor não começa a bater com força e rapidez logo antes de uma corrida por causa de um reflexo cardíaco condicionado; o reflexo é simplesmente um meio de identificar o fato de que ele começa a bater rapidamente. O corredor foi modificado quando a certas situações no começo da corrida seguiu-se um grande esforço, e como um organismo modificado, ele se comporta de ma- neira diferente, é questão de simples conveniência identificar a mu- dança como sendo a "aquisição de um reflexo condicionado". Assim como apontamos as contingências de sobrevivência para explicar um reflexo incondicionado, também podemos apontar as "contingências de reforço" para explicar um reflexo condicionado. Os fenómenos reflexos, condicionados e incondicionados, são conhecidos há séculos, mas só recentemente foi que se investigaram as contin- gências de sobrevivência e de reforço. Suplementos internos. O reflexo condicionado é um simples prin- cípio de alcance limitado que descreve certos fatos simples, mas mui- tas atividades e estados internos, comparáveis à força propulsora dos instintos, têm sido inventados para explicá-lo. Diz-se que o coração do corredor bate depressa antes do começo da corrida porque ele "associa" a situação com o esforço que se seguirá. Mas é o am- biente, não o corredor, que "associa" os dois traços, no sentido eti- mológico de juntá-los ou uni-los. Tampouco é o corredor quem "es- tabelece uma conexão" entre as duas coisas; a conexão é feita no mundo exterior. Também se diz que as respostas condicionadas ocor- rem por "antecipação" ou na "expectativa" de consequências usuais, e que o "estímulo condicionado" funciona como um "signo", "sinal " ou "símbolo" . Voltarei mais tarde a estas expressões. 37 A preparação para novos ambientes II: Condicionamento Operante Processo muito diverso é o condicionamento operante, por via do qual uma pessoa chega a haver-se eficazmente com um novo am- biente. Muitas coisas no meio exterior, tais como comida e água, contato sexual e fuga a danos são cruciais para a sobrevivência do indivíduo e da espécie e, por isso, qualquer comportamento que as produza tem valor de sobrevivência. Através do processo de condi- cionamento operante, o comportamento que apresente esse tipo de consequência tem mais probabilidade de ocorrer. Diz-se que o com- portamento é fortalecido por suas consequências e por tal razão as próprias consequências são chamadas de "reforços". Assim, quando um organismo faminto apresenta comportamento que produz comida, o comportamento é reforçado por essa consequência e, por conse- guinte, sua probabilidade de ocorrência é maior. O comportamento que reduz uma condição potencialmente prejudicial, como tempera- tura extremada, é reforçado por essa consequência e, portanto, tende a ocorrer novamente em ocasiões parecidas. O processo e seus efeitos deram origem a um grande número de conceitos mentalistas, muitos dos quais serão examinados nos próximos capítulos. A distinção comum entre comportamento operante e comporta- mento reflexo é a de que um é voluntário e o outro involuntário. O comportamento operante é encarado como estando sob controle da pessoa que age e tem sido tradicionalmente atribuído a um ato de vontade. O comportamento reflexo, por outro lado, não está sob con- trole comparável e já foi até mesmo atribuído a vontades invasoras, como, por exemplo, espíritos possessores. Espirros, soluços e outros atos reflexos eram outrora atribuídos ao Diabo, de quem ainda pro- tegemos um amigo que espirra, dizendo "Deus te abençoe!". (Mon- taigne dizia que se persignava mesmo quando bocejava.) Quando não se presume nenhum invasor, o comportamento é simplesmente chamado automático. Mescla de contingência de sobrevivência e de reforço Existem certas semelhanças notáveis entre as contingências de sobrevivência e as de reforço. Ambas exemplificam, como já obser- vei, um tipo de causalidade que foi descoberto muito tarde na his- tória do pensamento humano. Ambas dão conta do propósito colo- cando-o após o fato e ambas são pertinentes à questão de um in tento criativo. Quando tivermos passado em revista as contingências 38 to do patinho que segue a mãe por causa do fato "universal" de que mover-se na direção de um objeto normalmente fá-lo aproximar-se. A existência de traços universais da linguagem não implica uma do- tação inata universal porque as contingências de reforço organizadas pelas comunidades verbais possuem traços universais. Os psicanalistas deram muita importância à universalidade do complexo de Édipo, mas as contingências de reforço pessoal na família, numa cultura dada, podem ser igualmente universais. A importância de manter a distinção. É indubitavelmente ver- dade que os primeiros behavioristas ficaram indevidamente entusias- mados com os processos de aprendizagem que estavam descobrindo e negligenciaram o papel da genética do comportamento. Todavia, as reações à posição behaviorista foram também exageradas. Não há mais necessidade de controvérsias, ainda que estejamos muito longe de compreender todas as interações entre contingências de sobrevi- vência e contingências de reforço. Num sentido importante todo comportamento é herdado, uma vez que o organismo que se comporta é produto da seleção natural. O condicionamento operante faz parte da dotação genética tanto quanto a digestão ou a gestação. O problema não consiste em saber se a espécie humana tem uma dotação genética mas em como deve ser ela analisada. Ela começa por ser e continua a ser um sistema biológico e a posição behaviorista é a de que não é nada mais que isso. Afora as minúcias do comportamento resultante, há boas razões para distinguir os dois tipos de contingências. Eles diferem grande- mente no tocante à indagação pela qual começamos: Por que as pes- soas se comportam assim? As contingências de reforço levam vanta- gem no que respeita a previsão e controle. As condições em que uma pessoa adquire comportamento são relativamente acessíveis e podem ser amiúde manipuladas; as condições em que uma espécie adquire comportamento estão quase fora de alcance. Uma consequência in- fausta é a de as fontes genéticas tornarem-se por vezes uma espécie de quarto de despejo: qualquer aspecto do comportamento que, no momento, fuja à análise em termos de contingências de reforço, será possivelmente atribuído à dotação genética e possivelmente aceitare- mos a explicação porque estamos acostumados a não ir além de um estado do organismo. "A evolução da mente" O conceito de mente havia sido cabalmente elaborado antes do advento da teoria da evolução e fazia-se necessária alguma acomoda- ção. Quando e como evoluiu a mente? Que tipo de mutação poderia 41 ter dado origem ao primeiro estado ou processo mental que, ao con- tribuir para a sobrevivência da pessoa em que ocorreu, tornou-se parte da dotação genética humana? A pergunta não é diferente da suscitada pela conversão da realidade em experiência ou do pensa- mento em ação. Que tipo de gene físico poderia conduzir o poten- cial da mente, e como poderia esta satisfazer às contingências físicas de sobrevivência? Se a mente nada mais é do que uma manifestação da fisiologia, tais questões podem ser respondidas, ou pelo menos adiadas sem ansiedade, até que a Fisiologia possa respondê-las, mas nem todos quantos perfilam o mentalismo açeitam essa posição. Já se d ' sse - Teilhard de Chardin, por exemplo - que a mente é o fim e o propósito da evolução, senão algo além dela. O eminente cientista Vannevar Bush disse-o da seguinte maneira: Parece termos chegado assim a um conceito de como o universo físico à nossa volta - toda a vida que habita o grão de poeira que ocupamos neste universo - evoluiu ao longo do tempo por via de simples processos materiais, o tipo de processo que examinamos experimentalmente, ao qual descrevemos por equações e chamamos "leis da natureza". Exeeto por uma coisa! O homem tem consciência de sua existência. O homem possui, outrossim, pelo menos a maioria acredita nisso, aquilo que chama de livre arbítrio. Terão a consciência e o livre arbítrio surgido também meramente, de processos "naturais"? A ques- tão é cardial na controvérsia entre os que nada vêm além de um novo materia- lismo e os que vêm - Algo. O behaviorista tem uma resposta simples. O que evoluiu foi um organismo, parte de cujo comportamento foi conjecturalmente expli- cada pela invenção do conceito de mente. Não é preciso recorrer a nenhum processo evolutivo especial quando os fatos são considera- dos como cumpre. 42 4 O COMPORTAMENTO OPERANTE O processo de condicionamento operante descrito no capítulo anterior é bastante simples. Quando um comportamento tem o tipo de consequência chamada reforço, há maior probabilidade de ele ocor- rer novamente. Um reforçador positivo fortalece qualquer comporta- mento que o produza: um copo d 'água é positivamente reforçador quando temos sede e, se então enchemos e bebemos um copo d , água, é mais provável que voltemos a fazê-lo em ocasiões semelhantes. Um reforçador negativo revigora qualquer comportamento que o reduza ou o faça cessar: quando tiramos um sapato que está apertado, a redução do aperto é negativamente reforçadora e aumenta a probabi- lidade de que ajamos assim quando um sapato estiver apertado. O processo suplementa a seleção natural. Consequências impor- tantes do comportamento, que não poderiam desempenhar um papel na evolução porque não constituem traços suficientemente estáveis do meio, tornam-se eficazes, por intermédio do condicionamento ope- rante, durante a vida do indivíduo, cujo poder de haver-se com o seu mundo é assim grandemente ampliado. As sensações de reforços O fato de o condicionamento operante, como todós os proces- sos fisiológicos, ser um produto da seleção natural, lança luz sobre a questão de quais tipos de consequências são de reforço e por quê. Diz-se comumente que uma coisa é reforçadora porque aparece boa ao tato, ao olhar, ao ouvido, ao olfato é ao gosto, mas, do ponto de vista da teoria da evolução, uma suscetibilidade ao reforço de- ve-se ao seu valor de sobrevivência e não a qualquer sensação que lhe esteja associada. A questão pode ser comprovada por reforçadores que desempe- nham um papel no condicionamento de reflexos. A salivação é sus- 43 porém, que uma pessoa "carece de sair" sugere controle adversativo. O fato significativo é que uma pessoa que necessite ou careça de co- mida será particularmente reforçada por comida e muito provavel- mente empenhar-se-á em algum comportamento que tenha sido pre- viamente reforçado com comida. Uma pessoa sob controle adversa- tivo tenderá particularmente a ser reforçada se fugir-lhe, a empenhar- se nalgum comportamento que já levou a fuga, Se conhecermos o nível de privação ou estimulação adversativa, poderemos prever com maior precisão quão reforçador será determi- nado acontecimento e qual a probabilidade de uma pessoa empe- nhar-se em comportamento pertinente. O conhecimento vem sendo usado há muito tempo para fins de controle. Pessoas têm sido man- tidas famintas para que "trabalhem pela comida" e assim possam ser reforçadas com comida, do mesmo modo por que foram tornadas miseráveis a fim de agirem de maneiras que lhes reduzam a miséria. Um acontecimento não é reforçador porque reduza uma neces- sidade. O alimento é reforçador mesmo quando não sacia e a priva- ção pode ser modificada de maneiras que não são reforçadoras. A relação entre um estado de privação e a força do comportamento apropriado deve-se provavelmente ao valor de sobrevivência. Se com- portamento que leve à ingestão de comida fosse forte em todos os momentos, a pessoa seria levada a ingerir comida em excesso e a usar suas energias de forma ineficiente. Há um equívoco em dizer que a comida é reforçadora porque sentimos fome ou porque sentimos necessidade de comida ou que tendemos a empenhar-nos em comportamento reforçado por alimento porque sentimos fome. ê a condição sentida como fome que teria sido selecionada ao longo da evolução da espécie como a mais ime- diatamente envolvida no reforço operante. Os estados associados com carecer e necessitar serão mais pro- vavelmente sentidos se nenhum comportamento pertinente for pos- sível no momento. O amante escreve "Eu te amo" ou "Eu careço de você" quando nada mais pode ser feito e, se ele estiver fazendo qualquer outra coisa, que não seja escrever, há de ser- algo para sub- sistir no estado que descreve com essas expressões. Se o comporta- mento torna-se então possível, é fácil dizer que foi causado pela carência ou necessidade, e não pela privação ou estimulação adver- sativa, responsável tanto pelo comportamento quanto pelo estado sentido. Desejar, anelar, esperar e ansiar por algo ou por alguém rela- cionam-se mais de perto com uma ausência atual de comportamento apropriado porque terminam quando a ação começa. "Sinto a sua 46 hilta" <*> poderia quase ser interpretado como uma metáfora baseada no tiro ao alvo, equivalente a "Meu comportamento em relação a você como uma pessoa não pode atingir seu alvo " ou "Procurei por você e não o encontrei" . O amante nos braços de sua amada não se liberta instantaneamente da carência e necessidade dela, mas não está mais sentindo sua falta, nem anelando ou ansiando por ela. Dizer "quem me dera " {*> expressa talvez de forma mais exclusiva uma re- ferência a um elevado estado de privação ou de estimulação adver- sativa quando nenhum outro comportamento é possível. Uma pessoa pode empregar a expressão para designar o desejo de agir ("Quem me dera eu pudesse ir") ou das consequências do ato ("Quem me dera eu estivesse lá"). Os efeitos do reforço operante são frequentemente representa- dos como estados internos ou posses. Quando reforçamos uma pes- soa, diz-se que lhe damos um motivo ou incentivo; todavia, inferi- mos o motivo ou o incentivo do comportamento. Dizemos que uma pessoa é altamente motivada quando tudo quanto sabemos é que ela age energicamente. Privar uma pessoa de algo de que ela necessita ou carece não é um ato de força, e o efeito se desenvolve lentamente; dá-se, po- rém, aos estados de privação um papel mais dramático quando são chamados pulsões ou ímpetos. Freud via os homens como impiedo- samente "impuls'onados por poderosas forças biológicas que residem nas profundezas da mente ou da personalidade". Diz-se que estamos à mercê do sexo, da fome e do ódio, ainda que se diga que fornecem a energia psíquica necessária para a ação. A libido freudiana foi de- finida como "energia emotiva ou psíquica derivada de primitivos im- pulsos biológicos " . Essas metáforas estão baseadas no controle ad- versativo. O cocheiro dirige seus cavalos chicoteando-os até que avan- cem e, no caso da fome, pelo menos, uma forte estimulação interna pode desempenhar função semelhante, mas a privação como tal não é uma força condutora. Os termos mentalistas associados com reforçadores e com os estados em que estes são ef;cazes tornam difícil localizar relações funcionais. Por exemplo, o enunciado " O termo 'agressão, deveria restringir-se ao comportamento motivado pelo desejo de lesar" visa (*) Em inglês, "I miss you". Em inglês, o verbo "to miss" pode ter o sentido de sentir falta de algo ou de alguém, tanto quanto o sentido de errar o alvo; daí a metáfora do tiro ao alvo , metáfora que não subsiste na língua portuguesa (N.T.). (*) Traduzimos "wishing" por "quem me dera" por ser a expressão mais usual em português. (N.T.). 47 a fazer uma distinção útil entre o comportamento que é simplesmen- te agressivo na forma e qualquer parte de tal comportamento que seja externada porque lesa outra pessoa; nada se lucra, porém, com falar em desejo de lesar ou, em particular, de ser-se motivado por um desejo. Quando os utilitaristas sustentavam que o prazer e a dor eram "os motivos que influenciavam o comportamento humano " , estavam reférindo-se às sensações associadas com as consequências e não com os motivos. A análise experimental das contingências de reforço co- loca tais questões em melhor ordem. Idéia e vontade As consequências que afeiçoam e mantêm o comportamento cha- mado operante não estão presentes no ambiente em que uma res- posta ocorre; elas se tornaram parte da história do organismo. O ambiente atua! pode afctar a probabilidade de uma resposta, como veremos no próximo capítulo, mas não é a única coisa que o faz. Alterar uma probabilidade não é suscitar uma resposta, como num reflexo. Uma pessoa pode sentir ou de alguma maneira observar algumas das condições associadas com a probabilidade de ela vir. a compor- tar-se de determinada maneira. Por exemplo, pode dizer que "sente vontade de ir" , que "quer ir", que "gostaria de ir " ou "quem lhe dera ir". Os mesmos termos são usados para identificar reforços - como ao dizer "Eu sinto vontade de uma bebida", "Eu quero uma bebida", "Eu gostaria de uma bebida", "Quem me dera ter uma be- bida". É possível que o enunciado "Eu sinto vontade de ir" esteja próximo de "Sinto-me agora como me senti no passado quando fui"; e "Eu quero ir" pode ser um enunciado de privação ou falta. "Quem me dera" está, como vimos, provavelmente mais próximo de um enunciado de simples probabilidade de ação. Quer uma pessoa sinta ou observe a probabilidade de uma resposta, quer não, o fato sim- ples é que nalgum ponto uma resposta ocorre. Para distinguir um reflexo operante de um reflexo suscitado, di- zemos que a resposta operante é "emitida " (talvez fosse melhor dizer simplesmente que aparece, uma vez que emissão pode implicar que o comportamento existe dentro do organismo e então sai. Mas a pa- lavra não precisa significar expulsão; a luz não está no filamento quente antes de ser emitida). A característica é que parece não ser necessário um acontecimento causal anterior. Reconhecemos isto quando dizemos que "ocorreu-Ihe ir " como se disséssemos que "o ato de ir ocorreu-lhe" . "Idéia" é usada para representar comporta- 48 ir" é semelhante a "Tenho a intenção de ir". Se, em vez disso, falar- mos de nosso propósito ou intenção de ir, é fácil supor que os subs- tantivos se referem a coisas. Uma boa dose de incompreensão surgiu do fato de as primeiras representações do propósito terem sido espaciais. O propósito do cor- redor é alcançar a meta e jogamos gamão a quatro com o propósito de levar nossas peças à vitória. Nos labirintos em que outrora se es- tudava o comportamento proposital, os organismos moviam-se em di- reção ao lugar em que o reforço ocorreria. Usar meta por propósito ("Qual é sua meta na vida? ") é identificá-lo com um ponto termi- nal. Mas não faz sentido, por exemplo, dizer que a meta - quanto mais o propósito - da vida é a morte, ainda que o término defini- tivo seja a morte. Não se vive para morrer ou no propósito de mor- rer, quer se esteja falando em termos de seleção natural, quer em termos de condicionamento operante. Metas e propósitos se confundem quando se fala em propósito de um dispositivo orientado. Um míssil atinge o alvo quando seu curso é controlado de forma apropriada, em parte por informações provenientes do alvo, durante o vôo. Diz-se, às vezes, que um dis- positivo que tal "traz o propósito embutido em si", mas a retroali- mentação usada para guiá-lo (o coração da cibernética) não é o re- forço, e o míssil não tem um propósito no sentido em questão. (A retroalimentação pode ser usada num tipo de comportamento de busca de meta a ser discutido no Capítulo 8.) Nem todas as consequências são reforçadoras e grande parte do efeito das que o são depende das contingências. Psicanalistas já dis- seram, repetidas vezes, que o verdadeiro propósito de um jogador é punir-se com perder. Quase sempre ocorre o caso de o jogador even- tualmente perder e o comportamento tem portanto essa consequência, mas nem por isso é reforçador. O jogo pode ser demonstrado em muitas outras espécies e é explicado por um esquema especial de reforço a ser mencionado logo mais. A perda fina! ("a utilidade ne- gativa ") não contrabalança o efeito do esquema. Os utilitaristas supunham fosse possível medir quantidades de prazer e dor de forma ta! que o prazer gerado pelo comportamento socialmente condenável pudesse ser contrabalançado por uma dose calculada de dor sob a forma de punição. Infelizmente, a condição gerada por um reforçador e sentida com prazer é relativamente in- significante no que tange à determmação da quantidade de compor- tamento produzida quando comparada com o esquema de reforço. Uma distinção válida subjaz ao enunciado "Os motivos e os propósitos estão na mente e no coração do homem, ao passo que as 51 consequências estão no mundo dos fatos " . Ponha-se de parte o fisio- logismo gratuito e chega-se ao ponto principal, qual seja os moti- vos e os propósitos estarem nas pessoas, enquanto as contingências de reforço estão no ambiente; todavia, motivos e propósitos são, na melhor das hipóteses, efeitos dos reforços. A mudança produzida pelo reforço é frequentemente considerada como "a aquisição do propó- sito ou da intenção" e diz-se que "damos um propósito a uma pes- soa " reforçando-a de determinada maneira. Estas são expressões con- venientes, mas o fato básico é que quando uma pessoa "está cons- ciente de seu propósito " , sente ou observa introspectivamente uma condição produzida por reforço. Buscar ou procurar algo parece ser uma ação vigorosamente orientada para o futuro. Aprendemos a procurar um objeto quando adquirimos um comportamento que tem comumente, como conse- quência, o encontro do dito objeto. Assim, procurar fósforos é pro- curar de maneira previamente reforçada pelo achado de fósforos. Buscar socorro é agir de maneiras que tenham, no passado, propor- cionado socorro. Se as consequências passadas não foram muito ex- plícitas, provavelmente procuraremos de maneiras vagas e improdu- tivas. As pessoas podem comumente dizer o que estão procurando e por que o estão procurando em determinado lugar, mas, assim como as outras espécies, também podem não ser capazes de o fazer. Muitas das características da discussão acerca de propósito no comportamento humano fazem lembrar o debate acerca do propósito da evolução. Como diz a Columbia Encyclopedia: Um mal-cntcndido ainda corrente, acerca da evolução, é a crença de que um animal ou planta muda a fim de melhor adaptar-se a seu ambiente; por exemplo, que desenvolve um olho com o propósito de ver. Uma vez que a mutação é um processo aleatório e que muitas mutações são antes prejudiciais do que neutras ou benéficas para o organismo, torna-se evidente que a ocor- rência de uma variação é, em si mesma, uma questão de acaso e não se pode falar de uma vontade ou de um propósito, por parte do indivíduo, no sentido de desenvolver uma nova estrutura ou traço que possa revelar-se útil. Sentimentos associados com esquemas de reforço A probabilidade de uma pessoa responder de determinada ma- neira por causa de uma história de reforço operante muda à medida que as contingências mudam. Condições corporais correlatas podem ser sentidas ou observadas introspectivamente e são amiúde citadas como as causas dos estados ou mudanças de probabilidade. Quando certo ato é quase sempre reforçado, diz-se que uma pessoa tem uma sensação de confiança. Um jogador de ténis informa 52 que pratica uma jogada particular "até sentir-se confiante"; o fato básico é que a pratica até certa proporção de suas jogadas serem bem-sucedidas. O reforço frequente também suscita fé. Uma pessoa se sente segura ou certa de que será bem-sucedida. Experimenta uma sensação de domínio, de poder ou de potência. Cosluma-se dizer que a criança adquire um senso de onipotência infantil. O reforço fre- quente também origina e mantém o interesse por aquilo que a pessoa está fazendo. Em tudo isto, o comportamento é erroneamente atri- buído aos sentimentos e não às contingências responsáveis por aquilo que se sente. Quando não há mais reforço, o comportamento se extingue e raramente, ou nunca mais, aparece. Diz-se então que a pessoa sofreu uma perda de confiança, de certeza ou de sensação de poder. Em vez disso, seus sentimentos vão, desde a falta de interesse, o desa- pontamento, o desencorajamento e uma sensação de impotência, até urna depressão possivelmente profunda; diz-se então - erroneamente - que esses sentimentos explicam a ausência do comportamento. Por exemplo, diz-se que uma pessoa é incapaz de ir trabalhar porque está deprimida ou desencorajada, embora o fato de ela não ir, bem como aquilo que sente, devam-se a uma falta de reforço - ou em seu trabalho, ou em alguma outra parte de sua vida. A frustração é uma condição muito diferente, que inclui a ten- dência, frequentemente característica de uma falta de reforço, de ata- car o sistema. Assim, o homem que dá pontapés na máquina de vender cigarros porque esta não lhos entregou, ou que grita com a mulher porque ela se esqueceu de comprá-los, o faz, segundo se diz, em virtude de um sentimento de frustração. A expressão "expectati- vas frustradas" refere-se especificamente a uma condição produzida pelo término de um reforço habitual. Um tipo diferente de sentimento relaciona-se com a falta de uma ocasião apropriada para o comportamento, cujo padrão arque- típico é a saudade de casa. Quando uma pessoa sai de casa pela primeira vez, grande parte do comportamento apropriado a tal am- biente não pode mais ser externado. A cond!ção sentida pode ser semelhante à depressão, que se diz ser comum às pessoas que mu- daram de uma cidade para outra. É chamada "nostalgia" - literal- mente, a dor produzida por uma forte tendência de voltar para casa quando tal volta é impossível. Uma condição semelhante prevalece quando a pessoa está simplesmente perd;da, e a palavra então é "aban- donada". O amante abandonado (lovelorn) é incapaz de externar comportamento orientado para aquela a quem ama. Uma pessoa que esteja só pode sentir-se solitária; a condição essencial é que não há ninguém com quem ela possa falar ou comportar-se de outra ma- 53 tivamcntc reforçado pode ser fortalecido, e ela agir de forma mais compulsiva ou agressiva ou tentar ir-se embora. Seu comportamento não se ailera porque ela se sente ansiosa; altera-se por causa das contingências adversativas que geram a condição sentida como an- siedade. A mudança de sentimento e a de comportamento têm uma causa comum. A punição é facilmente confundida com o reforço negativo, al- gumas vezes chamado "controle adversativo". Os mesmos estímulos são usados e o reforço negativo pode ser definido como a punição por não agir; a punição visa a remover um comportamento de um repertório, ao passo que o reforço negativo gera comportamento. As contingências punitivas são exatamente o contrário do re- forço. Quando uma pessoa bate numa criança ou ameaça bater-lhe porque ela se portou mal, está apresentando um reforço negativo em vez de eliminá-lo, e quando o governo multa um infrater ou o põe na cadeia, está removendo um reforçador positivo (ou uma situação na qual o comportamento pode ser positivamente reforçado), não apresentando um reforçador negativo. Se o efeito fosse simplesmente o inverso do efeito de reforço, grande parte do comportamento po- deria ser facilmente explicada; entretanto, quando o comportamento é punido, vários estímulos gerados pelo comportamento ou pela oca- sião são condicionados no padrão de resposta e o comportamento punido é então deslocado por comportamento incompatível, condicio- nado como fuga ou evitação. Uma pessoa punida continua "inclina- da" a comportar-se de forma punível, mas evita a punição fazendo alguma outra coisa, talvez apenas, mais do que teimosamente, não fazendo nada. Aquilo que uma pessoa sente quando está numa situação em que foi punida ou quando se empenha num comportamento que foi previamente punido é coisa que depende do tipo de punição, o qual, por sua vez, depende frequentemente do agente ou instituição puni- tiva. Se foi punida por seus iguais, d;z-se que ela se sente envergo- nhada; se foi punida por uma instituição religiosa, diz-se que se sente pecadora; se foi punida por um órgão do governo, diz-se que se sente culpada. Se age no sentido de evitar outra punição, pode mo- derar a cond!ção sentida como vergonha, pecado ou culpa, mas não age por causa de seus sentimentos ou porque estes se tenham então modificado; age em virtude das contingências punitivas às quais foi exposta. A condição experimentada como vergonha, culpa ou sentimento de pecado não se deve simplesmente à ocorrência anterior de um estímulo adversativo. Um temporal pode estabelecer condições senti- das como ansiedade, e durante uma tempestade um comportamento 56 positivamente reforçado pode enfraquecer-se e outro, negativamente reforçado (tal como fugir ou esconder-se), pode fortalecer-se, mas tal condição não é sentida como culpa, A questão se resolve dizen- do-se que "uma pessoa não poderá sentir-se culpada se não tiver impulsos dirigidos no sentido de sentir-se culpada". Mais exatamente, ela se sente culpada apenas quando age, ou tende a agir, de forma passível de punição. Um escritor que diz "quanto mais leio os autores dos primór- dios ou dos meados da época vitoriana, melhor vejo que a chave para entendê-los é a ansiedade e a preocupação " , está sugerindo uma explicação do comportamento em termos de sentimentos gerados pelas circunstâncias punitivas, em que os sentimentos são inferidos do com- portamento que lhes cumpre explicar. Ele não está afirmando pos- suir qualquer informação direta acerca dos sentimentos, e presumi- velmente alega compreender o que os vitorianos disseram e fizeram, mas ansiedade e preocupação serão uma chave útil se puderem, por sua vez, ser explicadas. O escritor tenta explicá-las quando prosse- gue: "Eles estavam tentando conciliar opostos incompatíveis e se preocupavam por malograrem nisso. (...) Preocupavam-se com a imortalidade, o sexo, a política e o d-nheiro". Estas eram as circuns- tâncias externas responsáveis por seu comportamento e pelas condi- ções sentidas como preocupantes, A frequência, a severidade e o esquema de punição geram outros aspectos do comportamento geralmente atribuídos a sentimentos ou traços de caráter. Em muitos exemplos familiares, o comportamento tem tanto consequências reforçadoras como punitivas. Se o compor- tamento ainda ocorre, mas de forma enfraquecida, pode-se dizer que ele revela inibição, timidez, embaraço, medo ou cautela. Diz-se que a punição excessiva produz uma deficiência mais crítica de reforço positivo e torna a pessoa "mais vulnerável a uma depressão severa e à desistência" . Tratamos aquilo que é sent;do não mudando os sen- timentos, mas mudando as contingências - por exemplo, evocando o comportamento sem puni-lo, de forma que os estímulos adversati- vos condicionados possam extinguir-se. O comportamento que é forte a despeito das consequências pu- nitivas é considerado como indicativo de bravura, coragem ou até audácia. Encorajamos uma pessoa não a fazendo sentir-se mais cora- josa, mas acentuando as consequências reforçadoras e minimizando as punitivas. Um louco se atira a uma situação desesperada não por- que se sinta um temerário, mas porque as consequências reforçadoras contrabalançaram de todo a punição; e podemos tentar corrigir-lhe o comportamento fornecendo outras punições (possivelmente verbais). Quando a punição é particularmente severa, o autoconhecimento discutido no Capítulo 2 pode ser afetado. O comportamento supri- 57 mido pode incluir o comportamento envolvido no conhecimento re- lativo a condições corporais correlatas. O resultado é aquilo a que Freud chamou "repressão". Para Freud, todavia, o processo envolvia mais os sentimentos do que o comportamento, e ocorria nas profun- dezas da mente. Os sentimentos eram reprimidos por outros senti- mentos e policiados por um censor de quem às vezes escapavam por meios tortuosos. Podiam continuar a causar perturbações, porém, e dizia-se que o homem era "assediado por seus anseios reprimidos". Discutirei mais tarde alguns aspectos comportamentais. O estruturalismo Dizia-se com frequência que os estudos anteriores do compor- tamento limitavam-sc à forma ou estrutura - tratavam o comporta- mento, por exemplo, como apenas "contrações musculares " . A recusa em aceitar os sentimentos e os estados mentais como causas e uma preocupação permanente com a "objetívidade " pareciam fundamentar esse ponto de vista. A formação de hábitos era um princípio estru- turalista: adquirir um hábto consistia simplesmente em acostumar-se a comportar-se de certa maneira. As contingências de reforço, que geravam o comportamento, assim como as contingências de sobrevi- vência , que produziam um instinto, eram negligenciadas. As teorias da aprendizagem pela frequência eram também estru- turais. Afirmavam simplesmente que aquilo que havia ocorrido uma vez aconteceria de novo; que um organismo tenderá a fazer aquilo que fez com mais frequência no passado. Conforme já observei, o behaviorismo limitava-se à topografia do comportamento político, e o estruturalismo, em Antropologia, frequentemente não vai muito a!ém da posição segundo a qual os costumes são respeitados porque é costume respeitá-los. A ant:ga justiça persa e grega era simples e rápida porque fundava-se inteiramente na topografia de um crime: uma pessoa que matava outra era culpada de homicídio, indepen- dentemente das circunstâncias. Comentarei mais tarde a importância do fato de o apoio à posição estruturalista ter vindo tanto da feno- menolog;a quanto do existencialismo, com o seu desinteresse pelo passado e pelo futuro na busca dos traços essenciais do aqui e do agora. Se o behaviorismo não tivesse substituído os sentimentos e os estados mentais, que foram abandonados enquanto explicações, po- deria certamente ser considerado como uma espécie de estruturalis- mo; todavia, encontrou substitutos no meio ambiente. À med;da que aprendemos ma=s acerca do papel das contingências de reforço, é bem mais provável que prossigamos para além das propriedades formais. 58 senvolvendo ou amadurecendo e uma melhor adaptação ao meio am- biente sugeria uma espécie de propósito. Não se tratava de saber se ocorriam ou não mudanças evolutivas, e sim o porquê delas. Tanto Lamarck quanto Buffon recorriam ao propósito supostamente mos- trado pelo indivíduo ao adaptar-se ao seu ambiente - propósito que, de alguma forma, se transmitia às espécies. Coube a Darwin descobrir a ação seletiva do ambiente, assim como cabe a nós com- pletar o desenvolvi mentismo da ciência do comportamento com uma análise da ação seletiva do meio. A mente no comportamento operante Na maior parte deste capitulo, ocupei-me de sentimentos ou de estados mentais que podem ser interpretados como produtos colate- rais das contingências geradoras do comportamento. Ainda nos resta considerar outros processos mentalistas que se diz serem necessários para que se verifique o condicionamento operante. A mente não é apenas um espectador; diz-se que desempenha papel ativo na deter- minação do comportamento. Muitas expressões idiomáticas que contêm a palavra mente su- gerem uma probabilidade de ação, como em "Eu tenho em mente ir". A mente é, muitas vezes, representada como um agente, quase indistinguível da pessoa que a tem. "Passou-me pela mente que eu deveria ir" mal se distingue de "Ocorreu-me que eu deveria ir". Quando as respostas de glândulas ou de músculos lisos (que estão sob o domínio do sistema nervoso autónomo) são postos sob con- trole operante, tornando o contingente reforço sobre elas, diz-se que o resultado demonstra o domínio da "matéria pela mente " ; todavia, o que demonstra é que a pessoa pode responder com suas glândulas ou seus músculos lisos a contingências operantes. Diz-se que um braço mecânico ideado para ser movido por músculos que normal- mente movimentam alguma outra parte do corpo é "movido pela mente " , embora seja controlado pela pessoa que originalmente punha em movimento alguma outra parte de seu corpo. Quando pessoas ati- ram contra outras pessoas, diz-se que são "as mentes que matam, não as armas" e que "a mente de um homem foi o instrumento di- retamente responsável pelo assassinato de John F, Kennedy e de Martin Luther King"; as pessoas, porém, são mortas por outras pes- soas, não por mentes. A concepção de que a atividade mental é essencial para o com- portamento operante constitui um exemplo da concepção de que sen- timentos ou estados introspectivamente observados são causalmente eficazes. Quando alguém responde à pergunta "Você vai amanhã?" 61 dizendo "Não sei, nunca sei como me sentirei", supõe-se que o que está em dúvida seja o sentimento, não o comportamento; que a pes- soa irá, se tiver vontade, não que sentirá vontade de ir se for. Evi- dentemente, nenhum dos enunciados constitui uma explicação. Há outras palavras referentes a atividades mentais que se con- sidera serem mais especificamente exigidas pelo comportamento. As pessoas precisam de "julgar" o que ocorrerá ou deixará de ocorrer se elas agirem ou não de determinada maneira. O cão do experimento pavloviano saliva na expectativa de comida ou porque "espera " a comida. Em experimentos operantes, um rato aciona uma alavanca porque " antecipa " que a comida lhe será fornecida ou porque espera que o seja quando a acionar. "Na teoria da aprendizagem social, o potencial de ocorrência de um comportamento é considerado como função da expectativa de que o comportamento conduzirá a um re- forço ou reforços particulares, e do valor desses reforços numa situa- ção dada " . Temos de traduzir esses enunciados mais ou menos da seguinte maneira: "A probabilidade do comportamento depende do tipo de frequência do reforço em situações semelhantes do passado. Uma pessoa pode sentir condições associadas com "julgar", "anteci- par " e "esperar", mas não é necessário que as sinta. Diz-se também que o comportamento operante exige a "asso- ciação" de idéias. O fato de uma criança aprender a evitar uma estufa quente é visto como implicando que "a criança tem a habilidade de associar essa ação. . . com queimar-se " . Mas, como num reflexo con- dicionado, tocar e queimar-se estão correlacionados nas contingên- cias. Diz-se também que o reforço "fornece informação": "A não ser que se trate de crianças ainda muito pequenas, nunca podemos dizer que o principal efeito do reforço seja outra coisa que não in- formações usadas pela criança para confirmar ou alterar suas expec- tativas e para desenvolver soluções novas e intuitivas". Diz-se por vezes que aumentar a probabilidade de as pessoas virem a responder de determinadas maneiras é uma questão de "aumentar a consciên- cia" . A velocidade com que um rato correrá por um labirinto é con- siderada como dependente de ele "saber se a comida ainda estará disponível na caixa terminal". Voltarei, em capítulos ulteriores, aos tópicos conhecimento, informação e consciência. Outro suposto processo mental considerado como necessário no condicionamento operante é a compreensão. As pessoas devem "com- preender as regularidades com que podem contar". Sua ação deve "apoiar-se na compreensão de como as coisas se comportam". Outro estado considerado necessário é a crença. As pessoas têm de acre- ditar que aquilo que estão fazendo tem alguma probahilidade de propiciar-lhes o que desejam ou de evitar aquilo por que têm aver- 62 são. Mas as probabilidades estão nas contingências. A relação entre as crenças e outras condições, tais como desejos e necessitades, pode ser facilmente expressa: dizer que "os desejos integram a causação das crenças" é simplesmente dizer que a probabilidade de comporta- mento com que uma crença está correlacionada depende não apenas do reforço mas também de um estado de privação ou de estimula- ção adversativa. Diz-se, às vezes, que o condicionamento operante é simplesmente um aspecto da busca de felicidade, e tal expressão ajudará a resumir vários pontos deste capítulo. A felicidade é um sentimento, um sub- produto do reforço operante. As coisas que nos tornam felizes são as que nos reforçam; todavia, são as próprias coisas, não os senti- mentos, que devem ser identificadas e usadas na previsão, controle e interpretação. A busca sugere um propósito: agimos para alcançar a felicidade. Mas a busca , assim como a procura, é tão-só um com- portamento que foi reforçado pela obtenção de algo. D comporta- mento torna-se busca somente após o reforço. Tem-se dito que a procura de felicidade não pode ser uma explicação do comportamento porque " nada prova que os homens das sociedades modernas sejam mais felizes que os homens das sociedades arcaicas", mas o reforço operante é eficaz, independentemente de qualquer vantagem f nal, como o demonstra à saciedade a utilidade negativa do jogo. 63 não é um espectador indiferente a absorver o mundo como uma esponja. Uma antiga objeção à teoria de John Locke do entendimento humano era a de que a estimulação parecia ter sido gravada a frio na tabula rasa da mente; fizeram-se esforços no sentido de comple- mentar a teoria dizendo que uma pessoa " via as coisas como simpá- ticas ou antipáticas, aprovadas ou desaprovadas, agradáveis ou desa- gradáveis" ou que "julgava" o mundo tal como o percebia. Mas ex- pressões desse tipo simplesmente atribuem a imaginários processos interiores aquilo que cumpre encontrar na dotação genética e na his- tória pessoal. Não estamos apenas "atentos" ao mundo que nos cerca; respondemos-lhe de maneiras idiossincrásicas por causa do que já aconteceu quando estivemos anteriormente em contato com ele. E assim como o condicionamento operante não significa que uma pes- soa "infira aquilo que ocorrerá quando ela agir", assim também o controle exercido pelos estímulos não significa que "infira o que existe no mundo à sua volta" . Tem-se assinalado frequentemente que uma pessoa que percorra uma estrada como passageiro não é capaz de encontrar seu caminho tão bem quanto outra que tenha dirigido um veículo por essa mesma estrada igual número de vezes. Os animais que tenham sido levados por um determinado lugar não se movimentam nele tão bem quanto outros animais que por ali já tivessem andado. Uns e outros foram expostos aos mesmos estímulos visuais, mas as contingências eram diferentes. Perguntar por que o passageiro e o animal conduzido não "adquiriram conhecimento do lugar " é passar por cima da questão principal. Eles não adquiriram um comportamento sob o controle do ambiente. Quando um estímulo é fraco ou vago, torna-se amiúde claro que outras condições estão afetando a probabilidade de uma pessoa ver uma coisa de detenrrnada maneira. O amante "pensa ter visto " sua amada numa multidão, mas somente quando o estímulo visual for fugaz ou obscuro. (O efeito é estudado em laboratório expon- do-se um estímulo, durante curto espaço de tempo, ou no limiar do campo visual ou ainda sob luz fraca.) Um ligeiro ruído à noite é ouvido como ruído produzido por ladrão ou rato por aqueles que respondem vigorosamente a ladrões ou a ratos. O nível de privação faz diferença; por engano, "ouve-se o telefone" quando uma chama- da é importante e os que sofrem privação sexual vêem falos ou vaginas em objetos que têm pouca semelhança geométrica com esses órgãos. Por outras palavras, uma pessoa vê uma coisa como alguma outra coisa quando a probabilidade de ver esta é grande e o controle exercido por aquela é pequeno. A importância da história do percipjente é clara quando um mestre do xadrez acompanha um jogo em andamento. Aquilo que 67 vê é muito diferente daquilo que é visto por alguém que não jogue xadrez ou que não o jogou muito tempo. Para o mestre, o cenário é uma ocasião em que muitos lances diferentes foram feitos com bons ou maus resultados em jogos com os quais ele está familiari- zado. Para a pessoa que esteja aprendendo a jogar, o cenário pode constituir a ocasião para certo número de lances, mas lances que não foram muito afetados pelas consequências. Para o neófito total, o tabuleiro e suas peças constituem um cenário visual a ser descrito apenas por meio de possíveis semelhanças com situações de sua his- tória de não-jogador de xadrez. Reconhecemos a importância de uma história de reforço quando nos propomos a tornar mais provável que uma pessoa venha a ver determinada coisa - ou, em outras palavras, que se empenhe numa determinada espécie de ver. Podemos apresentar uma coisa subita- mente ou patentemente ou de forma nova e, por conseguinte, sur- preendente; podemos outrossim apontar para ela se nosso sujeito aprendeu a observar - isto é, se aprendeu a comportar-se eficaz- mente em contingências nas quais uma coisa indicada desempenha papel importante. Mas podemos também cuidar de que um objeto particular seja visto em contingências que só podem ser satisfeitas respondendo-se a ele. Os sinais de trânsito foram ideados para serem vistos com facilidade, mas nós os vemos ou os ignoramos em grande parte por causa das consequências contingentes. Frequentemente se diz que med;das deste t;po aumentam a percepção de uma pessoa ou expandem-lhe a mente ou consciência; contudo, elas simplesmente colocam a pessoa sob controle mais efetivo de seu ambiente. Os estruturalistas tentaram explicar a percepção em termos da forma, ou configuração, daquilo que se percebe. Pode-se dizer que os psicólogos da Gesíalt sustentaram que certos tipos de configura- ções obrigam o organismo a percebê-los de determinadas maneiras. Algumas ilusões, por exemplo, parecem irresistíveis; vemos aquilo que sabemos não estar realmente ali. Alguns exemplos parecem ser razoavelmente explicados em termos de seleção natural: não é de surpreender que, ao ver um pássaro voar para trás do tronco de uma árvore, agimos como se ele continuasse a existir fora do alcance de nossa visão; vemo-lo até movimentando-se de um lado para outro, assim como vemos um semáforo mudar do vermelho para o verde. Pequenas lacunas em configurações ordenadas são proveitosamente negligenciadas, assim como "negligenciamos " os pontos cegos de nos- sas retinas. Não precisamos postular princíp!os estruturais para ex- plicar tais características. As contingências de reforço também con- tribuem para percepções irresistíveis: um trapezóide rotativo que se recusa a aparecer como girando torna-se mais efetivo quando repre- sentado como uma moldura de janela. 68 Experiência versus realidade As grandes diferenças naquilo que se vê em diferentes momen- tos num determinado cenário sugere que um estímulo não pode ser descrito em termos puramente físicos. O behaviorismo tem sido acusado de não reconhecer que o que importa é "como a situação parece a uma pessoa " ou "como uma pessoa interpreta certa situa- ção " ou "que significado uma situação tem para uma pessoa". En- tretanto, para investigar como uma situação parece a determinada pessoa, ou como ela a interpreta, ou que significado tem para ela, precisamos examinar-lhe o comportamento em relação à situação, in- clusive suas descrições dela, e só podemos fazer isso em termos de suas histórias genética e ambiental. Para explicar como o mundo real se converte numa representação iconográfica interna, uma auto- ridade sugeriu o seguinte: "Para que a percepção vá além do teste- munho dos sentidos, o cérebro deve ter armazenado informações que lhe permitam usar os dados sensíveis ao dispor para escolher entre possibilidades derivadas de situações passadas. O comportamento não é controlado diretamente pelos estímulos (...) mas pelas hipóteses do cérebro acerca daquilo que provavelmente está no espaço exte- rior e no futuro imediato" . (A propósito, este é um exemplo de prá- tica corrente para evitar o dualismo, substituindo-se " mente " ou "es- pírito " por "cérebro". Afirma-se que o cérebro usa dados, faz hipó- teses, escolhas, etc., como se dizia outrora do espírito. Numa descrição behaviorista, é a pessoa que faz essas coisas.) Mas observamos sim- plesmente que uma pessoa responde a um cenário atual ("o testemunho de seus sentidos") porque foi exposta a contingências das quais o cenário era parte. Não há razão de dizer que armazenou informações a que agora recorre para interpretar o testemunho de seus sentidos. Parte da história pertinente à percepção pode ter ocorrido du- rante a evolução da espécie. Aquilo que é visto parece "afastar-se do mundo dos objetos"; por exemplo, nas ilusões acima menciona- das, em algumas das quais se diz que a mente "infere e prediz a rea- lidade a partir de dados incompletos", quando deveríamos dizer, em vez disso, que, em virtude de sua dotação genética, uma pessoa res- ponde de forma possivelmente eficaz ao que parece ser constituído de estímulos fragmentários. Os psicofísicos exploraram de forma rigorosa a correspondência entre experiência e realidade. Psicólogos de outrora, como Wundt e Titchener, tentaram descobrir o que uma pessoa via (ou ouvia, sen- tia, etc.) sob o puro controle dos estímulos presentes, isenta dos efeitos de previa exposição. Um observador treinado deveria descre- ver suas sensações sem cometer o "erro de estímulo " - isto é , de- veria descrever aquilo para que estava olhando como se nunca o ti- 69 percepção como cópia é sobremaneira convincente com relação aos estímulos visuais. Eles são frequentemente copiados em obras de arte, bem como em sistemas óticos de espelhos e lentes, e por isso não é difícil imaginar algum sistéma plausível de armazenamento. É muito menos convincente dizer que não ouvimos os sons produzidos por uma orquestra, mas antes alguma reprodução interior. A música tem padrões temporais, e só recentemente se conseguiram cópias que po- deriam , prerstar-se a uma metáfora mental. Mas o argumento nada tem de ,convincente no campo dos sabores e dos cheiros, onde não é fácil imaginar cópias distinguíveis da coisa real e, no caso do tato, o argumento dificilmente será proposto, se é que já o foi alguma vez. Quando sentimos a textura de uma folha de papel, sentimos o papel, não alguma representação interna. Possivelmente não necessitamos de cópias de sabores, odores ou sensações táteis, pois já temos intimi- dade física com eles e, presumivelmente pela mesma razão, costuma-se dizer que sentimos estados interiores como fome ou raiva, em vez de, cópias. O problema é que a idéia de uma cópia interior não traz ne- nhum progresso no que tange a explicar o controle sensório, a psi- cologia ou a fisiologia da percepção. A dificuldade básica foi formu- lada por Teofrasto há mais de dois mil anos: . . .relativamente à audição, é estranho que ele (Empédocles) imagine que foi realmente capaz de explicar como as criaturas ouvem, quando atribuiu o processo a sons internos e supôs que o ouvido produz um som interior, como um sino. Por meio desse som interior poderíamos ouvir os sons de fora, mas como ouviríamos o próprio som interior? O velho problema ainda nos desafia. De forma semelhante, conforme assinalou uma autoridade mo- derna, é tão difícil explicar como podemos ver uma imagem no córtex ocipita! do cérebro quanto explicar como vemos o mundo exterior, que se diz ser por ela representado. O comportamento de ver é negli- genciado em todas essas formulações. Só poderá ocupar seu devido lugar se se der atenção a outros termos nas contingências responsá- veis pelo controle por estímulo. Ver na ausência da coisa vista Quando uma pessoa lembra algo que viu alguma vez ou se en- trega a fantasias, ou sonhos, certamente não está sob controle de um estímulo presente. Não estará então vendo uma cópia? Nova- mente, devemos voltar-nos para sua história ambiental à procura de 72 uma resposta. Após ouvir várias vezes uma peça musical, uma pessoa poderá ouvi-la mesmo quando não esteja sendo tocada, embora pro- vavelmente não de forma tão completa ou tão clara. Tanto quanto sabemos, ela está simplesmente fazendo, na ausência da música, algu- mas das coisas que fez em presença dela. Da mesma forma, quando uma pessoa vê alguém ou algum lugar em sua imaginação, pode estar apenas fazendo aquilo que faz na presença desse alguém ou desse lugar. Tanto "recordar" quanto "relembrar" já significaram "estar atento novamente " ou "trazer outra vez à mente" - por outras pa- lavras, ver novamente como já se viu. As técnicas explícitas de "tra- zer à mente" são técnicas para fortalecer o comportamento percep- tivo, como veremos no Capítulo 7. O behaviorismo tem sido acusado de "relegar uma das princi- pais preocupações dos psicólogos de outrora - o estudo da imagem - a uma posição não de simples negligência, mas de descrédito " . Eu creio, ao contrário, que o behaviorismo oferece a única maneira por que a questão da imagem ou da imaginação pode ser posta em boa ordem. Ver na ausência da coisa vista é experiência familiar a quase toda a gente, mas a formulação tradicional é uma metáfora. Tendemos a agir no sentido de produzir estímulos que são reforçadores quando vistos. Se achamos reforçadora a cidade de Veneza (aludimos a um efeito reforçador quando dizemos que ela é bela), podemos ir a Veneza para sermos reforçados. Se não pudermos ir, poderemos com- prar quadros de Veneza - quadros que retratam colorida e realis- ticamente seus mais belos aspectos, embora um desenho em preto e branco possa ser suficiente. Ou então poderemos ver Veneza lendo a seu respeito, se tivermos adquirido a capacidade de visualizar en- quanto lemos. (A tecnologia facilitou muito vermos coisas reforçado- ras de modo presente e com isso reduziu a possibilidade de vê-las quando ausentes. Há duas ou três gerações atrás, uma criança lia, ou liam para ela, livros com poucas ilustrações ou sem nenhuma; hoje ela vê televisão ou lê livros com estampas coloridas a cada pá- gina e, por conseguinte, tem muito menos probabilidade de adquirir um repertório visual sob controle de estímulos verbais.) Sem qual- quer suporte externo, podemos simplesmente "ver Veneza" porque somos reforçados ao fazê-lo. Dizemos que sonhamos acordados com Veneza. O engano é supor que, por termos criado estímulos físicos que nos habilitam a ver Veneza mais eficazmente indo até lá, ou comprando um quadro, devamos com isso criar estímulos mentais a serem vistos de memória. Tudo quanto precisamos dizer é que, se somos reforçados vendo Veneza, tendemos a adotar esse comporta- mento - isto é, o comportamento de ver Veneza - mesmo quando haja muito pouco no ambiente que nos cerca que tenha alguma se- 73 mclhança com a cidade. De acordo com um dicionário, a fantasia é definida como "o ato ou função de formar imagens ou representa- ções por percepção direta ou pela memória " ; poderíamos igualmente dizer, porém, que é o ato ou função de ver por percepção direta ou pela memória. Podemos também ver uma coisa ausente, não porque sejamos imediatamente reforçados quando o fazemos, mas porque nos torna- mos capazes de empenhar-nos num comportamento que será subse- quentemente reforçado. Assim, podemos ver Veneza com a finalidade de ensinar a um amigo como encontrar o caminho que o levará a determinada parte da cidade. Se estivéssemos juntos na própria cida- de, poderíamos conduzi-lo por um dado percurso, mas podemos "con- duzir-nos visualmente por esse percurso", quando não estamos lá, e descrevê-lo para ele. Podemos fazer isso de forma mais eficaz apon- tando para um mapa ou para um esboço do caminho; todavia, não consultamos um "mapa cognitivo " quando descrevemos o que vemos "relembrando a cidade" . Conhecer uma cidade significa possuir o comportamento de movimentar-se por ela; não significa possuir um mapa a ser seguido para andar por ela. Pode-se construir um mapa que tal a partir da cidade concreta ou ver a cidade quando se está longe dela, mas visualizar um caminho por uma cidade a fim de descrevê-lo a um amigo é ver como se vê (e não o que se vê) quando se percorre a cidade. Claude Bernard poderia também ter dito que é impossível con- seguir que os animais relatem as coisas que estão imaginando, mas não há nenhuma razão de as contingências nas quais uma pessoa vê coisas que não estão presentes deixarem de ser eficazes para outras espécies, é possível fazer com que animais respondam a imagens posteriores e, aumentando a privação, podemos induzir um pombo a responder a um quadrado "cotno se fosse um triângulo". Não há razão para, com tais medidas, deixarmos de conseguir que ele res- ponda a uma superfície em branco se ele foi previamente reforçado apenas quando a superfície tinha um triângulo nela projetado. Idear contingências "verbais" capazes de permitir que ele nos dissesse "ver" um triângulo seria um exercício interessante. Uma pessoa é modificada pelas contingências de reforço em que age; ela não armazena as contingências. Particularmente, não arma- zena cópias dos estímulos que desempenharam algum papel nas con- tingências. Não há "representações icônicas" em sua mente; não há "estruturas de dados guardadas em sua memória"; ela não possui um "mapa cognitivo " do mundo em que tem vivido. Foi simplesmente modificada de tal forma que os estímulos controlam agora tipos par- ticulares de comportamento perceptivo. 74 crever nela e que a pós-imagem clara que me incomoda não está ali porque não tento apagá-la. Aprendi a diferença entre os dois tipos de visão. O homem sedento não estende a mão para pegar o copo de água imaginário; o sonhador não sabe, porém, que aquilo que vê "não está realmente ali" , e responde com toda a intensidade de que é capaz uma pessoa adormecida. (O conhecimento introspectivo do sonho é fraco ou deficiente porque também o são as condições ne- cessárias para a auto-observação, e quando tal autoconhecimento so- brevive no estado de vigília, seu desaparecimento é no geral tão rá- pido quanto o esquecimento dos sonhos.) É também possível saber que já se viu algo antes. Re-conhecemos o que conhecemos ante- riormente. No déjà vm este traço do autoconhecimento é deficiente. Outros tipos de autoconhecimento acerca do controle por estí- mulo serão vistos quando analisarmos as contingências que nos con- trolam o comportamento. 77 6 O COMPORTAMENTO VERBAL Em fase relativamente tardia de sua história, a espécie humana sofreu uma mudança notável: sua musculatura vocal foi posta sob controle operante. Como outras espécies, ela tinha, até então, exter- nado gritos de alerta, brados ameaçadores e outras respostas inatas, mas o comportamento vocal operante fez grande diferença porque ampliou a esfera de ação do ambente social. Nascera a linguagem e, com ela, muitas características importantes do comportamento hu- mano para as quais se havia inventado uma porção de explicações mentalistas. A própria diferença entre "linguagem" e "comportamento ver- bal" é um exemplo. A linguagem tem um caráter de coisa, algo que a pessoa adquire e possui. Os psicólogos falam da "aquisição de lin- guagem " por parte da criança. As palavras e as sentenças que com- põem uma língua são chamadas instrumentos usados para expressar significados, pensamentos, idéias, proposições, emoções, necessidades, desejos e muitas outras coisas que estão na mente do falante. Uma concepção muito mais produtiva é a de que o comportamento verbal é comportamento. Tem caráter especial tão-só porque é reforçado por seus efeitos sobre as pessoas - de início, outras pessoas, mas eventualmente o próprio falante. Por conseguinte, está isento das re- lações espaciais, temporais e mecânicas que prevalecem entre o com- portamento operante e as consequências não-sociais. Se abrir uma porta for ato reforçador, uma pessoa pode agarrar a maçaneta, girá-la e empurrar ou puxar a porta de certa forma; se, porém, em vez disso, ela disser "Por favor, abra a porta", e um ouvinte responder de forma apropriada, seguir-se-ão as mesmas consequências reforçadoras. As contingências são diferentes e acarretam muitas diferenças importan- tes no comportamento, as quais de há muito têm sido obscurecidas por explicações mentalistas. A maneira de uma pessoa falar depende das práticas da comu- nidade verbal a que pertence. Um repertório verbal pode ser rudi- 79 mentar ou pode apresentar uma topografia elaborada sob tipos muito sutis de controle por estímulo. As contingências que o modelam podem ser indulgentes (como quando os pais respondem às formas toscas por que as crianças se aproximam das formas padronizadas) ou exigentes (como no ensino de dicção). Diferentes comunidades verbais modelam e mantêm línguas diferentes no mesmo falante, o qual possui então repertórios diferentes que exercem efeitos semelhantes em ouvintes diferentes. As respostas verbais são classificadas como pedidos, ordens, permissões, e assim por diante, dependendo das razões pelas quais o ouvinte responde; frequentemente, tais razões são atribuí- das às intenções ou às disposições do falante. O fato de a energia de uma resposta não ser proporcional à magnitude do resultado contri- buiu para a crença na magia verbal (as palavras do mágico "Abra- cadabra" transformam um lenço num coelho). Respostas fortes sur- gem na ausência de um público apropriado, como o demonstrou Ricardo III ao gritar: "Um cavalo! um cavalo! Meu reino por um cavalo!" , embora não houvesse ninguém que pudesse ouvi-lo. Afora um público pertinente ocasional, o comportamento verbal não requer suporte ambiental. Precisa-se de uma bicicleta para andar de bicicleta, mas não para dizer "bicicleta". Por isso, o comporta- mento verbal pode ocorrer em quase todas as ocasiões. Uma conse- quência importante é que a maioria das pessoas acha mais fácil dizer "bicicleta" silenciosamente do que "andar de bicicleta silenciosamen- te". Outra consequência importante é que o falante se torna também um ouvinte e pode reforçar amplamente seu próprio comportamento. Significado e referência O termo "significado", embora ligado de perto ao comporta- mento verbal, tem sido usado para estabelecer algumas das distinções já discutidas. Aqueles que confundiram o behaviorismo com o estru- turalismo, por sua ênfase na forma ou topografia, queixaram-se de que ele ignora o significado. O que é importante, sustentam eles, não é o que uma pessoa está fazendo, mas aquilo que seu comportamento significa para ela; tal comportamento tem uma propriedade mais pro- funda, não destituída de relações com o propósito, intenção ou expec- tativa discutidos no Capítulo 4. Mas o significado de uma resposta não está em sua topografia ou forma (este é o engano do estrutura- lista, não do behaviorista); deve ser buscado em sua história ante- cedente. O behaviorista é também acusado de descrever o meio am- biente em termos físicos, negligenciando o que ele significa para a pessoa que responde; também neste caso, contudo, o significado não 80 meteorologista, as quais são sinais ou símbolos de chuva tanto quanto as mudanças atmosféricas. Metáfora-, Vimos que um estímulo presente quando uma res- posta é reforçada adquire algum controle sobre a probabilidade de a resposta ocorrer; e que esse efeito se generaliza: os estímulos que possuam algumas de suas propriedades também adquirem algum con- trole. No comportamento verbal, um tipo de resposta evocada por um estímulo meramente semelhante é chamada metáfora. A resposta não é transferida de uma situação para outra, como a etimologia po- deria sugerir; ela simplesmente ocorre por causa de uma semelhança nos estímulos. Tendo dito "explode" em conexão com bombas ou balas de estalo, uma pessoa pode descrever um amigo que subita- mente se comporte de maneira violenta como "explodindo de raiva". Outras figuras de linguagem ilustram outros processos de comporta- mento. Abstração: Um traço característico do comportamento verbal di- retamente atribuível a contingências especiais de reforço é a abstra- ção. É o ouvinte, não o falante, que empreende uma ação prática com relação aos estímulos controladores de uma resposta verbal e, em resultado disso, o comportamento do falante pode colocar-se sob o controle das propriedades de um estímulo para o qual não há uma resposta apropriada. Uma pessoa aprende a reagir a coisas vermelhas sob contingências não-sociais de seu ambiente, mas só age assim emitindo uma resposta prática a cada coisa vermelha. As contingên- cias não podem pôr uma resposta única sob o controle da proprie- dade "vermelho" tão-só. Mas uma propriedade única pode ser im- portante para o ouvinte, que empreende vários tipos de ação prática em muitas e diferentes ocasiões por causa dela e a quem, por con- seguinte, ela reforça apropriadamente quando um dado objeto é cha- mado vermelho. O referente de vermelho nunca pode ser identifica- do em nenhum ambiente. Se mostrarmos a uma pessoa um lápis ver- melho, perguntando: "O que é isto?" e ela responder "Vermelho", não poderemos dizer qual propriedade evocou-lhe a resposta; porém, se lhe mostrarmos vários objetos vermelhos e ela sempre disser "ver- melho" , poderemos fazê-lo - e com uma precisão crescente, à me- dida (,ue multiplicarmos os casos. O falante está sempre respondendo a um objeto físico, não à "vermelhidão" enquanto entidade abstraia; ele responde "vermelho" não porque possua um conceito de verme- lho mas porque contingências especais puseram-lhe esta resposta sob o controle dessa propriedade dos estímulos. Não há por que perguntar como uma pessoa pode "conhecer a entidade abstrata chamada vermelhidão" . As contingências explicam o comportamento e não nos deve incomodar o fato de ser impossí- 83 vcl descobrir o referente em qualquer caso isolado. Não precisamos negar, como Guilherme de Ocam e os nominalistas, a existência das entidades abstraías e insistir em que tais respostas são meramente palavras, O que existe são as contingências que colocam o compor- tamento sob o controle de propriedades ou classes de objetos defini- dos por propriedades. (Podemos determinar que uma resposta singu- lar está sob o controle de uma propriedade nomeando-a. Por exem- plo, se mostrarmos um lápis a uma pessoa e perguntarmos "Que cor é esta?" , ela responderá à propriedade especificada como cor - desde que já tenha sido submetida a uma história apropriada de reforço.) Conceitos: Quando uma classe é definida por mais de uma pro- priedade, o referente é, em geral, chamado conceito, não entidade abstraia. Já se assinalou que os conceitos têm referentes reais com dizer que "são antes descobertas que invenções - representam a realidade" . Por outras palavras, eles existem no mundo antes mesmo que alguém os identifique. Mas descoberta (bem como invenção) su- gere ação mental na produção de um conceito. Um conceito é sim- plesmente uma característica de um conjunto de contingências que existem no mundo e é descoberto apenas no sentido de que as con- tingências colocam o comportamento sob seu controle. A afirmação "Os conceitos científicos permitem que certos aspectos da enorme complexidade do mundo sejam manejados pelas mentes dos homens" ficaria muito melhorada se substituíssemos "mentes dos homens" por "seres humanos" . Sentenças e proposições A noção tradicional de significado e de referente causa proble- mas quando começamos a analisar respostas verbais mais amplas, sob controle de circunstâncias ambientais mais complexas. Quais são os referentes de sentenças - para não mencionar parágrafos, capítulos ou livros? Certamente, uma sentença significa mais do que suas pa- lavras separadamente. As sentenças fazem mais do que referir-se a coisas; dizem coisas. Mas o que são as coisas que dizem? Uma res- posta tradicional é "Proposições". Mas proposições são tão esquivas quanto significados. A concepção de Bertrand Russel foi assim para- fraseada: "O significado de uma sentença é aquilo que é comum a uma sentença numa língua e à sua tradução noutra língua. Por exem- plo, 'Eu tenho fome, e Tai faim, têm, em comum, elementos que constituem o significado de uma sentença. Este elemento comum é a proposição " . Mas o que é este elemento comum? Onde há de ser encontrado? Um dicionário que fornecesse os significados de senten- 84 ças conteria simplesmente outras sentenças com os mesmos signifi- cados. Uma tradução pode ser mais bem definida como um estímulo verbal que produz o mesmo efeito do original (ou tanto do mesmo efeito quanto possível) numa comunidade verbal diferente. Uma tra- dução francesa de um livro inglês não é outro enunciado de um con- junto de proposições; é outra amostra de comportamento verba! que produz, num leitor francês, efeito semelhante àquele que a versão inglesa produz no leitor inglês. A mesma interpretação pode-se fazer da tradução de um meio de comunicação em outro. Já se disse que o prelúdio de Tristão e Isolda é uma "tradução musical surpreen- dentemente intensa e fiel das emoções que acompanham a união de dois amantes". Em vez de tentar identificar o sentimento, quanto mais a proposição, que é assim tratada, podemos simplesmente dizer que a música tem algo do efeito de uma união física. Os conceitos de expressão e comunicação podem ser tratados de forma semelhante. Um falante ou um ouvinte responde às condições de seu corpo que aprendeu a chamar de sentimentos; entretanto, o que diz ou ouve é comportamento devido a contingências das quais as condições sentidas podem ser subprodutos. Dizer que a música expressa "aquilo que é inexprimível numa linguagem cognitiva, e, es- pecialmente, numa linguagem científica", é dizer que ela produz um efeito que o comportamento verbal não pode produzir. O compor- tamento verbal não comunica sentimentos, embora possa resultar em condições sentidas de maneira semelhante. Não comunica proposi- ções ou instruções. "Instruir" uma gata para que abandone suas crias aplicando-lhe um choque elétrico numa parte do cérebro não trans- mite uma instrução que estivesse antes na mente do cientista; o cho- que simplesmente produz um efeito (ura jato de água fria produziria o mesmo efeito). A descrição que von Frisch fez da linguagem das abelhas (descrição que se está tornando cada vez mais suspeita) não o transforma num Champollion a decifrar a pedra da Rosetta. O conceito de controle por estímulo substitui a noção de refe- rentes não apenas no tocante a respostas que ocorrem isoladamente e que são chamadas palavras (tais como os substantivos e adjetivos), mas também no tocante às respostas complexas chamadas sentenças. Possivelmente se poderia dizer que "fato" descreve um referente da- quele, embora sua sugestão de verdade versus falsidade suscite difi- culdades. A criança responde com sentenças a ocorrências de seu ambiente - acontecimentos que envolvem mais do que uma proprie- dade ou coisa, ou relações entre as coisas, ou relações entre o agente e a coisa que lhe sofreu a ação, e assim por diante. Suas respostas contêm elementos que, em nenhuma ocasião, poderão ser emitidos 85 Desenvolvimento. Uma preocupação indevida com a estrutura do comportamento verbal encorajou a metáfora do desenvolvimento ou crescimento. A extensão do enunciado é representada como uma fun- ção da idade e os traços semânticos e gramaticais são observados à medida que se " desenvolvem". O desenvolvimento da linguagem numa criança é facilmente comparado ao crescimento de um embrião e a gramática pode assim ser atribuída a regras que a criança possui ao nascer. Diz-se que um programa, sob a forma de um código genético, "inicia e guia a primeira aprendizagem (...) enquanto a criança adquire a linguagem " . Mas a espécie humana não evoluiu de acordo com um plano implícito: evoluiu através da seleção sob contingên- cias de sobrevivência, como o comportamento verbal da criança evo- lui sob a ação seletiva de contingências de reforço. Conforme já assi- nalei, o mundo de uma criança também se desenvolve. A criança parece adquirir um repertório verbal com espantosa velocidade, mas não devemos superestimar tal proeza nem atribuí-la a capacidades linguísticas inventadas. Uma criança pode "aprender a usar uma nova palavra" como efeito de um único reforço, mas apren- de a fazer coisas não-verbais com velocidade comparável. O com- portamento verbal impressiona, em parte porque a topografia é ma- nifesta e facilmente identificável, e em parte porque sugere signifi- cados ocultos. Se os estruturalistas e os desenvolvimentistas não se tivessem limitado tão estritamente à topografia do comportamento em detri- mento de outras partes das contingências de reforço, saberíamos muito mais acerca da maneira pela qual uma criança aprende a falar. Conhecemos as primeiras palavras que ela usa e as ordens caracte- rísticas em que tendem a ser usadas. Conhecemos a extensão dos enunciados em determinadas idades e assim por diante. Se a estru- tura bastasse, a história estaria completa. Mas um registro da topo- grafia precisa ser suplementado por um registro igualmente pormenori- zado das condições em que foi adquirida. Que fala ouviu a criança? Em que circunstâncias a ouviu? Que efeitos obteve ao pronunciar respostas semelhantes? Enquanto não tivermos este tipo de informa- ções, não poderemos avaliar o êxito ou malogro de qualquer análise do comportamento verbal. Comportamento verbal criativo No comportamento verbal, como em todo comportamento ope- rante, formas originais de resposta são suscitadas por situações às quais uma pessoa não foi anteriormente exposta. A origem do com- portamento não é diversa da origem das espécies. Novas combina- 88 ções de estímulos aparecem em novas situações, e as respostas que as descrevem podem nunca ter sido dadas antes pelo falante, ou lidas ou ouvidas por ele na fala de outrem. Há muitos processos com- portamentais que geram " mutações " , as quais são então submetidas à ação seletiva das contingências de reforço. Nós todos produzimos novas formas - por exemplo, neologismos, misturas, palavras portmanteau, observações espirituosas que envolvem distorção e erros da fala rápida. Muito se tem dito acerca do fato de a criança "inventar" um passado regular para um verbo irregular, como por exemplo, ao dizer "eu fazi" ao invés de "eu fiz" <*>. Se nunca ouviu a forma "fazi" (isto é, se convive apenas com adultos), deve ter criado uma nova forma. Mas nós não falaríamos de "criação" se, tendo adquirido um elenco de palavras designativas de cores e outro de palavras designa- tivas de objetos, ele dissesse, pela primeira vez, "automóvel púrpu- ra " . O fato de a terminação "ed" sugerir em inglês uma "gramá- tica" é desnecessariamente excitante, ê mu;to possível que seja um operante separado, como o poderia ser um indicador separado do pretérito ou da ação completada em uma outra língua, e que "go" e um "ed" terminal sejam juntados assim como "púrpura" e "auto- móvel" o são, numa ocasião nova. O chamado aspecto criativo do comportamento verbal será mencionado novamente mais adiante. (*) No original: a criança inventa um passado fraco para um verbo forte, como por exemplo, "he goed" em vez de "he went" (N.T.). 89 7 O PENSAR Nas formulações mentalistas, o ambiente físico é deslocado para a mente e se torna experiência. O comportamento é transferido para a mente como propósito, intenção, idéias e atos de vontade. Per- ceber o mundo e tirar proveito da experiência converte-se em "ati- vidades cognitivas de propósitos gerais " e já foi dito, por vezes, que o pensamento abstrato e conceptual não tem nenhuma referência externa. Dados tais precedentes bem estabelecidos, não é de surpre- ender que certas funções comportamentais remanescentes tivessem também sido removidas para o interior. A interiorização total foi recentemente anunciada por três psicólogos cognitivistas que, após terem terminado um livro, diz-se terem-se declarado "behavioristas subjetivos". Neste capítulo, considerarei certo número de processos compor- tamentais que deram origem à invenção daquilo que é usualmente chamado de processos mentais superiores. Eles compõem uma grande parte do campo do pensamento. Trata-se de um campo difícil e, ao que eu sa , ba, ninguém pretendeu ter dado uma explicação definitiva. Esta análise está longe da perfeição por outra razão: deve ser breve. Mas se uma interpretação behaviorista do pensar não é tudo quanto gostaríamos de ter, cumpre lembrar que as explicações mentais ou cognitivistas não são absolutamente explicações. "Pensar" frequentes vezes significa "agir fracamente", podendo a fraqueza dever-se, por exemplo, a um deficiente controle por estí- mulo. Se nos mostrarem um objeto com o qual não estamos muito familiarizados, poderemos dizer "Penso que se trata de uma espécie de chave inglesa", sendo que "Eu penso" se opõe claramente a "Eu sei" . Registramos baixa probabilidade por uma razão diferente quando dizemos "Penso que irei" em vez de "Eu irei" ou "Eu sei que irei", Há usos mais importantes do termo. Assistmdo a um jogo de xadrez, podemos conjecturar acerca "do que estará pensando um jo- gador" quando faz um lance. Podemos querer dizer que estamos 91 no passado cm circunstâncias semelhantes. A discriminação é um processo comportamental: são as contingências, e não a mente, que discriminam. Dizemos que uma pessoa discerne ou "percebe" um ob- jeto num nevoeiro ou a grande distância no sentido de que ela even- tualmente responde-lhe de modo correto. Discernir, como discriminar, pode significar um ato que favorece uma resposta (pode estar mais próximo de "olhar para " do que de "ver"), mas não necessariamen- te, Discernimos coisas importantes num dado cenário por causa das contingências passadas em que elas foram importantes. A abstração e a formação de conceitos são operações prova- velmente chamadas de cognitivas, mas elas envolvem também con- tingências de reforço. Não precisamos supor que uma entidade ou um conceito abstraio estão contidos na mente: uma sutil e complexa história de reforços produziu um tipo especial de controle por estí- mulo. Afirma-se, comu mente, que os conceitos "unificam nossos pen- samentos " , mas os indícios parecem ser de que simplesmente nos au- torizam a falar de características do mundo que são comuns a um grande número de casos. Disse um cientista que "há excelentes ra- zões para crer que toda a Química seja explicável em termos de elé- trons e de funções de onda que lhes descrevem a localização. Esta é uma enorme simplificação de pensamento". Decerto que é uma enorme simplificação - ou seria, se fosse exequível - mas trata-se antes de uma simplificação de comportamento verbal e prático que de pensamento. O mesmo autor disse que os conceitos são "desco- bertas tanto quanto - ou melhor, mais do que, invenções" e são "um exercício da mente humana que representa a realidade"; con- fessa ele, no entanto, ser a natureza da relação mistério. Mais mis- tério da entidade abstraía do que dos fatos disponíveis. Os referen- tes dos conceitos estão no mundo real; não são idéias na mente do cientista. São descobertas ou invenções apenas no sentido de ter-se desenvolvido um ambiente verbal no qual propriedades obscuras da natureza são postas sob controle do comportamento humano. Pro- vavelmente é tarde demais para rastrear o surgimento de conceitos como massa, energia ou temperatura, mesmo com o auxílio do his- toriador da ciência, e talvez seu uso corrente seja igualmente difícil de ser analisado; nada se ganha, porém, com situá-los na mente do cientista. Um exemplo de um artigo popular sobre aprendizagem de po- sições matemáticas revela quão penoso é explicar o comportamento inventando um conceito em vez de explicá-lo por contingências acom- panhantes. A crianças que foram ensinadas a completar a expressão "3 -f 6" dizendo 9, apresenta-se a expressão "6 -f 3". "Uma criança se mostra desesperadamente confusa, a outra responde prontamente ,9\ Claro que os dois alunos aprenderam coisas diferentes: a primeira 94 criança aprendeu uma resposta específica a uma pergunta específica; a segunda aprendeu um conceito aritmético." Mas o que é que isso nos revela? Será que podemos ter a certeza de que não ensinaram em alguma outra ocasião a segunda criança a dizer "9" em face da expressão "6 + 3?" Terá ela talvez aprendido um grande número de casos tais como "1 + 2 = 2+ 1" e "1 + 3 = 3 + 1"? Terá apren- dido a formular a regra da comutação e a exemplificá-la? Se nos con- tentarmos em falar de um conceito aritmético, nunca descobriremos o que a criança realmente aprendeu. Busca e rememoração A busca constitui outra das atividades chamadas cognitivas e afeta o conta to da pessoa com os estímulos controladores. Procurar alguma coisa é comportar-se de maneiras que foram reforçadas quan- do se achou alguma coisa. Dizemos que um animal com fome se move de um lado para outro procurando comida. O fato de estar em atividade, e mesmo o fato de estar em atividade de determinadas maneiras, pode ser parte de sua dotação genética, explicada por sua vez pelo valor de sobrevivência do comportamento; entretanto, a for- ma pela qual um organismo procura comida num ambiente familiar depende claramente de seus êxitos passados. Dizemos a uma criança que ache seu sapato e ela o começa a procurar em lugares em que sapatos já foram encontrados. Existem, todavia, estratégias mais especializadas para procurar coisas. O que faz uma pessoa para achar um objeto numa caixa de refugos ("escrutar" vem de uma expressão relacionada com a clas- sificação de refugos) ou nas prateleiras de um armazém? Como se faz para achar uma palavra numa página ou para encontrar e riscar todos os as de uma coluna impressa? O investigador experimentado move-se de um lado para outro, separa as coisas e movimenta os olhos de forma a aumentar as probabilidades de vir a encontrar o que procura e diminuir ao de não o encontrar, e age assim por causa das contingências passadas. Não temos razão de chamar cognitivo a tal comportamento, mas, segundo se diz, um processo bastante se- melhante ocorre no mundo da mente. Por várias razões, sugeridas por termos tais como "memoran- do", "memento", "lembrança" e "memorial", as pessoas fizeram có- pias do mundo que as cerca, bem como registros do que ocorreu nesse mundo, e os armazenaram para uso futuro. Exemplos fami- liares são incisões em placas de barro, inscrições gravadas em mo- numentos, livros, pinturas, fotografias, discos e a memória magné- 95 tica dc computadores. Numa ocasião futura, tal registro pode evo- car um comportamento apropriado a uma ocasião pretérita e per- mitir a uma pessoa responder mais eficazmente. A prática levou à elaboração de uma metáfora cognitiva, sem dúvida anterior de mui- tos séculos à formulação de qualquer sistema psicológico, em que se diz estarem as experiências armazenadas na memória, para serem recuperadas ou recordadas e usadas com vistas a um comportamento mais eficaz numa situação atual. O que se diz estar armazenado são cópias de estímulos - fi- sionomias, nomes, datas, textos, lugares, etc. -, os quais, quando recordados, têm o mesmo efeito dos originais. As cópias não podem ter as dimensões dos originais; devem ser transdutorizadas e codi- ficadas - possivelmente como engramas, circuitos reverberares ou campos clétricos. É particularmente difícil imaginar o armazena- mento de uma composição musical ou de uma história, as quais têm propriedades temporais. Não obstante, diz-se que todas essas coisas "residem" na memória. Mas qual é o paralelo mental da busca física? Como, faremos para encontrar algo no depósito de nossa memória? Platão susci- tou uma questão fundamental: "Um homem não pode indagar acer- ca do que conhece, nem acerca do que não conhece; pois se conhe- ce, não tem necessidade de indagar; e se não conhece, não pode indagar, pois desconhece o próprio assunto acerca do qual vai fazer indagações". No lugar de "indagar" leia-se "procurar". Se podemos lembrar um nome, não é preciso procurá-lo em nossa memória; se não podemos lembrá-lo, como faremos para o procurar? O psicólogo cognitivista fala de vários sistemas de acesso tomados de emprés- timo a sistemas de fichamento de bibliotecas, computadores, depó- sitos, sistemas postais, e assim por diante. Destarte, a superior re- cuperação de certos tipos de itens é atribuída a um "sistema de classificação que permite acesso imediato aos itens" - como certa- mente o deveria permitir! Numa análise comportamental, a probabilidade é substituída pela acessibilidade. As contingências que afetam um organismo não são armazenadas por ele. Elas nunca estão dentro dele; simplesmente o modificam. Daí resulta que o organismo se comporta de maneiras espec'ais sob tipos especiais de controle por estímulo. Os estímulos futuros serão eficazes se se assemelharem aos que foram parte de contingências anteriores; um estímulo acidental pode fazer-nos lem- brar uma pessoa, um lugar ou um acontecimento se tal estímulo tiver alguma semelhança com essa pessoa, lugar ou acontecimento. Ser lembrado significa ser tornado capaz de responder, possivelmente de modo perceptivo. Um nome pode fazer com que nos lembremos de 96 muito no espaço de uma vida; é uma função importante da cultura transmitir aquilo que outros aprenderam. Quer a solução de proble- mas surja simplesmente de contingências, ou de instruções fornecidas por outrem, é adquirida de forma manifesta (com a possível exceção de uma estratégia aprendida em nível encoberto a partir de conse- quências privadas) e pode sempre ser transportada para o nível ma- nifesto. O caso oculto, ao qual o termo "pensar " será muito prova- velmente aplicado, não goza de nenhuma vantagem especial além da rapidez ou de seu caráter confidencial. Escolha. Um problema ao qual se tem dado muita atenção surge quando duas ou mais respostas parecem ser possíveis e uma pessoa escolhe ou decide entre elas. O problema está em escapar à indecisão, mais do que em descobrir uma resposta eficaz. Facilitamos a esco- lha ou a tomada de decisão de várias maneiras - por exemplo, "re- vendo os fatos" . Se estivermos trabalhando com materiais externos, verbais ou de outro tipo, poderemos, na verdade, re-vê-los no sen- tido de olhá-los novamente. Se, todavia, estivermos trabalhando de forma encoberta, não recuperamos os fatos como se estivéssemos tirando documentos de um arquivo; apenas os vemos outra vez. Ao rever um argumento, simplesmente argumentamos de novo. Re-ver não é re-lembrar, uma vez que todos os fatos a serem usados estão disponíveis. Diz-se que uma pessoa fez uma escolha quando tomou um de dois ou mais possíveis rumos de ação. O problema está na palavra possível. Dar simplesmente uma de várias respostas "possíveis" - como andar a esmo por um parque - não exige nenhum ato sério de decisão, mas quando as consequências são importantes e há pro- babilidades dc duas ou mais respostas serem quase iguais, há um problema a ser resolvido. Geralmente uma pessoa o soluciona e escapa à indecisão mudando de cenário. Dizer que "os seres humanos podem tomar decisões e as de- sejam tomar " significa simplesmente dizer que uma situação, na qual duas ou mais respostas são igualmente prováveis, pode ser ad- versai iva e que qualquer comportamento decisório que fortaleça uma resposta e torne a outra improvável é reforçado. Dizer que os "seres humanos precisam de liberdade para realizar as escolhas de que são capazes " é criar complicações adicionais. Fazer uma escolha é sim- plesmente agir e a escolha de que a pessoa seja capaz é o próprio ato. A pessoa carece de liberdade para escolher, no sentido de que só o pode fazer se não houver restrições - quer na situação física, quer em outras condições que lhe afetem o comportamento. É fácil negligenciar o comportamento que de fato soluciona um problema. Num informe clássico, um chimpanzé parecia ter encaixado 99 duas varas entre si para poder puxar para mais perto de si, por entre as barras de sua jaula, uma banana que de outra forma lhe estaria fora do alcance. Dizer que o chimpanzé revelou "comportamento in- teligente baseado na percepção daquilo que era necessário para re- solver o problema: alguma forma de superar a barreira da distância" é tornar quase impossível descobrir o que ocorreu. Para solucionar semelhante problema, o chimpanzé deve pelo menos ter aprendido o seguinte: não mais tentar alcançar uma banana que esteja fora de seu alcance; não mais tentar puxá-la com varas curtas; distinguir as varas longas das curtas e usar as primeiras para conseguir alcançar a banana; pegar as duas varas em mãos separadas e inserir varas em buracos. Com tal preparação, não é impossível que nesse caso raro (mas insatisfatoriamente comprovado) o chimpanzé tivesse encaixado uma vara no buraco da extremidade da outra e usado a vara com- prida resultante para puxar a banana para si. A importância da análise comportamental torna-se clara sempre que nos empenhemos em fazer aigo acerca da solução de problemas. Para ensinar um comportamento semelhante a uma criança, por exem- plo, teremos, nesta ou naquela ocasião, de salientar todos esses in- gredientes. É duvidoso que pudéssemos progredir muito incutindo na criança "a necessidade de superar a barreira da distância " . Comportamento criativo A mente criativa sempre teve seus problemas, como o sugere a discussão clássica do "Menon" de Platão. Tratava-se de um pro- blema insolúvel para a psicologia de estímulo-resposta porque, se o comportamento nada mais fosse do que respostas a estímulos, estes poderiam ser novos, mas não o comportamento. O condicionamento operante resolve o problema, mais ou menos como a seleção natural resolveu problema semelhante na teoria da evolução. Assim como traços acidentais, surgidos de mutações, são selecionados por sua con- tribuição para a sobrevivência, assim também variações de compor- tamento são selecionadas por suas consequências reforçadoras. Tem-se frequentemente discutido se o acaso pede desempenhar algum papel na produção de algo tão importante quanto a Matemá- tica, a Ciência ou a Arte. Além do mais, à primeira vista, parece não haver lugar para o acaso em nenhum sistema completamente deter- minado. A Igreja, na sua crença mjm plano supremo predestinado, censurou a Montaigne usar palavras como destino e natureza, e se Santo Agostinho buscava aconselhamento celestial abrindo sua Bíblia e lendo as primeiras palavras que lhe caíam sob os olhos, era só 100 porque seus olhos não as encontravam por acaso. Outro sistema de- terminista, a Psicanálise, iniciou outra era em que o acaso é tabu; para o freudiano rigoroso ninguém pode esquecer um encontro ou chamar alguém pelo nome errado ou cometer um lapsus linguae por acaso. Não obstante, as biografias de escritores, compositores, artis- tas, cientistas, matemáticos e inventores revelam todas a importância dos acasos felizes na produção de comportamento original. O conceito de seleção é mais uma vez a chave. As mutações, na teoria genética e evolutiva, são casuais e as topografias das res- postas selecionadas pelo reforço são, se não aleatórias, pelo menos não necessariamente relacionadas com as contingências em que serão selecionadas. E o pensamento criador preocupa-se grandemente com a produção de "mutações". Escritores, artistas, compositores, matemá- ticos, cientistas e inventores estão familiarizados com formas explíci- tas de tornar mais provável a ocorrência de comportamento original. Tanto o cenário como a topografia do comportamento podem ser variados deliberadamente. O pintor varia suas cores, pinceladas e su- perfícies para produzir novas texturas e formas. O compositor gera novos ritmos, escalas, melodias e sequências harmónicas, às vezes por meio da permutação sistemática de formas mais antigas, possivelmente com o auxílio de dispositivos mecânicos ou matemáticos. O matemá- tico explora os resultados da mudança de um conjunto de axiomas. Os resultados podem ser reforçadores no sentido de serem belos ou, na maioria dos casos em Matemática, Ciência e invenção, bem-su- cedidos. Novas respostas verbais tendem a ser geradas por discussão, não só porque há então mais do que uma história de reforço em ação, mas também porque diferentes histórias podem, acidental ou delibe- radamente, conduzir a novos cenários. A chamada história das idéias oferece muitos exemplos. No século XVIII, na França, os chefes da Ilustração tomaram muita coisa de empréstimo aos autores ingleses - em particular, a Bacon, Locke e Newton. Como disse um autor, "idéias inglesas em cabeças francesas produziram, a longo prazo, con- sequências espantosas e explosivas " . Claro que a frase é intencional- mente metafórica e mistura o mental ("idéias") com o anatómico ("cabeças"), mas convalida o fato de que traduções do inglês para o francês, lidas por pessoas com histórias verbais diferentes, podem gerar novas respostas. Á estrutura da mente A estrutura do pensamento e o desenvolvimento da mente têm sido, claro está, temas populares há séculos. Como veremos nos dois 101
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