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Guias e Dicas
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O ensino jesuítico no período colonial, Notas de estudo de Literatura

Análise do ensino jesuítico, por Alexandre Shigunov Neto e Lizete Shizue Bomura Maciel

Tipologia: Notas de estudo

2017

Compartilhado em 07/05/2017

karina-audi-11
karina-audi-11 🇧🇷

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Baixe O ensino jesuítico no período colonial e outras Notas de estudo em PDF para Literatura, somente na Docsity! Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR 169 O ensino jesuítico no período colonial brasileiro: algumas discussões Discussions on Jesuit teaching in Brazil during the colonial period Alexandre Shigunov Neto* Lizete Shizue Bomura Maciel** RESUMO O presente artigo pretende realizar uma análise do ensino jesuítico implementado no período colonial brasileiro e demonstrar que a estrutura escolar fundada pelos padres jesuítas no Brasil era adequada para o momento histórico vivenciado, levando-se em consideração quatro aspectos: os objetivos do Projeto Português para o Brasil; o projeto educacional Jesuítico; a própria estrutura social brasileira da época; e o modelo de homem necessário para a época Colonial. Os jesuítas, com seu Projeto Educacional, e os portugueses que vieram para a colônia brasileira em busca de riquezas, tiveram papel fundamental na formação da estrutura social, administrativa e produtiva da sociedade que estava sendo formada. Partindo do pressuposto de que o fenômeno educacional não é um fenômeno independente e autônomo da realidade social de determinado momento histórico, devemos analisar o projeto jesuítico levando-se em conta o desenvolvimento social e produtivo da época colonial. Assim, pode-se supor que o modelo educacional proposto pelos jesuítas, que pretendia formar um modelo de homem, baseado nos princípios escolásticos, era coerente com as necessidades e aspirações de uma sociedade em formação na primeira fase do período colonial brasileiro. Palavras-chave: jesuítas, ensino jesuítico, Colônia. * Administrador formado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Especialista em Economia Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina. Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UEM. Especialista em Economia Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento (EGC) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Diretor de Pesquisa e Extensão da Faculdade Central de Cristalina (FACEC). ** Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). SHIGUNOV NETO, A.; MACIEL, L. S. B. O ensino jesuítico no período colonial... Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR170 ABSTRACT Jesuit teaching in Brazil during the colonial period is analyzed. It may even be proved that the schooling structure established by the Jesuit fathers was extremely adequate for that specific historical period. Four aspects may be taken into account: the aims of the Portuguese Project for Brazil; the Jesuit Educational Project; the Brazilian social structure at that time; and the human model needed for the colonial period. The Jesuits’ Educational Project and the Portuguese colonizers that came to the colony in search of wealth have an important role in the formation of the social, administrative and productive structure of a society in constant evolution. Since the educational phenomenon cannot be analyzed regardless of the social reality of a specific historical moment, the Jesuit’s project has to be seen when the social and productive development during the colonial period is taken into account. The Jesuits’ educational model that aimed at producing a human standard based on Scholastic principles was coherent with the needs and the expectations of an evolutionary society during the first phase of Brazilian colonial history. Key words: jesuits, jesuit teaching, colony. Considerações iniciais O presente artigo pretende realizar uma análise do ensino jesuítico im- plementado no período colonial brasileiro e demonstrar que a estrutura escolar fundada pelos padres jesuítas no Brasil era adequada para o momento histó- rico vivenciado, levando-se em consideração quatro aspectos: os objetivos do Projeto Português para o Brasil; o Projeto Educacional Jesuítico; a própria estrutura social brasileira da época; e o modelo de homem necessário para a época colonial. Os jesuítas, com seu projeto educacional, e os portugueses que vieram para a Colônia brasileira em busca de riquezas, tiveram papel fundamental na formação da estrutura social, administrativa e produtiva da sociedade que estava sendo formada. Partindo do pressuposto de que o fenômeno educacional não é um fenô- meno independente e autônomo da realidade social de determinado momento histórico, devemos analisar o projeto jesuítico levando-se em conta o desen- volvimento social e produtivo da época colonial. Assim, pode-se supor que o modelo educacional proposto pelos jesuítas, que pretendia formar um modelo SHIGUNOV NETO, A.; MACIEL, L. S. B. O ensino jesuítico no período colonial... Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR 173 Assim, pode-se supor que os jesuítas possuíam um projeto educacional, que, apesar de estar subordinado ao Projeto Português para o Brasil, tinha determinada autonomia, teve papel fundamental e acabou contribuindo para que o Governo português atingisse seus objetivos no processo de colonização e povoamento da colônia brasileira. Os jesuítas formularam seu Projeto Educa- cional, que denominaremos Projeto Educacional Jesuítico, sendo este o alicerce da nova estrutura social e educacional da Colônia brasileira. Os jesuítas e seu projeto educacional A Companhia de Jesus foi uma ordem religiosa da Igreja Católica, fundada na Europa em 1540 por Inácio de Loyola2. Era formada por padres designados de jesuítas, que tinham como missão catequizar e evangelizar as pessoas, pregan- do o nome de Jesus. Os princípios básicos dessa ordem estavam pautados em: 1) a busca da perfeição humana por meio da palavra de Deus e a vontade dos homens; 2) a obediência absoluta e sem limites aos superiores; 3) a disciplina severa e rígida; 4) a hierarquia baseada na estrutura militar; 5) a valorização da aptidão pessoal de seus membros. São esses princípios que eram rigorosamente aceitos e postos em prática por seus membros, que tornaram a Companhia de Jesus uma poderosa e eficiente congregação. Com a descoberta pelos portugueses e espanhóis das terras da América, seu projeto foi ampliado e levado para as novas terras, a fim de pregar a palavra de Deus entre os índios. Pode-se supor que o Projeto Educacional Jesuíticos Jesuítas, apesar de estar subordinado ao Projeto Português para o Brasil, tinha determinada autonomia, e teve papel fundamental na medida em que contribuiu para que o Governo português atingisse seus objetivos no processo de coloni- zação brasileiro, bem como se constituiu no alicerce da estrutura educacional da Colônia brasileira. O Projeto Educacional Jesuítico não era apenas um projeto de catequiza- ção, mas sim um projeto bem mais amplo, um projeto de transformação social, pois tinha como função propor e implementar mudanças radicais na cultura indígena brasileira. Ou seja, era um projeto de transformação social, pois tinha 2 Inácio de Loyola (1491-1566) nasceu em Azpéitia, Espanha. De família fidalga, acabou por seguir a carreira militar, convertendo-se à vida religiosa somente após ser ferido em 1521 no cerco de Pamplona pelas tropas francesas. Estudou humanidades nas Universidades de Alcalá e Salamanca, Espanha, e teologia na Universidade de Paris. Em Roma, fundou a Companhia de Jesus, que o Papa Paulo III aprovou em 1540. SHIGUNOV NETO, A.; MACIEL, L. S. B. O ensino jesuítico no período colonial... Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR174 como função propor e implementar alterações profundas na cultura indígena brasileira. Teixeira Soares (1961, p. 142) afirma que a Companhia de Jesus surgiu como “uma explosão de pensamento religioso transvertido ao campo das atividades práticas. Refazer o homem, infundir-lhe espírito novo, arquetipá-lo em finalidade sociais e religiosas, foi a ação da Ordem.” Ao analisarmos o Projeto Jesuítico para o Brasil Colônia, devemos ter em mente que o mesmo, apesar de ter atingido satisfatoriamente seus objetivos iniciais, foi sendo conquistado gradativamente, com muitas dificuldades e es- forços de seus membros. O trabalho de catequização e conversão do gentio ao cristianismo, motivo formal da vinda dos jesuítas para a Colônia brasileira, destinava-se à trans- formação do indígena em “homem civilizado”, segundo os padrões culturais e sociais dos países europeus do século XVI, e à subseqüente formação de uma “nova sociedade”. Essa preocupação com a transformação do indígena em homem civilizado justifica-se pela necessidade em incorporar o índio ao mundo burguês, à “nova relação social” e ao “novo modo de produção”. Desse modo, havia uma preocupação em inculcar no índio o hábito do trabalho, pelo produtivo, em detrimento ao ócio e ao improdutivo. Segundo Azevedo (1976), a atuação jesuítica na colônia brasileira pode ser dividida em duas fases distintas: a primeira fase, considerando-se o primeiro século de atuação dos padres jesuítas, foi a de adaptação e construção de seu tra- balho de catequese e conversão do índio aos costumes dos brancos; já a segunda fase, o segundo século de atuação dos jesuítas, foi de grande desenvolvimento e extensão do sistema educacional implantado no primeiro período. A exemplo de outros europeus (conquistadores e colonizadores), os padres jesuítas, num primeiro momento, tinham uma imagem do índio que o caracte- rizou como o “bom gentio”, bem como o seu modo de viver e seus costumes eram motivo de admiração, visto serem considerados exóticos. Já num segundo momento, os indígenas passam a ser encarados pelos pa- dres jesuítas como um empecilho para a consecução de seus objetivos, pois, ao não se adaptarem às exigências do trabalho árduo, rotineiro e contínuo, destinado à acumulação e não mais apenas à sobrevivência, tornam-se insubordinados, abandonando, dessa maneira, as missões e retornando para suas aldeias. O modelo ideal de homem, o homem puro, cristão e livre dos pecados do mundo burguês, que buscavam os padres jesuítas, poderia ser este homem inocente, encontrado em terras brasileiras. As Cartas Jesuíticas3 documento 3 As Cartas Jesuíticas são documentos apresentados sob a forma de cartas escritas pelos padres jesuítas e que tinham como objetivo fornecer um relato das atividades desenvolvidas pela Companhia nas terras descobertas. As cartas foram escritas, principalmente, pelos padres Manoel da Nóbrega, Azpicueta Navarro e José de Anchieta, entre 1549 e 1568. SHIGUNOV NETO, A.; MACIEL, L. S. B. O ensino jesuítico no período colonial... Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR 175 que relata as preocupações, as necessidades e as atividades realizadas pelos padres jesuítas. Juntamente com suas atividades de catequização, os jesuítas tentaram de- senvolver no indígena a preocupação burguesa com o trabalho, com o produtivo. O primeiro grupo de jesuítas chegou à Colônia brasileira em 1549, na mesma época em que desembarcou o Governador-Geral Tomé de Sousa. Eram chefiados pelo padre Manuel da Nóbrega, que se tornou o primeiro Provincial com a fundação da província jesuítica brasileira em 1553, permanecendo no cargo entre 1549-1559 e sendo substituído por Luís de Grã (1559-69). O padre Manuel da Nóbrega e seus companheiros da Companhia de Jesus fundaram na Bahia, em agosto de 1549, a primeira “escola de ler e escrever” brasileira. Portugal, que até então vivera imerso na atmosfera medieval e ocupado com as intermináveis guerras santas contra os invasores mouriscos e guerras defensivas contra os espanhóis, começava apenas a despertar para a nova cultura da Renascença. Sem tradições educativas, o seus sistema escolar começava a esboçar-se mui vagamente apenas. O analfabetismo dominava não somente as massas populares e a pequena burguesia, mas se estendia até a alta nobreza e família real. Saber ler e escrever era privilégio de poucos, na maioria confinados à classe sacerdotal e à alta administração pública. É bem verdade que os mosteiros e as catedrais eram quase que os únicos asilos das letras, tanto sagradas como profanas; mas sua atuação era modesta e restrita à satisfação de suas necessidades internas; não tinham a consciência de estar cumprindo uma missão social. (MATTOS, 1958, p. 37-38) Ao contrário do que se poderia imaginar, mesmo na grande maioria dos países europeus da época não havia um sistema escolar modelo, visto que, se o sistema escolar português de 1549 era, como acabamos de ver, ainda diminuto e embrionário, nem por isso diríamos que Portugal estava nesse ponto em grande atraso em relação à maior parte dos países da Europa. A situação era mais ou menos a mesma na Espanha, no sul da Itália, na Bélgica, Holanda, Inglaterra, Irlanda, Países Escandinavos, Polônia, Rússia e nos Balcans. O ideal democrático de uma rede escolar para toda a massa da população ainda não começara a materializar-se, previsto apenas vagamente pelos devaneios utópicos de Thomas Morus e Campanella. SHIGUNOV NETO, A.; MACIEL, L. S. B. O ensino jesuítico no período colonial... Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR178 Coimbra, padre Jorge Rijo. Ingressou em Coimbra aos 17 anos na Companhia de Jesus, onde fez seu noviciado. Aos 21 anos de idade, já na Bahia, foi incumbido, pelo padre Manuel da Nóbrega, de catequizar e ensinar a ler e escrever os meninos indígenas, tornando-se, desse modo, o primeiro professor a ministrar aulas na primeira escola brasileira, o Colégio da Bahia. Após quatorze anos de belo trabalho e bons resultados, o padre Vicente Rijo foi transferido por motivos de saúde para Porto Seguro. Em 1553 o padre Manuel da Nóbrega6 retirou-se para as capitanias do Sul e nomeou Vicente Rijo como superior interino do Colégio da Bahia. Em 1554 entregou provisoriamente a regência do Colégio da Bahia aos padres António Blasques e José de Anchieta e embarcou juntamente com onze jesuítas para São Vicente, com o objetivo de fundarem o novo colégio de São Paulo de Pirati- ninga. Após sete anos de trabalho de catequização no Colégio de São Paulo de Piratininga, Vicente Rijo foi promovido a superior, onde ficou até 1753, quando foi transferido para o Colégio da Bahia. Ainda em 1553, o padre Manuel da Nóbrega realizou visita ao recolhi- mento de São Vicente7, trazendo quatro órfãos de Lisboa para auxiliarem no trabalho de catequização. Em fevereiro desse mesmo ano, o recolhimento pas- sou a denominar-se Colégio dos Meninos de Jesus de São Vicente. O colégio oferecia aos seus alunos internos e externos (contava com aproximadamente cem alunos matriculados), além do ensino de grau primário e secundário, o ensino artístico. Em síntese, o Colégio dos Meninos de Jesus de São Vicente foi a instituição educacional que melhor se desenvolveu nesse fase pioneira da educação no Brasil e serviu para pôr em evidência as ricas possibilidades do primitivo plano educacional esboçado por D. João III no Regimento de 1548. (MATTOS, 1958, p. 75) 6 Antes de falecer em 1600, com 62 anos de idade, ainda desempenhou por mais de quinze anos no Colégio do Rio de Janeiro as mesmas funções de Administrador da Igreja e Diretor Espiritual da comunidade. Foram 41 anos de dedicação e trabalhos em prol da catequização e evangelização dos indígenas brasileiros, que lhe valeram o título de Primeiro Mestre-Escola do Brasil. 7 O recolhimento de São Vicente foi fundado em 1550 pelo padre Leonardo Nunes e destinava-se, inicialmente, à catequese. SHIGUNOV NETO, A.; MACIEL, L. S. B. O ensino jesuítico no período colonial... Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR 179 Os colégios da Bahia e de São Vicente foram os mais prósperos da Com- panhia de Jesus. Os jesuítas também fundaram colégios no Espírito Santo (padre Afonso Braz) e em Porto Seguro (padre Azpicuelta Navarro). O apoio e a proteção na metrópole para que o padre Manuel da Nóbrega desempenhasse suas atividades na Colônia brasileira eram proporcionados pelo padre Mestre Simão Rodrigues8. Em 1552, o padre Mestre Simão Rodrigues, após desentendimentos com Inácio de Loyola, foi substituído no cargo de Provincial de Portugal pelo padre Diogo Mirão e enviado ao reino de Aragão. Este fato implicou no abandono de alguns padres da Companhia de Jesus e a cessação do apoio do Provincial de Portugal à política dos recolhimentos do padre Manuel da Nóbrega no Brasil. Além da crise interna no seio da própria Companhia de Jesus, resultante dos desentendimentos havidos entre Santo Inácio de Loyola e Simão Rodrigues, sob cuja inspiração se concebera e se incentivara a política dos recolhimentos e das confrarias dos meninos, outra razão havia, mais profunda e decisiva, determinando esta mudança de orientação. Era que as novas Constituições da Companhia de Jesus proibiam a manutenção de internatos para educandos leigos, que não fossem candidatos com vocação religiosa para ingressar nas fileiras militantes da Companhia. (MATTOS, 1958, p. 119) O novo Provincial da Companhia de Jesus em Portugal, o padre Diogo Mirão, com pensamento contrário ao de seu antecessor, logo impôs uma nova política. Além disso, o exemplar desprendimento apostólico, implícito na política de fundar confrarias de escolares com autonomia financeira e administrativa sobre bens temporais, não se enquadrava com a nova orientação dada por Mirão à Companhia na metrópole. (MATTOS, 1958, p. 105) 8 Padre Mestre Simão Rodrigues foi o fundador e primeiro Provincial da Companhia de Jesus em Portugal e confessor predileto de D. João III, motivo pelo qual tinha apoio do governante. Em 1553 voltou para Portugal, mas foi proibido de ficar por Inácio de Loyola, sendo exilado em Roma durante vinte anos. Apenas conseguiu retornar para Portugal em 1579, quando veio a falecer. SHIGUNOV NETO, A.; MACIEL, L. S. B. O ensino jesuítico no período colonial... Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR180 Os três principais defensores da política educacional de Nóbrega foram D. João III, o Mestre Simão Rodrigues e Tomé de Sousa. Ao mesmo tempo em que perdeu seu apoio, adquiriu quatro grandes adversários: o padre Diogo Mirão, Luiz de Grão, o Bispo Dom Pedro Sardinha e D. Duarte da Costa. Em 1556 foi promulgada no Brasil a nova constituição da Companhia de Jesus, fato que provocou mais uma derrota para o padre Manuel da Nóbrega em sua luta contra a nova política provincial de Portugal. Pois, segundo as regula- mentações da nova constituição foi proibida a manutenção de internatos para educandos leigos, que não fossem candidatos da Companhia de Jesus. O método educacional jesuítico – o Ratio Studiorum O Ratio Atque Institutio Studiorum Societatis Jesu9, mais conhecido pela denominação de Ratio Studiorum, foi o método de ensino, que estabelecia o currículo, a orientação e a administração do sistema educacional a ser seguido, instituído por Inácio de Loyola para direcionar todas as ações educacionais dos padres jesuítas em suas atividades educacionais, tanto na colônia quanto na metrópole, ou seja, em qualquer localidade onde os jesuítas desempenhassem suas atividades. O Ratio Studiorum não era um tratado sistematizado de pedagogia, mas sim uma coletânea de regras e prescrições práticas e minuciosas a serem se- guidas pelos padres jesuítas em suas aulas. Portanto, era um manual prático e sistematizado que apresentava ao professor a metodologia de ensino a ser utilizada em suas aulas. O método educacional jesuítico foi fortemente influenciado pela orientação filosófica das teorias de Aristóteles e de São Tomás de Aquino, pelo Movimen- to da Renascença10 e por extensão, pela cultura européia. Apresentava como peculiaridades a centralização e o autoritarismo da metodologia, a orientação universalista, a formação humanista e literária e a utilização da música. O Ratio Studiorum apresentava três opções de cursos: o curso secundá- rio, que correspondia ao curso secundário, e dois cursos superiores, o curso de teologia e o curso de filosofia. Os cursos eram constituídos por disciplinas, 9 O Ratio Studiorum foi publicado originariamente em 1599 pelo padre Geraldo Cláudio Aquaviva e visava à formação do homem cristão, de acordo com a fé e a cultura cristã. 10 O período denominado de Renascimento foi um período compreendido entre os séculos XV e XVI, em que ocorreram profundas transformações na sociedade européia, caracterizado, também, pelo questionamento dos métodos de ensino da escolástica. SHIGUNOV NETO, A.; MACIEL, L. S. B. O ensino jesuítico no período colonial... Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR 183 As causas da expulsão dos jesuítas do Brasil podem ser categorizadas: políticas e ideológicas – a Companhia de Jesus tornara-se um empecilho aos interesses do Estado Moderno, além do que era detentora de grande poder econômico, cobiçado pela Coroa portuguesa; e educacional – as transformações sociais advindas do movimento Iluminista e dos princípios liberais requeriam a formação de um novo homem, o homem burguês, o comerciante, e não mais o homem cristão. Pode-se supor que a expulsão da Companhia de Jesus e a destruição de sua organização educacional são duas ordens: • política – os jesuítas representavam um empecilho aos interesses do Estado Moderno, além de ser detentora de grande poder econômico, cobiçado pelo Estado; • educacional – a necessidade da educação formar um novo homem – o comerciante e o homem burguês, e não mais o homem cristão –, pois os princípios liberais e o movimento Iluminista trazem consigo novos ideais e uma nova filosofia de vida. Assim, concordamos com Teixeira Soares (1961), quando afirma que os jesuítas pretendiam formar o modelo de homem cristão, diferentemente do homem burguês que estava sendo formado na Europa. Contudo, discordamos do pesquisador na medida em que o mesmo afirma que os jesuítas pretendiam formar um “novo homem”, pois na realidade os padres jesuítas estavam lutando para manter vivo o “atual modelo de homem” – o homem cristão – que estava sendo substituído pelo modelo de homem burguês. A análise da expulsão da Companhia de Jesus deve ser compreendida enquanto um processo mais amplo, e que envolve questões de cunho político, ideológico e econômico. E, portanto, que não foi específico de Portugal, pois foi observado em outros países da Europa, como por exemplo, na Espanha. (...) deve ser considerada a hipóteses de que, para além de todas as motivações de natureza ideológica de fundo mais ou menos iluminístico, o fenômeno da expulsão dos jesuítas da Península Ibérica se liga fundamentalmente a uma dada conjuntura imperial quer de Portugal quer de Espanha. É que no Brasil as minas de ouro tendiam para a exaustão, o que tornava necessário rever e recondicionar uma nova política geral para com a grande colônia sul-americana, sem a qual Portugal não fazia sentido no mundo de então. Ora, o tradicional papel dos jesuítas no Brasil – a sua força ideológica e até econômica – impedia ou dificultava esse recondicionamento da política luso-brasileira. (SERRãO, 1984, p. 356) SHIGUNOV NETO, A.; MACIEL, L. S. B. O ensino jesuítico no período colonial... Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR184 Esse processo, denominado de antijesuitismo, representava uma atitude presente em muitos países europeus, não sendo exclusividade de Portugal. Nesse sentido, os jesuítas representavam um obstáculo e fonte de resistência às tenta- tivas de implantação da nova filosofia iluminista que se difundia rapidamente por toda a Europa. Para Teixeira Soares (1961), as reformas elaboradas pelo Marquês de Pombal, em seu mandato como Ministro, visavam a transformar e adaptar a sociedade portuguesa aos movimentos sociais, econômicos e políticos que estavam ocorrendo na Europa do século XVIII. Contudo, é preciso atentar-se para uma peculiaridade a ser destacada nesse processo de expulsão dos jesuítas e de formulação das reformas de Pombal, que tem início nesse momento histórico e que acompanhará a educação brasileira ao longo dos anos: as reformas educacionais brasileiras apresentam como característica marcante a total destruição e substituição das antigas propostas pelas novas. A importância do trabalho dos jesuítas para a vida da Colônia brasileira e, principalmente, para a educação brasileira é apontada por Leite (1940), Teixeira Soares (1961), Veríssimo (1980), Serrão (1980), Avellar (1983), Almeida (2000), Holanda (1989), Ribeiro (1998) e Azevedo (1976, p. 9). Assim, a vinda dos padres jesuítas, em 1549, não só marca o início da história da educação no Brasil, mas inaugura a primeira fase, a mais longa dessa história, e, certamente a mais importante pelo vulto da obra realizada e sobretudo pelas conseqüências que dela resultaram para nossa cultura e civilização. (RIBEIRO, 1998, p. 28) Ribeiro, complementa destacando a importância social dos jesuítas para a sociedade colonial, pois se transformaram na única força capaz de influir no domínio do senhor do engenho. Isto foi conseguido não só através dos colégios, como dos confessionário, do teatro e, particularmente, pelo terceiro filho, que deveria seguir a vida religiosa. Já para Leite (1965,213), mais vasta que a artística – e em muitos aspectos mais valiosa – é a herança cultural, científica e literária dos jesuítas do Brasil, a começar pelo que se refere aos índios. (RIBEIRO, 1998, p. 28) SHIGUNOV NETO, A.; MACIEL, L. S. B. O ensino jesuítico no período colonial... Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR 185 Para Azevedo (1976), Almeida (2000) e Ribeiro (1998), a eficácia do en- sino jesuítico somente pôde ser concretizada após um longo e lento processo de adaptação às realidades sociais da Colônia e do povo brasileiro. E Leite (1965, p. 54) complementa ainda, afirmando “que essa eficácia assentou-se sobretudo em elementos de ordem moral (persuasão, emulação, repreensão), mas sobretudo sem excluir os de ordem física”. Segundo Azevedo (1976), a atuação jesuítica na Colônia brasileira pode ser dividia em duas fases distintas: na primeira fase, considerando-se o primeiro século de atuação dos padres jesuítas, foi a de adaptação e construção de seu tra- balho de catequese e conversão do índio aos costumes dos brancos; já a segunda fase, o segundo século de atuação dos jesuítas, foi de grande desenvolvimento e extensão do sistema educacional implantado no primeiro período. Azevedo, justifica a opção pelo ensino de atividades literárias e pelo ensino de humanidades em detrimento ao ensino técnico e profissionalizante, pois a exploração de suas fazendas, de que vendiam os produtos; o aproveitamento do trabalho escravo ou do índio e a própria formação profissional, sob a pressão das circunstâncias, de um corpo de mestres e oficiais, não eram senão meros instrumentos, meios para a realização dos fins religiosos e educativos a que se propunham os padres jesuítas. (AZEVEDO, 1976, p. 41) Portanto, era coerente a proposta educacional jesuítica, pois vinha ao en- contro de seus objetivos principais na Colônia, a conversão do índio à fé cristã e o trabalho educativo. Posteriormente, o ensino jesuítico dedicou-se, também, à formação da burguesia urbana. Assim, para Azevedo, uma das conseqüências, porém, certamente a mais larga e a mais importante, dessa cultura urbanizadora que se desenvolveu pela ação pedagógica dos jesuítas, foi a unidade espiritual que ela contribuiu notavelmente para estabelecer, fornecendo uma base ideológica, lingüística, religiosa e cultural à unidade e à defesa nacionais. (AZEVEDO, 1976, p. 42) SHIGUNOV NETO, A.; MACIEL, L. S. B. O ensino jesuítico no período colonial... Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR188 Portanto, para Leite (1965), Teixeira Soares (1961), Almeida (2000), Ribeiro (1998) e Azevedo (1976), os padres jesuítas podem ser considerados os primeiros e únicos educadores do Brasil colonial. E complementa, ainda, Azevedo (1976, p. 36-37): educadores, por vocação, mestres notáveis a todos os respeitos, eles puderam exercer na colônia, favorecidos por circunstâncias excepcionais, um verdadeiro monopólio do ensino, a que não faltava, para caracterizá-lo, o apoio oficial que lhes deu o governo da Metrópole, amparando-os, na sua missão civilizadora e pacífica, com largas doações de terras e aplicações de rendimentos reais dotação de seus colégios. Contudo, e como nos lembram Azevedo (1976), Serrão (1982) e Holanda (1989), a Companhia de Jesus não foi a única ordem religiosa que atuou na Colônia brasileira, mas foi sim aquela que mais destaque teve e a que primeiro desembarcou. Os membros das demais ordens, como os franciscanos, os car- melitas e os beneditinos, somente se instalaram e iniciaram seu trabalho por volta de 1580, e, diferentemente dos jesuítas, não tinham na função educadora sua principal atividade. Assim, pode-se supor que os jesuítas possuíam um projeto educacional, que, apesar de estar subordinado ao Projeto Português para o Brasil, tinha determinada autonomia, e teve papel fundamental e acabou contribuindo para que o Governo português atingisse seus objetivos no processo de colonização e povoamento da Colônia brasileira. REFERÊNCIAS ALMEIDA, José Ricardo Pires de. Instrução pública no Brasil (1500-1889): história e legislação. 2. ed. São Paulo: EDUC/INEP/MEC, 2000. AVELLAR, Hélio de Alcântara. História administrativa do Brasil: a administração pombalina. 2. ed. Brasília: FUNCEP/Editora da UnB, 1983. AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira. 5. ed. São Paulo: Melhoramentos/INL, 1976. Parte 3: A transmissão da cultura. SHIGUNOV NETO, A.; MACIEL, L. S. B. O ensino jesuítico no período colonial... Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008. Editora UFPR 189 CARDOSO, Ciro Flamarion Santana. A crise do colonialismo luso na América Portu- guesa: 1750/1822. 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