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Guias e Dicas
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Cad 40 - o cuidado da pessoa tabagista, Notas de estudo de Cultura

Caderno do Ministério da Saúde

Tipologia: Notas de estudo

2017

Compartilhado em 23/04/2017

sostenise-maciel-10
sostenise-maciel-10 🇧🇷

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Baixe Cad 40 - o cuidado da pessoa tabagista e outras Notas de estudo em PDF para Cultura, somente na Docsity! ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA MINISTÉRIO DA SAÚDE CADERNOS ATENÇÃO BÁSICA de 40 40 ESTR A TÉG IA S PA R A O C U ID A D O D A PESSO A C O M D O EN Ç A C R Ô N IC A O C U ID A D O D A PESSO A TA B A G ISTABiblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde www.saude.gov.br/bvs Brasília – DF 2015 9 7 8 8 5 3 3 4 2 3 3 9 8 ISBN 978-85-334-2339-8 Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde www.saude.gov.br/bvs O cuidado da pessoa tabagista MINISTÉRIO DA SAÚDE ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA O CUIDADO DA PESSOA TABAGISTA CADERNOS DE ATENÇÃO BÁSICA, Nº 40 BRASÍLIA – DF 2015 2015 Ministério da Saúde. Esta obra é disponibilizada nos termos da Licença Creative Commons – Atribuição – Não Comercial – Compartilhamento pela mesma licença 4.0 Internacional. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte. A coleção institucional do Ministério da Saúde pode ser acessada, na íntegra, na Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde: <www.saude.gov.br/bvs>. Tiragem: 1ª edição – 2015 – 50.000 exemplares Elaboração, distribuição e Informações: MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Atenção Básica SAF Sul, Quadra 2, lotes 5/6, Edifício Premium Bloco II, subsolo CEP: 70070-600 – Brasília/DF Tel.: (61) 3315-9031 Site: www.dab.saude.gov.br E-mail: dab@saude.gov.br Departamento de Atenção Especializada e Temática SAF Sul, Quadra 2, lotes 5/6 Edifício Premium, bloco II, 1º andar, sala 103 CEP: 70.070-600, Brasília/DF Telefone: (61) 3315-9052 E-mail: rede.cronicas@saude.gov.br Site: www.saude.gov.br/doencascronicas Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos Esplanada dos Ministérios. bloco G, Ed. Sede, 8º andar, sala 839 CEP: 70058-900 – Brasília/DF Telefone: (61) 3315-2409 Fax: (61) 3315-2307 Site: www.saude.gov.br/medicamentos E-mail: daf@saude.gov.br Suporte técnico, operacional e financeiro, no âmbito do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde – Proadi-SUS: HOSPITAL DO CORAÇÃO Responsabilidade social Rua Abílio Soares, 250 CEP: 04005-909 – São Paulo/SP Tel.: (11) 3053-6611 Site: www.hcor.com.br/ E-mail: ligress@hcor.com.br Organização: Lumena Almeida Castro Furtado Jarbas Barbosa da Silva Júnior Edição geral: Eduardo Alves Melo José Miguel do Nascimento Júnior Sueli Moreira Rodrigues Edição técnica: Patricia Sampaio Chueiri Luiz Henrique Costa Revisão geral: Patricia Sampaio Chueiri Laura dos Santos Boeira Marcelo Pellizzaro Dias Afonso Revisão técnica: Carolina de Campos Carvalho Cicero Ayrton Brito Sampaio Daniela Marques das Mercês Silva Lívia Custódio Puntel Campos Michelle Leite da Silva Maria Cristina Correa Lopes Hoffmann Natália Vargas Patrocínio de Campos Rui Leandro da Silva Santos Autoria: Anna Luiza Braga Plá Deborah Alencar de Oliveira Fabíola Danielle Correia Fernando Zanghelini Jaqueline Silva Sousa Laura dos Santos Boeira Luiz Henrique Costa Marcelo Gervilla Gregório Marcelo Pellizzaro Dias Afonso Nubia Mendonca Ferreira Borges Patrícia Sampaio Chueiri Priscila Regina Torres Bueno Silvia Maria Cury Ismael Thais Severino da Silva Coordenação editorial: Laeticia Jensen Eble Marco Aurélio Santana da Silva Editora responsável: MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria-Executiva Subsecretaria de Assuntos Administrativos Coordenação-Geral de Documentação e Informação Coordenação de Gestão Editorial SIA, Trecho 4, lotes 540/610 CEP: 71200-040 – Brasília/DF Tels.: (61) 3315-7790 / 3315-7794 Fax: (61) 3233-9558 Site: www.saude.gov.br/editora E-mail: editora.ms@saude.gov.br Equipe editorial: Normalização: Luciana Cerqueira Brito Revisão: Khamila Silva e Tatiane Souza Diagramação: Marcelo S. Rodrigues Impresso no Brasil / Printed in Brazil Ficha Catalográfica Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica : o cuidado da pessoa tabagista / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – Brasília : Ministério da Saúde, 2015. 154 p. : il. (Cadernos da Atenção Básica, n. 40) ISBN 978-85-334-2339-8 1. Tabagismo. 2. Doença crônica. 3. Promoção à saúde. I. Título. II. Série. CDU 613.84 Catalogação na fonte – Coordenação-Geral de Documentação e Informação – Editora MS – OS 2015/0345 Títulos para indexação: Em inglês: Strategies for the care of people with chronic disease : the care of smokers Em espanhol: Estrategias para el cuidado de la persona con enfermedad crónica : el cuidado de la persona tabaquista LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Fatores de risco preveníveis para as doenças crônicas não transmissíveis ......................... 23 Figura 2 – Tríade da dependência física ................................................................................................. 41 Figura 3 – Um episódio de cuidado ........................................................................................................ 45 Figura 4 – Estágios motivacionais – Roda de Prochaska ....................................................................... 51 Figura 5 – Os seis componentes do método clínico centrado na pessoa ............................................. 59 Figura 6 – Substâncias químicas componentes do cigarro .................................................................... 85 Gráfico 1 – Prevalência do uso de tabaco em adultos em 14 países que completaram a Global Adult Tobacco Survey (2008-2010) ......................................................................................................... 24 Gráfico 2 – Prevalência de fumantes no Brasil (1989-2013) .................................................................. 25 Gráfico 3 – Prevalência de tabagistas no Brasil segundo sexo (2013) .................................................. 26 Gráfico 4 – Prevalência de tabagistas no Brasil segundo tipo de região (2013) ................................. 26 Gráfico 5 – Prevalência de fumantes no Brasil segundo escolaridade (2013) ..................................... 27 Gráfico 6 – Prevalência de fumantes no Brasil segundo renda (2008) ................................................. 27 Gráfico 7 – Prevalência de tabagistas no Brasil segundo raça/cor (2013) ............................................ 28 LISTA DE GRÁFICOS LISTA DE SIGLAS AB Atenção Básica APA Associação Psiquiátrica Americana (American Psychiatric Association) AVC/AVE Acidente vascular cerebral/encefálico Ciap-2R Classifi cação Internacional de Atenção Primária CICQTC Comissão de Internalização da CQTC CID-10 Classifi cação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, décima edição CQCT Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco da OMS DAB Departamento de Atenção Básica DAP Doença arterial periférica DCNT Doenças crônicas não transmissíveis Dpoc Doença pulmonar obstrutiva crônica DSM-V Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, quinta edição ESF Estratégia Saúde da Família EM Entrevista motivacional GM Gabinete do Ministro IAM Infarto agudo do miocárdio INCA Instituto Nacional de Câncer MS Ministério da Saúde ONG Organização não governamental OMS Organização Mundial da Saúde Paap Perguntar e avaliar, aconselhar e preparar Paapa Perguntar e avaliar, aconselhar, preparar e acompanhar PNCT Programa Nacional de Controle do Tabagismo PSE Programa Saúde na Escola PTA Poluição tabagística ambiental TRN Terapia de reposição de nicotina SES Secretaria Estadual de Saúde SMS Secretaria Municipal de Saúde SNC Sistema Nervoso Central SOE Sem outra especifi cação SUS Sistema Único de Saúde UBS Unidade Básica de Saúde VEF1 Volume Expiratório Forçado no Primeiro Segundo Vigitel Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças por inquérito telefônico NOTA DOS AUTORES Atenção Básica (AB), terminologia utilizada correntemente pelo Ministério da Saúde para indicar o primeiro nível de atenção à saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), apresenta como sinônimos as expressões Atenção Primária à Saúde e Cuidados Primários de Saúde, comumente encontradas na literatura internacional. Independentemente do termo utilizado, deve-se ressaltar que, no Brasil, são os mesmos os seus atributos – primeiro acesso, longitudinalidade, integralidade, coordenação do cuidado, orientação familiar e comunitária e competência cultural – e as suas responsabilidades – prover um cuidado humanizado, abrangente, qualificado, resolutivo e centrado no indivíduo (BRASIL, 2010). SUMÁRIO Responsabilidades e atributos da Atenção Básica ............................................................................... 15 Primeiro acesso .................................................................................................................................. 15 Integralidade ...................................................................................................................................... 15 Longitudinalidade .............................................................................................................................. 16 Coordenação do Cuidado .................................................................................................................. 16 Apresentação .......................................................................................................................................... 19 1 Introdução ............................................................................................................................................ 21 1.2 Epidemiologia .............................................................................................................................. 22 1.2.1 Relação do tabagismo com as doenças crônicas não transmissíveis ................................. 22 1.2.2 Epidemiologia mundial ....................................................................................................... 23 1.2.3 Epidemiologia no Brasil ....................................................................................................... 24 1.3 Benefícios da interrupção do tabagismo ................................................................................... 29 2 Controle do tabaco no Brasil ............................................................................................................... 31 2.1 Prevenção do tabagismo ............................................................................................................. 31 2.2 Evolução da legislação para controle do tabaco no Brasil ........................................................ 32 2.3 A Convenção-Quadro para o controle do tabaco da OMS ....................................................... 33 2.4 Diretrizes para tratamento da cessação do tabagismo ............................................................. 34 3 Tabagismo passivo ............................................................................................................................... 37 4 Tabagismo ativo ................................................................................................................................... 39 4.1 Dependência ao tabaco ............................................................................................................... 39 4.1.1 Dependência física (Dependência química) ....................................................................... 40 4.1.2 Dependência psicológica ..................................................................................................... 41 4.1.3 Dependência comportamental (Condicionamento) .......................................................... 42 4.2 Classifi cação diagnóstica ............................................................................................................. 42 4.2.1 CID-10 ................................................................................................................................... 43 4.2.2 DSM-V ................................................................................................................................... 44 4.2.3 Ciap-2R .................................................................................................................................. 44 15 Responsabilidades e atributos da Atenção Básica A Atenção Básica (AB) ocupa uma posição privilegiada e estratégica para controle do tabaco dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), assim como para diversos outros agravos crônicos à saúde, resultado de seus quatro atributos essenciais: (1) primeiro acesso; (2) integralidade; (3) longitudinalidade; e (4) coordenação do cuidado (BRASIL, 2010). Para além desses quatro atributos, espera-se que as equipes de AB sejam resolutivas, ou seja, por meio de um cuidado qualifi cado e abrangente, resolvam a maior parte dos problemas de saúde da sua comunidade. Uma vez que o tabagismo é ainda um problema de saúde prevalente no País, é seguro que o cuidado da pessoa que fuma e a prevenção para o início deste hábito fazem parte do leque de suas responsabilidades. Primeiro acesso O Primeiro Acesso – ou Acesso de Primeiro Contato – do indivíduo com o sistema de saúde é, enquanto atributo, descrito como a acessibilidade e a utilização do serviço de saúde como fonte de cuidado a cada novo problema ou novo episódio de um mesmo problema de saúde, com exceção das verdadeiras emergências e urgências médicas (BRASIL, 2010; STARFIELD, 2002). O Primeiro Acesso pressupõe maior proximidade entre profi ssional/serviço de saúde e usuário e a construção de vínculo mais sólido entre ambos. Esses fatores se relacionam intimamente com a efetividade de tratamentos, especialmente aqueles relacionados à mudança de hábitos, incluindo a cessação tabágica. Integralidade A Integralidade é defi nida pelo leque de serviços disponíveis e prestados pelo serviço de AB, ou seja, ações que o serviço de saúde deve oferecer para que os usuários recebam atenção integral, tanto do caráter biopsicossocial do processo saúde-doença, como ações de promoção, de prevenção, de cura e de reabilitação adequadas ao contexto da AB, mesmo que algumas ações não possam ser oferecidas dentro das Unidades Básicas de Saúde (BRASIL, 2010; STARFIELD, 2002). Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica 16 Cada indivíduo tabagista é único: cada um possui a sua história, os seus valores, as suas preferências, as suas expectativas e as suas necessidades. O reconhecimento dessa individualidade, dentro do seu contexto de momento, é essencial para o sucesso da cessação do uso do tabaco. Por vezes, a cessação tabágica não será a prioridade de momento para o indivíduo, a depender do conjunto destes fatores, isso precisa ser compreendido e respeitado. Essa postura empática permitirá uma nova abordagem posterior do assunto, para mudança do grau de motivação, segundo a roda de Prochaska. Alguns tabagistas se motivarão para a cessação a partir das orientações sobre malefícios do cigarro, outros a partir do adoecimento de um ente próximo e outros ainda a partir do próprio adoecimento. Por trás do hábito, sempre existe um indivíduo, que pode apresentar outras demandas e necessidades: o cigarro não pode esconder o quadro de fundo mais amplo da pessoa. Por fim, o controle do tabaco é mais um exemplo de expressão da Integralidade, pois exige medidas de promoção (como os hábitos saudáveis de vida), prevenção (como a restrição de publicidade e venda do tabaco), cura (o próprio tratamento de cessação de tabagismo) e reabilitação (reabilitação pulmonar em pacientes com complicações do tabaco). Longitudinalidade A Longitudinalidade é definida pela existência de uma fonte continuada de atenção, assim como sua utilização ao longo do tempo. Do mesmo modo que o Primeiro Acesso, a relação entre a população e sua fonte de atenção deve se refletir em uma relação interpessoal intensa que expresse a confiança mútua entre os usuários e os profissionais de saúde (BRASIL, 2010; STARFIELD, 2002). A pessoa que conhece e é conhecida por sua equipe de saúde tende a se engajar mais no cuidado pactuado e compartilhado de sua saúde, o que em última análise promove maior adesão e melhores desfechos, sendo bastante interessante no cenário da prevenção da iniciação e na cessação tabágica. Coordenação do Cuidado Entende-se por Coordenação do Cuidado a capacidade de se integrar todo cuidado que o paciente recebe em diferentes pontos, por meio do gerenciamento e da coordenação entre os serviços (BRASIL, 2010). “Sem ela, a longitudinalidade perderia muito do seu potencial, a integralidade seria dificultada e a função de primeiro contato tornar-se-ia uma função puramente administrativa” (STARFIELD, 2002, p. 365). A Coordenação do Cuidado pode dizer respeito a um acompanhamento multidisciplinar, como no caso de especialidade médica ou matriciamento pelas equipes dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), mas também a interseções mais amplas, intersetoriais, com as áreas da O tabaco é consumido pela humanidade há milhares de anos. Antes relacionado ao poder e ao status social, o seu uso somente se disseminou na história mais recente, principalmente a partir da industrialização do cigarro e das ações intensivas de marketing, tornando-se um problema para os sistemas nacionais de saúde. O seu uso contribui diretamente para o desenvolvimento de diversos agravos de saúde, cuja prevalência vem aumentando progressivamente no último século, gerando custos sociais e econômicos enormes. O tabaco, consumido de diferentes maneiras, confi gura-se hoje como a principal causa evitável de morte no Brasil e no mundo. Há um esforço mundial, envolvendo organismos governamentais, não governamentais, profi ssionais de saúde e sociedade civil, para regulamentação e controle do uso do tabaco, de forma a desestimular o seu consumo prevenindo a iniciação (especialmente entre os jovens) e estimulando/apoiando a cessação para os usuários. Nos últimos anos, o Brasil aprovou diversas regulamentações que tratam desde consumo de tabaco em espaços públicos, formas de propaganda, aumentos de impostos e regulamentação do uso de aditivos, até políticas de substituição da agricultura do tabaco por outros produtos agrícolas. Deve-se, em grande parte, a essas ações de impacto populacional a queda da prevalência do tabagismo na população brasileira observada nas últimas décadas (31,7% da população adulta em 1989 para 14,7% em 2013) (BRASIL, 1990; 2014e). Apesar disso, dados recentes mostram que dos tabagistas que tentam parar de fumar (aproximadamente metade do total de tabagistas), apenas uma minoria recebe aconselhamento de um profi ssional de saúde sobre como parar e uma parte menor ainda recebe um acompanhamento adequado para este fi m (BRASIL, 2014e). Para enfrentar essa questão, com o intuito de universalizar o tratamento do tabagismo, o Ministério da Saúde (MS) reviu a portaria que dava as diretrizes para o Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT) e publicou nova portaria em 2013 (Portaria MS/GM nº 571, de 5 abril de 2013), que defi ne como lócus principal de cuidado, da pessoa que fuma, a Atenção Básica (AB), nível de atenção à saúde mais capilarizado e próximo dos usuários. Além da revisão das normas, o MS está trabalhando de forma a ampliar a distribuição dos medicamentos que compõem o PNCT. Apresentação 19 O tratamento para a cessação do uso do tabaco, especialmente do tabagismo com o cigarro comum, apresenta elevado custo-efetividade e aumenta significativamente as chances do usuário de tabaco alcançar abstinência definitiva. Logo, todos os profissionais de saúde devem estar preparados (e sensibilizados) para estimular e apoiar o seu paciente a parar de fumar. Assim, a fim de apoiar o cuidado das pessoas que fumam, a elaboração deste Caderno de Atenção Básica vem cumprir com três objetivos principais: • Sensibilizar gestores e profissionais de saúde para o problema de saúde pública representado pelo tabaco e a importância do seu controle, a partir de ações de prevenção de uso e tratamento para cessação. • Dar subsídios para os profissionais de saúde, em especial os profissionais da AB, para abordagem, avaliação, motivação e acompanhamento adequados da pessoa que fuma. • Orientar quanto às especificidades de determinadas populações e ciclos de vida, permitindo um olhar individualizado para o usuário tabagista, de modo a aumentar a efetividade da abordagem para cessação do tabagismo, sem perder de vista o sujeito e suas prioridades. Esperamos que os objetivos deste material sejam plenamente alcançados. Para isso, contamos ainda, como apoio didático-pedagógico complementar, com o Curso de Cessação do Tabagismo na Atenção Básica, curso na modalidade educação a distância, gratuito, disponível na Comunidade de Práticas1 , em <http://atencaobasica.org.br/courses>. Que você, profissional de saúde, sinta-se seguro sobre o seu papel, sua importância e a sua potencialidade no cuidado das pessoas, sejam elas tabagistas ou não. Boa leitura! 1 Criada em 2013, a Comunidade de Práticas é um espaço on-line onde gestores e trabalhadores da Saúde se encontram para trocar informações e compartilhar experiências sobre seu cotidiano de trabalho. Esses atores formam, assim, uma rede colaborativa voltada para a melhoria das condições de cuidado à saúde da população, que conta em 2015 com mais de 30 mil inscritos. A Comunidade de Práticas hospeda um blog e mais de uma centena de Comunidades específicas (a maioria delas abertas), além de conter uma seção para Relatos e oferecer Cursos gratuitos para todos os profissionais da AB. Conheça mais em: <https:// atencaobasica.org.br/>.20 1Introdução O tabaco representa um grave problema para os sistemas nacionais de saúde. Apesar dos esforços de controle, seu uso se mantém prevalente em todo o mundo e cresceste na maioria dos países em desenvolvimento (excetuando o Brasil, onde a prevalência é decrescente desde o fi nal do século passado), defi nindo a “Epidemia Mundial do Tabaco” (GARRETT; ROSE; HENNINGFIELD, 2001; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2001). Primeira causa de morte evitável, o uso do tabaco gera altos custos sociais e econômicos. Dessa maneira, urge fortalecer, ampliar e difundir os esforços de controle do tabaco no País, que vem apresentando importantes avanços nas últimas décadas. O controle do tabaco, no âmbito do cuidado/atenção em saúde, pode ser resumido em prevenção de iniciação e tratamento para cessação do uso do tabaco, ambos objetos deste material. Assim, a seguir, apresentam-se algumas defi nições relevantes a respeito do tabaco e do tabagismo. Outras defi nições relevantes são apresentadas no Glossário, ao fi nal do Caderno. 1.1 Definições O consumo de derivados do tabaco, defi nido como tabagismo, pode ser feito de diferentes formas, defi nindo-se duas grandes categorias: • Tabaco fumado. • Tabaco não fumado. Defi ne-se como tabaco fumado o tabaco consumido a partir da sua queima (gerando “fumaça”). O principal representante deste grupo é o cigarro industrializado, que conta ainda com os cachimbos, charutos, cigarros de palha e narguilé. A fumaça exalada pelo produto afeta não somente o usuário, defi nido como tabagismo ativo, mas também as pessoas que estão ao seu redor e expostas à poluição tabagística ambiental em locais fechados ou cobertos, defi nida como tabagismo passivo. 21 24 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica prevalência superior apenas à do México (prevalência de 16%) (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2011b). Em um levantamento mais abrangente da OMS de 2013, com dados referentes a 2011, a prevalência de tabagismo chegou a até 50% em algumas ilhas do Pacífico (Kiribati e Nauru) (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2013a). Gráfico 1 – Prevalência do uso de tabaco em adultos em 14 países que completaram a Global Adult Tobacco Survey (2008-2010) P ro p o rç ã o d e a d u lto s q u e f a ze m u so c o rr e n te d e t a b a co Fonte: WORLD HEALTH ORGANIZATION. 1.2.3 Epidemiologia no Brasil O Brasil apresenta-se, felizmente, como uma exceção frente à tendência de expansão mundial da “Epidemia do Tabaco”. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição, do Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (Inan), a prevalência de fumantes com 18 anos ou mais no Brasil em 1989 era de 31,7% (BRASIL, 1990). Entre 2002 e 2003, a prevalência total de fumantes na população acima de 15 anos já havia caído para 19% (variando de 13% em Aracaju a 25% em Porto Alegre) (BRASIL, 2004). Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2008, a prevalência total de fumantes na população maior de 15 anos chegou a 17,2% (21,6% entre os homens e 13,1% entre as mulheres) (BRASIL, 2011a). Em 2013, duas pesquisas nacionais – a vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico (Vigitel) e a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) – com diferentes metodologias, encontraram a prevalência de fumantes na população com 18 anos ou mais de, respectivamente, 11,3% (14,4% do sexo masculino e 8,6% do sexo feminino) e 14,7% (18,9% do sexo masculino e 11,0% do sexo feminino) (BRASIL, 2014; 2014d). Todos esses dados evidenciam uma tendência de queda na prevalência de tabagistas na população brasileira nas últimas décadas. 25 Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica o cuidado da pessoa tabagista Gráfi co 2 – Prevalência de fumantes no Brasil (1989-2013) 0,00% 5,00% 10,00% 15,00% 20,00% 25,00% 30,00% 35,00% PNSN 1989 (> 18 anos) Inquérito Domiciliar de 2004 (>15 anos) PNAD 2008 (>15 anos) PNS 2013 (> 18 anos) Prevalência de fumantes Fonte: INAN, 1990; IBGE; FIOCRUZ, 2010, 2014. Essa redução no número de fumantes pode ser explicada como consequência de uma série de ações macrorregulatórias, visando reduzir a atratividade do cigarro como: proibição de publicidade do tabaco, aumento de impostos sobre o produto, inclusão de advertências mais explícitas sobre os efeitos danosos do tabaco nos maços, legislação para restrição do fumo em ambientes fechados, campanhas para controle do fumo e o desenvolvimento de programas de abordagem e tratamento, as quais serão abordadas adiante (BRASIL, 2014b). - Características da população tabagista Algumas variáveis se associam à prevalência de tabagismo, em especial o sexo, a raça/cor, o tipo de região, a escolaridade e a renda. A prevalência de tabagismo é consistentemente superior no sexo masculino, na raça/cor preta e na região rural. Em relação à escolaridade, as proporções de fumantes são mais expressivas entre aqueles com menor grau de instrução, reduzindo-se progressivamente à medida que se aumentam os anos de estudo. Além disso, a prevalência de fumantes encontrada também se apresenta inversamente proporcional à renda (BRASIL, 2011a; 2014e; 2014d). 26 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica Gráfico 3 – Prevalência de tabagistas no Brasil segundo sexo (2013) 19,20% 11,20% 0,00% 5,00% 10,00% 15,00% 20,00% 25,00% Sexo (PNS 2013) Masculino Feminino Fonte: IBGE; FIOCRUZ, 2014. Gráfico 4 – Prevalência de tabagistas no Brasil segundo tipo de região (2013) 14,60% 17,40% 13,00% 14,00% 15,00% 16,00% 17,00% 18,00% Tipo de região (PNS 2013) Urbana Rural Fonte: IBGE; FIOCRUZ, 2014. 29 Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica o cuidado da pessoa tabagista Dados semelhantes foram encontrados na Pnad 2008. Do total de entrevistados com 15 anos ou mais, 51,1% referiram desejo de parar de fumar – apesar de mais da metade destes não terem planos de parada para os 12 meses subsequentes. Apenas 57,1% dos tabagistas afi rmaram ter sido advertidos a parar de fumar por serviços de saúde nos 12 meses anteriores. Do total de entrevistados que pararam de fumar no mesmo período, apenas 15,2% afi rmaram ter recebido aconselhamento de profi ssionais durante a tentativa de cessação e somente 6,7% terem usado medicamentos para isso (BRASIL, 2011a). Todos esses dados indicam ainda um baixo acesso dos fumantes aos avanços no campo do tratamento do tabagismo, que pode aumentar as taxas de cessação de 3% para até 30% em um ano (BRASIL, 2001). Como resposta a este problema, o acesso ao tratamento para cessação do tabagismo no Brasil tem sido ampliado nos últimos anos, abrangendo as equipes da AB. Dessa forma, a identifi cação, a abordagem e o tratamento da pessoa tabagista podem (e devem) ser realizadas no seu território, melhorando a saúde e a qualidade de vida do usuário, e contribuindo para o controle dos custos envolvidos no tratamento para cessação do tabagismo no País. Em 2011, o Brasil assumiu o compromisso, na Reunião de Alto Nível sobre Doenças Crônicas Não Transmissíveis, realizada pela ONU com vários chefes de Estado, de trabalhar veementemente na implementação dos artigos da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, que serão descritos com mais detalhes adiante. A meta é reduzir em dez anos a prevalência do tabagismo de 14,8% para 9,1% até o ano de 2022 (MALTA; SILVA JÚNIOR, 2013). 1.3 Benefícios da interrupção do tabagismo Em famoso estudo prospectivo realizado no Reino Unido, constatou-se que o ato de parar de fumar, ainda que com idade mais avançada, aumenta a expectativa de vida da pessoa. Os fumantes que interromperam o processo aos 60 anos conquistaram pelo menos 3 anos de vida adicionais na expectativa de vida; aqueles que interromperam o tabagismo aos 50 anos ganharam 6; e os que o fi zeram aos 40 obtiveram cerca de 9 anos adicionais. Os que pararam antes da meia- idade ganharam aproximadamente dez anos de vida e tiveram curvas de sobrevida semelhantes às de pessoas que nunca fumaram (DOLL et al., 2004). A cessação do tabagismo gera importantes benefícios em longo prazo na saúde das pessoas. Parar de fumar antes dos 50 anos provoca uma redução de 50% no risco de morte por doenças relacionadas ao tabagismo após 16 anos de abstinência. O risco de morte por câncer de pulmão sofre uma redução de 30% a 50% em ambos os sexos após dez anos sem fumar, e o risco de doenças cardiovasculares cai pela metade após um ano sem fumar (BRASIL, 2001). Além da importante redução no risco relacionado às doenças crônicas, há outros benefícios relevantes com a cessação do tabagismo, como (BRASIL, 2001): • Melhora da autoestima, do hálito, da coloração dos dentes e da vitalidade da pele. • Melhora do convívio social com pessoas não tabagistas. • Melhora no desempenho de atividades físicas. Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica 30 • Redução dos danos ao meio ambiente: para cada 300 cigarros produzidos uma árvore é derrubada e o fi ltro do cigarro leva cerca de 100 anos para ser degradado na natureza. Todos esses dados justifi cam o esforço mundial de controle do tabaco, incluindo as ações de cessação do tabagismo. Os profi ssionais de saúde devem, sempre que possível, promover ações de informação, incentivo e apoio ao abandono do tabagismo. Pesquisas confi rmam que abordagens rápidas, repetidas em cada consulta, reforçando os malefícios do tabaco e a importância da cessação do seu uso, aumentam signifi cativamente as taxas de abstinência. Apesar de as taxas de sucesso aumentarem individualmente com o aumento da intensidade da abordagem do tabagista, o impacto em termos de saúde pública parece ser superior com abordagens breves em um maior número de usuários em relação a abordagens intensivas direcionadas a poucos usuários (FIORE et al., 2008a). Os profi ssionais da AB assumem um papel de destaque nesse cenário já que, a partir da oferta de cuidado longitudinal, integral e mais próximo ao usuário, se encontram em posição privilegiada para o fortalecimento do vínculo, aumentando sensivelmente a efetividade do tratamento para cessação de tabagismo. 31 2 Controle do tabaco no Brasil 2.1 Prevenção do tabagismo O Brasil é considerado referência mundial no controle do tabaco, resultado de um longo trabalho voltado a este propósito, intensifi cado desde a década de 1980. Para tanto, foram fundamentais o incentivo e a adoção de ações educativas e de tratamento, aliados a medidas legislativas, publicitárias e econômicas. Visto o impacto na saúde, individual e coletivamente, é essencial que sejam desenvolvidas ações de prevenção ao uso do tabaco, especialmente no âmbito da Saúde e da Educação. Nesse sentido, informar os usuários da unidade de saúde acerca dos malefícios do tabagismo é uma das ferramentas mais importantes, bem como estabelecer parcerias intersetoriais para divulgação dessas informações em escolas, parques ou outros espaços da comunidade (BRASIL, 2001). O profi ssional de saúde pode articular ações com os profi ssionais dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (que podem auxiliar no manejo de usuários com comorbidades psiquiátricas ou que estejam com difi culdades em relação à nutrição para frear o ganho de peso, por exemplo), bem como acionar ferramentas e equipamentos de saúde, como a Academia da Saúde, inclusive realizando os grupos de acompanhamento nos polos, de modo a estimular as práticas coletivas e de exercício físico. Saiba mais sobre a Academia da Saúde acessando: <www.saude.gov.br/academiadasaude>. Um grupo especialmente vulnerável para iniciação do tabagismo e, por isso, prioritário para as ações de prevenção do uso de tabaco, são as crianças e os adolescentes. Nesse sentido, o Programa Saúde na Escola pode ser mais um espaço para os profi ssionais de saúde tratarem do tema tabagismo nas intervenções que realizam nas escolas (BRASIL, 2007). Você conhece o Programa Saúde na Escola? Conheça mais em: <http://dab.saude.gov.br/ portaldab/pse.php>. 34 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica Conheça mais sobre a CQCT no site ofi cial da OMS: <http://www.who.int/fctc/en/>. A versão completa do texto fi nal da CQCT está disponível nos links <http://www.who.int/ fctc/text_download/en/> (língua inglesa) e <http://www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/convencao_ quadro_texto_ofi cial.PDF> (traduzida para o português). A Legislação Federal Brasileira relacionada à adesão e à implementação das medidas elencadas pela CQCT encontra-se compilada no Apêndice A. Embora o Brasil seja o segundo maior produtor e o maior exportador mundial de tabaco, o País tem conseguido desenvolver ações importantes para o controle do tabagismo, das quais se destacam: (1) as campanhas alertando sobre as armadilhas dos cigarros de baixo teor de nicotina, proibindo as expressões light e mild nas embalagens; (2) a proibição das propagandas de cigarro, exceto nos pontos de venda; (3) a colocação de gravuras nas embalagens de cigarro, mostrando os efeitos danosos do tabaco; (4) a criação de ambientes 100% livres de fumaça; e (5) a descentralização do Programa Nacional de Controle do Tabagismo, oferecendo tratamento para o fumante que deseja parar de fumar, com ênfase na Atenção Básica (AB). Todas essas ações, refl etidas na queda contínua da prevalência de tabagismo no País nas últimas décadas, têm conferido ao Brasil o reconhecimento enquanto uma liderança internacional no controle do tabaco (AMERICAN CANCER SOCIETY, 2003; BRASIL, 2014d). 2.4 Diretrizes para tratamento da cessação do tabagismo A partir de 1996, o Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT) passou a implementar ações com vistas a promover a cessação do tabagismo no País. No ano seguinte foi lançado o livro Ajudando seu Paciente a Deixar de Fumar, com informações sobre dependência da nicotina, abordagem mínima ao tabagista e uso de medicamentos no tratamento do tabagismo (BRASIL, 1997; 2001). Em 2000, o INCA organizou e coordenou o I Encontro Nacional de Consenso sobre Abordagem e Tratamento do Fumante, com o objetivo de oferecer recomendações sobre condutas a serem empregadas no tratamento do tabagista no Brasil. Participaram desse Encontro profi ssionais de diferentes regiões do País com reconhecida experiência na prática da cessação do tabagismo, além de Conselhos e Associações Profi ssionais, Sociedades Científi cas da área da Saúde e os membros da Câmara Técnica de Tabagismo do INCA. Este encontro gerou a publicação do Consenso em Abordagem e Tratamento do Fumante, em 2001. Nele apresentam-se recomendações para avaliação, acompanhamento e tratamento dos fumantes, com ênfase na abordagem cognitivo- -comportamental (base da cessação do tabagismo) e informações básicas sobre o tratamento medicamentoso, baseadas nas evidências científi cas disponíveis à época, servindo de base para as ações de implantação do tratamento do tabagismo na rede SUS (BRASIL, 2001). Da legislação referente à cessação do tabagismo, destaca-se a Portaria MS/GM nº 571, de 5 de abril de 2013, a qual atualizou as diretrizes do tratamento do tabagismo no âmbito do SUS, reforçando a Atenção Básica (AB) enquanto um espaço privilegiado e estratégico para o desenvolvimento das ações de estímulo e apoio à adoção de hábitos mais saudáveis. A Portaria MS/GM 571/2013 está disponível na íntegra no link <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/ gm/2013/prt0571_05_04_2013.html>. 35 Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica o cuidado da pessoa tabagista Pelas reconhecidas consequências do tabagismo para a saúde, o tratamento para cessação do tabagismo deve ser valorizado e priorizado nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) tanto quanto os tratamentos para hipertensão ou diabetes. O tratamento para cessação do tabagismo tem sido referido como o “padrão-ouro” de custo-efetividade nos cuidados em saúde, tendo em vista que o custo de implementação do programa de controle do tabagismo, incluindo os dispositivos de capacitação profi ssional e a aquisição de medicamentos, é muito menos oneroso do que o tratamento dos demais fatores de risco cardiovascular ou o tratamento das doenças relacionadas ao tabaco (FIORE et al., 2008a; KAHENDE et al., 2009). É apresentada, no Apêndice A, a principal Legislação Federal vigente relacionada ao tratamento para a cessação do tabagismo no Brasil. No momento da elaboração deste material, está sendo avaliado concomitantemente pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) do Ministério da Saúde o 3º Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas – Dependência à Nicotina, que atualizará o Protocolo Clínico prévio, revogado (com a Portaria MS/SAS nº 442/2004) pela Portaria MS/GM nº 571/2013. 39 4Tabagismo ativo Como apresentado anteriormente, o tabagismo ativo por defi nição refere-se ao uso engajado pelo indivíduo de qualquer produto derivado do tabaco. A seguir, são descritas as diversas faces da dependência ao tabaco. 4.1 Dependência ao tabaco A nicotina é considerada uma droga psicoativa (ou psicotrópica) estimulante do Sistema Nervoso Central (SNC), uma vez que é capaz de alterá-lo, provocando mudanças no humor, na percepção, no estado emocional, no comportamento e na aprendizagem. Para que a droga seja considerada de efeito psicoativo, é necessário haver evidências de que o comportamento para seu uso seja reforçado, em certa medida, pelo próprio efeito da substância, e esta situação se aplica ao cigarro. A nicotina provoca dependência, já que gera a necessidade compulsiva do uso dela, e o resultado disso é que o cigarro passa a ser controlador do comportamento do indivíduo (ISMAEL, 2007). Observa-se que o indivíduo fuma por diferentes razões, destacando-se como as principais (CARVALHO, 2000; LABBADIA et al., 1995; LESHNER, 1996; SOUZA et al., 2009): • Estimulação, onde o fumar pode ser percebido como modulador de algumas funções fi siológicas, melhorando a atenção, a concentração e a energia pessoal. • Ritual, já que estão envolvidos vários passos até que se acenda o cigarro. • Prazer, pois a nicotina induz a liberação de substâncias endógenas que aumentam a sensação de bem-estar por meio da estimulação no cérebro dos circuitos neuroquímicos de recompensa. • Redução de ansiedade e estresse, importante efeito resultante da ligação química da nicotina com o seu receptor cerebral, com uma sensação momentânea de alívio dos sintomas de ansiedade e estresse. • Hábito, aqui entendido como um condicionamento do fumar em determinadas situações ou circunstâncias, tais como logo após o almoço, por exemplo. 40 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica • Dependência, relacionada à perda do controle, compulsão do uso e tolerância da nicotina, classificada como dependência física/farmacológica, dependência psicológica ou dependência social/comportamental. 4.1.1 Dependência física (Dependência química) A nicotina, assim como as demais Drogas de Dependência, aumenta a liberação de diversos neurotransmissores no SNC, especialmente da dopamina nas sinapses neuronais do sistema mesolímbico. O cérebro dependente de nicotina, dessa forma, tem modificada a sua neurobiologia pelo uso contínuo da substância (ROSEMBERG, 2002; WISE; BOZARTH, 1987). A nicotina inalada na fumaça do cigarro chega ao cérebro em um curto período de tempo – aproximadamente 10 segundos – onde alimenta os receptores das células cerebrais capazes de reconhecê- la. O organismo então reage à nicotina e adapta a sua funcionalidade à presença da substância, configurando o quadro de dependência física, geralmente no decorrer de um a três meses de uso. “A Dependência Física indica que o corpo se adaptou fisiologicamente ao consumo habitual da substância, surgindo sintomas quando o uso da droga termina ou é diminuído” (SCHUCKIT, 1991, p. 6). As principais adaptações relacionadas à Dependência Física são os fenômenos de Tolerância e Síndrome (ou Sintomas) de Abstinência (ROSEMBERG, 2002). Define-se como Tolerância o aumento gradativo da quantidade necessária da droga – no caso, a nicotina – a ser consumida pelo indivíduo para se alcançar os mesmos efeitos. Dessa forma, quanto maior a tolerância, maior a necessidade da substância, o que acaba por resultar em maior dependência física dela (ROSEMBERG, 2002). Já a Síndrome de Abstinência (ou Sintomas de Abstinência) refere-se ao surgimento de sinais e sintomas fisiológicos a partir da supressão do efeito da droga, consequente à redução dos estímulos no SNC, e que geralmente desaparecem rapidamente após o consumo da droga – no caso, o cigarro fumado. Os principais sintomas de abstinência da nicotina são elencados no Quadro 2 (BRASIL, 1997; CARVALHO, 2000; ISMAEL 2007; ROSEMBERG, 2002). Quadro 2 – Principais sintomas de abstinência à nicotina • Forte desejo de fumar • Inquietação • Transpiração súbita e/ou excessiva • Alterações do sono/insônia • Sensação de tristeza/depressão • Ansiedade • Irritabilidade • Agressividade • Dificuldades de concentração • Dor de cabeça • Tontura • Constipação intestinal Fonte: Elaboração própria. 41 Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica o cuidado da pessoa tabagista Tolerância e Sintomas de Abstinência levam o indivíduo ao uso cada vez mais frequente e intenso da droga, o que resulta na perda (ou difi culdade) do controle do seu consumo, ainda que consciente dos problemas interpessoais e/ou de saúde advindos do comportamento, defi nindo a Compulsão. Compõe-se, assim, a tríade da dependência física: (1) tolerância; (2) sintomas de abstinência; (3) compulsão (ROSEMBERG, 2003), conforme Figura 2. Figura 2 – Tríade da dependência física Tolerância Dependência física (química) Uso compulsivo Sintomas de abstinência Fonte: Elaboração própria. 4.1.2 Dependência psicológica A dependência psicológica consiste na ideação que a pessoa desenvolve quanto à necessidade da substância para se alcançar um equilíbrio ou percepção de bem-estar e, portanto, desempenha papel importante na manutenção do tabagismo. O cigarro atua como um regulador de situações emocionais e o seu uso pode ser associado pelo fumante a um melhor desempenho de suas funções cognitivas – a atenção, por exemplo – e consequentemente do seu rendimento. Em diversas circunstâncias, não existe necessidade orgânica de nicotina, porém o fumante usa o cigarro pela expectativa de alcançar uma sensação prazerosa e, dessa forma, passar por situações adversas da vida de uma maneira menos sofrida (BRASIL, 1997; 2001; REINA; DAMASCENO; ORIVE, 2003; SCHUCKIT, 1991). Esse tipo de dependência ocorre paralelamente à dependência física (química) e pode ser difícil de ser percebida e tratada. O cigarro frequentemente é usado para redução da ansiedade pelo fumante quando diante de uma situação de estresse. O fumo é ainda associado pela pessoa tabagista como meio de alívio da sensação de vazio e tristeza, e de busca por um “companheiro” em situações de solidão (ISMAEL, 2007). 44 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica A forma de classificação e os critérios utilizados para os Transtornos Mentais e Comportamentais Relacionados ao Fumo na CID-10 (F17) seguem a mesma padronização usada para os transtornos relacionados às demais substâncias psicoativas/de dependência (F1x), às quais se incluem álcool, opiácios, cannabis e cocaína, por exemplo. Algumas categorias são individualizadas, como “uso nocivo” (F17.1), “síndrome de dependência” (F17.2) e “síndrome (ou estado) de abstinência” (F17.3), o que pode conceitualmente gerar confusão aos profissionais de saúde (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1993; 2004). Os critérios diagnósticos para estas três categorias da CID-10 estão explicitados no Anexo A. 4.2.2 DSM-V O DSM-V, versão mais recente do instrumento de classificação da Associação Psiquiátrica Americana (American Psychiatric Association – APA), publicada em maio de 2013, traz algumas mudanças em relação ao DSM-IV. No âmbito dos Transtornos Relacionados a Substâncias e Adição, houve, na nova versão, a remoção da divisão existente até o DSM-IV entre os diagnósticos de Abuso e Dependência de Substâncias, reunindo estes em uma única categoria diagnóstica de Transtorno por Uso de Substâncias. Os antigos critérios para Abuso e Dependência, porém, foram conservados com mínimas alterações para o novo diagnóstico. O Transtorno por Uso de Nicotina (DSM-IV) foi substituído por Transtorno por Uso de Tabaco no DSM-V, os especificadores “Com Dependência Fisiológica/Sem Dependência Fisiológica” foram removidos, uma classificação de gravidade foi adotada e os especificadores de remissão reorganizados em Remissão Precoce e Remissão Sustentada. De forma semelhante à CID-10, o manual também incluiu os especificadores que descrevem indivíduos “em um Ambiente Controlado” e aqueles que estão “em Terapia de Manutenção” (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014; ARAUJO; LOTUFO NETO, 2014). Os critérios diagnósticos de Transtorno por Uso de Tabaco e Abstinência pela DSM-V são apresentados no Anexo B. 4.2.3 Ciap-2R A Classificação Internacional de Atenção Primária (Ciap) (International Classification of Primary Care – ICPC), diferentemente das anteriores, foi um instrumento desenvolvido especificamente para o cenário da Atenção Primária à Saúde. Atualmente em sua segunda edição (Ciap-2), apresenta diversas vantagens em relação às outras classificações (WORLD ORGANIZATION..., 2009): • Centra-se no processo de cuidado em saúde do indivíduo (em contraste ao foco na doença/ diagnóstico das demais), classificando não somente o diagnóstico (Problema de Saúde), mas também o Motivo de Consulta e a Intervenção/Procedimento de Cuidado. • Relaciona-se com o Registro Clínico Orientado por Problemas (ReSOAP) e permite o registro codificado do Episódio de Cuidado2 (Figura 3), conceito profundamente relacionado à longitudinalidade, fundamental para a prática do cuidado em saúde na Atenção Básica (AB). 2 “Os motivos da consulta, os problemas de saúde / diagnósticos, e os procedimentos para o cuidado / intervenções são a base de um episódio de cuidados, constituído por uma ou mais consultas incluindo as alterações ao longo do tempo. Por conseguinte, um episódio de cuidados refere-se a todo tipo de atenção prestada a um determinado indivíduo que apresente um problema de saúde ou uma doença. Quando esses episódios são introduzidos no processo informatizado de um paciente com base na CIAP, é possível avaliar a necessidade de cuidados de saúde, a abrangência, o grau de integração, de acessibilidade e responsabilidade.”(WORLD ORGANIZATION..., 2009). Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica o cuidado da pessoa tabagista 45 • Graças à sua característica mnemônica, pode ser facilmente usada pelo profi ssional de saúde, constituindo uma forma simplifi cada de registro, manual ou eletrônico. • Contribui de modo importante, a partir de uma codifi cação apropriada e facilitada, para a realização de levantamentos e pesquisas no âmbito da AB. Figura 3 – Um episódio de cuidado Fonte: WORLD ORGANIZATION..., 2009. A Ciap-2R, além de frequentemente usada em diversos países do mundo, passou a ser usada também pelo e-SUS AB, no Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC – e-SUS AB). A Ciap-2R é descrita detalhadamente no material técnico Classifi cação Internacional de Atenção Primária (CIAP 2), de livre acesso pelo link <http://www.sbmfc.org.br/media/fi le/ CIAP%202/CIAP%20Brasil_atualizado.pdf> (WORLD ORGANIZATION..., 2009). O e-SUS Atenção Básica (e-SUS AB) é uma estratégia do Departamento de Atenção Básica para reestruturar as informações da Atenção Básica no âmbito nacional. Essa ação está alinhada com a proposta mais geral de reestruturação dos Sistemas de Informação em Saúde do Ministério da Saúde, entendendo que a qualifi cação da gestão da informação é fundamental para ampliar a qualidade no atendimento à população. A estratégia e-SUS faz referência ao processo de informatização qualifi cada do SUS em busca de um SUS eletrônico. Saiba mais em: <http://dab. saude.gov.br/portaldab/esus.php>. Os transtornos relacionados ao tabaco são classifi cados pela Ciap-2R com o código P17 (Abuso de Tabaco), pertencendo assim ao Capítulo P (Psicológico). Os seus critérios diagnósticos são apresentados no Anexo C, lembrando que esse código pode se referir a Motivo de Consulta ou Problema de Saúde/Diagnóstico. Problema de saúde percebido Necessidade de cuidado sentida Intervenção/ procedimento de cuidado Motivo da consulta Problema de saúde detectado Intervenção/ procedimento de cuidado Motivo da consulta Problema de saúde detectado Segunda consulta do mesmo episódio Início do episódio 49 Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica o cuidado da pessoa tabagista A dependência à nicotina pode ser avaliada de forma qualitativa e quantitativa. A avaliação quantitativa ocorre por meio de perguntas fechadas padronizadas ao tabagista, visando reconhecer os sintomas da dependência física e sua intensidade. A avaliação qualitativa, reconhecendo os componentes psicológico e social da dependência, objetiva conhecer as razões e as situações que levam o tabagista a fumar. 5.2 Avaliação quantitativa – Questionário de Tolerância de Fagerström O principal instrumento para a Avaliação Quantitativa da pessoa tabagista é o Questionário de Tolerância de Fagerström. Este instrumento fornece uma medida quantitativa, de 0 a 10 pontos, que avalia o grau de dependência física à nicotina, incluindo o processo de tolerância e a compulsão: quanto maior o escore obtido, maior o grau de dependência física. O Questionário de Fagerström é amplamente usado devido ao seu fácil entendimento e rápida aplicação, podendo ser aproveitado por qualquer membro da equipe de saúde. O instrumento auxilia o profi ssional nas primeiras abordagens frente à questão do tabagismo com o usuário, de modo a provocar uma refl exão acerca do processo de dependência e da possibilidade de se procurar o tratamento (FAGERSTRÖM; SCHNEIDER, 1989). O Questionário de Tolerância de Fagerström é apresentado no Anexo D deste material. 5.3 Avaliação qualitativa – Escala de Razões para Fumar A Avaliação Qualitativa pretende identifi car em quais situações o fumante usa o cigarro, relacionando-se não só com a dependência física mas também com a dependência psicológica e o condicionamento. Dessa forma, a avaliação ajuda o próprio fumante a tomar consciência das situações de risco do seu dia a dia, além de auxiliar o profi ssional de saúde a identifi car os principais pontos a serem trabalhados durante todo o processo da abordagem intensiva do fumante (SOUZA et al., 2009). A principal escala usada para esta avaliação é a Escala de Razões para Fumar Modifi cada, desenvolvida em Língua Inglesa, atualmente traduzida e validada para a Língua Portuguesa. Este instrumento pode ser usado na primeira abordagem e, também, como instrumento de acompanhamento do processo do usuário após algumas intervenções. Para aplicação dessa escala, o profi ssional pode solicitar ao usuário que preencha sozinho após orientação inicial, ou conduzir a leitura das afi rmações, anotando as respostas fornecidas. É uma escala de rápida aplicação e deve ser aplicada de forma complementar ao Questionário de Tolerância de Fagerström com os usuários que demonstrarem disposição ou motivação para o tratamento do tabagismo (SOUZA et al., 2010). As razões para fumar são agrupadas em nove fatores principais, sendo eles: dependência, prazer de fumar, redução da tensão, estimulação, automatismo, manuseio, tabagismo social, controle de peso e associação estreita. O escore fi nal para cada um destes fatores é calculado a partir da média 50 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica simples dos escores individuais para as questões relacionadas. Fatores com resultado superior a dois devem ser considerados Fatores de Atenção na abordagem e no acompanhamento do tabagista em cessação, pelo risco que representam de levar à recaída (SOUZA et al., 2010). A Escala de Razões para Fumar está apresentada no Anexo E. 5.4 Estágios de motivação para cessação do tabagismo, segundo Prochaska e DiClemente A motivação do fumante é um fator essencial de se trabalhar no processo de cessação do uso do tabaco e, contraditoriamente, um dos principais obstáculos para a equipe de saúde. Entende- se por motivação como uma “força interna” que leva a pessoa à ação e, no campo dos cuidados em saúde, pode ser entendida como o estado de prontidão ou de avidez para uma determinada mudança (ou manutenção), ou seja, a intenção em engajar-se para esta, que pode oscilar ao longo do tempo a depender do contexto em que o tabagista se encontre (VERNON, 1973). Prochaska, DiClemente e Norcross (1992) desenvolveram um Modelo de Avaliação do Grau de Motivação para a Mudança, descrevendo etapas que podem ser identificadas no discurso da pessoa quando indagada acerca de sua vontade de mudança de hábito e de seus planos para buscar tratamento. A aplicação deste método no contexto da cessação do tabagismo é simples, baseando-se em informações que podem ser coletadas por qualquer profissional da equipe de saúde no acolhimento ao usuário. Cabe ao profissional identificar quais os elementos que mais surgem na fala da pessoa e aplicá-los a um dos seis estágios, descritas a seguir e esquematizadas na Roda de Prochaska (Figura 4) (PROCHASKA; DICLEMENTE; NORCROSS, 1992): • Pré-contemplação (“Eu não vou”) – Não considera a possibilidade de mudar, nem se preocupa com a questão. “Eu não quero parar de fumar”. • Contemplação (“Eu poderia”) – Admite o problema, é ambivalente e considera adotar mudanças eventualmente. “Eu quero parar de fumar, mas não sei quando”. • Preparação (“Eu vou / Eu posso”) – Inicia algumas mudanças, planeja, cria condições para mudar, revisa tentativas passadas. “Eu tenho tentado parar de fumar de um tempo para cá” ou “Eu tenho uma data e um esquema para começar nos próximos 30 dias”. • Ação (“Eu faço”) – Implementa mudanças ambientais e comportamentais, investe tempo e energia na execução da mudança. “Eu tenho feito uso descontínuo do cigarro de um mês para cá, ficando sem fumar pelo menos um dia inteiro durante este período”. 51 Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica o cuidado da pessoa tabagista • Manutenção (“Eu tenho”) – Processo de continuidade do trabalho iniciado com ação, para manter os ganhos e prevenir a recaída. “Eu parei de fumar”. • Recaída – Falha na manutenção e retomada do hábito ou comportamento anterior – retorno a qualquer dos estágios anteriores. “Eu voltei a fumar regularmente”. Figura 4 – Estágios motivacionais – Roda de Prochaska Fonte: PROCHASKA; DICLEMENTE; NORCROSS, 1992. Com adaptações. A identifi cação de qual estágio motivacional o usuário se encontra é de extrema importância no momento de se elaborar estratégias para intervenções. Cabe ao profi ssional de saúde assistente auxiliar o indivíduo na mudança de estágio de motivação em direção à manutenção da cessação do tabaco. A meta deve ser alcançar o estágio motivacional adjacente: as estratégias de abordagem, portanto, variam radicalmente a depender do estágio motivacional onde o indivíduo se encontra (Quadro 4). 55 6Intervenções e tratamento As estratégias usadas para o tratamento para cessação do tabagismo podem ser divididas em intervenções psicossociais e tratamento medicamentoso. As intervenções psicossociais incluem aconselhamento, materiais de autoajuda e abordagem cognitivo-comportamental, com ênfase nesta última, que representa o alicerce principal do tratamento. O tratamento medicamentoso aumenta signifi cativamente as chances de o fumante alcançar a cessação completa, mas desempenha um papel auxiliar no acompanhamento do indivíduo. Algumas teorias embasam o tratamento não farmacológico, empoderando e motivando o indivíduo para a cessação defi nitiva, sendo as principais a entrevista motivacional e a abordagem centrada na pessoa. Veja como funciona cada uma delas. 6.1 Entrevista motivacional (EM) A entrevista motivacional (EM) é uma forma de entrevista clínica cujo objetivo é trabalhar e aumentar a motivação do usuário para mudança de comportamento, geralmente referente a mudanças de hábitos de vida e adesão a tratamentos. Para isso, assume um espírito colaborativo; evocativo e que respeita a autonomia da pessoa3. A EM, portanto, nada mais é do que um diálogo entre usuário e profi ssional da Saúde, que por meio de estratégias bem defi nidas, traz o indivíduo para o foco do tratamento em questão. A EM possui, para isso, quatro princípios orientadores, que são: (1) resistir ao refl exo de consertar as coisas; (2) entender e explorar as motivações do usuário; (3) escutar com empatia e (4) fortalecer o usuário, estimulando a esperança e o otimismo (ROLLNICK; MILLER; BUTLER, 2009). Segundo Miller e Rollnick (2001), a EM é uma alternativa viável no tratamento de comportamentos dependentes, dentro das intervenções breves, uma vez que o impacto inicial 3 Colaborativo porque entende que a função do profi ssional de saúde é de auxiliar e somar com a pessoa; evocativo porque entende que a motivação já existe dentro da pessoa e que é esta motivação (e não a motivação do profi ssional de saúde) que promoverá a mudança de comportamento almejada; e que respeita a autonomia da pessoa porque reconhece que a decisão pela mudança de comportamento é absolutamente individual. 56 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica parece ter influência na mudança de comportamento e na motivação que a promove. Algumas estratégias apoiam substancialmente a adesão da pessoa ao tratamento proposto. Elas foram didaticamente divididas em sete passos, expostos a seguir, com a sua devida interpretação para aplicação no contexto da cessação do tabagismo (MILLER; ROLLNICK, 2001): Passo 1 – Oferecer orientação/informação: pequenas informações dadas a respeito dos malefícios do cigarro e dos benefícios de sua cessação em uma consulta podem ajudar efetivamente o indivíduo a ponderar sobre a decisão de parar de fumar – e mais do que os profissionais de saúde imaginam. Exemplos: “o cigarro aumenta as chances de se ter um infarto do miocárdio”, “quando uma pessoa para de fumar, em dez anos o risco de câncer de pulmão já cai pela metade”, ou “quando se para de fumar, em 48 horas já há uma importante melhora no olfato e no paladar” etc. Passo 2 – Remover as barreiras e auxiliar nos obstáculos: as barreiras e os obstáculos são todos os aspectos que impedem e/ou dificultam a pessoa a procurar/receber ajuda. Analisando-se as barreiras e ponderando com o indivíduo, o profissional de saúde pode ajudá-lo a seguir adiante para a resolução do problema. Exemplo: “o usuário aponta que o horário de funcionamento da unidade não torna possível aderir ao grupo ou alega que é um momento difícil de vida para parar de fumar”. Nesses casos, pode-se ponderar com o indivíduo a importância de se colocar o objetivo de parar de fumar em um lugar de destaque e apontar possíveis soluções/ajustes: “podemos enviar um atestado de comparecimento para seu trabalho”, “não há algum colega que possa assumir seu turno nesses dias?”, “não existe ‘momento certo’ ou ‘fácil’ para parar de fumar, o importante é você estar motivado com a nossa ajuda”. Passo 3 – Proporcionar escolhas: ajudar a pessoa a fazer escolhas não é menos importante, pois aumenta a probabilidade de sucesso quando ela pode escolher a que melhor lhe convenha. O profissional deve auxiliar o usuário ao oferecer e estimular a busca pelo máximo de informações acerca das opções disponíveis, ajudando, posteriormente, a organizar listas de prós e contras ou de desfechos possíveis para cada escolha realizada, facilitando o processo de decisão consciente. Exemplo: “a goma de nicotina mostrou aumentar as chances de se parar de fumar, mas muitas pessoas se queixam que ela deixa um gosto ruim na boca”. Passo 4 – Diminuir o aspecto indesejável do comportamento: é comum o fumante dizer que, fumando, ele consegue relaxar. Ora, realmente ele relaxa por 20 ou 30 minutos. Passado o efeito da nicotina, porém, ele precisará acender outro cigarro. Discute-se com ele se esta é a melhor forma de lidar com a ansiedade ou se ele pode pensar em outras coisas que solucionem e não adiem o problema. Passo 5 – Praticar empatia: a empatia, neste caso, traduz-se por uma compreensão daquilo que o fumante vivencia e sente através da escuta reflexiva. Praticar a empatia é uma maneira também de acolher o fumante e mostrar a ele que tem com quem contar durante o processo de cessação. 59 Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica o cuidado da pessoa tabagista Figura 5 – Os seis componentes do método clínico centrado na pessoa Fonte: CERON, 2012 (adaptado de STEWART et al., 2010). Para aprofundar nesse tema, você pode acessar o material didático da UNA-SUS (Universidade Aberta do SUS), gratuito, disponível nos formatos videoaula e texto, em: <http://ares.unasus. gov.br/acervo/handle/ARES/406> e <http://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/2/ unidades_conteudos/unidade24/unidade24.pdf>. Desta forma, a EM e o método clínico centrado na pessoa embasam teoricamente a relação e a comunicação desejáveis entre profi ssional de saúde e indivíduo no contexto da cessação do tabagismo, e podem também ser aproveitadas nos demais cenários da prática clínica, dentro da lógica de um cuidado integral e longitudinal de saúde do indivíduo. Estas e outras ferramentas são apresentadas mais detalhadamente no Caderno de Atenção Básica, nº 35 – Estratégias para o Cuidado da Pessoa com Doença Crônica, disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/caderno_35.pdf>. 6.3 Abordagem cognitivo-comportamental O acompanhamento para cessação do tabagismo embasa-se principalmente na abordagem cognitivo-comportamental, que combina intervenções cognitivas com treinamento de habilidades comportamentais. Os dois principais componentes dessa abordagem são: (1) detecção de situações de risco de recaída e (2) desenvolvimento de estratégias de enfrentamento (BRASIL, 2001). 60 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica A dependência química em geral, incluída aqui a dependência à nicotina, resulta de uma interação complexa entre cognição (pensamentos, crenças, ideias, esquemas, valores, opiniões, expectativas e suposições), comportamentos, emoções, relacionamentos familiares e sociais, infl uências culturais e processos biológicos e fi siológicos. Para se alterar efetivamente, portanto, um comportamento (por exemplo, o ato de fumar), deve-se inicialmente identifi car os pensamentos disfuncionais e as crenças associados a este ato (SILVA; SERRA, 2004; ISMAEL, 2007). Os fumantes frequentemente sofrem de ansiedade e o tabaco acaba sendo usado por estes como um meio (muitas vezes, o único) de minimizar o problema. Fumar gera sensação de tranquilidade na situação vivenciada, muitas vezes proporcionando ao fumante o adiamento de um enfrentamento real da situação. Os recursos pessoais para lidar com situações de estresse são muitas vezes subestimados e/ou ignorados. Com a redução do efeito da nicotina, a ansiedade progressivamente retorna, o que leva o fumante ao próximo cigarro, perpetuando o ciclo. A abordagem cognitivo-comportamental ajuda a reestruturar cognições disfuncionais e dar fl exibilidade cognitiva para avaliar situações específi cas. Dessa forma, a abordagem cognitivo--comportamental é a base do tratamento para a Cessação do Tabagismo, tendo o tratamento medicamentoso – quando presente – um papel auxiliar neste contexto (BRASIL, 2001; DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 2001). A abordagem procura, a partir dos seus dois principais pilares – (1) detecção de situações de risco de recaída; e (2) desenvolvimento de estratégias de enfrentamento – produzir modifi cações no pensamento e no sistema de crenças do usuário, para assim promover mudanças emocionais e comportamentais duradouras. Diversas estratégias podem ser usadas para este fi m, algumas das quais estão expostas no Quadro 5. Quadro 5 – Principais técnicas cognitivas e comportamentais usadas no tratamento de cessação de tabagismo • Identifi cação de pensamentos disfuncionais que trazem sentimentos ruins. • Auto-observação dos comportamentos relacionados ao hábito de fumar. • Orientação para identifi cação do pensamento relacionado às suas crenças. • Identifi cação e aprendizado de padrões de pensamentos funcionais. • Reatribuição, que signifi ca treinar o usuário para mudar a forma como ele atribui signifi cado a determinadas situações. • Descatastrofi zação, que é ensinar ao usuário como lidar em determinadas situações, mostrando que a ansiedade, naquele momento, dura muito pouco. • Técnicas de relaxamento, nas quais são mais utilizados o exercício de respiração profunda e o relaxamento muscular progressivo, para aprender a lidar com a ansiedade. • Adiamento, quando o usuário adia cada momento antes de acender o cigarro, como forma de autocontrole. • Treino de assertividade, para que ele possa enfrentar situações onde é tentado a fumar. Ou mesmo procurar dizer, da forma mais adequada, algo que o incomode, como forma de não aumentar sua ansiedade. • Quebra de condicionamento, que signifi ca sair do local ao qual o usuário associou o cigarro. • Autoinstrução, situação em que o participante é ensinado a argumentar consigo mesmo sobre a situação que tenta induzi-lo a fumar. • Solução de problemas, para que o usuário seja ensinado sobre formas adequadas de resolver uma situação problemática (onde antes a resposta seria fumar). Portanto, ele é treinado a buscar estas respostas. • Exposição e prevenção de respostas – por exemplo, o fumante é treinado em várias situações reais que podem levá-lo a fumar, e ele deve achar a resposta alternativa para não fazê-lo. Fonte: ISMAEL, 2007; RANGÉ, 2001. 61 Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica o cuidado da pessoa tabagista Vale ressaltar que tais técnicas, utilizadas como importantes ferramentas para o trabalho cognitivo dos usuários, não representam solução protocolar e mágica para um indivíduo “robotizado”. É essencial verifi car como ele se sente quando tenta usar cada técnica, do ponto de vista das emoções e sentimentos. Para que a técnica funcione, a pessoa deve ser incentivada a usá-la, escolhendo as modalidades em que percebe uma resposta mais satisfatória e apropriando- se delas, e reconhecer que tipo de sentimento surge em cada circunstância, aprendendo a como lidar com ele. As abordagens para cessação de tabagismo são classifi cadas como (1) Mínima (ou Breve), (2) Básica ou (3) Intensiva, a partir do tempo investido no contato entre a pessoa e o profi ssional de saúde – respectivamente menor que 3 minutos, entre 3 e 10 minutos, e maior que 10 minutos (BRASIL, 2001; FIORE et al., 2008a). A abordagem intensiva mostrou-se mais efi caz que as demais. Por outro lado, a abordagem mínima, com seus efeitos apenas modestos para o indivíduo, apresenta potencial substancial em termos de saúde pública e, por isso, não deve ser menosprezada pelos profi ssionais de saúde (ZWAR et al., 2011). Estudos de meta-análise revelaram que o aconselhamento dado por qualquer profi ssional de saúde aumenta as taxas de cessação do tabagismo (FIORE et al., 2008a; GORIN; HECK, 2004;). 6.3.1 Abordagem Mínima/Breve A abordagem mínima (breve) é defi nida como o contato profi ssional-usuário inferior a 3 minutos para cada encontro. Embora não seja considerada a forma ideal de atendimento, mostrou-se que ela pode produzir resultados signifi cativos e, pela maior disponibilidade dos profi ssionais para realizarem este tipo de abordagem na prática clínica, o impacto fi nal no âmbito de saúde pública é potencialmente substancial. Ela é especialmente interessante para profi ssionais de saúde que apresentam difi culdades no acompanhamento do indivíduo, como aqueles trabalhadores de Pronto Atendimentos e Triagens (BRASIL, 2001; ZWAR et al., 2011). A abordagem mínima é resumida no mnemônico Paap: perguntar e avaliar, aconselhar e preparar o fumante para a cessação, sem haver um acompanhamento posterior. Os aspectos essenciais da abordagem mínima são resumidos no Quadro 6. Uma proposta de organização dos passos Paap, baseado segundo o Consenso Abordagem e Tratamento do Fumante (2001) é apresentada no Apêndice B. 64 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica A abordagem intensiva pode ser realizada nas modalidades individual ou em grupo, com eficácias semelhantes para a cessação do tabagismo. A depender das condições da equipe de saúde, ambas as modalidades podem ser oferecidas ao fumante que, ao ter opção de escolha, sente-se mais motivado e apresenta maior sucesso para cessação definitiva do tabagismo. Entretanto, a depender das circunstâncias do indivíduo, uma modalidade poderá ser mais indicada do que outra. Aspectos importantes a serem considerados são (LANCASTER; STEAD, 2005; ZIEDONIS et al., 2008): – A aptidão e o conforto do usuário para participar de sessões individuais ou em grupo. – Transtornos de ansiedade, distúrbio de pânico, esquizofrenia, depressão maior ou outros transtornos de Saúde Mental não estabilizados, os quais justificam um acompanhamento individual mais próximo. – Déficits auditivos, cognitivos ou outras situações especiais que prejudique o indivíduo em uma abordagem em grupo. A abordagem individual permite ao profissional dispensar de mais tempo a um mesmo usuário, o que permite a exposição e a compreensão de suas dificuldades e reações diante de situações de risco em fumar, bem como o detalhamento e os ajustes no seu plano de tratamento. Entretanto, deve-se considerar que a opção individual não precisa necessariamente ser definitiva. A evolução do tratamento pode indicar uma mudança na modalidade de acompanhamento que se mostre mais adequada à pessoa em diferentes momentos. Além disso, o acompanhamento individual exige do profissional uma importante disponibilidade de tempo, enquanto o tratamento em grupo permite que um número maior de pessoas seja tratado, quando possível, podendo tornar este último mais viável e custo-efetivo que a abordagem individual. Esta situação remete ao sexto componente do método clínico centrado na pessoa, que evidencia a necessidade do profissional de saúde ser realista quanto às condições presentes, a fim de não prejudicar a coletividade que acompanha (LANCASTER; STEAD, 2005). O tratamento em grupo tem como uma de suas principais vantagens o fato de possibilitar a troca de experiências entre os participantes, aspecto terapêutico de grande valia e que contribui significativamente para o processo de cessação. Por outro lado, há de se destacar a necessária habilidade e empatia do profissional para que este possa conduzir adequadamente o tratamento em grupo (LANCASTER; STEAD, 2005). 6.3.4 Organização do grupo para cessação do tabagismo A organização de grupos para cessação de tabagismo proposta pelo Consenso de Abordagem e Tratamento do Fumante (2001) e adotada aqui é de quatro sessões estruturadas de duração de 90 minutos cada, com periodicidade semanal. Essa proposição de estrutura de grupo requer, ainda, que cada profissional e equipe adaptem o método à sua realidade e às necessidades da sua comunidade: por vezes será necessário aumentar o número de sessões ou condensá-las, para garantir mais acesso. É essencial que o profissional e a equipe avaliem os resultados encontrados com o modelo de intervenção adotado (BRASIL, 2001; FIORE et al., 2008a). 65 Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica o cuidado da pessoa tabagista – Por que quatro sessões? A partir de estudos de tratamento combinado (abordagem cognitivo-comportamental e medicamentos), demonstrou-se que quanto maior o número de sessões, maior é a taxa de abstinência ao tabaco alcançada. Entretanto, o tratamento com quatro a oito sessões é o que apresenta com melhor relação custo-benefício. Embora a utilização das intervenções mais intensivas possa produzir maiores taxas de abstinência, as diferenças são menos expressivas, e estas intervenções frequentemente apresentam alcance limitado por conseguir incluir apenas poucos fumantes, o que pode ser inviável em alguns muitos cenários da Atenção Básica (BRASIL, 2001; FIORE et al., 2008a). – Por que 90 minutos por sessão? Em relação à duração das sessões, o tempo de 90 minutos parece ser o ideal. A efetividade do tratamento para cessação do tabagismo aumenta constantemente desde duração do contato profi ssional-usuário de 1-3 minutos até 31-90 minutos. Abordagens mais prolongadas que isso não se mostraram signifi cativamente mais efetivas para alcance da abstinência e, portanto, sugere-se ser evitadas, a fi m de prevenir sobrecarga à equipe (BRASIL, 2001; FIORE et al., 2008a). – O acompanhamento Após as quatro sessões iniciais, recomenda-se acompanhamento posterior, com retornos inicialmente quinzenais, no primeiro mês após o término do grupo, e progressivamente espaçados, a fi m de aumentar as taxas de manutenção da cessação (Quadro 9). Ao contrário das quatro primeiras sessões, nas quais se recomenda uma estruturação prévia, o seguimento de prevenção de recaída pode seguir no modelo de grupos abertos, prescindindo de uma estrutura fi xa, cuja função principal seja a promoção de um espaço de apoio mútuo e disposição de informações. O objetivo central da abordagem é ajudar efetivamente os participantes a deixarem de fumar, fornecendo-lhes todas as informações e estratégias necessárias para direcionar seus próprios esforços nesse sentido (BRASIL, 2001; FIORE et al., 2008a). Quadro 9 – Proposta de cronograma para acompanhamento de grupo de cessação do tabagismo Proposta de seguimento de prevenção de recaída: 1º encontro de seguimento – 15 dias 2º encontro de seguimento – 30 dias 3º encontro de seguimento – 60 dias 4º encontro de seguimento – 90 dias 5º encontro de seguimento – 180 dias 6º encontro de seguimento – 12 meses Notas: Esta proposta se aplica tanto para acompanhamento individual quanto em grupo. A proposta acima deve ser adaptada à realidade e às necessidades locais. Fonte: BRASIL, 2001. 66 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica – Coordenação do grupo Sugere-se que cada grupo seja conduzido, quando possível, por dois profissionais, para que, enquanto um exerça a função de coordenador, o outro possa desempenhar o papel de observador. O perfil adequado do profissional para estes papéis inclui as características: (1) compromisso com a preservação da saúde; (2) satisfação por trabalhar com grupos; (3) facilidade de relacionamento interpessoal; (4) flexibilidade; (5) bom senso; (6) capacidade de fala simples e assertiva; e (7) não serem fumantes. O coordenador é o responsável por manter todos os participantes envolvidos no processo, envolvendo-os nas discussões em grupo sempre que for necessário. É também sua responsabilidade resumir para os participantes o conteúdo de cada sessão, para o qual é necessário estar familiarizado com o material a ser usado no grupo. O papel do coordenador do grupo não é o de um professor e, apesar de se esperar que tenha domínio nos assuntos a serem abordados, não há a necessidade de que seja especialista em todos os aspectos do tabagismo. O coordenador deve preparar-se para as questões cujas respostas não saiba ou não tenha certeza, e isso é natural que ocorra. É importante nesta situação reconhecer a sua dúvida com os participantes, questionando se outros membros do grupo tem a resposta para a questão e, se não, informar ao grupo que pesquisará a resposta até o próximo encontro. É seu papel ainda cuidar para que as sessões de grupo iniciem e terminem no horário preestabelecido, manter os seus próprios comentários e as discussões do grupo dentro da pauta, manter registro dos progressos feitos pelos participantes e guardar essas anotações para estudo e observações posteriores (BRASIL, 2011c). É apresentado, no Apêndice C, um exemplo de instrumento para auxiliar o profissional de saúde a acompanhar os grupos. A participação dos tabagistas ao longo das sessões é importante para os resultados. A assiduidade no grupo correlaciona-se positivamente com o sucesso da cessação definitiva: fumantes com participação inferior a 50% das sessões têm chance significativamente maior de insucesso e recaída (ISMAEL, 2007). No Apêndice D é apresentada uma proposta de roteiro para as quatro sessões estruturadas, adaptada pelos autores a partir do programa Deixando de Fumar sem Mistérios, de autoria do INCA. Ressalta-se, porém, que adaptações são possíveis, desejáveis e/ou necessárias a depender da realidade local, bastante diversa pelo País (BRASIL, 2011c). O material Deixando de Fumar sem Mistérios – Manual do Participante é disponibilizado em formato impresso e virtual. O conteúdo on-line das quatro sessões está disponível na íntegra nos links a seguir: • http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_pare_de_fumar_01.pdf • http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_pare_de_fumar_02.pdf • http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_pare_de_fumar_03.pdf • http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_pare_de_fumar_04.pdf 69 Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica o cuidado da pessoa tabagista 2) ANTIDEPRESSIVOS – NÃO NICOTÍNICOS Denominação genérica Concentração Apresentação Cloridrato de Bupropriona 150 mg comprimidos Os medicamentos usados para tratamento do tabagismo são comprados de forma centralizada pelo Ministério da Saúde. Estes medicamentos são distribuídos diretamente aos estados, capitais e municípios com mais de 500 mil habitantes. Para os municípios com população inferior a 500 mil habitantes, a distribuição é de responsabilidade dos estados. Fonte: BRASIL, 2014c. São considerados medicamentos de primeira linha para Tratamento de Cessação do Tabagismo no SUS: (1) Terapia de Reposição de Nicotina (TRN), isolada ou associada; (2) bupropiona, isolada ou associada à TRN. 6.5.1 Terapia de Reposição de Nicotina (TRN) O objetivo da TRN é oferecer a nicotina sem o uso de tabaco e assim aliviar os sintomas de abstinência, quebrando o comportamento de consumo de cigarros relacionado à dependência física. A TRN é dividida em agentes de ação rápida – goma e pastilha – e agente de ação longa – adesivo. – Efi cácia: Importante revisão sistemática da Cochrane mostrou que todas as formas de reposição de nicotina disponíveis no mercado mundial aumentam em 50% a 70% as possibilidades de abstinência em longo prazo, quando se trata de fumantes motivados para cessação e com elevada dependência à nicotina (STEAD et al., 2012). A TRN aparenta ainda ser tão efetiva quanto à bupropiona, e o tratamento combinado com adesivo e goma de nicotina promove um maior benefício em comparação com o uso isolado de ambos (STEAD et al., 2012). A efetividade da TRN aparenta ser independente da intensidade do suporte cognitivo- comportamental. A apresentação a ser usada, portanto, deve ser defi nida a partir das preferências e das necessidades da pessoa, da sua tolerabilidade e dos seus custos (STEAD et al., 2012). – Posologia: A dose da reposição baseia-se no grau de dependência de nicotina e, principalmente, no consumo diário de cigarros. Um cigarro libera em média o equivalente a 1 mg de nicotina. Nas semanas iniciais, a dose de nicotina deve ser aproximada do consumo diário de cigarros e ser gradativamente reduzida nas semanas seguintes, uma vez que os sintomas de abstinência tendem a diminuir (DAUTZENBERG et al., 2007). As apresentações dos produtos disponíveis variam o sufi ciente para uma posologia ajustada para a quantidade de reposição pretendida. O tempo de tratamento preconizado para todas as formas de apresentação é de até três meses, podendo ser adaptada em casos individuais (FIORE et al., 2008a; SCHNOLL et al., 2010). conclusão 70 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica • Adesivo transdérmico de nicotina O adesivo transdérmico de nicotina é encontrado nas apresentações de 21 mg, 14 mg e 7 mg, e sua posologia varia de acordo com o grau de dependência física à nicotina, avaliada por meio do escore obtido no Questionário de Fagerström ou simplesmente pelo número de cigarros fumados por dia. O adesivo deve ser fixado na pele, trocado a cada 24 horas4 , fazendo um rodízio do local da aplicação a cada 24 horas. Deve-se evitar colocá-lo no seio (em mulheres), em regiões de pelos ou em áreas expostas ao sol. Não há, porém, restrição quanto ao uso na água. Recomenda-se o início do uso a partir da cessação tabágica5 , devido à possibilidade, embora remota, de intoxicação nicotínica em indivíduos que usam o adesivo e continuam fumando (BRASIL, 2001). A posologia recomendada é decrescente6 , uma vez os sintomas de abstinência são controlados com o passar do tempo. Para tabagistas com escore do teste de Fagerström entre 8 a 10, e/ou tabagistas que fumam mais de 20 cigarros por dia, recomenda-se o seguinte esquema (BRASIL, 2001): Semana 1 a 4: 1 adesivo de 21 mg a cada 24 horas. Semana 5 a 8: 1 adesivo de 14 mg a cada 24 horas. Semana 9 a 12: 1 adesivo de 7 mg a cada 24 horas. Duração total do tratamento: 12 semanas. Para tabagistas com escore do teste de Fagerström entre 5 a 7; e/ou tabagistas que fumam de 10 a 20 cigarros por dia e que fumam seu primeiro cigarro nos primeiros 30 minutos após acordar, recomenda-se o seguinte esquema (BRASIL, 2001): Semana 1 a 4: 1 adesivo de 14 mg a cada 24 horas. Semana 5 a 8: 1 adesivo de 7 mg a cada 24 horas. Duração total do tratamento: 8 semanas. O efeito colateral mais comum é irritação local, podendo chegar a eritema infiltrativo. Com menos frequência, podem ocorrer náuseas, vômitos, hipersalivação e diarreia. Raramente pode haver palpitação e angina pectoris (BRASIL, 2001). O Apêndice E apresenta um compilado de instruções para o uso correto do adesivo transdérmico de nicotina pelo tabagista em cessação, que pode ser entregue ao paciente no momento da sua prescrição. 4 Apesar de a recomendação atual indicar a troca de adesivo a cada 24 horas, o uso de adesivo de nicotina ao longo de 16 horas ao dia parece ser tão efetivo quanto o seu uso por todo o dia (STEAD et al., 2012). 5 Evidências recentes apontam que iniciar o uso de adesivo de nicotina por um curto período antes da tentativa de parar é moderadamente mais efetivo que o início do adesivo na data de cessação, o que pode justificar adequação da posologia em casos individuais. Não há evidência a respeito de outras formas de TRN para uso anterior à tentativa de parada (STEAD et al., 2012). 6 Apesar de a recomendação atual indicar a redução gradual da dose administrada, o uso do adesivo de nicotina por oito semanas parece ser tão efetivo quanto por períodos mais longos, e não há evidências de que a redução gradual de dose seja melhor do que a interrupção abrupta do tratamento (STEAD et al., 2012). 71 Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica o cuidado da pessoa tabagista • Goma de mascar de nicotina A concentração da goma de mascar de nicotina disponível é de 2 mg. Os usuários devem ser orientados a não fumar após o início do medicamento. Recomenda-se que a goma seja mascada com força várias vezes até sentir uma sensação de formigamento ou gosto picante na boca. A partir desse momento, ele deve parar de mascar, repousar a goma entre a bochecha e a gengiva, até passar essa sensação, e voltar a fazer a mastigação com força, repetindo essa operação por 30 minutos, após os quais deve jogar a goma fora. Não se pode ingerir líquidos ou alimentos, mesmo que seja água, 15 minutos antes, durante e após 30 minutos do uso. Sua absorção, através da mucosa oral, não é contínua e sim em picos, variando com a força da mastigação, e leva entre 2 a 3 minutos para a nicotina atingir o cérebro. O usuário deve ser orientado a respeito disso, para adequada utilização do medicamento. Os usuários necessariamente precisam ser orientados a não fumar após o início do medicamento. Recomenda-se o seguinte esquema, a partir da cessação tabágica, não extrapolando a dose máxima recomendada de 15 gomas ao dia (BRASIL, 2001): Semana 1 a 4: 1 tablete de 2 mg a cada 1 a 2 horas. Semana 5 a 8: 1 tablete de 2 mg a cada 2 a 4 horas; Semana 9 a 12: 1 tablete de 2 mg a cada 4 a 8 horas. Duração total do tratamento: 12 semanas. Devido à difi culdade de seu uso e ao gosto extremamente desagradável, a goma de mascar de nicotina difi cilmente é utilizada na dosagem recomendada, podendo ser usada como um complemento naqueles que estão em uso de adesivo transdérmico de nicotina e/ou cloridrato de bupropiona e ainda fumam poucos cigarros por dia. Esses poucos cigarros podem ser substituídos pelas gomas de mascar de nicotina. Além do gosto desagradável, outros possíveis efeitos colaterais são: vertigem, cefaleia, náuseas, vômitos, desconforto gastrintestinal, soluços, dor de garganta, dor bucal, aftas, fadiga muscular com dor na região mandibular, hipersalivação e amolecimento dos dentes (BRASIL, 2001). • Pastilha de nicotina A pastilha de nicotina está disponível na concentração de 2 mg. As patilhas devem ser acondicionadas na boca, aguardando sua dissolução completa (o que dura em torno de 20 a 30 minutos), propiciando a absorção oral da nicotina. Não se deve, portanto, morder a pastilha, bem como ingerir bebidas ou alimentos durante o uso para não interferir na absorção de nicotina. Os usuários devem ser orientados a não fumar após o início do medicamento. Recomenda-se o seguinte esquema a partir da cessação tabágica, não extrapolando a dose máxima recomendada de 15 pastilhas ao dia (BRASIL, 2001): 74 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica A utilização de uma dose mais baixa do medicamento é uma opção, especialmente para os fumantes que não toleram a dose total devido aos efeitos colaterais. A utilização da dose de 150 mg por dia, em comparação com a dosagem de 300 mg por dia, mostrou causar menos efeitos colaterais sem prejuízo da efetividade do tratamento (HURT et al., 1997; HUGHES; STEAD; LANCASTER, 2014; MURAMOTO et al., 2007; SWAN et al., 2003). Em geral, a bupropiona é bem tolerada, e seus efeitos colaterais mais comuns são boca seca, insônia (sono entrecortado), cefaleia, constipação intestinal, urticária e, em altas doses, risco de convulsão (BRASIL, 2001). Quando usada em associação à TRN, recomenda-se a monitorização da pressão arterial, que pode se elevar. Um efeito adverso interessante do medicamento é a tendência à perda de peso, o que pode compensar em parte o risco de ganho ponderal conferido pela cessação tabágica (FIORE et al., 2008a; REICHERT et al., 2008, ZWAR et al., 2011). A duração recomendada para o tratamento é de 12 semanas. Entretanto, um tratamento mais prolongado pode ser considerado em casos selecionados, como em ocorrência de recaídas prévias ou no intuito de manter o efeito antidepressivo da bupropiona (HAYS et al., 2001). – Segurança Recomenda-se que problemas como hipertensão arterial, insuficiência coronariana e arritmia devam estar compensados, uma vez que medicamentos com ação adrenérgica, como a bupropiona, podem ser prejudiciais (TONSTAD et al., 2003). A bupropriona parece reduzir o limiar de convulsão: ensaios clínicos de cessação do tabagismo encontraram uma incidência de crise convulsiva em 0,1% das pessoas em uso do medicamento. O risco de convulsão com uso da bupropiona é dose-dependente e ocorre mais frequentemente em situações de sobredose ou em pessoas com outros fatores de risco para convulsões. É recomendável evitar o seu uso caso o indivíduo faça uso de outros medicamentos que também diminuam o limiar convulsivo, como antimaláricos, hipoglicemiantes orais ou antidepressivos (FIORE et al., 2008a; ZWAR et al., 2011). São, portanto, contraindicações absolutas ao uso de bupropiona (DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 2004; GONÇALVES; MEIRELLES, 2005; THORDIS; NETE; MERETE, 2010): • Hipersensibilidade ao medicamento. • Antecedente convulsivo ou epilepsia ou qualquer outro risco para convulsão. • Alcoolistas em fase de retirada do álcool. • Doença cerebrovascular. • Bulimia ou anorexia nervosa. • Uso de inibidor da MAO há menos de 15 dias. • Gestação e amamentação. As contraindicações relativas são (DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 2004; GONÇALVES; MEIRELLES, 2005; THORDIS; NETE; MERETE, 2010): 75 Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica o cuidado da pessoa tabagista • Uso concomitante de carbamazepina, cimetidina, barbitúricos, fenitoína, antipsicóticos, antidepressivos, teofi lina, corticoesteroides sistêmicos, pseudoefedrina ou benzodiazepínicos. • Diabetes mellitus em uso de hipoglicemiante oral ou insulina. • Hipertensão arterial não controlada. 6.5.3 Tratamento medicamentoso combinado Algumas combinações de medicamentos mostraram ser efetivas no tratamento do tabagismo. Diversos estudos apontaram que a associação entre as formas de TRN ou entre TRN e bupropiona pode minorar os sintomas da síndrome de abstinência e aumentar as taxas de cessação, quando comparada às opções de monoterapia (FIORE et al., 2008a; STEAD et al., 2012; ZWAR et al., 2011). Entretanto, deve-se ter cuidado na sua utilização, devido ao aumento dos seus efeitos colaterais em relação ao uso isolado de um medicamento (ANTHONISEN et al., 2005; GONÇALVES; MEIRELLES; 2005). Dessa forma, recomenda-se que o uso da terapia combinada seja reservado para usuários que não conseguiram parar de fumar com monoterapia, ou para aqueles que apresentem “fi ssura” por fumar importante, apesar do uso da monoterapia. Neste caso, recomenda-se dar preferência para associações com goma de mascar ou pastilha de nicotina. • São possibilidades de associação de medicamentos: • Adesivo de nicotina + goma de mascar de nicotina • Adesivo de nicotina + pastilha de nicotina • Adesivo de nicotina + bupropiona • Bupropiona + goma de mascar de nicotina • Bupropiona + pastilha de nicotina • Adesivo de nicotina + bupropiona + goma de mascar de nicotina • Adesivo de nicotina + bupropiona + pastilha de nicotina Nas opções envolvendo o cloridrato de bupropiona, recomenda-se que este seja iniciado uma semana antes da data de parada e, então, no dia da interrupção do uso de cigarro (geralmente oitavo dia do tratamento) inicia-se o uso da TRN, continuando os comprimidos de bupropiona de forma associada. Durante o período de associação, é recomendada a monitorização da pressão arterial (ZWAR et al., 2011). 6.5.4 Comparação das efi cácias A efi cácia comparada dos tratamentos farmacológicos isolados ou em combinação foi publicada em 2008, em uma diretriz de tratamento para cessação do tabagismo, por meio da comparação de vários estudos (FIORE et al., 2009). Observou-se que as taxas de abstinência para tratamentos com monoterapia – como goma, adesivo e bupropiona – são próximas. Comparações 76 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica diretas entre elas não encontraram diferenças signifi cativas (STEAD et al., 2012). Entretanto, o tratamento combinado – adesivo (TRN) + goma (TRN) ou adesivo (TRN) + bupropiona – mostrou resultados signifi cativamente superiores em comparação às monoterapias (FIORE et al., 2008a; STEAD et al., 2012). Enfatiza-se, novamente, que a escolha inicial do tratamento deve basear-se no perfi l e nas preferências do paciente, tentativas prévias de cessação, na experiência do profi ssional que acompanha e também na disponibilidade dos medicamentos. 79 Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica o cuidado da pessoa tabagista Quadro 12 – Dicas práticas para controle do peso durante a cessação tabágica • Monitore seu peso semanalmente, anote e verifi que as variações. • Organize seu dia alimentar planejando suas refeições antecipadamente. Estabeleça faixas de horários para realização das refeições e cumpra. • Não fi que muitas horas sem se alimentar, coma em intervalos de algumas horas. Recomendam-se seis refeições diárias estruturadas, sendo três principais (café da manhã, almoço e jantar) e três lanches (da manhã, da tarde e ceia). Tente não “beliscar” durante os intervalos. • Ao fazer compras, dê preferência para comidas saudáveis e, sempre que possível, tente incluir saladas, frutas e verduras em sua alimentação. Faça uma lista de compras e procure não ir ao mercado com fome. • Não faça compensações. Caso tenha exagerado em alguma refeição, não busque compensar comendo pouco em outra refeição. Tenha uma alimentação balanceada sempre e procure não pular refeições. • Hidrate-se adequadamente. Beba cerca de seis a oito copos de água ao longo do dia. • Coma devagar e sem distrações, como ver TV, usar o celular, acessar a internet. Mastigue bem e preste atenção ao que e ao quanto você está comendo. • Coma sem culpa, mas não exagere. Pare quando estiver satisfeito. • Reduza ou evite as bebidas alcoólicas e café ou bebidas com cafeína, como chás e refrigerantes. Elas podem ser um convite ao cigarro. • Tenha alimentos que você possa “atacar em caso de emergência”: gelatina diet, palitos de cenoura, palitos de pepino, fruta, iogurte com pouca gordura devem estar sempre disponíveis. • Caso não consiga controlar a vontade de ter algo na boca, opte por balas e chicletes sem açúcar. • Em festas, restaurantes e ocasiões especiais, planeje mentalmente o que e quanto você vai comer e beber. • Pratique alguma atividade física regularmente. Além de elevar o gasto energético, a atividade física auxilia no controle da ingestão de alimentos e também na vontade de fumar. • Diante de qualquer difi culdade, procure a ajuda da sua equipe de saúde. Fonte: Elaboração própria. 80 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica 7.3 Síndrome de abstinência A síndrome de abstinência da nicotina é uma das mais importantes barreiras para a cessação do tabagismo. Quando se para de oferecer nicotina ao cérebro, ele reage à sua ausência. Os principais sinais e sintomas dessa síndrome são (BRASIL, 2011c; FAGERSTRÖM, 2006; HENNINGFIELD; COHEN; PICKWORTH, 1993; ROSEMBERG, 2003): • Disforia. • Irritabilidade. • Tonteira e vertigens. • Cefaleia. • Agressividade. • Tristeza. • Ansiedade. • Agitação. • Dificuldade de concentração. • Distúrbios do sono. • Bradicardia. • Fissura, definida como um forte de desejo em fumar. Esses sintomas, que caracterizam a síndrome de abstinência da nicotina, variam com o grau de dependência à nicotina, sendo mais intensos naqueles usuários de maiores doses de nicotina e podem não acontecer em alguns fumantes leves que cessam o tabagismo. Aproximadamente 75% dos fumantes que tentem parar de fumar apresentam sintomas da síndrome de abstinência da nicotina (MARTINEZ; KALIL; LIMA, 2012). Na tentativa de evitar esses sintomas desagradáveis, o usuário volta a fumar, levando a recaída do tabagismo (HAGGSTRÄM; CHATKIN, 2007). Os sintomas iniciam cerca de 8 horas após a interrupção de uso, tendo sua intensidade aumentada nos três a quatro primeiros dias, desaparecendo em torno de uma a duas semanas. A fissura tende a permanecer por mais tempo que os demais sintomas, porém ela vai reduzindo gradativamente a sua intensidade e aumentando o intervalo entre um episódio e o outro. A fissura em geral não dura mais que cinco minutos, por isso é importante orientar ao usuário que nesse momento tenha estratégias para que ele passe mais brevemente, e que não tenha recaídas. Todas essas informações são extremamente relevantes para as pessoas motivadas a cessar o tabagismo, uma que vez, quando informadas, lidam significativamente melhor com as dificuldades encontradas (BRASIL, 2011c; HUGHES, 2012). 81 Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica o cuidado da pessoa tabagista O profi ssional de saúde, durante o acompanhamento do tabagista, deve estar atento a esses sintomas e, como já mencionado, avaliar a necessidade de uso de medicamentos para seu alívio, lembrando que a orientação da pessoa neste momento, em geral, é a intervenção de maior impacto, principalmente em relação à questão de que a síndrome de abstinência cessa em alguns dias. Além disso, outros recursos podem ser usados, baseados principalmente em técnicas comportamentais para manejo do estresse, distração e substituição. No Apêndice D, você poderá encontrar diversas técnicas e dicas relacionadas com a proposta de roteiro para as sessões em grupo. 7.4 Consumo de álcool A dependência da nicotina está relacionada ao consumo aumentado de álcool. Fumantes são mais propensos a consumir bebidas alcoólicas e os consumidores do álcool mais propensos a fumar; essa relação, portanto, pode ser considerada bidirecional e dose dependente (COVEY et al., 1994; ISTVAN; MATARAZZO, 1984; KAO; SCHNEIDER; HOFFMAN, 2000; MALBERGIER; OLIVEIRA JÚNIOR, 2005). Por serem lícitas e de livre comercialização, o tabaco e o álcool são as drogas mais consumidas mun- dial mente. Um estudo acerca da associação entre o álcool e o tabaco apontou que (DROBES, 2002): • 30% dos tabagistas são usuários nocivos ou dependentes de álcool. • Tabagistas consomem mais álcool em relação aos não tabagistas. • As chances de tabagistas tornarem-se dependentes de álcool são 2,7 vezes maiores se comparados aos não tabagistas. • A prevalência de tabagismo entre os dependentes de álcool não se modifi cou, apesar do declínio do consumo de cigarro na população geral. • 90% dos dependentes de álcool fumam, sendo que 70% destes fumam ao menos um maço por dia. • Quanto mais intenso o consumo de álcool, maior o consumo de cigarro. No caso de tabagistas, que também apresentam uso nocivo do álcool, é importante, já na abordagem inicial, averiguar o desejo do usuário em cessar o consumo de ambas as substâncias, pesando os riscos à saúde e os danos mais imediatos a sua vida e de sua família, realizando um planejamento adequado. Não há consenso quanto à melhor estratégia a se usar: propor a interrupção do tabagismo e do alcoolismo ao mesmo momento; ou se em momentos diferentes (CALDAS, 2012). Recomenda-se, portanto, que o profi ssional de saúde avalie cada caso individualmente, pesando os riscos e os benefícios da abordagem para cessação simultânea. O mesmo ocorre com pessoas que, além do tabaco, são dependentes de outras drogas. Nessas situações, é interessante que profi ssional e usuário estejam informados acerca de outros recursos disponíveis na rede de saúde e parceiros intersetoriais (tais como Caps-ad, grupos 84 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica Apoio da equipe de saúde • Informar sobre a dependência • Saber reconhecer a abstinência (sintomas, duração). • Conhecer a natureza aditiva da nicotina (uma tragada pode gerar recaída). • Saber que a fi ssura cede em pouco tempo (três minutos). • Aprender estratégias substitutivas para atravessar os momentos difíceis. • Encorajar a tentativa de abandono • Existe um tratamento efi caz para deixar de fumar. • Transmitir confi ança: capacidade de alcançar o êxito. • Cuidar/responder às dúvidas e aos temores Indagar sobre o sentimento de parar, oferecendo apoio, sempre aberto a inquietações, temores e ambivalência. • Favorecer o plano de abandono Trabalhar motivos para o abandono, dúvidas e preocupações ao deixar de fumar, resultados obtidos e difi culdades. Apoio social a familiares e amigos • Solicitar suporte social e familiar • Orientar sobre contenção familiar e social. • Informar “dia D” aos familiares e amigos que escolher. • Estimular ambiente livre de tabaco em casa e no trabalho. • Pedir cooperação. • Facilitar o desenvolvimento das habilidades Identifi car pessoas que apoiem a recuperação (pedir apoio, não fumar em sua presença, não oferecer cigarros, observar mudanças transitórias de humor). • Estimular o suporte a outros fumantes Estimular outros fumantes a pararem. Fonte: REICHERT et al., 2008. Com adaptações. É muito importante que, durante o tratamento, o usuário esteja sempre subsidiado de conhecimentos que o motive a parar de fumar, e que a conscientização seja sempre focada, não necessariamente nos malefícios do cigarro, mas também nos benefícios que a vida sem o cigarro pode proporcionar. Deve-se estimulá-lo que refl ita melhor sobre a relação “custo-benefício” envolvida no tabagismo. Ao parar de fumar, é natural que os primeiros dias sejam os mais difíceis, porém as difi culdades serão menores a cada dia e, acumulados os benefícios da cessação com o tempo, fi ca mais fácil decidir por continuar o tratamento e parar de fumar. conclusão 85 Doenças relacionadas ao tabaco 8 A inalação da fumaça do cigarro causa diversos efeitos nocivos à saúde, em especial doenças cardíacas, respiratórias e câncer, através de mecanismos bem conhecidos como infl amação, estresse oxidativo, alterações do DNA, dano endotelial, entre outros (CARVALHO, 2000; CEPEDA- BENITO; REYNOSO; ERATH, 2004; LAI et al., 2010; SMITH et al., 2009). Mais de 4.700 substâncias já foram identifi cadas na fumaça do cigarro, sendo que mais de 60 delas são cancerígenas. Esses efeitos estão diretamente relacionados à duração e ao grau de exposição à fumaça do cigarro, apesar de pequenas quantidades ainda se relacionarem a diversas doenças, não existindo níveis seguros estabelecidos de consumo (ACHUTTI; ROSITO; ACHUTTI,2004, WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009a). Figura 6 – Substâncias químicas componentes do cigarro Fonte: ALIANÇA DE CONTROLE DE TABAGISMO, 2011. 86 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica O impacto causado pelo fumo começa pelos primeiros órgãos que entram em contato direto com a fumaça, desde a boca até os alvéolos pulmonares, seguido pelos vasos sanguíneos que absorvem parte das moléculas e sofrerão efeitos na sua parede (endotélio) e pelos componentes celulares do sangue. A distribuição ocorre em todo organismo, com formação de metabólitos nocivos para múltiplos órgãos, até que finalmente o trato urinário encarrega-se de eliminar as escórias destas moléculas, sofrendo também as consequências do contato tóxico, em última análise, representado pelo risco adicional de câncer de rim e bexiga. Os fumantes apresentam ainda problemas relacionados à cicatrização, menor densidade óssea (especialmente em homens idosos e em mulheres na fase pós-menopausa), aumento da incidência de periodontite e cáries, doenças pépticas, disfunção erétil, catarata e degeneração macular, entre outros (CARVALHO, 2000, CEPEDA-BENITO; REYNOSO; ERATH, 2004, SMITH et al., 2009, LAI et al., 2010). A identificação de doenças relacionadas ao tabaco pode motivar o indivíduo tabagista para a cessação, do mesmo modo que a ausência delas durante a avaliação pode sinalizar ao tabagista o momento ideal para redução dos riscos. Cabe ao profissional ter conhecimento das informações que se seguem, para melhor informar e apoiar os seus usuários. 8.1 Doenças cardiovasculares O tabagismo, conforme mencionado, é o principal fator de risco evitável para doenças cardiovasculares e maior causa de morte evitável da atualidade, especialmente por infarto agudo do miocárdio (IAM) e acidente vascular encefálico (AVE), além de outras complicações graves, como amputações por doença arterial periférica (DAP). O uso de tabaco favorece aterosclerose através de seu efeito trombogênico e por estimulação neural simpática promovida pela nicotina. O monóxido de carbono, quando inalado pelos pulmões, é transferido para a corrente sanguínea, onde diminui a capacidade de transporte de oxigênio. A capacidade aeróbica do fumante é, então, prejudicada e ocorre um aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, predispondo o desencadeamento de arritmias (CRYER et al., 1976; NARKIEWICZ; SOMERS, 1998). O risco de doença coronariana aumenta com o número de cigarros fumados por dia, o número total de anos de fumo e a precocidade da idade em que se começou a fumar. Entretanto, a maioria dos estudos aponta para uma significativa redução na incidência de doença coronariana e AVE após a cessação do tabagismo já nos primeiros anos, sendo que o risco de um AVE após 5 a 15 anos de abstinência passa a ser o mesmo de quem nunca fumou (JEMAL et al., 2011). – O tabagismo e a hipertensão arterial sistêmica Embora fumar seja um fator de risco para o desenvolvimento de diversas doenças cardiovasculares, o papel do tabagismo como fator de risco para hipertensão arterial sistêmica (HAS) ainda não está bem definido (KAPLAN; VICTOR, 2010; NARKIEWICZ; KJELDSEN; HEDNER, 2005). Fumar um cigarro eleva momentaneamente a pressão arterial, podendo seu efeito se manter por até duas horas, mas alguns estudos mostraram que a pressão arterial de fumantes era comparável, e algumas vezes até inferior, a de não fumantes (GREEN; JUCHA; LUZ, 1986; LEE et al., 2001). Outros estudos, porém, mostraram uma correlação significativa do tabagismo com 89 Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica o cuidado da pessoa tabagista Para usuários de tabaco já diagnosticados com câncer, os benefícios da cessação do tabagismo continuam bem defi nidos (FIORE et al., 2008a; ZWAR et al., 2011). Os principais são (CANTARINO; SANTIAGO, 2011): • Redução do risco de outras doenças tabaco-relacionadas. • Redução do risco de segundo tumor primário. • Redução da progressão do câncer. • Redução de complicações pós-operatórias. • Redução da chance de pneumonite por radioterapia nos portadores de câncer de pulmão. • Melhora da resposta ao tratamento do câncer (quimioterapia e radioterapia). • Melhora da qualidade de vida. • Aumento de sobrevida. Portanto, fumantes com câncer em qualquer estágio da doença podem e devem, assim como os demais tabagistas, receber orientações quanto aos malefícios relacionados ao uso do tabaco e aos benefícios de sua cessação, devendo ser orientados e estimulados para abstinência conforme o seu estágio de motivação (Roda de Prochaska) descrito anteriormente. A cessação do tabagismo em um paciente com câncer pode ser encarada como uma importante etapa do seu tratamento. A melhora da autoestima e da autoconfi ança pelo indivíduo que consegue parar de fumar contribui para o enfrentamento da doença com uma postura mais positiva durante o período de tratamento e após (CANTARINO; SANTIAGO, 2011). O tratamento do tabagismo em pessoas com neoplasia segue, em geral, as mesmas diretrizes e recomendações para a população geral (FIORE et al., 2008a). 91 9Ciclos de vida e recortes populacionais Cada fumante apresenta suas particularidades que, se não bem compreendidas, podem comprometer a efi cácia do acompanhamento para cessação do tabagismo. É importante, portanto, reconhecer características relacionadas a algumas populações específi cas. 9.1 Crianças e adolescentes Diferentemente da tendência observada em adultos, o número de adolescentes que fumam tem permanecido elevado e até mesmo crescente, sendo a idade de iniciação de uso cada vez mais precoce no mundo. Dessa forma, o tabagismo em adolescentes tem sido um motivo de preocupação para a OMS. A iniciação precoce no uso do tabaco é um importante fator prognóstico para o adoecimento no futuro. Quanto mais cedo se estabelece a dependência ao tabaco, maior o risco de morte prematura na meia-idade ou na idade madura. A diferença em alguns anos no início do uso do tabaco pode quase dobrar os riscos de danos à saúde (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2013b). No Quadro 15 são apresentados os principais efeitos nocivos do cigarro para a saúde do adolescente. Quadro 15 – Principais efeitos nocivos do cigarro para a saúde do adolescente • Dependência da nicotina. • Aumento do risco para uso de outras drogas associadas. • Risco de 3 vezes em relação ao não fumante de consumir álcool, 8 vezes para maconha e 22 vezes para cocaína. • Maior probabilidade de continuação do tabagismo na idade adulta. • Redução da taxa de crescimento do pulmão e menor nível de função pulmonar. continua 94 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica mulher desenvolver os mais diversos tipos de cânceres, incluindo cânceres ginecológicos, aumenta expressivamente com o consumo do tabaco. Até 90% dos cânceres de pulmão e brônquios – segunda neoplasia que mais mata mulheres brasileiras, com incidência ascendente nas últimas décadas – são atribuídos ao cigarro, responsável ainda por 30% de todos os demais tipos de cânceres no gênero (BRASIL, 2014a). A Dpoc, na mulher, desenvolve-se com menor carga tabágica, de forma mais precoce e mais grave. O cigarro é ligado ainda a inúmeros outros malefícios, desde aumento de fraturas por fragilidade óssea até infertilidade (REICHERT et al., 2008; AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS, 2011). A boa notícia é que estudos sugerem que as mulheres são mais propensas a procurar ajuda para cessação de tabagismo que homens. Por outro lado, elas podem enfrentar estressores e barreiras particulares durante este período, em especial depressão, um maior receio quanto ao ganho de peso (o ganho de peso médio é maior no gênero feminino), variações hormonais no ciclo menstrual, maior motivação não farmacológica para uso do tabaco (por exemplo, para a socialização) e diferenças educacionais. Dessa forma, mulheres podem se beneficiar de tratamentos de dependência do tabaco que abordam essas questões específicas, embora poucos estudos exploraram programas orientados para o gênero específico (FIORE et al., 2008a). – Gestantes e lactantes Fumar durante a gravidez é o fator que mais influencia a ocorrência de eventos adversos neste período. Mulheres fumantes ou expostas ao fumo passivo durante a gravidez apresentam maior risco de abortamento, parto prematuro, baixo peso ao nascer, placenta prévia, descolamento prematuro de placenta e natimortos (BURTON; PALMER; DALTON, 1989; BUSH et al., 2000; DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 2001; LARSEN; CLAUSEN; JØNSSON, 2002). Para a criança, o tabaco representa de 1,5 a 3,0 vezes o risco de baixo peso ao nascer; 1,2 a 2,0 vezes de parto pré-termo; 1,2 a 1,6 vezes de morte fetal e 1,1 a 1,3 vezes de morte neonatal (DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 2001). A síndrome da morte súbita infantil também está associada com o tabagismo materno, com o risco de 3,0 vezes (IC 95% 2,5-3,5) maior entre crianças que foram expostas ao tabaco no período uterino ou pós-natal (DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 2001). Estima-se que a exposição à Poluição Tabagística Ambiental (PTA) seja responsável por 24% a 32% do total de casos de morte súbita na primeira infância (BOLDO et al., 2010). O Quadro 16 sumariza os principais eventos adversos do período perinatal cujo risco é aumentado pelo consumo do tabaco. Quadro 16 – Eventos adversos relacionados ao tabagismo durante o período perinatal Eventos relacionados ao tabaco durante a gestação: • Abortos espontâneos e óbitos fetais. • Nascimentos prematuros. • Gravidez tubária. continua 95 Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica o cuidado da pessoa tabagista • Descolamento prematuro de placenta. • Placenta prévia. • Outros episódios de sangramento. Eventos relacionados ao tabaco em recém-nascido: • Baixo peso. • Redução da circunferência craniana. • Síndrome da morte súbita infantil. • Asma. • Infecções respiratórias. • Redução do desempenho cognitivo. • Distúrbios do comportamento. Fonte: ESKENAZI; CASTORINA, 1999; DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 2001. Com adaptações. Os riscos associados ao tabaco, para a gestante e para a criança, podem ser reduzidos pela interrupção durante a gestação. O benefício mais importante ocorre com a cessação no início do primeiro trimestre: estudos sugerem que recém-nascidos de mães que interrompem o tabagismo neste momento apresentam medidas de peso e estatura ao nascer similares às de fi lhos de mães não fumantes. Deve-se ressaltar, porém, que a cessação a qualquer momento da gravidez resulta em benefícios para a mãe e a criança (FIORE et al., 2008a; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2010). Em relação à lactação, o cigarro associa-se ainda à redução da produção do volume de leite materno, da concentração de gordura no leite e do tempo da lactação (EVER-HADANI et al., 1994; LETSON; ROSENBERG, 2002). A gestação e o puerpério são momentos propícios para se ofertar abordagens para cessação do tabagismo pois, em geral, a mulher está mais sensível com o seu bem-estar e com o cuidado da saúde do seu bebê. O esclarecimento e a orientação dessas mulheres sobre todos os riscos envolvidos com o hábito tabágico neste período é uma importante ferramenta para motivação da cessação, aliados às técnicas de entrevista motivacional e da abordagem cognitivo- comportamental (MELVIN et al., 2000). A farmacoterapia com TRN de ação rápida como gomas e pastilhas pode ser empregada por grávidas e lactantes. Apesar da preocupação relacionada à toxicidade da nicotina para o feto, pesquisas sugerem que o tabagismo representa um risco muito superior para a gestante e a criança. Recomenda-se a utilização da TRN para mulheres fumantes pesadas e incapazes – ou inseguras – de parar por conta própria ou auxiliadas somente pela terapia comportamental. Os riscos e os benefícios do tratamento devem ser discutidos com a pessoa e a sua adoção ou não deve ser decidida com a mulher (VALBÖS; NYLANDER, 1994; ONCKEN et al., 2008; FIORE et al., 2008b; ZWAR et al., 2011). conclusão 96 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica Já o uso da bupropiona parece estar associado a um aumento no risco de anomalias congênitas, por isso é contraindicada neste período (FIORE et al., 2008a; AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS, 2011; ZWAR et al., 2011). 9.3 Homens Apesar da prevalência de tabagismo em homens brasileiros apresentar, nos últimos anos, queda mais íngreme em comparação com as mulheres, eles ainda representam a maior parcela do total de fumantes, sendo a prevalência do tabagismo de 18,9% em adultos do sexo masculino e 11,0% do sexo feminino (BRASIL, 2014e). O tabagismo é o principal fator de risco evitável à saúde do homem. Além disso, homens têm uma tendência maior de uso abusivo de álcool e outras drogas e também são mais acometidos por obesidade. Em média, homens apresentam um risco cardiovascular significamente superior quando comparado às mulheres. O risco adicional promovido pelo tabagismo, tanto cardiovascular quanto para mortalidade geral (incluindo neoplasias) contribui para a manutenção da grande diferença entre as expectativas de vida dos gêneros, que em 2012 era de 71,0 anos para homens e 78,3 anos para mulheres. Contudo, com a constante redução da prevalência do tabagismo, mais pronunciada no sexo masculino, a tendência é de diminuição gradual desta disparidade nas próximas décadas (BRASIL, 2013a). Ainda é presente no imaginário coletivo a associação da figura masculina com atributos como fortaleza e poder, criando-se a fantasia de que o homem está imune às mais diferentes adversidades (GOMES; NASCIMENTO; ARAÚJO, 2007). Isso justifica, ao menos em parte, outros problemas de saúde pública relacionados ao gênero masculino, especialmente nos jovens, como acidentes de trânsito e outras causas externas de morbimortalidade. Homens tendem a procurar menos os serviços de saúde para prevenção e promoção de saúde, inclusive no quesito de deixar de fumar, e por esse motivo apresentam maior frequência de tentativas de paradas sem ajuda (FIORE et al., 2008a). Todas essas características devem ser trabalhadas, individual ou coletivamente, durante o período de cessação, a fim de orientar, sensibilizar e motivar essa população e, por fim, potencializar os efeitos do acompanhamento. Para fortalecer esse tipo de ação, foi instituída pela Portaria nº 1.944, de 27 de agosto de 2009, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH). A PNAISH, dispõe-se a qualificar a saúde da população masculina na faixa etária de 20 a 59 anos, na lógica da concepção de linhas de cuidado que respeitem a integralidade da atenção à saúde desta população. Um dos principais objetivos desta Política é promover ações de saúde que contribuam para a compreensão da realidade masculina nos diversos contextos socioculturais e político-econômicos.
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