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Guias e Dicas
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aristoteles topicos, Notas de estudo de Administração Empresarial

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Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010

Compartilhado em 02/09/2008

lohanna-thais-2
lohanna-thais-2 🇧🇷

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Baixe aristoteles topicos e outras Notas de estudo em PDF para Administração Empresarial, somente na Docsity! Novembro de 2000 Permitida a distribuição Visite nosso site: www.ciberfil.org ou mande-nos um e-mail: editor@ciberfil.org Livro I 2 Depois do que precede, devemos dizer para quantos e quais fins é útil este tratado. Esses fins são três: o adestramento do intelecto, as disputas casuais e as ciências filosóficas. Que ele é útil como forma de exercício ou adestramento, é evidente à primeira vista. A posse de um plano de investigação nos capacitará para argumentar mais facilmente sobre o tema proposto. Para as conversações e disputas casuais, é útil porque, depois de havermos considerado as opiniões defendidas pela maioria das pessoas, nós as enfrentaremos não nos apoiando em convicções alheias, mas nas delas próprias, e abalando as bases de qualquer argumento que nos pareça mal formulado. Para o estudo das ciências filosóficas é útil porque a capacidade de suscitar dificuldades significativas sobre ambas as faces de um assunto nos permitirá detectar mais facilmente a verdade e o erro nos diversos pontos e questões que surgirem. Tem ainda utilidade em relação às bases últimas dos princípios usados nas diversas ciências, pois é completamente impossível discuti-los a partir dos princípios peculiares à ciência particular que temos diante de nós, visto que os princípios são anteriores a tudo mais; é à luz das opiniões geralmente aceitas sobre as questões particulares que eles devem ser discutidos, e essa tarefa compete propriamente, ou mais apropriadamente, à dialética, pois esta é um processo de crítica onde se encontra o caminho que conduz aos princípios de todas as investigações. 3 Estaremos em plena posse da maneira como devemos proceder quando nos encontrarmos numa posição semelhante à que ocupamos face à retórica, à medicina e outras ciências ou artes desse tipo: refiro-me à capacidade de fazer o que nos propomos mediante o uso dos materiais disponíveis. Pois o retórico não lançará mão de qualquer método para persuadir, nem o médico para curar; entretanto, se não omite nenhum dos meios disponíveis, diremos que o seu domínio da ciência é adequado. 4 Em primeiro lugar, pois, devemos ver de que partes consta a nossa investigação. Se compreendêssemos (a) a respeito de quantas coisas e que espécie de coisas se argumenta, e de que materiais partem as argumentações, e (b) de que maneira poderemos estar bem supridos desses materiais, teríamos alcançado suficientemente a nossa meta. Pois bem: os materiais de que partem os argumentos são iguais em número e idênticos aos temas sobre os quais versam os raciocínios. Com efeito, os argumentos partem de "proposições", enquanto os temas sobre os quais versam os raciocínios são "problemas". Ora, toda proposição e todo problema indicam ou um gênero, ou uma peculiaridade, ou um acidente - já que também a diferença, aplicando-se como se aplica a uma classe (ou gênero), deve ser equiparada aqui ao gênero. Entretanto, como daquilo que é peculiar a uma coisa qualquer uma parte significa a sua essência e outra parte não, vamos dividir o "peculiar" nas duas partes mencionadas e chamar "definição" a que indica a essência, e quanto ao restante adotaremos a terminologia geralmente usada a respeito dessas coisas, referindo-nos a ele como uma "propriedade". O que acabamos de dizer torna pois claro que, de acordo com nossa presente divisão, os elementos são quatro ao todo, a saber: definição, propriedade, gênero e acidente. Não se suponha que com isto queiramos dizer que cada um desses elementos enunciado isoladamente constitua por si mesmo uma proposição ou um problema, mas apenas que é deles que se formam tanto os problemas como as proposições. A diferença entre um problema e uma proposição é uma diferença na construção da frase. Porque, se nos expressarmos assim: "'um animal que caminha com dois pés' é a definição do homem, não é?", ou: "animal' é o gênero do homem, não é?", o resultado é uma proposição; mas se dissermos. ''é animal que caminha com dois pés' a definição do homem ou não é?", ou: "é 'animal' o seu gênero ou não?", o resultado é um problema. E do mesmo modo em todos os outros casos. Naturalmente, pois, os problemas e proposições são iguais em número, pois de cada proposição poderemos fazer um problema se mudarmos a estrutura da frase. 6 Não deve escapar à nossa atenção que todas as observações críticas que se fizerem sobre uma "propriedade", "gênero" ou "acidente" serão também aplicáveis às "definições". Pois, quando houvermos mostrado que o atributo em apreço não pertence unicamente ao termo definido, e do mesmo modo se se tratar de uma propriedade, ou que o gênero indicado na definição não é o verdadeiro gênero, ou ainda que alguma das coisas mencionadas na frase não lhe pertencem, como também observaríamos no caso de um acidente, teremos demolido a definição; de modo que, para usar a expressão empregada anteriormente, todos os pontos que enumeramos poderiam, em certo sentido, ser chamados "definitórios". Mas nem por isso devemos esperar encontrar um método único de investigação que se aplique a todos eles; pois não é coisa fácil de encontrar, e, mesmo que o encontrássemos, seria algo extremamente obscuro e de pouca utilidade para o tratado que temos diante de nós. Devemos, pelo contrário, traçar um plano especial de investigação para cada uma das classes que distinguimos, e então, firmados nas regras apropriadas a cada caso, será provavelmente mais fácil dar conta da tarefa que nos propusemos. E assim, como dissemos atrás, devemos esboçar uma divisão do nosso assunto e relegar outras questões ao ramo particular que mais naturalmente corresponda a cada uma delas, tratando-as como questões "definitórias" ou "genéricas". As questões a que me refiro já foram praticamente classificadas em seus diferentes ramos. 7 Em primeiro lugar, devemos definir os diversos sentidos da palavra "identidade". A identidade se poderia considerar de maneira geral, e falando sumariamente, como incluída em três divisões. Em geral, aplicamos o termo ou em sentido numérico, ou específico, ou genérico - numericamente, nos casos em que há mais de um nome, mas uma coisa só, como "manto" e "capa"; especificamente, quando há mais de uma coisa, mas estas não apresentam diferenças no tocante à sua espécie, como um homem e outro homem, ou um cavalo e outro cavalo, pois coisas assim pertencem à mesma classe, e delas se diz que são "especificamente idênticas". E, do mesmo modo, chamam-se genericamente idênticas aquelas coisas que pertencem ao mesmo gênero, como um cavalo e um homem. Poderia parecer que o sentido em que a água proveniente da mesma fonte se chama "a mesma água" difere de certo modo e se afasta dos sentidos que mencionamos acima; mas, em realidade, um caso como esse deveria ser incluído na mesma classe com aquelas coisas que, de um modo ou de outro, são chamadas "idênticas" em virtude de uma unidade de espécie. Todas essas coisas, com efeito, se assemelham entre si como se fossem membros da mesma família. E a razão pela qual se diz que toda água é especificamente idêntica a qualquer outra água é uma certa semelhança que existe entre as duas, e a única diferença no caso da água proveniente da mesma fonte é que aqui a semelhança é mais pronunciada: por isso mesmo não a distinguimos das coisas que, de um modo ou de outro, são chamadas idênticas devido à unidade de espécie. Supõe-se geralmente que o termo "o mesmo se emprega sobretudo, num sentido aceito por todo mundo, quando aplicado ao que é numericamente uno. Mas, mesmo assim, pode ser empregado em mais de um sentido; vamos encontrar seu uso mais literal e primeiro sempre que a identidade diz respeito a um nome ou definição duplos, como quando se diz que um manto é o mesmo que uma capa, ou que um animal que anda com dois pés é a mesma coisa que um homem; um segundo sentido é aquele que se refere a uma propriedade, como quando se diz que aquilo que é capaz de adquirir conhecimento é o mesmo que um homem, e aquilo que naturalmente se move para cima é o mesmo que o fogo; e encontramos ainda um terceiro sentido do termo quando diz respeito a um acidente, como quando se diz que aquele que está sentado ou que é músico é o mesmo que Sócrates. Todos estes usos, com efeito, significam identidade numérica. A verdade do que acabo de dizer pode ver-se mais claramente quando uma forma de apelação é substituída por outra. Muitas vezes, com efeito, quando damos ordem de chamar uma das pessoas que estão sentadas, designando-a pelo seu nome, mudamos de descrição sempre que aquele a quem damos a ordem não nos entende; parece-nos que ele nos compreenderá melhor se indicarmos a pessoa por algum aspecto acidental, e assim mandamo-lo chamar "o homem que está sentado", ou "aquele que está conversando ali" - na suposição evidente de que estamos designando o mesmo indivíduo pelo seu nome e pelo seu acidente. 10 Em primeiro lugar, pois, devemos definir o que seja uma "proposição dialética" e um "problema dialético". Pois nem toda proposição, nem tampouco todo problema podem ser apresentados como dialéticos: com efeito, ninguém que estivesse no seu juízo perfeito faria uma proposição de algo que ninguém admite, nem tampouco faria um problema do que é evidente para todo mundo ou para a maioria das pessoas: pois este último não admite dúvida, enquanto à primeira ninguém daria assentimento. Ora, uma proposição dialética consiste em perguntar alguma coisa que é admitida por todos os homens, pela maioria deles ou pelos filósofos, isto é, ou por todos. ou pela maioria, ou pelos mais eminentes, contanto que não seja contrária à opinião geral; pois um homem assentirá provavelmente ao ponto de vista dos filósofos se este não contrariar as opiniões da maioria das pessoas. As proposições dialéticas também incluem opiniões que são semelhantes às geralmente aceitas; e também proposições que contradizem os contrários das opiniões que se consideram geralmente aceitas, assim como todas as opiniões que estão em harmonia com as artes acreditadas. Assim, supondo-se seja opinião geral que o conhecimento dos contrários é o mesmo, é provável que também pudesse passar por uma opinião geral que a percepção dos contrários é a mesma; e do mesmo modo, supondo-se seja opinião geral que há uma só ciência da gramática, poderia passar por uma opinião geral que há uma só ciência de tocar flauta; e, por outro lado, se for opinião geral que há mais de uma ciência da gramática, poderia passar por uma opinião geral que há igualmente mais de uma ciência de tocar flauta; porque todas essas coisas parecem assemelhar-se e têm entre si um certo ar de parentesco. Do mesmo modo, também as opiniões que contradizem os contrários das opiniões gerais passarão por opiniões gerais; porque, se é opinião geral que se deve fazer bem aos seus amigos, será também opinião geral que não se deve fazer nada que os prejudique. Aqui, que se deva causar dano aos seus amigos é contrário à opinião geral, e que não se deve causar-lhes dano é a contraditória desse contrário. E da mesma forma, se se deve fazer bem aos amigos, não se deve fazer bem aos inimigos; esta é também a contraditória da opinião contrária à opinião geral: a contrária seria que se devesse fazer bem aos inimigos. E analogamente nos demais casos. Comparando entre si estas razões, parecerá também uma opinião geral que o predicado contrário pertence ao sujeito contrário; por exemplo, se se deve fazer bem aos amigos, deve-se também fazer mal aos inimigos, talvez pareça também que fazer bem aos amigos seja o contrário de fazer mal aos inimigos; mas se isso é ou não assim em realidade se decidirá durante nossa discussão acerca dos contrários. É também evidente que todas as proposições que se harmonizam com as artes são proposições dialéticas; pois os homens estão predispostos a dar seu assentimento aos pontos de vista daqueles que estudaram essas coisas: por exemplo, numa questão de medicina concordarão com o médico, numa questão de geometria, com o geômetra; e da mesma forma nos outros casos. 11 Um problema de dialética é um tema de investigação que contribui para a escolha ou a rejeição de alguma coisa, ou ainda para a verdade e o conhecimento, e isso quer por si mesmo, quer como ajuda para a solução de algum outro problema do mesmo tipo. Deve, além disso, ser algo a cujo respeito os homens não tenham opinião num sentido ou noutro, ou o vulgo tenha uma opinião contrária à dos filósofos, ou a destes seja contraria à daquele, ou a de alguns filósofos seja contrária à de outros. Quanto a alguns problemas, com efeito, é útil conhecê- los com vistas na escolha ou na rejeição - como, por exemplo, se o prazer deve ou não ser escolhido -, enquanto a outros é útil conhecer tendo unicamente em mira o próprio conhecimento - por exemplo, se o universo é ou não eterno; e outros, finalmente, não são úteis em si e por si mesmos para qualquer desses fins, mas nos ajudam a solucionar outros problemas da mesma espécie; pois há muitas coisas que não desejamos conhecer em si e por si mesmas, porém com a mira em outras coisas e a fim de que, através delas, possamos vir a conhecer essas outras. Os problemas também incluem questões em relação às quais os raciocínios se chocam (consiste então a dificuldade em se tal ou tal coisa é ou não assim, havendo argumentos convincentes a favor de ambos os pontos de vista); e há outros, realmente, a respeito dos quais não possuímos nenhum argumento, por serem extremamente vastos, e temos dificuldade em expor nossas razões, como a questão sobre se o universo é eterno ou não: pois também é possível investigar questões desta classe. Os problemas, pois, e as proposições devem ser definidos como acima. Uma tese e uma suposição de algum filósofo eminente que esteja em conflito com a opinião geral: por exemplo, a idéia de que a contradição é impossível, como disse Antístenes; ou o ponto de vista de Heráclito, de que todas as coisas estão em movimento; ou de que o ser é um, como afirma Melisso; pois ocupar-nos com uma pessoa comum quando expressa pontos de vista contrários às opiniões usuais dos homens seria tolice. Ou talvez se trate de uma concepção sobre a qual tenhamos uma teoria raciocinada contrária às opiniões usuais dos homens, por exemplo, a concepção defendida pelos sofistas, de acordo com a qual o que é nem sempre necessita ter sido gerado ou ser eterno, pois, um músico que é também gramático "é" tal sem jamais ter "vindo a ser" tal nem ser tal eternamente. Porquanto, mesmo que um homem não aceite tal teoria, poderia aceitá-la fundando-se em que é razoável. 13 Assim, pois, as classes de coisas a respeito das quais e a partir das quais se constroem os argumentos devem ser distinguidas da maneira que indicamos atrás. Os meios pelos quais lograremos estar bem supridos de raciocínios são quatro: (1) prover-nos de proposições; (2) a capacidade de discernir em quantos sentidos se emprega uma determinada expressão; (3) descobrir as diferenças das coisas, e (4) a investigação da semelhança. Os últimos três são também, em certo sentido, proposições, pois é possível formar uma proposição correspondente a cada um deles, por exemplo: (1) "o desejável pode significar tanto o honroso como o agradável ou o vantajoso"; (2) "a sensação difere do conhecimento em que o segundo pode ser recuperado depois que o perdemos, enquanto a primeira não o pode"; e (3) "a relação entre o saudável e a saúde é semelhante à que existe entre o vigoroso e o vigor". A primeira proposição depende do uso do termo em diferentes sentidos, a segunda das diferenças entre as coisas, e a terceira da sua semelhança. 14 As proposições devem ser escolhidas de um número de maneiras correspondente ao número de distinções estabelecidas no tocante à proposição: assim, podem-se tomar primeiro as opiniões sustentadas pela totalidade dos homens, pela maioria deles, ou pelos filósofos, isto é, por todos, pela maioria ou pelos mais eminentes; ou opiniões contrárias àquelas que parecem ser geralmente admitidas; e, finalmente, todas as opiniões que estão em harmonia com as artes. Devemos também formar proposições com as contraditórias das opiniões contrárias às que parecem ser geralmente aceitas, segundo se estabeleceu anteriormente. É igualmente útil formá-las selecionando não apenas aquelas opiniões que são atualmente aceitas, mas também as que se assemelham a estas, por exemplo: "a percepção dos contrários é a mesma" (já que o conhecimento deles é o mesmo), e "vemos pela admissão de alguma coisa em nós mesmos, e não por uma emissão" - pois assim acontece no que se refere aos outros sentidos: ao ouvir, admitimos alguma coisa dentro de nós mesmos, não emitimos nada; e é da mesma maneira que sentimos o gosto das coisas. E analogamente nos demais casos. Além disso, todos os juízos que parecem ser verdadeiros em todos ou na maioria dos casos devem tomar-se como um princípio ou posição aceita, pois são emitidos por aqueles que não vêem ao mesmo tempo nenhuma exceção. Devemos fazer também nossa escolha nos manuais escritos de argumentação e organizar listas sumárias de tais argumentos sobre cada espécie de assunto, classificando-os em capítulos separados, como: "Do Bem" ou "Da Vida" - e esse "Do Bem" deve tratar de toda forma de bem, começando pela categoria da essência. E convém indicar também, à margem, as opiniões de diversos pensadores, como, por exemplo: "Empédocles disse que os elementos dos corpos são quatro", pois qualquer um pode dar seu assentimento ao que disse alguma autoridade geralmente aceita. Das proposições e problemas - encarando-se a questão em linhas gerais - existem três grupos: algumas são proposições éticas, outras versam sobre a filosofia natural e outras, enfim, são lógicas. Proposições como a seguinte são éticas: "deve um homem obedecer antes aos seus genitores ou às leis, quando estão em desacordo?"; um exemplo de proposição lógica é. "o conhecimento dos opostos é ou não é o mesmo?", enquanto proposições como esta dizem respeito à filosofia natural: "é ou não é eterno o universo?" E do mesmo modo no que tange aos problemas. A natureza de cada uma das supraditas espécies de proposição não se expressa facilmente numa definição, mas devemos esforçar-nos por reconhecer cada uma delas graças a uma familiaridade conquistada através da indução, examinando-as à luz dos exemplos dados acima. Para os fins da filosofia devemos tratar dessas coisas de acordo com a sua verdade, mas para a dialética basta que tenhamos em vista a opinião geral. Todas as proposições devem ser tomadas em sua forma mais universal, convertendo-se, depois, uma em muitas. Por exemplo: "o conhecimento dos opostos é o mesmo", e a seguir: "o conhecimento dos contrários é o mesmo", e depois, "dos termos relativos". E, do mesmo modo, estes dois devem ser novamente divididos até onde possa ir a divisão, por exemplo: o conhecimento "do bem e do mal", "do branco e do preto" ou "do frio e do quente". E de maneira análoga em todos os outros casos. se referir à alma ou ao corpo. Que a oposição entre os termos agora examinados depende da presença ou privação de um certo estado é evidente, pois os animais possuem naturalmente ambas as espécies de "sensibilidade", tanto no que se refere à alma como ao corpo. Examinem-se igualmente as formas derivadas. Pois, se "justamente" tem mais de um sentido, 'justo" também será usado em mais de um significado, porquanto haverá um acepção de "justo" correspondente a cada acepção de "justamente"; por exemplo, se a palavra "justamente" se emprega no sentido de julgar de acordo com a sua própria opinião, e também no de julgar como se deve, então "justo" será usado de igual maneira. Analogamente, se "saudável" tem mais de um significado, "saudavelmente" também será usado em mais de uma acepção; por exemplo, se "saudável" significa tanto o que produz saúde e o que a conserva como o que dá mostras de saúde, "saudavelmente" também será usado nos sentidos: "de maneira a produzir", ou a "conservar", ou a "dar mostras de" saúde. E do mesmo modo nos outros casos, sempre que o termo original comporte mais de um significado, o termo que dele se deriva será usado em mais de um significado, e vice-versa. Considerem-se também as classes de predicados que o termo significa, procurando ver se são as mesmas em todos os casos. Porquanto, se não forem as mesmas, o termo será evidentemente ambíguo; por exemplo: "bom", no caso de alimentos, significa "que causa prazer"; e, no caso de medicamentos, "que promove a saúde", ao passo que, se o aplicarmos à alma, significará a posse de certa qualidade, como a de ser temperante, corajoso ou justo; e do mesmo modo quando aplicado a "homem". Por vezes significa o que acontece em determinada ocasião, como, por exemplo, o "bom" que acontece na ocasião oportuna, pois ao que acontece na ocasião oportuna chamamos "bom". Não raro significa o que existe em determinada quantidade, por exemplo; quando se aplica à quantidade apropriada; pois a quantidade apropriada também é chamada boa. Por tudo isso se vê que o termo "bom" é ambíguo. E, analogamente, "claro", quando aplicado a um corpo, significa uma cor, mas em referência a uma nota designa o que é fácil de ouvir . "Agudo" é também um caso que tem estreita semelhança com este, pois o mesmo termo não possui o mesmo significado em todas as suas aplicações; com efeito, uma nota aguda é uma nota rápida, como nos ensinam todos os teóricos matemáticos da harmonia, ao passo que um ângulo agudo é aquele que é menor do que um ângulo reto, enquanto um punhal agudo é o que possui uma ponta penetrante (pontiagudo). Atenda-se também aos gêneros dos objetos designados pelo mesmo termo, e veja-se se são diferentes sem ser subordinados um ao outro, como, por exemplo, "gato", que designa tanto o animal como o utensílio. Com efeito, as definições correspondentes ao nome são diferentes em cada caso: num deles se dirá que é um animal de determinada espécie, e no outro um utensílio usado para certo fim. Se, contudo, houver subordinação entre os gêneros, não é necessário que as definições sejam diferentes. Assim, por exemplo, "animal" é o gênero de "corvo" e também de "ave". Por conseguinte, sempre que dizemos que o corvo é uma ave, também dizemos que ele é uma determinada espécie de animal, de modo que ambos os gêneros se predicam dele. E igualmente, sempre que dizemos que o corvo é um "animal bípede voador", classificamo- lo como ave; e assim, também desta maneira ambos os gêneros se predicam de corvo, bem como a sua definição. Isso, porém, não acontece no caso dos gêneros que são subalternos, pois sempre que chamamos uma coisa de "utensílio" não a chamamos de animal, e vice-versa. É também preciso prestar atenção e ver se não somente os gêneros dos termos que temos diante de nós são diferentes sem ser subalternos, mas também se isso acontece com os seus contrários: pois, se o contrário comporta diversas acepções, evidentemente o termo que temos diante de nós também as comporta. É igualmente útil examinar a definição que cabe ao termo usado em combinação, por exemplo, de um "corpo claro" e de uma "nota clara". Porque se abstrairmos aqui o que é peculiar a cada caso, a mesma expressão deve permanecer. Isso não acontece no caso dos termos ambíguos como os que acabamos de mencionar. Porque o primeiro será "um corpo que possui tal e tal cor", enquanto o segundo será "uma nota fácil de ouvir". Retiremos, pois, "um corpo" e "uma nota", e o que resta não é o mesmo em cada caso. Deveria, contudo, ser o mesmo se as acepções de "claro" fossem sinônimas em ambos os casos. Muitas vezes a ambiguidade também se insinua sem ser notada nas próprias definições, motivo pelo qual cumpre examinar também estas. Se, por exemplo, alguém definir o que dá mostras de saúde e o que a promove como "relacionado comensuravelmente com a saúde", não devemos dar isso de barato, mas examinar em que sentido nosso adversário usou o termo "comensuravelmente" em cada caso, por exemplo, se no segundo significa "que é em quantidade adequada para promover a saúde", e no primeiro "que é de índole a manifestar que espécie de estado prevalece". Além disso, é preciso ver se os termos não podem ser comparados como "mais ou menos" ou "de igual maneira", como sucede, por exemplo, com um som "claro" e uma roupa "clara", ou uma nota "aguda" e um sabor "agudo" (isto é, picante). Com efeito, não se diz que essas coisas sejam "claras" ou "agudas" em grau igual, nem que uma é mais clara ou mais aguda do que a outra. Donde se segue que "claro" e "agudo" são ambíguos, dado que os sinônimos são sempre comparáveis: sempre se empregam da mesma maneira, ou então em grau maior num dos casos. Ora bem: como nos gêneros que são diferentes sem ser subalternos as diferenças também são diferentes em espécie, por exemplo, as de "animal" e de "conhecimento" (pois as diferenças destes dois gêneros são, com efeito, diferentes), é preciso ver se os significados compreendidos sob o mesmo termo são diferenças de gêneros que diferem entre si sem ser subalternos, como, por exemplo, "agudo" o é de uma nota e de um sólido. Porque o ser "agudo" diferencia uma nota de outra, e de igual modo um sólido de outro. "Agudo e, pois, um termo ambíguo, por expressar diferenças de gêneros que diferem entre si sem ser subalternos. É preciso ver também se os próprios significados incluídos sob o mesmo termo têm diferenças distintas, como a "cor" nos corpos e a "cor" ou "cromatismo" nas melodias, pois as diferenças da "cor" nos corpos se distinguem e se comparam por meio da vista, ao passo que a "cor" nas melodias não possui as mesmas diferenças. Além disso, como a espécie nunca é a diferença de coisa alguma, deve-se examinar atentamente se um dos significados incluídos sob o mesmo termo é uma espécie e o outro uma diferença, como, por exemplo "claro" (isto é, "branco") aplicado a um corpo é uma espécie de cor, ao passo que no caso de uma nota é uma diferença, pois uma nota se diferencia de outra pelo fato de ser "clara". 18 É útil ter examinado a pluralidade de significados de um termo, tanto no interesse da clareza (pois um homem está mais apto a saber o que afirma quando tem uma noção nítida do número de significados que a coisa pode comportar), como para nos certificarmos de que o nosso raciocínio estará de acordo com os fatos reais e não se referirá apenas aos termos usados. Pois, enquanto não ficar bem claro em quantos sentidos se usa um termo, pode acontecer que o que responde e o que interroga não tenham suas mentes dirigidas para a mesma coisa; ao passo que, depois de se haver esclarecido quantos são os significados, e também qual deles o primeiro tem em mente quando faz a sua asserção, o que pergunta pareceria ridículo se deixasse de dirigir seus argumentos a esse ponto. Isso também nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com falsos raciocínios; porque, se conhecemos o número de significados de um termo, certamente nunca nos deixaremos enganar por um falso raciocínio, pois perceberemos facilmente quando o que interroga deixa de encaminhar seus argumentos ao mesmo ponto: e, quando somos nós mesmos que interrogamos, poderemos induzir nosso adversário em erro se ele não conhece o número de significados do termo. Isso, todavia, não é sempre possível, mas somente quando, dos múltiplos sentidos, alguns são verdadeiros e outros são falsos. Entretanto, essa forma de argumentar não pertence propriamente à dialética; os dialéticos devem abster-se por todos os meios desse tipo de discussão verbal, a não ser que alguém seja absolutamente incapaz de discutir de qualquer outra maneira o tema que tem diante de si. Descobrir as diferenças das coisas nos ajuda tanto nos raciocínios sobre a identidade e a diferença, como também a reconhecer a essência de cada coisa particular. Que nos ajuda a raciocinar sobre a identidade e a diferença, é evidente: pois, após descobrirmos uma diferença qualquer entre os objetos que temos diante de nós, já teremos mostrado que eles não são o mesmo; e ajuda- nos a reconhecer o que é urna coisa, porque geralmente distinguimos a expressão própria da essência de cada coisa particular por meio das diferenças que lhe são próprias. O exame da semelhança é útil tanto para os argumentos indutivos como para os raciocínios hipotéticos, bem assim como para a formulação de definições. É útil para os argumentos indutivos, porque é por meio de uma indução de casos individuais semelhantes que pretendemos pôr em evidência o universal; e isso não é fácil quando ignoramos os pontos de semelhança. É útil para os raciocínios hipotéticos porque, entre semelhantes, de acordo com a opinião geral, o que é verdadeiro de um é também verdadeiro dos demais. Se, pois, em relação a qualquer deles estivermos bem supridos de materiais para discussão, garantiremos a aceitação preliminar de que, como quer que seja nesses casos, também assim será no caso que temos diante de nós; portanto, quando tivermos demonstrado o primeiro, teremos também demonstrado, em virtude da hipótese, o caso que nos interessa particularmente; pois primeiro havíamos estabelecido a hipótese de que, como quer que fosse nesses casos, também seria no caso que tínhamos diante de nós, e a seguir provamos nossa tese no tocante àqueles casos. E é útil na formulação de definições porque, se podemos ver num relance de olhos o que é idêntico em cada caso individual do sujeito, não nos dará nenhum trabalho determinar o gênero em que deve ser incluído o objeto que temos diante de nós quando se tratar de defini-lo: com efeito, dentre os predicados comuns, o que pertence de maneira mais definida à categoria da essência é provavelmente o gênero. E, do mesmo modo, também no caso de objetos que divergem largamente uns dos outros1 o exame da semelhança é útil para os fins da definição, como, por exemplo, a identidade da calma no mar e da ausência de vento no ar (pois cada uma delas é uma forma de repouso), e de um ponto na linha e da unidade num número, por ser cada um deles um ponto de origem. Se, pois, dermos como o gênero o que é comum a todos os casos, ninguém poderá objetar que definimos de maneira inadequada. É, aliás, dessa maneira que os amigos de definições as fazem quase sempre, afirmando, por exemplo, que a unidade é o ponto de partida do número e que o ponto é o ponto de origem da linha. É evidente, pois, que tomam como gênero dessas coisas aquilo que é comum a ambas. São estes, por conseguinte, os meios pelos quais se efetuam os raciocínios; os tópicos, ou lugares para cuja observância são úteis os argumentos mencionados acima são os seguintes. Livro II 2 Ora bem: uma regra ou tópico é examinar se um homem atribuiu como acidente o que pertence ao sujeito de alguma outra maneira. Esse erro se comete mais comumente no que se refere aos gêneros das coisas, como, por exemplo, se alguém dissesse que o branco é acidentalmente uma cor, pois ser uma cor não é um acidente do branco, mas sim o seu gênero. O que afirma pode, naturalmente, defini-lo assim, usando essas mesmas palavras e dizendo, por exemplo, que "a justiça é acidentalmente uma virtude"; muitas vezes, porém, mesmo sem tais definições, é evidente que ele apresentou o gênero como se fosse um acidente; suponha-se, por exemplo, que alguém dissesse que a brancura é colorida ou que o passear está em movimento. Com efeito, um predicado derivado do gênero nunca se aplica à espécie sob uma forma derivada ou inflectida, mas os gêneros sempre se predicam literalmente das espécies, já que as espécies assumem tanto o nome como a definição de seus gêneros. Portanto, o homem que diz que o branco é "colorido" não apresentou "colorido" como o gênero do branco, visto ter usado uma forma derivada, nem tampouco como uma propriedade sua ou como a sua definição; pois a definição e a propriedade de uma coisa pertencem a ela e a nada mais, ao passo que há muitas coisas, além do branco, que são coloridas, como um lenho, uma pedra, um homem, um cavalo. É evidente, pois, que ele o expressa como um acidente. Outra regra é examinar todos os casos em que se afirmou ou se negou universalmente que um predicado pertence a alguma coisa. É preciso encará- las espécie por espécie, e não em sua infinita multidão, pois assim a pesquisa será mais direta e mais rápida. Deve-se considerar primeiro os grupos mais primários e começar por eles, avançando em ordem até aqueles que já não são divisíveis. Se, por exemplo, um homem disse que o conhecimento dos opostos é o mesmo, deve-se examinar se assim é no tocante aos opostos relativos, aos contrários, aos termos que significam a privação ou a presença de certos estados, e aos termos contraditórios. Depois, se a consideração desses casos não nos forneceu nenhum resultado evidente, devemos dividi-los novamente até chegar aos que já não são divisíveis, e examinar, por exemplo, se assim acontece com os atos justos e injustos, ou com o dobro e a metade, ou com a cegueira e a visão, ou com o ser e o não-ser; porque, se em qualquer desses casos se demonstra que o conhecimento que se tem dos opostos não é o mesmo, teremos demolido o problema. E com tanto mais razão se o predicado não pertence ao sujeito em nenhum caso. Esta regra é conversível com fins tanto destrutivos como construtivos; porque, se depois de termos sugerido uma divisão, o predicado parece ser válido em todos os casos ou em grande número deles, podemos exigir que o outro o afirme universalmente, ou então apresente um exemplo negativo para mostrar em que caso o predicado não é válido, já que, se ele não fizer nenhuma dessas coisas, o negar-se a afirmar o colocará numa posição absurda. Outra regra é dar definições tanto de um acidente como do seu sujeito, quer de ambos separadamente, quer de um deles só, e depois examinar se alguma falsidade foi admitida como verdadeira nas definições. Assim, por exemplo, para ver se é possível fazer injustiça a um deus, pergunte-se o que é "fazer injustiça". Porque, se é "causar dano deliberadamente", é evidente que não se pode fazer injustiça a um deus, porque Deus não é passível de qualquer espécie de dano. Ou, então, para ver se o homem bom é invejoso, pergunte-se quem é o homem "invejoso" e o que é "inveja". Porque, se a inveja" é a dor causada pelo êxito aparente de uma pessoa de boa conduta, evidentemente o homem bom não é invejoso, porque, nesse caso, seria mau. Ou ainda, para ver se o homem indignado é invejoso, pergunte-se o que é cada um deles, pois desse modo será posto em evidência se a afirmação é verdadeira ou falsa: por exemplo, se é "invejoso" aquele que se desgosta com os êxitos dos bons e fica "indignado" o que se magoa com os êxitos dos maus, é evidente que o homem indignado não será invejoso. Devemos também substituir os termos contidos em nossas definições por outras definições, e não nos determos até que cheguemos a um termo familiar; porque muitas vezes, se a definição se formula inteira, o ponto em questão não fica aclarado, mas, se substituirmos um dos termos usados na definição pela sua própria definição, ele se tornará evidente. Além disso, devemos nós mesmos apresentar o problema sob a forma de uma proposição e depois aduzir um exemplo negativo contra ela, pois esse exemplo negativo será uma base de ataque à asserção. Esta regra é quase idêntica àquela que nos manda examinar os casos em que um predicado foi afirmado ou negado universalmente, mas difere dela no arranjo do argumento. Deve-se, também, definir que espécies de coisas devem ser chamadas como as chama a maioria dos homens, e quais as que devem receber outro nome. Porque isso é útil tanto para estabelecer como para rebater um ponto de vista: por exemplo, diríamos que nossos termos devem ser usados para significar as mesmas coisas que a maioria das pessoas significam com eles, mas quando perguntamos que classe de coisas são de tal ou tal espécie, não devemos acompanhar aqui a multidão: por exemplo, é acertado chamar de "saudável" tudo que tende a promover a saúde, como faz a maioria dos homens; mas ao dizer se o objeto que temos diante de nós tende ou não a promover a saúde, já não convém adotar a linguagem da multidão, e sim a do médico. 4 É bom, além disso, trocar um termo por outro mais familiar substituir, por exemplo, "exato" por "claro" ao descrever uma concepção, e "estar ocupado" por "estar atrapalhado", pois quando a expressão é mais familiar torna-se mais fácil atacar a tese. Esta norma é também utilizável para ambos os fins, isto é, tanto para estabelecer como para lançar por terra um ponto de vista. A fim de mostrar que atributos contrários pertencem à mesma coisa, atente-se no seu gênero; por exemplo, se queremos demonstrar que a exatidão e o erro são possíveis no que se refere à percepção sensível, e perceber é julgar, dado que é possível julgar exata ou erroneamente, também no tocante à percepção devem ser possíveis a exatidão e o erro. No exemplo presente a prova procede do gênero e passa deste à espécie, porquanto "julgar" é o gênero de "perceber", e o homem que percebe julga de certa maneira. Mas pode seguir a direção contrária e ir da espécie para o gênero, pois todos os atributos que pertencem à espécie pertencem igualmente ao gênero; por exemplo, se há um conhecimento mau e um conhecimento bom, há também uma boa e uma má disposição, porquanto "disposição" é o gênero de conhecimento. Ora, o primeiro argumento tópico é falaz quando se trata de estabelecer um ponto de vista, ao passo que o segundo é verdadeiro. Com efeito, não é necessário que todos os atributos pertencentes ao gênero também pertençam à espécie: "animal", por exemplo, é volátil e quadrúpede, porém não assim "homem". Por outro lado, todos os atributos que pertencem à espécie devem necessariamente pertencer também ao gênero; porque, se "homem" é bom, então "animal" também é bom. E, ao contrário, para o fim de demolir uma opinião, o primeiro tópico é verdadeiro, enquanto o segundo é falaz, já que todos os atributos que não pertencem ao gênero não pertencem tampouco à espécie, ao passo que todos os que faltam à espécie não faltam necessariamente ao gênero. Como aquelas coisas das quais se predica o gênero devem necessariamente ter também uma das espécies deste que se predique delas, e como aquelas coisas que estão na posse do gênero em questão ou são descritas por termos derivados desse gênero devem também necessariamente estar na posse de uma de suas espécies e ser descritas por termos derivados de uma dessas espécies (por exemplo, se a alguma coisa se aplica o termo "conhecimento científico", então se aplicará também a ela o conhecimento "gramatical" ou "musical", ou o conhecimento de uma das outras ciências; e se alguém possui conhecimento científico ou é descrito por um termo derivado de "ciência", esse alguém também possuirá o conhecimento gramatical, o musical, ou o conhecimento de alguma das demais ciências, ou será descrito por um termo derivado de uma delas, como, por exemplo, "gramático" ou "músico") - por conseguinte, se se afirma que uma expressão qualquer é de algum modo derivada do gênero (por exemplo, que a alma está em movimento), procure-se ver se a alma pode ser movida com alguma das espécies de movimento - se, por exemplo, ela pode crescer, ser destruída ou gerar-se, e do mesmo modo com respeito a todas as demais espécies de movimento. Porque, se a alma não se move de nenhuma dessas maneiras, evidentemente não se move em absoluto. Este tópico serve para ambos os propósitos, tanto para desbaratar como para estabelecer uma opinião: pois, se a alma se move com alguma das espécies de movimento, é evidente que se move; e, se não se move com nenhuma das espécies de movimentos, é evidente que não se move. Se alguém não estiver bem provido de um argumento contra a afirmação, procure entre as definições, reais ou aparentes, da coisa que tem diante de si, e se uma não for suficiente, lance mão de várias. Com efeito, será mais fácil rebater uma pessoa quando presa a uma definição, pois as definições são sempre mais fáceis de atacar. Examine-se além disso, com respeito à coisa em questão, que é aquilo cuja realidade condiciona a realidade da mesma, ou cuja realidade se segue necessariamente da realidade da coisa em questão: se se deseja estabelecer um ponto de vista ou opinião, é preciso investigar que coisa existe de cuja realidade se seguirá a realidade da coisa em questão porque, se demonstrarmos que a primeira é real, também teremos demonstrado que a coisa em questão é real). Se, pelo contrário, se deseja desmantelar uma opinião, deve-se perguntar que coisa é real se a coisa em questão é real, porque, se demonstrarmos que o que se segue da coisa em questão é irreal, teremos rebatido essa mesma coisa. Considere-se também o tempo implicado, para ver se há discrepância em alguma parte: suponha-se, por exemplo, que um homem afirmou que o que é alimentado cresce necessariamente: pois os animais estão sempre sendo necessariamente alimentados, mas nem sempre crescem. E também da mesma forma se ele disse que conhecer é lembrar-se: porque uma dessas coisas diz respeito ao tempo passado, enquanto a outra tem que ver igualmente com o presente e com o futuro. Diz-se, com efeito, que conhecemos as coisas presentes e futuras (por exemplo, que haverá um eclipse), ao passo que é impossível lembrar-se de nada que não pertença ao passado. 5 Existe, além disso, o desvio sofístico do argumento, mediante o qual levamos nosso adversário a fazer a espécie de afirmação contra a qual estamos bem providos de linhas de argumentação. Esse procedimento é por vezes uma necessidade real, outras vezes uma necessidade aparente e outras, ainda, não é uma necessidade em absoluto, nem aparente, nem real. É realmente necessário sempre que o que responde tenha negado algum ponto de vista que seja útil no ataque à tese, e o que pergunta dirige então os seus argumentos no sentido de apoiar o seu ponto de vista, sendo este um daqueles sobre os quais ele está bem provido de tópicos. É também realmente necessário sempre que ele (o que interroga), tendo chegado previamente a uma certa afirmação por meio de uma indução feita a partir da opinião expressa, procure depois demolir essa afirmação: porque, uma vez demolida esta, a opinião expressa originalmente fica também refutada. É uma necessidade aparente quando o ponto para o qual passa a dirigir-se a discussão parece ser útil e relevante para a tese sem o ser realmente, quer porque o homem que se opõe ao argumento se tenha recusado a conceder alguma coisa, quer porque ele (o que pergunta) tenha previamente chegado a ela por uma indução plausível baseada na tese, e trate então de demoli-la. O caso restante é quando o ponto a que a discussão passou a dirigir-se não é nem realmente, nem aparentemente necessário, e, por sorte do contendente, é refutado numa simples questão secundária. Deve-se ter cautela com o último dos métodos mencionados, pois parece estar completamente desvinculado da arte da dialética e ser totalmente estranho a ela. Por essa mesma razão, o contendente não deve perder a calma, mas dar seu assentimento a afirmações que nenhuma utilidade têm no ataque à tese, acrescentando uma indicação sempre que assente, embora não esteja concorde com o ponto de vista. Porquanto, em via de regra, a confusão dos que perguntam torna-se maior se, depois de lhes terem sido concedidas todas as proposições dessa espécie, não podem chegar a conclusão alguma. Além disso, quem tenha feito uma afirmação qualquer fez, em certo sentido, várias afirmações, dado que cada afirmação tem um número de conseqüências necessárias: por exemplo, quem disse "X é um homem" também disse que ele é um animal, que é um ser animado e um bípede, e que é capaz de adquirir razão e conhecimento, de forma que, pela demolição de uma só destas conseqüências, seja ela qual for, a afirmação original é igualmente demolida. Mas aqui também é preciso acautelar-se para não passar a um claro se ele entende que a coisa em questão sucede habitualmente ou de forma necessária, dá margem a que a contestemos na suposição de que o caso seja este último; por exemplo, se ele afirmou, sem fazer distinção alguma, que as pessoas deserdadas são más, podemos supor, na discussão, que ele quis dizer que tais pessoas são assim necessariamente. É preciso também verificar se ele por acaso afirmou que uma coisa é um acidente de si mesma, tomando-a por algo diferente porque tem um nome distinto, como Pródico, que dividia os prazeres em alegria, deleite e regozijo, pois todos estes são sinônimos da mesma coisa, isto é, prazer. Se, pois, alguém disser que a alegria é um atributo acidental de regozijo, estará dizendo que ela é um atributo acidental de si mesma. 7 Visto que os contrários podem ser ligados uns aos outros de seis maneiras e quatro dessas uniões formam uma contrariedade, devemos entender o assunto dos contrários a fim de que isso nos possa ajudar tanto a estabelecer como a demolir uma opinião. Ora bem: que os modos de conjunção são seis é evidente: pois (1) ou cada um dos verbos contrários será ligado a cada um dos objetos contrários, e isso nos fornece dois modos, por exemplo: fazer bem aos amigos e fazer mal aos inimigos, ou, inversamente, fazer mal aos amigos e bem aos inimigos; ou, então, (2) ambos os verbos podem ser unidos a um só objeto, e isto também nos fornece dois modos, por exemplo: fazer bem aos amigos e fazer mal aos amigos, ou fazer bem aos inimigos e fazer mal aos inimigos. Ou, ainda, (3) um só verbo pode ser ligado a ambos os objetos, e isto nos fornece igualmente dois modos, por exemplo: fazer bem aos amigos e fazer bem aos inimigos, ou fazer mal aos amigos e fazer mal aos inimigos. As duas primeiras das conjunções supramencionadas não constituem, pois, nenhuma contrariedade, porquanto fazer bem aos amigos não é contrário a fazer mal aos inimigos, uma vez que ambas essas maneiras de proceder são desejáveis e correspondem a uma mesma disposição. Nem tampouco fazer mal aos amigos é contrário a fazer bem aos inimigos, pois ambas essas coisas são reprováveis e pertencem à mesma disposição; e não se pensa geralmente que uma coisa reprovável seja contrária a outra, a menos que uma denote um excesso e a outra uma deficiência; pois um excesso é geralmente incluído na classe das coisas reprováveis, e da mesma forma uma deficiência. Mas todas as outras quatro constituem uma contrariedade. Com efeito, fazer bem aos amigos é o contrário de fazer mal aos amigos, pois essas coisas procedem de disposições contrárias, e uma delas é desejável enquanto a outra é reprovável. O caso é semelhante no que tange às outras conjunções, pois em cada uma dessas combinações um modo de proceder é desejável e o outro reprovável, e um corresponde a uma disposição razoável e o outro a uma má disposição. Pelo que ficou dito torna-se, pois, claro que o mesmo modo de proceder tem mais de um contrário. Com efeito, fazer bem aos amigos tem como contrários tanto fazer mal aos amigos como fazer bem aos inimigos. E, se os examinarmos do mesmo ângulo, veremos que os contrários de cada um dos outros também são em número de dois. Escolha-se, portanto, qualquer dos dois contrários que seja útil para atacar uma tese. Além disso, se o acidente de uma coisa tem um contrário, é preciso verificar se este pertence ao sujeito a que foi atribuído o acidente em apreço; porque, se o segundo lhe pertence, não pode pertencer-lhe o primeiro, visto ser impossível que predicados contrários pertençam simultaneamente à mesma coisa. Deve-se examinar, por outro lado, se de alguma coisa foi dita outra coisa de tal índole que, se for verdadeira, predicados contrários devem necessariamente pertencer à primeira: por exemplo, se o contendor afirmou que as "idéias" existem em nós. Pois daí resultará que elas estão ao mesmo tempo em movimento e em repouso, e, além disso, que são objetos tanto de sensação como de conhecimento. Com efeito, de acordo com as opiniões dos que afirmam a existência de idéias, essas idéias estão em repouso e são objetos de conhecimento; ora, se elas existem em nós, é impossível que estejam imóveis; pois quando nos movemos, segue-se necessariamente que tudo que em nós existe se move juntamente conosco. Não é menos evidente que também são objetos de sensação, se existem em nós, pois é pela sensação da vista que reconhecemos a forma presente em cada indivíduo. Se se afirmou um acidente que tem um contrário, é preciso ver se aquilo que admite o acidente admite também o seu contrário; pois uma mesma coisa admite contrários. Assim, por exemplo, se o contendor afirmou que o ódio se segue à cólera, o ódio pertenceria, nesse caso, à "faculdade emotiva", pois é a essa que pertence a cólera. Deve-se, por conseguinte, verificar se o seu contrário, a saber, a amizade, também pertence à "faculdade emotiva"; porque se assim não for - se a amizade pertence à faculdade do desejo, então o ódio não pode seguir-se à cólera. E de maneira análoga se o outro afirmou que o desejo é ignorante. Porque, se ele fosse capaz de ignorância, seria também capaz de conhecimento, e não é esta a opinião geral - isto é, que a faculdade do desejo seja capaz de conhecimento. A fim, pois, de rebater uma opinião, como já se disse, deve-se observar esta regra; mas quando, pelo contrário, se trata de estabelecer um ponto de vista, embora a regra não ajude a afirmar que o acidente pertence atualmente ao sujeito, ajuda a defender a possibilidade de tal predicação. Pois ao demonstrar que a coisa em questão não admite o acidente que lhe foi atribuído, teremos demonstrado que o acidente não lhe pertence, nem é possível que lhe pertença; e, por outro lado, se demonstrarmos que o contrário lhe pertence, ou que a coisa comporta o contrário, não teremos, em verdade, demonstrado ainda que o acidente afirmado também lhe pertence; nossa prova não terá ido além desse ponto. a possibilidade de que ele lhe pertença. 9 Convém examinar também os coordenados e as formas derivadas dos termos que constituem a tese, tanto ao refutá-la como ao estabelecê-la. Entendem-se por "coordenados" termos como os seguintes: "ações justas" e "homem justo" são coordenados de "justiça", e "atos corajosos" e "homem corajoso" são coordenados de "coragem". Analogamente, também as coisas que tendem para produzir e conservar alguma coisa chamam-se coordenadas daquilo que tendem a produzir ou conservar, como, por exemplo, "hábitos saudáveis são coordenados de "saúde", e um "exercício vigoroso" de uma "constituição vigorosa", e de modo análogo também em outros casos. "Coordenado", pois, designa geralmente casos como os que acabamos de mencionar, enquanto "formas derivadas" são "justamente", "corajosamente", "saudavelmente" e outras formadas da mesma maneira. Em geral se admite que as palavras usadas em suas formas derivadas são também coordenadas, como, por exemplo, "justamente" em relação a "justiça" e "corajosamente" a "coragem"; segundo este ponto de vista, "coordenado" designa todos os membros da mesma série de termos afins, como, por exemplo, "justiça", "justo" aplicado a um homem ou a um ato, "justamente". É evidente, pois, que quando se demonstra que é bom e digno de louvor um membro qualquer de uma série de termos afins o mesmo fica demonstrado de todos os demais. Por exemplo: se "justiça" é algo digno de louvor, também "justo", tanto aplicado a um homem como a um ato, e "justamente", conotarão algo digno de louvor. Portanto, "justamente" será também expresso por "louvavelmente", derivado de "louvável" por meio da mesma inflexão que de "justiça" formou "justamente". Deve-se procurar o predicado contrário não apenas no caso do sujeito mencionado, como também no do sujeito contrário. Sustente-se, por exemplo, que o bem não é necessariamente agradável, pois tampouco o mal é doloroso; ou, se este último é assim, também será agradável o primeiro. Por outro lado, se a justiça é conhecimento, então a injustiça é ignorância; e, se "justamente" significa "sabiamente" e "habilmente", então "injustamente" significa "ignorantemente" e "inabilmente"; ao passo que, se o último não é verdadeiro, tampouco o será o primeiro, como no exemplo dado acima; pois é mais provável que "injustamente" pareça equivaler a "habilmente" do que a "inabilmente". Este tópico já foi explanado atrás, quando tratamos da seqüência dos contrários; pois tudo o que pretendemos agora é que o contrário de P se siga ao contrário de S. Examinem-se, além disso, os modos de geração de uma coisa, e aquelas coisas que tendem a produzi-la ou a corrompê-la, tanto ao refutar como ao estabelecer uma opinião. Porque aquelas coisas cujos modos de geração se classificam entre as coisas boas são também boas elas mesmas; e, se elas mesmas são boas, também o são os seus modos de geração. Se, por outro lado, seus modos de geração forem maus, elas próprias também serão más. Quanto aos modos de corrupção, o inverso é verdadeiro; porque, se os modos de corrupção se classificam como coisas boas, então as coisas mesmas se classificarão como más, ao passo que, se os modos de corrupção são considerados maus, elas mesmas aparecem como boas. O mesmo argumento se aplica também ao que tende a produzir e a corromper: porque as coisas produzidas por causas boas são também boas elas mesmas; ao passo que, se as causas que as corrompem são boas, elas mesmas se classificam como más. 10 Devem-se examinar também as coisas que se assemelham ao sujeito em questão e ver se se encontram num caso semelhante; por exemplo, se um ramo de conhecimento tem mais de um objeto, também o terá uma opinião; e, se possuir visão é ver, então possuir audição é ouvir. E de maneira análoga com as demais coisas, tanto as que são semelhantes como as que são geralmente consideradas como tais. O tópico de que falamos é comum para os dois fins, porque, se se afirmou algo de alguma coisa particular, a mesma afirmação se aplicará também às outras coisas semelhantes, ao passo que, se afirmação não é verdadeira de uma delas, também não o será das outras. Procure-se ver também se os casos são semelhantes com respeito a uma só coisa e com respeito a várias coisas, pois às vezes deparamos com uma discrepância. Assim, se "conhecer" alguma coisa é "pensar" nela, então "conhecer muitas coisas" e "estar pensando em muitas coisas"; mas isto não é verdadeiro, pois se pode conhecer muitas coisas sem estar pensando nelas. Se, pois, a última proposição não é verdadeira, tampouco o era a primeira, que se referia a uma coisa só, a saber: que "conhecer" uma coisa é "pensar" nela. Argumente-se, além disso, partindo dos graus maiores ou menores. No que toca aos graus maiores, existem quatro regras ou tópicos. Uma delas é: examinar se a um grau maior do predicado se segue um grau maior do sujeito; por exemplo, se o prazer é um bem, veja-se também se um prazer maior é um bem maior; e, se fazer uma injustiça é um mal, veja-se se fazer uma injustiça maior é um mal maior. Esta regra é útil para ambos os fins, pois, se um acréscimo do acidente se segue a um incremento do sujeito, como dissemos, evidentemente o acidente pertence ao sujeito, ao passo que se uma coisa não se segue da outra, o acidente não pertence ao sujeito. Isto deve ser estabelecido por indução. Outra regra é: se um predicado é atribuído a dois sujeitos, supondo-se que ele não pertença ao sujeito ao qual é mais provável que pertença, tampouco deverá pertencer àquele a que é menos provável que pertença; e, inversamente, se pertence ao sujeito a que é menos provável que pertença, deverá pertencer igualmente ao outro. E, por outro lado: se dois predicados são atribuídos a um sujeito, então, se acontece não lhe pertencer o que mais geralmente se acredita que lhe pertença, tampouco lhe pertencerá o outro; ou, se lhe pertence o que menos geralmente se acredita que lhe pertença, com mais forte razão lhe pertencerá o outro. Mais ainda: se dois predicados são atribuídos a dois sujeitos, então, se aquele que mais geralmente se acredita adição, se considere geralmente honroso ou desonroso, ou ss de qualquer outra coisa da mesma espécie, se dirá que é assim "absolutamente". Livro III 1 A questão sobre qual é a mais desejável ou a melhor entre duas ou mais coisas deve ser examinada da maneira seguinte; mas, antes de mais nada, devemos deixar bem claro que a investigação que estamos fazendo não diz respeito a coisas que divergem largamente e mostram grandes diferenças umas das outras (pois ninguém expressa a menor dúvida sobre se é mais desejável a felicidade ou a riqueza), mas a coisas que se relacionam estreitamente entre si e sobre as quais costumamos discutir para saber qual das duas deveremos preferir, por não vermos nenhuma vantagem de um lado ou de outro ao compará-las. É evidente, pois, que se em tais casos pudermos mostrar uma única vantagem, ou mais de uma, nosso juízo será o nosso assentimento àquela parte que possui a vantagem, como sendo a mais desejável. Em primeiro lugar, pois, o que é mais duradouro e seguro é preferível àquilo que o é menos; e, do mesmo modo, o que tem mais probabilidades de ser escolhido pelo homem sábio ou prudente, pelo homem bom ou pela lei justa, por homens que são hábeis num campo qualquer, quando fazem sua escolha como tais, e pelos peritos em determinadas classes de coisas: isto é, o que a maioria ou o que todos eles escolheriam; por exemplo, em medicina ou em carpintaria, são mais desejáveis as coisas que escolheria a maioria dos médicos ou carpinteiros, ou todos eles; ou, de modo geral, o que escolheria a maioria dos homens, ou todos os homens, ou todas as coisas - pois todas as coisas tendem para o bem. Deve-se orientar o argumento que se pretende empregar para qualquer fim que se necessite. O padrão absoluto do que é "melhor ou mais desejável" é o ditame da melhor ciência, se bem que relativamente a um indivíduo dado o padrão possa ser a sua ciência particular. Em segundo lugar, aquilo que é conhecido como "um X" é mais desejável do que aquilo que não se inclui no gênero "X": por exemplo, a justiça é mais desejável do que um homem justo, porque a primeira se inclui no gênero "bem", o que não acontece com o segundo, e a primeira é chamada "um bem", ao passo que o segundo não o é; pois nada que não pertença ao gênero em causa é chamado pelo nome genérico, como, por exemplo, um "homem branco" não é uma cor. E analogamente nos demais casos. E também o que se deseja por si mesmo é preferível àquilo que se deseja com vistas noutra coisa: por exemplo, a saúde é preferível à ginástica, porque a primeira é desejada por si mesma, enquanto a segunda é desejada com vistas noutra coisa. E do mesmo modo, o que é desejável por si mesmo é mais desejável do que aquilo que se deseja por acidente; por exemplo, a justiça é 2 Além disso, sempre que duas coisas se assemelhem muito entre si e não podemos ver nenhuma superioridade numa delas sobre a outra, devemos examiná-las sob o ponto de vista de suas conseqüências. Porquanto a que tem como conseqüência o bem maior é a mais desejável; ou, se as conseqüências forem más, será mais desejável a que for seguida de um mal menor. Com efeito, embora ambas sejam desejáveis, pode haver entre elas alguma conseqüência desagradável que faça pender a balança. Nosso exame a partir das conseqüências segue duas direções, pois há conseqüências anteriores e conseqüências posteriores; por exemplo se um homem aprende, segue-se que antes era ignorante e depois sabe. Como regra geral, a conseqüência posterior é a que mais deve entrar em consideração. Cumpre escolher, portanto, aquela das conseqüências que melhor servir aos nossos fins. Além disso, um grande número de boas coisas é mais desejável do que um número menor, quer absolutamente, quer quando um está incluído no outro, a saber: o número menor no maior. Pode-se levantar aqui uma objeção supondo- se que, num caso particular, uma delas seja apreciada por causa da outra, pois nesse caso as duas juntas não são mais desejáveis do que uma só; por exemplo, a recuperação da saúde e a saúde não são mais desejáveis do que a saúde por si só, visto que desejamos recuperar a saúde precisamente por causa da saúde. Também é perfeitamente possível que aquilo que não é bom, juntamente com o que o é, sejam mais desejáveis do que um grande número de boas coisas: por exemplo, a combinação da felicidade com algo que não seja bom pode ser mais desejável do que a combinação da justiça e da coragem. Além disso, as mesmas coisas são mais valiosas quando acompanhadas de prazer do que quando este está ausente, e da mesma forma quando são isentas de dor do que quando acompanhadas de dor. Todas as coisas são também mais desejáveis na ocasião em que assumem maior importância; por exemplo, estar isento de dor é mais desejável na velhice do que na juventude, porque se reveste de maior importância na velhice. Dentro do mesmo princípio, também a prudência é mais desejável na velhice; com efeito, ninguém escolhe os jovens para guiá-los, pois não se espera que eles sejam prudentes. Com a coragem dá-se o caso inverso, pois é na mocidade que se requer de maneira mais imperativa o exercício dessa virtude. E da mesma forma no que toca à temperança, porquanto os jovens sofrem mais do que os velhos as conseqüências de suas paixões. Além disso, é mais desejável aquilo que é mais útil em todas as ocasiões ou na maioria delas, por exemplo, a justiça e a temperança mais do que a coragem, pois as primeiras são sempre úteis, enquanto a segunda só o é em determinadas ocasiões. E dentre duas coisas, aquela que, se todos a possuíssem, tornaria desnecessária a outra é mais desejável do que aquela que todos poderiam possuir e, ainda assim, sentir falta da outra. Considere-se a esta luz o caso da justiça e da coragem: se todos fossem justos, não haveria necessidade de coragem, ao passo que, se todos fossem corajosos, ainda assim haveria necessidade de justiça. Deve-se também julgar pelas corrupções e perdas, pelas gerações e aquisições, bem como pelo contrário das coisas: pois aquelas coisas cuja corrupção é mais reprovável são, em si mesmas, mais desejáveis. Com a geração ou a aquisição de coisas dá-se o contrário, pois aquelas cuja geração ou aquisição é mais desejável são, em si mesmas, mais desejáveis. Outra regra ou tópico é que aquilo que está mais próximo do bem - em outras palavras, o que mais de perto se assemelha ao bem - é melhor e mais desejável; assim, a justiça é melhor do que um homem justo. E do mesmo modo, o que mais se assemelha a algo superior a ele próprio é mais desejável do que aquilo que menos se assemelha; por exemplo, dizem alguns que Ajax era um homem superior a Ulisses porque se assemelhava mais a Aquiles. A isto pode-se objetar que não é verdade, pois é bem possível que Ajax não se assemelhasse mais do que Ulisses a Aquiles naqueles pontos que faziam deste o melhor de todos eles, e que Ulisses fosse um homem de valor, embora não se parecesse com Aquiles. Examine-se também se a semelhança não é uma espécie de caricatura, como a de um macaco com um homem, enquanto um cavalo não tem qualquer semelhança com este: porque o macaco não é o mais belo desses dois animais, apesar de sua semelhança mais estreita com o homem. Por outro lado, se de duas coisas uma se assemelha mais a uma coisa melhor enquanto a outra se assemelha mais a uma coisa pior, é provável que a primeira seja melhor do que a segunda. Isto, no entanto, também admite uma objeção, pois é possível que uma só se pareça de leve com a melhor, enquanto a outra se parece fortemente com a pior: suponha-se, por exemplo, que a semelhança de Ajax com Aquiles seja pequena, ao passo que a de Ulisses com Nestor seja grande. Pode suceder também que o que se assemelha ao tipo melhor possua uma semelhança de certo modo degradante e que, pelo contrário, a semelhança da outra com o tipo pior seja no sentido de melhorá- lo, como é o caso da semelhança entre um cavalo e um jumento em comparação com a semelhança entre um homem e um macaco. Outro tópico é que o bem mais evidente é mais desejável do que o menos evidente, e o mais difícil do que o mais fácil, pois damos maior valor à posse de coisas que não podem ser adquiridas com facilidade. Do mesmo modo, a posse mais pessoal é mais desejável do que aquela que é mais amplamente compartilhada. E também o que está mais livre de conexões com o mal, pois o que não é acompanhado de nada desagradável é mais desejável do que aquilo que possui tais conotações. Além disso, se A é melhor do que B em sentido absoluto, também o melhor dos componentes de A é superior ao melhor dos componentes de B; por exemplo, se "homem" é melhor do que "cavalo", também o melhor dos homens é superior ao melhor dos cavalos. E inversamente, se o melhor integrante de A é superior ao melhor integrante de B, então A é melhor do que B em sentido absoluto. Ainda mais: as coisas que nossos amigos podem compartilhar conosco são melhores do que aquelas que eles não podem compartilhar. E do mesmo modo, aquelas coisas que preferiríamos fazer a nossos amigos são melhores do que aquelas que gostaríamos de fazer a qualquer um: por exemplo, praticar a justiça e fazer o bem do que simplesmente aparentar essas coisas: pois preferiríamos fazer bem aos nossos amigos a aparentar fazê-lo, ao passo que, tratando-se de um homem qualquer a quem encontremos na rua, acontece o contrário. Do mesmo modo, as superfluidades são melhores do que as necessidades, e com freqüência são também mais desejáveis: viver bem, com efeito, é uma superfluidade, ao passo que a simples vida é uma necessidade. Às vezes, porém, o melhor não é também mais desejável, pois do fato de ser melhor não decorre necessariamente que seja mais desejável: pelo menos, ser filósofo é melhor do que ganhar dinheiro, porém não é mais desejável para um homem que carece das coisas necessárias à vida. A expressão "superfluidade" aplica- se sempre que um homem possui o necessário para a vida e esforça-se por adquirir também outras coisas nobres. Grosso modo, talvez as coisas necessárias sejam mais desejáveis, enquanto as supérfluas são melhores. Igualmente, o que não se pode conseguir de outrem é mais desejável do que aquilo que também se pode conseguir de outrem, como sucede, por exemplo, no caso da justiça em comparação com a coragem. Do mesmo modo, A é mais desejável se A é desejável sem B, porém não B sem A: o poder, por exemplo, não é desejável sem a prudência, mas a prudência é desejável sem o poder. Assim, também, se de duas coisas repudiamos uma a porquanto nessa relação a serra é a mais desejável das duas, sem que, no entanto, seja mais desejável de maneira absoluta. Uma coisa é também mais desejável se, quando acrescentada a um bem menor, faz com que o todo se torne um bem maior. E deve-se julgar igualmente pelo sistema da subtração, pois aquela coisa em resultado de cuja subtração o resto se torna um bem menor pode considerar-se como um bem maior, seja qual for essa coisa cuja subtração faz com que o resto seja um bem menor. E também, se uma coisa é desejável por si mesma e a outra pela sua aparência a primeira é mais desejável do que a segunda; por exemplo, a saúde do que a beleza. Diz-se que uma coisa é mais desejável pela sua aparência se, na suposição de que ninguém tivesse conhecimento dela, não nos interessássemos em possuí-la. Além disso, é ainda mais desejável se o é tanto por si mesma como pela sua aparência enquanto a outra coisa só é desejável por uma dessas razões. E da mesma forma, o que é mais precioso por si mesmo e também melhor e mais desejável. Uma coisa pode ser julgada mais desejável em si mesma quando a escolhemos por ela própria, sem que daí nos advenha nenhuma outra vantagem provável. Além disso, deve-se distinguir em quantos sentidos se usa o termo "desejável" e com que fins em vista, por exemplo: a conveniência, a honra ou o prazer. Com efeito, o que é útil para todas essas coisas ou para a maioria delas pode ser encarado como mais desejável do que aquilo que não é útil de igual maneira. Se ambas as coisas possuem essas características, deve-se examinar qual das duas as possui de maneira mais assinalada, isto é, qual das duas é mais agradável, ou mais honrosa, ou mais conveniente. É também mais desejável o que serve uma finalidade melhor, por exemplo: aquilo que contribui para promover a virtude do que aquilo que promove o prazer. E analogamente no caso das coisas reprováveis: pois é mais reprovável o que mais impede a consecução do que é desejável, por exemplo: a doença é mais reprovável ou indesejável do que a fealdade, por ser um empecilho maior tanto ao prazer como à virtude. Deve-se argumentar, além disso, mostrando que a coisa em apreço é em igual medida desejável e reprovável, pois uma coisa de tal índole que se possa desejá-la e opor-se a ela por igual é menos desejável do que outra que seja somente desejável. 4 As comparações de coisas umas com as outras devem, pois, ser feitas da maneira indicada. As mesmas regras ou tópicos são também úteis para mostrar que uma coisa qualquer é simplesmente desejável ou reprovável, pois para isso basta subtrair o excesso de uma coisa sobre a outra. Com efeito, se o que é mais precioso é mais desejável, então o que é simplesmente precioso é desejável; e, se o que é mais útil é mais desejável, o que é simplesmente útil é desejável. E analogamente no caso das outras coisas que admitem comparações desta espécie. Porque, em alguns casos, já ao comparar as coisas entre si estamos afirmando que cada uma delas, ou pelo menos uma delas, é desejável: por exemplo, sempre que chamamos uma coisa "boa por natureza" e a outra "não por natureza"; pois, evidentemente, o que é bom por natureza é desejável. 5 Os tópicos ou lugares referentes a quantidades e graus comparativos devem tomar-se da forma mais geral possível, porque, assim tomados, serão provavelmente mais úteis num número maior de casos. É possível tornar mais universais alguns dos tópicos dados a acima alterando ligeiramente a sua expressão, por exemplo: que aquilo que por natureza mostra tal e tal qualidade manifesta-a em grau maior do que aquilo que não a manifesta por natureza. E também, se uma coisa comunica tal e tal qualidade àquilo que a possui ou a que ela pertence, enquanto outra coisa não faz tal, a primeira possui essa qualidade em maior grau do que aquela que não a comunica; e, se ambas a comunicam, então manifesta-a em grau maior aquela que a comunica em maior grau. Além disso, se no que se refere a determinada característica uma coisa excede e a outra não alcança o mesmo padrão; e também se uma delas supera algo que supera um dado padrão, enquanto a outra não alcança esse padrão, é evidente que a primeira manifesta essa característica em maior grau. Deve-se julgar também por meio da adição e ver se A, quando acrescentado à mesma coisa que B, comunica ao todo tal e tal caráter em grau mais assinalado do que B, ou se, quando acrescentado a uma coisa que manifesta esse caráter em grau menor, o comunica ao todo em grau maior. E, de maneira análoga, também se pode julgar por meio da subtração: pois uma coisa tal que, quando subtraída, o resto manifesta tal ou tal caráter em grau menor, possui ela mesma esse caráter em grau maior. Além disso, as coisas manifestam tal ou tal caráter em grau maior quando mais isentas de mistura com os seus contrários; por exemplo, é mais branco aquilo que está mais isento de mistura com o preto. Acresce que, além das regras dadas acima, possui tal ou tal caráter em grau maior aquilo que admite em maior grau a definição própria do caráter em apreço; por exemplo, se a definição do branco é "uma cor que traspassa a visão", será mais branco aquilo que em maior grau for uma cor que traspassa a visão. acrescentar nenhuma definição ulterior. Porque, se ele queria dizer com isso que um prazer particular é bom, devemos demonstrar universalmente que nenhum prazer é bom, caso nosso intento seja demolir a sua tese. E, pelo contrário, se ele queria dizer que algum prazer particular não é bom, devemos demonstrar universalmente que nenhum prazer é bom, pois é impossível refutá-lo de qualquer outro modo. Com efeito, se demonstrarmos que algum prazer particular é ou não é bom, a proposição de nosso contendor não estará ainda refutada. Evidentemente, pois, só é possível refutar de uma maneira um juízo indefinido, embora ele possa ser estabelecido de duas maneiras: pois nossa proposição ficará provada quer demonstremos universalmente que todo prazer é bom, quer que um determinado prazer particular o é. E do mesmo modo, supondo-se que tenhamos de argumentar que algum prazer particular não é bom, se demonstrarmos que nenhum prazer é bom ou que um determinado prazer particular não é bom, teremos apresentado um argumento de duas maneiras, tanto universalmente como em particular, para demonstrar que um certo prazer particular não é bom. Se, por outro lado, o juízo expresso é definido, será possível rebatê-lo de duas maneiras; por exemplo, se alguém sustentar que é um atributo de algum prazer particular o ser bom, ao passo que de algum outro não o é: pois, quer demonstremos que todo prazer é bom, quer que nenhum deles o é, teremos demolido a proposição de nosso adversário. Se, contudo, ele afirmou que somente um único prazer determinado é bom, é possível refutá-lo de três maneiras: pois, quer demonstrando que todo prazer é bom, quer que nenhum o é, quer que alguns - mais de um - o são, teremos refutado a sua proposição. Se o juízo for ainda mais definido - por exemplo, que só a prudência, dentre as virtudes, é conhecimento -, há quatro maneiras de refutá-lo: pois, se demonstrarmos que toda virtude é conhecimento, ou que nenhuma virtude o é, ou que alguma outra virtude (como, por exemplo, a justiça) é conhecimento, ou que a própria prudência não é conhecimento, estará refutado o juízo em questão. Também é útil examinar exemplos individuais quando se afirmou que algum atributo pertence ou não pertence a determinado sujeito, como no caso das questões universais. Além disso, convém dar uma vista de olhos aos gêneros, dividindo-os em suas espécies até chegarmos àquelas que já não são divisíveis, como dissemos atrás; pois, quer se verifique que o atributo pertence a todos os casos, quer a nenhum, deveríamos, após aduzir vários exemplos concretos, exigir que o contendor admita nosso ponto de vista universalmente, ou então objete mostrando a que caso ou casos ele não se aplica. Além disso, quando é possível tornar definido o acidente quer específica, quer numericamente, deve-se averiguar se talvez nenhum deles pertence ao sujeito, demonstrando, por exemplo, que o tempo nem é movido, nem tampouco é movimento, mediante uma enumeração das espécies de movimento: porque, se nenhuma delas pertence ao tempo, evidentemente ele não se move, nem tampouco é um movimento. E, de maneira análoga, também se pode mostrar que a alma não é um número dividindo todos os números em pares ou ímpares: porque nesse caso, se a alma não é par nem ímpar, evidentemente não é um número. Com respeito, pois, ao acidente, devemos operar servindo-nos de meios como estes e da maneira indicada. Livro IV É preciso ver, além disso, se o termo incluído no gênero tem uma extensão mais ampla do que este, como tem, por exemplo, "objeto de opinião" comparado com "ser", pois tanto o que existe como o que não existe são objetos de opinião: logo, "objeto de opinião" não pode ser uma espécie de ser, dado que o gênero tem sempre uma extensão mais ampla do que a espécie. Veja-se, igualmente, se a espécie e o seu gênero têm igual extensão: se, por exemplo, dos atributos que se encontram em todas as coisas, um fosse apresentado como uma espécie e outro como o seu gênero, "ser" e "unidade"; porquanto todas as coisas possuem ser e unidade, de modo que nenhum destes dois é gênero do outro, tendo eles, como têm, uma igual extensão. E do mesmo modo se do "primeiro" de uma série e do "começo", um fosse subordinado ao outro, pois o primeiro é o começo e o começo é o primeiro, de modo que ou ambas estas expressoes são idênticas, ou, de qualquer forma, nenhuma é o gênero da outra. O princípio elementar referente a todos os casos deste tipo é que o gênero tem uma extensão mais vasta do que a espécie e sua diferença, pois a diferença tem, igualmente, uma extensão mais restrita do que o gênero. Veja-se também se o gênero mencionado não se aplica, ou pode admitir-se geralmente que não se aplique, a algum objeto que não difira especificamente da coisa em questão; ou, pelo contrário, se o nosso argumento é construtivo, veja-se se ele se aplica dessa maneira. Porquanto todas as coisas que não diferem especificamente pertencem ao mesmo gênero. Se, por conseguinte, se demonstra que este se aplica a uma delas, então é evidente que se aplica a todas; e se não se aplica a uma, é claro que não se aplica a nenhuma: por exemplo, se alguém que admitisse as "linhas indivisíveis" dissesse que "indivisível" é o gênero delas. Porque o termo mencionado não é o gênero das linhas divisíveis, e estas não diferem das indivisíveis quanto à espécie: com efeito, as linhas retas nunca diferem umas das outras no que diz respeito à espécie. 2 Examine-se também se existe algum outro gênero da espécie dada que nem abarque o gênero apresentado, nem, tampouco, se inclua nele. Suponha- se, por exemplo, que alguém afirmasse que "conhecimento" é o gênero de justiça. Porquanto a virtude é também o gênero desta, e nenhum destes gêneros abarca o outro, de forma que o conhecimento não pode ser o gênero da justiça, pois se admite geralmente que, sempre que uma espécie se inclui em dois gêneros, um destes é abrangido pelo outro. Entretanto, um princípio desta classe dá margem a que se suscite em certos casos uma dificuldade. Há, por exemplo, quem afirme que a justiça tanto é uma virtude como um conbecimento e que nenhum destes gêneros é abarcado pelo outro - embora, por certo, nem todos admitam que a prudência seja conhecimento. Se, todavia, alguém admitisse a verdade dessa asserção, haveria, por outro lado, o consenso geral de que os gêneros do mesmo objeto devem necessariamente ser subordinados um ao outro ou ambos a um terceiro, como em verdade sucede com a virtude e o conhecimento. Com efeito, ambos se incluem no mesmo gênero, sendo como é cada um deles um estado e uma disposição. Deve-se verificar, portanto, se nenhuma dessas coisas é verdadeira do gênero apresentado; porque, se nem os gêneros são subordinados um ao outro, nem ambos a um mesmo gênero, o que foi proposto não pode ser o gênero verdadeiro. Examine-se, também, o gênero do gênero proposto, passando depois ao gênero próximo mais alto, para ver se todos se predicam da espécie, e se predicam na categoria de essência: pois todos os gêneros mais altos devem predicar-se das espécies nessa categoria. Se, portanto, houver algures uma discrepãncia, é evidente que o que se propôs não é o gênero verdadeiro. (Veja- se também se o próprio gênero ou um dos gêneros mais altos participa da espécie, pois o gênero superior não participa de nenhum dos que lhe são inferiores.) Se, pois, estamos rebatendo uma opinião, deve-se seguir a regra conforme foi dada; se, pelo contrário, se trata de estabelecer o nosso ponto de vista, então - na hipótese de que se admita que o gênero proposto pertence à espécie, porém não como gênero - basta demonstrar que um dos seus gêneros superiores se predica da espécie na categoria de essência. Porque, se um deles predica nessa categoria, todos os demais, tanto os superiores como os inferiores a ele, se de algum modo se predicam da espécie, há de ser na categoria de essência: e assim, o que se propôs como gênero também se predica na categoria de essência. A premissa de que, quando um gênero se predica na categoria de essência, todos os demais, se de algum modo se predicarem, será nessa categoria, deve ser estabelecida por indução. Supondo-se, por outro lado, que se conteste que aquilo que foi proposto como gênero pertença em absojuto à espécie, não basta demonstrar que um dos gêneros superiores se predica desta na categoria de essência: por exemplo, se alguém propôs "locomoção" como gênero de "passeio", não basta demonstrar que passear é um "movimento" para provar que é "locomoção", visto existirem também outras formas de movimento; mas é preciso demonstrar igualmente que o passear não participa de nenhuma das outras espécies de movimento obtidas pela mesma divisão, exceto a locomoção. Porque necessariamente o que participa do gênero também participa de uma das espécies obtidas pela primeira divisão deste. Se, portanto, o passear não participa do aumento, nem do decréscimo, nem das demais espécies de movimento, é evidente que deve participar da locomoção, e a locomoção será o gênero do passear. Examinem-se também as coisas de que a espécie dada se predica como gênero para ver se o que é proposto como seu gênero se predica, na categoria de essência, das mesmas coisas de que a espécie é assim predicada, e também se todos os gêneros superiores a esse se predicam também assim. Porque, se houver alguma discrepância, evidentemente o que se propôs nao é o verdadeiro gênero; com efeito, se o fosse, tanto os gêneros superiores a ele quanto ele próprio se predicariam todos na categoria de essência daqueles objetos de que a própria espécie é predicada em tal categoria. Se, pois, estamos rebatendo um ponto de vista, é útil verificar se o gênero não se predica na categoria de essência daquelas coisas de que também se predica a espécie. Se, por outro lado, estamos estabelecendo uma opinião, é útil verificar se ele se predica na categoria de essência, pois nesse caso teremos que o gênero e a espécie se predicam do mesmo objeto na categoria de essência, de modo que o mesmo objeto fica incluído em dois gêneros; por conseguinte, os gêneros devem necessariamente subordinar-se um ao outro; e, se demostrarmos que aquele que desejamos estabelecer como gênero não está subordinado à espécie, evidentemente a espécie estará subordinada a ele, e pode dar-se como demonstrado que esse é o gênero. É preciso considerar também as definições dos gêneros e ver se ambas se aplicam à espécie dada e aos objetos que participam da espécie. Porquanto as definições dos seus gêneros devem necessariamente predicar-se da espécie e dos objetos que dela participam. Se, pois, houver algures uma discrepância, é evidente que o que se propôs não é o gênero. 3 Examine-se também se o que está colocado no gênero participa ou poderia participar também do gênero contrário. Veja-se, igualmente, se a espécie participa de algum caráter que nenhum integrante do gênero possa absolutamente possuir. Assim, por exemplo, se a alma participa da vida, e não é possível que nenhum número viva, a alma não poderá ser uma espécie de número. Deve-se também examinar se a espécie é um homônimo do gênero, e empregar como princípios elementares aqueles que já foram estabelecidos para a homonímia: pois o gênero e a espécie são sinônimos. Uma vez que de todo gênero há mais de uma espécie, verifique-se se é impossível haver alguma outra espécie, além da apontada, que corresponda ao gênero proposto; porque, se não houver nenhuma, evidentemente o que se propôs como gênero não pode sê-lo em absoluto. Veja-se, também, se o adversário apresentou como gênero uma expressão metafórica, descrevendo, por exemplo, a temperança como uma "harmonia"; pois um gênero sempre se predica de suas espécies no sentido literal, ao passo que "harmonia" se predica da temperança num sentido não literal, mas metafórico, pois literalmente uma harmonia consiste sempre em notas musicais. Além disso, se houver algum contrário da espécie, convém examiná-lo. Esse exame pode assumir diferentes formas: antes de tudo, veja-se se o contrário também se encontra no mesmo gênero que a espécie, supondo-se que o gênero não tenha um contrário; pois os contrários devem encontrar-se no mesmo gênero se este não tem um contrário. Supondo-se, por outro lado, que haja um contrário do gênero, deve-se verificar se o contrário da espécie se encontra no gênero contrário: pois necessariamente a espécie contrária deve encontrar-se ali, se o gênero tem um contrário. Cada um destes pontos se evidencia por meio da indução. Examine-se também se o contrário da espécie não se encontra absolutamente em nenhum gênero, mas é ele próprio um gênero, como, por exemplo, o "bem": porque, se ele não se encontra em nenhum gênero, tampouco o seu contrário se encontra em nenhum gênero, mas ele próprio é um gênero, como sucede no caso de "bem" e "mal", nenhum dos quais se encontra num gênero, sendo cada um deles um gênero por si mesmo. Examine-se, além disso, se tanto o gênero como a espécie são contrários a alguma coisa, e um dos pares de contrários tem um termo intermédio, ao passo que o outro não o tem. Porque, se os gêneros têm um intermediário, também devem tê-lo as suas espécies; e, se o têm as espécies, também seus gêneros o terão, como sucede com (1) "virtude" e "vício", e (2) "justiça e "injustiça": pois cada um desses pares tem um intermediário. A isto se pode objetar que não há intermediário entre "saúde" e "doença", mas entre "bem" e "mal", sim. Ou veja-se, embora haja realmente um intermediário entre ambos os pares, isto é, tanto entre as espécies como entre os gêneros, se eles não se relacionam da mesma maneira, mas num caso o intermediário é uma simples negação dos extremos, enquanto no outro caso é um sujeito. Pois a opinião geral é que a relação deve ser semelhante em ambos os casos, como é nos casos da "virtude" e do "vício", por um lado e da "justiça" e da "injustiça" pelo outro: com efeito, os intermediários entre ambos os pares são simples negações. Além disso, sempre que o gênero não tenha contrário, convém examinar não apenas se o contrário da espécie se encontra no mesmo gênero, mas também o intermediário: porque o gênero que contém os extremos contém igualmente os intermediários, como, por exemplo, no caso do "preto" e do"branco": pois "cor" é o gênero não só destes dois como também de todas as cores intermediárias. Poder-se-ia objetar aqui que "deficiência" e "excesso" se encontram no mesmo gênero (pois ambos pertencem ao gênero "mal"), ao passo que "quantidade moderada", o intermediário entre eles, não é um mal, mas um bem. Examine-se também se, embora o gênero tenha um contrário, a espécie não o tem; porque, se o gênero é o contrário de alguma coisa, também a espécie o será, como a virtude é o contrário do vicio e a justiça, da injustiça. Isto também se nos tornaria evidente se examinássemos outros casos concretos semelhantes a este. É possível levantar uma objeção no caso da saúde e da doença, pois a saúde em geral é o contrário da doença, ao passo que uma enfermidade particular, embora seja uma espécie de doença, como, por exemplo, a febre, a oftalmia e qualquer outra espécie particular de doença, não tem contrários. Se, pois estamos refutando um ponto de vista, podemos proceder ao nosso exame de todas essas maneiras que acabamos de explicar: porque, se lhe faltam as características mencionadas, evidentemente o que foi proposto como gênero não é tal. Se, por outro lado, se trata de estabelecer um ponto de vista, há três caminhos: primeiro, verificar se o contrário da espécie se encontra no gênero proposto, supondo-se que este não tenha contrário: porque, se nele se encontra o contrário, evidentemente o mesmo sucede com a espécie em questão. Segundo, ver se a espécie intermediária se encontra no gênero estabelecido, pois todo gênero que contenha o intermediário conterá igualmente os extremos. E terceiro, se o gênero tem um contrário, procure-se ver se a espécie contrária também se encontra neste último: porque, se assim for, é evidente que também a espécie em questão se encontra no gênero em questão. Considere-se também, no caso dos derivados e coordenados da espécie e do gênero, se eles se seguem de igual maneira, tanto ao refutar um ponto de vista como ao estabelecê-lo: pois todo atributo que pertença ou não pertença a um deles pertence ou não pertence ao mesmo tempo a todos. Por exemplo, se a justiça é uma forma particular de conhecimento, então "justamente" é também "cientemente" e um homem justo é também um homem conhecedor: ao passo que, se uma dessas coisas nao for assim, tampouco o será nenhuma das outras. "conhecimento", pois tanto do próprio "conhecimento" como dos seus gêneros, como por exemplo "disposição" e "estado", se diz que são "de" alguma coisa. Pode-se objetar que em alguns casos não é assim, pois dizemos "superior a" e "contrário a" isto ou aquilo, enquanto "outro", que se inclui no mesmo gênero que estes termos, não exige "a", mas "que não", pois dizemos "outro que não" isto ou aquilo. Convém observar também se os termos usados em relações casuais deixam de admitir uma construção igual quando se invertem, como sucede com "dobro" e "múltiplo", pois estes termos tomam um genitivo tanto em si mesmos como na construção invertida: com efeito, tanto dizemos "metade de" como "uma fração de" alguma coisa. O caso também é o mesmo no que respeita a "conhecimento" e "concepção", pois ambos estes termos tomam um genitivo, mas, fazendo-se a conversão, tanto um "objeto de conhecimento" como um "objeto de conversão" se usam com um dativo. Se, pois, em alguns casos as construções não são iguais após a conversão, evidentemente um dos termos não é o gênero do outro. Veja-se, por outro lado, se a espécie e o gênero não se usam em relação a um número igual de coisas, pois a opinião geral é que os usos de ambos são semelhantes e iguais em número, como sucede com "presente" e "concessão". Com efeito, faz-se "presente" de alguma coisa a alguém, como também se faz "concessão" de alguma coisa a alguém; e "concessão" é o gênero de presente , pois um "presente” é uma "concessão que não precisa ser devolvida". Em alguns casos, porém, o número de relações em que se usam os termos não é igual, pois, enquanto "dobro" é o dobro de alguma coisa, falamos de exceder alguma coisa ou ser maior do que alguma coisa, pois o que excede sempre excede alguma coisa e o que é maior é sempre maior do que alguma coisa, e também o que excede é um excesso de alguma coisa. Por isso os termos em questão ("excesso" e "maior") não são os gêneros de "dobro", visto não serem usados em relação a um número igual de coisas que a espécie. Ou talvez não seja universalmente verdadeiro que a espécie e o gênero se usam em relação a um número igual de coisas. Veja-se, também, se o oposto da espécie tem o oposto do seu gênero como gênero próprio: por exemplo, se "múltiplo" é o gênero de "dobro", "fração" deve ser também o gênero de "metade". Porquanto o oposto do gênero deve ser sempre o gênero da espécie oposta. Se, pois, alguém afirmasse que o conhecimento é uma espécie de sensação, daí se seguiria que o objeto de conhecimento também é uma espécie de objeto de sensação, o que não é verdade, pois um objeto de conhecimento nem sempre é um objeto de sensação: com efeito, os objetos de conhecimento incluem também alguns dos objetos de intuição. Logo, "objeto de sensação" não é o gênero de "objeto de conhecimento"; e, assim sendo, tampouco é “sensação" o gênero de "conhecimento". Uma vez que dentre os termos relativos alguns se encontram necessariamente ou se aplicam em qualquer tempo ou ocasião as coisas em relação às quais são usados (por exemplo, "disposição", "estado" e "equilíbrio", pois em nenhuma outra coisa podem encontrar-se estes termos, salvo naquelas em relação às quais são usados), enquanto outros não se encontram forçosamente nas coisas em relação as quais são usados em qualquer ocasião, embora isso possa acontecer (por exemplo, se o termo "objeto de conhecimento" for aplicado à alma; pois é perfeitamente possível, porém não necessário, que o conhecimento de si mesma seja possuído pela própria alma, uma vez que esse conhecimento também pode encontrar-se em alguma outra pessoa), ao passo que no tocante a outros é absolutamente impossível que se encontrem nas coisas em relação às quais são usados em qualquer circunstância (como, por exemplo, que o contrário se encontre no seu contrário, ou o conhecimento no objeto de conhecimento, a menos que este seja uma alma ou um homem), deve-se observar, portanto, se o contendor coloca um termo de determinada espécie dentro de um gênero que não é da mesma espécie - se ele diz, por exemplo, que a "memória" é a “permanência do conhecimento". Por que a "permanência" sempre se encontra naquilo que permanece, e a ele se aplica, de modo que a permanência do conhecimento se encontrará também no conhecimento; a memória, pois, se encontrará no conhecimento, visto ser ela a permanência deste. Mas isso é impossível, já que a memória se encontra sempre na alma. Esta regra ou tópico se aplica também ao sujeito do acidente, porque tanto vale dizer que "permanência" é o gênero da memória como alegar que é um acidente dela. Com efeito, em qualquer sentido em que a memória seja a permanência do conhecimento, o mesmo argumento se aplicará a ela. 5 Veja-se, por outro lado, se ele colocou algo que é um "estado" dentro do gênero "atividade" ou uma atividade dentro do gênero "estado": por exemplo, definindo a sensação como "um movimento comunicado através do corpo"; porquanto a sensação é um "estado", enquanto o movimento é uma "atividade". E do mesmo modo se ele disse que a memória é um "estado retentivo de uma sensação", pois a memória nunca é um estado, mas antes uma atividade. Cometem também um erro grave aqueles que classificam um "estado" dentro da "capacidade" que o acompanha, definindo, por exemplo, o "bom humor" como o "domínio da cólera", ou a "coragem" e a “justiça" como o "domínio do medo" e da "ganância"; pois os termos "corajoso" e "bem- humorado" se aplicam a um homem que é imune à paixão enquanto o homem que "se domina" está exposto à paixão, mas não se deixa conduzir por ela. É bem possível, aliás, que cada um dos primeiros seja acompanhado de uma capacidade desse tipo, de modo que, quando estivesse exposto à paixão, ele a dominaria e não se deixaria conduzir por ela; entretanto, não é isso o que se entende por ser "corajoso" ou “bem-humorado", mas sim uma imunidade absoluta a toda e qualquer paixão desse tipo. Às vezes, também, se propõe como gênero um caráter concomitante qualquer, como, por exemplo, a "dor" como gênero da "cólera", ou a "concepção" como gênero da "convicção”. Pois ambas essas coisas se seguem de certo modo à espécie dada, mas nenhuma delas é o seu gênero. Com efeito, quando um homem irado sente dor, a dor apareceu nele antes da cólera; pois a cólera não é causa da dor, antes pelo contrário, de modo que positivamente a cólera não é dor. Pelo mesmo raciocínio, tampouco a convicção é concepção, pois se pode ter a mesma concepção inclusive sem estar convencido dela, o que seria impossível se a convicção fosse uma espécie de concepção: com efeito, é impossível que uma coisa continue sendo a mesma se a retirarmos inteiramente fora da sua espécie, assim como o mesmo animal não poderia em dado momento ser, e em outro momento não ser, um homem. Se, por outro lado, alguém disser que o homem que tem uma concepção deve necessariamente estar também convencido dela, os dois termos, "concepção" e "convicção", terão sido usados com a mesma extensão predicativa, de modo que nem assim poderá o primeiro ser o gênero do segundo, pois a extensão do gênero deve ser mais ampla. pasmos excessivos, de modo que, se o pasmo é um excesso, haveria um "excesso excessivo". Mas nenhuma dessas coisas se admite geralmente, como tampouco se admite que o conhecimento seja alguém que conhece ou que o movimento seja alguma coisa que se move. Às vezes também se comete o erro grave de colocar uma afecção dentro daquilo que é afetado por ela, como se fosse o seu gênero, como, por exemplo, os que dizem que a imortalidade é a vida eterna: pois a imortalidade parece ser uma certa afecção ou aspecto acidental da vida. Que isto é verdade se tornaria evidente se alguém admitisse que um homem pode deixar de ser mortal e tornar-se imortal; pois ninguém afirmaria que ele assume outra vida, mas que um determinado aspecto ou afecção acidental entram a formar parte da sua vida tal como ela é. Assim, pois, "vida" não é o gênero de ''imortalidade''. Veja-se, também, se ele atribuiu a uma afecção, como gênero, o objeto por ela afetado, definindo, por exemplo, o vento como "ar em movimento". Em termos mais exatos, o vento é um "movimento do ar", pois o mesmo ar persiste quando está em movimento e quando está em repouso. Logo, o vento não é “ar” em absoluto, pois, se assim fosse, também haveria vento quando o ar está em repouso, já que persiste o mesmo ar que formava o vento. E do mesmo modo em outros casos dessa espécie. Mesmo, pois, se devêssemos admitir neste caso que o vento é “ar em movimento", não deveríamos aceitar uma definição desta espécie em se tratando de coisas das quais o gênero não é verdadeiro, mas apenas nos casos em que o gênero proposto fosse um legítimo predicado. Porque em alguns casos, como "lama" ou "neve", não se admite geralmente que seja verdadeiro. Dizem, com efeito, que a neve é "água congelada" e a lama é "terra misturada com umidade", conquanto a neve não seja água nem a lama seja terra, de modo que nenhum dos termos propostos poderia ser o gênero: pois o gênero deve ser verdadeiro de todas as suas espécies. E da mesma forma, tampouco o vinho é "água fermentada”, segundo a definição de Empêdocles, que o deu como "água fermentada na madeira"; pois o vinho simplesmente não é água de maneira alguma. 6 Veja-se, além disso, se o termo proposto não é o gênero de coisa nenhuma; pois, nesse caso, é evidente que tampouco é o gênero da espécie mencionada. Examine-se este ponto vendo se os objetos que participam do gênero não diferem especificamente uns dos outros, como, por exemplo, os objetos brancos: pois entre estes não há nenhuma distinção específica, como sempre sucede com as espécies de um gênero, de modo que "branco" não pode ser o gênero de nada. Veja-se, também, se foi indicado como gênero ou diferença algum aspecto que acompanhe todas as coisas, pois o número de atributos que se aplicam a todas as coisas é relativamente grande: entre eles se contam, por exemplo, o “ser” e a ''unidade''. Se, pois, nosso adversário propôs "ser" como gênero, evidentemente seria o gênero de todas as coisas, uma vez que de tudo se predica: pois o gênero nunca se predica de coisa alguma que não seja sua espécie. Por conseguinte a unidade, entre outras coisas, seria uma espécie de ser. Daí resultaria, pois, que de todas as coisas das quais se predica o gênero também se predica a espécie, já que "ser" e "unidade" são predicados de absolutamente tudo, ao passo que a predicação da espécie deveria ter um alcance mais reduzido. Se, por outro lado, nosso adversário indicou como diferença algum atributo que se aplica a todas as coisas, evidentemente o campo de predicação da diferença será igual ao do gênero, ou mais amplo do que ele. Porque se o gênero também é um atributo que acompanha todas as coisas, o campo de predicação da diferença será igual ao seu, ou ainda mais amplo se o gênero não se aplica a todas as coisas. Veja-se, além disso, se a descrição "inerente a S" é aplicada ao gênero proposto em relação à sua espécie, como se diz do "branco" em relação à neve, mostrando assim claramente que esse não pode ser o gênero: porque "verdadeiro de S" é a única fórmula que se aplica ao gênero em relação às suas espécies. Examine-se também se por acaso o gênero não é sinônimo de suas espécies. Pois o gênero sempre se predica sinonimamente das suas espécies. É também preciso observar, sempre que tanto a espécie como o gênero tenham um contrário, se nosso contendor coloca o melhor dos contrários dentro do pior gênero: pois o resultado seria que a espécie restante se encontraria no gênero restante, já que os contrários se encontram nos gêneros contrários, de modo que o gênero pior conteria a melhor espécie e o melhor conteria a pior: enquanto a opinião comum é que à espécie melhor corresponde o melhor gênero. Veja-se também se ele colocou a espécie dentro do gênero pior e não do melhor, quando ela se relaciona da mesma maneira com ambos ao mesmo tempo, como, por exemplo, se ele definiu a "alma" como uma "forma de movimento" ou "uma forma de coisa que se move". Pois se acredita geralmente que a própria alma é um princípio tanto de repouso como de movimento, de modo que, se o repouso é o melhor dos dois, esse é o gênero em que deveria ter sido colocada a alma. Deve-se julgar também por meio dos graus maiores e menores: ao refutar um ponto de vista, examine-se se o gênero admite um grau maior, ao passo que nem a própria espécie o admite, nem qualquer termo que se denomine de acordo com ela: por exemplo, se a virtude admite um grau maior, também o admitem a justiça e o homem justo: pois se diz que um homem é “mais justo do que outro". Se, por conseguinte, o gênero proposto admite um grau maior, ao passo que nem a própria espécie nem qualquer termo denominado de acordo com ela o admitem, o que se havia proposto como gênero não pode ser tal. Por outro lado, se o que mais geralmente ou por igualdade de vozes se supõe seja o gênero não é tal, tampouco o é o gênero proposto. O tópico ou lugar em questão é útil especialmente nos casos em que a espécie parece ter vários predicados na categoria de essência e não se fez nenhuma distinção entre eles, de modo que não podemos dizer qual deles é o gênero; por exemplo, tanto "dor" como a "concepção de um menosprezo" se consideram geralmente como predicando-se de "cólera" na categoria de essência, pois o homem irado ao mesmo tempo experimenta dor e se julga menosprezado. A mesma forma de investigação pode tamhém aplicar-se ao caso da espécie, comparando-a com algumas outras espécies, pois, se aquela que mais geralmente ou em geral se acredita que se encontre no gênero proposto não se encontrar nele, é evidente que tampouco a espécie proposta pode encontrar-se ali. Ao refutar uma opinião, portanto, deve-se seguir a regra conforme foi exposta. Ao defender ou justificar, por outro lado, de nada valerá a regra ou lugar que manda verificar se tanto o gênero proposto como a espécie admitem um grau maior: pois, mesmo que ambos o admitam, ainda é possível que um não seja o gênero do outro. Por exemplo, tanto "belo" como "branco" admitem um grau maior, e nenhum deles é o gênero do outro. Por outro lado, a comparação dos gêneros e das espécies entre si tem sua utilidade: supondo-se, por exemplo, que A e B tenham igual direito ao título de gênero, então, se um Livro V 1 A questão sobre se o atributo que se afirmou é ou não é uma propriedade deve ser examinada de acordo com os métodos seguintes. Toda "propriedade" expressa sempre é ou essencial e permanente, ou relativa e temporária; por exemplo, é uma "propriedade essencial" do homem o ser "por natureza um animal civilizado"; e uma "propriedade relativa" é como a da alma para com o corpo, a saber: que uma seja apta para comandar e o outro para obedecer; uma "propriedade permanente" e como a propriedade inerente a Deus, de ser "um ser vivente imortal"', e uma "propriedade temporária" é como aquela que pertence a qualquer homem particular, de "caminhar no ginásio". (A formulação "relativa" de uma propriedade dá lugar a dois ou quatro problemas. Porque, se nosso contendor ao mesmo tempo afirma essa propriedade de uma coisa e a nega de outra, surgem apenas dois problemas: como, por exemplo, se ele afirmasse que é propriedade do homem, em relação ao cavalo, a de ser bípede: porque se poderia tentar demonstrar tanto que o homem não é um bípede como que o cavalo é um bípede: de ambas essas maneiras a propriedade seria refutada. Se, pelo contrário, ele afirma, respectivamente, um de dois atributos de cada uma de duas coisas, e o nega, em cada caso, da outra, haverá quatro problemas: como, por exemplo, se ele afirmasse que é uma propriedade do homem em relação ao cavalo a de ser bípede: porque se poderia tentar demonstrar tanto que o não é um bípede como que o cavalo é um bípede: de ambas essas maneiras a propriedade seria refutada. Se, pelo contrário, ele afirma, respectivamente, um de dois atributos de cada uma de duas coisas, e o nega, em cada caso, da outra, haverá quatro problemas: como, por exemplo, se ele afirmasse que é uma propriedade do homem em relação ao cavalo a de ser o primeiro um bípede e o segundo um quadrúpede. Pois nesse caso é possível tentar demonstrar tanto que o homem não é naturalmente um bípede e que ele é um quadrúpede, como também que o cavalo é um bípede e que ele não é quadrúpede. Se conseguirmos demonstrar qualquer destas coisas, o atributo proposto estará refutado.) Uma propriedade "essencial” é a que se afirma de uma coisa em comparação com tudo mais e que distingue referida coisa de todas as outras, como "um ser vivente mortal, capaz de receber conhecimento", no caso do homem. Uma propriedade "relativa" é aquela que distingue o seu sujeito não de todas as demais coisas, mas apenas de uma coisa particular definida, como a propriedade que a virtude possui em comparação com o conhecimento, a saber: a de se produzir naturalmente a primeira em mais de uma faculdade, enquanto o segundo só se produz na faculdade da razão e naqueles que possuem uma faculdade raciocinante. Uma propriedade "permanente" é aquela que é verdadeira em todas as ocasiões e nunca falta, como "ser composta de alma e corpo" no caso de uma criatura vivente. Um a propriedade "temporária" é aquela que só é verdadeira numa ocasião particular e não acompanha sempre necessariamente o sujeito, como ao dizer-se de um homem particular que ele está passeando na praça do mercado. Enunciar uma propriedade "relativamente" a outra coisa significa expressar a diferença que existe entre elas, tal como se dá universalmente e sempre, ou geralmente e na maioria dos casos: assim, uma diferença que se dá universalmente sempre é, por exemplo, aquela que o homem possui em comparação com o cavalo, a saber: a de ser um bípede, pois o homem é sempre e em todos os casos um bípede, ao passo que o cavalo jamais e em caso algum é um bípede. Por outro lado, uma diferença que se dá geralmente e na maioria dos casos é, por exemplo, aquela que a faculdade da razão possui em comparação com a do desejo e da emoção, e que consiste em comandar a primeira, enquanto a segunda obedece: porque a faculdade racional nem sempre comanda, mas às vezes também é comandada, nem a do desejo e da emoção é sempre comandada, mas às vezes também assume o comando, sempre que a alma de um homem é viciosa. Das "propriedades", as mais "discutíveis" são a essencial e permanente e a relativa. Com efeito, uma propriedade relativa dá origem, como dissemos atrás, a várias questões: pois necessariamente as questões suscitadas por elas são duas ou quatro, e os argumentos em relação a estas são vários. Uma propriedade essencial ou permanente pode-se discutir em relação a muitas coisas, ou se pode observar com referência a muitos períodos de tempo: se "essencial", deve-se discuti-la em comparação com muitas coisas, pois a propriedade necessariamente pertencerá ao seu sujeito em comparação com cada coisa individual existente; de modo que, se o sujeito não é diferenciado por ela com respeito a qualquer outra coisa, a propriedade não foi proposta de maneira correta. E uma propriedade permanente deve ser observada em relação a muitos períodos de tempo; porque, se ela não pertence, não pertenceu ou não pertencerá ao seu sujeito, não será uma propriedade. Por outro lado, sobre uma propriedade temporária não indagamos senão com referência ao tempo chamado "presente”, e por isso os argumentos relativos a ela não são muitos; ao passo que uma questão "discutível" é aquela no tocante à qual se podem suscitar argumentos não só numerosos como válidos.
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