Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Comentario Sobre Joel - João Calvino, Notas de estudo de Teologia

Comentario Sobre Joel - João Calvino

Tipologia: Notas de estudo

2015
Em oferta
30 Pontos
Discount

Oferta por tempo limitado


Compartilhado em 02/03/2015

edson-nobre-6
edson-nobre-6 🇧🇷

4.8

(212)

480 documentos

1 / 109

Documentos relacionados


Pré-visualização parcial do texto

Baixe Comentario Sobre Joel - João Calvino e outras Notas de estudo em PDF para Teologia, somente na Docsity! João Calvino 2 JOEL Comentário de João Calvino BASEADO NA TRADUÇÃO INGLESA DE JOHN OWEN FEITA A PARTIR DO ORIGINAL EM LATIM Monergismo.com Comentário sobre Joel 5 SUMÁRIO PALAVRA DO EDITOR 6 PREFÁCIO À TRADUÇÃO INGLESA 7 PREFÁCIO À VERSÃO INGLESA 11 PREFÁCIO DE CALVINO A JOEL 13 CAPÍTULO 1 14 CAPÍTULO 2 32 CAPÍTULO 3 77 APÊNDICES A JOEL 97 ÍNDICES 104 ANEXO 1 108 6 PALAVRA DO EDITOR Após a publicação do Comentário sobre Oséias, esse é o segundo comentário do Reformador João Calvino que o Monergismo.com disponibiliza aos seus leitores. É mais um espaço preenchido na grande lacuna que temos, a saber, a falta de bons e profundos comentários em português sobre a Bíblia, principalmente o Antigo Testamento. Quanto ao autor da obra em apreço, Jean Chauvin (ou Cauvin), conhecido entre nós como João Calvino, resolvi incluir como anexo um pequeno texto do dr. Lloyd-Jones, à guisa de nota biográfica. Minha gratidão ao irmão Vanderson Moura da Silva, tradutor desse livro, que expressou seu desejo de traduzir todos os comentários de Mestre Calvino sobre os Profetas Menores. Que Deus o abençoe nessa empreitada, para a glória do Seu nome! Que não poucos possam ser abençoados com a leitura desse livro, não só nos nossos dias, mas nas gerações futuras também. Felipe Sabino de Araújo Neto Brasília, julho de 2008 Monergismo.com Comentário sobre Joel 7 PREFÁCIO À TRADUÇÃO INGLESA Este volume contém os Escritos de três Profetas. Joel desempenhou seu ofício entre os judeus; Amós, ainda que nativo da Judéia, todavia, foi designado Profeta das Dez Tribos; e a profecia de Obadias refere-se apenas a Edom. O grande mestre da crítica hebraica, o Bispo Lowth, ao falar de Joel, em sua vigésima-primeira Conferência, diz que, ainda que ele se distinga muito do estilo de Oséias, todavia, é “igualmente poético”. Ele o representa como “elegante, claro, prolixo, fluente e também mui sublime, severo e ardente”. Admitindo a perspicácia de sua dicção e a clareza de seus arranjos, ele ainda confessa que a matéria que ele maneja é por vezes obscura, particularmente para com a finalidade de sua Profecia. Com respeito ao estilo de Amós, o Bispo diverge grandemente de Jerônimo, o qual caracterizou o Profeta como “inábil na fala, mas não no conhecimento”, (imperitum sermone, set non in scientia.) Lowth, contrariamente, considerava-o como “nem um pouquinho atrás dos próprios Profetas maiores, sendo, em elevação de sentimento e nobreza de pensamento, quase igual aos primeiros e dificilmente inferior a qualquer um deles em esplendor de estilo e elegância de composição.”* De Obadias nada mais é dito pelo Bispo senão que aquele deixou um pequeno monumento de seu gênio, e que uma porção considerável desse está contida na profecia de Jeremias. De sua composição o dr. Henderson diz: “Suas principais características são animação, regularidade e perspicácia”. Há um assunto em especial ligado com o presente Volume o qual parece demandar observação particular — A interpretação daquelas profecias que falam da restauração futura dos judeus à sua terra. Calvino considerava algumas passagens como já tendo sido cumpridas no retorno deles da Babilônia, o qual, na avaliação de outros, ainda estão para se cumprir; enquanto ele interpretava aquelas que, obviamente aludem ao futuro, de uma maneira tal que claramente revela que ele não acreditava que os judeus devessem ser restabelecidos outra vez ao país deles. Para que façamos justiça a ele temos que conhecer e ter em mente os princípios pelos quais ele foi guiado: pois não se deve supor que alguém tão versado em Escritura, que a estudara com mui grande labor e manifestara, como geralmente se admite, mui grande penetração e discernimento como expositor, teria aceitado tal opinião sobre esse assunto sobre bases débeis, sem adotar uma regra de interpretação, a qual, em consonância com o que ele pensava, era aprovada por exemplos escriturísticos. Deve primeiramente ser observado que Calvino, em comum com outros, considerava tanto a história quanto as instituições do povo de Israel, em grande medida, típicas das coisas sob o Evangelho. Os males, bênçãos, opressões e livramentos temporais daquele foram intentados para expor o estado espiritual e a condição da Igreja Cristã. A livre escolha do povo por Deus, a servidão egípcia, a passagem através do deserto e a posse da terra de Canaã por aquele foram eventos simbólicos de coisas conectadas * — Pastoreum nostrum µηδεν Ãστερηκεναι των Ãτερ λιαν προφητων; ut sensuum elatione et magnificentia spiritus prope summis parem, ita etiam dictionis splendore et composititonis elegantia vix quoquam inferioreum. — Lowth, Prael. xxi. (N. do E. inglês.) 10 Calvino resplandeceu com tanto lustro como Expositor apto, claro, sóbrio e vivaz como nestas Dissertações. Há um fluxo e uma energia neles que não se acham igualados naquelas produções que compôs em particular, concluídas com atenção mais cuidadosa à ordem e ao estilo. Quando a mente possui uma boa quantidade de coisa guardada e a memória é boa, como se dava com Calvino em grau invulgar, normalmente resulta em que um auditório público chame à ação todos os poderes mentais; e, como é freqüente nesse caso, a conseqüência é que os pensamentos mais excelentes e admiráveis são descobertos, e expressos em uma linguagem a mais dinâmica, calculada para produzir as mais profundas impressões. J.O. Thrussington, novembro de 1846. Monergismo.com Comentário sobre Joel 11 PREFÁCIO À VERSÃO INGLESA† O leitor desacostumado aos comentários do Velho Testamento feitos por Calvino pode surpreender-se ao abrir este livro e encontrar uma série de preleções. Na verdade, a partir de 1555, todas as suas preleções sobre o Velho Testamento foram gravadas textualmente por um grupo de três estenógrafos e impressas imediatamente (erros óbvios eram corrigidos quando se lia para Calvino o texto no dia seguinte). Conseqüentemente, todos os seus comentários sobre os profetas, exceto Isaías, consistem em sermões direcionados a alunos em treinamento para o trabalho missionário, principalmente na França. Além desses estudantes, havia um grupo de ouvintes mais velhos – ministros de Genebra e vilarejos circunvizinhos, por exemplo, e refugiados com um pouco mais de instrução. Seria de grande ajuda se explicássemos mais a fundo esta breve afirmativa, para que o leitor saiba como melhor abordar a obra de Calvino. Em primeiro lugar, temos gravações textuais das preleções, quase não editadas (o ‘quase’ será em breve explicado), com várias divagações acidentais, além de familiaridades e repetições. Isso significa que devemos lê-las com um certo grau de indulgência, bem como pelo exercício de imaginação. Com indulgência, para que não esperemos o estilo preciso e cuidadoso das Institutas. Qualquer pessoa discursando extemporaneamente, não importa o vigor de seu intelecto e seu domínio sobre os vocábulos, está sujeita a repetir-se e até, de vez em quando, a usar uma construção de palavras que fatalmente causará problemas sintáticos no final da sentença. Não há poucas repetições, e ocasionalmente ocorre obscuridade de expressões. A imaginação é também indispensável para esta leitura. Que o leitor se imagine dentro de um auditório lotado, principalmente de estudantes adolescentes. Eles estarão diligentemente tomando nota do que está sendo exporto pelo Sr. Calvino. Com freqüência, seus rostos erguidos registram sua incompreensão. O palestrante observa a falta de entendimento e repete o já expresso em outras palavras. Aqui e ali, os estudantes falham em compreender o latim, então Calvino repete tudo em francês. Um importante aspecto a ser notado é que Calvino não só não utilizava anotações e ditava suas palestras, como também traduzia de improviso o texto bíblico do hebraico (e aramaico). Este fato explica as variedades de traduções da mesma palavra ou frase que encontramos em seus comentários. Também explica as freqüentes glosas do texto (as quais colocamos entre colchetes e imprimimos em caracteres romanos para diferenciá-las dos textos bíblicos em itálico). Em preparo para a palestra expositiva de Calvino, os alunos tinham uma aula de hebraico justamente sobre a passagem bíblica em questão. Outra conseqüência deste aspecto é que, quando Calvino se serve de uma palavra hebraica, temos a oportunidade de verificar sua pronúncia hebraica (e, talvez, a pronúncia do século dezesseis em geral). Porque os registros são literais, as palavras hebraicas estão registradas tal como os escribas as ouviram, segundo a própria pronúncia de Calvino. Os escribas registravam essas palavras, não em seus caracteres hebraicos, mas com transcrições ou transliterações do alfabeto latino. Os caracteres hebraicos foram adicionados pelo editor (e essa é a qualificação feita anteriormente). É por essa razão que mantivemos as transcrições assim como foram registradas pelos escribas, com base na pronúncia de Calvino, e evitamos o refinamento desnecessário de apresentá-las também em suas formas modernas. O teor das preleções pode ser visto de várias formas (e aqui nenhuma indulgência é necessária!). Podemos estudá-las como exemplos do estilo e método de palestras do século dezesseis. Estes estudos † Por julgar instrutivo, retiramos esse prefácio do comentário de Calvino sobre Daniel, volume 1, publicado pela Edições Paracletos, tradução de Valter Graciano Martins. (N. do E. português.) 12 sobre Daniel foram, de início, reconhecidos como incomuns; “em geral, mais como preleções de história do que exposições sobre as Escrituras” foi como um ouvintes os descreveu, e os editores de Corpus Reformatorum, no século dezenove, até hesitaram em incluí-los em suas publicações, pois não combinavam com a concepção moderna de um comentário. Outrossim, um historiador da França verá que estes estudos se mostram continuamente relevantes aos primórdios das guerras religiosas francesas. Ainda, o estudioso de Calvino e de sua teologia poderá ler seus comentários visando a chegar a um novo entendimento sobre a própria vida e pensamentos do escritor. T. H. L. Parker Monergismo.com Comentário sobre Joel 15 Deus. Esse prefácio deve pois ser notado, o qual quase todos os Profetas usam, a saber, que nada traziam de moto próprio ou segundo a própria opinião deles, mas que eram fiéis despenseiros da verdade a eles confiada por Deus. E diz-se ter sido a palavra para Joel: não que Deus pretendesse que apenas aquele fosse seu discípulo, mas porque depositava esse tesouro com ele, para que fosse seu ministro ao povo todo. Paulo também fala a mesma coisa — que aos ministros do Evangelho foi confiada por Cristo a mensagem, ou em nome de Cristo, para reconciliar os homens a Deus, (2.ª aos Coríntios 5.20); e, em outra parte, ele diz: ‘Ele depositou conosco tal tesouro, como em vasos terrenos’, (2.ª aos Coríntios 4.7). Compreendemos agora por que Joel diz que a palavra do Senhor foi entregue a ele, não que fosse ele o único discípulo; mas, como era necessário um mestre, Joel, a quem o Senhor entregou tal ofício, foi escolhido. Então, deveras a palavra de Deus diz respeito a todos, indiscriminadamente; no entanto, é delegada aos Profetas e a outros mestres; pois são eles, por assim dizer, depositários (depositarii). Quanto ao verbo hyh, hayah, não há necessidade de filosofar de forma tão sagaz quanto Jerônimo: “Como foi o verbo do Senhor feito?” Pois temia ele que se dissesse que Cristo foi criado, visto ser esse o verbo do Senhor. Isto é insignificância das mais pueris. Contudo, não pôde ele de outro jeito livrar-se da dificuldade senão dizendo que se fala da palavra sendo criada com respeito ao homem a quem Deus se dirige, e não com respeito ao próprio Deus. Tudo isso, como provavelmente vós percebeis, é infantil, pois o Profeta apenas diz aqui que a palavra do Senhor foi-lhe enviada, ou seja, que o Senhor empregou-o como mensageiro dele a todo o povo. Mas, após haver revelado que era um apto ministro de Deus, estando equipado com a palavra divina, fala de forma autorizada, pois representava ele a pessoa de Deus. Vemos agora qual a autoridade legal que deve vigorar na Igreja, qual a que devemos obedecer sem discussão, qual a que devemos nos submeter. Então, essa autoridade só existe quando Deus mesmo fala pelos homens e o Espírito Santo os emprega como seus instrumentos. Pois o Profeta não apresenta nenhum título oco; ele não diz que é sumo sacerdote da tribo de Levi, da primeira ordem, ou da família de Aarão. Ele não afirma coisa tal, mas diz que a palavra de Deus foi-lhe depositada. Então, quem quer que exija ser ouvido na Igreja, tem que forçosamente provar que é verdadeiramente um pregador da palavra de Deus; e não deve trazer suas próprias invenções, nem misturar coisa alguma que provenha do parecer de sua carne com a palavra. Contudo, o Profeta vitupera os judeus por serem tão estúpidos a ponto de não considerarem que eram castigados pela mão de Deus, conquanto isso fosse bem patente. Sendo assim, em minha opinião, deturpam o sentido dado pelo Profeta aqueles que acham que os castigos que são aqui anunciados estavam, até então, suspensos; pois transferem tudo para um período futuro.4 Todavia, faço distinção entre essa reprimenda e as denúncias que vêm em seguida. Aqui, pois, o Profeta censura os judeus, que, havendo sido tão severamente castigados, não ganharam sabedoria; no entanto, até os tolos, quando a chibata é aplicada às suas costas, sabem que são punidos. Então, dado que os judeus eram tão estúpidos que, mesmo quando castigados não percebiam que tinham de se conciliar com Deus, com justeza o 4 Como em outros de seus escritos, vemos que Calvino tomou nesse comentário uma posição preterista sobre passagens que hoje em dia são tomadas como se referindo aos supostos “últimos dias”. Dessa forma, é estranho que até mesmo Reformados acusem os preteristas de heresia por crerem que muitas das passagens chamadas escatológicas já tiveram o seu cumprimento. (N. do E. português.) 16 Profeta condena tal loucura. “Ouvi”, diz, “vós, velhos; dai ouvido, todos vós, habitantes da terra, e declarai isto a vossos filhos”. Porém, a reflexão sobre essa passagem, adiarei para amanhã. ORAÇÃO Conceda, Todo-Poderoso Deus, que, visto como quase o mundo inteiro afrouxa de modo tal as rédeas à licenciosidade que não hesita em desprezar ou considerar como de valor nenhum a tua sagrada palavra — Permita, ó Senhor, que mantenhamos reverência tal como a justamente devida a ela e a teus santos oráculos e sejamos assim movidos sempre que tu te dignares a te dirigir a nós, para que, estando devidamente humilhados, sejamos por fé alçados ao céu, e paulatinamente, por esperança, alcancemos aquela glória que até agora nos está oculta. E, ao mesmo tempo, de modo submisso, refreemo-nos para que façamos sabedoria nossa obedecer a ti e a realizar o teu serviço, até que nos recolhas em teu reino, onde seremos participantes de tua glória, mediante Cristo nosso Senhor. Amém. Monergismo.com Comentário sobre Joel 17 TRIGÉSIMA-NONA DISSERTAÇÃO Ouvi isto vós, velhos; e dai ouvidos vós, todos os habitantes da terra: aconteceu isso em vossos dias e nos dias de vossos pais? Declarai isto a vossos filhos e vossos filhos, aos filhos deles, e os filhos deles, à próxima geração: o resquício da locusta, o besouro comeu, e o resíduo do besouro, a lagarta comeu, e o resto da lagarta, a larva comeu.5 Já mencionei, na última Dissertação, o que penso dessa passagem do Profeta. Imaginam alguns que uma punição futura é anunciada; mas o contexto prova suficientemente que se equivocam e deturpam o real sentido dado pelo Profeta; pois, ao contrário, ele aqui acusa a dureza do povo, que não sentia as pragas. E, como os homens não são facilmente movidos pelos juízos de Deus, o Profeta declara aqui que Deus havia executado uma vingança tal que não podia ser considerada senão como milagrosa; como se dissesse: “Deus freqüentemente castiga os homens, e convém que esses fiquem atentos assim que ele ergue seu dedo. Mas costuma-se não atentar aos castigos ordinários; os homens logo se esquecem daquelas punições às quais estão habituados. Entretanto, Deus tem-vos tratado de uma maneira incomum, havendo, por assim dizer, francamente estendido sua mão desde o céu e sobre vós trazido castigos nada menos do que prodigiosos. Deveis pois ser mais do que estúpidos se não percebeis que sois golpeados pela mão de Deus.” Eis o genuíno sentido dado pelo Profeta, sentido que pode ser facilmente inferido das palavras. Ouvi vós, velhos, diz. Ele se dirige expressamente aos velhos, pois que a experiência muito ensina aos homens; e aqueles, quando vêem algo novo ou incomum, devem conhecer que não está isso em consonância com o curso ordinário das coisas. Aquele que já passou dos seus cinqüenta ou sessenta anos e vê alguma coisa nova acontecendo da qual nunca havia pensado, sem dúvida reconhece-a como a singular obra de Deus. Eis a razão por que o Profeta aqui dirige seu discurso aos velhos; como se dissesse: “Eu não vos apavorarei acerca de coisa alguma; mas que os velhos ouçam, aqueles que há muitos anos se têm acostumado a muitas revoluções; que eles ora me respondam se, em toda a vida deles, a qual tem passado sobre a terra, viram semelhante coisa”. Percebemos agora o desígnio do Profeta; pois tencionava esse despertar os judeus para que compreendessem que Deus estendera do céu sua mão, e que era impossível atribuir o que tinham visto por si mesmos ao acaso ou a causas terrenas, mas que era um milagre. E o objetivo dele era fazer os judeus, por fim, envergonharem-se da loucura deles em não terem atentado até então às punições de Deus e em haverem sempre se lisonjeado, como se Deus dormisse no céu, quando, todavia, tão violentamente atroava contra eles, pretendendo, com um extraordinário modo de agir, que eles finalmente percebessem que eram citados para o juízo. Em seguida, acrescenta: E todos os moradores da terra. Houvesse o Profeta se dirigido somente aos idosos, alguns poderiam se agarrar a algum pretexto para a sua ignorância; daí ele se dirigir do menor ao maior; e fez isso para que os jovens não pudessem se eximir da culpa de procederem em sua 5 Todos esses são diferentes tipos de locustas. Em hebraico há dez nomes para elas, provavelmente designativos de muitíssimas espécies. Há quatro aqui: mzg, gazam, a locusta nova; hbra, ‘arbeh, assim denominada por seu número um sobre a asa; qly, yeleq, uma da espécie peluda cerdada; e lysj, chasil, uma ainda sem asas. Seguindo o provável sentido ideal das palavras, damos-lhes esses nomes: o cortador, o multiplicador, o lambedor e o devorador. (N. do E. inglês.) 20 Joel 1.6,7 6. Pois um povo forte e inumerável subiu contra minha terra; seus dentes são dentes de leão, e tem mandíbulas de leoa. 7. Assolou o meu vinhedo, arruinou minha figueira, descascou-a por completo, lançou-a por terra e seus sarmentos tornaram-se brancos. 6. Quia gens ascendit super terram meam, robusta et absque numero, dentes ejus dentes leonis, et maxillae (alii vertunt, molares) leonis illis (quanquam aliud est nomen: alii vertunt, leunculum.) 7. Posuit vineam meam in vastitatem (vel, desolationem) et ficulneam meam in decorticationem: nudando nudavit eam et disjecit, albi facti sunt rami ejus. O que alguns pensam — que o castigo, ainda não infligido, é aqui anunciado sobre o povo — repito ainda, eu não aprovo; mas, ao invés disso, o Profeta, conforme o meu ponto de vista, registra outro juízo divino, para mostrar que Deus não havia de um só modo avisado aos judeus sobre os pecados deles, para que os pudesse restituir a uma mente direita; mas que tinha tentado de todos os meios trazê-los para o caminho reto, ainda que demonstrassem terem sido irrecuperáveis. Depois de haver então falado da esterilidade dos campos e de outras calamidades, agora adiciona que os judeus foram punidos com guerra.7 Seguramente, a fome deveria tê-los impressionado, especialmente quando viram que aqueles males, sucedendo-se uns aos outros, vinham ocorrendo há vários anos, de maneira oposta ao curso usual das coisas, de modo que não podiam ser imputados ao acaso. Contudo, quando Deus trouxe sobre eles a guerra, quando já estavam consumidos pela fome, não deviam ser mais do que insanos mentais ao continuarem pasmados pelos juízos de Deus e não se arrependerem? Então, o que o Profeta quis dizer é que Deus tentara, por todos os meios possíveis, descobrir se os judeus eram curáveis, e a eles se dera oportunidade para a penitência, todavia, eram de todo perversos e indomáveis. Depois ele diz: Deveras uma nação subiu. A partícula yk, ki, não é para ser entendida como causativa, mas apenas como explicativa: Verdadeiramente, ou certamente, diz, uma nação subiu; conquanto uma inferência também não seja incorreta, se for ela tirada do começo do versículo: ‘Ouvi, velhos, e contai a vossos filhos’; o que contaremos? Precisamente isto, que uma nação etc. Mas nessa forma também yk, ki, seria exegética, e o sentido seria o mesmo. Assim é a significação da passagem. Uma nação, pois, subiu à minha terra. Deus aqui reivindica, com justiça, a terra de Canaã como herança sua, e age dessa forma intencionalmente, para que os judeus soubessem mais claramente que estava irado com eles; pois a condição desses não teria sido pior do que a de outras nações caso Deus não tivesse resolvido puni-los por seus pecados. Há pois aqui uma comparação implícita entre a Judéia e os outros países, como se o Profeta dissesse: “Como veio isto, de a vossa terra ser dizimada por guerras e muitas outras calamidades, enquanto outros países estão livres de aborrecimentos? Esta terra é, sem dúvida, sagrada para Deus, pois ele a escolheu para si, para que nela regesse; tem ele aqui a sua habitação: deve então haver alguma causa para a ira de Deus, visto que a sua terra está tão miseravelmente devastada, enquanto outras terras gozam de tranqüilidade.” Percebemos agora o que o Profeta quer dizer. Uma nação, ele diz, subiu à minha terra, e então? Deus, seguramente, podia ter impedido isso; ele podia ter defendido a sua terra, da qual era o guardião, e que estava sob a proteção dele: como pois tinha 7 Porém, a maioria dos comentaristas considera esses dois versículos como contendo uma descrição mais particular das devastações produzidas pelas locustas mencionadas anteriormente. Que eles sejam chamados “uma nação” está em consonância com o estilo profético e com o que é descrito pelos poetas pagãos: a devastação da vinha e o descascamento da figueira parecem mais adequados a essa opinião. É verdade que ywn, nação, e não <zw povo, como em Pv 30.25, é aqui empregado; mas, como o Dr. Henderson observa, aparenta ter sido selecionado com o propósito de “preparar as mentes dos judeus para o uso alegórico que se faz desses insetos no capítulo 2.” (N. do E. inglês.) Monergismo.com Comentário sobre Joel 21 acontecido de os inimigos impunemente inundarem essa terra, havendo marchado para dentro dela e a desolado totalmente, a não ser que houvesse sido abandonada pelo próprio Senhor? Uma nação, diz, subiu à minha terra, forte e incontável; e mais, a qual possuía dentes de leão, as queixadas de um leão novo. As nações não tinham força alguma que o Senhor não pudesse, em um instante, destruir, nem tinha ele necessidade de tropas estrangeiras, pois podia, somente por um meneio de cabeça, reduzir a nada o que for que os homens pudessem ter tentado: quando, portanto, os assírios tão impetuosamente atacaram os judeus, esses ficaram, necessariamente, expostos ao atrevimento de seus inimigos, pois eram indignos de serem protegidos, como até então, pela mão de Deus. Posteriormente adiciona que sua vinha tinha sido exposta à devastação e à destruição, sua figueira, ao arranque da casca. Deus não fala aqui de sua própria vinha, como em alguns outros lugares, em que designa a Igreja dele por esse termo; mas ele chama de suas todas as coisas na terra, assim como chama toda a linhagem de Abraão de seus filhos: e assim repreende os judeus por haverem se reduzido a tal calamidade pela própria culpa deles; pois jamais teriam sido espoliados por seus inimigos não os tivesse Deus (que então estava acostumado a defendê-los) rejeitado antes; pois nada havia na terra deles que não reclamasse como seu; tal como elegera o povo, assim também consagrara a terra para si. Fosse o que fosse então que estivesse arrolado na Judéia estava, no modo de dizer, consagrado a Deus. Ora, quando tanto as videiras quanto as figueiras estavam expostas às depredações dos infiéis, ficava perceptível que Deus não mais governava ali. Por quê? Precisamente porque os judeus o tinham expulsado. Depois, ele alarga o mesmo tema; pois o que se segue — por denudar ele a denudou e lançou-a fora — não é uma mera narrativa; o Profeta não declara aqui simplesmente o que ocorrera; mas, como já havíamos dito, aduz mais prova, e tenta despertar os sentidos adormecidos do povo, sim, sacudi-los daquela letargia que se apoderara das mentes de todos; por isso é que ele usa em seu ensino tantas expressões. Essa é a razão pela qual ele diz que a vide e o pé de figo tinham sido denudados, e também que as folhas foram levadas embora, que os ramos tinham ficado nus e brancos; de modo que lá não restou nem produção nem crescimento. Muitos intérpretes juntam esses três versículos com o anterior, como se o Profeta agora expressasse o que havia dito outrora da lagarta, do besouro e da locusta; pois acham que ele falava alegoricamente quando disse que todos os frutos da terra tinham sido consumidos pelas locustas e pelos besouros. Portanto, acrescentam que tais locustas, ou besouros, ou lagartas, eram os assírios, bem como os persas e gregos, ou seja, Alexandre da Macedônia e os romanos: mas essa é uma opinião tão forçada que não há necessidade de uma longa discussão; pois qualquer um pode facilmente perceber que o Profeta menciona outras espécies de punições que ele podia, de todos os modos, fazer com que os judeus ficassem indesculpáveis, os quais não acordavam por juízos que se multiplicavam tanto, mas permaneciam ainda obstinados em seus vícios. Prossigamos então. Joel 1.8 8. Pranteia como uma virgem cingida de saco pelo prometido de sua mocidade. 8. Plange tanquam puella, accincta sacco, super marito adolescentiae suae. Agora o Profeta se dirige à terra toda. Lamenta, ele diz; não de maneira ordinária, mas como uma viúva, cujo marido, com quem se casou na mocidade, morre. O amor de um jovem para com uma jovem, e também dessa para com aquele, sabemos, é mais terno do que quando um homem velho casa-se com uma mulher idosa. Esse é o motivo por que o Profeta cite aqui o marido da juventude dela: ele desejava expor a mais pesada lamentação e, por conseguinte, diz: “Os judeus, certamente, não devem ser movidos por tantas calamidades de forma distinta da de uma viúva que perde seu marido quando jovem, sem esse 22 chegar à maturidade, mas na flor da idade”. Então, assim como semelhantes viúvas sentem amargamente sua perda, também o Profeta oferece como exemplo o caso deles. Os hebreus com freqüência chamam marido de lub, ba’al, porque esse é o senhor de sua esposa e a tem debaixo da proteção dele. Literalmente, é “pelo senhor da juventude dela”; e é por isso que também denominavam seus ídolos mylub, ba’alim, como se eles fossem, como amiúde falamos em nosso comentário sobre o Profeta Oséias 8, seus padroeiros. A suma disso tudo é que os judeus não podiam persistir em um estado despreocupado sem estarem destituídos de toda razão e discernimento; pois eram forçados, quer quisessem quer não, a sentir a mais dolorosa calamidade. É uma coisa monstruosa quando uma viúva, perdendo seu marido quando ainda jovem, abstém-se de luto. Ora, visto pois que Deus afligira sua terra com tantos males, queria trazer sobre eles, por assim dizer, o pesar da viuvez. Segue-se — Joel 1.9 9. Foram eliminadas a oferta de cereal e a libação do templo do Senhor. Os sacerdotes, servos do Senhor, estão enlutados. 9. Succisa est oblatio et libamen e domo Jehovae: luxerunt sacerdotes, ministri Jehovae. Aqui, em outras palavras, o Profeta retrata a calamidade; pois, como foi dito, vemos quão grande é o vagar dos homens para discernir os juízos divinos; e os judeus, conhecemos, não eram mais atentos a elas do que o somos hoje em dia. Logo, era preciso espetá-los com vários aguilhões, como o Profeta ora faz, como se dissesse: “Se não estais agora preocupados com a carência de alimento, se não considerais nem mesmo o que os mui ébrios são constrangidos a sentir, os quais não percebem o mal à distância, mas o provam em seus lábios — se todas essas coisas não são de valor algum para vós, ao menos considerai o templo de Deus, que ora está desprovido de seus serviços habituais; pois devido à esterilidade de vossos campos, devido a uma tão grande escassez, nem pão nem vinho são ofertados. Então, dado que vedes que o culto de Deus cessou, como é que vós próprios ainda continuais no mesmo estado? Por que é que não percebeis que a fúria de Deus é acesa contra vós? Pois decerto, se Deus não tivesse sido gravissimamente ofendido, ele no mínimo teria tido alguma consideração pelo culto dele; ele não teria permitido que seu templo permanecesse sem sacrifícios”. Os judeus, sabemos, diariamente derramavam suas libações e ofereciam oblatas de alimentos. Conseqüentemente, quando Joel menciona hjnm, minchah e libação, indubitavelmente queria revelar que o culto de Deus estava quase abolido. Mas Deus nunca teria consentido uma tal coisa, não houvesse sido horrivelmente ofendido pelos pecados dos homens. Sendo assim, a indiferença, ou antes, a estupidez do povo, fica mais claramente provada, visto como esse não percebia que os sinais da ira divina fizeram- se manifestos até no próprio templo. Continua — 8 Já disponível em português pelo site Monergismo.com, v. link: http://www.monergismo.com/textos/livros/comentario-oseias-livro_calvino.htm Monergismo.com Comentário sobre Joel 25 QUADRAGÉSIMA DISSERTAÇÃO Joel 1.12 12. A vinha secou e a figueira murchou; a romãzeira, a palmeira, a macieira, até as árvores todas do campo definham: pois que a alegria dos filhos dos homens secou-se. 12. Vitis exaruit, et ficulnea infirmata est (vel, periit;) malogranatum, etiam palma et malus, omnes arbores exaruerunt: certe exaruit gaudium a filiis hominum. O Profeta agora conclui seu assunto, qual seja, que, visto como Deus executava juízos tão severos sobre o povo, era de se admirar que esse continuasse entorpecido quando submetido assim a apertos. A vinha, diz, secou-se, bem como toda sorte de fruto; ele acrescenta a figueira, em seguida a /wmr romon, a romã, 9 (pois assim a traduzem), a palmeira, a macieira, 10 e todas as árvores. E essa esterilidade era um claro sinal da ira de Deus; e teria sido assim considerada, não houvesse os homens, ou iludido a si próprios, ou se endurecido contra todos os castigos. Ora, tal αναìσθησìα anaistesia (insensibilidade) é, por assim dizer, o próprio cúmulo dos males; ou seja, quando os homens não sentem as próprias calamidades, ou pelo menos não entendem que são elas infligidas pela mão divina. Continuemos então — Joel 1.13-15 13. Cingi-vos de luto e lamentai-vos, sacerdotes! Uivai, ministros do altar! Vinde, passai a noite vestidos de saco, ministros de meu Deus! Pois a oblata de alimento e a libação estão suprimidas da casa de vosso Deus! 14. Santificai um jejum, convocai uma assembléia solene, reuni os anciãos e todos os habitantes da terra na casa do SENHOR vosso Deus e clamai ao SENHOR: 15. Ai, por causa do dia! Pois o dia do SENHOR está próximo, e como uma destruição da parte do Todo-poderoso ele virá. 13. Accingimini et plangete sacerdotes; ululate, ministri altaris; venite, pernoctate cum saccis, ministri Dei mei: quia prohibita est a domo Dei vestri oblatio et libamen. 14. Sactificate jejunium, vocate coetum, congregate senes, omnes incoles terrae, in domum Jehovae Dei vestri, et clamate ad Jehovam, 15. Heus Diem! Quia propinquus est dies Jehovae, et tanquam vastitas ab Omnipotente veniet. Agora o Profeta começa a exortar o povo ao arrependimento. Havendo retratado a eles como gravemente afligidos pela mão de Deus, ele ora adiciona que um remédio estava à disposição, contanto que solicitassem a mercê divina; e, ao mesmo tempo, anuncia uma punição mais dolorosa no futuro; pois não teria sido suficiente que eles tivessem se lembrado de suas calamidades e males se também não temessem no futuro. Por isso o Profeta, para persuadi-los ao máximo, diz que a mão de Deus ainda estava 9 É possível que o vernáculo romã também tenha origem semítica, segundo o dicionário on-line de português Priberam (http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx) – no caso, o termo árabe romman – o que explicaria a extraordinária semelhança etimológica entre o primeiro e o hebraico romon. (N. do T.) 10 Das três árvores anteriores podemos acrescentar esta descrição: A romã, /wmr, cresce cerca de 6,1 metros, tem um caule reto e galhos que se esparramam e trazem grandes botões de flores vermelhas. Seu fruto tem aproximadamente o tamanho de uma laranja, e é delicioso e refrescante. A palmeira ou tamareira, rmt, às vezes chega a 30,5 metros de altura e é excepcionalmente reta. Seus frutos crescem em cachos debaixo das folhas, e seu sabor é muito doce. Os ramos da palmeira eram emblemas de vitória. O que é aqui chamado de macieira, jwpt, era sem dúvida a cidreira. A palavra é derivada de hpn, exalar, devido à excessiva fragrância que ela emite. (N. do E. inglês.) 26 estendida, e que havia algo pior muito próximo, a menos que eles, por si mesmos, prevenissem-se. Eis o objetivo disso tudo. Passo agora às palavras. Ficai cingidos, lamentai e gemei, ele diz, vós, sacerdotes, os ministros do altar. O verbo wrgj chigru pode ser explicado de duas maneiras. Alguns o entendem assim: “Cingi-vos com vestes de saco”; pois logo depois diz com vestes de saco ou em vestes de saco. Mas podemos interpretar isso como significando simplesmente cingi-vos, isto é, apressai-vos; pois essa expressão metafórica ocorre muitas vezes. Quanto à intenção da passagem, há apenas uma pequena diferença caso leiamos “cingi a vós com veste de saco” ou “apressai-vos”. E ele dirige-se aos sacerdotes, apesar de uma exortação comum e geral ao povo inteiro vir na seqüência. Porém, como Deus os fez líderes do povo, convinha que dessem exemplo aos outros. É a obrigação ordinária de todos os piedosos orar por e promover a salvação de seus irmãos; mas é um dever particularmente imposto sobre os ministros da palavra e os pastores. Assim também, quando Deus chama à penitência aqueles que presidem sobre outros, eles devem guiar o caminho, e por duas razões: a primeira, porque não foram debalde eleitos por Deus para este fim, para que eclipsassem os outros e fossem como luminares; a segunda, porque aqueles que têm algum ofício público devem se sentir duplamente culpados quando o Senhor visita os pecados coletivos com juízo. Os indivíduos certamente pecam; contudo, em pastores há a censura pela negligência; mais ainda, quando se desviam do reto caminho, mesmo que minimamente, a infração é tida como maior. Corretamente pois o Profeta principia com os sacerdotes, quando ordena que o povo todo se arrependa. E não somente os manda vestirem aniagem, mas também lhes ordena, como veremos, que proclamem um jejum e depois convoquem uma assembléia: vós sacerdotes, diz, ficai cingidos, e ponhais vestes de saco, pranteai, gritai, e passai a noite em aniagem; e em seguida os chama os ministros do altar e os ministros de Deus, porém, em um sentido diferente; pois o Profeta não substitui o altar por Deus, visto que, assim, ele teria formado um ídolo; mas eles são denominados os ministros do altar, porque ofereciam ali sacrifícios a Deus. São de fato, com rigorosa propriedade, os ministros de Deus; contudo, como os sacerdotes, ao sacrificarem, ficavam de pé na presença de Deus, e como o altar era-lhes, por assim dizer, a via de acesso a ele, eram eles chamados de os ministros do altar. Ele os denomina, ao mesmo tempo, os ministros de Deus, e, como foi exposto, são chamados assim da maneira apropriada. Todavia, ele diz aqui yhla 'elohai (meu Deus). O y jode, meu, é omitido por alguns, como se fosse uma letra servil, porém redundante. Entretanto, não tenho dúvidas de que o Profeta aqui o mencione como seu Deus; pois, dessa forma, pretendia reivindicar mais autoridade para a sua doutrina. A sua incumbência ou demanda era com o povo todo; e esse, sem dúvida, em seu modo usual, altivamente opunha contra ele o nome de Deus como escudo: “Quê! Não somos nós o próprio povo de Deus?” Sendo assim, o Profeta, a fim de provar ser falsa tal presunção, apresenta Deus como estando do lado dele. Por conseguinte, diz ‘os ministros do meu Deus’. Tivesse alguém objetado, dizendo que Deus era o Deus do povo todo em geral, o Profeta tinha uma resposta preparada: “Sou especialmente enviado por Ele, e confirmo sua pessoa, pleiteando a causa que delegou a mim; então, Ele é meu e não vosso Deus”. Vemos agora, pois, o que o Profeta quis dizer nessa expressão. Ele ora acrescenta: pois cortada está a oferta e a libação da casa de nosso Deus. Ele simultaneamente O confessa ser o Deus deles no tocante ao sacerdócio; pois coisa alguma, sabemos, foi presumidamente inventada pelos judeus, dado que o templo foi erigido por mandado de Deus, e os sacrifícios eram ofertados consoante à regra da lei. Ele então atribui ao sacerdócio esta honra, que Deus regia no templo; pois este, como já dissemos, sancionava aquele culto como havendo procedido da sua palavra: e é esse o propósito daquela frase de Cristo: ‘Nós conhecemos o que adoramos.’ 11 No entanto, os sacerdotes não cultuavam a Deus corretamente; pois, ainda que seus ritos exteriores estivessem de acordo com o mandamento divino, todavia, visto seus corações estarem 11 João 4.22 (N. do T.) Monergismo.com Comentário sobre Joel 27 corrompidos, com certeza, tudo o que eles faziam era repudiado por Deus, até que, sendo açulados pelo medo do julgamento desse, fugissem para a sua misericórdia, como o Profeta ora os exorta a fazerem. Ele depois acrescenta: santificai um jejum, convocai uma assembléia, congregai os velhos e todos os moradores da terra. vdq kadash quer dizer santificar e preparar; contudo, fixo-me no seu sentido próprio, santificai um jejum; pois a ordem referia-se ao escopo, isto é, santificação. Então, um jejum proclamai — para que finalidade? Para que o povo se purgasse de todas as suas profanações e se apresentasse puro e limpo diante de Deus. Convocai uma assembléia. Parece que havia uma convocação solene sempre que um jejum era proclamado entre o povo: pois não bastava que cada um individualmente, em seu lar, abstivesse-se de comida se todos não confessassem abertamente, com uma só boca e consensualmente, que eram culpados perante Deus. Por isso, com um jejum estava ligada uma profissão solene de penitência. Os usos e objetivos de um jejum são vários, como sabemos: porém, quando o Profeta fala aqui de um jejum solene, indubitavelmente manda o povo vir de modo suplicante, como os réus habitualmente o fazem, implorando, diante do juiz, a não aplicação da pena, para que dele obtenham misericórdia. No segundo capítulo haverá muita coisa para se dizer sobre o jejuar: agora desejo apenas tocar brevemente no tema. Posteriormente, intima que os velhos sejam congregados, adicionando depois todos os habitantes da terra. Porém, ele começa com os velhos, e isso com justeza, pois a culpa desses é sempre a mais pesada. Mas tal palavra não se relaciona à idade como no caso anterior. Quando ele disse ontem ‘ouvi, idosos’, dirigia-se àqueles que, pela longa experiência, aprenderam muitas coisas no mundo desconhecidas dos jovens ou dos homens de meia idade. Contudo, nesse momento o Profeta quer dizer por os idosos aqueles a quem foi incumbido o governo público; e, como pela preguiça deles haviam permitido o culto de Deus e toda retidão entrarem em decadência, é de direito o Profeta pedir que esses sejam os condutores e predecessores do povo em sua confissão de arrependimento; mais ainda, convinha, por causa do seu ofício, como dissemos sobre os sacerdotes, que conduzissem àquele no caminho. Joel, ao mesmo tempo, revela que o povo inteiro estava comprometido no pecado, de maneira que ninguém podia ser excetuado, pois os ordena a virem todos com os anciãos. Chamai-os, diz, à casa de Jeová vosso Deus, e clamai a Jeová. Daí ficamos sabendo o porquê de ele haver falado de jejum e veste de saco, precisamente para que humildemente suplicassem a Deus contra a sua ira; pois jejuar teria sido de si mesmo inútil, e vestir aniagem, conhecemos, é em si próprio um sinal oco: mas a oração é o que o Profeta coloca aqui no mais alto posto, e jejum é somente um acessório, bem como a serapilheira. Todos pois que vestem aniagem e evitam a oração são culpados de zombaria, e ninguém pode tirar bem algum do mero jejum; porém, quando esse e a veste de saco são acrescidos à oração e são, no modo de dizer, criadas, então não são inutilmente praticados. Podemos então observar que o intento do jejum e da aniagem não era outro senão que os sacerdotes, em conjunto com todo o povo, apresentassem-se súplices perante Deus e se confessassem dignos de destruição, não possuindo esperança alguma senão em sua clemência gratuita. Eis o sentido. Segue-se agora: Ai, o dia! Pois perto está o dia de Jeová. Aqui o Profeta, como foi de início afirmado, ameaça algo no porvir pior do que o que eles tinham experimentado. Ele até aqui estava mostrando a torpeza deles; agora, declara que não tinham eles sofrido todas as punições, mas que havia algo pior a se temer caso não retornassem a Deus tempestivamente. E ele ora exclama, como se o dia de Jeová estivesse diante de seus olhos, denominando-o o dia de Jeová, pois que nesse dia Deus estenderia sua mão para executar o julgamento; pois enquanto tolera os homens ou agüenta os pecados deles, não dá a impressão de governar o mundo. E, apesar desse modo de falar ser bastante comum nas Escrituras, todavia, deve ser cuidadosamente observado; pois ninguém aparenta compreender que Deus chama 30 Joel 1.19,20 19. Ó SENHOR, a ti eu clamarei: pois o fogo devorou a erva do deserto, a chama queimou todas as árvores do campo. 20. E as bestas do campo também clamam a ti, porque as correntes das águas secaram, e o fogo consumiu a erva do deserto. 19. Ad te Jehovam clamabo, quia ignis consumpsit pascua (vel, habitacula) deserti: et flamma accendit omnes arbores agri. 20. Etiam bestiae agri clamabunt ad te (quanquam gru proprium est cervi, ut dicunt grammatici, sicuti etiam Psalmo 42 habetur: est illic idem verbum: clamabunt igitur bestiae ad te,) quia aruerunt decursus aquarum, quia ignis consumpsit habitacula (vel, pascua) deserti. Quando o Profeta percebeu que seu êxito foi menor do que o que esperava, ele, deixando o povo, fala do que ele mesmo faria: Eu clamarei a ti, Jeová. Ele dantes mandara os outros clamarem, mas por que agora ele não insiste na mesma coisa? Porque viu que os judeus estavam tão surdos e indiferentes que não davam importância a nenhuma de suas exortações: portanto, diz: “Eu clamarei a ti, Jeová; pois não são afetados nem pela vergonha nem pelo medo. Posto que deixam de lado toda atenção pela segurança própria, dado que estimam como nada as minhas exortações, eu os deixarei, e clamarei a ti”; o que significa isto: “Eu vejo, Senhor, que todas essas calamidades procedem de tua mão; não gemerei como os profanos gemem, mas as imputarei a ti; pois percebo que estás agindo como juiz em todos os males que nós sofremos”. Havendo então antes declarado que os judeus eram mais vagarosos que os animais irracionais e havendo-os vituperado por sentirem menos agudamente do que os bois e os carneiros, o Profeta ora diz que, conquanto eles todos permanecessem obstinados, todavia, ele faria o que um homem piedoso e adorador de Deus deveria fazer: Eu clamarei a ti — Por quê? Porque o fogo consumiu as pastagens, ou, as habitações do deserto. Ele outra vez dá aqui um terrível registro dos juízos de Deus. Ainda que o calor queime regiões inteiras, não obstante, sabemos que as terras de pastagens não secam logo, particularmente nas montanhas; e de tais pastos frios ele fala aqui. Conhecemos que, por maior que seja a fertilidade das montanhas, todavia, o frescor predomina lá, e que, na maior seca, as regiões montanhosas estão sempre verdes. Contudo, o Profeta relata-nos aqui algo inusitado: que as habitações do deserto foram queimadas. Alguns vertem twan ne'ot como pastagens e outros, habitações; porém, quanto ao sentido, podemos ler ambos; pois o Profeta refere-se aqui às regiões frias e úmidas, que nunca precisam de umidade, mesmo no mais intenso calor. Alguns traduzem a palavra como os locais belos ou bonitos do deserto, mas inadequadamente. Ele indubitavelmente quer dizer pastos, habitações ou apriscos. O fogo pois consumiu as habitações, ou pastagens do deserto. Isso não era habitual: não ocorria conforme o curso ordinário da natureza: segue-se então que era um milagre. Esse é o motivo pelo qual o Profeta diz que agora era tempo para clamar a Deus; pois não parecia ser fortuito que o calor tivesse queimado regiões que eram úmidas e bem aguadas. A chama, diz, consumiu todas as árvores do campo. Ele depois acrescenta que as bestas do campo também clamarão (pois o verbo está no plural); então, as bestas bramarão. O Profeta expressa aqui mais claramente o que ele anteriormente dissera — que, mesmo que os animais irracionais estivessem desprovidos de razão, não obstante, sentiam o julgamento divino, de modo que, pelo exemplo deles, constrangiam os homens a se sentirem envergonhados, pois aqueles clamavam a Deus: as bestas do campo então clamarão. Ele atribui o clamor a eles, como é noutro lugar atribuído aos corvos jovens. Estes, propriamente falando, de fato não invocam a Deus; no entanto, o salmista diz isso por que eles confessam, ao erguerem seus bicos, que não há provisão Monergismo.com Comentário sobre Joel 31 para a necessidade deles se Deus não as fornecer. Da mesma forma também o Profeta cita aqui as bestas como clamando a Deus. Na verdade, é uma figura de linguagem chamada personificação; 12 pois isso não pode ser devidamente dito sobre as bestas. Porém, quando essas faziam um alvoroço sob a pressão da fome, não era tal uma invocação a Deus segundo a natureza delas admitia? Então, tanto quanto a natureza dos animais irracionais o permite, pode-se dizer deles que buscam seu alimento do Senhor quando proferem bramidos e sons lamentosos, revelando que estão oprimidos pela fome e carestia. Por essa razão, quando o Profeta atribui às bestas clamor, ele, ao mesmo tempo, censura os judeus por sua estupidez, por não invocarem a Deus. “O que vós pretendeis?”, diz. “Vede os animais irracionais: eles vos exibem o que deve ser feito; é no mínimo um ensino que devia exercer efeito sobre vós. Se eu e os outros profetas perdemos todo o nosso esforço, se Deus em vão realiza o ofício de mestre entre vós, que ao menos os próprios bois sejam vossos instruidores; de quem de fato é um vexame serdes discípulos, mas é um vexame maior não atentar ao que eles vos ensinam; pois os bois, por seu exemplo, guiam-vos a Deus”. Percebemos agora quanta veemência há nas palavras do Profeta quando ele diz que até as bestas do campo clamam a Deus; pois os cursos de água secaram-se, e o fogo consumiu as habitações, ou os pastos do deserto. Ele outra vez ensina o que eu afirmei recentemente, que a esterilidade provinha do evidente juízo de Deus, e que isso devia ter infundido pavor nos homens, pois era uma espécie de milagre. Quando, portanto, as correntes de águas secaram-se nas montanhas, como isso podia ser considerado natural? <yqypa 'afikim denota cursos de águas ou vales pelos quais as águas correm. Indubitavelmente o Profeta alude aqui àquelas regiões as quais, pela abundância de água, sempre retêm a sua fertilidade. Por isso, quando os próprios vales foram consumidos, eles seguramente deviam reconhecer que algo prodigioso se tinha sucedido. Por essa razão, atribui o clamor aos rebanhos e bestas inconscientes, e não qualquer sorte de clamor, mas aquele pelo qual invocavam a Deus. O que resta, protelaremos para amanhã. ORAÇÃO Conceda, Todo-Poderoso Deus, que, porquanto tu nos vês estarmos rodeados com a mazela da nossa carne e tão controlados e, no modo de dizer, oprimidos com cuidados terrenos que mal podemos alçar nossos corações e mentes a ti — Ó, permita que, sendo despertados por tua palavra e alertas diários, finalmente sintamos nossos males, e que não somente aprendamos pelas chicotadas que infliges sobre nós, mas também, espontaneamente, citemos a nós mesmos para o julgamento e examinemos os nossos corações, vindo assim à tua presença, sendo nós próprios nossos juízes; de modo que possamos nos prevenir de teu descontentamento e, dessa forma, obter aquela misericórdia que tu, da melhor maneira, prometeste a todos os que, voltando-se apenas a ti, supliquem por causa de tua ira, esperando também a tua mercê, através do nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém. 12 Também conhecida como prosopopéia ou metagoge (N. do T.) 32 CAPÍTULO 2 QUADRAGÉSIMA-PRIMEIRA DISSERTAÇÃO Joel 2.1-11 1. Tocai a buzina em Sião, e dai alarme em meu monte santo. Tremam todos os moradores da terra, pois está chegando o dia do SENHOR, já está perto; 2. Um dia de trevas e de escuridão; um dia de nuvens e de negrume, como a aurora espalhada sobre os montes; povo numeroso e poderoso, qual nunca existiu desde o tempo antigo, nem depois dele existirá nos anos futuros, de geração após geração. 3. Adiante dele um fogo consome; atrás dele uma chama arde; a terra diante dele está como o jardim do Éden, mas atrás dele um desolado ermo; sim, nada lhe escapará. 4. A sua aparência é como a de cavalos; e como cavaleiros assim galoparão. 5. Como o estrondo de carros de guerra, irão saltando sobre os cumes dos montes, como o ruído de um fogo chamejante que consome a pragana, como um povo forte, posto em ordem para o combate. 6. Diante dele os povos terão medo; todos os rostos acumularão negrura. 7. Correrão como valentes, como soldados subirão a muralha; e marchará cada um no seu caminho e não se desviará do seu curso. 1. Clangite tuba in Sion, et clamate (alii vertunt, tantarizate: sed est generale verbum: clamate igitur, vel, clamorem odite) in monte sancto meo: contremiscant omnes incolae terrae, quia venit dies Jehovae, quia propinquus est. 2. Dies tenebrarum et caliginis, dies nubis et obscuritatis, sicut aurora expanditur super montes, populus magnus et robustus (vel, terribilis;) similis ei non fuit a seculo, et post eum, non addet (hoc est, non erit amplius) ad annos generationis et generationis (ego cogor uno contextu legere haec omnia; dicam postea suo loco rationem.) 3. Coram facie ejus (coram ipso) devorans ignis, et post eum exuret flamma: sicut hortus Eden terra coram ipso (ante faciem ejus ad verbum;) et post eum desertum solitudinis (vel, vastitatis;) adeoque evasio non erit ei. 4. Quasi aspectus equorum aspectus ejus, et tanquam equites current. 5. Sicut vocem quadrigarum (sic twbkrm interpretes vertunt: postea dicam de hoc verbo,) super cacumina montium saltabunt, secundum vocem flammae ignis vorantis stipulam, quasi populus robustus (vel, terribilis) paratus ad proelium. 6. A facie ejus pavebunt populi, omnes facies colligent nigredinem. 7. Quasi gigantes (vel, fortes) discurrent, sicut viri proelii ascendent murum, et vir (hoc est, quisque in viis suis ambulabit, et non tardabunt gressus suos (alii, non inquirent de viis suis.) Monergismo.com Comentário sobre Joel 35 Diante deles, diz, o fogo devorará, e após eles a chama queimará. Ele quer dizer que a vingança de Deus seria tal que consumiria o povo inteiro: pois aquele tinha de várias maneiras começado a castigar o povo, porém, como vemos, sem proveito algum. O Profeta, então, diz aqui que restava o último golpe, e que o Senhor destruiria de todo homens tão rebeldes, os quais até então não conseguiu restaurar a uma mente sã com punições moderadas. Porque esse, em certa medida, poupava-os, ainda que os tivesse tratado acerba e severamente, dando-lhes tempo para se arrependerem. Por isso, quando o Profeta viu que eram eles totalmente irrecuperáveis, disse que agora só restava a Deus consumi-los imediata e completamente. Ele acrescenta: Como o jardim do Éden é a terra diante deles, mas depois deles é a terra de solidão; e assim (e também) não haverá escapatória deles. Aqui o Profeta avisa aos judeus que, embora esses habitassem um mui aprazível e particularmente fértil país, não havia motivo para se ufanarem, pois Deus converteria as mais belas terras em uma devastação. Ele, portanto, compara a Judéia ao jardim do Éden ou ao Paraíso. Porém, tal também era o estado de Sodoma, como Moisés revela. De que serviria aos sodomitas viverem como que no Paraíso, que habitassem uma terra rica e fértil e julgassem ser nutridos como que no seio de Deus? Assim também o Profeta agora diz: “Embora a terra seja como o Paraíso, todavia, quando o inimigo marchar através dela, seguir-se-á uma ruína geral, uma dispersão se seguirá por todos os lugares, não haverá lavoura, nem amenidade e tampouco aparência de terra habitada, pois o inimigo destruirá tudo”. O intuito dele era precaver os judeus (por causa da confiança na bênção divina, a qual eles tinham até então experimentado) sobre impensadamente fazer pouco caso no futuro da vingança de Deus; pois a ira desse consumiria e devoraria num instante toda fecundidade que a terra até aqui possuía. Eis o sentido. Por conseguinte, ele conclui que não haveria escape destes inimigos, os assírios, porque eles viriam armados com ordem para reduzir a terra inteira a nada. Ele depois acrescenta muitas símiles, as quais qualquer um, por si próprio, consegue compreender satisfatoriamente; portanto, não me alongarei em explicá-las, e muitas palavras seriam supérfluas. Como a aparência de cavalos é o seu aspecto, e como cavaleiros também correrão. Esse versículo apresenta novamente a surpresa da vingança, como se o Profeta houvesse dito que a longa distância não seria obstáculo, pois os assírios rapidamente se moveriam e ocupariam a Judéia; porque a distância enganava os judeus, que julgavam que haveria uma longa folga para si. Sendo assim, o Profeta aqui remove essa vã confiança quando diz que aqueles seriam como cavalos e cavaleiros. Então adiciona: “Como o som de carros”. Interpretam twbkrm markavot, carros, se bem que os hebreus, em vez disso, pensem se tratar de arreios ou selas, como os denominam; no entanto, prefiro considerá-los como carros, pois o que o Profeta diz — que eles saltarão nos topos das montanhas como o som de carruagens — não se aplicaria adequadamente aos adereços de cavalos. Eles pois saltarão nos cumes dos montes — mas como? Como carros, ou seja, eles chegarão com grande força, ou farão um grande e terrível estrondo. E ele fala de topos de montanhas porque, como sabemos, o barulho lá é maior quando há alguma comoção. O Profeta, por essa razão, de todas as formas reforça a desforra de Deus, para despertar os judeus, os quais, por sua indiferença, tinham por demasiado período provocado a ira do Senhor. Como o som, diz, da chama do fogo, ou de uma chama feroz, devorando o restolho. Ele compara os assírios a uma chama que consome tudo; e compara os judeus a restolho, ainda que esses se julgassem guarnecidos de muitas forças e fortalezas. Por fim, ele acrescenta: Como um povo forte, preparado para a batalha; os povos temerão a face deles, e todos os semblantes acumularão negrura. Por essas palavras o Profeta declara que os assírios, em sua vinda, seriam providos de tal poder que, só pelo relato, deixariam todo o povo prostrado. Porém, se os 36 assírios eram tão formidáveis a todos os povos, o que podiam os judeus fazer? Em resumo, o Profeta mostra aqui que os judeus em hipótese alguma seriam capazes de resistir a inimigos tão poderosos; pois eles, somente por sua fama, prosternariam todo o povo, para que ninguém se atrevesse a se insurgir contra eles. Ele então os compara a gigantes. Como gigantes, diz ele, correrão aqui e ali; como homens de guerra escalarão o muro, e homem (isto é, cada um) andará em seus caminhos. O Profeta ajunta essas várias expressões para que os judeus conhecessem que tinham que lidar com a irresistível mão de Deus, e que debalde implorariam auxílio aqui e acolá; pois não poderiam encontrar alívio em lugar nenhum do mundo quando Deus executasse sua vingança de uma tão formidável maneira. Ele diz mais: eles não interromperão seus passos, embora alguns traduzam as palavras como “eles não inquirirão a respeito de seus caminhos”: pois dissera anteriormente: “Eles prosseguirão em seus caminhos”; então o sentido é que eles não virão como estranhos, os quais, quando viajam por regiões desconhecidas, fazem indagações impacientes, se alguém está à espreita, se há alguns desvios na estrada, se os caminhos são difíceis e complicados: “Eles não inquirirão”, diz ele; eles seguirão com confiança, como se a estrada fosse aberta a eles, como se o país todo lhes fosse conhecido. Essa parte também serve para demonstrar celeridade, para que os judeus tivessem medo da vingança de Deus como se essa estivesse bem perto deles. Ele então adiciona: Um homem não empurrará seu irmão. Por esse modo de falar o Profeta quer dizer que eles viriam em perfeita ordem, de maneira que a hoste não criaria nenhuma confusão, como se dá na maioria dos casos: pois é muito difícil para um exército marchar em ordem regular sem tumulto, como dois ou três homens caminhando juntos. Pois, quando cem cavaleiros marcham juntos, alguns normalmente estorvam a outros. Portanto, quando um tão grande número se reúne, dificilmente lhes é possível não retardar ou impedir um ao outro. Porém, o Profeta declara que esse não seria o caso dos assírios, pois o Senhor dirigiria seus passos. Então, mesmo que o Senhor trouxesse uma tão grande multidão, todavia, estaria ela tão bem agrupada e em ordem tal que ninguém empurraria seu companheiro ou lhe seria um obstáculo. Um homem, diz, prosseguirá em seu caminho, exatamente sem qualquer empecilho. E sobre espadas cairão, mas não se machucarão: ou seja, eles não só serão fortes homens de guerra, de modo a intrepidamente arrostarem toda espécie de perigo, mas também escaparão ilesos de todas as armas; conquanto se precipitem sobre as espadas como loucos e não demonstrem cuidado algum por si próprios, eles, não obstante, não ficarão feridos. Porém, isso pode ser entendido de uma forma mais simples: Eles não serão feridos, isto é, como se eles não pudessem ser feridos. E parece-me ser o genuíno sentido dado pelo Profeta que eles não sentiriam nenhum medo da morte para que atacasse seus inimigos cautelosamente, mas impunemente provocariam a própria morte ao se atirarem sobre as espadas mesmas: não temeriam pois ferimento algum, mas ousariam encará-las como se essas lhes fossem totalmente inócuas. Alguns vertem o termo como “eles não cobiçarão”; então, esse significa que o Profeta teria dito que eles não seriam cobiçosos de dinheiro. Contudo, tal acepção dificilmente se ajusta a esse ponto; e vemos que o melhor sentido aparenta ser que eles arrojar-se-iam sobre as espadas às cegas, como se não pudessem ser vulnerados. Subseqüentemente, vem pela cidade eles marcharão; sobre a muralha correrão; pelas janelas adentrarão como um gatuno. O Profeta revela aqui que os judeus confiavam em vão em suas cidades fortificadas, pois os inimigos facilmente penetrariam nelas. Eles marcharão, diz, através da cidade, isto é, como se não houvesse portões nela. O significado então é que, conquanto a Judéia abundasse em cidades que davam a impressão de inexpugnáveis, parecendo suficientes para deter o curso dos inimigos, como havia acontecido quase sempre, de maneira que grandes exércitos eram forçados a desistir quando alguma cidadela forte se achava em seu caminho, todavia, o Profeta diz que as cidades não seriam embaraços para os assírios em sua vinda à Judéia, pois marchariam pela cidade como ao longo de uma estrada plana, onde Monergismo.com Comentário sobre Joel 37 nenhum portão é fechado contra eles. Eles pois marcharão pelo meio das cidades como por campos planos ou abertos. Com o mesmo escopo é o que se segue: Eles correrão aqui e ali sobre o muro, diz ele. Essas são deveras palavras hiperbólicas; todavia, quando refletimos em quão vagarosos são os homens para temerem o castigo, devemos admitir que o Profeta não passa dos limites da moderação nessas expressões. Eles então correrão pela cidade para cima e para baixo; ou seja: “Debalde esperais que haja alguma trégua ou descanso, pois pensais que sereis capazes de por algum tempo suportar os assaltos de vossos inimigos: Isso”, diz, “em hipótese alguma se dará, pois eles correrão para cá e para acolá sobre a muralha, como se ela fosse uma planície. De mais a mais, eles subirão nas casas e entrarão pelas janelas, e farão isto como um ladrão; ou seja, mesmo que não haja nenhum ataque hostil, todavia, furtiva e secretamente penetrarão em vossas moradas: quando houver um grande tumulto, quando regiões inteiras se acharem em guerra e quando vos julgardes aptos a resistir, eles então, como gatunos, silenciosamente adentrarão vossas casas e chegarão pelas janelas, e não conseguireis obstruir-lhes a passagem”. Ele depois adiciona: Diante da face deles a terra tremerá, e em angústia estarão os céus; o sol e a lua ficarão escuros, e as estrelas retirarão o seu brilho. O Profeta fala aqui de maneira mais hiperbólica; porém, devemos sempre lembrar que se dirigia a homens extremamente estúpidos: convinha-lhe então falar de um modo não usual, para que tocasse nos sentimentos deles; pois de nada servia falar-lhes de jeito totalmente normal a homens perversos, em especial àqueles que se despiram de todo pudor, aos quais Satanás fascinou para que não receassem coisa alguma e não se afligissem por nada. Logo, quando qualquer estupidez apodera-se das mentes dos homens, Deus deve atroar para que sua palavra seja ouvida. Como pois a indolência do povo era monstruosa, era necessário ao Profeta, por assim dizer, expressar palavras monstruosas. Eis a razão por que ele agora diz: Diante da face deles (a saber, a dos inimigos) a terra tremerá; e em seguida acrescenta: Os céus também ficarão em angústia; não que os céus teriam medo dos assírios, mas o Profeta dá a entender que a vingança seria tal que aterraria o mundo inteiro; e isso ele sugere para que os judeus cessassem de se fiar em alguns subterfúgios, pelos quais se vangloriavam, como se pudessem voar nas nuvens ou por si mesmos descobrir alguns esconderijos ou recônditos à distância. O Profeta divulga-as para que percebessem que o mundo todo ficaria cheio de horror quando o Senhor chegasse aparelhado com o seu exército. Ele também fala sobre o sol e da luz, como se dissesse: “Não haverá mais nenhuma esperança de amparo vindo de coisas criadas, pois a própria luz vital minguará quando o Senhor despejar a torrente da sua fúria: O sol e a lua, diz, tornar-se-ão escuros; e as estrelas reterão seu fulgor. Então, mesmo que levanteis vossos olhos, nem mesmo uma centelha de luz haverá para vos confortar, pois as trevas vos cobrirão por todos os lados; e conhecereis, tanto pelo céu quanto pela terra, que Deus está irado para convosco”. Aqui, em suma, ele fecha aos judeus qualquer meio de acesso à esperança; pois não somente os assírios se enfurecerão na terra, mas Deus também dará sinais de vingança do céu, de modo que o sol será constrangido a demonstrar um tal sinal, tanto quanto a lua e todas as estrelas. Ao fim, ele adiciona: E Jeová proferirá sua voz diante de seu exército. Nesse versículo, o Profeta parece antecipar-se a qualquer objeção que os homens pudessem aduzir: “Ó! Tu anuncias sobre nós grandes terrores, como se os assírios não fossem reputados como homens, como se nenhum outro povo tivesse no mundo, como se não houvesse nenhum outro exército, como se não houvesse nenhuma outra força, como se ninguém mais tivesse coragem; contudo, se os assírios são formidáveis no dia de hoje, todavia, eles têm vizinhos que podem reunir força o bastante para se lhes opor”. E o Egito era, naquela época, um país populoso e bem fortificado; e quem não teria dito que os egípcios eram parelhos com os assírios? E os judeus também se achavam a salvos mediante um tratado com aqueles. E havia ainda a Síria, bem como muitos reinos dos quais os judeus podiam se jactar de estarem rodeados, de maneira que nenhum acesso a eles estava franqueado aos assírios; pois por mais deficientes que fossem o povo de Moabe ou o de Amã, não obstante, todos eles estavam ajuntados, precisamente Edom, Amom e Moabe: e 40 QUADRAGÉSIMA-SEGUNDA DISSERTAÇÃO Joel 2.12,13 12. Agora mesmo diz o SENHOR: Retornai a mim de todo o vosso coração, com jejum, com choro e com lamento. 13. Rasgai o coração, não as vestes, e convertei-vos ao SENHOR vosso Deus; porque ele é clemente e misericordioso, lento para se irar, grande em beneficência, e se arrepende do mal. 12. Atque etiam nunc dicet Jehova, convertimini ad me in toto corde vestro, et in jejunio, et in fletu, et in planctu. 13. Et scindite cor vestrum, et non vestimenta vestra, et convertimini ad Jehovam Deum vestrum, quia ipse propitius et misericors, longus ad iram, et multus clementia, et poenitebit eum super malo. O Profeta, havendo proclamado o pavoroso juízo que temos observado, agora demonstra que não pretendia aterrorizar o povo à toa, mas, ao contrário, incentivá-los à penitência; o que ele não podia fazer sem lhes oferecer a esperança de perdão; pois, como dantes dissemos (e como pode ser coligido de todas as Escrituras), os homens não podem ser restaurados a uma mente sã caso não acalentem uma esperança da misericórdia divina, considerando que quem é ímpio, quando se desespera, descuida de si próprio totalmente, não atentando para proibição alguma. Daí o Profeta ora representa a Deus como propício e misericordioso, para que, dessa maneira amável, atraísse o povo ao arrependimento. Ele primeiro diz: E precisamente agora o Senhor diz: Convertei-vos a mim. O Profeta não exorta o povo em seu próprio nome, porém, fala na pessoa de Deus mesmo. Ele de fato podia ter testemunhado da mercê que proclamava; porém, o discurso se torna mais dramático ao introduzir Deus como o orador. E há uma grande importância nas palavras, precisamente agora; pois, quando se considera o que observamos no início do capítulo, uma perspectiva de alívio dificilmente podia ser tida como possível. Realmente Deus, de vários modos, tentara restaurar o povo ao reto caminho; mas, como vimos, a maior parte tornara-se tão destituída de percepção que os flagelos de Deus seriam de todo ineficazes; então, nada restava ali senão a completa destruição com a qual o Profeta os ameaçou no começo do capítulo dois. Todavia, em tal estado de desespero, ele ainda apresenta alguma esperança de misericórdia, contanto que voltassem a ele; agora mesmo, diz. As partículas mgw wegam são cheias de ênfase, “agora mesmo”, isto é: “Apesar de por demasiado tempo haverdes abusado da longanimidade e, no tocante a vós, a oportunidade ter passado, por haverdes fechado a porta a vós mesmos; não obstante, agora mesmo — o que ninguém podia haver esperado, e o que deveras deveria ser julgado incrível por vós próprios — agora mesmo Deus espera por vós, convidando-vos a acalentar esperança de salvação”. Contudo, era forçoso que essas duas partículas, agora mesmo, fossem acrescidas; pois não está no poder dos homens o fixar para si mesmos, segundo lhes agrade, o momento propício para a misericórdia. Deus revela aqui o tempo aceitável, como diz Isaías (Is 49.8), quando aquele ainda não havia rejeitado os homens, mas se apresenta como sendo benigno. Devemos pois lembrar que o Profeta não dá aqui liberdade aos homens para protraírem a hora, como os profanos e escarnecedores estão habituados a fazerem, os quais brincam com Deus dia após dia; porém, o Profeta mostra aqui que temos que obedecer à voz de Deus quando ele nos convidar, como também diz Isaías: “Eis agora o tempo aceitável, eis o dia da salvação: buscai a Deus agora, pois ele está perto; invocai-o enquanto ele pode ser encontrado’. 13 Assim, pois, como vos faço 13 Isaías 55.6 (N. do T.) Monergismo.com Comentário sobre Joel 41 lembrar, estas duas partículas, agora mesmo, são adicionadas para que os homens estejam atentos à voz de Deus quando ele os convidar, para que não demorem até amanhã, pois o Senhor pode então fechar a porta e ficar tarde demais para o arrependimento. Ao mesmo tempo vemos quão indulgentemente Deus tolera os homens, porquanto deixou uma esperança de perdão a um povo tão obstinado e quase incurável. Agora mesmo, ele diz, retornai vós a mim de todo o vosso coração. Aqui o Profeta nos lembra que não devemos agir para com Deus fingidamente; pois os homens estão sempre dispostos a brincar com ele. De fato, vemos que quase todo o mundo está habituado a fazê-lo. Deus graciosamente nos encontra e está pronto a nos receber em mercê, ainda que tenhamos nos alheado dele cem vezes; porém, nada trazemos senão hipocrisia e disfarce: por isso o Profeta declara aqui nitidamente que tal dissimulação não agrada a Deus e que nada podem esconder aqueles que apenas fingem algum tipo de arrependimento por sinais aparentes, e que o que é exigido é o sério e sincero sentimento do coração. Isso é o que ele quer dizer por todo o coração; não que o perfeito arrependimento possa ser formado nos homens, mas o coração inteiro ou completo está em oposição a um coração dividido: pois bem têm os homens o conhecimento de que Deus não é ignorante; todavia, dividem seus corações e, quando concedem alguma porção a Deus, pensam que esse fica satisfeito; entrementes, permanece ali uma perversidade oculta no interior, a qual os afasta para longe de Deus. Tal maldade o Profeta ora condena quando diz: Retornai com o coração todo. Ele então revela que é uma hipocrisia abominável a Deus quando os homens conservam a maior parte de seus corações, por assim dizer, bloqueados, e acham bastante trazerem somente, por assim dizer, algum sentimento volátil. Ele em seguida adiciona: jejum, e choro, e pranto; e por estas palavras ele revela quão gravemente haviam eles pecado; como se dissesse que eles mereciam não apenas um tipo de destruição, mas que eram dignos de cem mortes; que Deus, por conseguinte, não ficaria então contente com alguma penitência ordinária, a menos que viessem súplices, sentindo profundamente a própria culpa. Certamente, é verdade que devemos diariamente e até constantemente suspirar, pois que persistimos, quase que toda hora, a provocar a ira divina contra nós; porém, o Profeta fala aqui do jejum solene, porque o povo tinha ofendido a Deus tão gravemente que havia sido requerida alguma confissão extraordinária, tal como a que ele aqui descreve. Vinde pois a mim com jejum, e choro, e lamentação, isto é: “Demonstrai com pormenores que sois culpados e em submissão rogai pela não aplicação da vingança que, por vossa impiedade, mereceis”. Ele fala como um juiz quando diz ao criminoso para não agir dissimuladamente, mas confessar simplesmente o seu delito. Os réus estão realmente acostumados a tramarem muitas escusas para evitar a pena; contudo, quando o juiz considera um homem culpado e fica abundantemente provado que é, diz: “Que proveito podeis vós alcançar? Pois essas evasivas e subterfúgios pioram a vossa situação: porque agora eu os mantenho presos, e não podeis escapar mediante tais truques, e somente provocarão mais o meu desagrado. Se então desejais que eu demonstre favor para convosco, admitis quão gravemente vós delinqüistes, sem nenhuma falsa aparência; confessai já que sois dignos de morte, e que nada mais vos resta se eu não perdoar a vós misericordiosamente: pois que, se tentardes minorar vosso crime, se tentardes, por alguma desculpa, buscar a suspensão temporária da pena, nada lograreis”. Assim Deus ora trata com esse povo: Retornai a mim, diz; primeiro, com sinceridade; depois, com jejum, com choro, e com lamento; isto é: “Que transpareça que vós, de maneira súplice, orais para que seja afastada a destruição que mereceis, pois o arrependimento moderado não servirá, visto que sois culpados de tantos crimes diante de mim”. Apreendemos agora o sentido dado pelo Profeta. Ele então acrescenta um comentário no fim: Rasgai o vosso coração, e não os vossos vestidos, e convertei-vos a Jeová vosso Deus. O Profeta repete ainda que temos que se avir com Deus sinceramente; pois todas aquelas cerimônias através das quais os homens imaginam que se desincumbem de seus deveres são meros deboches quando não são precedidas por um coração puro e sincero. Porém, como 42 estavam acostumados a, em circunstâncias lutuosas, rasgar suas vestes, ele, portanto, diz: “Deus ficou agora impassível a tais práticas; pois na estima dos homens sois bastante cerimoniosos, mais do que o suficiente; deveras rasgais vossos hábitos e, dessa forma, atraís a comiseração dos homens; no entanto, vosso coração continua inteiro, não há rasgo nem abertura: Rasgai então vosso coração”, ou seja: “Parai de zombardes assim de Deus, como costumais fazer, e principiai com vosso coração”. É realmente certo que os orientais eram dados a muitos rituais; contudo, a maldade que o Profeta condena aqui nos judeus é, no modo de dizer, natural a todos os homens; de maneira que todos nós estamos propensos à hipocrisia, precisando ter sua atenção atraída para a sinceridade do coração. Devemos pois lembrar que tal verdade deve ser apresentada a todas as épocas e a todas as nações. Sonde cada um a si próprio, e descobrirá que padece deste mal: preferir rasgar sua roupa a rasgar seu coração. E, dado que os judeus normalmente observavam esse costume, não é sem causa que o Profeta ridiculariza-o, dizendo que não tinha importância nenhuma para Deus caso não rasgassem os seus corações. Porém, quando os manda rasgar seus corações e não suas vestes, conquanto pareça repudiar tal praxe exterior, todavia, ele não a condena claramente, mas sugere que era algo lícito, contanto que o coração estivesse rasgado. Ora, esta expressão — rasgai o coração — não deve ser considerada severa, pois é para ser relacionada à prática exterior: quando rasgam as vestimentas, fazem-se nus perante Deus e despem-se de todos os ornamentos; porém, esse queria que eles ficassem desgostosos consigo mesmos, desnudando antes o próprio coração. O coração dos hipócritas, sabemos, fica encoberto, e sempre eles recorrem a esconderijos para evitarem a presença de Deus. Então a símile é oportuníssima quando o Profeta ordena-lhes que rasguem o coração. Além do que, a passagem é clara o bastante, não precisando de muitas observações: ela quer dizer que Deus repara no real sentimento do coração, como é dito em Jeremias 5; ele não se contenta com a obediência visual, tal como a que os homens exibem, mas nos quer lidando com ele em sinceridade e verdade. Portanto, ele repete ainda: Retornai a Jeová vosso Deus. Aqui, o Profeta mostra, partindo do que Deus é, que os homens de maneira tola e crassa iludem a si próprios quando querem agradar a Deus com suas cerimônias: “Quê!” diz ele, “tendes vós de vos avir com uma criança?” Pois a significação das palavras é esta: “Quando uma ofensa contra o homem tem de ser removida, vós vades a ele ansiosamente: agora, quando percebeis que Deus está irado para convosco, pensais que ele será propício a vós, se somente brincardes com ele? Pode Deus suportar uma semelhante ignomínia?” Sendo assim, percebemos o que o Profeta quer dizer quando fala: Convertei-vos a Jeová vosso Deus; isto é: “Lembrais que não tendes que tratar com um pedaço de madeira ou com uma pedra, mas com o vosso Deus, o qual esquadrinha os corações, a quem os mortais não podem ludibriar com astúcia nenhuma”. O mesmo é dito por Jeremias: ‘Israel, se tu te converteres, converte-te a mim’ (Jr 4.1); ou seja: “Não simuleis retornar por percursos tortuosos e meandros, porém, vinde em um caminho reto e com real sentimento de coração, pois sou eu quem chama a ti”. Assim também o Profeta ora diz: Retornai a Jeová vosso Deus. Segue-se então a promessa de perdão: Pois ele é propício e misericordioso. Já dissemos que em vão se prega arrependimento se os homens não acalentam uma esperança de salvação; pois jamais podem ser levados a verdadeiramente temerem a Deus caso não confiem nele como seu Pai, como é afirmado no Salmo 130.4: ‘Contigo está a propiciação, para que sejas temido’. Por isso, sempre que os Profetas estavam anelantes por produzirem alguma coisa através de sua doutrina, enquanto exortavam o povo à penitência, juntavam ao convite “vinde” a segunda parte, “vós não vireis em vão”. Tal “vinde” envolve todas as exortações ao arrependimento: “Vós não vireis debalde”, inclui este testemunho sobre a graça de Deus, que Ele nunca rejeitará os miseráveis pecadores, contanto que retornem a ele com o coração. O Profeta pois se ocupa no momento com esta segunda questão: Deus, diz, é propício e misericordioso. E tal conexão deve ser por nós observada; pois, assim como Satanás enche-nos de insensibilidade quando Deus nos convida, também ele nos arrasta para o desespero quando Deus anuncia juízo, quando esse revela que Monergismo.com Comentário sobre Joel 45 para que se chegassem a Deus anelantes, com muita ponderação, levando devidamente em conta suas ofensas. Compreendemos agora o propósito do Profeta. Porém, isso será mais facilmente compreendido supondo-se duas gradações no arrependimento. Então a primeira etapa é quando os homens sentem o quão gravemente pecaram. Aqui a tristeza não é para ser removida de imediato segundo a maneira dos impostores, os quais seduzem as consciências dos homens para que cedam ao desejo e enganem a si próprios, com autobajulações vazias. Pois o médico não alivia logo a dor, mas considera o que é mais imprescindível: pode ser que ele a aumente, pois uma limpeza meticulosa pode se fazer necessária. Assim também agem os Profetas de Deus: quando notam consciências trementes, não aplicam imediatamente consolações calmantes, porém, ao invés disso, mostram que elas não devem, como já dissemos, brincar com Deus, exortando-as enquanto voluntariamente correm para ele, pondo diante delas o terrível julgamento divino para que fiquem mais e mais humilhadas. A segunda etapa é quando os Profetas animam as mentes dos homens, revelando que Deus agora os encontra de bom grado, não desejando outra coisa que não os ver desejosos de serem reconciliados a ele. O Profeta agora os está encorajando a darem o primeiro passo ao dizer: Quem sabe o Senhor voltará? Contudo, alguns podem objetar e dizer: “Então o Profeta falou sem coerência; pois primeiro descreveu Deus como misericordioso e falou da irrestrita bondade desse; e depois lança uma dúvida: ele parece não guardar congruência nenhuma aqui”. Respondo que os Profetas de Deus não se preocupavam em se manter firmes e de contínuo coerentes em seus discursos; e mais, que o Profeta não fala aqui debalde ou imponderadamente; pois ele, em primeiro lugar, de maneira genérica expõe Deus como clemente e, em seguida, dirige-se particularmente a um povo que era quase incorrigível, dizendo: “Conquanto pensais que está tudo acabado convosco quanto à vossa salvação, e que mereceis ser rejeitados por Deus, todavia, não deveis continuar nesse estado; antes, acalentai uma esperança de perdão”. Isso é o que o Profeta propõe; ele não deixa dúvidas, de modo a fazer com que o pecador ficasse na incerteza se podia ou não alcançar perdão; porém, como eu disse, ele queria somente suscitar o torpor e também sacudir suas vãs auto-adulações. Ele então adiciona, E deixar após si uma bênção. Vemos aqui mais claramente o que eu já disse, que o Profeta, considerando o estado daqueles a quem se dirigia, expressa uma dificuldade: pois os judeus não deviam escapar da punição temporária, e o Profeta não pretendia deixá-los ir em um estado de confiança, como se Deus não infligisse sobre eles castigo; ao contrário, ele desejava dobrar suas cervizes para que recebessem os golpes de Deus e pacificamente se submetessem à correção dele. Mas toda a esperança poderia ter sido perdida quando os judeus vissem que, mesmo que o Profeta houvesse declarado que Deus seria propício, eles, não obstante, não seriam poupados, porém, sofreriam severa pena por seus pecados: “O que isso significa? Deus então nos faltou com a palavra? Esperávamos que ele fosse propício, no entanto, não cessa de se irar conosco”. Por conseguinte, o Profeta ora acrescenta a observação no final: Quem sabe se ele não deixará atrás de si uma bênção? O que é isto — após si? O que isso quer dizer? Exatamente isto: que, visto como Deus tinha de ser um severo juiz para punir a maldade do povo, o Profeta ora diz: “Mesmo que Deus bata em vós com as suas varas, não obstante, pode ele vos aliviar ministrando conforto. De fato julgais que fostes espancados quase até a morte; mas o Senhor moderará sua cólera, de modo que a essas dolorosíssimas punições seguir-se-á uma bênção”. Entendemos agora pois o propósito do Profeta: pois ele não promete simplesmente perdão aos judeus, mas mitiga o medo do castigo, isto é, que, embora Deus os castigasse, esse, todavia, daria lugar à misericórdia. Então, Deus deixará após si uma bênção; ou seja: “Tais golpes não serão incuráveis”. E essa admoestação é mui necessária sempre que Deus trata severamente conosco, pois, 46 quando sentimos sua ira, achamos que não resta mais graça. Não é então sem motivo que o Profeta diz que Deus deixa atrás de si uma bênção; o que significa que, quando ele passa por nós com sua verga, ele, todavia, comedirá sua severidade, para que permaneça alguma bênção. Em seguida, ele acrescenta, <kyhla hwhyl isnw hjnm mincha wasesech laYehovah Elohim, uma oferta e uma libação, diz, a Jeová vosso Deus. Isso foi intencionalmente adicionado para que os judeus nutrissem mais esperança. Pois, no tocante a eles, tinham merecido ser cem vezes exterminados inteiramente; sim, mereciam definhar de fome completamente: contudo, o Profeta dá a entender aqui que Deus teria consideração pela própria glória e pelo próprio culto. “Mesmo que mereçamos perecer de fome”, diz, “não obstante, Deus será movido por uma outra consideração, precisamente esta: para que haja alguma oferenda, para que haja alguma libação no templo. Então, já que Deus elegeu-nos para si como povo e requereu que as primícias se lhe fossem oferecidas, e consagrou para si todas as nossas provisões e toda nossa produção naquelas, bem como nas ofertas diárias, ainda que tenha agora resolvido nos consumir com a fome e a carestia, todavia, para que seu culto prossiga, ele nos tornará a terra fértil, e trigo e vinho ainda serão produzidos para nós”. Porém, o Profeta não quer dizer que haveria trigo apenas na quantidade suficiente para as oblações, ou vinho somente o bastante para as libações; mas ele quer dizer, como eu já falei, que, conquanto Deus não providenciasse a segurança do povo, não obstante, teria ele estima pela própria glória. Deus exigia que o cereal e o vinho lhe fossem oferecidos, não que carecesse deles, mas porque consagrou para si os nossos víveres. Como então ele queria que o alimento e as provisões, pelos quais vivemos, fossem-lhe santificados, ele não permitirá que faltem totalmente. “Deus, todavia, com certeza se apiedará de nós, e se apiedará porque se dignou a nos escolher como povo seu e, assim, juntar-se a nós, pois deseja, por assim dizer, comer conosco”. Pois Deus parecia então partilhar, no modo de dizer, da mesma mesa com o povo dele; pois a lei exigia que pão ou espigas de trigo, bem como vinho, fossem oferecidos a Deus: não que esse, como dissemos, precisasse de semelhante sustento, mas para que demonstrasse que tinha todas as coisas em comum com o seu povo. Tal comunhão, então, ou comunidade de Deus com seu povo eleito, dava-lhes mais esperança; e isto é o que o Profeta tinha em vista. ORAÇÃO Conceda, Deus Todo-Poderoso, que, porquanto tu nos vês tão tolos nutrindo nossos vícios e também tão enredados pelas gratificações da carne que, sem sermos compelidos, dificilmente retornamos a ti — ó, permita que sintamos o peso de tua cólera para que, sendo tocados com o horror dela, voltemos a ti alegremente, jogando fora toda dissimulação e nos devotando integralmente ao teu serviço, a fim de transparecer que nos arrependemos de coração, e que não gracejamos de ti com pretexto vazio, mas que te ofereçamos nossos corações como sacrifício, para que nós e todas as nossas obras sejam oferendas sagradas a ti através de nossa vida inteira, e que teu nome seja glorificado em nós mediante Cristo nosso Senhor. Amém. Monergismo.com Comentário sobre Joel 47 QUADRAGÉSIMA-TERCEIRA DISSERTAÇÃO Joel 2.15-17 15. Tocai a buzina em Sião, santificai um jejum, convocai uma assembléia solene. 16. Congregai o povo, santificai a congregação, ajuntai os anciãos, congregai as crianças, mesmo as lactentes; saia o noivo de sua recâmara, e a noiva de seu tálamo. 17. Chorem os sacerdotes, os ministros do SENHOR, entre o pórtico e o altar, e digam: Poupa a teu povo, ó SENHOR, e não entregues a tua herança ao vitupério, para que as nações o dominem; porque diriam entre os povos: Onde está o seu Deus deles? 15. Clangite tuba in Sion, sanctificate jejunium, indicite conventum: 16. Colligite populum, sanctificate coetum, coedunate senes, colligite parvulos et sugentes ubera, et egrediatur sponsus e penetrali suo et sponsa e thalamo suo. 17. Inter atrium et altare plorent sacerdotes, ministri Jehovae, et dicant, Propitius esto Jehova super populum tuum; et ne des haereditatem tuam in opprobrium, ut dominentur super eos gentes: cur dicent in populis, Ubi est Deus corum? Novamente o Profeta os lembra aqui que havia necessidade de profundo arrependimento, pois não só os indivíduos haviam transgredido, mas o povo como um todo se tornara culpado diante de Deus; e também sabemos quantos e quão graves haviam sido os pecados do segundo. Não é de se espantar, então, que o Profeta exija uma pública profissão de penitência. Ele primeiro lhes ordena tocar a trombeta em Sião. Este costume, como vimos no início do capítulo, era de uso comum sob a Lei: eles compareciam aos seus encontros pelo som das trombetas. Não há dúvida, pois, de que o Profeta aluda aqui a uma reunião singular. Tocavam as trombetas sempre que chamavam o povo para as festas. Porém, deve ter sido estranho para os judeus proclamar um jejum devido ao pesado juízo de Deus, o qual estava para sobrevir a eles a menos que fosse obstado. Ele então revela a finalidade disso, mandando-os santificarem um jejum. Por esta palavra vdq kadash, ele quer dizer uma proclamação para um santo propósito. Santificai então um jejum, 15 ou seja: proclamai um jejum no nome de Deus. Tocamos ligeiramente no tema do jejum no primeiro capítulo, mas transferimos para este ponto uma discussão mais ampla. Jejuar, sabemos, não é em si mesmo uma obra meritória, como os papistas o imaginam ser: de fato não há, estritamente falando, obra meritória nenhuma. Contudo, os papistas têm devaneios de que jejuar, além de seu mérito e valor, é também por si mesmo de muita utilidade no culto de Deus; no entanto, jejuar, quando considerado em si mesmo, é uma obra nem boa nem má. 16 Não é, pois, sancionado por Deus que não para seu fim. Deve ele estar conectado com algo mais, caso contrário, é algo vão. Os homens, mediante jejuns individuais, preparam-se para o exercício da oração, ou mortificando a própria carne ou procurando um remédio para alguns vícios ocultos. Ora, eu não denomino jejum de abstinência, pois os filhos de Deus, conhecemos, devem, durante toda a vida, ser sóbrios e comedidos em seus hábitos; porém, reputo ser jejum quando algo é abstraído de nossa regrada 15 Isto é, restrição. Literalmente fica: Proclamai uma restrição. E, como isso significa uma contenção geral tanto de trabalho quanto de comida, é aplicado para designar um dia de festa, quando os homens são impedidos ou restringidos do trabalho. (N. do E. inglês.) 16 Medium opus, “uma obra média, neutra, nem boa nem má”. (N. do E. inglês.) 50 noivo e à noiva que deixassem suas núpcias e vestissem a mesma aparência de luto do resto do povo. Ele assim sacode o descaso de todos, já que Deus havia aparecido com sinais de sua ira. Eis o sumário do todo. Segue-se então: entre o átrio e o altar, que os sacerdotes, os ministros de Jeová, chorem. Era o ofício dos sacerdotes, sabemos, orar no nome do povo todo; e o Profeta segue agora essa ordem. Não era, de fato, peculiar aos sacerdotes orar e pedir perdão a Deus; porém, eles oravam no nome do povo todo. A razão deve ser bem conhecida de nós, pois Deus intentava por esses tipos legais lembrar os judeus que eles não podiam lhe oferecer orações senão através de algum mediador: o povo era indigno de oferecer oração por si próprio. Por isso o Profeta era, por assim dizer, a pessoa intermediária. O todo disso tem de ser relacionado a Cristo, pois por meio dele nós agora oramos: ele é o Mediador que intercede por nós. O povo naquele tempo ficava à distância, mas nós agora ousamos nos achegar a Deus, pois o véu está rasgado, e através de Cristo todos nós somos feitos sacerdotes. Portanto, é-nos concedido, de uma maneira familiar e confiante, chamar a Deus de nosso Pai; no entanto, sem a intercessão de Cristo, nenhum acesso a Deus ser-nos-ia aberto. Esse então era o motivo para o encontro legal. Destarte, o Profeta ora diz: Que os sacerdotes chorem; não que desejasse que o povo, no entretempo, negligenciasse seus deveres, mas ele exprime o que tinha sido prescrito pela lei de Deus, ou seja: que os sacerdotes deviam oferecer súplicas no nome do povo. E ele diz: Entre o pátio e o altar; pois o povo permanecia no pátio, os sacerdotes mesmos tinham um pátio do seu lado que chamavam de o pátio sacerdotal; contudo, o pátio do povo estava bem do lado oposto do santuário. Então o sacerdote ficava, por assim dizer, no meio, entre Deus (isto é, a arca do concerto) e o povo: este também se mantinha ali. Percebemos agora que o que o Profeta queria dizer era que o povo tinha os sacerdotes como seus mediadores para oferecerem orações; no entanto, a confissão deles todos era pública. Ele denomina os sacerdotes de os ministros de Jeová, como notamos antes. Ele assim designa o ofício deles, como se houvesse dito que não eram mais dignos do que o restante do povo, como se sobrepujassem pela própria virtude ou pelos próprios méritos; mas que o Senhor conferira tal honra à tribo de Levi escolhendo-os para serem seus ministros. Foi então em virtude da função deles que vinham para mais perto de Deus, e não por algum mérito em suas obras. Ele acrescenta ainda: Poupe, Senhor, ou, seja propício ao teu povo, e não dês tua herança ao opróbrio, para que os gentios governem sobre eles. Aqui o Profeta não deixa nada aos sacerdotes que não se refugiarem na misericórdia divina, como se tivesse dito que agora nenhum apelo restava ao povo, que estavam grandemente enganados se pretextassem alguma desculpa e que toda a esperança deles estava na clemência de Deus. Ele em seguida mostra a base sobre a qual eles deviam buscar e esperar por compaixão, e chama a atenção deles para o pacto gratuito de Deus: Não dês tua herança por vitupério para as gentes. Por essas palavras ele mostra que, se os judeus dependessem de si mesmos, não teriam remédio; pois haviam com tanta freqüência, e de maneiras variadas tais provocado a cólera de Deus que não podiam esperar por perdão algum: eles também tinham sido tão obstinados que a porta, por assim dizer, tinha-lhes sido fechada devido à sua dureza. Porém, o Profeta aqui os lembra que, como eles haviam sido livremente elegidos por Deus como seu povo peculiar, restava-lhes uma esperança de libertação, mas que isso não devia ter sido buscado de qualquer outro jeito. Entendemos agora então o intuito do Profeta quando fala da herança de Deus, como se houvesse dito que o povo não podia ter empreendido nada naquele momento para apaziguar Deus não tivessem sido eles a herança divina: Não dês então tua herança à ignomínia. Ele tinha em vista a ameaça que ele outrora mencionara; pois era uma espécie extrema de vingança quando o Senhor se determinava a visitar seu povo com destruição total: depois de havê-los esgotado e consumido pela fome e carestia, Deus resolveu consumi-los inteiramente pela espada dos inimigos. É, pois, a essa vingança que ele agora se refere quando diz: Que os gentios não Monergismo.com Comentário sobre Joel 51 governem sobre eles. Logo, é absurdo, como muitos fazem, ligar isso com o discurso acerca das locustas: semelhante coisa é totalmente incoerente com a intenção do Profeta. 17 É então adicionado: Por que diriam entre os povos: Onde está o Deus deles? O Profeta ora aduz outro motivo pelo qual os judeus podiam acalmar Deus, a saber, porque a glória desse está envolvida. Este motivo tem deveras uma afinidade com o anterior, pois Deus não podia expor sua herança aos opróbrios dos gentios sem sujeitar também seu santo nome às blasfêmias deles. Porém, o Profeta revela aqui mais nitidamente que a glória divina estaria sujeita ao vitupério entre as nações se ele tratasse com o povo segundo as plenas reivindicações de justiça, pois os gentios insolentemente mofariam dele, como se não pudesse salvar o povo. Destarte, nessa segunda oração ele nos lembra que, quando ocupados em buscar perdão, devemos pôr diante de nossos olhos a glória de Deus, e que não devemos procurar nossa salvação sem lembrarmos-nos do santo nome de Deus, o qual deve ser de direito preferido a todas as outras coisas. E, ao mesmo tempo, ele também fortalece a esperança do povo quando ensina que a glória de Deus está ligada com a salvação daqueles que pecaram; como se tivesse dito: “Deus, para cuidar da sua glória, terá compaixão de vós”. Eles então deviam ter vindo com maior disposição à presença de Deus ao virem que a salvação deles estava conectada com a glória divina, e que seriam salvos para que o nome de Deus fosse preservado são e salvo das blasfêmias. Percebemos agora, então, o que o Profeta queria dizer nesse versículo: ele primeiro tira dos judeus toda confiança em obras, revelando que nada lhes restava senão refugiarem-se na misericórdia gratuita de Deus. Ele depois revela que tal misericórdia está encerrada na gratuita aliança de Deus, porque eram eles sua herança. Em terceiro lugar, ele mostra que Deus ser-lhes-ia compassivo em atenção à sua (de Deus) glória, para que não a expusesse aos opróbrios das gentes, caso exercesse para com o povo dele extrema severidade. Prossigamos agora — 17 O Dr. Henderson, em sua obra erudita sobre os Profetas Menores, publicada recentemente, concorda com Calvino ao rejeitar a interpretação aqui aludida, conquanto adotada por muitos homens doutos. Ele considera que os assírios e não as locustas são aqui descritos no começo desse capítulo, e que o Profeta “emprega linguagem emprestada da aparência e dos movimentos de tais insetos, a fim de deixar uma impressão mais profunda em seus ouvintes, cujas mentes estavam cheias de idéias derivadas daqueles enquanto instrumentos da calamidade que estavam eles sofrendo”. Fala-se das locustas no primeiro capítulo como já tendo aparecido; mas o juízo detalhado neste capítulo é descrito como futuro. (N. do E. inglês.) 52 Joel 2.18,19 18. Então o SENHOR se mostrou zeloso para com a sua terra, e apiedou-se do seu povo. 19. E o SENHOR, respondendo, disse ao seu povo: Eis que vos envio o trigo, e o vinho novo, e o azeite, e deles vos fartareis, e não mais vos entregarei ao vitupério entre os pagãos. 18. Et aemulatus est (aemulabitur, ad verbum) Jehova (hoc est, zelo ducetur Jehova) super terram suam, et propitius erit (et miserabitur, vel, parcet; nam lmj est parcere) populo suo. 19. Et respondit Jehova (vel, respondebit) et dicit (vel, dicet) populo suo, Ecce ego mitto vobis triticum et mustum et oleum, et saturabimini eo (vel illis potius, est mutatio numeri,) et non dabo vos amplius opprobium inter Gentes. O Profeta repete aqui que as orações não seriam em vão, contanto que os judeus verdadeiramente se humilhassem diante de Deus. Então Deus, diz, será cioso de sua terra e poupará seu povo. Ele confirma o que eu já havia dito — que Deus lidaria com seu povo de maneira misericordiosa, pois que esse era sua herança, isto é, porque o escolhera para si. Pois de onde procede o título de herança senão da aliança gratuita de Deus? Porque os judeus não eram mais excelentes do que os outros, mas a eleição era a única fonte da qual eles tinham que tirar alguma esperança. Percebemos agora então a razão destas palavras — Deus terá zelo por sua terra — serem acrescidas, como se dissesse: “Ainda que esta terra tenha sido profanada pela perversidade dos homens, todavia, Deus a consagrou para si: portanto, ele respeitará a sua aliança e, assim, virará seu rosto para não olhar para os pecados deles”. Ele poupará, ele diz, seu povo, isto é, seu povo escolhido; pois, como eu disse, o Profeta indubitavelmente atribui aqui a segurança do povo e a esperança de segurança desse à eleição gratuita de Deus; pois o ciúme de Deus nada mais é senão a veemência e o ardor de seu amor paternal. Deus não podia, de fato, expressar quão ardentemente ele ama aqueles a quem elegeu sem tomar emprestado, no modo de dizer, o que pertence aos homens. Pois sabemos que as paixões não pertencem a ele; 18 mas ele é apresentado como um pai, que arde de zelo 18 “A imutabilidade de Deus faz supor sua IMPASSIBILIDADE. Isso quer dizer que ele é sem ‘paixões’ — emoções ou sentimentos. Os crentes menos atentos rapidamente protestarão contra dizer que Deus não tenha emoções, visto a Bíblia parecer revelar um Deus que experimenta estados emotivos tais como tristeza, alegria e ira (Salmo 78.40; Isaías 62.5; Apocalipse 19.15). ‘Os proponentes da impassibilidade divina explicam que as passagens que parecem atribuir emoções a Deus são antropopatismos. A oposição então protesta que isso é querer invalidar o ensino óbvio da Escritura por relegar a antropomorfismo ou antropopatismo tudo que não se queira associar a Deus. Mas tais oponentes da impassibilidade que são de outro modo ortodoxos em suas crenças prontamente aceitam aquelas referências bíblicas como antropomórficas que atribuem a Deus partes corporais tais como mãos e olhos. Portanto, não se deve tirar antropomorfismo ou antropopatismo do pensamento como explicação válida sem boa razão. ‘Dizer que Deus experimenta emoções de uma maneira similar a dos seres humanos parece incorrer em muitas contradições: ‘Um homem torna-se irado contra sua vontade no sentido de que não escolhe ficar daquele jeito, nem escolhe experimentar o que o levou à cólera, mas dado seu presente estado mental e desenvolvimento de caráter, o ‘gatilho’ incita essa emoção nele contra sua preferência. O mesmo aplica-se a experiências humanas de alegria, medo e tristeza. Ainda que se possa desenvolver um notável nível de autocontrole pelo poder santificador da Escritura e do Espírito Santo, permanece o fato de que a vontade e a emoção de alguém não mantêm um relacionamento harmônico. Um estado emocional de uma pessoa não é sempre exatamente o que ela quer ou decide ser. ‘Contudo, o que foi dito acima não pode ser verdadeiro acerca de Deus mesmo se ele tivesse de experimentar emoções, visto que tal falta de autocontrole contradiz sua soberania, imutabilidade e onisciência. Por exemplo, que Deus sabe de tudo e assim não pode ser ‘surpreendido’ elimina certos caminhos da experiência das emoções. (…) ‘Podemos, por conseguinte, afirmar alguma forma de impassibilidade divina. Se Deus é entristecido por nossos pecados, é somente porque ele quer ser entristecido por eles, e não devido ao seu estado mental estar além de seu controle ou sujeito à nossa influência. Pelo menos nesse sentido e até esse ponto, podemos afirmar que Deus não possui paixões. Mesmo se Deus tivesse emoções, estariam elas sob seu completo controle, e nunca comprometeriam qualquer Monergismo.com Comentário sobre Joel 55 ORAÇÃO Conceda, Deus Todo-Poderoso, que, visto como continuamos a excitar tua ira contra nós, e somos tão insensíveis, apesar de nos exortares diariamente ao arrependimento — ó, permita que o que teu Profeta nos ensina penetre em nossos corações e sejamos como uma trombeta sonante, para que real e sinceramente nos humilhemos diante de ti e fiquemos tão tocados com o senso de tua ira que aprendamos a largar todas as afeições depravadas de nossa carne, e não meramente deplorar os pecados que já temos cometido: e também tu nos consideres no porvir, para que diligentemente andemos em teu temor, consagrando-nos inteiramente a ti; e, dado que te dignaste a nos eleger por tua herança e a nos reunir sob teu Cristo, vivamos assim debaixo dele, como nosso guia, até que por fim sejamos reunidos em teu reino celestial para desfrutarmos aquele ditoso repouso que tu prometeste a nós, o qual também nos prometes todo dia, o qual foi adquirido pelo sangue do mesmo, nosso Senhor Jesus Cristo. Amém. 56 QUADRAGÉSIMA-QUARTA DISSERTAÇÃO Ontem o Profeta falou do inimigo nortista, dizendo que estava no poder de Deus repeli-lo para longe, que o primeiro não poderia ferir o povo e que o vasto exército daquele não impediria a dissipação de seu poderio e acometidas. Agora ele acrescenta isto, o qual não pudemos terminar ontem: Subirá o seu mau cheiro, e ascenderá a sua podridão; pois soberbamente tem ele se apresentado ou se exaltado para perpetrar seu propósito. O Profeta enuncia aqui mais do que na frase anterior, a saber, que Deus tornaria em ignomínia todo o poder dos assírios. A razão que acrescenta no fim merece ser notada: ‘Ele se exaltou altivamente em seus feitos’, o que significa que esse se ufanou com grande orgulho, julgando que pudesse fazer tudo o que quisesse; portanto, ele diz: ‘Ascenderá sua podridão e mau cheiro’. Isso contém uma mui notável insinuação, pois quando os homens deliberam acerca de grandes coisas, é o mesmo que se fossem elevar ao alto; e também observamos até onde tendem os desígnios daqueles que estão engajados em difíceis e árduas tarefas; pois não se contentam com seus quinhões, mas tentam subir acima das nuvens. Então, dado que o intento de todos os mortais é se alçar ao alto quando buscam para si próprios mais do que o que é justo, o Profeta, ridicularizando tal desatino, diz: “Subirá o cheiro ruim dos assírios, como um mau odor de uma ossada pútrida. Ele pensa”, diz, “que pode fazer o que lhe agrada, como se o céu e a terra estivessem sob o controle dele: seu poder, forças operacionais e esplendor não ascenderão: ascenderá sim apenas seu mau cheiro, como de uma carcaça de animal morto”. Por que isso? “Ele se exaltou poderosamente”, diz, “para realizar o seu projeto”. Entendemos agora o objetivo do Profeta: por isso, esta útil instrução pode ser depreendida, que Deus controla a tola confiança daqueles que se orgulham do próprio poder, de modo que não somente os desmoraliza, mas também torna a glória em vergonha, para que nada suba deles que não mau cheiro e odor de decomposição. Segue-se ora o que é de caráter contrário — Joel 2.21 21. Não tenhas medo, ó terra: sê alegre e exulta-te, pois o SENHOR fará coisas grandiosas. 21. Ne timeas terra, exulta et laetare; quia magnifice extulit se Jehova ad faciendum. Ele revela aqui que Deus, por seu turno, exaltaria a si mesmo, o que os assírios presunçosamente tentaram fazer. Porque Deus parece por um período estar parado quando se oculta e quando não exibe seu poder, esperando para ver a tendência das conspirações insanas e da loucura satânica daqueles que se insurgem contra ele e a sua Igreja. Mas, havendo por um tempo se refreado assim, ele finalmente sairá do esconderijo, e isto é o que o Profeta quer dizer ao falar que Deus se exaltou poderosamente para realizar seu objetivo. Os assírios primeiro tentaram isso; porém, agora o Senhor, por seu turno, levantar-se-á. Verdadeiramente Deus podia ter feito isso antes, mas não quis. E vemos ser este o modo habitual dele de proceder: não tentar parar a presunção dos homens, até que o tempo sazonado que ele predeterminou chegue; posteriormente, dissipa em um instante as iniciativas deles. Deus, então, naquele momento se exaltou sublimemente: logo, regozija-te e exulta-te, ó Terra. Contudo, ele primeiramente diz: Não temeis, ó Terra; em seguida, exulta-te e regozija-te. Pois era preciso, primeiramente, tirar o medo de que as mentes de todos estavam ora tomadas. O Profeta começa então com consolação; pois os judeus dificilmente podiam ter acalentado algum gozo caso o medo que os oprimia não fosse primeiro sacudido para fora. Sendo assim, o Profeta mantém a devida ordem ao dizer: “Não temas, ó Terra, antes, exulta-te e alegra-te”. Depois, ele acrescenta a observação no final — Monergismo.com Comentário sobre Joel 57 Joel 2.22 22. Não tenhais medo, bestas do campo, pois que as pastagens do deserto reverdecerão, pois que o arvoredo dará o seu fruto, a figueira e a videira produzirão sua força. 22. Ne timeatis bestiae agri, quia germinarunt pascua deserti, quia arbor protulit fructum suum, ficulnea et vitis protulerunt virtutem (vel, substantiam) suam. Aqui o Profeta volta seu discurso às alimárias. Não que a instrução dele se lhes fosse apropriada, mas era um modo mais eficaz de falar quando invitava as próprias bestas a uma participação no júbilo do povo; pois, se não fosse tornado conhecido aos judeus que a ira divina estava ora mui próxima, nenhum consolo que o Profeta houvesse aplicado até aqui teria tido alguma influência sobre eles. Mas agora, visto que percebiam que a cólera de Deus não só pairava sobre eles, mas se estendia muito além, até aos animais, e visto que o Senhor teria compaixão deles, de modo que sua bênção seria partilhada em comum pelas bestas e animais irracionais, o discurso ficava de longe mais impressionante. Por conseguinte, vemos que o Profeta, com a melhor das razões, dirigia seu elóquio às próprias alimárias, embora destituídas de mente e de discernimento. Pois, ao se dirigir aos animais inconscientes, ele se dirigia aos homens com força dobrada: isto é, impressionava suas mentes mais eficazmente, a fim de que confessassem seriamente quão grande era a ira de Deus, e também quão grande seria a bênção desse. Bestas, diz, não temais. As bestas do campo deviam então ter receado o juízo divino que ele outrora anunciara; pois, a menos que Deus ficasse apaziguado para com o povo, o fogo da ira teria consumido a terra, as árvores e os pastos inteiramente; assim, todas as alimárias deviam ter estado esfomeadas. Porém, agora, quando Deus reconciliou-se com seu povo, sua bênção sorrirá aos animais irracionais. O que se deve dizer então dos homens? Pois Deus é devidamente propício a esses, não àqueles. Em vista disso, percebemos que o fruto da reconciliação fica mais óbvio quando é em parte estendido à criação inconsciente. Portanto, ele diz: Não temais, bestas do campo: já que os pastos do deserto crescerão, as árvores produzirão seus frutos. Mediante tais palavras o Profeta sugere que, tivesse a cólera de Deus sido implacável para com seu povo, a esterilidade da terra não teria sido saneada. Ora pois, de onde veio uma tão súbita mudança para que as pastagens crescessem, as árvores — tanto a figueira quanto a vide — produzissem seus frutos, se a Deus não tivesse agradado abençoar a terra, depois de ter recebido os homens em mercê? Apreendemos agora, então, o sentido dado pelo Profeta, precisamente este — que a terra seria levada, por um Deus irado, a executar a sentença desse, e que não haveria solução para a esterilidade dela até que os homens acalmassem a Deus. Eis a suma do todo. Segue-se agora — 60 Joel 2.24 24. E as eiras ficarão cheias de trigo, e os barris transbordarão de vinho novo e de azeite. 24. Et implebuntur horrea frumento et resonabunt torcularia vino (musto, ad verbum: diximus de hac voce prius,) et oleo. Ele continua com o mesmo assunto nesse versículo, mostrando os efeitos da chuva; pois quando a terra está irrigada e cheia de suficiente umidade, ela produz fruto com exuberância e fartura. Deus então fará com que as chuvas não sejam inúteis, pois as eiras ficarão cheias de trigo e os tonéis transbordarão tanto de vinho quanto de óleo. Ele em seguida acrescenta — Joel 2.25 25. E restituir-vos-ei os anos que comeu o gafanhoto peregrino, o gafanhoto devastador, o gafanhoto devorador e o gafanhoto cortador, o meu grande exército que mandei contra vós. 25. Et reddam vobis annos (pro aliis annis, subaudiendum est) quibus comedit locusta, bruchus, eruca (lysj, alii vertunt, rubiginem: sed dixi primo capite me non adeo solicitum esse de istis vocibus, quia etiam ignotae sunt hodie ipsis Judaeis; sed certum est esse insecta, quae corrumpunt omnes terrae fruges, ut tunc diximus,) exercitus meus magnus, quem miseram ad vos. O Profeta confirma o que anteriormente dissera, e afirma o que é de um caráter oposto: que Deus pode tão facilmente restaurar uma rica fertilidade à terra quanto outrora a tinha feito estéril pelo envio de insetos devoradores. Eu vos darei anos, (pelos outros anos), diz; e, para que os judeus entendessem mais completamente que tudo isso estava na mão de Deus, ele explicitamente declara que as lagartas, os besouros e as locustas 23 eram o seu exército e, por assim dizer, seu exército mercenário, ao qual empregara conforme bem lhe pareceu. Os espoliadores, então, os quais haviam destruído a produção inteira da terra, eram, segundo declara o Profeta, os mensageiros de Deus: não era por acaso, diz, que as locustas, as lagartas ou os besouros vinham; mas Deus contratava esses soldados, os quais eram as suas forças e o seu exército para afligir o povo todo; então a fome e a carestia consumiam a esse. Não é pois à toa que o Profeta aqui cite que tais insetos destrutivos eram o exército de Deus: é para demonstrar mais plenamente o que é prometido aqui, pois Deus — o qual havia, por meio daquele, devorado tudo o que havia crescido na terra — pode agora facilmente restaurar a abastança, em vez da esterilidade dos anos passados. Ora, quando alguém dispõe seus braços, a terra é em seguida cultivada, produzindo seus frutos normais: do mesmo modo, o Senhor também agora revela que a terra tinha estado estéril porque ele enviara seu exército, o qual devastou toda a produção. Mas agora, diz, quando eu vos restaurar à mercê, não haverá exército para devorar o vosso fruto: a terra então vos nutrirá, pois nada haverá para vos estorvar de receber sua produção costumeira. Não tivessem sido os judeus assegurados de que a terra havia estado estéril em virtude de as locustas, os besouros e as lagartas serem o exército que o Senhor preparara, eles podiam ter sempre receado tais destruidores: “Decerto as locustas aparecerão subitamente, os besouros e as lagartas chegarão 23 Como no capítulo primeiro, há quatro espécies citadas: mas uma delas é omitida aqui e no texto latino [de Calvino]. Contudo, parece que Keil & Delitzch explicam a posição do Reformador, concordando com ela. Comentando essa passagem, a dupla de eruditos escreve: “Deve-se observar aqui que a copulativa fica antes dos dois últimos nomes, porém, não antes de yeleq, de forma que os três últimos nomes relacionam-se um com o outro, coordenadamente (Hitzig), i.e., são meramente epítetos diferentes usados para 'arbeh, as locustas”. — Trad.] (N. do E. inglês.) Monergismo.com Comentário sobre Joel 61 para devorar todo fruto”. O Profeta mostra que tal não aconteceu por acaso: “Ora pois, quando Deus estiver reconciliado convosco, a terra produzirá seu ganho, e nada vos impedirá de desfrutar da abundância dela”. Ao chamar tal exército de grande, ele revela que Deus não carecia de forças pujantes para subjugar os homens: pois quando ele prepara locustas e insetos (os quais não são senão coisas pequenas), esses arrebatam a comida das bocas dos homens e os deixam passando necessidade; ainda que ninguém desembainhe uma espada contra eles, todavia, desfalecem de fome. O Profeta então zomba aqui da arrogância dos homens, mostrando que Deus não precisa fazer muito quando pretende reduzi-los a nada. Prossigamos agora — Joel 2.26 26. E comereis abundantemente e vos saciareis, e louvareis o nome do SENHOR vosso Deus, que vos tratou maravilhosamente; e o meu povo nunca mais ficará envergonhado. 26. Et comedetis comedendo et vos satiando, et laudabitis nomen Jehovae Dei vestri; quia egit vobiscum mirabiliter (ad miraculum,) et non pudefiet populus meus in perpetuum. Ele agora conclui o que havia dito até aqui da bênção de Deus. Assim como os judeus padeciam de fome enquanto Deus estava ofendido, também esse promete que, quando estivessem reconciliados com ele, teriam abundância de produção da terra: Vós comereis lautamente, diz, e vos satisfareis. Contudo, ele menciona também a gratidão deles: pois era um indício de verdadeiro arrependimento quando louvavam o nome de Deus, que entendiam ser o dador de sua afluência, visto que ele antes provara que a terra estava debaixo de seu poder quando consumiu toda sua substância, de modo que dela nada veio para suprir as carências do homem. Dessarte, o Profeta exorta-os a renderem graças, declarando assim que se arrependeram de coração. Vós então louvareis o nome de Jeová vosso Deus. Por quê? Porque ele procederá convosco maravilhosamente. Ele tira aqui toda alegação de ignorância. Conhecemos quão difícil é levar os homens a realizarem tal ato de religião, pelo qual, todavia, confessamos que nascemos; pois o que é mais natural do que admitir a prodigalidade de Deus para conosco, quando desfrutamos de muitas bênçãos? Entretanto, ainda que Deus, de várias maneiras, estimule-nos, não consegue tirar de nós genuína gratidão. Esse é o motivo pelo qual o Profeta agora diz: “Deus tratará convosco admiravelmente: embora sejais estúpidos, Deus, não obstante, pelo seu poder, despertar-vos-á; pois não procedará convosco de modo comum”. Ele então cita algo miraculoso, para não deixar aos judeus desculpa, caso não refletissem na generosidade divina e não percebessem nessa transformação, primeiro, o que eles tinham merecido e, depois, quão misericordioso Deus fora com eles: pois essa mudança não podia ser atribuída ao acaso; nem era uma coisa comum, que, quando os judeus haviam estado por quatro anos sucessivos quase consumidos pela penúria e quando o inimigo estava perto, eles vissem agora a terra frutífera, vissem-na libertada de insetos destrutivos e vissem-se também em paz, não perturbados pelo terror de nenhum inimigo estrangeiro. Então, dado que o Senhor, além de qualquer expectativa, dá-lhes um céu sereno em vez de um turbulento, uma tão prodigiosa mudança não os deve afetar profundamente? Isso é o que o Profeta agora quer dizer: “Visto como o Senhor tratará convosco de forma maravilhosa, não haverá escusa para vossa torpeza se não fordes diligentes em louvar seu nome”. Envergonhado, diz, nunca mais estará meu povo. Os judeus são aqui lembrados (por inferência) da sua desgraça anterior, pois ficaram grandemente confundidos: mesmo que os inimigos não os tocassem, não, nem mesmo com o dedo, eles, todavia, morriam de fome; um inimigo também estava prestes a destruí-los, como vimos. Portanto, estavam assustados pelo terror e também perplexos com os próprios males pelos quais Deus os havia quase exauridos. O Profeta ora diz: Meu povo nunca mais ficará 62 envergonhado, dando a entender que Deus aliviaria cabalmente seu povo dos males, para que não mais estivessem, como até então, envergonhados. Por último, ele adiciona — Joel 2.27 27. E vós sabereis que eu estou no meio de Israel, e que eu sou o SENHOR vosso Deus, e ninguém mais; e nunca mais o meu povo ficará envergonhado. 27. Et cognoscetis, quia in médio Israel ego, et ego Jehova Deus vester, et nullus praeterea: et non pudefiet populus meus in seculum. Ele repete a mesma frase; e no princípio do versículo desvela o que eu outrora disse — que o milagre seria tal que obrigaria o povo a louvar a Deus. Vós sabereis que estou no meio de Israel: e esse era o caso, pois que Deus não demonstrou de maneira ordinária a bondade dele para com eles, particularmente porque ela fora vaticinada, e também porque esta razão fora aduzida — que Deus era cioso de seu concerto. O modo, pois, com que Deus se avia com eles, além da predição em si, não deixava ao povo pretexto algum para ignorância. Daí o Profeta agora dizer: ‘Vós sabereis que eu estou no meio de Israel’, e mais ainda, ‘que eu sou Jeová vosso Deus’. Por essas palavras o Profeta nos lembra que o livramento do povo de seus males tinha de ser totalmente imputado à gratuita compaixão de Deus: pois já vimos que não teria havido esperança, não houvesse tal consolação sido adicionada: ‘Convertei-vos agora mesmo a mim’. Logo, o Profeta repete que não haveria outra causa por que Deus trataria tão amavelmente seu povo, poupando-os tão misericordiosamente, que não esta — estar ele no meio de Israel. Porém, de onde era tal habitação, senão de haver Deus gratuitamente elegido esse povo? Isso realmente ajudava em muito a animar o povo: pois como podiam eles ter esperado que Deus ser-lhes-ia propício, não houvessem eles sido lembrado desta verdade — que Deus estava morando no meio deles? Não porque fossem dignos, mas porque condescendeu em descer até eles. Em seguida, adiciona: E ninguém mais. Mediante essa frase o Profeta mais vivamente os estimula a retornarem incontinenti a Deus: porque, se adiassem, mais demorada contrariedade haveria no atraso. Para que os judeus então, segundo a sua maneira usual, não procrastinassem, diz que não há outro Deus; assim, revela que não haveria solução para seus males caso não procurassem se reconciliar com ele. “Então não haverá Deus além de mim, e residirei no meio de ti”. O Senhor reivindica para si todo poder, convidando depois amavelmente o povo para si, por este motivo: para habitar no meio deles. Para que o povo, pois, não formasse outras expectativas, Deus mostra que toda a esperança deles estava apenas nele. Além do que, ele revela que a salvação não era para ser buscada lá longe, se o povo não tivesse olvidado o pacto e que Deus estava morando no meio deles. Contudo, segue-se uma mais elevada doutrina — Monergismo.com Comentário sobre Joel 65 Segue-se: Profetizarão vossos filhos e vossas filhas. O Profeta agora passa a explanar o que havia dito, desenvolvendo amplamente o que quis dizer pela expressão “sobre toda carne”, qual seja, que o povo todo profetizaria, ou, que o dom de profecia seria comum e grassaria em todo lugar entre os judeus todos, de uma maneira nova e insólita. Os antigos também tiveram Profetas, apesar de em número reduzido. Porém, agora o Profeta estende esse dom e favor a todas as classes: Profetizarão então vossos filhos e vossas filhas, diz, de modo que não exclui as mulheres. Ele posteriormente menciona duas espécies de profecias: Vossos anciãos sonharão sonhos, e vossos mancebos verão visões. “Mancebos” significa literalmente “escolhidos”, <yrwjb bachurim: contudo, como na meia idade a força prepondera mais no homem, aqueles que possuem vigor e discernimento e ainda retêm sua força são denominados “escolhidos”: destarte, por “escolhidos” ele quer dizer aqueles de idade madura. Quando Deus manifestava-se aos Profetas, normalmente isso era feito, sabemos, por sonhos e visões, como é dito no capítulo doze de Números: esse era, como podemos dizer, o método ordinário. O Profeta ora se refere àqueles dois modos de comunicação, dizendo que o dom de profecia seria comum aos homens e mulheres, aos idosos e àqueles de meia idade. Percebemos agora a significação desse versículo. Não há então diferença entre sonhos e visões: o Profeta somente cita esses dois tipos para que os leitores compreendessem melhor que o que o Profeta havia antes declarado genericamente seria comum a todos. Mas eu já disse que tal profecia deve ser relacionada com o advento de Cristo: pois conhecemos que o que está aqui descrito não foi cumprido mesmo depois de Cristo aparecer no mundo: e o Profeta ora prega sobre a nova restauração da Igreja, a qual, sabemos, ficou suspensa até que o Evangelho fosse proclamado. Examinemos então agora se Deus, depois de Cristo ser revelado, cumpriu o que dissera por seu Profeta. Pedro, no capítulo dois de Atos, diz que essa profecia foi consumada quando o Espírito foi enviado. 25 Porém, pode-se objetar que nem todos foram dotados do dom de profecia, mesmo quando 25 Nos dias que correm é imperioso que, num estudo sobre Joel 2.28-29, seja acrescido mais algumas linhas explicativas sobre a relação dessa profecia com Atos 2.16-21, já que ambos os textos são empregados para justificar certa doutrina contemporânea sobre um suposto extraordinário derramamento do Espírito Santo precedendo a Segunda Vinda de Cristo nos “últimos dias” (entendidos como a era iniciada no pseudo-avivamento de Azusa Street em 1906, ou mesmo em 1830, com os irvingitas). Baseados em exegese fraca, os cristãos de tendências carismáticas da atualidade violentam o inequívoco ensino daquela passagem de Atos, que é claro e categórico a respeito do cumprimento cabal da profecia de Joel no dia de Pentecostes. “‘Naqueles dias’, começa ele. Quais dias? Não necessariamente os dias da abundância de gêneros em Judá, o que restringiria o evento ao passado, época de Joel. A expressão sempre tem um sentido escatológico nos profetas. O que está em foco é uma época nova, diferente. Ele fala de um tempo em que o Espírito seria de ‘toda a carne’. Guardemos isto porque a passagem em tela tem sido empregada para justificar o movimento pentecostal, como se Joel estivesse falando de um movimento acontecido a partir do século 20. Hoje, alguns alegam ter o batismo no Espírito Santo, não o reconhecendo nos demais crentes de outras igrejas, frias, carnais e tradicionais. Pensando assim, voltamos à mesma situação dos tempos de Joel: o Espírito era para alguns. Joel fala que será derramado sobre toda a carne. É algo geral, para todos, e não restrito, para algumas pessoas. Ele fala da universalização do Espírito Santo. Hoje, restringe-se a ação do Espírito na vida de uma elite, como nos dias do Antigo Testamento. Joel fala do Espírito para todos. (...) O Espírito do Senhor era destinado a uma elite, na antiga aliança. Na nova aliança, ele será para todo o povo, para toda a comunidade de fiéis. Joel não fala do mundo, mas é específico: ‘vossos filhos, vossas filhas, vossos anciãos, vossos mancebos, vossos servos, vossas servas’. Não haveria mais distinção de idade, nem de sexo, nem de classe social. (...) Após falar sobre o derramamento do Espírito, prenunciando o tempo do evangelho, Joel fala de sinais cósmicos, nos versículos 30 e 31. Prodígios no céu e na terra, sangue, fogo, colunas de fumaça, o sol convertido em trevas, a lua em sangue. Um quadro fantasmagórico. Que há por trás disso? Literalizar a linguagem poética é sempre problemático. Os profetas eram, costumeiramente, hiperbólicos, ou seja, falavam de maneira figurada e exagerada. Se o sol se tornar em trevas, a vida acaba. Como pode a lua se tornar em sangue? Esta linguagem está presente nos profetas como um adorno literário em suas descrições sobre as grandes intervenções de Deus na história. Servem de realce. (...) A mesma expressão [do v. 32 — ‘todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo’ — ] é usada no Novo Testamento para provar que Joel falava do tempo da graça, manifestada na pessoa de Jesus. Paulo a cita em Romanos 10.13... Quando deparamos com estas palavras de Pedro e Paulo logo compreendemos que Joel falou do tempo do evangelho, o tempo 66 Deus abriu todos os tesouros de sua graça; e Paulo diz que não eram todos eles profetas mesmo quando a Igreja prosperava de um modo especial; 26 e a experiência prova a mesma coisa. Como então Pedro podia falar que isto — que Deus derramaria o seu Espírito sobre toda carne — cumpriu-se? Dar uma resposta a isso não é difícil: apenas lembremos que o Profeta fala comparativamente, como as Escrituras soem fazê- lo. Ele não afirma em termos explícitos que todos seriam participantes desse dom, mas que, comparando com a antiga Igreja, tal dom seria, por assim dizer, comum, e que assim foi é bem conhecido: pois se se comparar a antiga Igreja com aquela afluência com que Deus privilegiou o seu povo depois do advento de Cristo, decerto perceberá ser verdade o que eu digo — que o Espírito de Deus, que foi dado somente a poucos debaixo da lei, foi derramado sobre toda carne. Então é verdadeiro o que o Profeta diz, caso se entenda este contraste — que Deus foi muito mais liberal para com sua nova Igreja do que anteriormente para com os pais: pois os Profetas naquele tempo não eram em grande quantidade, mas foram muitos debaixo do Evangelho. Devemos também lembrar que o Profeta exalta a graça divina hiperbolicamente, pois é tal a nossa estupidez e letargia que jamais podemos compreender suficientemente a graça de Deus se não for ela apresentada a nós em linguagem hiperbólica; e não há de fato excesso algum na coisa em si mesma, se tivermos uma opinião correta sobre ela: porém, como a custo compreendemos a centésima parte dos dons de Deus quando ele os apresenta diante de nossos olhos, era necessário adicionar uma preconização, calculada para elevar nossos pensamentos. O espírito de Deus é, pois, constrangido a falar hiperbolicamente devido à nossa lentidão, ou antes, desídia. Entretanto, não precisamos temer que nossos pensamentos vão além das palavras, visto que, quando Deus nos quer carregar acima dos céus, dificilmente ascendemos dois ou três pés. Percebemos agora então o porquê de o Profeta fazer menção de toda carne sem exceção: primeiro, havia mais Profetas, como eu disse, sob o Evangelho do que sob a Lei; sendo assim, a comparação é mui conveniente; segundo, o Profeta não fala aqui do ofício público de ensinar, pois denomina Profetas aqueles que não tinham sido chamados a instruir, mas que estavam dotados de tanta luz de verdade que podiam ser comparados aos Profetas. E, com certeza, o conhecimento que floresceu na Igreja Primitiva era tal que o menor era, em muitos aspectos, igual aos velhos Profetas; pois, tirante o poder de predizer algo vindouro, o que Deus conferiu a esses? Era um dom específico e mui limitado. De resto, tais predições dificilmente merecerem ser comparadas com a sabedoria celestial dada a conhecer no Evangelho. A fé então, depois da vinda de Cristo, se corretamente estimada, segundo o seu valor, sobrepuja de longe o dom de profecia. E assim o Profeta aqui, não sem razão, dignifica com um tão egrégio nome aqueles indivíduos aos quais não foi confiado o mister de ensinar entre o povo, mas que eram somente iluminados; pois a luz deles era muito superior ao dom de profecia em muitos daqueles que viviam sob a lei. Entendemos agora o que o Profeta quer dizer quando faz o Espírito de Deus ser comum, sem distinção, a todos os piedosos, para que possuam o que excede o dom de profecia. Ora, quanto às duas espécies de dons mencionados aqui, deve ser observado que o Profeta falava de acordo com o que era geralmente conhecido entre o povo: pois como os judeus estavam acostumados a sonhos e visões, o Profeta, portanto, se valeu desses termos; e essa maneira de falar ocorre com freqüência nos Profetas, e deve ser tida em mente por nós. Quando falam do culto de Deus, citam sacrifícios: ‘Eles virão e trarão o líbano e ouro; levarão camelos carregados com a riqueza da terra’. Em resumo, nas profecias eles erigem altares e constroem um templo: no entanto, nenhuma coisa tal foi vista em que vivemos desde o dia de Pentecostes”. Isaltino Gomes Coelho F.º, em: Os Profetas Menores (I) – Oséias, Joel, Amós, Obadias e Jonas. (JUERP, 2004.) (N. do T.) 26 1.ª aos Coríntios 12.29. (N. do T.) Monergismo.com Comentário sobre Joel 67 depois que Cristo apareceu: pois os gentios não vieram a Jerusalém oferecer sacrifícios; pelo contrário, logo depois que o templo foi destruído, não houve altar algum entre eles, e todo o culto legal cessou. O que então deve ser entendido por expressões tais como ‘o povo virá de todos os lugares para juntamente sacrificarem’? Exatamente isto: eles apresentam, sob uma forma visível, o culto espiritual de Deus. Assim se dá nessa parte: tal como era a forma usual entre os antigos que Deus se manifestasse aos Profetas por sonhos e visões, também vossos velhos sonharão sonhos e vossos mancebos verão visões, diz; contudo, o Profeta, sem dúvida, apresenta sob tal linguajar, aquela luz de conhecimento em que a nova Igreja sobressaiu-se depois que Cristo apareceu. Em realidade, compara a luz da fé com a profecia, como já afirmamos; porém, acomoda sua maneira de falar ou seu elóquio à compreensão do povo dele, pois sabia a quem discursava. Os Profetas todos seguiam a mesma regra: ‘Ali será oferecido um sacrifício’, diz Malaquias, ‘do nascer ao pôr do sol’. Que sacrifício é esse? Os papistas consideram-no como a missa: “Então, debaixo do reino de Cristo tem de existir algum sacrifício; mas agora não oferecemos a Deus cordeiros e bezerros: logo, segue-se que tem de haver o sacrifício de pão e vinho”: e isso é dito como se o Profeta houvesse filosofado dessa forma complicada sobre a palavra sacrifício, embora estivesse ele ensinando um povo rude, consoante o que esse podia suportar. Porém, o que ele queria dizer era que o culto de Deus seria universal, entre todas as nações. A mesma coisa é intentada pelo Profeta quando afirma: Derramarei meu Espírito sobre toda a carne: vossos idosos sonharão sonhos, e vossos jovens verão visões. Percebemos agora tudo o que o Profeta quis dizer. Segue-se agora — Joel 2.29 29. Até sobre os servos e sobre as criadas, naqueles dias, derramarei meu espírito. 29. Atque etiam super servoset super ancillas in diebus illis effundam Spiritum meam. Como a partícula <g gam em hebraico amplifica, parece singular que o Profeta ora limite a uns poucos um dom comum a todos, pois ele anteriormente dissera: “Sobre toda carne derramarei meu Espírito”; mas, agora, “sobre servos e servas”; e escreve “também”. Se houvesse simplesmente dito: “Sobre servos e criadas derramarei eu o meu Espírito”, não teria havido incoerência, pois teria sido a explicação de sua asserção anterior; pois sabemos que ao que o Profeta diz sobre todos os homens devem ser subentendidas exceções, porquanto muitos que eram incrédulos estavam sem esse dom, mesmo aqueles que antes se distinguiam em alguma espécie de conhecimento divino; sabemos de fato que os judeus estavam cegados, e também sabemos que nem todos dentre o povo ordinário eram partícipes desse dom excelente. Não há dúvida, portanto, de que isso que é dito de “toda carne” deve ser limitado à Igreja. Então, não teria parecido estranho se o Profeta ora dissesse: “Sobre servos e servas”; mas as partículas <gw wegam, “e também”, criam dificuldade: é um jeito de falar para ampliar o que foi dito, mas aqui não parece aumentar; pois derramar o Espírito sobre todo o povo é mais do que derramar sobre servos e criadas. A solução é dupla: as partículas <gw wegam são algumas vezes empregadas confirmativamente. ‘Eu o abençoei’, disse Isaque do seu filho Jacó, ‘e também será ele abençoado’. Assim, podemos deduzir as palavras do Profeta como sendo aqui “sim, certamente”, uma repetição servindo para confirmar o que fora dito. Porém, prefiro outro sentido; pois o Profeta, não tenho dúvidas, tencionava acrescentar aqui algo mais incrível do que ele anteriormente dissera (“sobre servos e servas derramarei meu Espírito”), isto é, até sobre aqueles que antes eram Profetas; pois eles serão enriquecidos com um novo dom, e ganharão conhecimento crescente após a restauração da Igreja, a qual está ora se aproximando. Compreendemos esse como sendo o sentido dado pelo Profeta. Ele prometera a graça do Espírito ao grêmio inteiro dos fiéis, o que transparece, como eu disse, da comparação entre o antigo estado e o nosso: mas agora, após haver falado da multidão ou do povo comum, ele vai aos Profetas, que eram superiores aos outros que antes desempenharam o ofício do ensino, os quais alcançaram status e posição na Igreja; esses também 70 estado de coisas tão medonho que os próprios elementos revestir-se-iam de uma nova aparência; pois o sol não mais desempenharia sua função, e a lua negaria sua luz à terra. Como Deus então retiraria todos os sinais de sua mercê, assim o Profeta, com sangue, trevas e nuvens escuras, expõe metaforicamente aquelas aflições das quais as mentes dos homens necessariamente ficariam possuídas. 28 Ora, caso alguém pergunte por que pela vinda de Cristo a cólera de Deus ficou mais excitada contra os homens (pois essa pode parecer desarrazoada), a isso eu respondo que ela foi, por assim dizer, acidental: pois se Cristo tivesse sido recebido como devia ter sido, se todos o aceitassem com a devida reverência, ele decerto teria sido o dador, não apenas da graça espiritual, mas também da alegria terrena. A felicidade de todos, então, teria ficado mais completa em todos os aspectos pela vinda de Cristo, não tivesse a impiedade e ingratidão deles acendido outra vez a ira de Deus; e vemos que torrente de males irrompeu logo após a pregação do Evangelho. Ora, quando refletimos sobre quão severamente Deus afligiu seu povo anteriormente, não podemos senão dizer que muito mais pesadas têm sido as calamidades infligidas ao mundo desde a manifestação de Cristo — e por que isso? Precisamente porque a ingratidão do mundo havia atingido o seu ponto mais alto, como deveras o é no presente: pois a luz do Evangelho brilhou de novo, e Deus revelou-se ao mundo como Pai, mas vemos quão grandes são a maldade e a perversidade dos homens em rejeitar os dons de Deus; vemos alguns desdenhosamente rejeitando o Evangelho, e outros, impelidos por fúria satânica, resistindo à doutrina de Cristo; vemo-los jactando-se de suas blasfêmias, vemo-los abrasados com raiva cruel e respirando mortandades contra os filhos de Deus; vemos o mundo cheio de ímpios e desprezadores de Deus; vemos um terrível desdém pela graça divina prevalecendo em todos os lugares; vemos uma licenciosidade desenfreada tal na malícia que faz com que nos envergonhemos de nós próprios e fiquemos enfastiados de nossa vida. Visto, pois, que o mundo é tão ingrato por um semelhante favor, é de se espantar que Deus exiba os mais pavorosos sinais de sua vingança? Pois certamente, nos dias que correm, quando examinamos cuidadosamente a condição do mundo, descobrimos que todos são miseráveis, até aqueles que aplaudem a si mesmos, a quem o mundo admira como semideuses. Como pode ser diferente? O povo ordinário, sem dúvida, geme debaixo de seus infortúnios, e isso porque Deus pune, dessa maneira, o desprezo pela sua graça, a qual ele novamente nos ofereceu, a qual é tão indignamente recusada. Então, visto como uma tão vil ingratidão da parte dos homens provoca a ira de Deus, não é de se maravilhar que o som de seus azorragues seja ouvido em todas as partes: pois o servo que sabe a vontade de seu senhor e não a cumpre, é digno de mais pesadas chicotadas (Lucas 12.47), segundo declara Cristo. E o que acontece pelo mundo inteiro é que, depois de Deus haver refulgido por seu Evangelho, depois de Cristo haver por todos os lugares proclamado a reconciliação, agora apostatam abertamente, demonstrando preferirem Deus irado a propício para com eles: pois quando o Evangelho é repudiado, o que mais é isso senão declarar guerra contra ele, escarnecendo e não recebendo a reconciliação que Deus está pronto para dar, da qual ele, por iniciativa própria, dispõe aos homens? Não admira, pois, que o Profeta diga aqui que o mundo ficaria cheio de trevas depois da aparição de Cristo, o qual é o Sol da Justiça, o qual resplandeceu sobre nós com sua salvação: contudo, era, por assim dizer, acidental que Deus se exibisse com tanta severidade ao mundo quando ainda era o tempo aceitável, quando era o dia da salvação e da boa vontade; pois o mundo não se permitiu ser cheio do que Deus nos prometera pelo Profeta Joel, tampouco recebeu o Espírito de adoção quando podia ter com segurança fugido para Deus; ou melhor, quando Deus estava preparado para nutri-los em seu regaço. 28 “Não convém fazer questão das imagens usadas pelos profetas; o sentido principal é que deve ser mantido. Porque, na veemência dos seus afetos, os profetas soem empregar também figuras veementes e um tanto ousadas que nem sempre devem ser entendidas literalmente”. V. Zapletal em: Hermeneutica Biblica, 1908, pg. 100. Citado em nota a At 2.19 no Novo Testamento — Os Santos Evangelhos e os Actos dos Apostolos, editado por Damião Klein (Ordem dos Franciscanos da Bahia, 1929.) (N. do T.) Monergismo.com Comentário sobre Joel 71 Porém, dado que eram pertinazes e indóceis, Deus precisava visitar tal perversidade de uma forma inusitada. Não é de se admirar então que o Profeta diga que naqueles dias haverá prodígios no céu e na terra, pois o sol virará trevas etc. antes que venha isto: o dia de Jeová, grande e terrível. Pode-se perguntar a qual dia o Profeta se refere: pois até aqui ele falou da primeira vinda de Cristo; e parece haver alguma incoerência neste ponto. Respondo que o Profeta inclui todo o reino de Cristo, do começo ao fim; e isto está bem entendido, e noutras partes afirmamos que os Profetas em geral falam dessa maneira: pois quando o discurso é concernente ao reino de Cristo, eles algumas vezes aludem somente ao seu princípio, e algumas vezes falam de seu término; porém, muitas vezes assinalam, através de uma projeção, todo o curso do reino de Cristo, de seu início até o seu fim; e tal é o caso aqui. O Profeta, ao dizer: ‘Depois daqueles dias eu derramarei meu Espírito’, indubitavelmente queria dizer que isto, como explicamos, seria realizado quando Cristo principiasse o reino dele, tornando-o conhecido mediante o ensino do Evangelho: Cristo, pois, derramou seu Espírito. Todavia, como o reino de Cristo não é de poucos dias, ou de período curto, mas continua seu curso até o fim do mundo, o Profeta volta sua atenção àquele dia ou àquela época, e diz: “Haverá, no entretempo, as maiores calamidades: e todo aquele que não se refugiar na graça de Deus será mui desditoso; jamais encontrará repouso ou conforto, nem a luz da vida, pois o mundo ficará mergulhado em trevas; e Deus tirará do sol, da lua, dos elementos e de todos os outros apoios as provas de seu favor; e revelar-se-á em todos os lugares irado e ofendido com os homens”. Mais adiante o Profeta mostra que tais males dos quais fala não seriam por poucos dias ou anos, mas perpétuos; ‘Antes’, diz, ‘o dia de Jeová, grande e terrível, virá’. Em suma, quer dizer que todos os flagelos de Deus que ele mencionou até agora seriam, por assim dizer, preparativos para subjugar os corações dos homens, para que com reverência e submissão recebessem a Cristo. Como, portanto, os homens por natureza carregam um espírito altivo, não conseguindo dobrar seus pescoços e desistindo do jugo de Cristo, o Profeta, por isso, diz aqui que eles tinham de ser submetidos a severos açoites quando Deus removesse todas as evidências de seu amor e enchesse céu e terra de terror. Desse modo, então, ele, de certa maneira, transformaria a dureza e contumácia que é inata aos homens para que conhecessem que tinham de se avir com Deus. E, ao mesmo tempo, o Profeta os lembra de que, caso não fossem corrigidos por essas chicotadas, algo mais horroroso restava a eles: o Juiz, finalmente, desceria do céu, não somente para vestir de trevas o sol e a lua, mas para tornar a vida em morte. Realmente, seria muitíssimo melhor aos réprobos morrer cem vezes a viver sempre e, assim, manter a morte eterna na vida mesma. O Profeta então quer dizer que os homens, persistindo em sua obstinação, toparão algo mais grave e ruinoso do que os males desta vida, pois todos, por fim, ficarão diante do tribunal do Juiz celeste: pois o dia de Jeová, grande e terrível, chegará. Ele se refere, nessa frase, aos incrédulos e rebeldes contra Deus; pois, quando Cristo vier, será um Redentor para os piedosos: nenhum dia em toda a vida brilhará sobre eles de maneira tão deleitosa; tão longe está esse dia de lhes trazer terror e medo que esses são convidados, enquanto o esperam, a levantar suas cabeças, o que é um sinal de alegria e júbilo. Porém, como o objetivo do Profeta Joel era humilhar o confiante orgulho carnal, e como se dirigia aos obstinados e insubordinados, não espanta que ponha diante deles o que é assombroso e terrível. 72 ORAÇÃO Conceda, Todo-Poderoso Deus, que, visto estarmos ora rodeados por todos os lados por tantas misérias, e visto ser a nossa condição tal que, entre gemidos e contínuas lamentações, nossa vida dificilmente pode ser sustentada sem o apoio da graça espiritual — Ó, permita que aprendamos a atentar à face de teu Ungido, dele buscando conforto, e conforto tal que não absorva nossas mentes, ou ao menos não nos detenha no mundo, mas alce nossos pensamentos ao céu, e diariamente relate aos nossos corações o testemunho de nossa adoção, e que, conquanto muitos males devamos agüentar neste mundo, todavia, continuemos a seguir nosso curso, bem como pugnar e pelejar com invencível perseverança, até que, havendo finalmente terminado todas as nossas lutas, alcancemos aquele bendito repouso que foi obtido para nós pelo sangue de teu Filho unigênito, nosso Senhor Jesus Cristo. Amém. Monergismo.com Comentário sobre Joel 75 dispersão então era, por assim dizer, a morte da nação inteira. Mas Deus, através de Joel, declara aqui que haveria ainda libertação no monte Sião e em Jerusalém; isto é: “Embora eu por um tempo extermine esse povo, a ponto de a terra ficar desolada, ainda haverá uma restauração, e novamente reunirei um corpo definido, uma Igreja, no monte Sião e em Jerusalém”. Eis a essência. Descobrimos aqui que, por mais que Deus aflija a Igreja dele, todavia, ela será perpetuada no mundo; pois não pode ser mais destruída do que a própria verdade divina, a qual é eterna e imutável. Deus realmente promete não apenas que o estado da Igreja será perpétuo, mas que haverá, enquanto o sol e a lua brilharem no céu, algumas pessoas na terra para invocarem seu nome. Já que é assim, segue-se que a Igreja não pode ser completamente subvertida ou perecer de todo, por mais severa e pesadamente que o Senhor a castigue. Então, por maior que seja a dispersão dela, o Senhor, todavia, reunirá os membros para que haja um povo na terra para patentear que aquele que está no céu é verdadeiro e fiel às suas promessas. E essa verdade merece cuidadosa atenção; pois quando vemos a Igreja espalhada, instantaneamente esta dúvida entra furtivamente em nossas mentes: “Deus pretende destruir totalmente o povo dele? Ele tenciona exterminar toda a semente dos fiéis?” Então, que esta passagem seja lembrada: No monte Sião haverá livramento, depois que o Senhor tiver punido os profanos desprezadores de seu nome, os quais falsamente o professavam, abusando de sua paciência. Mas ele adiciona: Segundo Jeová prometeu, o que serve para confirmação, visto que o Profeta nos convida aqui a considerar Deus em vez de nosso próprio estado. Quando de fato acreditamos em nossos olhos, não podemos senão às vezes pensar que tudo está acabado com a Igreja; pois quando Deus inflige pesada punição sobre seus servos, não se nos apresenta remédio; e quando cremos que os males da Igreja são incuráveis, nossos corações imediatamente nos levarão a fraquejar se a promessa divina não vier às nossas mentes. Por isso, o Profeta volta os nossos pensamentos a Deus, como se houvesse dito: “Não julgueis a segurança da Igreja pela vista, mas resistis e confieis na palavra de Deus: ele falou, ele disse que a Igreja será perpétua”. Plantemos nosso pé sobre essa promessa, e jamais duvidemos que o Senhor efetuará o que ele declarou. Mas isto é acrescentado no fim pelo Profeta como uma espécie de correção: E no remanescente a quem Jeová chamará; e era necessário afirmar isso de forma clara, para que os hipócritas, como habitualmente fazem, não abusassem do que fora dito. Aqueles que ocupam altos postos na Igreja e se passam por os filhos de Deus incham-se, sabemos, de grande confiança, atrevidamente brincando com Deus; pois acham que esse está obrigado para com eles, quando fazem exibição, seja de comendas exteriores, seja de profissão, nas quais gloriam-se diante dos homens: julgam tal ostentação suficiente. Podemos deveras coligir de muitas partes das Escrituras que os judeus estavam inflados com esta falsa presunção carnal, o imaginarem que Deus estava obrigado para com eles. Daí o Profeta revelar que não se dirige a todos os judeus indiscriminadamente, pois que muitos deles eram filhos bastardos de Abraão, e haviam se tornado degenerados. Se então sob tal pretexto eles sozinhos quisessem apoderar-se da promessa de salvação, o Profeta mostra que estavam excluídos da Igreja de Deus, porquanto eles não eram filhos legítimos, depois de haverem se apartado da fé e piedade do pai deles Abraão. Ele, por conseguinte, cita restante: e por essa palavra ele quer dizer, em resumo, que a multidão inteira não podia ser salva, mas somente um pequeno número. Logo, quando falamos da salvação da Igreja, não devemos juntar em um pacote todos os que se professam ser os filhos de Deus, pois vemos que dificilmente um em cem adora a Deus em verdade e sem hipocrisia, pois a maior parte abusa do nome divino. Vemos no presente quão desonesta é a jactância dos papistas, porque imaginam que a Igreja de Deus mora entre eles, escarnecendo de nós por sermos poucos. Quando dizemos que a Igreja de Deus tem de ser conhecida pela palavra e pela pura administração dos 76 sacramentos, dizem: “Deus pode realmente ter abandonado tantas pessoas entre as quais o Evangelho tem sido pregado?” Pensam que, após Cristo ter sido uma vez conhecido, sua graça permanece fixa, e não pode de forma alguma ser removida, seja qual for a impiedade dos homens. Dado então que os papistas tão vergonhosamente reclamam a posse do nome de Igreja, por serem muitos em número, não é de se maravilhar que o Profeta, que tinha a mesma disputa com os judeus e israelitas, haja mencionado aqui expressamente um remanescente; como se dissesse: “Em vão os ímpios se gabam do nome de Deus, uma vez que ele não os reputa como povo seu”. A mesma verdade observamos nos Salmos 15 e 24, onde os cidadãos da Igreja são descritos: esses não são os que se orgulham de símbolos exteriores, mas os que cultuam a Deus com um coração sincero e procedem honestamente com seus próximos; os tais habitam no monte de Deus. Não é coisa difícil para os hipócritas se introduzirem no santuário e lá apresentarem seus sacrifícios a Deus; porém, o Profeta revela que ninguém é reconhecido por Deus que não aqueles que têm coração sincero e mãos puras. Assim também Joel diz nesse ponto que tal Igreja de fato seria salva, mas não a vasta multidão — quem, pois? Só o remanescente. Mas a oração que se segue deve ser notada: A quem Jeová chamar. Já vimos que a Igreja de Deus amiúde consiste de um número mui pequeno, pois Deus não reputa como seus filhos senão aqueles que se devotam sincera e de coração ao seu serviço, como Paulo diz: ‘Quem quer que seja que invocar o nome de Deus, que se aparte da iniqüidade’, e não são encontrados muitos desse tipo no mundo. Porém, não basta defender que a Igreja de Deus está somente no resto; deve também ser adicionado que o resto permanece na Igreja de Deus por nenhum outro motivo senão por o Senhor os haver chamado. De onde, pois, vem que há uma porção na Igreja que permanecerá a salvo enquanto o mundo inteiro aparenta estar fadado à destruição? Vem do chamado de Deus. E não há dúvida de que o Profeta quer dizer pela palavra, chamar, a eleição gratuita. De fato, diz-se freqüentemente que o Senhor chama os homens quando os convida pela voz de seu Evangelho; mas há o que transcende a isso, um chamado oculto, quando Deus destina para si próprio aqueles que ele intenta salvar. Há, pois, um chamado íntimo, o qual reside no conselho secreto de Deus; e então se segue o chamado pelo qual ele de fato nos torna os partícipes de sua adoção. Ora, o Profeta quer dizer que aqueles que serão o remanescente não se manterão por seu próprio poder, mas porque foram chamados do alto, isto é, eleitos. Mas que a eleição divina não é para ser separada do chamado exterior, eu admito; no entanto, esta ordem deve ser mantida, que Deus, antes de atestar sua eleição aos homens, primeiro os adota para si em seu conselho secreto. O sentido é que o chamado é aqui oposto a todos os méritos, virtude e esforços humanos, como se dissesse: “Os homens não alcançam isto por si próprios — continuarem um resto e ficarem ilesos — quando Deus visita os pecados do mundo; contudo, eles são preservados só por sua graça, pois que são escolhidos”. Paulo também fala do resto em Romanos 11, e sabiamente reflete sobre aquela passagem — ‘eu conservei para mim sete mil’. É então competência privativa de Deus guardar aqueles que não fracassam: por isso Paulo diz que eles são o remanescente da graça; pois, se a compaixão de Deus fosse retirada, não haveria remanescente entre a raça humana inteira. Todos, sabemos certamente, são dignos de morte, sem distinção alguma: por conseguinte, é a eleição divina somente que estabelece a diferença entre uns e outros. Desse modo, vemos que a bondade gratuita de Deus é exaltada pelo Profeta quando ele diz que um resto será salvo, o qual será chamado pelo Senhor: pois não está no poder dos homens se preservarem se não forem eleitos; e a gratuita benevolência de Deus é a segurança, por assim dizer, da salvação deles. Segue-se agora — Monergismo.com Comentário sobre Joel 77 CAPÍTULO 3 Joel 3.1-3 1. Pois eis que naqueles dias e naquele tempo, quando eu fizer retornar os cativos de Judá e Jerusalém, 2. Também reunirei todas as nações, e as farei descer ao vale de Jeosafá, e lá pleitearei com elas pelo meu povo e por minha herança Israel, a qual dispersaram entre as nações, e repartiram minha terra. 3. E lançaram sortes sobre meu povo; e deram meninos em troca de prostitutas, venderam meninas por vinho, para beberem. 1. Quia ecce, diebus illis et tempore illo, quo convertam captivitatem Jehudah et Jerusalem; 2. Et congregabo (tunc congregabo) omnes gentes, et descendere faciam in vallem Jesephat, et disceptabo illic cum ipsis super populo meo et super haereditate mea Israel, quia disperserunt inter gentes et partiti sunt terram meam (addemus et hunc etiam versum.) 3. Et super populo meo jecerunt sortem et posuerunt, puerum pro scorto (hoc est, addixerunt pro scorto) et pullam vendiderunt pro vino ut biberunt. O Profeta confirma nessas palavras o que antes ensinara com respeito à restauração da Igreja; pois era uma coisa difícil de nela se acreditar: quando o corpo do povo estava tão mutilado, quando o nome deles estava obliterado, quando todo o poder estava derribado, quando também o culto de Deus, juntamente com o templo, estava subvertido, quando não havia mais forma alguma de reino ou mesmo de qualquer governo civil, quem podia ter imaginado que Deus tivesse algum interesse por um povo em uma tão deplorável condição? Não é então de se admirar que o Profeta fale tanto da restauração da Igreja; ele age assim para que mais plenamente confirmasse o que de outro modo teria sido inacreditável. Portanto, ele diz: Eis, naqueles dias e naquele tempo, nos quais restaurarei o cativeiro de Judá e Jerusalém, farei com que todos os gentios desçam ao vale de Jeosafá. E o Profeta diz isso porque os judeus eram no momento odiados por todos os povos, sendo a execração, as escórias do mundo todo. Tal a quantidade de nações debaixo do céu, tal a quantidade dos inimigos dos judeus. Então, um cair em desespero era fácil quando viram o mundo inteiro inflamado contra eles: “Ainda que Deus queira nos remir, todavia, há tantos obstáculos, que necessariamente pereceremos; não somente os assírios estão agastados contra nós, mas notamos ódio até maior em nossos vizinhos”. Na realidade, sabemos que os moabitas, os amonitas, os sírios, os sidônios, os idumeus, os filisteus e, em suma, todos os países em redor eram muito hostis para com os judeus. Considerando então que todo acesso à própria terra estava cerrado aos judeus, era difícil acalentar qualquer esperança de livramento, se bem que Deus os encorajava. Por essa razão o Profeta agora diz que Deus seria o juiz do mundo inteiro, e que estava em seu propósito e poder convocar todos os gentios, como se dissesse: “Que o número e a variedade de inimigos não vos aterrem: conheço que não só os assírios são vossos inimigos, mas também todos os vossos vizinhos; mas, quando me encarregar da defesa de vossa causa, eu sozinho bastarei para vos proteger; e, por mais que os povos todos se oponham, todavia, não prevalecerão. Então crede que eu serei um defensor competente, livrando-vos das mãos das nações todas”. Percebemos agora o desígnio do Profeta quando declara que Deus viria ao vale de Jeosafá e ali convocaria todas as nações. Mas o Profeta diz: Naqueles dias, e naquele tempo, quando o Senhor restaurar o cativeiro de Judá e Jerusalém etc. Os judeus restringem essa época ao retorno deles: julgam, portanto, que, quando a liberdade lhes foi outorgada por Ciro e Dario, o que o Profeta declara aqui foi então cumprido; os 80 nunca olvidou do pacto que celebrou com vosso pai Abraão”. Percebemos então a razão por que ele cita herança: era para que os judeus não se desesperassem por causa dos próprios pecados; e simultaneamente ele, como dantes, preconiza a gratuita misericórdia divina, como se houvesse dito: “O motivo de vossa redenção não é outro senão que Deus separou para si a posteridade de Abraão e a designou para ser seu povo peculiar”. Transferiremos o que resta para amanhã. ORAÇÃO Conceda, Todo-Poderoso Deus, que, visto que tu não somente de contínuo nos convide pela voz de teu Evangelho a te buscar, mas também nos oferece teu Filho como nosso Mediador, mediante quem um acesso a ti está aberto, para que te descubramos um Pai propício — Ó, outorgue que, confiando em teu amável convite, exercitemo-nos, ao longo da vida, na oração: e, visto como tantos males perturbam- nos de todos os lados, e tantas necessidades nos angustiam e oprimem, sejamos levados mais sinceramente a te invocar, e, entrementes, jamais nos enfastiando neste exercício da oração; e que, sendo ouvido por ti ao longo da vida, sejamos por fim reunidos ao teu reino celestial, onde gozaremos aquela salvação que tu a nós prometeste pelo teu Evangelho, sendo para sempre unidos a teu Filho unigênito, de quem somos agora membros; para que sejamos participantes de todas as bênçãos, as quais ele obteve para nós por sua morte. Amém. Monergismo.com Comentário sobre Joel 81 QUADRAGÉSIMA-SÉTIMA DISSERTAÇÃO Dissemos em nossa Dissertação de ontem que Deus prova o singular amor que tem pela sua Igreja condescendendo em se incumbir da causa dela, e contende como um homem terreno o faria por sua herança paterna. Ele diz que sua herança, Israel, havia sido dispersada entre as nações; como se dissesse que era algo intolerável que os inimigos, tal qual ladrões, dividissem assim a sua herança. Ele primeiro fala do povo, depois da terra; pois Deus, como é bem conhecido, consagrou a terra para si, e não a queria ter ocupada pelas nações profanas. Houve então um duplo sacrilégio: o povo foi levado para terras distantes, e outros foram enviados para habitar e possuir a terra deles, a qual Deus destinara para seus filhos, para seu povo eleito. Segue-se ali agora outra afronta ainda maior, pois lançam sortes sobre o povo de Deus: Sobre meu povo eles lançaram sortes, e prostituíram um garoto por uma meretriz, e uma garota venderam por vinho, para beberem. Por essas palavras o Profeta realça o dano perpetrado para com eles, pois os judeus foram tratados de forma ignominiosa. Alguma medida de humanidade é exibida na maioria das vezes em que os homens são vendidos; porém, o Profeta queixa-se aqui, na pessoa de Deus, que os judeus foram expostos à venda como se fossem as escórias do gênero humano, sem valor algum. Eles lançaram sortes, diz, e isso foi para demonstrar desdém; e o Profeta expressa mais claramente o que quis dizer, falando que um menino fora dado por uma prostituta, e uma menina por vinho. Alguns consideram que o Profeta está dizendo que meninos foram prostituídos para fins abjetos e escandalosos; contudo, prefiro outro parecer — que os inimigos os venderam por um preço desprezível para saciar a glutonaria ou concupiscência deles; como se o Profeta houvesse dito que os judeus tiveram que suportar um doloroso opróbrio ao serem postos à venda, como dizem, e isso a um preço o mais baixo. Mais adiante, ele acrescenta outro tipo de desprezo: pois todo o valor que os inimigos conseguiram pela venda gastaram- no, ou com meretrizes, ou com festas. Destarte, vemos que uma injustiça dupla é aqui mencionada: os judeus tinham sido tão menoscabados que não foram reputados como homens, e vendidos, não pelos preços aceitos, mas deles se tinham disposto os inimigos com desdém, quase por nada; e a outra ignomínia foi que o valor obtido por eles foi em seguida despendido em glutonaria e prostituição: todavia, esse povo era sagrado para Deus. Ora, tal tratamento insultuoso, diz o Profeta, Deus não toleraria, mas vingaria semelhante mal como se fosse feito a si próprio. Esse é então o sentido. Mas o motivo que me induz a interpretar desse modo o Profeta é porque ele diz que uma garota foi vendida por vinho, enquanto o garoto, por uma meretriz; e a construção das palavras do Profeta é a mesma. É deveras certo que na última oração o Profeta nada mais quis dizer senão que o valor foi perversamente gasto para propósitos vis e vergonhosos; então, a primeira oração deve ser compreendida da mesma maneira. Prossigamos — 82 Joel 3.4-6 4. E também o que vós tendes comigo, ó Tiro e Sidom, e todas as regiões da Filistéia? Quereis me dar um pago? E, se me derdes o pago, veloz e rapidamente retornarei vosso pago sobre a vossa cabeça; 5. Pois que tomastes a minha prata e o meu ouro, e carregaste-los para dentro de vossos templos, minhas belas e desejáveis coisas: 6. Também vendestes os filhos de Judá e os filhos de Jerusalém para os filhos dos gregos, para os remover para longe de seu território. 4. Atque etiam, quid vobis mecum Tyre et Sidon, et cuncti termini Palestinae? An mercedem vobis rependitis mihi? Etsi confertis hoc in me, velox (subito) rependam mercedem vestram in caput vestrum; 5. Quia argentum meum et aurum meum abstulistis, et desiderabilia mea bona transtulistis in templa vestra (alii, palatia.) 6. Et filios Jehudah et filios Jerusalem vendidistis filiis Graecorum, ut elongaretis eos a termino suo (hoc est, procul abduceretis eos a finibus suis.) Deus protesta aqui contra Tiro, Sidom e outras nações vizinhas, revelando que elas vexaram seu povo sem causa. Houvessem sido provocadas, alguma desculpa podia ter sido dada; contudo, visto que espontaneamente fizeram guerra, o erro ficava dobrado. Isso é o que Deus quer dizer com estas palavras. O que tendes a tratar comigo, ó Tiro e Sidom? Ele verdadeiramente continua o assunto outrora explanado: porém, fala do negócio como seu; ele não parece ora se encarregar da proteção de seu povo, mas defende sua própria causa. “O que tendes a ver comigo?”, diz. Deus então se interpõe; como se dissesse que os sírios e sidônios não eram por ele chamados ao juízo somente por terem injustamente feito algo ruim ao povo dele, trazendo muitas tribulações sobre homens que não mereciam coisas semelhantes; mas diz também que ele se levantaria em sua própria defesa. “O que eu tenho convosco, ó sírios e sidônios?”, como dizemos em francês, Qu'avons-nous a desmeller? (o que temos para decidir?) Ora, o Profeta tinha isto em vista, que os sírios e sidônios viraram inimigos voluntários dos judeus quando não tinham disputa alguma com esses; e isso, como dissemos, era menos suportável ainda. “Que relação tendes comigo, ó sírios e sidônios? Devo alguma coisa a vós? Estou sob alguma obrigação para convosco? Retribuireis a mim minha recompensa?”, isto é: “Podeis vos jactar de algum motivo ou pretexto justo para fazer guerra contra o meu povo?” Ele então quer dizer que não tinha havido nenhum prejuízo causado aos sírios e sidônios pelo qual pudessem agora retaliar, mas que esses realizaram um ataque por sua própria maldade, impelidos apenas por avareza ou crueldade para assim hostilizarem os miseráveis judeus: “Vós não me pagais na mesma moeda por compensação”, diz; “pois não podeis pretextar que algum dano vos foi feito por mim”. Porém, se me retribuirdes isso, ele diz, eu rapidamente tornarei a recompensa sobre vossa cabeça. Lmg gamal significa não apenas retribuir, como os eruditos hebraicos sempre a vertem, mas também conferir, conceder (conferre, ut loquuntur Latine), como foi afirmado noutra parte. ‘O que retribuirei ao Senhor por todas as coisas com que ele me recompensou?’ Essa é a tradução comum; mas é um modo impróprio e incongruente de falar. Davi sem dúvida se refere aos benefícios de Deus; então fica: ‘O que retribuirei por todos os benefícios que o Senhor conferiu a mim?’ Então se diz que aquele que perpetra dano, ou confere o bem, recompensa; e tal é o sentido neste ponto. ‘Se vós’, ele diz, ‘assim procederes comigo, “rapidamente”, hrhm meherah repentinamente (pois a palavra deve ser entendida como advérbio), tornarei o galardão sobre a vossa cabeça’; isto é: “Vós não ficareis impunes, já que tendes agido tão injustamente para comigo e com meu povo”. Percebemos agora todo o sentido dado pelo Profeta: ele aumenta o crime dos sírios e sidônios, pois que voluntariamente afligiram os judeus e se juntaram aos inimigos estrangeiros com o fito de capturar uma parte do despojo. Como, pois, a vizinhança não abrandou suas mentes, a desumanidade dela ficava mais completamente provada em virtude disso. Monergismo.com Comentário sobre Joel 85 os quais foram dispersos para longe. Conhecemos de fato que estavam então excepcionalmente espalhados, pois a terra da Judéia jamais deixou de ser atribulada por guerras contínuas, até que Jerusalém foi destruída e o povo quase inteiramente consumido. Visto ter sido assim, então, quando podemos dizer que essa profecia foi cumprida? Muitos explicam as palavras alegoricamente, dizendo que o Profeta fala dos apóstolos e mártires, os quais, através de várias perseguições, foram conduzidos a diferentes partes; porém, esse é um ponto de vista forçado. Não duvido, portanto, que ele aqui se refira a um ajuntamento espiritual: e é certo que Deus, desde o aparecimento de Cristo, ajuntou toda a sua Igreja pelo vínculo da fé; pois não somente aquele povo uniu-se em um só, mas também os gentios, os quais dantes estavam alienados da Igreja e não tinham relacionamento com ela, foram reunidos em um corpo. Em vista disso, percebemos que o que o Profeta diz foi cumprido espiritualmente; precisamente os filhos de Judá e os de Jerusalém foram redimidos pelo Senhor e reintegrados, não a pé ou pelo mar. Pois Jerusalém está edificada em todo lugar, como é dito em Zacarias. Eu, portanto, os congregarei, diz; e ele adiciona: Eu voltarei a recompensa sobre a vossa cabeça. Ele de novo confirma o que disse antes — que, conquanto os ímpios se exultassem enquanto dominavam sobre os filhos de Deus, a crueldade deles não ficaria impune, porque descobririam que a Igreja nunca é negligenciada por Deus: mesmo que ele a submeta a várias tribulações, exercite a sua paciência e até a castigue, não obstante, será sempre o defensor dela. Segue-se — Joel 3.8 8. Pois venderei vossos filhos e filhas pelas mãos dos filhos de Judá, e vendê-los-ão aos de Sabá, a um povo longínquo: pois o SENHOR o disse. 8. Et vendam filios vestros et filias vestras in manum filiorum Jehadah, et vendent eos Sabaeis, genti lonquinquae, quia Jehovah loquutus est. O Profeta descreve aqui uma maravilhosa mudança: os sírios e os sidônios venderam sim os judeus; porém, quem é o vendedor agora? Deus mesmo exercerá este mister: Eu, ele diz, venderei vossos filhos, como se dissesse: “Os judeus vos subjugarão e vos reduzirão à servidão” — pela autoridade de quem? “Será como se eles vos comprassem de minhas mãos”. Ele quer dizer aqui que tal cativeiro seria legítimo; e assim ele diferencia os judeus dos sírios e sidônios, os quais tinham sido violentos ladrões, injustamente se apoderando do que não era seu: daí ser descrita assim a maneira da venda: “Eu mesmo serei o autor dessa transformação, e a coisa será feita por minha autoridade, como se eu tivesse interposto meu próprio nome”; e os judeus mesmos, diz ele, venderão vossos filhos e vossas filhas aos sabeus, uma nação distante; isto é, o povo do Oriente. Pois o Profeta, não duvido, ao mencionar uma parte pelo todo, pretendia aqui designar as nações orientais, tais como os persas e medos; porém, diz que os tírios e sidônios seriam conduzidos aos mais distantes países, visto que os sabeus estavam a uma grande lonjura do Mar Fenício, e eram conhecidos como estando muito próximos dos indianos. 33 Porém, pode-se perguntar aqui: Quando Deus executou esse julgamento? Pois os judeus nunca possuíram tal poder a ponto de serem capazes de subjugar as nações vizinhas e vendê-las à vontade a negociantes desconhecidos. Sem dúvida, seria tolo e pueril insistir aqui em um cumprimento literal: ao mesmo tempo, não digo que o Profeta fale alegoricamente, porque tendo a me guardar de alegorias, visto não haver nelas nada de são e sólido. No entanto, devo dizer que há uma linguagem figurada empregada 33 “Tal profecia foi cumprida antes e durante o governo dos macabeus, quando os negócios judaicos encontrava-se em um tão próspero estado e os poderes fenícios e filisteus estavam reduzidos pelas armas persas debaixo de Artaxerxes Mnemon, Dario Ochus e particularmente Alexandre e seus sucessores. Na captura de Tiro pelo monarca grego, 13 mil habitantes foram vendidos para a escravidão. Quando também tomou Gaza, mandou matar 10 mil cidadãos e vendeu o restante, junto com as mulheres e as crianças, como escravos”. — Dr. Henderson. (N. do E. inglês.) 86 aqui quando é dito que os sírios e sidônios serão vendidos e levados para países longínquos daqui e de acolá, e que isso será feito por causa do povo eleito de Deus e da Igreja dele, como se os judeus fossem os vendedores. Quando Deus diz “eu venderei”, não se quer dizer que ele tenha de descer do céu com o fito de vender, mas que executará juízo sobre eles; depois, a segunda oração — que eles serão vendidos pelos judeus — deriva seu sentido da primeira; e este não pode ter um objetivo comum, como se os judeus tivessem de receber um preço e fazer deles uma mercadoria. Porém, Deus declara que os judeus seriam os vendedores, porque desse jeito ele mostra sua desforra pelo prejuízo feito a eles; isto é, ao vendê-los aos sabeus, uma nação distante. Outrossim, sabemos que as mudanças que então se seguiram foram tais que Deus virou quase o mundo todo de cabeça para baixo, pois levou os sírios e os sidônios aos mais remotos países. Ninguém podia ter imaginado que isso foi feito por causa dos judeus, os quais eram odiados e abominados por todos. Não obstante, Deus declara que ele faria isto — exatamente vender os sírios e os sidônios — por estima à sua Igreja, apesar de estar geralmente desconhecido aos homens, na medida em que era o julgamento oculto de Deus. Contudo, os fiéis que já tinham sido ensinados que Deus faria isso foram, pelo evento, lembrados de quão preciosa é para Deus a sua herança, porquanto ele vinga tais agravos, a memória dos quais tinha sido de há muito enterrada. Esse então é o significado do todo. O Profeta ora acrescenta esta observação no fim — Joel 3.9-11 9. Proclamai isto entre as gentes: Preparai a guerra, despertai os valentes, que todos os guerreiros se aproximem e subam: 10. Forjai das lâminas de vossos arados espadas, e de vossas podadeiras, lanças: que o fraco diga: Eu sou forte. 11. Congregai-vos e vinde, todos vós, pagãos, e reuni-vos em derredor: faze teus poderosos descerem ali, ó SENHOR. 9. Publicate hoc in Gentibus, sanctificate proelium, excitate robustos, venient, ascendent omnes viri bellatores. 10. Concidite vomeres vestros in gladios et falces vestras in lanceas; debilis dicat, Ego sum robustus. 11. Congregamini et venite omnes gentes, congregamini in circuitu (hoc est, undique congregamini;) illic prosteruet Jehova fortes tuos. Alguns pensam que essas palavras foram anunciadas para que o povo, estando aterrorizado por seus males, não ficasse totalmente deprimido; e deduzem este sentido — que Deus pôs esse pavoroso espetáculo de males diante de seus olhos para que os judeus preparassem-se e se revigorassem para suportá-las; que, embora as nações se levantassem por todos os lugares, todavia, eles podiam viver firmes na esperança de que Deus seria o defensor de sua Igreja. Porém, o Profeta, não duvido, continua com o mesmo discurso, anunciando guerra sobre as nações pagãs, as quais haviam molestado a Igreja com tantos problemas: Publicai isso entre as nações, diz, proclamai guerra, acordai os fortes; que eles venham, que eles subam: e sabemos quão necessário era por tais meios confirmar o que ele anteriormente dissera: pois os ímpios não são movidos por nenhuma ameaça, ao contrário, riem com escárnio de todos os juízos divinos; ao passo que os fiéis, rendendo-se aos seus males, com dificuldade conseguem elevar suas mentes, ainda que Deus prometa ser-lhes um ajudador. Então, a menos que a matéria tivesse sido apresentada como desenhada aos seus olhos, eles não teriam experimentado o poder da consolação. Sendo assim, a vívida representação que vemos aqui foi planejada para este fim — para que o povo, sendo levado a contemplar o acontecimento todo, nutrisse esperança de sua futura salvação, enquanto via agora Deus reunindo seu exército e juntando suas forças para punir os inimigos da Igreja. Os fiéis, pois, não somente ouvindo por meras palavras que tal se daria, mas também vendo, por assim dizer, com os próprios olhos o que o Senhor expunha por figura e vívida representação, ficaram mais eficazmente impressionados e sentiram-se mais assegurados de que Deus tornar-se-ia finalmente o libertador deles. Monergismo.com Comentário sobre Joel 87 Vemos agora então o porquê de o Profeta aqui ordenar que a guerra fosse anunciada e proclamada por todos os lugares, e também a razão pela qual manda aos valentes que se congreguem e todos os homens guerreiros ascendam; como se dissesse: “O Senhor não vos decepcionará com palavras ocas, mas virá provido de um exército para vos salvar. Quando ouvirdes, então, que ele será o autor de vossa salvação, pensai também que todas as nações estão em seu poder, e que o mundo inteiro pode em um momento ser concitado por sua vara, de modo que todas as suas forças podem se ajuntar de todas as regiões e todo o poder do mundo encontrar-se em obediência a ele. Saibai, pois, que, estando provido com suas forças, ele não vem a vós indefeso, nem vos alimenta com meras palavras, como costumam agir os que não tem auxílio algum para dar senão apenas palavras: isso não é o que Deus faz, pois ele pode mesmo hoje executar o que ele anunciou; porém, adia para o tempo sazonado. Entrementes, dai a ele a sua honra, e conhecei que não faltam os recursos para vos proteger, se desejardes; contudo, ele quis que vós por um tempo estivestes sujeitos à cruz e às tribulações para que ele por fim vingasse os crimes feitos a vós”. Pode-se ora perguntar quais são as nações que o Profeta quis dizer, uma vez que ele anteriormente dissera que Deus visitaria todas as nações com castigo, ao passo que não havia naquele tempo nenhuma nação no mundo amigável para com os judeus. Mas não há nada incoerente nisto, pois Deus fez com que todos os inimigos da Igreja atacassem-se um ao outro de todos os lados, destruindo-se com carnificinas mútuas. Desse modo, quando ele intentou retaliar os tírios e sidônios, excitou os persas e medos; e quando se propôs punir os persas e medos, chamou os gregos à Ásia; e ele outrora havia abatido os assírios. Assim ele armava todas as nações, mas cada uma por sua vez; e uma após a outra sofreram a punição que mereceram. E, dessa maneira, a expressão do Profeta não deve ser entendida em um sentido restrito demais, como se o Senhor simultaneamente reunisse um exército do mundo inteiro para punir os inimigos de sua Igreja; mas que ele incita o mundo todo, de forma que uns sofram castigo de outros; no entanto, inimigo nenhum da Igreja permanece impune. Percebemos agora os objetivos do Profeta em dizer: Publicai isto entre as nações; ou seja, Deus produzirá horríveis tumultos por todo o mundo, e o fará por amor à Igreja dele: pois, embora exponha seu povo a muitas misérias, todavia, fará com que o remanescente, como outrora vimos, seja salvo. Ele posteriormente adiciona: Forjai vossas relhas em espadas. Quando Isaías e Miquéias profetizaram a respeito do reino de Cristo, disseram: ‘Forjai vossas espadas em podadeiras, e vossas lanças em arados’ (Is 2, Mq 4.) Tal frase é ora invertida por Joel. As palavras de Isaías e Miquéias foram figurativamente tencionadas para revelar que o mundo estaria em paz quando Cristo reconciliasse os homens com Deus e os ensinasse a cultivar a bondade fraternal. Porém, o Profeta diz aqui que haveria turbulentas comoções por todas as partes, de modo que não haveria utilidade para o arado ou para a podadeira; os lavradores cessariam seu trabalho, a terra continuaria assolada; pois tal se dá quando um país inteiro fica exposto à violência; ninguém ousa sair, todos abandonam seus campos e descuidam do cultivo. Daí o Profeta dizer: ‘Tornai vossas relhas em espadas, e vossas podadeiras em lanças’; isto é, o labor no campo cessará, e todos se aplicarão tenazmente à guerra. E que o fraco diga: Eu sou forte, pois não haverá então desobrigação da guerra. Antigamente as escusas, sabemos, baseavam-se em idade ou doença quando os soldados eram ajuntados; e se alguém alegasse enfermidade era descartado; mas o Profeta diz que não haverá isenção na ocasião: “Deus”, diz, “não escusará ninguém, ele compelirá a todos que se tornem guerreiros, ele até tirará os enfermos todos de seus leitos; todos serão constrangidos a porem armas”. Portanto, fica evidente quão ardentemente o Senhor ama sua Igreja, já que ele não poupa nações nem povos, não dispensando ninguém da punição; pois todos os que atormentam a Igreja forçosamente receberão a sua recompensa. Visto pois que Deus tão severamente castiga os inimigos da sua Igreja, ele por meio disso dá uma singular comprovação de seu paternal amor para conosco. 90 tinha multiplicado; logo, dá aos servos de Deus a esperança da vingança próxima, como quando a ceifa se aproxima e a vindima está mui perto; pois nessa ocasião todos têm suas mentes reanimadas com júbilo. Tal é o intuito do Profeta: para encorajar os fiéis na esperança e expectativa de livramento próximo, declara que as iniqüidades de seus inimigos haviam ora alcançado sua medida plena, de modo que Deus estava agora prestes a executar sua vingança sobre eles. Esse é o sentido do todo. Segue-se — Joel 3.14 14. Multidões, multidões no vale da decisão; pois que o dia do SENHOR está próximo, no vale da decisão. 14. Populi, populi in vale concisionis (vel, tribulae,) quia propinquus dies Jehovae in valle concisionis. O Profeta confirma a mesma verdade; porém, multiplica as palavras porque a devastação da Igreja podia ter removido toda a esperança dos servos de Deus. Pois quem podia ter dito que a Igreja conseguiria ser restaurada quando estava tão miseravelmente destruída, sim, quase reduzida a nada? Pois o povo estava tão dispersado que o nome de Israel era de nenhum valor. O primeiro havia então cessado de existir, pois havia perdido seu nome: em suma, a constituição da Igreja estava dissolvida, e todos podiam ter dito que o povo estava entregue a mil modos de destruição, dado que todos execravam o nome de Israel. Visto ser assim, seja o que fosse que os Profetas dissessem da restauração do povo decerto podia ter parecido inacreditável. A repetição, pois, não é supérflua quando o Profeta, em várias formas de expressão, certifica e afirma que Deus permaneceria fiel e que, embora Israel perecesse segundo o que os homens podiam ver, todavia, Deus possuía poder suficiente para vivificar o povo quando morto: por isso o Profeta fala enfaticamente: Nações! Nações! uma vez que ele assume aqui o papel de um arauto, visto que realmente esse ofício lhe fora confiado, revelando que seus prognósticos não seriam infrutíferos e que não declarava palavras que se desvaneceriam no ar, mas que tudo que declarava em nome de Deus estava cheio de poder e energia. Podia de fato ter parecido ridículo no Profeta intimar todas as nações, já que de sua doutrina se ria com escárnio, até em Jerusalém. Como podia a sua voz penetrar nos limites extremos do mundo e ser ouvida lá? Então, ainda que estivesse oculto o poder dessa predição, não obstante, ele afinal se mostraria, ficando realmente inegável que o Profeta não falava em vão. Além disso, ele se dirige às nações como se elas pudessem ouvir; porém, levanta assim a sua voz e nobremente triunfa sobre todos os ímpios por amor aos pios, conquanto os ímpios então orgulhosamente dominassem, com grande desdém: “Elas por fim virão”, diz, “diante do tribunal de Deus, apesar de agora calcarem a Igreja debaixo do pé; sim, as nações, as nações”. Ele não menciona agora o vale de Jeosafá, mas do corte. Alguns consideram Jwrj charuts como um decreto fixado; porém, a palavra significa malho ou instrumento para debulha. Não conhecemos o modo de debulhar usado pelos judeus, mas fica evidente a partir de várias passagens que Jwrj charuts era um instrumento com o qual estavam acostumados a trilhar; 34 e estou inclinado a adotar esse sentido, já que o Profeta havia primeiro chamado o juízo divino 34 “As hastes [de trigo, depois de colhidas,] eram reunidas em molhos ou feixes e conduzidas para um terreno, circular e espaçoso, onde eram expostas ao vento e pisadas por bois ou jumentos, sendo, desta maneira, debulhadas as espigas. Estas eiras eram lugares estabelecidos, e tomavam o nome dos seus primitivos possuidores. É assim que ouvimos falar da eira de Nachon (ou Chidon) ou da eira de Araunah (2 Sam. 6:6, 24:18). Os bois eram, às vezes, tocados em parelhas, ou então, soltos sobre o terreno. Um traço interessante da vida dos hebreus antigos era o seu interesse pela sorte dos animais, sendo determinado que não se devia atar a boca do boi que estivesse debulhando o trigo para uso do homem, antes lhe sendo permitido comer alguma parte do grão espalhado (Deut. 25:4). ‘Havia outros meios, além deste processo rudimentar de separar os grãos da espiga. Entre eles estava a vara com que se batiam pequenas porções de grãos (Is. 28:27); mais freqüentemente, porém, o meio usado era o morag, (também chamado charûts) ou trilho, correspondente ao antigo tribulum italiano, uma prancha à qual eram adaptadas pedras pontiagudas num dos lados. Este instrumento era arrastado por bois, em cima do trigo (Is. 28:27), podendo o lavrador assentar-se sobre ele para aumentar o peso. Outro processo ou variedade de trilho consistia de uma pequena carruagem, Monergismo.com Comentário sobre Joel 91 de colheita, comparando-o depois a lagares. Contudo, se a palavra “corte” for mais aprovada, não objeto; ao mesmo tempo, porém, não duvido que o Profeta aluda à debulha, visto como atribui a Deus o próprio ofício de espalhar as nações, as quais pareciam ora haver conspirado para a destruição da Igreja. Se alguém considerá-lo como denotando um decreto fixado, ou um corte, como significa em Isaías, não faço objeção alguma; pois muitos dão essa interpretação. Entretanto, explanei o que eu aprovo mais. Quanto ao sentido do tópico, não há ambigüidade; o que o Profeta quer dizer é que Deus punirá todos os ímpios, que os abaterá e espalhará a todos, como quando o trigo é debulhado na eira. Por derradeiro, acrescenta que estava perto o dia de Jeová no vale do malho. Ele declara que, mesmo que Deus até aqui tolerasse as maldades deles, não obstante, o dia estava chegando, deveras desconhecido dos homens, e que ele finalmente viria àquele vale, ou seja, que infligiria tal castigo que provaria que era o protetor do povo dele. Desse vale nós já falamos; e, indubitavelmente, ele faz uma referência a isso por toda parte, caso contrário não teria utilizado uma linguagem adequada quando disse ascendei ao vale. Mas o que é ascender ao vale? Pois, contrariamente, ele devia ter falado de descer. Porém, ele compara a Judéia com outras partes do mundo; e ela está em uma localização elevada, como é bem conhecido. Então a posição mais elevada da Judéia harmoniza-se bem com a subida de que o Profeta fala. Contudo, ele sempre quer dizer que Deus puniria as nações para que ficasse patente que fazia isso em favor de sua Igreja, como logo veremos mais claramente. Mas ele diz — Joel 3.15 15. O sol e a lua escurecerão, e as estrelas retirarão o seu brilho. 15. Sol et luna obscurabuntur (vel, contrahent nigredinem,) et stellae retrahent splendorem suum. Eu já expliquei esse versículo no capítulo 2: o Profeta, como afirmamos naquela vez, descreve nessas palavras o terrível julgamento de Deus, a fim de sacudir para fora a indiferença dos homens, os quais remissamente ouvem e desprezam toda ameaça, a menos que o Senhor assalte fortemente seus corações. Tais expressões figuradas são, pois, intentadas para despertar os ímpios e fazê-los saber que é coisa séria quando o Senhor proclama seu juízo. Continuemos agora com a passagem — Joel 3.16 16. E o SENHOR rugirá de Sião, e de Jerusalém fará ouvir a sua voz; e os céus e a terra tremerão, porém, o SENHOR será refúgio para o seu povo, e fortaleza para os filhos de Israel. 16. Et Jehova e Sion rugiet, et e Jerusalem dabit (edat) vocem suam; et contremiscent coeli et terra: et Jehova spes erit populo suo, et fortitudo filiis Israel. O Profeta explica aqui mais claramente seu intento, ou o fim pelo qual ele até o momento falara do juízo divino. Pois o que ouvimos servia somente para espalhar terror; porém, agora o Profeta revela que seu propósito era consolar os fiéis, dando algum desafogo às dificuldades e tristezas desses. Eis a razão pela qual ele apresenta Deus como bramando de Sião e clamando de Jerusalém. O rugido é atribuído a Deus, visto como este se compara a um leão em outra parte ao se apresentar como o fiel guardião da salvação de seu povo: “Eu serei”, ele diz, “como o leão, que não permite que a presa lhe seja tomada, mas cujas rodas eram providas de lâminas que cortavam o trigo. Daí usarem os profetas a forte metáfora do trilho, para descrever o cruel tratamento de um povo conquistado (Amós 1:3; comp. 2 Reis 13:7).” Owen C. Whitehouse em: Costumes Orientais: Antiguidades Bíblicas (União Cultural, 1950). (N. do T.) 92 ousadamente a defende com toda a ferocidade que possui: assim também agirei, não permitirei que meu povo seja tirado de mim”. Nesse sentido, o Profeta ora diz mesmo que Deus urrará de Sião. Deus tinha sido desprezado por um período, já que as nações haviam prevalecido contra seu povo eleito e o pilhado à vontade, sem que Deus então exercesse seu poder. Visto que Deus tinha estado por um tempo parado, o Profeta ora diz que aquele não se ocultará para sempre, mas que se incumbirá da defesa do povo e será como um leão; pois se levantará em tremenda violência contra todos os seus inimigos”. E tremerão, diz ele, o céu e a terra. Como quase o mundo inteiro estivesse antagônico ao povo eleito, o Profeta cuidadosamente se detém neste ponto, que nada podia impedir os fiéis de procurarem a redenção a eles prometida: “Ainda que o céu e a terra”, diz, “ergam oposições, Deus, não obstante, prevalecerá por seu maravilhoso poder. Tremerão, ele diz, todos os elementos; o que então os homens farão? Conquanto juntem todas as suas forças e tentem todos os meios, podem eles fechar o caminho contra o Senhor para que ele não possa livrar seu povo?” Entendemos agora o desígnio do Profeta ao falar do abalo do céu e da terra. Por último, acrescenta: Deus será uma esperança para o povo dele, e força para os filhos de Israel. Nessa parte ele fornece uma prova competente do que eu declarei — que anuncia extrema vingança sobre as nações por amor à sua Igreja; pois o Senhor por fim terá piedade de seu povo, mesmo que esse dê a impressão de haver perecido antes que ele o socorra. Então, por mais sem esperança que o povo esteja em sua própria avaliação e na dos outros, todavia, Deus novamente elevará a expectativa de todos os piedosos, os quais continuarão a existir, e inspirará neles nova coragem. Ele fala dos filhos de Israel em geral; mas isso diz respeito apenas ao remanescente, do qual o Profeta falara recentemente; pois nem todos que derivavam sua origem dos pais segundo a carne eram verdadeiros israelitas. O Profeta se refere aqui à verdadeira Igreja; em vista disso, Israel devia ser considerado como os genuínos e legítimos filhos de Abraão; como Cristo, na pessoa de Natanael, denomina de autênticos israelitas os que imitavam a fé do pai deles Abraão. Terminarei hoje este Profeta; portanto, não me demorarei muito sobre cada frase. Segue-se agora — Joel 3.17 17. E vós sabereis que eu sou o SENHOR vosso Deus, que resido em Sião, o meu santo monte; Jerusalém será santa, e estrangeiros nunca mais passarão por ela. 17. Et cognoscetis quod ego sim Jehova Deus vester, habitans iu Sion, monte sanctitatis meae: et erit Jerusalem sanctitas, et alieni non transibunt per eam amplius. Essa é a confirmação da doutrina precedente: Vós sabereis, diz, que eu sou vosso Deus. O Profeta sugere que o favor divino havia estado tão escondido durante as aflições do povo que este não podia senão achar que estivesse abandonado por Deus. Sua palavra devia de fato nos bastar nos maiores males; pois, mesmo que Deus nos lance nos mais profundos abismos, quando ele refulgir sobre nós através de sua palavra, deve esta ser uma consolação abundantemente eficaz para suster nossas almas. No entanto, se Deus não se manifestar em realidade, ficamos confundidos, perguntando onde está seu poder. Por esse motivo o Profeta agora diz que os fiéis por fim conhecerão, isto é, conhecê-lo-ão como Deus deles de maneira real. Há um conhecimento duplo: o conhecimento de fé, recebido de sua palavra, e o conhecimento da experiência, como dizemos, derivado de efetivo usufruto. Os fiéis sempre reconhecem que a salvação está posta para eles em Deus; porém, algumas vezes cambaleiam e sofrem grandes tormentos em suas mentes, sendo agitados para cá e para acolá. Por mais que ela esteja com eles, não sabem com certeza, mediante efetivo usufruto, que Deus é o Pai deles. O Profeta, portanto, trata agora do real conhecimento quando Monergismo.com Comentário sobre Joel 95 sobejar em mel, leite e vinho, todavia, esses permaneceriam estéreis e vazios: Mizraim, então, será uma solidão, Edom será um deserto de solidão. Por quê? Devido às calamidades, ele diz, trazidas sobre os filhos de Judá. Deus novamente confirma esta verdade — que ele tem um tal interesse por sua Igreja que retaliará as afrontas feitas a ela. Deus, então, nem sempre vem em nosso auxílio quando somos injustamente oprimidos, ainda que nos haja colocado debaixo de sua proteção; mas ele consente que por um período suportemos nossos males; entretanto, no final se revelará que sempre fomos caros a ele e preciosos à sua vista. Desse modo, diz agora que, pelos tormentos que os egípcios e idumeus ocasionaram aos filhos de Judá, eles ficarão empobrecidos, não obstante a abundância de bens. Por que derramaram, diz, sangue inocente em sua (ou, em sua própria) terra. Se relacionarmos isso ao Egito e à Iduméia, o sentido será que eles não tinham protegido os fugitivos, mas, ao invés disso, cruelmente assassinado a esses, como se houvessem sido inimigos jurados. Muitos durante os tempos de aflição, sabemos, evadiram-se para o Egito e a Iduméia, para buscar refúgio ali. Como pois os egípcios foram tão desumanos para com os aflitos, o Profeta os ameaça com desforra. Porém, prefiro considerar o que é dito como tendo sido realizado na Judéia: eles então derramaram sangue inocente, ou seja, na própria Judéia. Como Deus consagrara essa terra para si, maculá-la com morticínios injustos foi um crime mui atroz. Tendo em vista então como os egípcios e idumeus trataram os judeus e os mataram no próprio país destes de uma maneira vil, malgrado estivessem habitando sossegadamente em seu lugar, não é de se admirar que Deus declare que seria o vingador dessas ofensas. Segue-se — Joel 3.20 20. Contudo, Judá será habitada para sempre, e Jerusalém, de geração em geração. 20. Et Jehudah in aeternum habitabit (alii passive accipiunt, habitabitur) et Jerusalem erit in generationem et generationem. Deus aqui atesta que sua redenção não seria por curto tempo, mas que o fruto dela seria por um período longo, sim, perpétuo: pois não seria algo pequeno para a Igreja ser redimida caso ele não a mantivesse intacta debaixo de seu poder. Esta segunda coisa o Profeta ora adiciona: que Judá permanecerá para sempre a salvo, e que Jerusalém ficará por uma sucessão contínua de séculos. Os ímpios, sabemos, algumas vezes prosperam por um tempo, embora diante de Deus já estejam fadados à destruição. Porém, o Profeta declara aqui que o fruto da redenção que ele promete será eterno: pois Deus não é levado a libertar sua Igreja só por um momento, mas ele a acompanhará com perpétua mercê; logo, é o protetor eterno e fiel de seu povo. Segue-se o último versículo — Joel 3.21 21. E purificarei o sangue dos que eu não tinha purificado; pois que o SENHOR morará em Sião. 21. Et mundabo sanguinem corum, non mundavi: et Jehova habitans in Sion. O início do versículo é interpretado de várias maneiras. Alguns fazem uma pausa depois de purificarei, deste jeito: “Eu purificarei, todavia, o sangue deles eu não purificarei”; como se Deus tivesse dito que perdoaria às nações pagãs todos os ultrajes delas, porém, não a crueldade que praticaram contra os eleitos dele. Dessa forma, o sentido seria: “A avareza pode ser aturada, eu posso passar por esbulho; mas, visto que elas mataram o meu povo, nesse caso, sou totalmente implacável”. Portanto, conforme esse ponto de vista, Deus evidencia quão preciosa para ele é a vida de seus santos, considerando que ele diz que não será aplacado para com aqueles homens ímpios que derramaram sangue inocente. Contudo, tal acepção dá antes a impressão de ser por demais forçada. Outros assim vertem: “O sangue deles eu 96 limparei, e não limparei”, isto é, “eu não depurarei os judeus de suas contaminações, porém, não empregarei severidade extrema”; segundo ele diz também em Isaías 48: ‘Eu não refinarei a ti como ouro ou prata, pois tu tornar-te-ias de todo em escória’. Sendo assim, julgam que Deus promete aqui uma purificação tal da Igreja que não usaria rigor extremo, contudo, moderaria sua apuração, visto como é necessário no que diz respeito às nossas degradações, das quais estamos tão repletos. Porém, este sentido me parece ser mais simples — que Deus purificaria o sangue que ele não havia purificado; como se dissesse: “Até aqui tenho limpado as profanações de meu povo; esse então se tornou, por assim dizer, pútrido em seus pecados; mas agora começarei a purificar toda a maldade dele, para que brilhe puro diante de mim”. Há um relativo subentendido, como amiúde se dá em hebraico. Porém, hqn nakah é considerado em outra acepção em Jeremias 30.1: que Deus exterminará sua Igreja; mas não podemos inferir aqui nenhum outro significado senão que Deus depurará a Igreja dele das profanações; pois o Profeta, indubitavelmente, quer dizer as contaminações das quais o povo estava cheio. Este então não estava apto a gozar a mercê divina enquanto jazesse em sua imundície. Agora Deus, ao prometer ser um Redentor, vai à própria fonte e à coisa primeira — que ele lavará a imundícia deles; pois como Deus podia ser o Redentor do povo a não ser que apagasse os pecados desse? Pois uma vez que ele nos imputa pecado, inevitavelmente estará irado conosco, inevitavelmente estaremos de todo alienados dele e privados de sua bênção. Não é debalde então que diga que será um purificador; visto que, quando se limpam as corrupções, segue-se também outra coisa, a qual vimos há pouco: a futura redenção. Por derradeiro, ele conclui: E Jeová habitará em Sião. O Profeta de novo chama a atenção do povo para a aliança; como se dissesse: “Deus voluntária e prodigamente prometeu tudo que mencionou, não porque o povo merecesse isso, mas porque Deus há muito tempo atrás se dignou a adotar os filhos de Abraão e elegeu o monte Sião como sua habitação”. Ele então revela que essa é a razão por que Deus estava agora inclinado à misericórdia, e queria salvar um povo, que se tinha destruído cem vezes por seus pecados. ORAÇÃO Conceda, Todo-Poderoso Deus, que, visto termos neste mundo que pelejar de contínuo, não só com inimigos de um tipo, mas com incontáveis deles, e não apenas com a carne e o sangue, mas também com o diabo, o príncipe das trevas — Ó, permita que, estando armados com teu poder, perseveremos nessa luta; e quando tu nos afligires por causa de nossos pecados, aprendamos a nos humilhar e assim nos submetermos à tua autoridade, para que esperemos pela redenção a nós prometida; e, ainda que sinais de teu descontentamento muitas vezes surjam a nós, todavia, sempre ergamos nossas mentes ao céu pela esperança e então procuremos teu Filho unigênito, até que, vindo como o Juiz do mundo, reúna-nos e nos traga à fruição daquela vida bendita e eterna que ele obteve para nós por seu sangue. Amém. FIM DOS COMENTÁRIOS SOBRE JOEL. Monergismo.com Comentário sobre Joel 97 APÊNDICES A JOEL Joel 1.4: O resquício das locustas, etc. “Uma comparação das diferentes passagens nas quais esses nomes ocorrem”, diz o Dr. Henderson, “torna mais do que provável que sejam empregados aqui pelo Profeta, não com qualquer referência às espécies em que as locustas podem ser cientificamente divididas, mas para designar quatro sucessivos enxames, em conformidade com certas qualidades destrutivas, pelas quais, como um gênero de insetos, são distinguidas e, assim, aumentar o terror com que tal descrição foi tencionada para produzir”. Mercerius, conforme citação em Poli Syn., conta-nos que quase todos os teólogos, tanto antigos quanto modernos, entendiam essa narrativa das locustas alegoricamente; e parece que, de acordo com alguns, elas designam as quatro incursões dos caldeus na terra, isto é, por Tiglate-Pileser, Salmanazar, Senaqueribe e Nabucodonosor; ou, segundo Cirilo, por Salmanazar, Nabucodonosor, Antíoco e pelos romanos; ou, conforme Jerônimo, os quatro impérios que sucessivamente dominaram os judeus, a primeira locusta representando dos caldeus; a segunda, os medos e persas; a terceira, os macedônios; e a quarta, os romanos. Porém, isso tudo é alucinação, não exposição. Muito mais apropriada é a opinião declarada e aprovada por Henderson: que nesse capítulo Joel descreve uma devastação do país por locustas naturais; e que no segundo ele, em linguagem altamente metafórica, vaticina uma devastação produzida pelos assírios, emprestada em certa medida da cena descrita aqui; e este é exatamente o ponto de vista de Calvino. Joel 2.12: Mas agora mesmo, etc. Nossa versão [KJV] — “portanto agora também” — não é tão enfática como essa de Calvino. O sentido pleno foi percebido por Newcome, “ainda agora mesmo”, conquanto omitido por Henderson, cuja tradução é: “Portanto agora”, a qual fica aquém de nossa versão comum. Joel 2.13: Pois ele é propício, etc. É de grande importância que essa declaração do que Deus é seja corretamente vertida. A versão de Newcome é a mesma da nossa tradução corrente. A de Henderson difere; e é esta: “Porque ele é compassivo e piedoso, Longânime e de grande clemência, E se arrepende do mal.” O primeiro termo, /wnj, não é “compassivo”, mas gracioso, benevolente, propício, imerecidamente amável, favorável para com quem não merece; ele advém de /j, demonstrar favor ou bondade; e, com a última letra estando duplicada, pode ser traduzido como mui amável, ou mui gracioso. O segundo é <wjr, o qual mais adequadamente denota compassivo, mas vertido corretamente, “piedoso”, em vez de “misericordioso”, como em nossa versão. O terceiro, <ypa ira, é mais bem expressada por “lento para a cólera”, ou para a ira, em vez de por “longânime”. O quarto é dsj-br, muito, ou abundante em bondade: a palavra dsj é por vezes traduzida como misericórdia, mas não da maneira apropriada; ela quer dizer bondade superabundante, ou benevolência exuberante. Adam Clarke dá uma descrição precisa destes termos: “gracioso (bom e benevolente em sua natureza); misericordioso (condoendo-se e perdoando); lento para a ira (não facilmente provocado para punir); de grande ternura (bondade exuberante a todos que voltam para ele)”. Joel 2.14: quem sabe, etc. Henderson foi muito feliz em sua tradução dessa linha: “Quem sabe? Ele pode voltar e se arrepender.”
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved