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Guias e Dicas
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mario ferreira dos santos - curso de oratória e retórica, Notas de estudo de Cultura

como falar bem em publico

Tipologia: Notas de estudo

2011
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Compartilhado em 19/12/2011

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Baixe mario ferreira dos santos - curso de oratória e retórica e outras Notas de estudo em PDF para Cultura, somente na Docsity! ■Vlf ^p 1 " ' x'' i «.; 1 C U R S O D E O R A T Ó R I C A E R E T Ó R I C A ; MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS * Curso de Oratória e Retórica 9.a Edição JI* LIVRARIA E EDITORA LOGOS LTDA. Rua 15 de Novembro, 137 - 8.0 andar - Telefone: 35-6080 SAO PAULO — BRASIL P A R T E P R A T I C A 113 Locuções L a t i n a s Usua i s 115 R e g r a s sobre o emprego do infinito pessoal 118 R e g r a s p rá t i ca s acerca do emprego dos P ronomes oblí quos 120 D a colocação dos p ronomes 124 Conselhos prá t icos de por tuguês 129 A lgumas n o r m a s de acen tuação das pa l av ras 133 Exercícios prá t icos 137 Exercícios anal í t icos 145 Analí t icos, «os an ima i s s a ú d a m o Sol» 154 A Coragem 1G0 A Pa ixão da Verdade 1C1 VOCABULÁRIO P A R A O DOMÍNIO DAS P A L A V R A S K D A S I D E I A S 1G3 R E C O M E N D A Ç Õ E S F I N A I S 21.» / • AO L E I T O R (Prefácio da 5.a edição) A grande aceitação, que obteve este livro por parte dos leitores e da crítica espontânea, permiUu-lhe cinco edições cm menos de três anos, facto auspicioso, que não podaria o autor deixar de considerar com satisfação e agradeci- mento. Ao lançamento de "Curso de Oratória e Retórica", que é o primeiro degrau do estudo da nobre arte de falar, se- guiu-se o de "Técnica do Discurso Moderno", que já se acha em 2." edição, dado também o grande entusiasmo com que foi recebida esta obra. A seguir saíram "Práticas de Ora- tória" e ''Antologia de Famosos Discursos Brasileiros" I e 11 séries. A dedicação, que vem dando o leitor brasileiro ao es- tudo da arte de falar, é um bom augúrio para o nosso povo, pois nós, brasileiros, precisamos saber usar nobremente a arma do homem moderno, que é a palavra. Complementam esse curso de oratória, as seguintes obras, já apresentadas ao público: "Psicologia", "Lógica e Dialéctica", estas para o conhecimento geral dos factos psí- quicos e da, arte de raciocinar e argumentar, e ademais, "Curso de Integração Pessoal", no qual são estudadas as melhores contribuições ao estudo da Caracterologia, expon- do um meio accessível de conheaer-se cada um a si mesmo e aos seus semelhantes. Para o desenvolvimento cultural do estudioso da oratória, recomenda o autor o seu Uvro "Filosofia e Cosmovisão", por oferecer um amplo panorama da filosofia e familiarizar o leitor com os grandes temasrque desafiaram a inteligência humana através dos milénios. Serve, ainda, este prólogo para trazer o agradecimento âo autor ao apoio que teve, apoio ineonteste do leitor bra- 14 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS sileiro, que mais uma vez provou, contradizendo as opiniões pessimistas de tantos, que é um leitor independente, ávido de cultura. E essa afirmativa está corroborada pelo apoio recebido sobretudo pelos livros de filosofia, que compõem a "Enci- clopédia de Ciências Filosóficas e Sociais" do autor, que já tiveram, no espaço de dois anos, diversos títulos reeditados, facto raro em nosso país sobretudo em face da tiragem ele- vada que tiveram e das constantes afirmativas de que o nosso leitor é alheio ao estudo da filosofia. Por outro lado quer o autor agradecer as inúmeras car- tas que tem recebido de todos os pontos do país, de pessoas de todas as condições sociais, desde as mais humildes até às mais elevadas, cartas de aplauso e estímulo à obra que vem empreendendo, e que tem sido amparada pelo leitor que a recomenda e a apoia, espontaneamente, com. inequí- vocas demonstrações. São tais factos que enchem de satisfação e de agrade- cimento, e o estimulam a prossegui^ no caminho troçado Se o autor não tem aproveitado as palavras de aplauso de altas pefsonalidades das nossas letras, da rwssa cultura v do nosso magistério, publicando-as, como está autorizado a fazê-lo, assim procede por desejar ainda demonstrar, dv maneira categórica, que não procediam as críticas calunio- sas ao nosso leitor, leitor independente, o mais indcpcndetdv do mundo, que tem sabido, espontaneamente, auxiliar <• plano editorial da Livraria e Editora Logo», a qiml prosse- guirá no rumo traçado, oferecendo livros dv uni i/fuero pouco editado em nosso país, como é o de filosofia, já qiw estabeleceu a publicação das obras de famosos autores, que se colocam na primeira plana do pensamento mundial. Da parte do autor, o agradecimento a todos que lhe es- creveram estende-se também aos milhares de leitores que lhe têm dado o amparo que uma tarefa de. tal ordem pie cisava ter. Mário Ferreira don HuntoN RETÓRICA E ELOQUÊNCIA Uma das mais justas e nobres aspirações de todos ('; ter o pleno domínio das ideias e dos meios de expres- swo. A maioria sente dificuldade em escrever, falar e ar­ gumentar. E não são poucos aqueles que, em face de outras pessoas, sentem-se inibidos, faltam-lhe as palavras no instante preciso, que, momentos depois, surgem abun­ dantes e nítidas. Factos como esses provocam insatisfações e servem apenas para aumentar o poder inibidor, pela falta de con­ fiança em si mesmo que se apodera de quem passa por tais experiências. Entretanto, são elas tão frequentes, tão comuns, em todas as épocas e ocasiões, que há necessidade de evita- rem-se tais malogros, e permitir e auxiliar que as ideias surjam vivas e eficientes, revestidas de pleno brilho pelo emprego justo de palavras correspondentes. Impõe-se, por isso, sempre o estudo da Retórica e da Eloquência. Muitos professores julgam suficientes os métodos práticos, em contraposição ao excesso de teoria que se ministrava antigamente. Depois de percorrermos, por uma análise cuidadosa, muitos cursos, nacionais e estrangeiros, e considerando as nossas típicas condições psicológicas, organizamos um programa que não dispensa nem a parte teórica nem a prática, embora considere da primeira apenas o essencial, e inclua, na segunda, tudo quanto de melhor tem revelado a experiênica de famosos oradores. Não se pode excluir o estudo teórico e apresentar apenas o prático, porque aquele fundamenta a aplicação do segundo e dá ao estudioso meios de novas investiga­ ções. 22 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS Consegue-se ao fixar em cada ideia o seu aspecto mais elevado, aquele que é capaz de ultrapassar o tempo, aquele que tem um significado que ultrapassa o transeun­ te, o trivialmente comum. Assim, digamos que alguém quer referir-se a certas suspeitas surgidas por entre os pensamentos. Sabemos que elas surgem nos momentos de desfalecimento, ou quando o pensamento não conse­ gue, com certa força, traduzir o seu objecto. No entan­ to, um Byron, aproveitando-se desse facto, expressa-o as­ sim: "As suspeitas são entre os pensamentos o que os morcegos são entre os pássaros: só voam ao crepúsculo". A mesma ideia é expressa, com tal tom, que nos ele­ va imediatamente, isto é, nos dá a emoção do sublime, e não da trivialidade. Assim vimos que há um sublime na natureza, mas há um sublime nas ideias. O sublime das ideias está nas ideias e não nas pala­ vras. O segredo do sublime está em expressar grandes pensamentos com termos simples e bem claros. Os es­ critores mais sublimes no pensamento foram os mais sim­ ples nas palavras. E os exemplos que demos já nos mostraram. Uma ideia, expressada chãmente, poderá transformar-se numa trivialidade, mas se dermos uma harmonia e aquele ím­ peto que nos eleva, ela pode tornar-se sublime. Vamos a um exemplo: todos os homens são ambiciosos e o ser humano quereria ter tudo, ser tudo, apossar-se de tudo. No entanto não o pode. Que deve fazer senão confor- mar-se com os limites que lhe são naturais? Mas veja­ mos essa mesma ideia exposta acima, tão simples, trivial até, dita no Ramayana com sublimidade: "Nem todo o ouro do mundo, nem todo o trigo, nem todas as mulhe­ res são bastantes para um só homem; lembra-te e resig- na-te". Há aí, na harmonia, e no ímpeto da frase, uma beleza que torna a ideia sublime. Há um calor que nos infla­ ma, que se nos comunica. Analise o leitor todas as ideias enunciadas que o arrebataram, que o elevaram, que o colocaram num certo instante acima de si mesmo, como sentindo-se pairar acima do comum, e verá que, em todas elas, há esse ím­ peto ao lado da harmonia e da simplicidade. E este exercício já é uma preparação para o domínio do su­ blime. DA BELEZA Falamos nas páginas anteriores da beleza muitas ve­ zes, sem que a tivéssemos estudado. Assim como o su­ blime, a beleza é uma fonte de agradáveis prazeres para a imaginação humana. A emoção da beleza é diferente da emoção do sublime, embora, como nos últimos exem­ plos que fornecemos, o belo e o sublime conheçam um ponto de contacto, o que aliás é comum observar-se. Quando o homem, em épocas mais recuadas, era capaz de assombros, o sublime predominava. Mas o homem moderno, sobretudo o das grandes cidades, é um tanto céptico, menos emocional em relação ao sublime. Um temporal que, no campo, é uma coisa sublime, na cidade perde grande parte de seus caracteres para nos parecer algo de impróprio, de inconveniente, de desajustado. É que a metrópole impõe sempre o seu gosto (ou melhor o seu mau gosto); é o estado do artificial, do apócrifo. Por isso o homem moderno, até quando vive nas peque­ nas cidades, não tem capacidade de captar facilmente o sublime. Enquanto o sublime eleva o espírito, exalta, arreba­ ta, a beleza dá uma emoção agradável, suave. O senti­ mento que pode engendrar o sublime, por ser violento, é menos durável que o prazer que dá a beleza. Os tre­ chos que citamos participam tanto do sublime como da beleza. Elevam-nos e nos dão uma emoção agradável, perdurável, de tranquilo bem-estar. É que, como disse­ mos, não há fronteiras delimitadas entre o sublime e a beleza, pois se confundem muitas vezes. Em que consiste a beleza? Se lermos as obras dos estetas, veremos que há uma grande divergência sobre o que consideram belo e qual o conceito que dele formam. E a dificuldade é simples de explicar: é que o belo não consiste em alguma coisa, que está aí. O belo é um va­ lor, o belo vale. Quando dizemos que uma coisa é bela, 24 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS nada acrescentamos nem tiramos da coisa. Se dizemos que um objecto é azul, o azul está no objecto, e se dizemos que não é azul, é que o azul não está nele. Mas quando dizemos que é belo, não o encontramos no objecto, que continua com as suas mesmas características como se não tivéssemos dito nada. O belo não o encontramos aqui ou ali. Então o belo é uma relação entre o objecto e o sujeito? Também não, porque o belo não depende ape­ nas das apreciações subjectivas. O facto de alguém não perceber o belo de uma coisa, não quer dizer que essa coisa não seja bela. É êle um valor e os valores, na filo­ sofia, são estudados diferentemente dos outros objectos, porque os valores, em suma, valem. Mas deve haver uma base real, de res, de coisa, no belo? Sim, há. E o que há é uma disposição harmoniosa de aspectos que per­ mite despertar uma emoção estética, a qual nos leva a declarar belo um objecto porque tem beleza. Todos nós sabemos o que é belo, quando nos perguntam o que êle é, e não sabemos quando queremos dizer o que é. Dá-se com o belo o que se dava com o tempo para Santo Agos­ tinho; todos o sentimos, mas não sabemos defini-lo. Este tema transcende os limites da retórica, e cabe à filosofia da arte estudá-lo. Procuraremos simplificar quanto possível para tentar uma explicação singela. Os estetas têm dificuldades em definir o belo, e é fá­ cil ver-se por que. Alguns (são os cépticos), negam qual­ quer possibilidade de definição ou de encontrar-se nele um caráter objectivo. Vamos analisar. Todos sentimos o que é belo. Há assim, em todos nós uma intuição do belo. Acreditamos que há coisas belas, que conhecemos e que não conhecemos. Sentimos que o belo é tudo quanto é capaz de nos provocar uma emoção estética. Em face de um objecto que nos pro­ voca essa emoção, não trepidamos em chamá-lo de belo. Neste caso, procedemos a uma apreciação estética do objecto. Outro, porém, poderá dizer o contrário, isto é, apreciar diferentemente o mesmo objecto e dizer, dele, qeu não vale o ser-belo, que é uma obra sem beleza. O conceito do belo, intuitivamente formado por um e por outro, é o mesmo, mas, quando em relação ao objecto, um afirma que vale o ser-belo e outro afirma o contrário. Nesses casos, é a emoção estética, de um e de outro, que CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA '25 deu o valor, valorou o objecto. Se examinarmos a his­ tória da humanidade, veremos que essas valorizações va­ riam de uma época para outra, de uma classe para outra, de um povo para outro. São esses factos que fundamen­ tam a opinião dos cépticos, na estética. No entanto, há coisas chamadas belas que são belas em todas as eras e em todos os povos e para todas as classes. Então, essas são dotadas da verdadeira beleza? Ora, não esqueçamos que o ser humano é sempre o ser hu­ mano. Há uma parte dele que varia, modifica-se através do tempo, mas há outra que permanece invariante. Quan­ do a beleza é da primeira parte, é variante também; quando da segunda, atravessa o tempo. Um crepúsculo de cores maravilhosas e cambiantes será belo em todas as eras humanas, independentemente do histórico, enquanto o homem fôr homem. Quando algum objecto é capaz de nos provocar a emoção esté­ tica mais elevada, chamamo-lo de belo. E êle realmente o será quando obedeça a essa parte invariante, quando fôr capaz de atravessar os tempos, quando tenha, em su­ ma, o que chamamos de "eternamente actual". Em que consiste esse "eternamente actual?" Consis­ te em ser actual sempre, não agora, nem ontem, mas sempre. A emoção estética, já vimos, ou nos arrebata pelo sublime ou nos dá esse estado agradável, manso, que é próprio da beleza. O homem sempre se emocionou es­ teticamente com o sublime e com o harmonioso, com o profundo e sábio, com o que o exalta, com o que lhe dá uma emoção de superação, e lhe modifica o estado inte­ rior sem um fim utilitário, sem que o utilize sempre que a contemplação se faça, não exigindo um esforço desa­ gradável. Em suas linhas gerais, o "eternamente actual" e o instante que a arte toma e tira o tempo, liberta do tempo, do fluxo do tempo, do que se passa, para torná-lo eterno, imutável. Como esses temas pertencem à estéti­ ca, bastam, para o estudo da retórica, os elementos que demos acima, que são suficientes para empreendermos outras análises de ordem teórica. DO ESTILO Pode conceituar-se a linguagem como a expressão de nossas ideias por meio de certos sons articulados que lhes servem de sinais. A linguagem atingiu, como meio de comunicação dos nossos pensamentos, o mais elevado grau. Foi entre os homens primitivos imprecisa, rudimen­ tar. As interjeições deviam ser preferidas na linguagem Primitiva, unindo os gestos às palavras, como se observa e*n povos que ainda vivem primitivamente. Os gestos são ainda importantes entre os povos já civilizados, em­ bora em grau muito menor. Entre os gregos e os roma­ nos tinha o gesto uma grande significação. É de presu­ mir que entre os gregos, em suas representações, um actor pronunciasse as palavras, enquanto caberia a outro os gestos correspondentes; isso nos pareceria hoje, em Parte, estranho. Grande influência teve o gesto em Roma. Durante os reinados de Augusto e Tibério, os oradores Usavam dele com um excesso, que nem de longe pode­ ngos calcular, e o divertimento favorito do povo era a Pantomima, em que a gesticulação era inteiramente nauda. Durante a invasão da Itália pelos bárbaros, povos fleumáticos do norte da Europa, os gestos foram perden­ do muito de seu antigo prestígio, assim como a língua so- fieu profundas transformações. Apesar disso, os italia­ nos ainda usam muito do gesto; os franceses menos, as­ sim como os espanhóis e os portugueses, ainda menos. Na primitiva linguagem (e ainda a notamos entre os Pnovos de cultura mais rudimentar) predominam as com­ parações, as metáforas, as figuras para substituírem a po­ breza dos vocábulos expressos. CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 27 Mas o estilo figurado não se deve apenas a isso, pois a imaginação sempre influiu na formação de imagens, de figuras. A poesia, que reflete na nossa época a linguagem ain­ da hiperbólica primitiva, está cheia de imagens, de figu­ ras de retórica. Com o desenvolvimento da cultura, a língua torna-se mais rica de vocábulos para expressar as ideias, os con­ ceitos que se formam, razão por que diminuem as hipér­ boles, as figuras e as imagens. & * $ Quanto ao estilo, não é fácil prendê-lo entre as defi­ nições. Não há uma que satisfaça além do velho enun­ ciado de que é a maneira peculiar de que se serve cada homem para expressar suas próprias ideias. Não se pode confundir o estilo com as palavras e as ideias emprega­ das por um homem, que as pode usar justas e correctas, apesar de ser vicioso, duro ou frio, frouxo ou afectado o seu estilo. O que em geral se observa é que o estilo de um es­ critor está sempre correlacionado com o seu modo de sen­ tir; por isso é difícil separar o estilo das suas ideias. Observamos, entre os povos, estilos diferentes na lin­ guagem, como também na sua arte. Assim, enquanto os orientais são comumente hiperbólicos e usam figuras for­ tes, os atenienses, por exemplo, eram espirituais e polidos. O europeu de hoje é mais simples, mais direto no seu es­ tilo que os povos asiáticos. Uma das boas características do estilo consiste na clareza. Há escritores que escrevem numa linguagem ininteligível. Acusam-se geralmente esses escritores de procurarem ocultar, atrás de palavras pomposas ou de frases obscuras, a vacuidade de suas ideias, ou de escon­ derem o que não entendem. Se há muito de razão nes­ sas afirmativas, há porém muito de exagero. A ininteli- gibilidade, por exemplo, de um Hegel deve-se à pouca ca­ pacidade intelectiva do comum dos leitores. Por que culpar o autor e não culpar a si mesmo? Jfaturalmente que Hegel não escrevia para o grande pú- 32 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS DEUS "Deus que me infundistes o amor da beleza, da ver­ dade e da justiça; que povoais da vossa presença as mi­ nhas horas de arrependimento, de perdão e de segurança na vossa misericórdia; que, há dezenas de anos me desco­ bris os meus erros, me reergueis dos meus desalentos, me conduzis pelo vosso caminho; dai-me, agora mais do que nunca, o ânimo de não mentir aos meus semelhantes, de me não corromper nos meus interesses, de não temer ameaças, não me irritar de injúrias, não fugir a responsa­ bilidades. Se a mercê da salvação da nossa liberdade e da nossa fortuna, da nossa paz e da nossa honra, postas nas vossas mãos onipotentes, exigir o sacrifício de um em satisfaoão das culpas de todos, não vos detenha, Se­ nhor, a miséria do resto dos meus dias, cansados e inú­ teis. Mas não permitais que as maquinações do egoísmo de alguns prevaleçam ao bem de um povo inteiro, que a barbaria senhoreie de novo a nossa pátria, que os semea­ dores de violências e desunião vejam prosperar outra vez a sua funesta sementeira nas regiões benditas, sobre cujos céus ascendestes a constelação da vossa cruz". * * * O bom estilo é uma conquista da prática, da boa von­ tade do leitor, que pode consegui-lo pelo constante exer­ cício da redação e da palavra cuidada segundo as regras que aconselhamos. Uma das qualidades do bom estilo é a elegância, a harmonia, a boa disposição dos sons, das tónicas. Para conquistar esse domínio, um dos melhores exercícios é a leitura de poesias que nos dão o ritmo, a harmonia da frase. Deve o leitor ler poesias e em voz alta, para que a me­ mória auditiva contribua para fortalecer o que já adqui­ riu pelo estudo. A atenção facilitá-lo-á a guardar de me­ mória e a assenhorear-se da harmonia que tanto embeleza um estilo. Um dos pontos mais importantes da Retórica é a construcção das frases. Em regra geral, considera-se a frase como uma proposição ou como a enunciação com- CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 33 pie ta de um pensamento. As frases podem ser longas ou breves. As frases muito longas, pecando pela extensão, afrontam muitas das regras já estudadas. As frases mais curtas correspondem melhor à respiração. Entretanto uma redação ou um discurso, apenas de frases curtas, acabam por tornar-se desagradáveis. Assim, se há vantagens nas frases curtas, há também desvantagens. E o mesmo se pode aplicar às frases lon­ gas. Um estilo agradável deve combinar ambas as espé­ cies com hábil medida, sem exagerar de mais uma nem outra, dando sempre maior preferência às frases curtas. Costumam os franceses dividir o estilo em periódico e lacónico. No estilo periódico, as frases são compostas de mui­ tos membros ligados entre si e dependentes uns dos ou­ tros, de maneira que o sentido só no fim é completamente conhecido. É a maneira que convém melhor à arte ora­ tória, porque mantém em "suspense" o ouvinte. Vamos dar um exemplo: "Se olhardes à vossa volta com atenção; se vossos olhos se dirigirem para o espetáculo que o mun­ do oferece; se meditardes sobre cada um desses aconte­ cimentos, se pensardes em todos os que sofrem, em todos os que são injustiçados; se vossos pensamentos se demo­ rarem sobre tudo quanto tem sido motivo de revolta e de protesto, compreendereis que as vozes que se levantam contra tudo isso que está aí, têm a seu favor razões que as justificam". Cícero usava constantemente desses períodos. O estilo lacónico, temo-lo nas frases curtas, comple­ tas, independentes umas das outras, que encerram um sentido integral. Ex.: "O homem deve honrar sua própria fé e nunca injuriar a dos outros. Somente deste modo não ofende­ rá ninguém. Quem procede assim fortalece sua fé, e so­ corre a dos outros. Quem assim não procede, debilita a própria fé". Quando o assunto é leve, esse estilo é mais apropria­ do. Mas, com hábil combinação (naturalmente obede- 34 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS cendo ao assunto), o orador pode obter efeitos extraor­ dinários. Quando se deseja descrever uma ação rápida, as fra­ ses curtas são mais impressionantes. Quando se trata de uma descrição tranquila, um período mais longo causa melhor efeito. * » » Para impedir a monotonia, evita-se a uniformidade. Essa regra é definitiva. Já mostramos que a clareza, a precisão, a unidade, a força ou ênfase, a harmonia, são os elementos fundamen­ tais de uma frase. Já estudamos, pAticamente, esses princípios. A cla­ reza nem sempre é fácil. Para consegui-la é preciso do­ minar a ideia e dispor em boa ordem as palavras. Para obter unidade, há uma única regra: é que o sentido ter­ mine exatamente com a frase. Uma frase imperfeita, in­ completa, não tem unidade. A ênfase, ou a força, é obtida com palavras cujo va­ lor corresponda efectivamente à ideia que se deseja ex­ pressar. Devemos evitar as palavras desnecessárias. Va­ mos a um exemplo: Em vez de dizer-se "Estando con­ tente dos favores recebidos", prefira-se dizer: "Contente dos favores recebidos"... Deve-se evitar o excesso da partícula e. Mas há ca­ sos em que ela deve ser usada: é quando se quer fazer alguma enumeração, na qual se deseja que os objectos se destaquem perfeitamente, a fim de que o espírito se de­ more em cada um deles. Vejamos um exemplo: "Um homem parece sucumbir vítima do poder, mas a verdade, e a razão, e a liberdade sucumbiram com êle". Quando se deseja expressar algo que dê a ideia de movimento ve­ loz, deve evitar-se o uso das partículas conjuntivas, usa­ das quando se deseja dar maior lentidão ao pensamento expresso. Exemplos: "Como um só homem, os soldados velozes atiram-se ao assalto, avançam, escalam as defe­ sas, lutam corpo-a-corpo, escarniçados, aos gritos, levan­ do tudo de vencida". Vejamos agora esta passagem de São Paulo: "Estou persuadido que nem a morte, nem a vida, nem os princí­ pios, nem os poderes, nem o presente, nem o futuro, nem CURSO D E ORATÓRIA E RETÓRICA 35 as alturas, nem as profundidades, nem coisa alguma cria­ da poderá nos separar do amor de Deus". Com esse estilo, dá São Paulo peso a cada ideia. Ou­ tra regra importante para dar força a uma frase consiste na colocação das palavras essenciais que devem produzir o maior efeito. São as palavras sobre as quais deve fa- zer-se a atenção, sobre as quais deve ser posta a maior ênfase. Não se pode dizer que palavra deva ser colocada no princípio, no meio ou no fim: depende da natureza da frase. No entanto, quando colocada no fim, ela sempre tem maior força. Vejamos esta frase de Pope: "Assim, sob qualquer aspecto que admiremos Homero, o que nos impressiona, sobretudo, é a sua maravilhosa imaginação". Ou esta de Oscar Wilde: "Para os que não são artistas e para quem não há outra vida que a actual dos factos, a dor é a úni­ ca porta para a perfeição". * * * Outra regra é a ordenação das ideias, o que se chama de clímax. Nessa sucessão deve haver um crescendo. Uma ideia deve ser sucedida por outra mais elevada. Veja-se este poema de Ornar Khayan: "Se quiseres escutar-me, dar-te-eí um conselho: por amor de Deus não vistas a roupa da hipocrisia. A vida futura é a eternidade; este mundo é somente um instante. Não vendas o reino da eternidade por um segundo". Ao estudarmos as figuras de retórica, examinaremos outros exemplos. * * * Outra regra importante é não terminar as frases com advérbios ou preposições ou palavras também de peque­ na importância, salvo quando são elas essenciais. * * * Quando se fazem comparações ou oposições, é neces­ sário conservar semelhança na construção dos membros que pomos em paralelo. Ex.: "Não deves ser a escada do poder; mas o ele­ mento que o limita. Não te chames dominação; mas, na verdade, justiça. Não te entregues ao abuso; mas sim à tolerância". DA HARMONIA — A METÁFORA Na parte da harmonia, vamos estudar o que é mais agradável ao ouvido na construção das frases, quer quan­ do se escreve, quer quando se fala. Todos sabemos da grande influência que a música exerce sobre todos. As­ sim as ideias, revestidas por p ^ v r a s , podem ser harmo­ niosamente expressadas para que formem um som agra­ dável ao ouvido e não ofendam ao espírito. Nas frases em que o som vai sempre num crescendo até o fim e que terminam sempre por uma sílaba longa, temos, então, ênfase. No entanto, se constantemente re­ petida, torna-se monótona pela repetição. Por isso, para manter a atenção do auditório ou do leitor, a variação no estilo é uma das qualidades essen­ ciais para torná-lo harmónico, agradável portanto. A mo­ notonia é o maior defeito de um escritor, e ela se pode evitar pelo cuidado de intercalar frases curtas com fra­ ses longas, fugindo sempre à repetição da mesma cadên­ cia, do mesmo ritmo. Não se deve, porém, deixar ar­ rastar por um verdadeiro furor da harmonia, a ponto de sacrificar o sentido e o fundo das ideias que se desejam expressar. Há autores que, na ansiedade de serem har­ mónicos, tornam-se palavrosos, arredondam o estilo, lan­ çam mão de afectações. O emprego de palavras desnecessárias faz perder muito mais a beleza de uma frase, do que lhe dá harmo­ nia. Evitá-las, portanto, é conveniente. Encontrar o tom que reproduza ou imite o movimen­ to do que se expressa é uma das maiores belezas de um estilo. Desde que se evite a monotonia, o tom de uma oração dá-lhe uma grandeza extraordinária. Nenhum orador sacro iria fazer um sermão, usando da linguagem popular. O tom de um sermão é típico em CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 37 seu todo, mas deve variar em suas partes, para que êle seja ouvido com agrado. Assim quem elogia não pode usar o mesmo tom de quem acusa. Vejam-se as tradu­ ções da Bíblia. Todas elas procuram adaptar-se à cadên­ cia do original, à gravidade, à solenidade, ao majestoso que exigem sílabas longas e palavras que as contenham para terminarem os períodos. "No princípio, criou Deus o céu e a terra". Se disséssemos: "Deus criou o céu e a terra no principio", perder-se-ia toda a solenidade. Nos salmos observa-se a mesma majestosa nobreza do estilo. Esse estilo se usa nos panegíricos, nas inscri­ ções para monumentos. Uma escolha conveniente de pa­ lavras pode produzir um som ou uma série de sons que tenham alguma analogia com o que se deseja expressar, como o rumor das ondas, o uivo do vento, o murmúrio dos regatos, a cadência da música, os sinos das igrejas, como num poema de Scheller. São sons que represen­ tam sons. Um poeta que usa palavras com vogais suaves, fáceis, fluentes pode expressar sons mais suaves e mais agradáveis. Para expressar sons duros, usam-se sons du­ ros. Em todos os idiomas há desses sons imitativos e o nosso também é rico deles. Vejam-se palavras como sus­ surro, murmurar, silvo, silêncio, etc. São palavras que encerram em si os sons do que desejam expressar. Para expressar o movimento dos cavalos no campo, Virgílio fêz este verso: Quadrupedante putrem sonitu quantitungula campum Nas sílabas sublinhadas caem os acentos tónicos. Vejam este exemplo: "A farândula dos pretos, de sa­ rabanda em bamboleios de perna bamba, no resmungo sem fim do bumbo ou do urucungo, ao arrasta-pé gros­ seiro e fúnebre do samba que retumba na noite lúgubre que descamba" (Cassiano Ricardo). As sensações vivas e rápidas exigem uma expressão mais animada. Os assuntos melancólicos e sombrios ex- pressam-se por palavras lentas e medidas lentas. É a linguagem figurada um dos elementos mais im­ portantes para o embelezamento do estilo. Considera-se em geral a figura o oposto à simplicidade. A ideia, que FIGURAS DA RETÓRICA Os retóricos dão o nome de figuras a certas formas de falar que emprestam mais força, mais vivacidade, mais nobreza ou mais graça ao pensamento e ao sentimento. Assim como dizemos que as coisas mudam de figura, quando mudam seus aspectos, também há modificações particulares das palavras construídas que lhe dão outra conformação particular, e que são chamadas de figuras de retórica. Essas figuras não foram construídas pelos retóricos; eles apenas as tornaram de uso comum, e as estudaram. São produções naturais do espírito humano. Essas figuras são empregadas constantemente na linguagem co­ mum de cada um de nós. Muitas delas nasceram da in­ digência da língua ou do vocabulário; outras são produ­ tos das paixões, das emoções, da imaginação, da delicade­ za, da elegância do espírito. Não são apenas os escrito­ res e os oradores que usam dessas figuras. Um homem simples do povo usa-as mais numerosamente, às vezes, do que um escritor. Vamos transcrever a seguir, uma pá­ gina de Marmontel, que nos relata as palavras de um ho­ mem do povo, encolerizado com a esposa, nas quais o escritor francês assinalou as diversas figuras usadas: "Se eu digo sim, ela diz não; de manhã até à noite, de noite até à manhã, ela resmunga (antítese). Nunca tenho repouso com ela (repetição). É uma fúria, um de­ mónio (hipérbole). Mas, desgraçada, disse eu então (apóstrofe): que te fiz? (interrogação), ó céus! que lou­ cura a minha a de casar contigo! (exclamação). Por que não te afoguei? (optacão). Eu não te reprovo o que me custas, nem os aborrecimentos que me dás em te aturar (preterição); mas, eu te peço, eu te conjuro, deixa-me tra­ balhar em paz (obsecração), ou senão eu morro se . . . cui- da-te de me levar ao extremo (imprecação e reticências). Ela chora, a boazinha! Querem ver que sou eu que pro- CURSO D E ORATÓRIA E RETÓRICA 43 cedo mal? (ironia). Está certo; vá lá que seja assim. Sim, sou muito condescendente, muito sensível (concessão). Preferiria cem vezes que fosses feia. Amaldiçoei, detes­ tei esses olhos pérfidos, esse aspecto enganador, falso, que me enfeitiçou (asteísmo). Nossos filhos, nossos amigos, nossos vizinhos, todos vêem que somos um mau casal (enumeração). Eles ouvem os teus gritos, tuas queixas, as injúrias que me lanças, o teu rosto transtornado, os teus cabelos desgrenhados, me perseguir, me ameaçar (descrição). Eles falam com espanto; vem a vizinha, contas-lhe tudo; quem passa ouve, e vai repetir para to­ dos o que sucede (hypotipose). Vão acreditar que eu sou um malvado, um brutal, que te deixo em falta de tudo, que te bato, que te martirizo (gradação). Não é assim: eles sabem muito bem que eu te amo, que tenho bom coração, que desejo apenas te ver tranquila e con­ tente (correção). Vamos, o mundo não é injusto. Ah! Tua mãe me havia dito tanto que tu te assemelhavas a ela. Que diz ela? Pois não vê o que se passa? Sim, es­ pero que ela me escute, e sei que ela te reprova por me tornares tão infeliz. "Ah! meu pobre genro, diz ela, tu merecias melhor sorte" (prosopopéia)". Na verdade, os retóricos nada inventaram. Nem Cícero, nem Quintiliano, nem Aristóteles, nem Demóste­ nes, nada criaram que não o tivesse criado o povo em sua linguagem. O abuso, no entanto, das figuras de retórica foi que levou à desmoralização a oratória condoreira, re­ buscada, que hoje, felizmente, está banida, ressurgindo, apenas, em alguns demagogos ou literatos pedantes. Há duas espécies de figuras: a) figuras de pensamen­ tos; e b) figuras de palavras. Vamos examiná-las: as pri­ meiras têm sua consistência no pensamento e a disposi­ ção das palavras pode variar, sem prejudicar o sentido, enquanto as segundas dependem da colocação das pala­ vras, que ao serem mudadas, fazem desaparecer a figura. Têm essas duas famílias de figuras diversas varie­ dades. As figuras de pensamento podem ser divididas em três classes: a) figuras mais convenientes para a prova; b) figuras próprias às paixões; c) figuras de ornamento. 44 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS FIGURAS MAIS CONVENIENTES À PROVA Distribuição. — Para desenvolver uma ideia, dividi­ mo-la em diversas partes, que se encadeiam e se comple­ tam. Eis o que é a distribuição. Vejamos este exemplo de Massilon: "São os grandes frequentemente atacados por três temíveis inimigos: o prazer, a adulação e a am­ bição. O prazer começa por lhes corromper o coração; a adulação firma-os no engano, e lhes tolhe todos os ca­ minhos da verdade; a ambição aumenta a cegueira, e aca­ ba por cavar o precipício". Enumeração das partes. — Consiste essa figura na exposição das ideias particulares, encerradas numa ideia geral, na análise das diferentes partes de um todo, na dis­ criminação das circunstâncias de um facto. Acumulação (também chamado atroísmo ou sinatro- ísmo). — É a reunião de um grande número de pormeno­ res que desenvolvem a ideia principal numa mesma frase. Conglobação. — Enumeração rápida e cerrada das partes dè um objecto ou das consequências de um fato. Esse encadeamento, ao ligar as ideias, dá o efeito de soli­ dez e de consistência. Recapitulação. — É a repetição curta e sumária das principais partes do discurso. Pode ser feita ao recordar as razões que alegamos ou comparando-as às do adversá­ rio, cujo paralelo pode servir para melhor mostrar as fraquezas dos seus argumentos. Paradiástole. — É a distinção que se faz entre ideias análogas e vizinhas, a fim de impedir que sua semelhan­ ça engendre confusão. Comparação. — Essa é uma figura importante para a prova, porque permite, quando se estabelece uma rela­ ção entre duas ideias, uma conclusão do mais ao menos, ou do menos ao mais, ou do igual ao igual. Vejamos es­ te exemplo de São Paulo: "Se Deus não poupou seu pró­ prio filho, e se o levou à morte em nosso benefício, por que não nos daria êle todas as coisas?" Preterição (também conhecida por pretermissão ou paralipse). — Com esta figura, finge-se omitir ou negli- CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 45 genciar precisamente o objecto sobre o qual se deseja fi­ xar a atenção, aproveitando-se para agrupar as provas de uma causa, as circunstâncias de um fato, etc. Ex.: "Não vos contarei o quadro das ruas, nem o sangue derramado, os filhos assassinados ao lado do corpo dos pais, irmãos com irmãs, os filhos mortos nos braços descarnados das mães famintas". Concessão. — Consiste essa figura em conceder algu­ ma coisa ao adversário, para daí tirar proveito contra êle. Vejamos este argumento de Bossuet: "Desejo reconhecer nele o que um autor célebre disse de César: que êle foi clemente até ser obrigado a arrepender-se. Outro não é o ilustre defeito de Charles, como o de César, etc.". Epítrope. — Espécie de figura, pela qual concedemos alguma coisa, que podemos negar, a fim de obrigarmos a escutar-nos melhor quem pretendemos persuadir. Permissão. — É a figura pela qual fingimos permitir o que não desejamos, ou pedir até o que sabemos não ser próprio obter. Ex.: "Vamos, deixa-te levar pelo furor, junta mais um crime aos teus crimes, mais uma vítima às tuas vítimas, e não te detenhas no despenhadeiro de tuas desgraças..." Licença. — É a permissão que nos damos, para falar sem rebuços, àquele a quem queremos ofender. Ex.: Respondo-lhe com franqueza, porque não sei esconder a verdade... etc. Ocupação (também Antecipação ou prolepse). — Consiste essa figura em prevenir uma objeção, fazendo-a a si mesma e respondendo-a. Por esse meio, o orador ocupa o lugar do seu adversário ou de seus juízes. Cíce­ ro, quando defendeu Roscius, era ainda jovem, e, receo­ so de que sua idade o prejudicasse, empregou estas pala­ vras: "Sinto qual deve ser vosso espanto ao ter eu a ousadia de erguer minha fraca voz ante esta augusta as­ sembleia, onde vejo tudo quanto Roma tem de oradores brilhantes, cuja eloquência é sustentada pela força da idade e do génio". Também se usa essa figura pela for­ ma de apresentar as objeções na forma de perguntas. Comunicação. — Consiste esta figura em tomar os ouvintes por juízes, a fim de obter-lhes a benevolência. V 46 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS Ela dá força ao orador, por parecer que êle está confian­ te no seu direito. Correção (também Espanortose). — É uma retrata­ ção ou explicação do que se disse. São muito usadas pelos oradores de púlpito. Um exemplo de Bossuet: "Tu­ do é vão em nós, exceto a sincera confissão que fazemos perante Deus de nossa vaidade. Mas, que digo eu? A vaidade! O homem, que Deus fêz à sua imagem, é mais que uma sombra? O que veio Jesus procurar do céu na terra, não é apenas um nada? Reconheçamos nosso er­ r o . . . Não é permitido ao homem desprezar-se a si mes­ mo inteiramente, de modo que acreditando, com os ím­ pios, que nossa vida não é mais que um jogo em que ten­ ta o azar, não segue sem regra e sem conduta ao sabor de seus cegos desejos?" (1). FIGURAS DE ORNAMENTO Exclamação. — Quase todos os discursos apaixona­ dos estão cheios de exclamações. São movimentos de surpresa, indignação, espanto, admiração, alegria, etc, nos quais o orador eleva a voz por meio de interjeições. Epifonema. — Espécie de exclamação sentenciosa ao terminar uma oração ou a exposição de um fato. Interrogação. — Emprego do tom interrogativo, não para marcar uma dúvida, mas para marcar um movimen­ to da alma, para convencer e confundir aqueles a quem nos dirigimos. Tem a interrogação grande propriedade para expressar a veemência das paixões e dos sentimentos quando são elas acumuladas: Ex.: "Não vemos que os homens perdem sua dignidade? Não vemos que se avil­ tam? Não vemos que esquecem seus ideais?" Apóstrofe. — Por meio dessa figura, nós nos desvia­ mos do assunto, que tratamos, para dirigir a palavra, quer (1) Em «Técnica do Discurso Moderno», apresentamos a justa aplicação das figuras ao discurso, o que complementa o plano desta obra. Conselho ao leitor: — Construa, à semelhança, figuras diversas para adquirir o hábito de proferi-las, sem grande esforço. De início convém escrevê-las. CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 47 aos deuses, aos vivos ou aos mortos, quer aos seres ina­ nimados ou alegóricos. Ex.: "Nunca se enxovalhou tanto o homem, como nesses dias de opressão em que a digni­ dade humana foi espezinhada pela ditadura, ó liberda­ de, onde estão os teus filhos diletos?" Prosopopéia. — É essa uma das mais belas e mais im­ portantes figuras. Consiste em dar vida e palavra às coi­ sas inanimadas, aos seres abstractos, aos ausentes, aos mortos. Ex.: "ó noite, que notícias me trazes do meu amor? Vem apaziguar as minhas mágoas, ó minha fiel companheira!" O abuso dessa figura pode levar o orador ao ridículo. Imprecação. — É uma maldição ditada pela raiva ou pelo desespero. Ex.: "Cidade vil, cloaca de todas as misérias humanas!" Cominação. — É a imprecação, quando há ameaça de males inevitáveis e próximos. Ex.: "Raça maldita, tua destruição é próxima!" Deprecação ou Obsecração. — Consiste essa figura em suplicar a alguém uma graça que se deseja obter. "Dá-me a ternura dos teus olhos, o bálsamo das tuas pa­ lavras amorosas..." Reticência. — Interrupção brusca do discurso, que dá mais força ao que se desejaria dizer, dando a impressão que se cala. É usada nos movimentos de cólera. Ex.: "Eu devia, ante tuas injustiças, t e . . . Mas prefiro espe­ rar". Pode também servir para deixar transparecer uma suspeita: Ex.: "Nada mais indigno que um traidor. E, entre nós, um. . . é melhor não prosseguir". Suspensão. — Por essa figura se mantém o auditório em suspenso e se lhe faz esquecer alguma coisa de extra­ ordinário. Ex.: "Não lhe disse tudo quanto cabia dizer. Ao vê-la, meu primeiro impulso foi atirar-lhe ao rosto a verdade!" Dubitação. — Dá-nos essa figura a impressão das agi­ tações, das incertezas da paixão. Ex.: "Vai, dize-lhe que a amo, que morro de amor.. . Não, não lhe digas nada. É preferível calar. Ela não saiba nunca que a angústia me aniquila". II 52 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS figuras de gramática, também chamadas figuras de construção, porque deixando às palavras o seu sentido e a sua forma, elas alteram a construção gramatical; figuras de dicção, as que se yeferem ao emprego da palavra, sem modificar o seu sentido, nem alterar a cons­ trução. TROPOS Metáfora. — É a metáfora o tipo do género das figu­ ras de palavras. Consiste no transportar uma palavra de seu sentido próprio para outro sentido que lhe é apli­ cado por comparação. Por ex., se dissermos: "As ciên­ cias são semelhantes à luz que dissipa as trevas", temos uma comparação e não uma metáfora. Mas, se falar­ mos: "As ciências dissipam as trevas da ignorância", a comparação subentendida e a palavra ciências, transpor­ tada de sua significação própria para a significação de luz, dão-nos uma metáfora. Vemos muitas metáforas no em­ prego dos adjectivos, verbos, advérbios e substantivos. Exs.: "Uma palavra clara"; "ardendo de cólera"; "chama de paixão"; "aguilhão do desejo". Alegorias. — Alegoria, partindo da comparação, é uma metáfora continuada, de tal forma, que o sentido próprio oculta o sentido figurado. Consiste a alegoria em substituir o verdadeiro objecto de que se quer falar por um objecto diferente, mas semelhante em muitos as­ pectos, permitindo que se descubra a inteção. É preci­ so distinguir a alegoria da parábola e também do apólogo. O apólogo tem o seu sentido oculto em todo o seu corpo, enquanto a alegoria é uma aplicação da verdade que ela pinta ou embeleza. Por ex.: referindo-se à república, dis­ se Horácio: "õ nave flutuante, percorre de novo os ma­ res". ! Catacrese. — É o emprego de um termo impróprio quando há ausência, na língua, do termo próprio. Por ex.: folha de papel; folha de ouro. A palavra folha, que conceitua uma das partes dos vegetais, é usada para significar o que não tem na língua, termo próprio. CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 53 Metonímia. — Consiste essa figura em designar a causa pelo efeito. Por ex.: Baco pelo vinho, a Coroa pelo reinado. Também se usa para designar o físico pelo mo­ ral: um homem de coração, um homem de cabeça, u'a má língua. Sinédoque. — É uma espécie de metonímia que toma o menos pelo mais ou o mais pelo menos. Consiste em designar o género pela espécie, ou a espécie pelo género. Por ex.: os mortais pelos homens. Ou então, ainda, o to­ do pela parte ou a parte pelo todo. Por ex.: Cem velas por cem navios. Ou então a matéria que é dela feita. Por ex.: o ferro pela espada. Metalepse (ou Transposição). — Esta figura expres­ sa o que se segue para dar a entender o que precede, ou o que precede para dar a entender o que segue. Isto é, tomar o antecedente pelo consequente, ou reciprocamen­ te. Por ex.: nós o choramos, para significar que êle mor­ reu. Autonomásia. — É o emprego de um nome comum por um nome próprio, ou de um nome próprio por um nome comum. Por ex.: o Orador, por Cícero; Creso, por um homem rico; Mecenas, por um protetor das letras. FIGURAS DE GRAMÁTICA OU DE CONSTRUÇÃO Elipse. — É a supressão de uma ou de diversas pala­ vras necessárias para a construção da frase, mas cuja omissão não prejudica o sentido. Muito usada nas lín­ guas antigas e também no estilo familiar. Ex.: "Se eu te amasse, inconstante, ter-te-ia feito fiel?" Anacoluto. — É usado como sinónimo de elipse, e designa uma construção de frase irregular, incoerente. Ex.: "Vós, que ateastes a guerra, o sangue derramado cai­ rá sobre vossas cabeças". Pleonasmo. — Consiste no emprego de palavras su­ pérfluas na aparência ou não, que servem para dar força ao pensamento. Por ex.: ambos os dois; eu vi, com os meus olhos tudo quanto vi. 54 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS Anástrofe. — Consiste em inverter a ordem natural das palavras correlativas. "De ira cheio", por "cheio de ira". Hipérbato. — É uma espécie de inversão que trans­ põem as expressões ao pensamento. Ex.: "Na manhã, ela florescia com aquelas graças, vós o sabeis". Em ge­ ral, considera-se o parêntese como uma espécie de hipér­ bato, quando forma um sentido à parte. Hipálage. — Figura pela qual atribuímos a certas pa­ lavras o que pertence a outras. Ex.: Iam obscuras pelas trevas da noite. Enálage. — Figura que consiste em mudar os modos ou os tempos de um verbo. É frequente usar-se nas narrativas para torná-las mais vivas, adotando por exem­ plo o presente em vez do passado: "A fera avançava na minha direção. Ponho-me de pé, de arma em riste. . ." Silepse (Compreensão). — Figura pela qual uma pa­ lavra é empregada no sentido próprio e no figurado. Ex.: "A força da lei é a lei da força..." FIGURAS DE DICÇÃO Repetição. — Destina-se a tornar a frase mais enér­ gica e consiste em usar-se mais de uma vez uma palavra ou palavras. Por ex.: "Rompei, rompei tudo quanto vos liga ao mal". Anáfora. — É a repetição de uma ou de diversas pa­ lavras no começo de diversos membros de um período. Ex.: "Tu, valente, tu, que tantas vicissitudes conhecestes, tu, que em tantas batalhas pelejaste". Antístrofe. — Ao inverso da anáfora, consiste na re­ petição, de uma ou diversas palavras, no fim de diversos membros de um período. Ex.: "Todo o universo está cheio do espírito do mundo: julga-se, segundo o espírito do mundo; procede-se ou governa-se, segundo o espírito do mundo". Anadiplose. — É a repetição da palavra final, de um verso no começo do verso seguinte. Ex.: "Esse homem que foi César, César imperador... CURSO D E ORATÓRIA E RETÓRICA 55 Conjunção. — Repetição das partículas conjuntivas, que multiplicam, por assim dizer, os objectos e a impres­ são produzida. Ex.: "E mataram as crianças e os velhos, e a irmã e o irmão, e a filha e a mãe". Disjunção. — Retirada das partículas conjuntivas, o que dá rapidez ao estilo e leva a ver melhor os objectos. Tal, por ex.: o famoso: "Vim, vi, venci". Outro ex.: "Eles avançavam, combatiam, feriam, morriam juntos". Antanaclase. — É a repetição, numa frase, de uma mesma palavra tomada em acepções diversas. Assim: "O tolo é sempre tolo". Êle quer me fazer ver o que não posso ver". Poliptote. — Emprego num período de uma palavra sob diversas formas gramaticais. Ex.: "Não vemos mais um coração em que vejamos sentimentos bons". Paréquese. — Repetição frequente de uma mesma sílaba. Ex.: "Uma manhã maravilhosa". Devemos evi­ tá-la o mais possível, salvo quando oferece relevo à frase. Homeoptote. — Repetição da mesma terminação em palavras próximas. Ex.: Fremente e ingente esforço. Também deve evitar-se. Paranomásia. — Aproximação de palavras de sons quase semelhantes. Ex.: Cresça e apareça. Onomatopéia. — Formação de uma palavra de som imitativo ao da coisa que ela significa. Por ex.: Bem- -te-vi. * * * Conselhos práticos: Depois do estudo das diversas figuras de retórica, aconselhamos o leitor a reler esta parte e construir, por si mesmo, frases e períodos que as contenham. Aconselhamos a ler o trecho de um livro e salientar, como o fizemos no exemplo dado no início, as diversas figuras que encontrar. O bom conhecimento e o domínio das figuras são d* grande utilidade para quem discursa, pois o uso modera- 56 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS do e inteligente das mesmas dá grande vida e beleza à oração. Fundados nos exemplos aqui oferecidos, faça o leitor exercícios da discursos usando as diversas figuras, para, a pouco e pouco, dominá-las, segundo os temas que tiver de tratar, mantendo sempre o máximo cuidado de usa­ das com propriedade. Numa oração fúnebre, figuras como comparação, ex­ clamação, epifonema, prosopopéia, são de ótimo efeito. Num casamento ou aniversário, gradação, compara­ ção, metáfora. Num discurso político, segundo sua orientação, de­ vem ser escolhidas as figuras habilmente. A oratória moderna é mais sóbria e franca, e as figu­ ras precisam ser empregadas, parcimoniosamente, sobre­ tudo as de maior efeito (1). (1) Em «Técnica do Discurso Moderno», estudamos a aplica­ ção prática dessas figuras ao discurso. Não deve o leitor preocupar- -se, se não puder guardar de memória o nome de cada figura. O importante é o exercício da sua construção. A ARTE DE REDIGIR A ordem natural do pensamento humano pode ser observada sob dois aspectos gerais: a) indutiva — quando o pensamento parte do singu­ lar, para o particular e daí para o geral; b) deductiva — quando parte do geral para o par­ ticular e deste para o singular. Vejamos exemplos esclarecedores: a) na observação de um fato qualquer, portanto sin­ gular, como este objecto que está sobre a mesa, que é ver­ melho, retangular, reconheço que se trata de um livro. Tenho aí quatro conceitos: objecto, vermelho, retangular e livro. Não é o único objecto que se dá, nem o único que é vermelho, retangular e livro. Há ainda outros, e entre esses há vermelhos, retangulares aos quais chama­ mos livros. Desta forma esses quatro termos denominam uma série de fatos que se assemelham, aos quais damos esses nomes gerais (termos), que expressam conceitos. Por­ tanto, em todo conhecimento do singular, há a presença de ideias gerais. A intuição sensível é acompanhada de uma intuição intelectiva. A presença deste livro implica a presença, a aceitação da existência de outros livros, sobre os quais, neste momento, penso em sua generalidade e que me associam muitas outras ideias. Partindo deste livro, fui levado a pensar nos livros em geral, em editores, livrei­ ros, escritores, sobre a qualidade dos livros, preços, uti­ lidade, etc. Parto de um pensamento singular para uma série de pensamentos gerais. Desta forma, o pensamen­ to parte do singular para o geral; e muitos escritores, ao escreverem, partem de um facto para atingirem conclu­ sões gerais, pensamentos gerais que muitas vezes, não es* tavam previamente delineados na mente. 62 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS posição de que podemos adquirir uma série de qualida­ des que nos tornem capazes de transmitir o que senti­ mos de modo a ser compreendido e vivido pelos outros. Vamos ver o que devemos fazer para atingir tais fins. O hábito dirigido: — É o hábito um dos temas mais controvertidos e mais interessantes que pertencem â Psicologia. Não iremos analisá-lo aqui, mas apenas sob o aspecto que nos interessa. Assim como adquirimos hábitos quase inconsciente­ mente, também podemos dirigi-los para que se nos tor­ nem úteis. Quem deseja transmitir bem suas ideias precisa mu- nir-se de bons livros, de bons autores, livros bem escri­ tos, e lê-los cuidadosamente, para apreender as formas mais inteligentes da expressão das ideias. O constante emprego da leitura, não feita como mero passatempo, mas com um ensino prático, como um desenvolvimento de nosso espírito, dá-nos o hábito da boa leitura e das expressões mais inteligentes do homem, aprimorando as nossas qualidades expressivas. Mas não basta ler, é pre­ ciso escrever também. E os primeiros exercícios consistirão em tecer rápi­ dos comentários sobre o que lemos. Dizer o que pensa­ mos, o que sentimos, o que nos sugere a leitura de um livro. Tais leituras, acompanhadas de comentários escritos, mesmo usando-os muitas vezes das próprias palavras do escritor, vão-nos habituando à pronta ligação das palavras às ideias. Os exercícios expostos mais adiante acompanharão esse trabalho de domínio do pensamento e da direção do mesmo, revestindo-o das palavras apropriadas. Posteriormente a esse exercício, outro que se impõe é o de escrevermos alguma coisa sobre um tema de nossa predileção. Estamos agora em face de um dos aspectos mais importantes do estudo: o da predileção. Os seres humanos são diferentes e diferenciados. Uns gostam disto, outros daquilo; uns têm predileção por isto, outros por aquilo. Essas predileções revelam os temperamentos humanos que são os mais variados. Por CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 63 isso, os homens são classificados pelos psicólogos, segun­ do diversos tipos de predileção, as quais são variadas e complexas e não as exporemos aqui, porque seria afas- tarmo-nos do âmbito do curso e penetrar no terreno da psicologia e da filosofia. No entanto, cada um facilmente pode observar-se, verificar quais as suas predileções. O que gostaria eu de escrever? Esta é a primeira pergunta que deveria fazer o lei­ tor a si mesmo. Digamos que a resposta fosse: gostaria de escrever sobre política, ou sobre economia, ou sobre esporte, ou sobre cinema, ou teatro, ou descrever um cre­ púsculo, um amanhecer, uma cena de rua, ou uma luta entre animais, ou descrever um campo, uma viagem, etc. Poderá ter disposições para os mais diversos assun­ to. Pois os escolha, e sobre esses faça o leitor uma se­ gunda seleção. Finalmente, há de sobrar um ou dois que se impõem com maior intensidade. Pois é sobre esse assunto escolhido que deverão ver­ sar seus primeiros exercícios, porque sempre fazemos melhor o que sentimos mais de nossa predileção. Não pretendemos aconselhar o leitor a permanecer nesse terreno, mas, apenas, permitir-lhe que se habitue a fazer bem o que lhe é mais fácil fazer. O constante exer­ cício, nesse terreno escolhido, logo o levará a procurar outros, porque é da natureza humana o desejar alargar seu campo de ação. Então, novos campos serão descor­ tinados, mas já irá o leitor munido de um desejo veemen­ te de neles penetrar, e novas predileções surgirão. O ter ideias. — Muitos, ao examinarem a si mesmos, verificarão com bastante desconforto que são parcos de ideias, que lhes faltam temas, que é muito pouco o que têm para dizer. E como ter ideias? Para se formar um bom cabedal, são necessárias algu­ mas providências indispensáveis. Há necessidade de for­ mação de uma boa cultura para que ela germine, para que ela dê frutos aproveitáveis. Aconselhamos para tal: 1.°) uma base de humanidade; 2.°) a leitura de obras escolhidas. 64 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS Essas obras devem ser livros que espelhem a sabe­ doria humana, tais como "Pensamentos" de Pascal, "Tau- -te King" de Lau Tseu, "Os pensamentos" de Vauverna- gues, "Aforismos" de Lichtenberg, o "Manual" de Epicte- to, os "Caracteres" de La Bruyère, os livros aforísticos de Nietzsche, como "Aurora", "Além do Bem e do Mal", "Gaya Scientia", "Humano, demasiado Humano", os pen­ samentos de Marco Aurélio, La Baunelle, Joubert, o "Ban­ quete dos Sete Sábios" de Plutarco, o "Livro da Sabedo­ ria" de Salomão, a Bíblia, os poemas chineses da "Flau­ ta de Jade", livros da sabedoria hindu, em geral, etc. Essas obras nos dão pensamentos, aforismos, senten­ ças que sintetizam os pontos mais altos da sabedoria hu­ mana. Enriquecem-nos de muitas ideias morais, políti­ cas, filosóficas, sociais. São as sementes da cultura, por­ que nos dão, condensadamente, tudo quanto de maior criou o pensamento humano. Para maior fundamento da cultura, o estudo da filo­ sofia é imprescindível. Como a filosofia congrega em seu âmbito o mais puro e o mais alto da sabedoria hu­ mana, ela não só nos dá o conhecimento desse saber maior, como nos dá também o método de estudo, e dis­ ciplina o pensamento pelo uso constante do raciocínio dialéctico bem organizado. De posse de livros como tais, o leitor emprega, então, nosso método de análise e de sín­ tese dos pensamentos, fazendo assim constantes exercí­ cios práticos que lhe darão um enriquecimento da cul­ tura sempre crescente. E verá o leitor que logo às pri­ meiras leituras e aos primeiros exercícios associar-se-ão ideias novas e que êle mesmo criará novas modalidades para essas manifestações, assim como invadirá novos terrenos e crirá maneiras próprias, pessoais, de expres­ sá-las. Aconselhamos mais: fazer sínteses em folhas, à parte dos pensamentos que leu e que mais o impressionaram. E, sobretudo, ter coragem de pensar por si mesmo. Nós, brasileiros, por um vício de educação que deve­ mos ao grande contingente europeu, somos tímidos para o pensamento, somos colonialistas passivos. Julgamos que só a Europa pode pensar, só ela pode criar. Tive­ mos a coragem de superar a Europa, de criar uma técni­ ca, uma arquitetura nossa, de avançar na ciência, na psi- CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 65 cologia, em vários pontos; no entanto, somos tímidos para manifestar o nosso pensamento. No terreno da filosofia e da sabedoria, da arte tam­ bém, preferimos quase sempre permanecer dependentes da cultura europeia. Tememos criar e, por isso, não cria­ mos. Não construímos nada nesse terreno, porque nunca nos dispusemos a criar alguma coisa, porque previamente já nos colocamos numa posição de vencidos, de meros discípulos que recomendam muito mal os seus mestres, porque são discípulos que não querem nunca superá-los. Pois tenha o leitor uma vontade. Faça de si essa grande revolução de pensar por sua própria cabeça, de tentar invadir terrenos novos como outros já invadiram, de di­ zer alguma coisa de pessoal também, de fazer ouvir a sua voz. Sem essa grande vitória interior não poderá reali­ zar a sua superação, a qual deve ser a meta de todos nós. Não temer julgar os trabalhos dos autores famosos do velho mundo. Não formam eles uma raça superior, de verdadeiros deuses. Se somos mais fracos, é porque nunca tivemos a vontade bastante de vencer a nossa timi­ dez e tentar fazer alguma coisa por nós mesmos. Todos nós conhecemos inúmeros operários que sem­ pre ficaram subsidiários ao que lhes ensinavam os técni­ cos de além-mar. Mas há ocasiões em que o caboclo bra­ sileiro se vê obrigado a criar, e então cria. Há exemplos extraordinários, inventos grandiosos de brasileiros. Por que não faremos o mesmo no terreno da sabedoria? Experimente em si mesmo o leitor esse salto quali­ tativo. Não tema o renome que ostenta a Europa. Lem- bre-se que os europeus também foram como nós, e me­ nos que nós. Lembre-se que a cultura europeia foi, du­ rante muito tempo, apenas herdeira da cultura grega e da cultura asiática. E como ninguém aprende a guiar um automóvel sem que tome da direção, também não começaremos a pensar por nós mesmos, enquanto não começarmos a pensar por nós mesmos. A nossa liberdade criadora começará no preciso momento em que formos capazes de usá-la. * * * Damos a seguir, sinteticamente, os diversos requisi­ tos indispensáveis para bem redigir. São regras impres- 66 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS cindíveis, pois a sua não obediência impede a expressão do pensamento. Vamos estudá-las: l.a) A unidade da composição que expressa um pen­ samento completo é a sentença. Pode ser composta de uma só palavra, como por exemplo chove, ou de um con­ junto de palavras coordenadas, com sentido formado, constituindo uma frase, ou também de um conjunto de frases. Assim "Choveu todo o dia", ou, então, "Choveu todo o dia, alagando os campos completamente". Que se conclui? Que deve haver um sentido forman­ do um todo completo. Desta forma, desde que o sentido esteja completo, tudo quanto é desnecessário deve ser evitado. A sentença deve ser correta, quanto à parte gramati­ cal e expressiva quanto à exposição do pensamento. Ofende a unidade do pensamento o emprego simul­ tâneo de mais de uma sentença num período. Ex.: "A chuva cai sobre a cidade, resolvemos ir ao cinema". E sim: "A chuva cai sobre a cidade. Resolvemos ir ao ci­ nema". Cada período deve conter um pensamento e apenas o pensamento. Exercício: — O melhor exercício, neste ponto, é a lei­ tura de bons autores, prestando-se a maior atenção à for­ mação das frases. Os trechos devem ser lidos em voz alta, fazendo as pausas menores nas sílabas, com aumen­ to de tom de voz e as pausas maiores nos pontos, com a queda do tom, o que é peculiar à nossa forma de falar. 2.a) A conexão das ideias — a ligação lógica, a sua idealidade, como a chamam os filósofos — é imprescin­ dível para a boa inteligência do que se quer expressar por escrito. A clareza e a conexão, de que já tanto te­ mos falado, devem sempre estar presentes em toda frase escrita. 3.a) A ênfase da expressão depende da colocação da ideia principal. Quando desejamos chamar a atenção para o que vamos dizer, a ideia principal não deve vir à frente. Digamos que alguém quer expressar o seguinte: "É um desrespeito à personalidade alheia ofender-lhe os CURSO D E ORATÓRIA E RETÓRICA 67 direitos, abusar da boa vontade dos outros". Se essa ideia fôr expressa assim: "Abusar da boa vontade dos ou­ tros, ofender-lhe os direitos, é um desrespeito à persona­ lidade alheia", a atenção é aumentada, por ficar suspensa a ideia principal. No estudo das figuras, examinamos a ênfase. Estas mesmas regras podem ser aplicadas ao pará­ grafo que é sempre composto de várias sentenças, for­ mando elas um todo. Assim, por exemplo, este parágrafo de Rui: "Enquanto Deus nos dê um resto de alento, não há que desesperar da sorte do bem. A injustiça pode irri- tar-se porque é precária. A verdade não se impacienta, porque é eterna. Quando praticamos uma ação boa, não sabemos se é para hoje ou para quando. O caso é que os seus frutos podem ser tardios, mas são certos. Uns plantam a semente da couve para o prato de amanhã, outros a semente do carvalho para o abrigo ao futuro. Aqueles cavam para si mesmos. Estes lavram para o seu país, para a felicidade dos seus descendentes, para o benefício do género humano". As sentenças que compõem o parágrafo devem ser conexionadas entre si, formando deste modo um todo. A coerência é a principal qualidade que, aliada à sobrie­ dade, à linguagem clara, torna o parágrafo perfeito. Para obter-se a ênfase, deve-se pôr a ideia principal ao fim e não no princípio, como já vimos. As frases não devem ser curtas demais nem longas demais. Mas deve predominar uma boa combinação ou um bom meio termo. Quanto à ordem, não deve usar-se apenas a direta, que é mais comum à linguagem quoti­ diana. Deve-se revezar, ora uma, ora outra. Ex.: de or­ dem direta e de ordem indireta: "O livro que está sobre a mesa" (ordem direta). "Sobre a mesa está um livro" (ordem indireta). Na primeira, o sujeito está em primei­ ro lugar, depois o verbo e, finalmente, os advérbios. Na segunda, a ordem é invertida de várias maneiras. 72 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS Um dos cuidados que se deve ter, inicialmente, na linguagem, é o de não ferir a concordância do género e do número. É frequente na linguagem comum emprega- rem-se frases como esta: "me dá dois café" ou: "a casa foi destruído pelo fogo". Tais defeitos devem ser evita­ dos. Para tal, convém falar mais lentamente e prestar a máxima atenção às palavras. Quando se conversar com outras pessoas, que cometem desses erros, deve-se mentalmente fazer a correção imediata, para evitar que se grave na memória a forma errada, causa de muitos defeitos de linguagem, em regra geral, adquiridos. * * s O acento tónico deve ser cuidado e bem empregado. Ex.: Caráter e caracteres têm o acento na penúltima sí­ laba. Alguns pronunciam caracteres. Imaginem um ora­ dor que empregue uma tónica errada. Que efeito desa­ gradável pode causar! ís slt & Um dos defeitos mais comuns é o titubeio e a repe­ tição da palavra. Vamos dar um exemplo: "Eu ontem sabe, ontem, fui ao cinema com o Carlos, com o Carlos, etc". Não são raras as pessoas que repetem as mesmas palavras, o que pode ser facilmente corrigido da seguinte forma: Pensar antes de falar e falar mais lentamente no início, até ven­ cer o defeito. Tivemos um aluno que tinha esse defeito. Era um rapaz inteligente, culto, estudioso, mas, quando falava, cansava a todos pelo excesso de repetições. Como êle falava, no entanto, muito depressa, nós o aconselha­ mos a falar mais devagar, prestando atenção às repeti­ ções que fizesse involuntariamente. Pensasse antes e ex­ pressasse pausadamente o pensamento. No início teve êle dificuldades, mas, em pouco tempo o defeito havia desaparecido. O titubeio é também consequência da pressa no fa­ lar. Não aconselhamos um falar arrastado, o que seria desagradável. Mas os que têm desses defeitos são for­ çados a falar mais lentamente, até vencê-los. Depois recobrarão a velocidade normal, mas já liber­ tados dos defeitos. O titubeio é consequência, muitas CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 73 vezes, das palavras andarem mais depressa do que os pensamentos. « « * Um defeito muito encontradiço, sobretudo em São São Paulo e parte de Minas, é a pronúncia caipira do 1 e do r. Há palavras, tais como Natal que são pronun­ ciadas como Natar, rosal como rosar, etc. Tal defeito é adquirido, e é facilmente dominável. Basta um pouco de boa vontade e de correção constante da pronúncia. * * # A voz fanhosa, a voz arrastada, a voz metálica, a raspante, vozes finas, graves demais, são sempre desa­ gradáveis. Quando não são elas resultado de defeitos constitucionais, são facilmente sanáveis pelo domínio. Tais defeitos são corrigíveis pela boa vontade do leitor e pelo exercício. O fanhoso, por exemplo, deve procurar expirar o ar pela boca sempre que possa, porque fazendo comumente a expiração pelo nariz, os sons saem anasa- lados. Se tiver esse cuidado obterá pleno êxito. Uma jovem, hoje concertista, era possuidora de uma grande voz, mas excessivamente anasalada. Certa ocasião ficou terrivelmente resfriada e os sons foram totalmente ex­ pelidos pela boca. Tal facto permitiu que lhe chamas­ sem a atenção para um exercício que talvez desse resul­ tado e que consistia em procurar falar fechando o nariz com os dedos. Ela experimentou e o realizou e, em pou­ co tempo, venceu a resistência da campainha que impedia que o som saísse pela boca. Nos casos de defeitos constitucionais, só a solução clínica poderá resolver; para tanto há médicos competen­ tes em califasia, que é a arte de bem falar. As imperfeições da voz devem ser evitadas. Todos sabem (e disso têm conhecimento por experiência pró­ pria) que a boa voz se impõe. Quem sabe conversar bem, e é dotado de uma boa voz, é favorecido em sua vida de relação. Os bem-falantes obtêm grandes êxitos e, no mundo moderno, mais do que em qualquer época, é ne- 74 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS cessário o domínio da palavra e uma voz agradável. A boa dicção é imprescindível. Ninguém pode vencer em sua profissão se tiver uma voz que impeça agradar os outros. Os exercícios que já demos, e os que daremos, devem ser empregados, mesmo por aqueles que se julgam isentos desses defeitos. Nós, em geral, não conhecemos bem a nossa voz, nem perce­ bemos os seus defeitos, porque já estamos acostumados a eles. É preciso muito critério para analisar-se, auto- criticar-se. * * * Deve um orador ter o maior cuidado com a sua voz, porque dela dependem muito os efeitos que possa obter durante uma oração. Assim, um dos exercícios fundamentais é a respira­ ção, que deve ser rigorosamente cuidada, segundo as re­ gras estabelecidas por aqueles que a estudaram. Há uma série de conselhos práticos que devem ser seguidos pelo leitor. Naturalmente, deixamos de apresentar as considerações de ordem científica que se podem conjugar com eles, para dar os pontos práticos que, seguidos, só podem trazer benefícios inestimáveis. » a a Toda emissão de som necessita da expiração do ar absorvido pelos pulmões. O som pode ser emitido sem o auxílio desse ar, mas dessa forma estamos forçando as cordas vocais. Portanto, devem estar os pulmões cheios de ar antes da emissão do som. Naturalmente decorre daí que não devemos pronun­ ciar sons quando inspiramos, mas apenas quando expira­ mos. Todos sabem que forçar a voz, quando estão resfria­ dos ou doentes, é prejudicial às cordas vocais. Essa a razão por que, nesses momentos, deve evitar-se totalmen­ te o emprego da palavra, senão para o extremamente ne­ cessário. É muito comum agasalhar-se o pescoço em dias frios. Tal não se deve exagerar. Também o abuso do fumo e do álcool, como o emprego de pastilhas cáusticas, só podem prejudicar a voz. Ao ar livre, quando o tempo está muito frio, deve evitar-se tanto quanto possível fa­ lar. Forçar as cordas vocais é outro erro. Há pessoas CURSO D E ORATÓRIA E RETÓRICA 75 que procuram suplantar o barulho que as cerca, aumen­ tando o tom de voz, forçando, assim, exageradamente as cordas vocais, com graves prejuízos. Falar constante­ mente só pode prejudicar a voz, razão pela qual precisa­ mos fazer pausas entre os discursos e dar-lhe o descanso conveniente. Em suma, todas essas regras são muito simples e to­ dos podem perfeitamente compreender, já por experiên­ cia própria, já pela experiência transmitida por outros, que devem ser rigorosamente obedecidas. São necessá­ rios, também, exercícios tais como os respiratórios e abdominais, que fortalecem os pulmões, e dão uma capa­ cidade maior à voz humana, evitando seja ela forçada. A necessidade do exercício respiratório é demonstra­ da pela quantidade de oradores que se sentem cansados logo às primeiras palavras. Temos tendência para mar­ car as pausas segurando a respiração, mas nem todos procedem assim. Há quem procure falar quando já não tem mais ar nos pulmões, cortando muitas vezes uma frase, onde não deve ser cortada. Tais factos são graves defeitos que enfeiam constantemente um discurso, razão pela qual convém ter uma respiração regular e bem con­ trolada para evitar tais defeitos. Alguns exercícios de leitura em voz alta logo mostra­ rão ao leitor os defeitos de respiração, que poderão ser evitados, facilmente, procurando-se aproveitar todas as pausas para fazer-se uma respiração normal, nunca dei­ xando os pulmões esvaziarem-se totalmente. Deve, também, a respiração ser silenciosa, evitando o ruído que muitos fazem quando respiram. As pessoas de voz fanhosa podem vencer esse defeito fazendo exercícios constantes para que os sons sejam ex­ pirados pela boca e não pelo nariz. Um exercício acon­ selhado é a pronúncia isoladamente das vogais A-E-I-O-U e depois das suas combinações possíveis, como AE-IU- UO-UA-OE-EA. Finalmente, após esses exercícios, juntar as consoantes não nasais (as nasais são M-N-NH) e fazer combinações de sons, tais como LAR-RAE-PAO, etc. Só no final dos exercícios procurará o leitor usar as con­ soantes anasaladas. 76 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS Quem tiver esse defeito procurará colocar os sons como se eles estivessem na boca, nos lábios (empostação da voz), como se o som se produzisse por entre os lá­ bios. Esse esforço é facilmente coroado de bom êxito. RITMO DA PALAVRA FALADA — A DICÇÃO Em todo discurso, há um certo número de palavras que têm maior valor que outras. Essas palavras, pala- vras-chaves, assinalam a ideia principal ou o sentimento, pontos de referência em torno dos quais giram os outros termos que pretendem traduzir as ideias. Sobre tais palavras deve recair toda a ênfase, porque elas devem polarizar a atenção ou emoção que se deseja provocar. Vamos dar um exemplo: "De todas as desgraças que penetram no homem pela algibeira, e arruínam o caráter pela fortuna a mais grave é, sem dúvida nenhuma, essa: o jogo, o jogo na sua expressão mãe, o jogo na sua acep­ ção, o jogo propriamente dito; em uma palavra, o jogo: os naipes, os dados, a mesa verde" (Rui Barbosa). A palavra jogo é a palavra-chave, o termo que en­ cerra o pensamento principal, que polariza toda a atenção e a emoção que se deseja despertar. Não basta ao orador apenas dar ênfase pela entona­ ção da voz mais forte e mais pausada sobre a palavra- -chave. Deve também cuidar das diversas inflexões que empregará na voz. E, além da inflexão, a cadência da voz tem também sua influência primacial. O som agudo, fino, penetrante, o som grave, baixo, o balbuciante, o imprecativo, o forte, o solene, todos eles servem para completar o que as palavras querem dizer. Quem diz uma banalidade ou em lugar comum se empre­ gar um tom grave e solene, torna-se ridículo. Quem dissesse, em tom professoral: "No verão os dias são quen­ tes", provocaria riso. Dito, porém, em tom normal, não o provocaria. Assim, de acordo com a frase, e sobretudo o tema do discurso, os tons de voz variam, prestando-se às ideias que se desejam expressar por palavras. A cadência é importante. Ora fazemos a voz erguer, ora cair. Um discurso sempre no mesmo tom é um dis- CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 7 7 curso monótono, portanto cansativo. A cadência pode ser ascendente, direta ou descendente. Ela sobe, aumentando de tom, ou permanece normal, ou arrasta-se. Segundo o assunto, deve cuidar-se da cadência. Quem descreve uma cena rápida, tem de aumentar o ritmo da voz, e a cadência é ascendente. Quem descreve uma cena normal, usa a cadência direta. Quem procura expressar algo que se arrasta lenta­ mente, ou um sofrimento que consome de dor a alguém, usa a cadência decrescente. Uma alegria, um brinquedo, uma batalha; em tudo, enfim, onde há ação, deve a cadência acompanhar-lhe o ritmo. Essa habilidade se conquista pelo exercício e a lei­ tura dos trechos que descrevem cenas semelhantes e deve ser feita em voz alta, obedecendo, na cadência, o que se deseja expressar. Na interrogação, a cadência varia. Ora alteia, quan­ do numa interrogação normal "Que dia é hoje?" Ou é direta, quando a pergunta encerra desprezo, como "Pen­ sas, acaso, que me assusta esse vil sujeito?" O ritmo da voz, nos discursos, é importante, e já dele falamos várias vezes. O movimento não pode ser sempre o mesmo, sob pena de tornar-se cansativo o que desejamos dizer. O movimento é acompanhado pela inflexão da voz. Se observamos duas pessoas falando, notamos que va­ riam de inflexão e de movimento. E o orador deve saber fazer o mesmo, naturalmente sem os defeitos comuns ao falar quotidiano. Há muitas inibições da parte dos oradores as quais não lhes permitem que empreguem uma variedade de tom. Aqui só o exercício e a confiança em si mesmo po­ dem vencê-las. Uma série de regras simples deve estar sempre em mente. Vamos examiná-las: Não se deve falar depressa porque se perdem pala­ vras, ouvem mal os ouvintes, a pronúncia é defeituosa, e o cansaço sobrevêm tanto da parte do orador como do ouvinte. Uma série de exercícios de leitura em voz nor- OS GESTOS Quando falamos, gesticulamos. Uns mais, outros menos. Não vamos examinar as diferenças de gesticula­ ção entre os povos e as eras. Trataremos aqui apenas do que interessa para quem recita, para quem fala, para quem discursa. O gesto, que acompanha a palavra ou a ideia, deve completá-la e não exagerá-la. Quem fala sem mover um traço do rosto ou das mãos ou do corpo, assemelha-se a u'a máquina. Por isso, para que o efeito seja o mais completo, o gesto deve ser ex­ pressivo, adequado e exacto. Essas três qualidades são imprescindíveis. Podemos observar que, hoje, o gesto não deve ser completo, mas apenas o esboço do gesto. Digamos que alguém quer dizer que seguiam para longe... Fará o gesto indicando suavemente com o bra­ ço. Mas se este gesto fôr muito longo, estirando total­ mente o braço, êle será exagerado. Mas se levemente apontar com a mão aberta a di- reção, dois palmos, no máximo, de distância do corpo, o efeito será completo. Se quiser dizer: "Seguiam para longe, muito longe..." Então o primeiro gesto será menor, fazendo a pausa no primeiro longe e alargando um pouco mais quando do segundo longe, nunca, porém, estirando-o totalmente. O gesto de uma ênfase. Digamos que alguém quer dizer: "fiz-lhe um sinal para que parasse..." Então, o gesto de mão aberta, palma para a frente, er­ guida até o peito, levemente afastado do corpo, será su- CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 83 ficiente. Mas, se a cena fôr patética e se se quer dar uma descrição da realidade, então o gesto deve ser feito como o é, quando usado na realidade. No primeiro caso queremos apenas dar uma impres­ são, no segundo queremos mostrar a realidade. Se alguém quer expressar: "...dissera-lhe, então, que não fizesse..." o abanar de cabeça será levemente feito. Não se copia aqui a realidade, mas apenas dá-se o esboço do gesto correspondente. Aqui está toda a regra para quem declama: o gesto deve ser apenas o esboço essencial do gesto real. O ora­ dor, que cuidar em fazê-los assim, obtém efeitos mara­ vilhosos, porque os dá em seu aspecto estético e não real, contribuindo desta forma para a maior beleza da oração. Um gesto natural, quando oramos, passa a ser exa­ gerado, porque quem ouve uma oração está vivendo um mundo de sugestões, de imagens e não de factos que se desenrolam. No teatro, esse cuidado tem um valor es­ tético extraordinário. O gesto deve preceder à palavra ou acompanhá-la, nunca sucedê-la. Se anteceder, prepara o efeito da palavra; se acom­ panhá-la, reforça-a; se a suceder, perde sua força. Os gestos devem ser sóbrios. Evitar a repetição exa­ gerada, a monotonia; variar sempre. A posição do cor­ po deve ser a erecta sem ser exagerada, isto é, natural. Deve o orador, quando em pé, mover-se com regula­ ridade, avançar meio passo quando quer persuadir, re­ cuar um pouco, meio passo, quando demonstra repulsa, ou deseja repelir. Por exemplo, se tornar firme a perna esquerda, ao avançar, a direita deve avançar um passo; se quiser recuar, recuará um passo a perna esquerda, quadrando, em ambos os casos, o corpo. Vejamos alguns gestos fundamentais: Repelir — recuar um pouco o peito, erguer a cabeça, gesto da palma da mão volvida para baixo até à al­ tura do peito. 84 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS Aceitar — leve avanço da cabeça que baixa, peito para a frente, palma da mão aberta para cima, até à altura do peito. Repelir totalmente — mão levada até o peito, com a pal­ ma aberta para fora e o gesto semicircular para fora, com o alçar da cabeça acompanhando. Gesto amistoso, de aceitação — mãos abertas, palmas pa­ ra cima, levemente dirigidas para os lados. A cabe­ ça pende mui levemente. Gesto de defesa — erguem-se as mãos à altura do peito, com a palma aberta para fora. Gesto de desolação — as mãos caem, com as palmas aber­ tas para fora. Pedir — quando se pede, elevam-se as mãos até o peito, com as palmas para cima, em movimento trémulo. Uma negativa enérgica — ergue-se a cabeça, a qual se move, antes e durante a pronúncia da negativa. Pa­ ra uma negativa suave, basta um menear de cabeça. Cruzar os braços — indica espera. Gesto de quem aguar­ da. Olhar oblíquo — de cima para baixo, indica desprezo. O uso dos gestos da cabeça é importante. Deve-se preferir uma posição natural. A cabeça pendida, indica humilhação; elevada demais, arrogância; caída para os la­ dos, lassidão; se firme, imobilizada, olhar fixo, lábios fe­ chados, dará impressão de energia feroz. Nos gestos de aproximação, aceitação, o movimento de cabeça deve acompanhar a direção do gesto. Nos gestos de repulsa, ela deve seguir o lado oposto do gesto defensivo. Os movimentos da cabeça devem ser sempre leves, o suficiente para serem percebidos. Quanto ao rosto, devem evitar-se as caretas. Mas daí para uma impassibilidade de cera, há graus muito di­ versos. Leves movimentos, sempre indicando a essência do que se deseja expressar, eis a regra para todos os gestos. CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 85 O gesto deve apenas sugerir, e a sugestão exige ape­ nas o essencial, a direção inicial, o movimento inicial. To­ do gesto que copie a realidade é exagerado. Êle deve apenas dar o vislumbre, a sugestão da rea­ lidade. Assim os gestos de lábios, de olhos, devem apenas sugerir, Pode o leitor usar um espelho e falar ante êle, obser­ vando se os gestos sugerem ou são exagerados, abusivos. * * * Os dedos não devem permanecer muito unidos, nem muito abertos, mas levemente abertos e levemente cur­ vados. O dedo indicador em riste é acusador; unido ao pole­ gar é doutoral, de quem ensina; abertos o polegar, o in­ dicador e o médio, é o gesto de quem explica, explana. As circunstâncias indicarão como usar e não usar tais gestos. O movimento das mãos sobre a mesa deve ser sóbrio, variado, evitando sempre o movimento nervoso com um objecto pequeno, um lápis, por exemplo, o que revela fal­ ta de domínio. CONSELHOS DE ORATÓRIA Quem fala em público deve ter o máximo cuidado com os pontos que passaremos a examinar. Em primeiro lu­ gar, deve evitar os lugares comuns, tais como: Neste mo­ mento cívico — solene — Escolhido para falar — Melhor que eu, outro faria — A consciência cívica de nosso povo — A significação desta hora — Com a alma em prantos ou de joelhos, etc. — Hoje mais do que nunca — Quis a presidência que eu fosse o orador — Com a voz embar­ gada pela emoção — Faltam-me as palavras — Não sei como direi — Um misto de alegria e de tristeza me invade a alma — Abusando da vossa bondade — etc, etc. O orador deve ser sóbrio e incisivo. Dar o verdadeiro nome às coisas e nunca prolongar-se na sua oração. Mui­ tas ideias e poucas palavras. Nada mais impressiona os ouvintes do que o dizer algumas ideias e ter o cuidado de revesti-las de uma forma concisa, clara, expressiva. Digamos que alguém, numa assembleia, queira conci­ tar os ânimos para uma ação em conjunto, a fim de obter algo. Se falar assim: "Minhas senhoras e meus senhores. Quis a assem­ bleia que eu fosse o orador desta sessão e que viesse di- zer-vos o que sinto na alma. É desnecessário falar-vos da significação desta hora, desta hora de civismo. É com a alma turbada pelos acontecimentos, com a voz embarga­ da pela emoção, num misto de alegria e de tristeza que me invade, que abusando da vossa boa vontade, vos diri­ jo a palavra. Em momentos solenes como este, quando as consciências se reúnem, etc, etc". Não negamos que tal oratória possa causar certo efei­ to. Mas como é muito repetida, muito conhecida, muito usada, já está um pouco gasta e os efeitos causados se­ rão pequenos. CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 87 No entanto, se disser: "Senhoras e senhores: Que nos traz aqui? Por que nos reunimos neste instante, nesta sala? Quais os desejos que animam nossos peitos? Não estamos em face de acontecimentos que exigem uma análise aguda? Não es­ tamos em face de uma situação que exige que nos decida­ mos? Se cada um de nós, sozinho, entregue a si mesmo, empreender essa obra que desejamos realizar, poderá fa- zê-la e podemos construir o que tanto almejamos, se fo­ rem dispersas as nossas ações (Olhar para alguns dos cir­ cunstantes). Todos sabem muito bem que não. Que fa­ zemos que não unimos as nossas forças e não tornamos um só o nosso querer, e realizamos o nosso desejo? (Num crescendo). Não é êle o fim que todos almejam? (Tom enérgico, mas mais grave). Pois, senhoras e senhores, só há um caminho a seguir: unir nossas fraquezas indivi­ duais e, num só querer, torná-la uma força irresistível. A nossa vitória depende apenas de nós. Está ao alcance de nossas mãos. Que esperais ainda para alcançá-la? (Pausa, olhar firme, expressão enérgica). Unidos a essa fórmula é que trilharemos o caminho da vitória. Que­ reis acaso ficar para trás? (Deve pender o peito para a frente, deitar um olhar panorâmico para o auditório. Pausa. Um sorriso superior, e acrescentar): Sabia que no fundo de todos havia um só querer. Estamos unidos agora, vossos olhos dizem, vossos rostos o revelam. Ago­ ra sim, agora venceremos..." Que nos sugere tudo isso? Sugere o cuidado que deve ter o orador com as pausas e com a inflexão da voz. Cada palavra, cada frase tem um valor. E quem fala, e quer impressionar a quem ouve, deve ter o cuidado de não desmerecer o valor das palavras como das pausas, nem desmerecer, nem acentuar o que não deve ser acen­ tuado. Digamos que temos à frente de nós uma multidão que nos ouve. Que devemos fazer antes de tudo? Ora, em geral, o auditório, está em estado de tensão, de grande expectati­ va. Espera, aguarda o inesperado. Se as primeiras pa- 92 MÁRIO BARREIRA DOS SANTOS gidos a um ignóbil fatalismo. Se são povos primitivos, vivem imbecis numa eterna infância; se são povos poli­ ciados, vivem ineptos numa eterna decrepitude. Exem­ plo — a Oceania e o Bósforo. Nem numa nem noutra banda floresce a cultura humana, porque os seus habi­ tantes não têm logrado ser cristãos; e assim, aqueles ar­ rastam a existência de um menino ignorante; estes, a de um velho crapuloso. É natural, evidentíssimo. Não há progresso, não há civilização sem moral, e não há moral sem religião. Portanto, o progresso autêntico, a vera ci­ vilização ou é religiosa ou não existe. No homem, mui­ tíssimo mais que na matéria, reponta e refulge a mani­ festação do progresso. O homem é um espírito encar­ nado, um espírito servido por órgãos: — aquele homem, cujo espírito adejar acima do espírito comum, esse será homem entre os homens. Mais, infinitamente mais que a matéria e todas as formas da matéria, vale em si o pró­ prio homem, criador dessas formas, que são as suas mes­ mas obras. A matéria é inconsciente e inanimada; não é fim para si mesma, é meio para os fins do homem. A ri­ gor, só o homem progride, porque só o homem entende. Supor o homem igual ou inferior à matéria é subverter, é profanar o plano do universo. "O positivismo teórico resulta o pessimismo prático: é espírito descrente, o espírito estéril; é o coração em ge­ lo, o coração empedrado; é a antítese de toda a grandeza humana e de toda a grandeza moral; não pode ser a dou­ trina de um povo militante, de um povo em progresso. Não pode. Povos grandes são povos progressivos, povos crentes, — porque a vida é de si uma luta e a crença é de si uma vitória! "Desdobre-se, pois, completamente ascensional e har­ mónico, o glorioso e realíssimo progressimento humano. Onde o homem acepilhar melhor as suas faculdades e me­ lhor significar os seus costumes e onde irradiar mais luz e verdade, mais justiça e virtude; onde, em suma, se re- fletir mais danosa a perfeição infinita, é precisamente aí onde se executa melhor trabalho, se produz maior pro­ gresso, e fulgura mais civilização. Cinzelar, moralmente e socialmente, o homem, será sempre o primeiro traba­ lho, o grande trabalho, o mais útil trabalho do próprio homem". A DIALÉCTICA COMO ARTE DE ARGUMENTAR E DE PERSUADIR * O RACIOCÍNIO DIALÉCTICO Vamos dispensar neste curso as longas razões de or­ dem teórica que fundamentam os princípios da Dialéc­ tica, quer considerada como metódo de raciocínio, quer como uma nova lógica que vem completar o campo da Lógica Formal. Por outro lado, vamos dispensar tam­ bém o estudo das diversas dialécticas existentes, bem como da parte histórica, para nos atermos apenas à argu­ mentação e à arte de persuadir, pontos importantes e de utilidade prática. * * * Um leve exame da história do pensamento, mostra- -nos que todas as ideias, todos os princípios, todas as afir­ mações encontraram sempre argumentos sólidos para fundamentá-los, como também sólidos argumentos para refutá-los. Têm todos experiência prática, experiência oferecida pela vida quotidiana, de que as afirmações não satisfazem plenamente e encontram adversários que se apresentam munidos de poderosos argumentos, deixando- -os indecisos entre uns e outros. A toda tese opõe-se uma antítese. A toda afirmação, opõe-se uma contradição. Não há ponto do pensamento humano que não seja con­ trovertido. Não há princípio afirmado que não encontre seu mas. . . , suas dúvidas. No entanto, impõe-se que fa­ çamos aqui distinções. Nota-se que existe no terreno da ciência mais solidez nos argumentos e as controvérsias são menores do que, por exemplo, no terreno da filosofia, da política, da economia, da sociologia. É que as ciências naturais, por operarem sobre certos aspectos da natureza, têm maior homogeneidade. E vamos explicar, da manei­ ra mais simples que é possível este ponto. As ciências naturais estudam corpos, isto é, objectos que ocupam um lugar no espaço e se dão no tempo. To­ dos esses corpos têm extensidade, e esta se manifesta nas extensões, no quantitativo. Todos os corpos são quantita- 96 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS tivos. Ora a quantidade é julgada sempre homogenea­ mente. Uma quantidade pode ser comparada com outra. Como a matemática trabalha apenas com as quantidades e esta é aceita como homogénea, conhece ela uma exacti­ dão maior do que outras ciências. As ciências naturais trabalham com os corpos que compõem o universo e to­ dos eles são quantitativos, por isso é a matemática basi­ lar para a ciência, que dela não prescinde. Mas sucede que não são apenas os aspectos extensivos os componen­ tes dos corpos. Há, também, aspectos intensivos, quali­ tativos, de movimento, etc. A ciência, para compreen­ dê-los, considera-os apenas quantitativos, dentro do seu campo de ação. Quando eles o ultrapassam, isto é, quan­ do não podem ser reduzidos totalmente à quantidade, como os factos psicológicos, sociológicos, objectos da filo­ sofia, os valores, etc, então a ciência só apreende a par­ te quantitativa e abandona a outra às demais disciplinas. Assim, ela obtém a exactidão na parte quantitativa e um certo rigor na qualitativa. Como nessa parte, a intensista, — ou onde pelo menos domina a intensidade, — não se dá a exactidão, é ela sujeita a maiores controvérsias. É o que vemos em todas as ciências culturais, como a história, a sociologia, a psicologia em parte, a filosofia, a religião, a metafísica, o direito, a política, a arte, a axiologia, etc. A lógica, que predomina nas primeiras (as ciências naturais), é uma lógica que não admite contradições, é uma lógica apenas afirmativa, salvo naqueles pontos em que não foi alcançada a base quantitativa, onde ainda não surgiu, como em certos temas, tais como o da energia, o do movimento, que, por transcenderem-na, pertencem à filosofia da ciência, e dão cabimento a dúvidas. Tam­ bém as controvérsias se dão mais poderosamente no ter­ reno em que a ciência não alcançou pleno domínio do quantitativo, como nos factos da genética, da teoria da evolução, da microfísica, etc. Não se julgue que, ao reduzir-se tudo à quantidade, tenham-se, de uma vez para sempre, liquidado as contro­ vérsias. Absolutamente não. A redução dos factos ao aspecto apenas quantitativo é uma redução abstracta da realidade, porque a realidade não é apenas extensidade, mas intensidade também. A ciência, por isso, é abstrac­ ta, embora prática e tecnicamente seja concreta. Por is- CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 97 so, nos dias que correm, surgem grandes polémicas que atingem todos os aspectos da ciência para libertá-la da quantitatividade, da ditadura, da extensidade, tornando-a dialéctica. Mais alguns elementos necessários e poderemos ma­ nejar a dialéctica, apenas num dos seus aspectos como arte de argumentar e de persuadir. Há duas formas de pensamento: o pensamento intui­ tivo e o discursivo. A intuição é um conhecimento dire- to, sem meios (por isso se diz imediato), de um objecto de pensamento em si mesmo. Todos os pensamentos têm um objecto, porque todo pensamento é pensamento de alguma coisa. Intuir vem de intuire, termo latino que significa penetrar pela visão. Assim intuir é penetrar em, é penetrar no objecto, é per­ ceber o objecto como êle se nos apresenta. Assim te­ mos a intuição deste papel que lemos, deste que está aqui, deste livro vermelho que está na mesa. Eis o que se cha­ ma intuição empírica (empírico, quer dizer experimental, dado pela experiência) ou também sensível porque nos é dado pelos sentidos. O fenómeno intuído pode ser ex­ terior, quando é percebido pelos sentidos (a côr do livro, o tacto que êle oferece), ou interior, quando é percebido pela consciência, como uma dor, um desejo. A intuição sensível pertence ao homem, como tam- hém pertence aos animais. A intuição racional, também chamada de intelectual, tem por objecto as relações. São relações, por exemplo, de semelhança: este livro é ver­ melho e aquela cortina também é vermelha; ou de con­ traste, este livro é vermelho e aquela cadeira é branca; de causalidade: aquela porta se abriu pela deslocação de ar; ou de finalidade: estão aquecendo a água para fazer café. Há outros aspectos da intuição, tais como a intuição do transcendente, intuição mística, intuição eidética, etc, mas que pertencem ao campo da filosofia. Falta-nos, para o nosso estudo, falar da intuição adi- vinhatória, que é um modo de conhecimento rápido, di- reto por ser intuitivo, mas que se funda na experiência já adquirida, como, por exemplo, a intuição de um médi­ co no diagnóstico, a de um esportista num prélio, a de um técnico na sua função, etc. A intuição sensível aplica-se ao singular, a esta coisa, àquela coisa, o que diferencia esta e a distingue de outra 102 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS dos diferentemente por outros, factos que influíram tam­ bém, decisivamente, nos acontecimentos da Europa da­ quela época. Compreendida, assim, em um dos seus as­ pectos mais gerais, a diléctica, como a preconizamos, pro­ curando o variante e o invariante nos factos, temos mui­ tos argumentos importantes para analisar qualquer acon­ tecimento, para solidificar uma opinião, para apresentar uma perspectiva. Analisaremos a dialéctica apenas como arte de argu­ mentar e de persuadir, pois não podemos aqui estudá-la sob outros aspectos, como lógica das antinomias, etc. Va­ mos, portanto, examinar os aspectos da dialéctica que sirvam às nossas finalidades. Tudo quanto se dá na na­ tureza mostra-nos as suas antinomias, as suas oposições polarizadas, irredutíveis (que se não podem reduzir) umas às outras. Vejamos: todos os corpos, isto é, todos os factos, que ocupam um lugar no espaço e se dão no tempo, são extensões, têm dimensões, tamanho, numa pa­ lavra, extensidade. Mas também são intensivos, qualitativos, móveis, ac­ tivos, em transformação; têm intensidade. Mas, vemos que a intensidade e a extensidade são aspectos antagóni­ cos, um é o oposto do outro. Não há, para simplificar­ mos, corpos apenas quantitativos, nem apenas qualitati­ vos. Não podemos conceber uma quantidade pura nem uma qualidade pura. Onde admitimos a quantidade, ad­ mitimos a qualidade, e vice-versa. Uma é irredutível ã outra, embora não o aceitem muitos filósofos e, como é um tema de filosofia, não iremos analisá-lo aqui. Assim vemos, por exemplo, quanto aos valores. To­ do valor contrário: é o que se chama polarização dos va­ lores. Por exemplo: Bem — Mal; Coragem — Covar­ dia; útil — Inútil; Honesto — Desonesto; em suma, todos os valores são polares. Também o são os qualitativos; uma qualidade exige a qualidade contrária, e não seria entendida uma sem a outra. Não poderíamos falar no Bem se não tivéssemos a noção do Mal, nem do útil sem a do inútil. Assim, não poderíamos falar do verde se não tivéssemos a noção do que é não-verde, de que há outras cores que não são verdes. A mesma polarização (mas aqui sob outro aspecto) observamos quanto aos conceitos. Não podemos falar CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 103 de vertebrados sem conceber invertebrados. Todos os vertebrados não são invertebrados. As ações exigem a ação contrária, ou a que não é ela, para ser concebida. Não poderíamos falar numa ação, se ela fosse a única existente. Assim, quando dizemos fa­ lar, negamos o calar, quando dizemos andar, negamos o estar parado, etc. Desta ,forma, quando dizemos alguma coisa, afirmamos o que afirmamos e afirmamos também o seu contrário, que há algo que não é algo. Mas quando afirmamos algo de algo, quando digo que este livro é verde, reconheço que este livro, ao ser verde, nega o que não é êle. Como usamos ideias pola­ res e somos forçados, por natureza, a formar de tudo ideias polares, por isso, ao visualizarmos um facto, pode­ mos vê-lo, fundamentalmente, de duas formas, isto é, co­ mo êle se nos apresenta e como não se nos apresenta. Vamos analisar de outra forma. Quando afirmo um valor de alguma coisa, quando digo que este livro é um bom livro, afirmo um valor que eu apreendo deste livro. Nego automaticamente que êle não seja bom. Mas a ideia de bom é uma ideia polar que exige a ideia de mau. Assim afirmo que este livro não é mau, ao dizer que êle é bom. Nego portanto, ao livro o valor mau. Ao afirmar o que estimo do livro, nego o seu contrário, inibo o con­ trário, o mau. No entanto o mesmo livro pode ser jul­ gado por outro como mau. Neste caso, dá-se o inverso do meu. Estamos aqui em face de apreciações puramen­ te subjectivas e, neste terreno, todos sabem que as opi­ niões são as mais divergentes possíveis. Diz-se, então, que as apreciações são relativas, por­ que variam segundo as opiniões, os modos de ver, as pers­ pectivas de cada um. Procuram os axiologistas (os que estudam a filoso­ fia dos valores) fundamentos reais, fixos dos valores que não permitam prevalecer uma apreciação meramente sub­ jectiva, e sim uma apreciação objectiva. Quando digo que este livro é vermelho, não afirmo o vermelho como generalidade, como universalidade deste livro, isto é, que a côr singular deste livro é semelhante à que eu, como ideia, considero vermelho. Assim desprezo o que é singu­ lar para afirmar o que é geral. Então, em todas as nos- 104 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS sas afirmações, quando empregamos conceitos gerais, apenas dizemos o que é geral das coisas, e não o que é a sua singularidade. Ao examinar-se um facto, durante uma discussão, po­ de uma das partes tomar o facto apenas em seus aspectos gerais e tirar diversas conclusões. Essas conclusões, olha­ das na sua universalidade, podem estar certas, legalmen­ te conexionadas com outras ideias universais. Mas o facto, como singularidade, tem aspectos que são únicos e podem ser aproveitados pela outra parte para diferenciá-lo das apreciações gerais. E isso se dá, porque se há o semelhante, há também o diferente. Quan­ do apreciamos uma coisa, actualizamos uns aspectos e virtualizamos outros. Actualizamos uns, isto é, damos actualidade, como acto, como algo já realizado, e virtua­ lizamos outros, considerando-os como não actualizados, ainda não em realização, como uma possibilidade que des­ prezamos. Acentuamos o primeiro; inibimos o segundo. Assim, ao apreciar este livro, actualizo apenas os aspectos bons e virtualizo os maus, e é o que me leva a declará-lo como bom; enquanto outro actualiza os maus e virtualiza os bons, o que o leva a considerar mau. Muitas apreciações são desse quilate, e a habilidade de quem deseja argumentar deve fixar, procurar, desven­ dar quais aspectos foram observados para poder classi­ ficar a apreciação. Por outro lado, posso considerar bom o que outro considera mau. Isto é, os aspectos que chamo de bons, são considerados maus por outra pessoa e nossa aprecia­ ção é, então, divergente. A discussão paira, agora, em saber se tais e tais as­ pectos são bons ou maus. Ora, ao examinarmos uma opinião qualquer, nunca devemos deixar de considerar os valores que estão aí, nessa opinião. Eis por que hoje a axiologia é uma ciência tão importante; afinal de contas, todas as discussões acabam por tornar-se polémicas sobre valores. COMO ARGUMENTAR PRÓ E CONTRA Os valores podem ser considerados, ainda, em seus aspectos viciosos, que tanto podem ser positivos como opositivos (também chamados de negativos). Valor positivo Valor negativo Bondade Maldade Quem deseja argumentar para provar a bondade de alguém ou de alguma coisa, procura actualizar os aspec­ tos apenas bons. Quem deseja o contrário, procede tam­ bém de modo contrário. E vai ainda mais longe: inicia por oferecer dúvida quanto à bondade dos aspectos apre­ sentados, salientando as notas negativas. Feita essa acentuação das notas negativas, examina-as individual­ mente, para delas ressaltar apenas os aspectos mais ne­ gativos. Inversamente procede quem deseja o contrário. Vamos a exemplos práticos. Admitamos o Japão em sua fase imperialista, antes desta última guerra. Quem o qui­ sesse defender procederia assim: O Japão, descoberto pelos europeus (portugueses), foi explorado por aventureiros que impuseram ao povo nipônico a sua vontade, tirando desse país todos os pro­ ventos que estiveram às mãos. Humilhados muitas ve­ zes, espoliados muitas vezes mais, viram os japoneses que não podiam competir nem evitar que fossem pilhados pe­ los europeus, se não se preparassam para enfrentá-los com armas iguais. Por isso, os japoneses tudo fizeram para atingir uma base económica capaz de tornar forte a nação para liber­ tar a Ásia dos exploradores europeus, apoiados pelas for­ ças dos seus governos. Como povo, é o japonês bravo, trabalhador, inteli­ gente, caprichoso e tenaz, que soube aproveitar todas as grandes conquistas do Ocidente, sem perder sua alma, 106 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS suas características, não poupando, para tanto, os maio­ res sacrifícios de sua gente, nem a tranquilidade, o san­ gue e a vida de seus filhos para conquistar o lugar que lhe caberia no mundo, etc. São errados tais argumentos? Absolutamente não, porque eles encerram muito da verdade. Mas vem outro argumentador e procede assim: Os japoneses são ainda bárbaros. Vivendo de guer­ ras, destruíram-se uns aos outros em suas contendas. Es­ tariam, ainda, na mesma barbárie, se o civilizador euro­ peu não lhes tivesse levado o conhecimento e as conquis­ tas da técnica e da ciência. Povo guerreiro, ambicioso, desejou dominar a Ásia e o mundo inteiro, para impor o predomínio da raça amarela, sob sua hegemonia, sobre as outras raças. Mas, suas ambições foram tão elevadas, que olhavam seus irmãos de raça como inferiores e, por isso, não tre­ pidaram em destruir chineses, em dominar outros povos, para assim se tornarem os senhores absolutos da Ásia, etc, etc. Têm fundamentos tais raciocínios? Não há, neles, bases para fortalecê-los, factos para comprová-los? Demos assim um pequeno exemplo de como, actuali zando-se apenas certos aspectos (os bons), pode chegar- -se a afirmações totalmente boas, e, actualizando apenas os maus, a conclusões contrárias. Não é difícil destruir argumentos de tal forma; bas­ ta que se denuncie, de imediato, que quem os usa, empre- ga-os unilateralmente, acentuando apenas os aspectos que interessam ao fortalecimento da tese que deseja provar. * * * Que lições tiramos desse exemplo? Que pela acentuação dos valores polares, quer positi­ vos ou opositivos (negativos), fundamentam-se as argu­ mentações. Aceito o princípio como verdadeiro, como eminentemente certo, o trabalho de quem argumenta, em geral, consiste em provar que a tese que defende está co- CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 107 nexionada com o princípio, isto é, está perfeitamente en­ quadrada no princípio que a justifica. Vamos a exemplos: se "se afirmar que, por ter tais características, um proceder é adequado, procura-se pro­ var que tal facto, ou opinião, tem as características do princípio aceito como adequado, e quem deseja provar o contrário procura mostrar que as características do fac­ to, ou opiniões, são negativas ou contrárias às aceitas. Ao examinarmos o raciocínio que acima fizemos, quanto ao Japão imperialista, vemos que tais argumentos obedecem a essa regra. O mesmo se poderia fazer quanto à Alemanha hitle- rista ou à Itália fascista, e outra não foi a atitude, a ma­ neira de proceder de todos quantos defenderam uma ideia ou a valia de um facto. Por isso, é necessário colocar-se numa posição supe­ rior, bipolar, isto é, numa posição que visualize os pólos valorativos, para se poderem perceber as unilateralidades dos argumentos. Vamos organizar uma síntese do processo de argu­ mentação. 1) Toda argumentação tende para afirmar ou para ne­ gar algo, ou algo de algo. uma opinião (tese, teoria, etc). Um facto — aspecto quantitativo uma qualidade — aspecto qualitativo ou Procura-se, quanto ao facto, provar que: a) o facto se deu ou b) que o facto não se deu. No caso a como no caso b, corrobora-se com o tes­ temunho: de pessoas ou de factos, ou dos indícios do facto. Pode o facto ainda vir a dar-se no futuro, isto é, ser possível ou não. Afirma-se ou nega-se 112 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS 3.° — dar aos argumentos uma forma expressiva, .aproveitando as figuras já expostas; 4.° — nunca esquecer a pessoa para quem emprega ■os argumentos, e verificar qual a escala de valores que a dirige, isto é, verificar qual a hierarquia de valores acei­ ta pela pessoa que se quer convencer. Se são os valores religiosos, os estéticos, os éticos, os utilitários, os lógicos, ou os outros. Pode a pessoa ser um artista ou um reli­ gioso, mas se o aspecto utilitário tiver força de persuas- são, o argumento utilitário deve ser acentuado; 5.° — quando o conhecimento da escala de valores não é possível de ser conhecido, usar, então, das regras dos números 1-2-3, que são suficientes para obter a per- .suasão desejada (1). 1) Para o melhor domínio da Lógica e da arte de argumentar, . aconselhamos nossos livros «Lógica e Dialéctica» e «Filosofia e Cos- . movisão». LOCUÇÕES LATINAS USUAIS Ab absurdo Ab aeterno Ab hoc et ab hac Ab imo corde Ab imo pectore Ab initio Ab intestato Ab irato Ab origine Ab ovo Abundantia cordis Ad ephesios Ad extremum Ad gloriam Ad hominem Ad honores Ad instar Ad Ínterim Ad internectionem Ad intra Ad libitum Ad litteram Ad nutum Ad ostentationem Ad perpetuam Ad referendum Ad rem A duo Ad usum Ad verbum A fortiori A posteriori A priori Bis — por absurdo — por todo o sempre, eternamente — a torto e a direito — do fundo do coração, sinceramente — do fundo do peito, francamente — desde o princípio — sem deixar testamento — de modo irado — desde a origem — desde o princípio, a partir do ôvo — com a maior cordialidade — à toa, sem fim determinado — até o extremo, até o cabo — pela glória, para nada (sentido irónico) — contra a pessoa — gratuitamente, pela honra — semelhante — provisoriamente — até ao extermínio — por dentro, interiormente — à escolha, à vontade — à letra, literalmente — segundo a vontade, ao arbítrio — por ostentação, ostensivamente — perpetuamente — sob condição, condicionalmente — à coisa, categoricamente — a duas vozes, emparceiradamente — conforme o uso, na forma usual — palavra por palavra — por mais forte razão — ao depois — primeiro que tudo — duas vezes 116 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS Bona fide Coram populo Currente calamo De auditu De plano De visu Ex abrupto Ex aequo Ex cathedra Ex commodo Ex corde Exempli gratia Ex itinere Ex officio Ex professo Extra muros Ex vano Ex vi Grátis pro Deo Grosso modo Hic et nunc Ibidem Imprimis In brevi In continenti In extenso In extremis In fine Infra In hoc tempore In limine In nomine In perpetuam In solidum In tempore opportuno In terminis In totum Infra muros Invita Minerva Ipsis verbis Ipso facto de boa-fé em público, alto e bom som ao correr da pena de oitiva, por ouvir dizer de plano, sem dificuldade de vista de pronto, sem preparação com igual mérito do alto de cátedra a seu cómodo, à vontade do coração, cordialmente por exemplo de caminho por imposição da lei, oficialmente francamente, cabalmente, erudita­ mente fora dos muros debalde, inutilmente por efeito, por força gratuitamente pelo amor de Deus sumariamente imediatamente, já, aqui e agora aí mesmo, no mesmo lugar principalmente, sobretudo brevemente imediatamente por inteiro, por extenso no último momento ■ no fim ■ abaixo ■ presentemente no limiar, à entrada nominalmente, em nome para todo o sempre ■ solidariamente • oportunamente ■ em último lugar • no todo, totalmente - dentro dos muros (entre íntimos) - contra a vontade de Minerva ■ exatamente, sem tirar nem pôr - pelo próprio facto CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 117 Latu sensu Motu próprio Nemine discre­ pante Non liquet Omnium consensu Pari-passu Per fas et nefas Per summa capita Primo Pro domo sua Pro forma Pro rata Pro tempore Quantum satis ou quantum sufficit Retro Reverá Secundo Sic Sine die Sponte sua Stricto sensu Supra Tertio Una você Ut supra Verbi gratia Vice-versa no sentido geral de modo próprio, voluntariamente unanimemente, sem que ninguém divergisse pouco inteligível, obscuramente pelo assentimento de todos a passo igual a todo transe, por todos os meios pela rama, superficialmente primeiramente interessadamente, em seu interesse por formalidade em proporção, proporcionalmente temporariamente suficientemente, o bastante quanto baste atrás efetivamente, com efeito segunda vez, em segundo lugar assim, deste modo indeterminadamente, sem fixar dia espontaneamente, por sua própria iniciativa de modo restrito, no sentido res­ trito acima terceira vez, em terceiro lugar a uma voz como acima por exemplo reciprocamente 122 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS O lhe usado, às vezes como complemento direto é barbarismo usado até por escritores de renome: Exemplos: — "Amo-lhe muito". "Tenho grande sa­ tisfação quando lhe vejo". "Brevemente lhe visitarei". Nos antigos escritores não raro se encontrava o lhe fazendo papel de complemento direto. Atende-se a estes exemplos: "Deus guia o cego" — "Deus o guia". "Deus guia os passos do cego" — "Deus lhe guia os passos". "Pedi o livro — Pedi-o" — "Pedi o livro a Pedro" — "Pedi-lhe o livro". O objecto direto muitas vezes vem regido de prepo­ sição (a, de) por eufonia ou para evitar confusão com o sujeito. Exemplos: — Amar a Deus — Abraçou a Pedro — Bruto assassinou a César — Comer do bolo — Pedro, a quem espero desde ontem — Reger ao verbo — Saudar à aurora — À noite vence o dia — Gritar por socorro — Arrancar das espadas — Amara-o apenas a êle, etc. Não é legítimo o emprego do reflexivo se com as for­ mas oblíquas: o, a, os, as. No emprego da forma nós, vós, nos, vos, por modés­ tia, em vez de eu, ou para dar relevo ou autoridade a al­ guém, é costume nos autores levar os adjectivos em re­ lação atributiva ou predicativa com os ditos pronomes ao singular. ' "Antes sejamos breve que prolixo" (Júlio Ribeiro — Gramática Portuguesa) — "Chegado, porém, à conclusão deste livro, pôr-lhe-emos remate com uma reflexão" (Her­ culano — História de Portugal). Entretanto, a índole da língua manda que ponhamos o adjectivo no plural. Há ainda um exemplo de Carneiro Ribeiro, em abono da primeira forma: "Nós é que não sei se o fazemos", ex­ traído de Alexandre Herculano. Conclusão: — Ambas as formas são lícitas, portanto. * * * CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 123 O emprego de Vossa Reverência, Vossa Senhoria, Vos­ sa Alteza é próprio da 3.a pessoa e usam-se como dativo e acusativo as formas correspondentes: lhe, o, a. Estas últimas o, a, não concordam em género, mas devem con­ cordar em sexo. Não se admite o emprego do verbo na 3.a pessoa, com o pronome vós, na 2.a pessoa. Só o Vossa mercê que as­ sumiu a forma de você conjuga-se, hoje, na 3.a pessoa. No entanto, em Rui e Castilho (Feliciano) encontram- -se exemplos do emprego dúplice da 3.a e da 2.a pessoa. Os pronomes oblíquos: me, te, lhe, nos, vos, lhes, po­ dem indicar relação de propriedade, equivalente aos pos­ sessivos. Vejamos: a) permite evitar o uso exagerado dos possessivos, que só devem ser preferidos, para dar maior clareza à frase, quando necessária; b) o exagero do meu, teu, seu, "desvigora, peia, e ar­ rasta a prosa vernácula", segundo Rui, quando repetida toda a vez. São de Castilho os seguintes conselhos para evitar o abuso dos possessivos: 1.° — "refugar do discurso os atravancos dos prono­ mes e dos possessivos; 2.° — colocar os termos que vos restarem em ordem diversa da francesa, e mesmo contrária; aqui fugir do francês, é chegar para o latim; e chegar para o latim, é adquirir novos meios para produzir, com um discurso, bizarros efeitos artísticos e até lógicos". Vejamos exemplos: — "Saiba bem conhecer as boas das bestas e mandar-lhes fazer freios" (D. Duarte, cit. por Bui). "Comeram-lhe as fazendas, comeram-lhe as cidades, comeram-lhe as vidas" (António Vieira). "Fumegava-lhe aos pés tartáreo lume" (Bocage). c) Por elegância costumavam os nossos clássicos substituir os adjectivos possessivos pelos pronomes das 124 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS pessoas correspondentes aos possessivos, ou sujeitos, sem­ pre precedidos do artigo indicativo. "Vendo escondido no Pireu, descubro-lhe a guarida" (Latino Coelho). "Não se lhes gastou o calçado, nem se lhes rompeu o vestido" (Bernardes). Os outros exemplos de uso do adjectivo possessivo são mais vulgares e dispensam comentários, aqui. * * * O emprego do quem. Não só se refere a pessoa, ou coisas personificadas. Em nossos clássicos, há exemplos contrários também, re- ferindo-se à pluralidade e a coisas. Na sintaxe do pronome quem é de notar essas carac­ terísticas citadas por Laudelino Freire ("Estudo de Lin­ guagem"): a) pode substituir o relativo — que —; b) pode referir-se tanto à pessoa como a coisas, as­ sim no singular como no plural; c) como sujeito de uma oração subordinada, pode levar o verbo a concordar com o sujeito da principal, ou concordar consigo mesmo. Exemplos: — "Não foram eles quem vos mataram" (Diogo Bernardes). "Eram Cristo e São Tiago e outros batalhadores in­ vulneráveis que venciam as lides homéricas dos Alonsos contra os sarracenos" (Camilo). "Nessas palavras conheceu a donzela que o ciúme era quem as ditava" (A. Herculado, "O Bobo"). DA COLOCAÇÃO DOS PRONOMES Algumas regras fornecidas por Cândido de Figueire­ do merecem ser anotadas: 1." — O pronome pospõe-se ao chamado gerúndio: — "António, levantando-se, disse". Excepto quando o ge­ rúndio é precedido da partícula em: — "Meu pai, em se levantando, vem ter comigo". CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 125 2." — Quando os pronomes indefinidos tudo, nenhum, ninguém, nada, e outros, antecedem um verbo, o pronome se, como reflexo e como partícula que apassiva os verbos, também antecede, e vice-versa: "Muito se falou hoje" — "Hoje falou-se muito". 3.3 — Nas proposições afirmativas e independentes, o pronome é enclítico, isto é, segue o verbo: — "João sui- cidou-se". 4.3 — Se a proposição é subordinada e começa por certas conjunções ou proposições, então o pronome ante­ cede o verbo: — "Dizem que João se suicidou". "Veio cá para me falar". 5.a — A mesma coisa nas interrogativas: — "Que me dizes?" "Para que lho disseste?" "Aonde te diriges?" 6.a — Nas proposições optativas ou subjuntivas, o pronome está antes ou depois do verbo, consoante o su­ jeito: "Acuda-lhe Deus — Deus lhe acuda". 7.a — Nas proposições negativas, o pronome é sem­ pre proclítico: — "Não lhes fales". "De modo nenhum te atendo". 8.a — Quando concorrem dois verbos, um no modo finito, e outro no infinito, dá-se próclise ou ênclise, desta forma: — "Quero que me venhas falar; quero que venhas falar-me". O pronome átono nunca deve iniciar um período. Os exemplos populares, e o de José de Alencar e de Vieira, na carta a Duarte Ribeiro de Macedo: "Me avisam em mui secreto, que Espanha tem resoluto romper a guerra com França, e tc . . . " não justificam, de todo, o emprego. O caráter afectivo, amigável do "me ajuda", "lhes ca­ be a vez agora", "me passa o pão" e outros são inegavel­ mente impressionantes. Há essa tendência entre nós. Registra-o a linguagem popular. Querem implantá-lo os escritores mais libertados dos cânones tradicionais da língua. O emprego do "me parece", nas proposições in­ tercaladas, o expressivo: "me melem", de Portugal, tudo favorece essa orientação nova, que acompanha o movi­ mento natural da língua portuguesa, entre nós. 1 2 6 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS Não é de desprezar os argumentos que "afectivam" a língua, pois há nisso um quê de sentimento que merece reparo e cuidado. * * * "Nas expressões verbais compostas de auxiliar mais particípio passado, não se coloca o pronome átono após o dito particípio nem antes dele: o pronome fica ligado ao verbo auxiliar no hífen, ou, no caso de o preceder, qualquer elemento atrativo, disposto procliticamente". Exemplo: — "já êle se havia sumido". "Nunca se liga, em português, o pronome átono, nem ao particípio passado, nem ao mesmo precedido de auxi­ liar. Somente nas inversões — (prometido lhe está) — vem êle proposto ao verbo principal mas continua a per­ tencer sintàticamente ao auxiliar". Segundo Said Ali, funda-se tal regra em razões his­ tóricas. Esse particípio era considerado adjectivo quali­ ficativo, e os verbos juntos dos quais vinha, hoje auxilia­ res, denotavam noções concretas e só a eles pertenciam. Fixou-se a colocação neste sentido, sem embargo das mo­ dificações semânticas ulteriores". "Nas proposições que têm antes do verbo um advér­ bio, (ou expressão equivalente), excluídos os de negação que merecem estudo particular, — é de meneio habitual em português o antepor-se o pronome átono, ao verbo, em não havendo pausa logo em seguida ao advérbio; mas, no caso contrário, é comum a ênclise". —Exemplo: — Assim se mudam os tempos (aqui não há pausa). Mas: — Assim, mudam-se os tempos... (depois do advérbio, há pausa). "Nas proposições independentes (principais ou coor­ denadas), em se não infringindo outras normas de cará- ter obrigatório, é mais comum: 1.° — Dar-se a próclise: a) com as formas verbais proparoxítonas: "Nós te louvaríamos"; CURSO D E ORATÓRIA E RETÓRICA 127 b) nas frases optativas e imprecativas: "Deus te acompanhe"; c) quando precede ao verbo o objecto e se deseja pôr em destaque o conceito inicial. "Feliz me sentiria por ter assim contribuído de modo modesto, mas, eficaz, para a defesa da nossa opulenta e formosa língua" (Má­ rio Barreto). 2.° — Dar-se indiferentemente a próclise ou a mesó- clise: a) com o futuro imperfeito do indicativo; b) com o presente do condicional. 'à.° — Dar-se a ênclise: a) com o verbo no imperativo; b) quando o verbo precede o sujeito representado por substantivo próprio ou comum; c) quando o pronome átono mantém relação pleo- nástica com o objecto mencionado antes do verbo: Exem­ plo: "A carta levou-a meu amigo". Quando o verbo está no gerúndio: 1.° — Dá-se usualmente a ênclise, se a essa forma ver­ bal precedem os vocábulos — já . . . já, ora. . . ora, ou. . . ou, agora... logo e outras expressões de sentido análogo. 2." — Dá-se de ordinário a próclise, se o gerúndio é re gido da preposição — em —. É facultativo o emprego da próclise ou ênclise, em se tratando de infinitivos preposicionais. Essa faculdade, porém, tem a freá-la o bom soído da frase, tanto que só em certos casos deve a ênclise preterir o próclise" (Má­ rio Barreto). "Nas formas verbais constituídas de verbo auxiliar ou regente mais gerúndio, verifica-se: a ênclise ao verbo determinante, não ocorrendo antes dele elemento capaz de atrair o pronome átono; a próclise, no caso contrário. Sendo enfático o gerúndio ou algum complemento que se lhe seguir, é a construção enclítica, em relação ao verbo determinado, a mais habitual". * * * 132 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS As portas abriram-se por si mesmo. Diga-se: por si mesmas. Viemos de narrar (francesismo). Diga-se: Acaba­ mos de narrar. Partilhar as ideias . . . Diga-se: Participar das ideias. Olhar no espelho. . . Diga-se: Olhar-se ao espelho. Deve-se considerar anacrónicas essas modas . . . Di­ ga-se: Devem-se considerar anacrónicas essas modas. A que serve tanto luxo?. . . Diga-se: De que serve tanto luxo? Proceder de maneira a satisfazer a todos . . . Diga-se: Proceder de maneira que a todos satisfaça. Não se compreende. . . Diga-se: Ninguém o com­ preende. Preveni-lhe que ficasse.. . Diga-se: Preveni-o que devia ficar. Aspirar altas posições. Diga-se: Aspirar a altas po­ sições. Objecto em questão. Diga-se: Objecto de que se trata. Guardar o leito Diga-se: Estar de cama. Influi sobre a existência. Diga-se: Influi na exis­ tência. Na cidade tem lindos arrabaldes. Diga-se: Na cida­ de há lindos arrabaldes. — Tem a recear muito de seus inimigos. Diga-se: Ter que recear muito de seus ini­ migos. Abstração feita. Diga-se: Fazendo abstração. Qual de nós faremos isso? Diga-se: Qual de nós fará isso? Quando se tem muito dinheiro gasta-se à larga. Diga- -se: Quem tem muito dinheiro gasta-o à larga. Ajudei-lhe a desatar os cordões dos sapatos. Diga-se: Ajudei-o a desatar os cordões dos sapatos. CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 133 Pretendem-se derrubar aquelas árvores. Diga-se: pretende-se derrubar aquelas árvores. Um barril contendo 20 litros. Diga-se: Um barril que contém 20 litros. — Custa-me a crer. Diga-se: Custa-me crer. Gritou de modo a ficar rouco. Diga-se: Gritou de modo tal que ficou rouco. — Assisti um espetáculo. Di­ ga-se: Assisti a um' espetáculo. — O médico assitiu ao do­ ente. Diga-se: O médico assistiu o doente. (Aqui assis­ tir no sentido de ver, apreciar). Contentarei a meu filho. Diga-se: Contentarei meu filho. Paguei os empregados. Diga-se Paguei aos empre­ gados. ALGUMAS NORMAS DE ACENTUAÇÃO DAS PALAVRAS l.a — Todas as palavras proparoxítonas ou esdrúxu­ las são acentuadas. Exemplo: escriturário, comércio, for­ mulário. 2.a — Todas as palavras agudas ou oxítonas, com ex- ceção das que terminam em i (s) ou u (s) , quando não constituem hiato, e das que terminam em letras que te­ nham poder de tonicidade, como 1, r, z, ã, ão. Exemplo: amor, louvor, feliz, paixão, amanhã. 3.a — Todas as palavras graves ou paroxítonas não são acentuadas com exceção daquelas que terminem com letras que tenham valor de tonicidade. Exemplo: amá­ vel, bênção, órgão, fútil. Ou então, aquelas que tenham homónimas, tais como esse (que tem a letra S, esse), este (que tem este, ponto cardeal); porto (tem o verbo portar, porto). 4.3 — Todos os monossílabos tónicos. Exemplo: pá, pé, fá, dó. Nas mesmas condições é empregado o acento circun­ flexo, desde que as tónicas sejam fechadas. Diga-se: Por que está você com esse ar? e não: Por que você está com este ar? Quando se começa a frase 134 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS interrogativa pela expressão por que, o sujeito fica depois do verbo. * * * O verbo ajudar pode constituir-se com objecto direto ou objecto indireto. Exemplo de Castilho: "Tendes vos­ sos pais; ajudai-lhes a levar a sua cruz; convencei-vos bem de quanto eles vos querem" (objecto indireto). * * * Em vez de: Presidir o ato Diga-se: Presidir ao ato. Mesmo se não tivesse havido. Diga-se: Ainda que não tivesse havido. Substi- tua-se o emprego de mesmo por ainda, sempre que possível. * * * Não quero desfazer os seus serviços. Diga-se: não quero desfazer dos seus serviços (no sentido de julgamen­ to). Nós outros e Vós outros podemos usar para reforçar o nós e o vós. Exemplo: Catalina, e vós outros dos an­ tigos (Camões). í! * * Entre eu e tu. Diga-se entre mim e ti. Não se empregam os artigos um e o depois da pala­ vra como. Nem antes das palavras: outro, certo, seme­ lhante, tal, igual, mero, tão. Conosco mesmo... Diga-se: Com nós mesmos. Hão de me obedecerem... Diga-se: Hão de me obe­ decer. Teve lugar a inauguração... Diga-se: Realizou-se a inauguração. Antipatizou-se com o colega... Diga-se: Antipatizou com o colega. CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 135 É o homem o mais sábio... Diga-se: É o homem mais sábio. Tem muito gosto pela música... Diga-se: Tem mui­ to gosto para a música. Este trabalho é quase que exclusivo de mulheres... Diga-se: Este trabalho é quase exclusivo de mulheres. Ter amor do estudo... Diga-se: Ter amor ao estudo. Não havendo mais nada a tratar. . . Diga-se: Não havendo mais nada que tratar. Tirar partido. Diga-se: Tirar proveito. Usou esta frase... Diga-se: Usou desta frase. Prefiro do que. . . Diga-se: Prefiro a. O advérbio talvez, precedendo ao verbo, pede o sub­ juntivo, e, posposto, o indicativo. Exemplo: Talvez seja isso exato. Isso é talvez exato. Tenho muito a fazer. Diga-se: Tenho muito que fazer. Tenho a estudar. Diga-se: Tenho de estudar. De maneira a: de modo a acontecer alguma coisa. Diga-se: de maneira que alguma coisa aconteça. Tenho coisas importantes a lhe dizer... Diga-se: Te­ nho coisas importantes que lhe dizer. Tenho muito a te contar. Diga-se: Tenho muito que te contar. Tenho a te pedir. Diga-se: Tenho muito que te pedir. É tempo deles irem embora. Diga-se: É tempo de eles irem embora. Proposital. Diga-se: Propositado. Dezenas de mil anos. Diga-se: Dezenas de milhares de anos (o complemento que restringe, ou em que incide a palavra dezena, nunca pode ser adjectivo, e mil é adjec­ tivo). Através o campo. Diga-se: Através do campo. 136 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS Onde vais hoje? Diga-se: Aonde vais hoje? Eu sinto um mau estar. Diga-se: Eu sinto mal estar. Recorda-nos de ter havido. Diga-se: Recordamo-nos de ter havido. Enquanto a. Diga-se: quanto a. Haja vista os regulamentos. Diga-se: Hajam vista os regulamentos. De maneira a. Diga-se: De maneira que (seguido do infinito). O seu crime é grande para merecer perdão. Diga-se: O seu crime é tão grande que não merece perdão. Conforme nas condições. Diga-se: Conforme às con­ dições. Preferir que. Diga-se: Preferir a. Vão haver partidas. Diga-se: Vai haver partidas. Êle fêz com q u e . . . Diga-se: Êle fêz que. Dignatários. Diga-se: Dignitários. Insistir sobre alguma coisa. Diga-se: Insistir em al­ guma coisa. Prevalecer da ocasião. Diga-se: Valer-se da ocasião. EXERCÍCIOS PRÁTICOS Oferecemos temas para redação e para exercícios orais, ou para rápidas palestras. No primeiro caso, no da redação, pode o leitor escrever algumas páginas sobre o tema apresentado. No segundo, fará uma palestra a um auditório imaginário, em sua casa, ou em lugar ausente de ruídos exteriores, e pôr-se-á a explanar para esse "au­ ditório" o tema da palestra. Vejamos um pensamento de Pascal: "A última diligência da razão é reconhecer que há uma infinidade de coisas que a sobrepassam; ela é fraca por­ que nem isso consegue conhecer. Se as coisas naturais a sobrepassam, que se dirá das sobrenaturais?" Seja este o tema da redação ou da palestra. Que de­ ve fazer o leitor, se quiser explaná-lo? Dar uma ordem aos pensamentos que esse tema possa sugerir, associar, exigir. Em suma, esquematizar o assunto para desenvol­ vê-lo sem confusões; fazer um esquema que lhe seja um guia da oração ou da redação. Estabelecido o esquema, poderá o leitor corrigi-lo, ampliá-lo, notar os defeitos, me­ lhorá-lo. Estabeleçamos este esquema: 1.° — Blaise Pascal (1623-1662), nasceu em Paris, fi­ lósofo e matemático francês. 2.° — Este pensamento reproduz, em síntese, a sua filosofia. (Reproduzir o pensamento de Pascal). 3.° — É a razão uma alta função do nosso espírito. 4.° — É pela razão que o homem se distingue dos ani­ mais. 5.° — A razão permitiu o conhecimento inteligível e, por isso, o progresso do homem. 6.° — Alguns filósofos endeusam a razão, tornando-a todo-poderosa. 142 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS esse exercício, em pouco tempo, o espírito do leitor tor- na-se afeito às associações rápidas, imediatas. As pala­ vras surgirão fáceis, precisas e abundantes, evitando os tropeços que são tão desagradáveis aos que discursam. Se o leitor tiver um dicionário à mão pode prescindir do dicionário de sinónimos. Entretanto, sempre aconse­ lhamos ter um, pois seu manuseio é necessário, muitas vezes, para evitar as repetições que são tão desagradáveis. Oferecemos agora dois tipos de exercício de Retórica: a) exercícios práticos sintéticos; b) exercícios práticos analíticos. Os primeiros consistem em tornar intensivas as ideias, e os segundos em torná-las extensivas. Os exemplos nos mostrarão melhor como revestirmos sinteticamente de beleza as ideias, e como as completar­ mos pela análise das associações. Estudemos, primeira­ mente, os exemplos sintéticos. A leitura e a análise de cada um desses trechos, mui­ to contribuirá para o desenvolvimento do bom gosto. Ve­ jamos: O ódio é uma paixão que se manifesta nos seres hu­ manos. Mas ninguém iria odiar quem julga desprezível, inferior, mesquinho. *. O ódio dirige-se apenas àqueles que ficam acima de nós ou que nos igualam, que se ombreiam conosco. Es­ sas ideias, vejamos como as revestiu com singeleza e pro­ fundidade Nietzsche: "Não se odeia a quem se despreza; odeia-se a quem é julgado igual ou superior". Por ocasião de um discurso ou de uma conferência, uma ideia revestida de simplicidade, de palavras expressi­ vas e claras, com essa orientação, reflete-se profunda­ mente no auditório. Vejamos outra: Todos nós sabemos que os homens, quando injuria­ dos, sofrem profundamente. A injúria angustia-os, tn, -lhes horas de aborrecimento, de mal-estar. Em compen­ sação, quando recebem benefícios, não são todos os que CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 143 conservam boa memória e esquecem facilmente os favo­ res recebidos, num gesto de ingratidão muito comum. Ve­ jamos como Boiste, com simplicidade sublime, revestiu essas ideias com poucas e expressivas palavras: "Escrevei as injúrias na areia; gravai no mármore os benefícios". Quem dissesse a um auditório essas ideias, da forma como fizemos acima, não a de Boiste, atrairia interesse, não lhe daria, porém, o prazer profundo como se a pro­ nunciasse igual a êle. Por quê? Porque, no primeiro ca­ so, o auditório seria levado, a um passo normal, ao as­ sunto de que se deseja tratar. No segundo caso, é êle arrancado da sua inércia, projetado mais alto, exaltado em sua emoção, pela rapidez com que as palavras o leva­ riam ao tema, fazendo-o sentir mais agudamente e, con­ sequentemente, dando-lhe mais prazer, tornando assim a palestra mais agradável, mais interessante e também inesquecível. Um outro exemplo: Todos os aborrecimentos que encheram a nossa vida, as angústias por que passamos, os momentos em que co­ metemos certos erros, retornam à memória para nos en­ cher de desgosto. Lembramo-nos das injúrias recebidas, dos momentos de humilhação que sofremos, das cenas desagradáveis que presenciamos. Tudo isso, voltando à memória, nos com­ punge, nos desgosta. Se pudéssemos esquecer tudo, já não sofreríamos tanto, e poderíamos gozar os momentos que passam, sem a presença dessas recordações tão desa­ gradáveis. Apreciemos agora como Secrétan, aproveitando es­ sas ideias, revestiu-as da simplicidade aguda que eleva ao sublime". Ao pronunciar tal período, deixa o orador ou confe­ rencista uma porta aberta às sugestões. O ouvinte ou leitor não se satisfaz apenas em ouvir. Exposta assim a ideia, põe-se logo a meditar, a associar casos passados, a comprovar com sua própria experiência a profundidade do que é afirmado. E, dessa forma, a actividade que tem de empreender o anima, o entusiasma, o exalta. 144 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS Que conclusões de caráter prático podemos tirar? Que, ao desejarmos expressar ideias, devemos reves­ ti-las da forma mais simples e aguda. Uma imagem bem escolhida e bem colocada, sem exagero, pode perfeitamen­ te elevar o sentido por oferecer sugestões. Vejamos essas palavras eloquentes de Rui Barbosa quando tratou do Caso Dreyfus. Quantas ideias, quantas razões, quantos argumentos, sintetizados com hábil maes­ tria e que, nas mãos de um orador ou de um conferencista medíocre, seriam usados, empregados ao extremo, por mi­ nutos e minutos, terminando por cansar o auditório. No entanto Rui, com sobriedade, expressa-as assim: "Essa multidão espumante, que cercava ameaçadora, a Escola Militar, bramindo insultos, assuadas e vozes de morte, — que mais era, portanto, afinal, do que uma força violenta e cega, como os movimentos inconscientes da na­ tureza física? Pela minha parte, não conheço excessos mais odiosos do que essas orgias públicas da massa irres­ ponsável. Nada seria menos estimável, neste mundo, que a democracia, se a democracia fosse isto. Esses escânda­ los representam o pior desserviço à dignidade do povo, e constituem o mais especioso argumento contra a sua autoridade. Não é sob tais formas que êle se há de mos­ trar digno da soberania, cujo cetro as tendências da nos­ sa época lhe reconhecem. Se o número não souber dar razão dos seus actos, se as maiorias não se legitimarem pela inteligência e pela justiça, o governo popular não se­ rá menos aviltante que o dos autocratas. Nem a invocação da pátria imprime ̂ t a i s desvios fi­ sionomia menos antipática. Mal honram a pátria as con- torsões de um patriotismo histérico, que vive a se su- perexcitar com a obsessão de traições, que julga de oitiva, fulmina por palpites, e instiga os magistrados a prevari­ carem, antepondo a popularidade à justiça". Agora responda o leitor quantas sugestões, quantas associações redemoinham, chocam-se, conjugam-se den­ tro de seu espírito? Quantas opiniões favoráveis, desfavoráveis, quantas contradições tumultuam ao ouvir tais palavras? CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 145 Conselhos: —Depois dessas leituras, deve o leitor or­ ganizar por si mesmo períodos simples, incisivos, onde do­ mine a intensidade e não a extensidade, para ir adquirin­ do, por si mesmo, a maestria que é apanágio dos grandes génios da humanidade. * * * EXERCÍCIOS ANALÍTICOS Vejamos estas palavras de Epicteto e organizemos com elas um esquema: "Esperas ser feliz quando tiveres obtido o que queres. Enganas-te; terás as mesmas in­ quietudes, iguais cuidados, idênticos desgostos, semelhan­ tes temores, desejos parecidos. A felicidade não consis­ te em adquirir e em gozar do adquirido, mas sim em não desejar, porque consiste em ser livre". Um esquema: 1." — Epicteto, pensador grego do século I depois de Cristo; 2.° — todo homem deseja a felicidade; 3.° — como o conceito de felicidade varia de homem para homem, varia também o seu objecto; uns põem a felicidade nisto, outros naquilo; 4.° — o objecto da felicidade é o que é desejado, que, obtido, dá a impressão de havê-la alcançado; 5.° — então, as inquietações e cuidados terão desapa­ recido; 6.° — mas a felicidade não consiste numa acquisição nem no gozo do adquirido, porque sobrevêm a sacieda­ de, o cansaço; 7.° — pensamos na felicidade porque a desejamos. Todo desejo de felicidade tende para um objecto; 8.° — porque desejamos, somos presas do desejo, submetidos ao desejo, escravos do desejo; 9.° — liberta-nos do desejo de obtenção de um ob­ jecto, livra-nos de colocar a felicidade em alguma coisa; 10." — a felicidade, então, será vivida pela ausência do desejo, pela nossa libertação do desejo. — Eis o pensa­ mento de Epicteto. 146 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS Agora uma bela fábula de Florian: "Passeava um jovem príncipe com seu ministro por um bosque. Como é natural entre os grandes, aborreceu- -se e sentou-se à sombra de uma árvore. Num galho, um rouxinol pôs-se a cantar. Maravilhado com o canto, o príncipe quis imediata­ mente caçá-lo, para pô-lo numa gaiola, mas o ruído que fêz afugentou o pássaro. Por que — disse encolerizado, — o mais amável dos pássaros vive nos bosques, sombrio e solitário, enquanto meu palácio está cheio de pardais? Pois — disse-lhe o ministro — que vos sirva de lição este facto. Os néscios sempre se apresentam, enquanto o mérito se esconde. É preciso ir procurá-lo". Façamos o esquema: 1.° — que nos ensina a fábula de Florian? 2.° — os grandes sábios, os homens estudiosos, pre­ cisam da solidão. É na solidão que eles se entregam à meditação; 3.° — os medíocres e ambiciosos precisam do ruído da praça pública; 4.° — os medíocres apresentam-se para os cargos mais elevados. Julgam-se sempre capazes de ocupá-los e pensam que são suficientemente competentes; 5.° — vemos nos jornais, revistas, estações de rádio, repartições públicas, editoras, sociedades culturais, etc. medíocres e mais medíocres a se elogiarem uns^ps ou­ tros, para, apoiados uns nos outros, obterem os cargos mais elevados; 6.° — o sábio, que sabe o que sabe e sabe o que não sabe, cultiva a solidão, o silêncio, a modéstia; 7.° — quem quiser escolher homens de valor não irá à praça pública, não se deixará levar pelos elogios fáceis que uns fazem em benefício dos outros. Procurará na solidão os verdadeiros talentos; 8.° — já houve quem dissesse que os maiores valo­ res permanecem ocultos. Um homem de genuíno talento não irá mendigar a medíocres que o reconheçam, porque sabe que esses o combaterão sempre. CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 147 9.° — assim como em certas repartições e oficinas aquele que trabalha, aquele que cumpre o seu mister é combatido pelos "colegas" porque mostra a incompetên­ cia dos outros, assim também os verdadeiros talentos, sempre, na história humana, foram combatidos pelos me­ díocres. Eles temem a concorrência do mais capaz, por­ que essa eles não podem enfrentar. Então, que fazem? 10.° — A conspiração do silêncio é uma das suas ar­ mas. A outra é fechar-lhes as portas aos lugares onde possam esplender o seu talento. Assim verdadeiras "ca- morras" se formam nos jornais, revistas, editoras, cargos culturais, etc, para impedir a entrada dos que possam mostrar a mediocridade do grande número. 11.° — Se o rouxinol da fábula se apresentasse no pa­ lácio do príncipe para mostrar o seu canto, todos os par­ dais corrê-lo-iam a bicadas. * * * Há crentes que constroem de Deus uma imagem bem humana. Atribuem-lhe uma função de pensar, de medir mentalmente, de comparar mentalmente como as dos ho­ mens. Como não podem concebê-lo como puro espírito, dão-lhe uma dimensão, concebem-no como estando em algum lugar, isto é, ocupando uma parte do espaço e, na­ turalmente, como algo que se dá no tempo. Outros cren­ tes, porém, vêem em tais afirmativas, erros palmares e as acusam. Essas ideias, todas, que poderiam dar mar­ gem para páginas e páginas, vejamos como as sintetizou Kierkegaard: "Deus não pensa, cria; não existe, é eterno". Quanta síntese e quantas sugestões para a meditação. Ao pronunciar essa frase, o espírito se recolhe, a medita­ ção agudizia-se e a sugestão de temas dos mais variados se impõe. A criação seria o pensamento de Deus. Não pertence êle ao tempo, mas sim à eternidade, que é a su­ peração absoluta do tempo, onde o futuro e passado não existem, onde tudo é um presente perene. Vejamos outro: Todos notamos que, no amor, não nos deixamos guiar perfeitamente pela razão. Quem ama friamente não ama, dizem todos, porque sendo o amor um sentimento, uma forte emoção, êle nos arrebata, não nos permite que meditemos, que fixemos a atenção para 150 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS "Chegará um dia em que nossas recordações serão nossa única riqueza" (Paul Géraldy). "A ciência rejuvenesce a alma, minora a amargura da velhice. Ajunta pois sabedoria que será o alimento dos teus dias de velho" (Marejkovsky). "Se és trabalhador, não morrerás de fome; a fome pode chegar à porta do homem laborioso, mas não se atreve a entrar" (Franklin). * * * Aqueles que, na vida, se vêem obrigados a lutar qpn- tra criaturas moralmente disformes, contra indivíduos que usam todos os meios para se impor, que empregam o melhor de suas forças nesse combate aos maus, precisam ter o máximo cuidado para não se deixarem empolgar pelos métodos dos inimigos, não adquirir seus aspectos, seus meios de luta, nem usarem tampouco as monstruosi­ dades empregadas pelos outros. Nietzsche traduziu tudo isto em dois períodos: "O que luta com monstros deve ter cuidado de não se tornar também monstro. E se olhas muito para um abismo, o abismo acabará por olhar dentro de ti". * * * Fala-se muito do amor. Muito do que os homens es­ creveram referiu-se a esse sentimento. As páginas mais contraditórias, as ideias mais diversas foram expressadas, discutidas, comentadas. O amor-sentimento, essa flor nascida e animada na idade média europeia, cantada pelos trovadores proven­ çais e vivida em seus momentos mais altos pelos cavalei­ ros andantes, não pode ser confundida com os actos de amor, puramente físicos, que, quando exaltados, valori­ zados exageradamente, acabam por esconder o amor-sen­ timento em toda a sua pureza e intensidade. Assim há duas maneiras de amar. Vejamos como Mahdi Fezzan, sinteticamente, os descreveu: "Há os que amam e os que praticam actos de amor. A persistência de um desses es- \ CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 151 t tados não implica a do outro. A duração de um ou de outro é muitas vezes um engano". * * * Façamos agora algumas análises sobre pensamentos célebres, transportando-os em temas para palestras-exer- cícios: "Não sabem ser justos e querem ser livres!" (Seyès). Podemos analisar assim essa imprecação famosa do grande político francês: 1.° — A história humana é uma luta constante con­ tra a opressão. Mostrar factos. 2.° — A liberdade foi sempre considerada activa, is­ to é, uma ação prática, porque uma liberdade que se não pratica não é liberdade, mas apenas uma ideia abstracta da liberdade. 3.° — Não é liberdade ofender a liberdade. Assim não é livre quem ofende a liberdade alheia. 4.° — Consequentemente, a liberdade tem a sua éti­ ca, que consiste no respeito mútuo. 5.° — Que evidencia esse respeito mútuo senão uma consciência da justiça? 6.° — Se a justiça é dar a cada um o que é de seu direito, não prejudicar quem quer que seja, não lesar os direitos dos outros, a liberdade é inseparável da justiça. 7.° — Assim sendo, como podem ser livres aqueles que não sabem ser justos, aqueles que ofendem os direitos alheios? 8.° — Pratiquem os povos a justiça, pratiquem os homens em sua vida privada e pública a justiça, e só de­ pois terão o direito de exigir a liberdade, porque a liber­ dade se consolida onde a justiça é respeitada. * * * Vejamos este pensamento de Crisipo, famoso filósofo grego: "O sábio não carece de nada e, contudo, necessita de muitas coisas; pelo contrário, o tolo não necessita de na­ da, porque de nada sabe fazer uso, mas carece de tudo". 152 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS 1.° — O sábio é quem sabe o que sabe, e sabe que não sabe o que não sabe. 2.c — Esse saber, se lhe mostra tudo quanto lhe é já próprio, é também um saber de tudo quanto necessita saber. 3.° — Não tem o sábio carências: o pouco que tem é suficiente para encher-lhe a vida, porque não se deixa per­ der nem dominar pelas coisas exteriores, mas por aque­ las do espírito. 4.° — Necessita, sim, de muitas coisas; essas não são as exteriores, mas, sobretudo, as do espírito, as do conhe­ cimento, porque o sábio é sempre ávido de saber, pois êle sabe que não sabe o que não sabe, e quer saber o que não sabe. õ.'> — O tolo não necessita desse saber, porque dele não pode fazer uso. 6.° — E como não sabe usar esse saber, êle carece de tudo porque não tem o que lhe enriqueceria a vida. 7.° — Os tolos procuram nas coisas exteriores o que lhe encha o vazio interior; mas como elas nunca ressoam em seu interior, senão vaziamente, é êle sempre um ne­ cessitado, um carente de tudo, e sua vida é uma constante insatisfação, um desejo informe, insatisfeito, que a posse das exterioridades não alivia, mas, apenas, exacerba. - 8.° — Assim a felicidade que dá às coisas é uma feli­ cidade fugidia e cansativa, enquanto a outra felicidade é plena e duradoura. A avidez do tolo é uma tortura e uma angústia, porque se tivesse todas as coisas seria ainda mais infeliz, enquanto a avidez do sábio é uma avidez de saber que cada conquista lhe enche de profunda felicidade. Mais alguns pensamentos para esquemas analíticos: "Aquele que nunca amou não pode ser bom" (Es­ quilo). "Poucas vezes aqueles que amamos nos enganam: na maioria das vezes somos nós mesmos que nos engana­ mos com eles" (Condessa d'Agoult). "Faze tudo como se alguém te contemplasse" (Epi­ curo). CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 153 "Assombras-le de que as viagens não te dão provei­ tos? Quando vais contigo mesmo em toda parte?" (Só­ crates). "Queres contar teus amigos? Cai no infortúnio'' (Na­ poleão). "A palavra é do tempo; o silêncio, da eternidade" (Maeterlinck). "A dúvida é o começo da sabedoria" (Segur). "Retira-te dentro de ti próprio, sobretudo quando necessites de companhia" (Epicuro). "Deus ordenou ao tempo consolar os desditosos" (Joubert). O espetáculo da vida humana nos mostra que temos em abundância boas e más qualidades. Chegamos ao ex­ tremo elevado da nobreza e ao extremo inferior da mes­ quinhez. Somos capazes de grandes desinteresses, mas também de atitudes utilitárias e baixas que repugnam aos outros como a nós as atitudes dos outros nos repugnam. Entretanto, sabemos que pairamos entre esses dois extre­ mas, em graus diversos, ora mais tendentes para um ex­ tremo, ora para outro. Se observamos bem, quantas ati­ tudes nobres e elevadas são apenas aspectos qualitativa­ mente melhores de seres mesquinhos? Quantos são ca­ pazes de um acto não utilitário, apenas porque, ao prati­ cá-lo, causam admiração, inveja aos outros? Não é a vaidade que consegue reunir em nós o mes­ quinho ao nobre? Não é por meio dela que nos eleva­ mos ao mais alto? Vejamos como tais pensamentos, sintética e bela­ mente são expressados por Scheller: "Como procede a natureza para reunir no homem o nobre com o mesquinho? Põe a vaidade de permeio". * O * Há homens que não têm iniciativa. Não são capa­ zes de se imporem, de ser o que são, nem de construir uma personalidade. Não pensam por si sós, mas apenas repetem o que outros dizem. Temem expressar seus sen­ timentos e pensamentos, receosos de errar, como se não errassem também os grandes. Não escolhem por medo 154 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS de escolher. Preferem pensar com os outros, raciocinar com os outros, guiarem-se por palavras de ordem, ter as mesmas ideias dos que julgam superiores. Vejamos como Epicteto referiu-se a eles: "Pretendes ser como os maus que só podem cantar nos coros?" ANALÍTICOS. "OS ANIMAIS SAÚDAM O SOL" Agradecidos pelos favores que o sol oferece a todos os animais que vivem sobre a terra, o leão propôs, e foi aceito, que se lhe prestasse ao amanhecer uma grande homenagem. Combinaram a organização de um grande coro dos animais sob a regência do rouxinol. Milhões de vozes se ergueram à madrugada, numa melodia única, suave, harmoniosa, saudando o astro-rei. Uma única voz desafinou e atraiu os olhares furibundos do leão, do tigre e do leopardo. Terminado o coro, o rouxinol, de cima de uma árvore, disse à raposa: — Comadre raposa, que lástima! Por que desafinou daquele modo? — Ora, meu amigo, se não desafinasse como é que chamaria a atenção para mim?" (Mahdi Fezzan). Façamos agora um esquema de uma rápida palestra: 1.° — Leitura da fábula de Mahdi Fezzan. 2.° — Que lições proveitosas nos dá essa fábula? Muitas. 3.° — A gratidão, eis o primeiro tempo. Nunca é de­ mais mostrar o seu valor. O grato não pode ser indife^ rente aos favores que recebe; por isso tem sempre pala­ vras ou gestos que reflitam o sentimento que experimenta quando é beneficiado por alguém. 4.° — Não digamos que os favores recebidos sejam um dever de quem nos dá. Há favores que nem sempre merecemos. Muitas vezes, a grandeza de alma, a magna­ nimidade de outrem, nos favorece além do que merecía­ mos. A gratidão é uma virtude e um dever. CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 155 5.° — Mas essa não é a única lição da fábula. A maior é a que nos dá a raposa. 6.° — Muitos passam pela vida sem que despertem atenção aos outros. São comuns, medíocres, sem nada que os torne dignos de admiração. 7.° — Esses nem sempre suportam humildemente a sua situação de anónimos. E tudo fazem para se ergue­ rem. E como não podem conseguir a posição elevada que despertaria a atenção geral, porque são incapazes de criar, querem a notoriedade. 8.° — A notoriedade é obtida, não por actos elevados, mas por desafinações muitas vezes, fazendo o que é dife­ rente, contrário até às normas. Assim há pessoas que para se tornarem notadas vestem escandalosamente, ou falam alto, ou gritam, ou cometem actos que afrontam as normas vigentes para atrair sobre si mesmas a atenção dos outros, â 9.° — Perturbam o ambiente, são desagradáveis por­ que desafinam, chamam sobre si a notoriedade, não a ce­ lebridade que enobrece, mas a notoriedade do apontado, do que é indicado como alguém que se não deve nem se pode imitar. É preciso que se note na vida quantos se tornam no­ tórios apenas porque desafinam. São "falados", porque fizeram actos que não se recomendam. Sua notoriedade passa, e quando fica alguma memó­ ria, é apenas para exemplificar como se não deve pro­ ceder. Por que não faz o leitor um exame dos nossos ho­ mens notórios? Verifique quantos se tornam conhecidos apenas pelo que de ruim realizam e quão poucos são os que se er­ guem na verdadeira admiração, aquela admiração que tem memória, que é a celebridade. Alguns temas para palestras e redações: "Todo erro é uma verdade mascarada" (Hebbel). * * * 160 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS mano, enquanto as outras acabarão como raças de passa­ gem. E por sobre o futuro, que há de ser a tua glorifi­ cação, na voz das criaturas e dos céus, se ouvirão para sempre as hosanas do teu triunfo: Ressurgiu!" A CORAGEM "Quem admira a coragem nos bárbaros, a coragem na selvageria, a coragem na crueldade? O heroísmo não está na embriaguez impulsiva da cegueira diante dos pe­ rigos: está na indiferença diante da morte pela verdade, pela liberdade, pela honra, pelo bem. O desinteresse, a abnegação, o sacrifício, levado até o extremo da renúncia à vida, pelas causas puras e benfa­ zejas: eis a coragem nacional. Como a pátria encarna, em geral, para o coração do homem, a síntese dessas causas, expressão da honra na família, da liberdade nas leis, da verdade na instrução, do bem no conjunto desses tesou­ ros, o soldado ativa na nossa admiração como o símbolo dessas virtudes convertidas em profissão habitual: a força humanizada pela sujeição ao dever, pelo desprezo, pelo culto da felicidade comum. Emancipai-a desses freios, tirai-lhe essa generosidade, retrocedei-a ao domínio dos instintos bravios: já não é força animada pela consciên­ cia: é apenas a animalidade armada. Desassombro em fulminar ou em padecer a cessação da vida, tudo pode ser coragem. Mas, de coragem a co­ ragem, entre a de morrer e a de matar, qual será, senho­ res, a coragem humana? A coragem de matar é a do bruto, a do louco, a do criminoso. A coragem de morrer é a do soldado, mas é também a do missionário, a do juiz, a do advogado. Não sei em que balança as pesaríamos, a ver qual delas reúne mais quilates: se a coragem do homem de guerra, a coragem do homem da verdade, ou a coragem do homem da lei. Uns elegerão a do amor da pátria, ou­ tros a da ciência ou da santidade, outros, ainda, a da jus­ tiça. Todos têm em comum, entre si, uma divina afini­ dade: a imolação voluntária do homem pela sua raça, CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 161 pela sua fé, ou pelo seu ideal. Eis o que desbrutaliza a guerra, o que legitima o soldado, o que nobilita a espada, mas, ao mesmo tempo, o que eleva a coragem civil à altura da coragem militar, menos rara do que a outra". » * s> A PAIXÃO DA VERDJDE "A paixão da verdade assemelha, por vezes, às ca­ choeiras da serra. Aqueles borbotões dágua, que reben­ tam e espadanam, marulhando, eram, pouco atrás, o re­ gato que serpeia, cantando, pela encosta, e vão ser, daí a pouco, o fio de prata que se desdobra sussurrando na -esplanada. Corria, murmuroso e descuidado; encontrou o obstáculo: cresceu, afrontou-o, envolveu-o, cobriu-o, e, afinal, o transpõe, desfazendo-se em pedaços de cristal e ílôres de espuma. A convicção do bem, quando contra­ riada pelas hostilidades do erro, do sofisma, ou do crime, •é como essas catadupas da montanha. Vinha deslizando, quando topou na barreira, que se lhe atravessa no cami­ nho. Então remoinhou arrebatada, ferveu, avultando, empinou-se, e agora brame na voz do orador, arrebata- -lhe em rajadas a palavra, sacode, estremece a tribuna, e •despenha-se-lhe em torno, borbulhando. Mas o que ela contém, e a impele, e a revolta, não é cólera, não é destruição, não é maldade: é o poder no pensamento, a vibração da fé, a energia motriz das almas, esse fluido impalpável que se transporta nas ondas invi­ síveis do ambiente, e vai, por outras regiões, arder nos espíritos, fulgurar nas trevas humanas, abalar vontades, agitar indivíduos e povos, reanimados ao seu contacto, como os mais maravilhosos instrumentos da indústria, os teares, as forjas, os estaleiros, acordam ao influxo dessa eletricidade silenciosamente bebida, léguas e léguas daí, por um fio de cobre aéreo, nas quedas sonoras do rio. Enquanto, porém, essa transmissão imperceptível opera ao longe maravilhas, renovando a actividade às civiliza­ ções, derramando vida pela superfície da terra, a corren­ teza precipitada, que acabou de criar à distância essas descargas de grande força volve, pouco adiante ao reman­ so ordinário do seu curso, perdendo-se entre as defesas do monte e as alfombras da pradaria. 162 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS As revoltas da consciência contra as más causas, ain­ da contra as piores, não azedam um coração desinteres­ sado. O meu tem atravessado as maiores procelas polí­ ticas, às vezes sossobrado, ferido, sangrando no entusias­ mo e na esperança, mas sem fel. Não seria este novo encontro, embora duro e violento, com a mentira polí­ tica, a velha corruptora dos nossos costumes, a sabida arruaceira das cercanias do poder, a pimpona fixadora do grande mercado, que me induzisse a esquecer, para com as pobres criaturas por ela contaminadas, a lição divina da caridade. Antes de político me prezo de ser cristão. Não sei odiar os homens, por mais que deles me desiluda. O mal é inexorável, pela consciência de ser caduco. O bem, paciente e compassivo, pela certeza da sua eterni­ dade" (1). (1) Outros exercícios, que sucederão a estes, tornando mais apto o estudioso da oratória, estão compendiados em nosso livro «Técnica do Discurso Moderno». V O C A B U L Á R I O PARA O DOMÍNIO DAS PALAVRAS E DAS IDEIAS r • Um dos maiores problemas de quem redige é o voca­ bulário. A grande maioria dispõe de um vocabulário ru­ dimentar, insuficiente para a plena manifestação das ideias. O orador, o escritor, que não têm pleno domínio de um vasto vocabulário, estão naturalmente impedidos, restringidos portanto, na manifestação do seu pensamen­ to. Para aumentar as associações de ideias e enriquecer o vocabulário, oferecemos este, que nos mostra os termos mais convenientes, bem como, por sua parte, permite que as próprias palavras sugerem ideias. Esse método sim­ ples e imensamente útil pode ser ampliado pelo leitor, com o simples uso de um dicionário. De posse do mes­ mo, pode ler as palavras que encontrar, procurando asso- ciar-lhe todas as ideias que lhe possam surgir. A simples leitura do que se segue mostrará de ma­ neira clara como empregar esse método de grandes van­ tagens práticas. Deve o leitor ler sempre em voz alta, para gravar me­ lhor na memória e estimular a ação associativa da mente. Dessa forma, aumentará sua capacidade de coordenação, desenvolvendo a imaginação criadora, o que permitirá o domínio das palavras para a expressão das ideias, sem­ pre que o queira. Aproveitando-se do vocabulário que damos a seguir, pode o leitor fazer o seguinte exercício: tomar o substan­ tivo e inclusive os verbos correspondentes e adjectivos e, com eles, formar frases, quer escritas ou faladas. Exem­ plifiquemos com a palavra conhecimento. Neste caso, deve formar frases em analogia com as seguintes: "Tra­ vei conhecimento com uma pessoa de valor. Trata-se de um sábio, possuidor de um extenso, de um vasto e profundo conhecimento. Minhas relações com êle, per- mitiram-se adquirisse conhecimentos vários que êle me inculcou e felizmente os assimilei". 170 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS Amor — Um amor paternal, filial, terno, platónico, cego, carinhoso, perdido, eterno, profundo, brando, exces­ sivo, fiel. Analogia — Apresentar, oferecer, estabelecer, demonstrar, provar a analogia. Uma analogia evidente, curiosa, perfeita, completa. Argumentar por analogias. Análise — Proceder uma análise. Uma análise revela, demonstra, prova, estabelece. Uma análise cuidado­ sa, circunstanciada, superficial, penetrante, sutil, mi­ nuciosa, química, transcendente. Animosidade — Separados por uma animosidade. Uma vida de animosidade. Dissipar uma animosidade. Aniversário — Celebrar, comemorar, festejar, anunciar. Um aniversário glorioso, alegre, feliz, doloroso. Ano — Atingir um certo número de anos, contar, alcan­ çar um certo número. Um ano passa, decorre. Anonimato — Guardar, conservar o anonimato. Escon- der-se atrás do anonimato. Aparências — Fiar-se nas aparências. Evitar as aparên­ cias. Desconfiar das aparências. Salvar as aparên­ cias, revestir, cobrir as aparências. Aparências en­ ganadoras, falsas, falaciosas, ilusórias. Encobrir, disfarçar, salvar as aparências. Aparência de santo. Apelo — Lançar, escutar, dirigir, atender um apelo. Res­ ponder a um apelo desesperado, agudo, exigente, co­ movedor, impressionante. Fazer apelo aos sentimen­ tos. Apetite — Possuir, despertar, aguçar, excitar, satisfazer, refrear o apetite. Um apetite de glutão. Um apeti­ te insaciável, pantagruélico, voraz, feroz, canino. Aplausos — Aceitar aplausos, agradecer, merecer, provo­ car, atrair aplausos. Rompem, elevam-se, surgem os aplausos. Uma torrente, uma sequência de aplausos. Aplausos entusiastas, prolongados, calorosos, vigoro­ sos, fracos, indecisos, frenéticos, quentes. Aprovação — Submeter-se a uma aprovação, propor uma aprovação. Testemunhar, mostrar, manifestar, obter, receber, solicitar, recusar aprovação. Uma aprova­ ção formal, expressa, tácita, unânime, condicional, manifesta, decidida. CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 171 Ar — Respirar, aspirar, tomar ar. Exalar certo ar. Em­ pestar, purificar, envenenar, infectar o ar. Um ar puro, são, sereno, salubre, glacial, frio, deletério, in­ fectado, miasmático, mefítico, inflamável, impuro, empestado. Alimenta-se do ar. Pôr ao ar. Ar enca­ nado. Ardor — Testemunhar, manifestar, mostrar ardor. Mo­ derar o ardor. Um ardor juvenil, moderado, expres­ sivo, febril. Argumento — Apresentar, opor, fornecer, objectar, fazer valer, recusar, destruir. Um argumento convincente, prova, demonstra, estabelece. Um argumento trivial, negativo, falso, triunfante, irrefutável, peremptório, decisivo, sutil, falacioso, sofístico, invencível, capcio­ so, refutável, infeliz, sólido, concludente. Arte — Votar-se, entregar-se a uma arte. Exercer uma arte. Um mecenas, um encorajador, um estimulador, um apreciador da arte. Arte sutil, musical, poética, pictórica, plástica, liberal, coreográfica, gráfica, me­ cânica. As belas-artes. Artigo (de jornal) — Escrever, redigir, publicar, inserir, transcrever. Consagrar um artigo a qualquer coisa. Um artigo notável, sensacional, curioso, laudativo, claro, ditirâmbico, necrológico, suspeito. Artigo de fundo. Ascensão — Tentar, arriscar, fazer uma ascensão. Uma ascensão perigosa, temerária, movimentada, auda­ ciosa. Aspecto — Tomar, mostrar, oferecer, revestir um certo aspecto. Aparecer, entrever, revelar um certo aspec­ to. Um aspecto inesperado, novo, inusitado, habi­ tual, grandioso, maravilhoso, magnífico, insuspeitado, encantador, terrífico, grotesco, alegre, lastimoso. Assalto — Dar um assalto, levar a efeito um assalto, ten­ tar, repelir um assalto. Lançar-se ao assalto, um assalto inesperado, repetido, decisivo, reiterado, múl­ tiplo, vão, ineficaz, inútil. Assembleia — Convocar, abrir, dissolver uma assembleia. Manter, exortar. Uma assembleia hostil, simpática, antipática, vulgar, atenta, entusiasta, compreensiva, calma. 172 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS Assistência — Pedir, prestar. Dar assistência, acorrer em assistência de . . . Uma assistência tranquila, in­ quieta, numerosa. Associação — Fundar, constituir, dissolver, romper, for­ mar uma associação. Constituir-se em associação. Uma associação efémera, durável, política, literária, científica, comercial. Ataque — Empreender, sofrer, lançar, tentar, concertar, quebrar, reprimir, sofrer um ataque. Ser vítima de . . . , ser objecto de um ataque. Um ataque brus­ co, inesperado, terrível, violento, irresistível, impre­ visto, brutal, iminente, virulento, pérfido, covarde, inqualificável, infame. Atenção — Atrair, despertar, excitar, absorver, reter, fi­ xar, captivar, distrair a atenção. Fixar, concentrar, levar, desviar, solicitar sua atenção. Redobrar a atenção. Despertar, fixar, desviar a atenção. Uma atenção viva, fixa, particular, intensa, minuciosa, me­ ticulosa, escrupulosa, concentrada, dispersa, delicada, cuidadosa. Atitude — Adotar, tomar, guardar, observar uma atitude. Modificar, justificar, defender sua atitude. Impor sua atitude. Uma atitude súbita, humilde, expressi­ va, enérgica, suspeita, hostil, arrogante, altiva, eleva­ da, digna, religiosa, hipócrita, enganadora. Audácia — Mostrar, manifestar, testemunhar uma audá­ cia. Dar provas de audácia. Uma audácia temerá­ ria, louca, inaudita, excessiva, incrível, infernal, atre­ vida, demasiada. Audiência — Dar, conceder, recusar, solicitar uma audiên­ cia. Receber em audiência. Uma audiência pública, solene, privada. Ausência — Verificar, notar, deplorar, assinalar, descul­ par uma ausência. Suprir a ausência de alguém, de alguma coisa. Uma ausência insólita, incompreensí­ vel, demorada, inquietante, curta, prolongada, chora­ da, sofrida, desejada. Aventura — Tentar, correr, contar, narrar uma aventura. Lançar-se numa aventura. Sofrer, arrostar uma aven­ tura. Arriscar-se a uma aventura. Precipitar-se numa aventura. Procurar uma aventura. Uma aventura pe- CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 173 rigosa, banal, agradável, alegre, épica, heróica, terrí­ vel, estranha, curiosa, incrível, inaudita, inesquecível, extraordinária, extravagante, inoportuna, sobrenatu­ ral, fantástica. Aviso — Dar, receber, participar, formular, esquecer, lem­ brar, comunicar. Um aviso importante. Um aviso desfavorável, oficial, contraditório, admoestador, con­ fidente, cauteloso. B Base — Servir de base, derrocar, minar as bases, apoiar- -se sobre bases. Bases sólidas, frágeis, estáveis, ins­ táveis, móveis, aleatórias, inderrocáveis, incontestá­ veis. Batalha — Empenhar-se numa batalha. Travar-se uma batalha. Marchar para uma batalha. Uma batalha de­ cisiva, sangrenta, indecisa, encarniçada. Beleza — Ter beleza. Ser dotado de beleza. Uma beleza rara, encantadora, ideal, adorável, incomparável, ini­ mitável, marmórea, fria, magistral, única, divina. Brutalidade — Fazer, dar provas de brutalidade. Mostrar brutalidade. Tratar com brutalidade. Brutalidades que revoltam. Brutalidades odiosas, revoltantes. C Calma — Guardar, conservar, perder, impor, mostrar, exi­ bir calma. A calma renasce, restabelece-se. Uma cal­ ma absoluta, profunda, imperturbável, aparente, en­ ganadora, tranquila, serena. Caminho — Escolher, tomar, seguir, deixar, barrar, obstruir, bloquear, abrir, traçar, indicar, mostrar, aplainar, atravessar um caminho, praticável, imprati­ cável, deserto, escarpado, frequentado, recto, princi­ pal, transversal, florido, pedregoso, amargo. Campanha — Empreender, tentar, seguir, realizar, desen­ cadear uma campanha. Uma campanha ativa abomi­ nável, infame, odiosa, inqualificável, ardente, nobre, digna, extraordinária, louvável, vitoriosa. 174 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS Canto — Executar, entoar, modular, psalmodiar, murmu­ rar, elevar um canto. Um canto melodioso, harmo­ nioso, dolente, matizado, inspirado, sedicioso, belico­ so, báquico, patriótico, religioso. Caráter — Possuir, alterar, formar, construir um caráter. Falta de caráter. Um caráter que se humaniza, se amansa, se endurece. Um caráter bom, amável, ser­ vil, ameno, submisso, íntegro, aberto, amigo, rebelde, corajoso, expansivo, plácido, enérgico, imperioso, bé­ lico, autoritário, fechado, moroso, pesado, atrabiliá­ rio, feroz, mole, lunático, pusilânime, irascível, indo­ mável, inflexível, intratável, cauteloso, meticuloso, minucioso, hesitante, fraco, nobre, falso, traiçoeiro, vigoroso. Carga — Levar, suportar uma carga. Ceder, sucumbir sob uma carga. Uma carga pesa, oprime, aniquila, abate. Uma carga leve, pesada, ínfima, excessiva, imensa. Castigo — Sofrer, receber, infligir, merecer, dar, levar um castigo. Incorrer em castigo. Ameaçar um castigo. Um castigo exemplar, meritório, terrível, cruel, me­ recido, imerecido. Causa — Defender, sustentar, servir, ganhar, perder, pre­ judicar uma causa. Uma causa insustentável, inde­ fensável, pendente, defensável, nobre, sublime, justa, lícita, ilícita. Estabelecer, procurar, determinar as causas de alguma causa. Uma causa direta, clara, profunda, oculta, essencial, presumida, suprema, pri­ mária, secundária, obscura, indeterminada, intrínse­ ca, razoável, importante. Celebração — Proceder a uma celebração. Celebrar uma cerimónia. Celebrar uma data. Teve uma celebra­ ção. Celebridade — Adquirir, conquistar, ganhar a celebridade. Celebridade universal, mundial, justificada. Cerimónia — Abrir, fechar uma cerimónia. Teve lugar uma cerimónia. Cerimónia comemorativa, tocante, civil, fastidiosa. Certificado — Exigir certificado. Munir-se de um certifi­ cado. Certificado elogioso, bom. CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 175 Céu — Invocar, implorar, pedir, rogar ao céu. Ganhar o céu. Tomar o céu como testemunha. Contemplar o céu. Um céu sereno, pesado, claro, clemente, límpi­ do, nevoento, temperado, crepuscular, nublado, en- sombreado. Estar no sétimo céu. Castigo do céu. Caído do céu. Vir do céu. Chefe — Nomear, repudiar, eleger, aceitar um chefe. Re­ conhecer, aceitar por chefe. Um chefe autocrático, tirano, benevolente, despótico, atrabiliário, estimado, admirado, invejado. Chuva — A chuva cai, ameaça, cessa, recomeça, con­ traria. Chuva fina, mansa, fria, torrencial, abundan­ te, diluviana, batida, forte. Cimo — Atingir, alcançar, escalar os cimos. O cimo do­ mina, coroa. Um cimo altaneiro, inviolado, acessí­ vel, escarpado, infranqueável, alto, elevado, abrupto. Circunstância — Relatar, determinar, elucidar, circunstân­ cias. Aproveitar as circunstâncias. Defender, acor­ dar, recusar as circunstâncias atenuantes. Benefi- ciar-se das circunstâncias atenuantes. Circunstân­ cias agravantes, favoráveis, propícias. Citação — A citação tem lugar... Fazer citação. Uma citação textual, falsa, autêntica. Ciúme — Conceber, experimentar, suscitar, causar, pro­ vocar ciúme. Um ciúme cego, avassalante, domina­ dor. Civilização — Possuir, polir, reformar, implantar, requin­ tar, fazer progredir a civilização. Uma civilização an­ tiga, moderna, atual, avançada, requintada. Cláusula — Inserir, violar, respeitar, infringir uma cláu­ sula. Uma cláusula declara, prevê, significa alguma coisa. Uma cláusula legal, ilegal, ab-rogatória, der­ rogatória, cominatória. Coincidência — Coincidência pura, fortuita, curiosa, elo­ quente, simples. Colaborador — Possuir, conseguir um colaborador. Cer- car-se de colaboradores. Um colaborador imediato, __eminente, íntimo. Cólera — Suscitar, excitar, alimentar, provocar,~apaziguar, simular, conter, encorajar, calmar uma cólera. Abran­ dar a cólera. Dominar a cólera. Vencer a cólera. 180 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS anca. Criança legítima, natural, adulterina, bastar­ da, póstuma, desnaturada, ingrata, grata, rebelde, dó­ cil, indócil, obediente, desobediente, petulante, fraca, raquítica, robusta, bela. Crime — Cometer, realizar, perpetrar, premeditar, medi­ tar, espiar, punir, castigar, reprimir um crime. Cri­ me contra a natureza, crime de estado, crime políti­ co, crime capital. Um crime atroz, odioso, inqualifi­ cável, terrível, horrendo. Crise — Abrir, desencadear, provocar, causar, suscitar, evitar, vencer, suplantar, agravar, atenuar, resolver uma crise. Debater-se numa crise. Uma crise cres­ ce, decresce, aumenta, diminui, reina, desola, abre- -se, atenua-se, resolve-se. Uma crise grave, aguda, amarga, terrível, atroz, angustiante, leve, curta, tem­ porária, perpétua, endémica, provisória, passageira, efémera, longa, financeira, política, ministerial, an­ gustiante. Crítica — Endereçar, elevar, lançar, formular, formar, di­ rigir, exagerar, provocar, suscitar uma crítica. Ex- por-se à crítica. Escrever uma crítica. Ter crítica. Ser criticado. Uma crítica benevolente, excessiva, maldosa, exagerada, virulenta, acerba, incisiva, anó- dina, venenosa, condescendente, minuciosa, meticulo­ sa, pormenorizada, parcial, imparcial, subtil, perfeita. Crueldade — Exercer, cometer, sofrer uma crueldade. Praticar uma crueldade. Praticar crueldade. Tes­ temunhar, mostrar, manifestar crueldade. Uma cru­ eldade excede, indigna, revolta. Uma crueldade im­ placável, inaudita, requintada, terrível, inumana. Culpabilidade — Estabelecer, provar, afirmar a culpabili­ dade. Negar, reconhecer, confessar sua culpabilida­ de. Duvidar da culpabilidade. Uma culpabilidade apa­ rece, surge. Uma culpabilidade evidente, flagrante, indubitável. Cumplicidade — Estabelecer, provar, confessar, negar a cumplicidade. Acusar de cumplicidade. Uma cum­ plicidade tácita, manifesta, direta, indireta, activa, passiva, confessa, inconfessa. Cinismo — Testemunhar, manifestar, mostrar, exibir um certo cinismo (sempre em sentido extenso, não no fi- CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 181 losófico). Um cinismo inaudito, incrível, odioso, re­ voltante. (A palavra cinismo tornou-se pejorativa em consequência de alguns filósofos cínicos, cuja mo­ ral era das mais elevadas, pregarem uma coisa e faze­ rem outra. Daí o termo tomar, por extensão, um sentido inverso ao da filosofia). D Data — Marcar, designar, fixar, afastar, diferir, avançar, recuar, comemorar uma data. Uma data se aproxi­ ma, se afasta. Uma data importante, memorável, histórica, anterior, ulterior, última, suprema, come­ morativa, longínqua, afastada, esquecida, lembrada, festejada. Decepção — Causar, provocar, experimentar, infligir, evi­ tar uma decepção. Uma viva, cruel, amarga, profun­ da, grande, imensa, terrível decepção. Decisão — Tomar, formular, propor, notificar, anunciar, executar uma decisão. Retornar à decisão anterior. Uma firme, pronta, enérgica, irrevogável decisão. Declaração — Fazer, formular, manter, expressar, repro­ duzir, contradizer, prestar, confirmar, corroborar uma declaração. Associa-se a uma declaração. Uma declaração afirma, estabelece, confirma, corrobora. Uma declaração solene, emocionante, tocante, enfáti­ ca, luminar, decisiva. Descoberta — Fazer uma descoberta. Ir à descoberta. Estar à descoberta. Uma descoberta importante, sen­ sacional, inaudita, macabra, arqueológica, geográfica, curiosa, impressionante, lastimável. Decreto — Publicar, pronunciar, formular, promulgar, ab- -rogar um decreto. Os termos de um decreto. Defesa — Tomar, tentar, esboçar, apresentar, assegurar a defesa de alguém ou de alguma coisa. Encarregar- -se da defesa de alguém. Uma defesa formal, expres­ sa, absoluta, indireta. Defeito — Verificar, notar, assinalar, deplorar um defeito. Suprimir, remediar um defeito. Um grave defeito, leve, redibitório, capital, irremediável, principal. 182 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS Delegação — Enviar uma delegação. Enviar em delega­ ção. Receber, ouvir uma delegação. Uma delegação se apresenta, se retira. Delicadeza — Mostrar, testemunhar, manifestar delicade­ za. Exibir, dar prova de delicadeza. Uma delicade­ za esquisita, requintada, admirável, infinita, rara, ca­ tivante, nobre. Denegação — Formular, opor, manter suas denegações. Denegação de um direito. Persistir, perseverar em suas denegações. Denegações formais, violentas, enérgicas, vivas. Desacordo — Provocar, causar, levar, engendrar, apressar, acentuar, precipitar, prevenir um desacordo. Um desacordo, produz-se, existe, reina. Um desacordo in­ tegral, absoluto, fundamental, essencial, agudo, inevi­ tável, irredutível, manifesto, patente. Descontentamento — Provocar, causar, suscitar, manifes­ tar, testemunhar, assinalar um descontentamento. Agravar, dissipar um descontentamento. Um des­ contentamento legítimo, geral, grande. Discussão — Manter, abrir, fechar, abordar, começar, eternizar, terminar uma discussão. Prosseguir, in­ tervir numa discussão. Trazer a discussão. Instala- -se, produz-se, surge uma discussão. Uma discussão cortês, descortês, violenta, calma, tempestuosa, bizan­ tina, logomáquica, académica, técnica, interminável, inútil. Descrição — Dar, fornecer, redigir uma descrição. Uma descrição clara, nítida, eloquente, manifesta, pitores­ ca, pormenorizada, circunstanciada, minuciosa, justa, falsa, errónea, fantasista. Desculpas — Apresentar, formular, produzir, balbuciar, invocar, exigir, admitir, repelir desculpas. Alegar co­ co desculpa. Humildes, vis, inaceitáveis, aceitáveis, fúteis, falaciosas, falsas, miseráveis, sérias, condicio­ nais desculpas. Desejo — Conceber, formar, formular, expressar, mani­ festar, despertar, experimentar, inspirar, prevenir, fa­ vorecer, satisfazer, exacerbar, realizar, reprimir, mo­ derar um desejo ou desejos. Aquiescer, ceder, resis­ tir a um desejo. Ser animado, possuído, inflamado, CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 183 penetrado de um desejo. Um desejo anima, possui, inflama, avassala. Um desejo pode ser vivo, modera­ do, ardente, imoderado, violento, áspero, vil, bestial, bizarro, funambulesco, insensato. Desespero — Cair, mergulhar, atirar-se, submergir no de­ sespero. Entregar-se ao desespero, ser presa do de­ sespero. O desespero avassala, aniquila. Um deses­ pero sombrio, profundo, imenso, tremendo. Desgraça — Incorrer, cair em desgraça. Sofrer, mere­ cer a desgraça. Uma desgraça merecida, imerecida, injusta, arbitrária, injustificada, justificada. Desordem — Causar, provocar, semear, aumentar a de­ sordem. Uma completa, extrema desordem. Desprezo — Inspirar, provocar, conceber, experimentar, engendrar, mostrar, testemunhar, manifestar, afectar desprezo. Ser objecto de desprezo. Cobrir, olhar, envolver alguém com o desprezo. Votar um despre­ zo. Um profundo, ultrajante, insondável, imenso, ab­ soluto desprezo. Dever — Realizar, cumprir, impor, indicar, mostrar, es­ quecer, ditar, traçar um ou mais deveres. Afastar-se do dever. Faltar, retornar ao seu dever; subtrair-se a um dever. Um dever incumbe, se impõe. Um de­ ver imperioso, estricto, piedoso, cruel, sagrado, ele­ mentar. Devotamento — Prodigar, prometer seu devotamente Fazer prova, demonstração de devotamente Assegu­ rar seu devotamente Um devotamento integral, completo, admirável, sublime, perfeito. Dificuldade — Causar, provocar, criar, suscitar, engen­ drar, encontrar, aplainar, marcar, evitar, superar, vencer, suspeitar, temer as dificuldades. Esquivar- -se das dificuldades. Rir das dificuldades. Nasce, surge, estabelece-se, instala-se dificuldade. Uma ex­ trema, insuperável, inaudita, invencível, inevitável, in- suspeitável dificuldade. Dignidade — Conferir uma dignidade. Uma alta, supre- ma dignidade (amor próprio). Abdicar, perder sua dignidade, defender a dignidade própria ou alheia. 184 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS Dilação — Aceitar, pedir, solicitar, recusar, fixar, impor, assinar, prorrogar, exigir uma dilação. Uma dilação expira. Uma breve, curta, longa, afastada dilação. Direito — Proclamar, reclamar, invocar, consagrar, rei­ vindicar, adquirir, obter, conferir, reconhecer, desco­ nhecer, salvaguardar, ultrapassar, alienar, abdicar, abolir, suprimir, retirar, reservar-se um direito. Abusar, usar, desistir, privar de um direito. Um di­ reito soberano, absoluto, exclusivo, sagrado, impres­ cindível, real, recíproco, mútuo, alienável, contestá­ vel, incontestável. Duração — Fixar, prolongar, limitar uma duração. Uma duração limitada, longa, curta, efémera, indetermi­ nada, ilimitada, fixa, variável, conhecida, desconheci­ da, determinável, indeterminavel. Dúvida — Emitir, esclarecer, dissipar, conservar, formu­ lar uma dúvida. Uma dúvida se ergue, nasce, surge, subsiste, persiste, mantém-se. Uma dúvida cruel, passageira, súbita. E Edifício — Erguer, construir, sustentar, solapar, restau­ rar, reparar um edifício. Um edifício se eleva, se ergue, rui, ameaça ruir. Um edifício suntuoso, gran­ dioso, majestoso, orgulhoso, elevado. Educação — Dar, receber, negligenciar, orientar a educa­ ção. Cuidar da educação de alguém. Uma educa­ ção requintada, má, deplorável, falha, cuidada, orien­ tada. Efeito — Produzir, anular, destruir, esperar efeitos. Um efeito se produz. Um efeito nefasto, feliz, infeliz, ple­ no, esperado, inesperado, imenso, maravilhoso, radi­ cal, duvidoso, seguro, certo, desastroso. Egoísmo — Dar prova, testemunhar um certo egoísmo. Exibir seu egoísmo. Um egoísmo vil, estreito, mes­ quinho, raro. Elogio — Pronunciar, receber, dirigir, endereçar elogio. Cobrir de elogios. Um elogio entusiasta, ditirâmbi- co, fúnebre, exagerado, merecido, imerecido. CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 185 Emoção — Causar, provocar, suscitar, despertar emoção. Lutar contra uma emoção. Trair, esconder, revelar sua emoção. Uma emoção se apossa, domina. Uma viva, intensa, considerável, legítima, profunda, passa­ geira, comunicativa. Energia — Temperar, tender, retemperar, perder, reen­ contrar suas energias. Mostrar, testemunhar ener­ gia. Fazer prova de energia. Uma energia ardente, indomável, rara, feroz, calma, sôbre-humana, fria. Enigma — Decifrar, adivinhar, resolver um enigma. Um enigma subsiste, persiste. Um enigma cruel, pertur­ bador, insolúvel, decifrável, angustiante, indecifrável. Empresa — Levar, dirigir, conduzir, secundar uma em­ presa. Uma empresa coroada de bom êxito. Uma empresa louca, razoável, temerária. Ensaio — Tentar, efetuar, riscar, esboçar, repetir, reite­ rar um ou mais ensaios. Multiplicar os ensaios. Pro­ ceder, livrar-se a um ou mais ensaios. Um ensaio frutuoso, infeliz, infrutuoso, informe, concludente, há­ bil, inábil. Ensinamento — Dar, inculcar, receber, seguir, professar, escutar um ensinamento. Um ensinamento frutuoso, didático, colectivo, mútuo, individual, facultativo. Entusiasmo — Provocar, suscitar, professar, mostrar, testemunhar, manifestar, desencadear entusiasmo Transportado pelo entusiasmo. Ser animado de um entusiasmo. Um entusiasmo ardente, desbordante. delirante, indescritível, louco, extraordinário, comu­ nicativo. Equilíbrio — Perder, romper, guardar, conservar, restabe­ lecer o equilíbrio. O equilíbrio se rompe, se estabe­ lece. Um equilíbrio estável, instável, indiferente, perfeito. Equívoco — Provocar, causar, suscitar, produzir, dissipar, destruir um equívoco. Levar ao equívoco. Prepa- parado para todo equívoco. Um equívoco nasce, produz-se, perdura, persiste. Erro — Cometer, propagar, corrigir, destruir, refutar, re- tificar, denunciar, relevar, desmascarar, confessar, retratar, abjurar um erro. Cair, versar, induzir um 190 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS Fórmula — Cumprir uma fórmula. Uma fórmula sim­ ples, complicada, feliz, inusitada, ôca, sacramental,, complicada. Receitar uma fórmula. Fortificação — Elevar, blindar, desmantelar, construir, erigir, levantar fortificações. Fortificações inatacá­ veis, inexpugnáveis. Fortuna — Realizar, ganhar, perder, gerir, possuir, dila­ pidar, malgastar, engolir, desviar, dissipar uma for­ tuna. Tentar fazer fortuna. Uma fortuna imensa, colossal, fabulosa, modesta, rápida. Adquirir fortu­ na. Perseguido pela fortuna. Franqueza — Mostrar, testemunhar franqueza. Faltar à franqueza. Uma franqueza rude, bela, brutal. Frio — Tremer de frio, produzir frio. Um frio intenso, vivo, rigoroso, penetrante, agudo, glacial, áspero, po­ lar, siberiano, ártico, horrível, funesto, mortal. Mor­ rer de frio. Frio de rachar. Fronteira — Passar, atingir a fronteira. Marcar uma fronteira. Uma fronteira natural, artificial, linguísti­ ca, étnica. Fruta — Produzir frutas. Colher, descascar, cortar fru­ tas. Uma fruta cresce, amadurece, apodrece. Uma fruta verde, madura, precoce, tardia, ácida, doce, re­ frescante, agridoce. Fuga — Pôr-se em fuga. Simular uma fuga. Uma fuga rápida, precipitada, vergonhosa, súbita. Futuro — Prever, predizer, interrogar, perscrutar, entre­ ver, comprometer, reservar, preservar, assegurar, en­ trever, comprometer, reservar, preservar, assegurar, desvelar, temer, prejudicar, revelar. Responder, au­ gurar o futuro. Um futuro risonho, prometedor, bri­ lhante, ameaçador, sombrio, longínquo, próximo, ale­ atório, incerto, obscuro, assegurador. Ter futuro. G Garantia — Obter, exigir, oferecer, dar, apresentar uma garantia. Cercar de garantias. Uma garantia segu­ ra, certa, sólida, ilusória, aleatória, suficiente, insu­ ficiente, constitucional. CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 191 Generalização — Fazer uma generalização. Uma genera­ lização precipitada, audaciosa. Génio — Um génio titular, benevolente, mau, bom, iras- cível. Gesto — Fazer, tentar, esboçar, louvar, desenhar um ges­ to. Um gesto feliz, infeliz, amplo, aprobativo, impro- bativõ, desaprovativo, generoso, ritual, sacramental, inicial, final, impudico, imperioso, evasivo, significa­ tivo, untuoso, cavalheiresco, depreciativo. Glória — Conquistar, recolher, perpetuar, adquirir, ga­ nhar glória. Penetrar na glória. Aureolar-se de gló­ ria. Escolhido pela glória. Uma glória pura, impe­ recível, eterna, insigne, meritória. A glória das ar­ mas, do trono. Golpe — Levar, dar, lançar, receber, suportar, amortecer, desviar um golpe. Castigar com, moer de golpes. Errar um golpe. Desviar-se de um golpe. Trocar golpes. Um golpe atinge, cai, aturde. Um golpe mortal, terrível, fatal, hábil, violento, leve, decisivo, inevitável. Golpe de mestre, um golpe de gente. Gol­ pe de Estado, de lança, de sangue, de vento, de vista. Gosto (sentido) — Saborear, apreciar, afinar, requintar o gosto. Um gosto saboroso, fino, delicado, esquisi­ to, requintado, depravado, ácido, acre, austero, ás­ pero, terroso, execrável, repugnante, insuportável, agradável. Manifestar, mostrar, um ou mais gostos. Um gosto comum, pervertido, depravado. Ter gosto por alguma coisa. Fazer ou dar gosto. Ser de bom ou mau gosto. Governo — Constituir um governo. Interpelar, depor, as­ sumir o governo. O governo se reúne, delibera. Um governo estável, instável, democrático, aristocrático, oligárquico, despótico, absoluto, federativo, homogé­ neo, honesto, desonesto, dictatorial. Governo auto­ crático, representativo, republicano, despótico, libe­ ral, temporal, espiritual. Graça — Implorar, solicitar, conceder, recusar a graça a um condenado. Cair em graça. Agraciar um conde­ nado. Estar em graça. Fazer graça a alguém. Gra­ ça feminil, habitual, forçada. Dizer graças. Entrar de graça. Dar um ar de graça. Dar graças a Deus. 192 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS Grau — Conquistar, obter, conceder, discernir, conferir um grau. Colar grau. Atingir a um grau. Um grau superior, subalterno, elevado. Grau de parentesco. Grau de latitude, de longitude. Grau de uma potên­ cia. Grau de um polinómio. Gratidão — Votar, testemunhar, manifestar, mostrar gra­ tidão. Assegurar sua gratidão. Provar sua gratidão. Uma gratidão profunda, viva, infinita, perfeita, eterna. Greve — Decidir, votar, declarar, decretar, estourar, ter­ minar, reprimir uma greve. Pôr-se em greve. Uma greve estala, estende-se, termina, encerra-se. Uma greve geral, parcial, justa, injusta. Grito — Lançar, proferir, dar, soltar um grito. Um gri­ to retumba, eleva-se, irrompe, rompe o silêncio, rasga o ar. Escapar um grito. Grito de raiva, de cólera. Acudir aos gritos. Gritos sediciosos. Grito de guer­ ra. Um grito agudo, cortante, atroz, estridente, lú­ gubre, discordante, tumultuoso, doloroso, intempes­ tivo, abafado. Guerra — Declarar, desencadear, provocar, causar, man­ ter, suscitar, levar, evitar, impedir, sustentar, aceitar, sofrer, empreender uma guerra. Ser levado a uma guerra. Ser avassalado pela guerra. Partir para a guerra. A guerra estoura. Ela termina, cessa, fina­ liza. Uma guerra ofensiva, defensiva, fratricida, civil, intestina, perigosa, incerta, inevitável, espantosa, atroz, terrível, assassina. Guerra ofensiva, defensiva, estrangeira, religiosa, santa, de morte. Grito de guerra. Conselho de guerra. Negócios de guerra. Homens de guerra. Praça de guerra. Honras de guerra. Munições de guerra. H Hábito — Contrair, tomar, perder, retomar um hábito. Sair de seus hábitos. Abandonar seus hábitos. Pro­ fessar o hábito. Largar o hábito. Hábitos menores. Um hábito nasce, implanta-se, espalha-se. Um hábi- to nefasto, inveterado, enraizado, profundo, bom, mau, louvável. CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 193 Harmonia — Restabelecer, conservar, destruir, romper a harmonia. Viver em harmonia. A harmonia reina, impera. Uma boa, completa, perfeita, imitativa har­ monia. Tratado de harmonia. Estar em harmonia. Herança — Deixar, legar, reivindicar, espoliar uma heran­ ça. Uma herança pequena, grande, insignificante, in­ divisa. Herdeiro — Instituir alguém seu herdeiro. Herdeiro úni­ co, com numerosos, presuntivos, indiviso, universal, necessário, legítimo, falso. Heroísmo — Mostrar, exibir. Celebrar o heroísmo, culti­ var o heroísmo. Um heroísmo raro, sublime, sôbre- ■humano. Portar-se com heroísmo. Hesitação — Manifestar, testemunhar, mostrar hesitação. Uma hesitação se produz. Falar com ou sem hesi­ tação. Uma hesitação funesta, súbita, grande, leve, curta, longa. História — Contar, narrar, traçar, relatar, inventar, ima­ ginar, criar, dramatizar, interromper uma história. Uma história local, regional, nacional, universal, par­ ticular, antiga, moderna, contemporânea, sagrada, profana, sensacional, verídica, falsa, autêntica, verda­ deira, fiel, imparcial, parcial, inverossimilhante, ve- rossimilhante, curiosa, estranha, viva, animada, engra­ çada, cómica, cativante, pitoresca, patética, picante, emocionante, salgada, pesada, monótona, fabulosa, mitológica, lendária, apócrifa, dolorosa. História das artes, da música, da medicina, da pintura, etc. Homem — Parecer, considerar como um homem. Fazer- -se homem, agir como um homem. Mostrar-se como um homem. Um homem honesto, íntegro, eminente, competente, incompetente, capaz, incapaz, convenci­ do, resoluto, corajoso, covarde, austero, sério, gros­ seiro, polido. Homem do mundo. Homem da lei, guerreiro, do mar, de letras, das armas, bom, de côr, às ordens, de Estado, às direitas, feito. Homem de palavra. Homem do povo. Honra — Reservar, declinar, reivindicar, disputar uma honra. A honra recai sobre alguém. Ser uma hon­ ra para alguém. Uma grande, única, rara, invejável honra. Ofender a honra de alguém. A honra da 194 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS mulher. Lugar de honra. Palavra de honra. Fazer honra. Dar honra. Ter a honra. Honra fúnebre, militar. Hora — Viver, passar, conhecer uma ou mais horas. Atra­ sar, retardar, avançar a hora. A hora se aproxima, soa. Uma hora grave, suprema, fatídica, solene, me­ morável, propícia, decisiva, crítica, precisa, avança­ da, tardia, matinal, sombria, sideral, solar. Chegar a sua hora. Horas canónicas. Horas mortas. Ho­ ras vivas. Horizonte — Abrir, fechar, restringir, alargar, limitar o horizonte. O horizonte clareia-se, ensombrece-se. Um vasto, imenso, extremo, limitado, estreito horizonte. Horizonte real, artificial. Hostilidade — Abrir, suspender, deter, terminar, cessar as hostilidades. Estar em hostilidades com alguém. Romper as hostilidades. Hostilidades declaradas, abertas. I Idade — Atingir, acusar, passar, parecer, mostrar uma idade. Alcançar certa idade. Idade núbil, tenra, adulta, viril, madura, avançada, respeitável, venerável. A primeira idade, idade jovem. Ideal — Proclamar, gritar, clamar, professar, sonhar, con­ ceber, traçar, forjar, criar, realizar um ideal. Um ideal puro, nobre, elevado, alto, antigo. Ideia — Emitir, formular, expressar, conceber, professar, sugerir, adotar, partilhar, perseguir, defender, aban­ donar, combater, rejeitar, repelir, confirmar, corro­ borar, sustentar uma ideia. Aderir a uma ideia. Es­ tar imbuído, penetrado de uma ideia. Uma ideia nas­ ce, surge, aflora, emerge. Ideias que se chocam. Uma ideia é clara, luminosa, banal, barroca, original, bizarra, vaga, precisa, estúpida, mórbida, subversiva, inconcebível, errónea, falsa, infernal, satânica, espe­ ciosa, demoníaca, diretora, maquiavélica, preconcebi­ da, difundida, clara, nítida, evidente, risível, incrível, absurda. CURSO DE ORATÓRIA E RETÓRICA 195 ídolo — Adorar, quebrar, destruir, abater ídolos. Sacri­ ficar aos ídolos. Ignorância — Confessar, declarar sua ignorância. Viver, vegetar na ignorância. Uma ignorância profunda, grosseira, crassa. Ilusão — Prosseguir, manter, alimentar, dissipar, destruir, aniquilar, desfazer uma ilusão. Viver, satisfazer-se na ilusão. Viver de ilusões. Uma ilusão tenaz, man­ sa, completa, pura. Imagem — Evocar, fazer, forjar, construir uma imagem. Uma imagem, clara, exata, falsa, precisa, imprecisa, inconveniente, ideal, pura. Imaginação — Exaltar, estimular a imaginação. Uma imaginação viva, fecunda, fértil, vagabunda, louca, pu­ ra, desavergonhada. Impaciência — Mostrar, testemunhar, manifestar impa­ ciência. Queimar, fremir de impaciência. Uma im­ paciência viva, febril, grande. Importância — Dar, conceder, oferecer, apresentar im­ portância. Apreciar, aumentar, exagerar, diminuir, negar importância a alguma coisa. Uma importân­ cia real, extrema, primordial, imensa, inaudita, extra­ ordinária, capital, formidável, incalculável, conside­ rável, fundamental, excepcional, inapreciável, míni­ ma, relativa, insignificante, nula, fictícia, excessiva, exagerada. Impossibilidade — Encontrar-se, achar-se, estar na impos­ sibilidade de fazer alguma coisa. Uma impossibilida­ de absoluta, manifesta, material. Impostor — Confundir, desmascarar um impostor. Impostura — Cometer, desvelar, desmascarar, descobrir uma impostura. Acusar, rachar, qualificar, conven­ cer de impostura. Imposto — Pagar, liquidar, abolir, estabelecer, revelar, perceber, exigir, agravar, alegar, aumentar, diminuir um imposto. Pesar, aniquilar, afogar, oprimir de im­ postos. Livrar, exonerar, libertar de um imposto. Um imposto é pesado, escorchante, excessivo, arbitrá­ rio, exorbitante, direto, indireto, pessoal, progressivo, degressivo, extraordinário, leve.
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