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Guias e Dicas
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Tese SOCORRO XAVIER FINAL completa, Teses (TCC) de Sociologia

Tese de doutorado

Tipologia: Teses (TCC)

2016

Compartilhado em 28/10/2016

socorro-xavier-batista-5
socorro-xavier-batista-5 🇧🇷

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Baixe Tese SOCORRO XAVIER FINAL completa e outras Teses (TCC) em PDF para Sociologia, somente na Docsity! UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA DOUTORADO EM SOCIOLOGIA A REFORMA DO ESTADO, A REFORMA DA UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO DOCENTE: RESISTÊNCIA E EMBATE DE PROJETOS MARIA DO SOCORRO XAVIER BATISTA Tese de Doutorado 2000 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA DOUTORADO EM SOCIOLOGIA A REFORMA DO ESTADO, A REFORMA DA UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO DOCENTE: RESISTÊNCIA E EMBATE DE PROJETOS MARIA DO SOCORRO XAVIER BATISTA Tese de Doutoramento apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Sociologia. Orientador: Prof. Dr. Michel Zaidan Filho Recife – Pe 2000 V SUMÁRIO Lista de Siglas/Abreviações Resumo/Abstract/Resume INTRODUÇÃO 1 I CAPÍTULO – DESVENDANDO A CRISE E A REFORMA DO ESTADO E SUAS REPERCUSSÕES NO MOVIMENTO SINDICAL DOCENTE 5 1.1 Indicações metodológicas: concepção e prática do conhecimento 5 1.1.1 Os caminhos e os instrumentos da pesquisa 12 1.2 Indicações teóricas para se entender a crise e a reforma do Estado e suas repercussões no movimento sindical docente 17 1.2.1 Estado de Bem-estar e Estado Desenvolvimentista: apogeu, crise e reforma 17 1.2.1.1 Dimensões da Crise do Estado 27 1.2.1.2 A Crise, a reforma do Estado e o neoliberalismo: a lógica mercantil nos direitos sociais 45 1.2.2 A reforma do Estado e o movimento sindical: crise, resistência e reestruturação das relações de classes 62 II CAPITULO – A REFORMA DO ESTADO NO BRASIL: A LÓGICA MERCANTIL NAS POLÍTÍCAS SOCIAIS 2.1 Elementos estruturais, políticos e sociais da reforma do Estado 73 2.2 A Reforma do Aparelho do Estado: as interfaces entre o público e o privado 91 2.3 As Principais mudanças nas instituições estatais: administração gerencial no serviço público 96 2.3.1 As novas configurações das instituições públicas: Agências Executivas e Organizações Sociais 101 2.4 A Reforma do Estado e o Ajuste Fiscal: restringindo recursos para as políticas sociais 117 2.5 A reforma da Previdência Social e a perda de direitos previdenciários dos servidores públicos 120 2.6 A reforma do Estado e as mudanças nas relações de trabalho na administração pública: desregulamentação e precarização 128 2.6.1 A transfiguração do Regime Jurídico Único e a precarização das relações de trabalho 131 III CAPÍTULO – A REFORMA DA UNIVERSIDADE: DESRESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO E PRIVATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO 3.1 Diretrizes, princípios e influências da reforma educacional: seletividade e privatização 145 3.2. As Propostas Governamentais: autonomia universitária e a 168 VI privatização progressiva 3.2.1 A trajetória recente da reforma universitária: autonomia e privatização 177 3.2.2 As propostas para a universidade nos anos 1990: autonomia gerencial e financeira e privatização 197 3.3 As propostas da comunidade universitária: universidade autônoma e estatal 213 3.4 A reforma em processo: fragmentação e privatização progressiva 218 3.4.1. Avaliação institucional 218 3.4.2 Administração e gestão 223 3.4.3 ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DAS INSTITUIÇÕES: FLEXIBILIZAÇÃO E FRAGMENTAÇÃO 227 IV CAPITULO – O MOVIMENTO DOCENTE, A REFORMA DO ESTADO E DA UNIVERSIDADE: ENFRENTAMENTO E RESISTÊNCIA DEFENSIVA 250 4.1 Relações de trabalho, representação e identidade de classe dos trabalhadores na administração pública 251 4.2 O movimento docente no contexto do movimento sindical e do "Novo Sindicalismo": enfrentamento combativo 267 4.3 Organização e estrutura do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior - ANDES-SN, no contexto dos servidores públicos 271 4.4 Organização, estrutura e concepção sindical da ANDES – SN 282 4.5 A crise e a reestruturação da sociabilidade capitalista e do Estado e seu impacto no movimento sindical e na ANDES-SN: resistência defensiva 294 CONCLUSÕES 325 REFERÊNCIAS 332 VII RESUMO Esta tese analisa a reforma do Estado e da universidade, no Brasil, especialmente nas Instituições Federais de Ensino Superior, identificando as repercussões dessas reformas no movimento sindical docente. As reformas são compreendidas no contexto de crise e reestruturação da sociabilidade capitalista mundial, cujos impactos causam mudanças em todos os aspectos da vida: da realidade concreta às representações simbólicas, ideológicas e políticas, mudanças que afetam todos os países, mas que causam efeitos mais nocivos nos países dependentes, como o Brasil. Faz-se uma explanação da reforma do Estado e da Universidade, destacando os determinantes estruturais, políticos, econômicas, sociais da reforma, de ordem interna e externa, e identificar alguns dos seus impactos nas instituições públicas, nas políticas sociais do Estado, nas relações de trabalho da administração pública e no movimento sindical dos docentes. A pesquisa focalizou análise na Instituição Universitária, com destaque no Sistema Universitário Federal e o movimento docente e sua instituição sindical, representada pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior - ANDES-SN. A análise priorizou as reformas propostas de reforma para a Universidade, destacando-se as concepções das proposições dos governos na década de 1990. Entretanto buscou-se fazer uma análise comparativa com as propostas que vêm sendo feitas, desde a década de oitenta, que buscaram implementar reformas nas instituições públicas de ensino superior, visando a implantar um modelo de autonomia universitária que consistiram nos principais focos de conflito da comunidade universitária e do movimento docente com o governo. Identificou-se que esse modelo tem implicado uma progressiva desresponsabilização do Estado e um avançado processo de privatização do ensino superior. O estudo realizado foi de natureza exploratória descritiva, com uma abordagem qualitativa. O principal instrumento metodológico utilizado para a coleta de dados acerca do tema foi a análise documental. Mas, na tentativa de complementar e captar mais informações sobre o movimento docente utilizou-se da observação participante em diversas atividades da ANDES-SN, como reuniões, assembléias, encontros, congressos, conselhos, manifestações de rua, entre outras, como forma de se entender o movimento a partir de suas dinâmicas de funcionamento e se perceber a ação das lideranças e militantes do movimento. Foram realizados um levantamento, uma sistematização e a análise de documentos elaborados pelo movimento docente e de documentos como leis e propostas governamentais que objetivavam reestruturar o Estado, a estrutura, a organização, o funcionamento e a gestão da administração pública, nas relações de trabalho nessa esfera e as políticas sociais do Estado, no Brasil, relacionadas com o ensino superior. A partir da análise dos dados se identificou na reforma do Estado, uma reorientação das suas funções sociais, uma redefinição dos espaços do público e do privado, com um acento maior na esfera privada, uma tendência que conduz a uma transferência progressiva das responsabilidades do Estado em relação às políticas públicas, para a sociedade, notadamente, para os cidadãos usuários e financiadores do fundo público, com os pesados impostos que pagam. Foi possível identificar que as conseqüências para os trabalhadores são abrangentes, tanto no que se refere ao trabalho, quanto no tocante a sua capacidade de resistência e representação. No trabalho elas resultam em desemprego estrutural e em formas variadas de precarização das relações de trabalho e fragmentação da classe. Nas entidades de representação dos interesses dos trabalhadores as conseqüências compreendem: perda de filiados, baixa capacidade de mobilização, busca de estratégias de colaboração com o capital e o governo, cooptação e adesão às idéias e programas neoliberais, abandono das X RÉSUMÉ Cette thèse a l’intention d’analyser la reforme de l’État et de l’Université, au Brésil, surtout auprès des Instituitions Féderales d’enseignement Supérieur, montrant les répercussions de ces reformes auprès du mouvement syndical des enseignants. Les reformes sont aquises dans un contexte de crise et de recompotion de la sociabilité capitaliste mondiale, dont les impacts provoquent des changements dans tous les aspects de la vie: de la réalité conccrète jusqu’aux représentations symboliques, idéologiques et politiques, des changements qui provoquent des réactions dans tous les pays, cepandant cela procoque des effert encore plus grave auprès des pays dépendants comme le Brésil. On peut faire une exposition de la reforme de l’État et de l’Université, mettant en relief les déterminants structuraux, politiques, économiques, sociales, de la reforme, d’ordre interne et externe et identifier quelques problèmes dans les instituitions publiques sociales de l’État, à côté des relations de travail, de l’administration publique et dans le mouvement des enseignants. La recherche a eu comme point principal l’analyse de l’instituition universitaire, mettant en relief le Système Universitaire Fédéral et le mouvement des enseignants et son instituition syndicale, répresentée par le Syndicat National des Enseignants des Instituitions de l’enseignement -ANDES-SN. L’analyse donne priorité aux réformes proposées pour l’Université , montrant plus particulierment les conceptions de propositions des gouvernement des années 1990 . Mais on a essayé de faire une analyse comparative auprés des propositions, qu’on est en train de développer, depuis les années quatre-vingt qui ont cherché implanter un modèle d’autonomie universitaire qui ont consiste dans les principaux conflits de la comunauté universitaire et le mouvement des enseignants avec le gouvernement. On a identifié ce modèle qui a provoque un manque progressif de responsabilité de l’État et un processus avance ayant l’intention de priver l’enseigmant supérieur. L’étude réalisée a pour une nature descriptive ayant aussi un abordage quatitative. Le principal instrument méthodologique utilisé pour la recherche des données face au thème a été l’analyse des documents. Mais, dans l’espoir de complementer et d’obtenir encore plus d’informations sur le mouvement des enseignants, nous avons fait beaucoup d’observation sur place de plusieurs activités de l’ANDES-SN, par exemple, des réunions, des assemblés, des congrès, des manifestations dans les rues, parmi d’autres activités, pour mieux comprendre le mouvement à partir de ses dynamiques de fonctionnement et d’apercevoir l’action des gens qui conduisent les militants du mouvement. On a réalisé des données stastistiques, une systématisation et une analyse des documents élaborés par le mouvement des enseignants, et de document comme des lois et des propositions du gouvernement qui ont l’intention de reorganiser l’État, la structure, l’organisation, le fonctionnement et la gestion de l’administration publique, auprès des relations de travail dans ce domaine et les politiques sociales de l’État au Brésil, visant l’enseinenant supérieur. A partir de l’analyse des données, on a identifié auprès de la reforme de l’´État, une reorientation des fonctions sociales, une redimention des espaces publics et privé, une tendance qui conduit une transference progressive des responsabilités de l’État par rapport aux politiques publiques pour la société, notamment, pour les concitoyens usuaires et participants du fond public, avec des impôts assez élevés qu’on doit payer. On a eu la possibilité d’identifier que les conséquences pour les travailleurs sont multiples, en ce qui concerne le travail sa capacité de resistence et de repréntation. Face au travail, ces conséquences provoquent XI un niveau de chômage structural et aussi de plusieurs formes de précarisations des relation de travail et de la fragmentation de la classe. Dans les instituitions qui représentent les intérêts des travailleurs les consequences peuvent être: l’abandon des participants, baisse capacité de mobilisation, trouver des stratégies de colaboration avec le capital et le gouvernement, coopération et adésion aux idées et aux programmes néoliberaux , abandon des stratégies et instrument des luttes combatives. Ces changements imposent aux mouvements syndicaux la necessité de formuler des stratégies de l’action politique et de mobilisation des syndicats, le défi d’avoir une représentativité des politiques sydicales , des luttes corperativistes avec la lutte pour la défense des politiques et des instituitions politiques. Dans le cas de l’Université, le mouvement des enseinants sera charger de chercher la coexistance des demandes économiques des professeurs, avec un porojet de l’université publique, gratuite de qualité et socialement engagé auprès des travailleurs. XII LISTA DE SIGLAS ABI Associação Brasileira de Imprensa ABRUEM Associação Brasileira de Universidades Estaduais e Municipais AELAC Associação de Educadores da América Latina ANDE Associação Nacional de Educação ANDES-SN Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior ANDIFES Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior ANFOPE Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação ANPAE Associação Nacional dos Profissionais de Administração Escolar ANPED Associação de Pesquisa em Educação ANUP Associação Nacional das Universidades Particulares BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Social CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CECD Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara Federal CEDES Centro de Estudos, Educação e Sociedade CFE Conselho Federal de Educação CEFET Centro Federal de Educação Tecnológica CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e Caribe CLT Consolidação das Leis do Trabalho CNESF Coordenação Nacional das Entidades dos Servidores Federais CNTE Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação CNPq. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CONAD Conselho do ANDES - Sindicato Nacional CONED Congresso Nacional de Educação CONTEE Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino CONCLAT Comissão Nacional das Classes Trabalhadoras CSN Companhia Siderúrgica Nacional CRUB Conselhos de Reitores das Universidades Brasileiras CTASP Comissão de Trabalho Administração e Serviço Público 1 INTRODUÇÃO Este trabalho representa uma experiência que objetivou empreender uma busca teórica e metodológica para tentar explicitar e compreender o tema central, que elegeu como foco de estudo, a reforma do Estado e da Universidade e a repercussão no movimento sindical docente, numa perspectiva de análise macro-sociológica e política dos problemas sociais, por tratar-se da busca de compreensão de processos de mudança de instituições amplas e abrangentes, como o Estado e o Sindicato, dois esteios do pacto interclassista que sustentou a trama das relações sociais e políticas do capitalismo das mais importantes décadas do último século. As reformas são situadas no contexto de crise e reestruturação do padrão da sociabilidade capitalista mundial, cujos impactos causam mudanças em todos os aspectos da vida: da realidade concreta às representações simbólicas, ideológicas e políticas, mudanças que afetam todos os países, mas causam efeitos mais deletérios nos países dependentes. Os desafios enfrentados para se tratar tal tema, diante de um objeto inconcluso, em pleno decorrer dos acontecimentos foram grandes e ofereceram dificuldades, tanto do ponto de vista teórico, quanto do empírico. A reforma do Estado vem ocorrendo, de forma mais intensa e sistemática, a partir de 1994, nos governos de Fernando Henrique, especialmente a reforma administrativa, a previdenciária e a da Universidade, processo que continuou em andamento, durante e após a realização da pesquisa, ocorrida entre 1997 e 1999. Portanto a análise apresenta os limites desse processo de mudança inacabado. Nesse contexto, em que as sociabilidades passam por rápidas transformações, as teorias sociais que as explicam são questionadas. Os principais campos explicativos ou 2 paradigmas desenvolvidos, nos dois últimos séculos, são considerados ultrapassados, especialmente aqueles do campo teórico desenvolvido por Marx e seguidores. O desafio atual das ciências sociais, em tempos de crise dos paradigmas tradicionais e clássicos, é não desprezar o amplo cabedal de teorias que a sociologia e as demais ciências humanas oferecem nesses tempos, mas romper uma visão binária de paradigmas fechados, antagônicos e não intercambiáveis, que predominou, num certo tempo, e buscar aproximações das diferentes contribuições que ofereçam um conjunto explicativo para o estudo sócio-político dos fenômenos sociais. Nesse sentido, este trabalho não se prende a um único paradigma, embora haja uma direção. Os recortes e aproximações são buscados numa perspectiva crítica, inspirada na tradição marxista e neomarxista, assim como, em esquemas interpretativos que privilegiam uma abordagem que rompe o pensamento único, que quer realçar a inexorabilidade do capitalismo, do fim da história, e o fim das possibilidades de superação desse sistema. Foram usados elementos metodológicos, conceituais, categorias analíticas, e perspectivas teóricas que ajudassem na compreensão e explicação do objeto e que possibilitassem uma crítica ao status quo dos arranjos societais do capitalismo atual e permitissem uma incursão na realidade político-social brasileira, nos processos de mudança do Estado e do sindicalismo, especialmente do movimento dos docentes das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). Para a apresentação dos resultados da pesquisa o trabalho se estruturou em quatro capítulos. O primeiro capítulo suscita uma discussão teórica para se compreender a crise e a reforma do Estado, no Brasil, com incursões em autores que tentam analisar a crise do Estado em várias dimensões: a fiscal, a social, a política, por se entender que é a crise que alimenta e impulsiona a reforma que o Estado está vivenciando. Tenta, 3 ainda, apontar os fundamentos da reforma que está redefinindo o papel econômico, social e político e a estrutura administrativa do Estado e as análises que buscam compreender os fatores causais da crise do movimento sindical, com destaque para o sindicalismo público, compreendido pelo movimento docente e sua entidade sindical, Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES-SN. No segundo capítulo foi analisada a reforma do Estado buscando-se destacar os determinantes estruturais, políticos, econômicas, sociais da reforma, de ordem interna e externa. Explicita as novas configurações assumidas pelas instituições da administração pública e das políticas sociais do Estado. No terceiro capítulo, foram analisadas as propostas de reforma para a Universidade, destacando-se as concepções das proposições dos governos na década de 1990. No entanto, buscou-se fazer uma análise comparativa com as propostas que vêm sendo feitas, desde a década de oitenta, que buscam implementar reformas nas instituições públicas de ensino superior, visando a implantar um modelo de autonomia universitária "plena". Modelo que implica uma progressiva desresponsabilização do Estado e um avançado processo de privatização do ensino superior. Foram destacadas as propostas governamentais de reforma da Universidade, na década de noventa, especialmente aquelas relacionadas com a autonomia universitária, que consistiram nos principais focos de conflito da comunidade universitária e do movimento docente com o governo. Nesse capítulo ainda analisou-se a reforma em curso que, de forma fragmentada e pulverizada, consubstanciada em cerca de 119 documentos, como leis, decretos, portarias, pareceres, medidas provisórias, desde o início do governo Fernando Henrique, modificaram a estrutura, a organização e o funcionamento do ensino superior, 6 público, notadamente dos professores das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). O primeiro aspecto a se salientar é que o objeto deste estudo encontrava-se em pleno processo de desenvolvimento, ou seja, a reforma do Estado estava em andamento e a crise vivenciada pelo movimento sindical docente era um processo histórico em curso, que se apresenta como fenômeno sociológico inconcluso traz algumas limitações para a análise. Dificulta a sua elucidação e apresenta limites quanto às tendências de análise dos fatos. O objetivo deste trabalho foi produzir uma análise que pensasse a reforma do Estado e da política educacional para o ensino superior, longe daquela produzida e difundida pelos discursos oficiais e reforçada pela mídia, que tenta homogeneizar a opinião pública e forjar um falso consenso em torno das reformas anunciadas, e, com isso, lograr implantar um projeto hegemônico de sociedade e de Estado identificado com os interesses neoliberais. A concepção aqui adotada entende ser fundamental o pensar diferente e crítico na atual conjuntura, idéia defendida por Fiori (1997b, p. 5b), que considera que aos intelectuais de esquerda compete a função fundamental de crítica, de desenvolvimento da lógica, das contradições e dos limites da estratégia liberal e do processo real que estamos vivendo. Devem lutar sem medo de parecerem antigos contra o pensamento único, começando por rejeitar suas premissas. Considerou-se fundamental a percepção de que a reforma do Estado e a relação entre o Estado e o movimento sindical constituem-se fenômenos históricos e sociais, resultantes de determinações e contradições macroestruturais, conjunturais e microssociais, relativas à dinâmica das relações do Estado com as classes sociais e com a sociedade como um todo. Sendo importante para se entender essa relação mediações entre o micro e o macrossocial. Desse modo, buscaram-se elementos teóricos e 7 metodológicos que dessem conta dessa complexidade. Para tanto, realizou-se uma análise inspirada no materialismo dialético1, na perspectiva de se evidenciarem as contradições presentes no objeto, nos fatos referentes à reforma do Estado e da Universidade, questionando a reforma adotada pelo governo evidenciando-se as conseqüências sobre o movimento sindical docente. É pertinente, tanto na observação empírica, quanto na análise teórica, levantarem-se questões que permitam um aprofundamento do conhecimento que rompa o pensamento dominante, ou ideologia dominante, a qual aponta a crise do Estado e o seu suposto agigantamento, especialmente no que se refere às políticas sociais, como elementos justificadores da necessidade de se reformar-lo em direção à "modernidade", a um Estado mínimo, ágil, eficiente, como se esses fossem os principais problemas do Estado, no Brasil, nos anos noventa. Desvendar essa verdadeira nuvem de informação/ideologia hegemônica exige um olhar crítico, "...um trabalho de apropriação, organização e exposição dos fatos" (FRIGOTTO, 1986, p. 80), buscando- se elucidar outras visões e concepções sobre a reforma do Estado. Adotou-se, como princípio, que a realidade é dialética e o objeto do conhecimento é histórico e implica uma demanda ao sujeito que quer conhecer a realidade e produzir conhecimento, uma argumentação consistente, com fundamento no real. Implica, ainda, que "o conhecimento da realidade histórica é um processo de apropriação teórica - isto é, de crítica, interpretação e avaliação dos fatos - processo em que a atividade do homem, do cientista é condição necessária ao conhecimento objetivo dos fatos" (KOSIK, 1976, p. 45). 1 Entre as características materialismo dialético destaca-se a categoria da contradição, que é a essência do movimento, que está presente nas relações de poder, na sociedade onde ocorre a disputa de projetos de sociedade, de estado, de universidade, no movimento sindical. Segundo Richardson (1999, p. 46-7) existem dois princípios do materialismo dialético, o princípio da conexão universal dos objetos e fenômenos e o princípio do movimento e do desenvolvimento que remete à idéia de movimento e desenvolvimento. 8 No que se refere aos critérios de cientificidade da pesquisa dialética, entendemos, como Gamboa (1989, p. 98) que aponta que as características deste tipo pesquisa "(...) se fundamentam na lógica interna do processo e nos métodos que explicitam a dinâmica e as contradições internas dos fenômenos e explicam as relações entre homem e natureza, entre reflexão-ação e entre teoria-prática (razão transformadora)". Para se entender a crise do Estado e da educação, especialmente da educação superior universitária, e o processo de reforma que essas instituições estão vivenciando, impulsionado pelo Poder Executivo federal, este estudo levantou uma série de questões: Existiriam conexões entre a crise e a mudança e as transformações que vêm ocorrendo na estrutura produtiva da economia capitalista mundial e na conseqüente e rápida inserção da economia do Brasil no chamado processo de mundialização econômica? Quais as articulações entre a reforma do Estado e a reforma da política educacional, especialmente para a educação superior? Como as mudanças afetam a estrutura e organização da estrutura administrativa do Estado e as políticas sociais? Quais as conseqüências de tais mudanças para as relações de trabalho e para os trabalhadores do serviço público? Quais as conseqüências para a organização dos trabalhadores e para o movimento sindical, especialmente para o movimento docente? São essas questões a que esta pesquisa busca responder. Dada à amplitude da reforma do Estado, com incidência sobre várias instituições, e à grande heterogeneidade de organizações que formam o movimento sindical dos servidores públicos, para se facilitar o processo de pesquisa e a análise da reforma do Estado, fez-se necessário delimitar o foco de análise em uma determinada instituição e no movimento sindical a ela vinculada. Nesse sentido, optou-se por delimitar a análise na Instituição Universitária, com destaque no Sistema Universitário 11 do conhecimento, a teoria e a ação, como concebido pela dialética, como destaca Frigotto (1989, p. 81). No processo dialético de conhecimento da realidade, o que importa fundamentalmente não é a crítica pela crítica, o conhecimento pelo conhecimento, mas a crítica e o conhecimento crítico para uma prática que altere e transforme a realidade anterior no plano do conhecimento e no plano histórico social. Essa concepção do conhecimento concebido como instrumento de transformação social se preocupa em entender e transformar a realidade articula a ação, a prática e a reflexão crítica como critérios de objetividade do conhecimento. Acolhe-se, assim, a concepção dialética materialista histórica, explicitada por Frigotto (1989, p. 82) que a defende, ao mesmo tempo, como uma concepção da realidade, como método de perquirir e expor o real e como práxis transformadora, pois, segundo ele, para a teoria materialista, o ponto de partida do conhecimento, enquanto esforço reflexivo de se analisar criticamente a realidade e a categoria básica do processo de conscientização é a atividade prática social dos sujeitos históricos concretos. A atividade prática dos homens concretos constitui-se em fundamento e limite do processo de conhecimento. E foi com esse propósito que se pretendeu dirigir esta pesquisa. A realidade social, apesar de parecer transparente, não revela a sua essência, daí a necessidade de um mergulho empírico, amparado numa visão teórica, que desvende, que explicite as múltiplas dimensões dessa realidade, que se apresenta como uma totalidade multifacetada, que exige a busca de sua apreensão como um todo estruturado, mesmo elegendo-se um aspecto específico, ou uma das facetas desse todo. O estudo de um determinado fenômeno representa, pois, sempre um recorte da realidade. Assim, definir um objeto de estudo implica a necessidade de que se busque um conhecimento acerca do lugar que esse fenômeno ocupa na totalidade do real. 12 Faz-se, então, necessário, nesse processo de conhecimento da realidade, um movimento dialético que tenha a realidade empírica como ponto de partida, e, à luz de uma teoria, esse concreto resulte num real pensado, na busca da compreensão da realidade como um todo estruturado ou de alguns aspectos dessa realidade, haja vista que se acredita não existirem uma teoria ou métodos que permitam uma compreensão global da realidade social e que esgotem todos os seus aspectos. A pesquisa se orientou pelos seguintes objetivos: 1) identificar e analisar as propostas e ações do Governo Federal que visam a atingir e a desestruturar as relações de trabalho no serviço público e o movimento sindical dos servidores públicos; 2) analisar a repercussão da reestruturação do Estado e da Universidade no movimento sindical dos docentes das IFES; 3) identificar as táticas, estratégias e planos de luta utilizados pelo movimento docente das IFES, para enfrentar a reforma do Estado e a da Universidade. 1. 1.1. Os caminhos e os instrumentos da pesquisa Na investigação da relação entre o Estado e o movimento sindical dos servidores públicos, no processo de reestruturação do Estado, considerando-se que todos os dados da realidade são importantes para a sua compreensão, buscou-se a contribuição de vários elementos teóricos e metodológicos que permitissem uma visão crítica e reflexiva, de forma mais aprofundada, do fenômeno a ser estudado. O principal instrumento metodológico utilizado para a coleta de dados acerca do tema foi a análise documental. Mas, na tentativa de complementar e captar mais informações sobre o movimento docente utilizou-se da observação participante em diversas atividades da ANDES-SN, como reuniões, assembléias, encontros, congressos, 13 conselhos, manifestações de rua, entre outras, como forma de se entender o movimento a partir de suas dinâmicas de funcionamento e se perceber a ação das lideranças e militantes do movimento. Assim, a autora desta pesquisa participou ativamente dos seguintes eventos ligados à ANDES-SN: XXXVI CONAD em Campina Grande (PB), de 26 a 30 de junho de 1998; XXXVII CONAD Belo Horizonte - MG, de 20 a 22 de novembro de 1998; XVII CONGRESSO, em Porto Alegre, de 6 a 12 de fevereiro de 1998, XVI CONGRESSO, em João Pessoa, de 25 de fevereiro a 2 de março de 1997; Seminário sobre a Reforma do Estado, em Brasília, de 26 e 27 de agosto de 1997, promovido pela ANDES-SN; Seminário Nacional de Formação Sindical, promovido pela ANDES-SN, em Recife, nos dias 16, 17 e 18 de maio de 1997; I Curso de Formação Sindical da Regional Nordeste II da ANDES-SN, em Alagoa Seca (PB), nos dias 25 e 26 de janeiro de 1998; Reunião da Regional Nordeste II da ANDES-SN, em Recife, no dia 14 de março de 1998. A pesquisadora-autora participou, ainda, dos seguintes eventos promovidos pela CUT: III Conferência Nacional dos Trabalhadores em Serviço Público da CUT, em São Paulo, nos dias 21 e 22 de novembro de 1997, Curso de Formação Sindical da CUT/PB, em João Pessoa, nos dias 27 e 28 de novembro de 1998. Esse acompanhamento propiciou-nos uma compreensão mais apurada das concepções dos diversos participantes, das diversas correntes políticas internas do MD, acerca da explicitação dos encaminhamentos das pautas de luta, das estratégias que o sindicato deve encetar, e até da dinâmica interna da ação sindical. Assim, empreendeu-se um estudo de natureza exploratória descritiva, com uma abordagem qualitativa. A utilização de mais de um instrumento de pesquisa deu-se em virtude da necessidade de se utilizar vários meios disponíveis, na tentativa de se conseguir o máximo de informações para enriquecer a análise. 16 preenchidos apresentavam respostas vagas e lacônicas, o que dificultava uma análise mais apurada. Assim, devido a essa pequena participação dos docentes na resposta aos questionários, entendeu-se desprezar esse instrumento, já que seu pequeno número não permitiria considerá-los uma amostra representativa do ponto de vista estatístico. Essa dificuldade foi base para um questionamento, para uma reflexão e revela um dado intrigante: essa não participação ativa revela um descompromisso dos docentes militantes/dirigentes/pesquisadores, com a atividade de pesquisa de um professor/colega de instituição de ensino e de sindicato. Essa atitude revela uma contradição com discurso que a maioria desses docentes defendem de defesa da pesquisa como elemento indissociável do ensino e da extensão, como fator fundamental para um padrão de qualidade que deva fazer parte da Universidade. Essa dificuldade implicou também, um privilegiamento de fontes secundárias como a análise de documentos. Esses passos metodológicos foram realizados em diversos momentos, não necessariamente encadeados numa lógica temporal e hierárquica seqüencial, mas, simultaneamente combinados, de acordo com o andamento e com as necessidades do trabalho. A produção científica, entendida como mediação da relação ativa entre sujeito e objeto, não renuncia a origem empírica objetiva do conhecimento, como aspecto fundamental das pesquisas empírico-analíticas. Não renuncia a uma análise que permita a interpretação e compreensão do fenômeno, empreendida pela fenomenologia, como ponto central da sua concepção de ciência. A autonomia da ciência será sempre relativa e seus pontos de vista serão sempre parciais. Afinal, todo conhecimento da realidade, por mais que se insira numa totalidade, é sempre parcial, é apenas um olhar sobre um fenômeno ou fato, sob a lente atenta do cientista social que é parte do objeto sobre o qual se debruça. 17 1.2. Indicações teóricas para se entender a crise e a reforma do Estado e suas repercussões no movimento sindical docente Nesse item, busca-se a contribuição de elementos teóricos para a compreensão da crise do Estado, na Sociologia Política, na Filosofia e na Economia Política. Apontam-se fatores multicausais na explicação da crise e da reforma do Estado. Com essa compreensão pretendeu-se enfocar aspectos estruturais de natureza econômica, social e política da questão, destacando-se as análises referentes a aspectos, políticos e institucionais da crise do Estado e da sua reforma, bem como, as repercussões no movimento sindical. 1.2.1. Estado de Bem-estar e Estado Desenvolvimentista: apogeu, crise e reforma Numa visão sistêmica entende-se por crise a transformação de um processo onde há rupturas no funcionamento de dado sistema. As mudanças sejam positivas ou negativas, reorientam uma nova configuração ou acomodação no funcionamento das partes e das relações de um sistema. Segundo Murgia (1994, p. 11), o conceito de crise é típico da cultura ocidental. Ele distingue duas interpretações modernas dessa questão. Uma visão evolucionista onde "o conceito de crise está implícito no momento de decadências, da morte de uma civilização, dentro do seu ciclo vital já concluído" e uma visão do materialismo dialético em que crise "é um conceito explícito, sobretudo no capitalismo, o qual é considerado um sistema de crises constantes e cíclicas”. Entender a crise2 atual do Estado e o processo de transformação pelo qual ele vem passando, desde o final da década de setenta nos países centrais, e, nos anos 2 Crise aqui é entendida como as mudanças ou alterações pelas quais passam, tanto o Estado, quanto a sociedade capitalista contemporânea, processo que se dá engendrando novas relações entre essas esferas 18 oitenta, nos países da América Latina, remete à compreensão das suas relações com a crise econômica, com a crise política que a envolve e com a repercussão das contradições de classe, da luta política e da luta econômica no interior do aparelho do Estado. Nesse sentido, tratou-se de se entender a crise do Estado no contexto da crise de natureza estrutural do capitalismo de abrangência mundial e de seus desdobramentos nos espaços dos Estados-nação, com destaque para as especificidades da crise no interior de cada país. A reforma do Estado é entendida no conjunto das reformas estruturais implementadas como parte da estratégia de busca de saída para a crise. Assim, apesar dessa compreensão ampla da crise do Estado, relacionada com uma crise estrutural do capitalismo, portanto, um elemento econômico, torna-se necessário se buscar entender os diversos aspectos de ordem política, social, ideológica e cultural, como elementos explicativos dessa crise do Estado, por se perceber a sua importância como espaço disciplinador e regulador de toda a sociabilidade e elemento central da atividade política. Embora tenha sido visto de forma diferente no plano da Filosofia Política e assumido formas diferentes, no plano da realidade histórica, o Estado moderno é indissociável da sociabilidade capitalista, da sua dinâmica de divisão social em que a satisfação das necessidades é marcada pelas diferenças e desigualdades e pela possibilidade de apropriação de riquezas e bens materiais e simbólicos. Diante da igualdade, apenas formal, da sociedade moderna, o Estado se apresenta como mecanismo de regulação e de intermediação dos conflitos sociais, como espaço de poder por onde perpassam os conflitos das classes e de seus distintos segmentos, sendo, portanto, uma esfera política que mantém, necessariamente, uma interação com a societárias, resultantes de conflitos e contradições entre os diversos sujeitos da sociedade civil e da sociedade política. 21 capital, quanto do trabalho, sendo, portanto, uma forma de mediação política entre as classes e grupos sociais; o padrão de organização social fundado em instituições políticas representativas de interesses de grupos e classes e um incipiente provedor de políticas sociais de bem-estar. O Estado de Bem-estar foi uma das soluções buscadas pelo capitalismo, no sentido de superar a crise do final dos anos vinte, nos países de capitalismo avançado, atribuindo-se ao Estado o duplo papel de financiador/subsidiador da acumulação privada e de provedor de políticas sociais compensatórias, como saúde, educação, seguridade social, seguro desemprego, transporte, entre outras. Essas políticas sociais, entendidas como direito social dos cidadãos, e não como caridade, atuam na reprodução da força de trabalho que também beneficiam o capital. Essas funções do Estado são financiadas pelo fundo público, originado dos excedentes privados, através dos impostos por ele cobrados, especialmente dos trabalhadores formalmente inseridos no mercado de trabalho. Essas configurações do Estado deitam suas raízes no final do século XIX e início do século XX e resultaram das lutas sociais que determinaram uma mudança de rumos do Estado liberal em direção a um Estado social. Segundo Fiori (1995a:3) é "depois da Primeira Guerra Mundial que foram programadas, pactuadas e teorizadas as novas funções do Estado no planejamento e na organização-gestão do capitalismo monopolista", e, especialmente, a partir da crise de 1929. É, portanto, nesse contexto histórico, que se desenha o novo formato do Estado, onde a visão liberal é minimizada, como salienta Fiori (1995a, p. 3). "O estado capitalista redefine-se como instrumento básico na prevenção e controle das crises, mediante o estímulo planejado e o monitoramento das 'contratendências' do sistema capitalista: manutenção e ampliação de taxas de lucros capazes de sustentar expectativas estáveis a médio prazo, manutenção de um nível de investimento compatível com as exigências de emprego e consumo da população e com as exigências da reprodução ampliada do próprio capital". 22 Essa configuração social se fortalece no período após a Segunda Guerra Mundial, amparada num pacto social entre capital e trabalho e numa ampla coalizão entre as forças sociais e políticas, impulsionada pelo terror das guerras e pelas crises econômica, financeira, social e política. O consenso daí resultante garantia uma redistribuição de rendas a partir dos ganhos salariais e de bem-estar; preocupava-se com a garantia de emprego o que permitiu ao capital um longo período de acumulação, com crescimento econômico e altos lucros, fazendo uma aliança política entre as idéias Keynesianas e da social-democracia. Essa forma de sociabilidade representou, no plano político, um contraponto ao movimento de revolução socialista, que se apresentava no Leste Europeu e influenciava a ação política dos trabalhadores, representando, assim, um movimento de reforma. Análise importante nesse sentido é feita por Santos (1998, p. 1). "O reformismo, predominante nos países centrais e estendido a todo o sistema mundial, tem o Estado como elemento de reforma da sociedade. Representa um processo político, uma institucionalidade que significou a vigência possível do interesse geral ou do interesse público numa sociedade capitalista, um interesse desdobrado em três grandes temas: a regulação do trabalho; a proteção social contra os riscos sociais e a segurança contra a desordem e a violência”. Para o mesmo autor (p. 2), a forma política mais acabada do reformismo foi o Estado-Providência, nos países centrais do sistema mundial e o Estado desenvolvimentista, nos países semiperiféricos e periféricos. Nos países da Europa ocidental, esse modelo de acumulação, intermediado pelo Estado, configurou a social- democracia e obteve êxitos, tanto no que se refere à acumulação e distribuição de riquezas, quanto na oferta de políticas públicas. Até a década de 1970, esse modelo gozou de reconhecida legitimidade, especialmente porque se traduziu num amplo pacto entre as classes dominantes e as classes subalternas.4 A partir de então, há um aparente 4 Classes subalternas, na concepção de Gramsci, correspondem às classes trabalhadoras, também chamadas de classes dominadas. Essa discussão aparece esparsa em diversos escritos, mas 23 consenso político e social de que esse modo de sociabilidade entra em crise, afetando diretamente o Estado, que passou a vivenciar uma crise de natureza fiscal, política, social, econômica e institucional. Essa crise estrutural que compromete os níveis de acumulação e as taxas de lucro alcançadas até então, e que se reflete no Estado, revela uma crise do complexo sócio-histórico, onde a vida social era regulada e disciplinada pelo Estado, conduzindo- o a uma reestruturação social que envolve o compromisso ou pacto interclasse anterior, que permitia algum controle do processo de valorização do capital e uma certa homogeneidade social que leva a uma série de desdobramentos no mundo do trabalho, nas organizações sindicais e político-partidárias, e, fundamentalmente, ocasionando a uma mudança na conformação assumida pelo Estado, até então. Sobre essa questão, assim analisa Raichelis (1998, p. 63), "o que está em questão com a crise do Estado do Bem-Estar é a possibilidade de compatibilizar capitalismo e equidade, ou seja, acumulação e garantia de direitos políticos e sociais à maioria da população". O modelo de acumulação capitalista brasileiro, que se configurou após 1930, sobrepujou-se ao processo anterior agrário-exportador, assumindo uma forma de substituição de importações. Esse modelo privilegia a industrialização, como centro do processo de acumulação e engendra uma forma de Estado que dirige a sua ação para garantir permanentemente, além dos elementos estruturais do sistema produtor de mercadorias (propriedade privada, sistema de mercado e, portanto, economia capitalista), o financiamento do processo de acumulação, através do fundo público, caracterizando uma lógica de acumulação regulada pelo Estado, orientando-se no sentido de garantir algumas políticas sociais; revelando, nesses dois últimos aspectos, pontos em comum com o Estado de Bem-Estar europeu. principalmente, nos Quaderni del carcere. Edição crítica de Valentino Gerratana. 2. ed. Turim, Eunaudi, 1977. 26 Essas mudanças acarretam conseqüências para o trabalhador, tais como a alta rotatividade no emprego, desemprego estrutural, menor segurança e instabilidade no emprego, emprego precário. A contratação de serviços de terceiros para o desempenho de serviços é outro aspecto desses rearranjos do processo produtivo que afetam os trabalhadores, e, conseqüentemente, o movimento sindical. Antunes (1995a, p. 15) chama a atenção para as transformações no processo produtivo que vêm ocorrendo desde a década passada, especialmente nos países de capitalismo avançado e para as repercussões no mundo do trabalho, nas formas de inserção na estrutura produtiva, nas formas de representação sindical e política. Ele considera essas ocorrências como causa da mais grave crise deste século, atingindo, tanto a materialidade, quanto a subjetividade da "classe-que-vive-do-trabalho", afetando a sua forma de ser e suas instituições organizativas. Todas as mudanças introduzidas no processo de produção, nas relações de produção e no Estado alteram a correlação de forças entre as classes sociais e contribui para uma nova hegemonia do capital e para a diminuição do poder sindical e das classes trabalhadoras. Contribui para desmantelar o pacto apoiado na tríplice aliança Estado-capital-trabalho, com um forte desequilíbrio no vértice do trabalho. Assim, as configurações da crise do Estado, apontadas até aqui em linhas gerais, serão mais desenvolvidas nos itens a seguir, onde se pretendeu fazer uma discussão sociológica que buscasse compreender a crise do Estado em seus desdobramentos - crise fiscal e política, que resultam em crise de governabilidade das instituições do Estado, revelar aspectos da visão neoliberal sobre a crise e sobre o papel que ela desempenha na reforma do Estado, além de buscar elementos de análise que tentem explicar a relação entre a crise do Estado e o movimento sindical, especialmente, do segmento ligado às instituições estatais, diretamente afetado, tanto pela crise, como pela reforma do Estado. 27 1.2.1.1. Dimensões da Crise do Estado Diversos autores (Habermas, 1984, 1987, 1995; Offe, 1984, 1988, 1998; O'Connor 1977; Poulantzas 1972 e 1977; Oliveira 1993, 1995a e b, 1996, 1998, 1999) analisam a crise do Estado, entendendo-a como impasses e limites do Estado e apontam como suas principais dimensões, a crise fiscal e a crise política, que se refletem em perda de legitimidade e em problemas de governabilidade. A discussão em torno da crise é ampla e envolve posições variadas, conservadoras e progressistas, os diagnósticos apresentados que influenciam as respostas e prognósticos apresentados para a superação dos problemas e orientações de reformas do Estado. No entanto, diversos estudos apontam que vêm prevalecendo o diagnóstico e as propostas neoliberais, que buscam reduzir a atuação do Estado no financiamento das políticas sociais, especialmente nos países periféricos e/ou em desenvolvimento, orientadas por organismos internacionais (FMI, Banco Mundial, OMC, UNESCO), representantes dos interesses dos grandes oligopólios transnacionais, que impõem políticas de ajuste estrutural, de desenvolvimento econômico e de reformas do Estado, como pré-requisito para a renegociação da dívida daqueles países e para novos empréstimos, tendo como objetivo de fundo, a inserção/adaptação desses países, na nova ordem capitalista mundial. 5 5 Sobre a influência das idéias neoliberais e dos organismos internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional nas políticas de ajuste estrutural e políticas sociais na América Latina e no Brasil, ver: AGUIAR (1998), BACELAR (1997), BANCO MUNDIAL. (1992, 1995a, 1995b, 1995c), BARRETO (1992), BARROS e BAILEY(1995), BATISTA (1994), BOITO Jr. (1999), BORON (1999), BRUNO (1997), BRZEZINSKI, (1999), CARRION et all (1997), CHAUI (1999), CORAGGIO (1994a , 1994b,1996), CUNHA (1997), DAVINI (1997), DRAIBE (1993), FELICISSIMO (1994), FIORI (1995,199a 1997b ), FISCHMAN (1998), FREITAS (1999), FONSECA (1998 a e b), FRIGOTTO (1995), GENTILI (1994a, 1994b, 1995a, 1995b, 1998) GERMANO (1997, 1998, 1998b), GRAEF (1994), HAGGARD e KAUFMAN (1989), KUENZER (1997,1998, 1999 a,b, KAHLER (1990), LAUGLO (1997), LAUREL (1995), LIMA (1997), LÜDKE et all (1999), MELO, (1999), MIRANDA (1997), NAVARRO (1995), OFFE (1998), OURIQUES (1997), PAULA (1995), QUEIROZ (1997), RAMPINELLI (1993), REZENDE (1996), RODRIGUES R.A. (1994), RODRIGUES A. T. (1998), SACHS (1989), SANTOS B.S., (1998), SGUISSARDI (1998), SIMIONATTO (1999), SOARES (1995), SOLA (1993), SOUZA (1998), SUNKEL e ZULETA (1990), TABAK (1994), TAVARES E MELIN (1997), TIRAMONTI (1997)), THÉRET (1994), TOLEDO (1995), TOMASI (1996), TORRES (1995), TORRES (1996), VIEIRA (1998), ZIBAS (1997). 28 A seguir, serão discutidos alguns elementos teóricos que possibilitam a compreensão da crise e da reforma do Estado no Brasil e os desdobramentos prováveis que afetam o movimento sindical dos trabalhadores do serviço público, notadamente do movimento docente que será o foco privilegiado da pesquisa. Analisar-se-ão as dimensões da crise do Estado: crise fiscal, crise política, crise do estado nação. Crise fiscal do Estado A crise fiscal se apresenta como dívida pública e representa parte considerável do Produto Interno Bruto (PIB) dos países endividados, reflete-se em dívidas e déficits públicos, sob a responsabilidade do Estado. A crise fiscal é um componente estrutural do sistema capitalista, em virtude das crises de acumulação, que se apresentam como queda tendencial da taxa de lucros (Poulantzas, 1977) e do processo de apropriação desigual de riquezas a ele inerente, especialmente quando busca aumentar as taxas de lucros através do aumento do uso de tecnologias substitutivas de trabalho vivo, aumentando o desemprego e a miséria, questões que demandam cada vez mais recursos e investimentos do Estado. Marx (1980, p. 221) já chamava a atenção para o endividamento nacional, alienação do Estado, como uma marca do sistema capitalista. Como pelo toque de uma vara de condão, (a dívida pública) confere ao dinheiro estéril capacidade de multiplicar-se e, com isso, transforma-o em capital, sem necessidade de que ele se exponha aos problemas e riscos inseparáveis de seu emprego na indústria ou até na usura. Os credores do Estado, na verdade não dão coisa alguma, pois a soma emprestada em suas mãos tal como o faria o dinheiro sonante. O'Connor (1977, p. 22-51), além de destacar a contradição da produção capitalista - produção social e apropriação privada dos meios de produção - como causa básica da crise fiscal, aponta que o crescimento simultâneo do setor monopolista e do setor estatal gera graves crises sociais e fiscais. Ele destaca duas linhas de análise da 31 Tavares e Melin (1997, p. 74-77) chamam a atenção para outros aspectos da crise fiscal do Estado, no atual estágio de desenvolvimento do capital, com o avanço da globalização financeira e da generalização das políticas neoliberais. A crise fiscal do Estado tende a acentuar-se pela deterioração da sua base fiscal, que se dá, especialmente, pela aplicação de uma política monetária de altas freqüentes nas taxas de juros, pela liberalização dos movimentos do capital e pela flexibilização dos mecanismos formais de contratação de negócios e do trabalho, nos limites do território nacional. Na expressão desses autores (p.75), "a capacidade de arrecadar do Estado é afetada negativamente pela mobilidade irrestrita concedida ao capital e pelo grau crescente de informalismo que passa a reger o mercado de trabalho”. Essas políticas tornam opaca a distribuição da renda e esgarçam o contrato social existente mesmo nos países em que se havia consolidado o welfare state, como apontam Tavares e Melin (1997, p. 75). Os governos são induzidos, independentemente do nível de carga fiscal que pratiquem, a realizar ajustes fiscais severos, compensando a perda de capacidade tributária pelo corte generalizado de gastos, e a privatizar os serviços públicos, para reduzir o desequilíbrio patrimonial do estado. O elemento de maior impacto da deterioração fiscal é a alta das taxas de juros, que se têm mantido sistematicamente maiores que o ritmo de crescimento, nos últimos quinze anos. Acreditam os autores acima citados (p.75) que "o resultado, avassalador mesmo para as economias avançadas da Europa e do Japão, foi um aumento progressivo do serviço das dívidas em relação ao PIB que onera fortemente as contas públicas independente das medidas de 'austeridade fiscal' adotadas". Mas esse processo de mundialização da economia, onde ocorrem essas políticas de reestruturação e de ajuste, mesmo sendo universal, se dá forma desigual, não afetando todos os países, regiões, bairros, famílias ou indivíduos, do mesmo modo, com 32 a mesma direção e intensidade (Coraggio, 1994, p. 90-91). Nos países dependentes como o Brasil, as conseqüências são mais perversas e refletem-se no aumento dos acentuados níveis de pobreza, no aumento da miséria, na exclusão, cada vez maior, da população em relação à cidadania. Esse aspecto da crise fiscal, como crise financeira, pode ser entendido pela emergência de um novo padrão de acumulação, onde há a supremacia do capital financeiro, gerando o que Chesnais (1996, p. 15) chama de regime de acumulação financeira. Ou seja, "o estilo de acumulação é dado pelas novas formas de centralização de gigantescos capitais financeiros (os fundos mútuos e fundos de pensão), cuja função é frutificar principalmente no interior da esfera financeira". Esse autor (p.15), apesar de reconhecer ser na produção a origem da criação da riqueza, com o trabalho humano das mais diversas qualificações, aponta que "é a esfera financeira que comanda, cada vez mais, a repartição e a destinação social da riqueza”. Por essa visão, a dinâmica da esfera financeira apresenta um crescimento em ritmo cada vez maior que o crescimento do investimento, do comércio exterior e/ou do PIB e é alimentado por dois tipos diferentes de mecanismos. O primeiro refere-se à "inflação do valor dos ativos", ou seja, à formação de "capital fictício". O segundo baseia-se em transferências efetivas de riqueza para a esfera financeira, sendo o mecanismo mais importante o serviço da dívida pública e as políticas monetárias associadas ao mesmo. "Trata-se de 20% do orçamento dos principais países e de vários pontos dos seus PIBs, que são transferidos anualmente para a esfera financeira. Parte disso assume então a forma de rendimentos financeiros, dos quais vivem as camadas sociais rentistas" (CHESNAIS, 1996, p.15) Outro fator importante para a crise fiscal refere-se à redução dos fluxos de receitas tributárias, que diminui a captação de recursos por parte do Estado. Os limites 33 da capacidade arrecadadora do Estado têm-se verificado com a recessão, com o desemprego, e com a utilização da concessão de subsídios fiscais a empresas que se instalam em determinados Estados nacionais. Na tentativa de atrair-se capital internacional para o espaço das economias nacionais uma prática muito comum tem sido adotada nos países dependentes, como o uso indiscriminado de subsídios fiscais para empresas internacionais que neles se instalam. Especialmente no Brasil, tem-se desenvolvido uma verdadeira “guerra” fiscal entre os estados para se atrair investimentos. Os governos estaduais e municipais oferecem diversas vantagens, como isenção de impostos, empréstimos subsidiados e com longos prazos de carência, entre outros benefícios. Por sua vez, a política econômica recessiva, ao diminuir o volume da produção e ao provocar o desemprego, reduz o montante de recursos a serem pagos em impostos, tanto pelos empresários, quanto pelos trabalhadores. Bacelar (1997, p. 32) destaca que o déficit do Estado, no Brasil, é provocado, principalmente, pelas despesas com o ônus resultante, tanto do endividamento interno como do externo. Em 1997, 55% da receita federal foi gasta com o pagamento de serviços da dívida externa e da dívida interna, sobrando apenas 45% para o restante das despesas. O país se vê forçado a aceitar os juros da sua dívida externa e a pagar juros altos ao rolar suas dívidas, o que contribui para aumentar ainda mais sua dívida pública. Nesse sentido, os Estados, longe de se ausentarem da economia, como preconizam os neoliberais, trocam de funções e passam a ser importantes patrocinadores da "valorização de capitais na esfera financeira" (BACELAR, 19977, p. 33). Hobsbawm (1992) aponta para uma crise que o Estado-nação vivencia, deixando de ser o principal ponto de referência econômica, uma vez que se vê abalado pelas transformações operadas na divisão internacional do trabalho, que se alimenta de 36 desapareça (...) Existe uma pressão muito forte para reduzir o papel dos Estados periféricos. E um desses elementos é o Banco Mundial que tem conduzido todas as políticas no sentido de desmontar focos de regulação nacional. Verifica-se uma tendência de subordinação dos países dependentes como os da América Latina (especialmente Argentina, Brasil e Chile) aos países hegemônicos (especialmente os Estados Unidos da América), diante das pressões da globalização. Esses países, geralmente endividados e vivenciando uma aguda crise financeira, acabam cedendo às pressões e promovendo uma “inserção passiva” no mundo globalizado, uma vez que se tornam fragilizados e reféns dos credores e não dispõem de um Estado forte com um projeto para o país, para negociar a sua inserção no contexto mundial. Assim, a crise fiscal provoca diversas conseqüências na atuação e no o funcionamento do governo, gerando uma incapacidade de se implementarem políticas públicas e atuando como elemento fundamental de crises políticas e institucionais do Estado. A crise política do Estado A crise política, elemento fundamental da crise do Estado, refere-se às bases políticas de sustentação, de credibilidade e legitimidade necessárias aos governos para permitirem a governabilidade e garantirem ao Estado a capacidade para implementar suas políticas sociais e negociar os diversos interesses da cena política. Fundado em princípios de igualdade e solidariedade, o Estado de Bem-Estar gozou de prestígio e credibilidade, porém, para alguns autores (Offe,1989; Habermas, 1987, 1994, 1995; O’Connor,1977; Poulantzas,1977), nas últimas décadas do século XX, ele estaria perdendo as suas bases de legitimidade. Segundo Offe (1989, p. 307), o Estado de bem- estar estaria perdendo o apoio político por razões de mudança estrutural da sociedade e 37 do padrão de conflito, diferente do padrão de conflito de classe. Esse novo padrão, na visão do autor, compõe-se por uma pluralidade de grupos e categorias relativamente pequenos, que mudam rapidamente de tamanho, influência e coerência interna, sem um eixo dominante de conflito amplamente reconhecido. (...) Novas formas de pluralidade estrutural e cultural que conduzem praticamente à evaporação das classes e outras coletividades conscientes de vontade política, interesse econômico e valores culturais, cuja existência deve ser considerada (...) uma condição necessária para atitudes e ideologias solidárias e coletivistas. Assim, se configurariam, por parte da opinião pública, nas democracias ocidentais, reorientações anticoletivistas e anti-Estado, conduzindo a uma diminuição da credibilidade do Estado e da crença na sua eficiência em resolver os problemas sociais. Offe (1989, p. 312) destaca os aspectos econômicos e políticos que estimulam a crise do Estado. Enquanto a ascensão do Estado de bem-estar requisitou, como condição suficiente, a mobilização das massas e grandes coalizões políticas, sua extinção é mediada por imperativos econômicos e pela silenciosa e discreta deserção dos eleitores, grupos e agentes corporativos, cujas estruturas, percepções e reações heterogêneas impedem a formação de alianças defensivas eficazes. O'Connor (1977, p.19-22) ressalta que as crises políticas são relacionadas com o caráter contraditório das duas funções básicas do Estado capitalista a acumulação e a legitimação. As despesas estatais correspondem a essa dupla função. O capital social se liga à despesa de acumulação privada lucrativa (dividido em investimento social e consumo social), e, as despesas sociais compreendem projetos e serviços destinados à manutenção da harmonia social, para cumprirem a função de "legitimação" do Estado. Essa dupla função do Estado é um processo contraditório, que cria tendências para crises econômicas, sociais e políticas. 38 Esse fato ocorreria, na visão do autor acima citado (p. 70-78), em conseqüência das necessidades que o Estado tem de atender, de um lado, às demandas da acumulação, especialmente do setor monopolista, e de outro, de aglutinar os interesses da população num sistema coerente, conquistar a lealdade das massas, legitimar-se a si mesmo perante a sociedade, para o atendimento dessas demandas, o próprio Estado cria um aparato administrativo de órgãos e programas, com vistas a controlar a população excedente e opor resistência à tendência às crises de legitimação. A crise do Estado pode resultar em outro problema de natureza política, uma crise de governabilidade no sistema político, estreitamente associada à questão da decrescente legitimidade do Estado e à crise fiscal. As crescentes funções assumidas pelo Estado, na economia e na sociedade, fizeram com que nele se concentrasse um dos espaços centrais das atividades políticas dos cidadãos. A natureza dialética e, portanto, contraditória dos interesses que demandam respostas do Estado, exige que haja autonomia, complexidade, coesão e legitimidade das instituições, garantindo a governabilidade, que fica comprometida em conjunturas de crise econômica e política. O conceito de governabilidade é utilizado com vários significados. Bobbio (1997, p. 547-552) destaca três teses acerca do problema da não governabilidade. A primeira, identificada com a sobrecarga e com a crise fiscal do Estado, que é a visão de O'Connor (1977); a segunda, crise da democracia, refere-se à necessidade da organização institucional da participação política e do fortalecimento da autoridade política, para garantia de governabilidade, que é defendida por Huntington (1970); a terceira, é concernente à crise de racionalidade do sistema, apontada por Habermas (1984). O'Connor (1977) associa a ingovernabilidade à crise fiscal e aos problemas encontrados pelos governos para atenderem aos serviços e intervenções exigidos pelo 41 remetendo ao papel próprio do pessoal na elaboração e no acionamento da política do Estado. As crises do Estado revelam elementos constitutivos das crises políticas, que consistem de traços particulares, resultantes de condensação das contradições no domínio político e que afetam, tanto as relações de classe em sua luta política, como os aparelhos de Estado. Devido à separação relativa entre o Estado e a economia, uma crise econômica não se traduz, necessariamente, nem univocamente, em crise política e crise do Estado. As crises econômicas que redundam em crise política, ou seja, aquelas que manifestam uma crise do conjunto das relações sociais. O que Poulantzas, anteriormente citado (p. 13), chama de crise de hegemonia (crise orgânica) no sentido gramsciano e/ ou "crise estrutural". Ainda na visão do mesmo autor (1977, p. 11-14), a crise política assume algumas características: consistindo-se principalmente em modificações substanciais das relações de força da luta de classes; num processo efetivo, com ritmo próprio, que consta de uma situação-conjuntura particular de condensação de contradições; na crise do Estado um de seus elementos próprios; na articulação sempre a uma crise ideológica que é um dos seus elementos constitutivos. Essa crise ideológica, no que concerne ao Estado, traduz-se em crise de legitimação. Poulantzas (1977, p. 19-20) continua destacando que o principal elemento que conduz a uma análise da relação entre o Estado e a economia deve ser "a queda tendencial da taxa de lucro, enquanto índice e sintoma das transformações das relações de produção e da divisão do trabalho, levando-se em conta as condições particulares, na fase do capitalismo monopolista". Ainda na visão desse autor (p. 21), na crise do Estado devem ser observadas as contradições de classe, implícitas na luta econômica e na luta política de classe. 42 Apreender a crise do Estado em suas relações com a economia e com a crise econômica significa apreender as relações entre e luta econômica (crise econômica) e a luta política de classe (crise política) e apreender a maneira pela qual as contradições de classe repercutem no seio dos aparelhos de Estado. Nesse sentido, é importante ressaltar a importância de se perceber a natureza das relações do Estado com as classes sociais - dominantes e dominadas - os conflitos e as relações de forças interclasses no capitalismo monopolista. Apesar de representar o interesse político, em longo prazo, do conjunto da burguesia, o Estado deve administrar os conflitos entre as frações monopolistas e não monopolistas e as frações internas do capital monopolista, que se situam diferenciadamente no bloco de poder, mantendo uma autonomia relativa em relação às frações do bloco do poder, para assumir seu papel de organizador político do interesse geral da burguesia, sob a hegemonia de uma dessas facções. O estabelecimento das políticas do Estado é influenciado por essas contradições de classes no seio de sua estrutura. Em relação às classes dominadas, destaca-se o papel do Estado na hegemonia do conjunto do bloco do poder sobre as classes dominadas (POULANTZAS, 1977, p. 22-23). Na verdade, a luta de classes (dominantes – dominadas) atravessa, ela mesma, os aparelhos de Estado de parte a parte, na medida em que esses aparelhos materializam e concentram o poder da ou das classes e frações dominantes em suas contradições com as classes dominadas. Crise do Estado no Brasil Existe uma gama variada de explicações para a crise do Estado no Brasil e vários aspectos são apontados como intrínsecos a essa crise: a dívida externa, os altos índices de inflação, esgotamento do modelo de substituição de importações que moldou 43 o Estado desde a década de 1930, de forma mais acentuada, após a Segunda Guerra Mundial. Segundo Garcia (1997, p. 17), a crise do Estado estaria associada ao esgotamento do modelo de desenvolvimento nacional adotado pelo Brasil, cujas características de concentração de renda e autoritarismo foram exacerbadas durante o regime militar, que, para superar a estagnação econômica, passou a financiar seu desenvolvimento, criando um enorme endividamento externo. Nos anos 80 essa crise se agravou e a solução adotada para financiar o Estado, através da emissão de dinheiro com caráter inflacionário, provocou um período de desagregação econômica que ainda permanece. Diniz (1997, p. 179-180) analisa a crise do Estado, destacando a dimensão institucional e de governabilidade. Ao destacar a crise institucional brasileira, nos anos 1990, ressalta o aprofundamento da defasagem Estado-sociedade, diante da ineficácia do poder público na gestão dos problemas mais prementes, como o desequilíbrio econômico, a deterioração social e os altos índices de exclusão e violência. Esse enfoque definiria uma nova forma de se caracterizar a crise de governabilidade que estaria associada às dificuldades inerentes ao processo de implementação das políticas públicas. Segundo a mesma autora (1997, p 179-180), o diagnóstico dominante sobre a crise de governabilidade enfatiza os fatores responsáveis pela paralisia decisória, ligados à democratização crescente da ordem social e política. Nessa linha de raciocínio, a liberação das demandas reprimidas pelos anos de regime autoritário e a exacerbação das expectativas por políticas sociais mais efetivas restringiriam os graus de liberdade do governo na transição, acossado pela multiplicidade de pressões contraditórias, gerando paralisia decisória e perda de credibilidade. Diferentemente do diagnóstico dominante, a autora (p. 180-181) continua ressaltando a incapacidade do governo para implementar políticas e fazer valer suas decisões, cujo estrangulamento estaria no âmbito da execução e da garantia da 46 Essa influência tem orientado reformas estruturais que empregam a diminuição dos gastos públicos, a desregulamentação dos mercados, a descentralização e aplicam os princípios e proposições do mercado, privatizam empresas estatais e dirigem as políticas sociais públicas para o mercado. Essa privatização dos serviços públicos se dá, seja pela venda direta de empresas e serviços, seja pela transferência da prestação desses serviços para organizações públicas não estatais de caráter privado, que captam recursos do fundo público e dos usuários dos serviços, ou, ainda, pela transferência dos recursos públicos para empresas privadas. Esse processo de privatização se dá, especialmente, com a reforma da administração pública, conhecida por reforma administrativa, definida como Reforma Gerencial, pelo próprio governo, nos documentos oficiais, e pelo seu principal mentor Bresser Pereira, em diversos escritos (ver referências bibliográficas). Nessa concepção de administração institui-se, no processo administrativo público, os princípios de gestão vigentes na administração das empresas privadas. A partir da crise econômica e da crise do Estado, desde a década de 1970, vem- se desenrolando uma tendência mundial de promoção de reformas do Estado. Com impactos e contornos variáveis, diversos países, especialmente a França, a Grã- Bretanha, os Estados Unidos, a Austrália, a Nova Zelândia, vêm desenvolvendo reformas, tanto em relação ao papel social do Estado, quanto à gestão da administração pública (Bresser Pereira, 1998 e Abrúcio, 1997). Essas reformas impõem uma modernização conservadora que, em geral, têm introduzido o modelo gerencial na administração pública, redefinindo o sistema de pessoal, descentralizando, terceirizando e privatizando a produção de serviços públicos, inclusive os sistemas educacionais estatais, adotando um "modelo institucional gerencialista" (Lima, 1997, p. 37). 47 A reforma do Estado, com vistas ao mercado, representa uma contra-reforma, já que o Estado "socializado", viabilizado pelo fundo público, ou seja, a regulação macroeconômica e social que o fundo público propicia é uma sociabilidade contraditória que representou um estancamento da luta política, especialmente dos trabalhadores, em direção à revolução. Santos (1998, p. 1) assim analisa essa contra-reforma do Estado: "A reforma do Estado se coloca como uma crise do reformismo que é um dos dois grandes paradigmas de transformação social da modernidade, fazendo par com a revolução. Agora, ele é objeto de reforma em virtude da crise do reformismo". Esse mesmo autor (p.1-3) continua identificando três estratégias fundamentais do capitalismo, que presidiram o Estado nacional durante o processo reformista: acumulação, confiança e legitimação. Presentes no Estado-providência, essas estratégias garantiram a estabilidade da produção capitalista, estabilidade das expectativas dos cidadãos ameaçados pelos riscos decorrentes das externalidades da acumulação capitalista e a lealdade das diferentes classes sociais à gestão estatal das oportunidades e dos riscos. Através dessas três estratégias o capitalismo garantiu a sua própria estabilidade, tanto enquanto entidade política, como enquanto entidade administrativa. Ainda na mesma análise de Santos (1998, p.3), desde a década de 1980, o reformismo entra em crise, em virtude de rupturas ocorridas no paradigma da mudança normal, que foi o princípio norteador da regulação que originou o Estado social; sendo daí em diante, mais fortalecido na estratégia de acumulação. Diz o autor: O capitalismo global e o seu braço político, o Consenso de Wasghington desestruturaram os espaços nacionais de conflito e negociação, minaram a capacidade financeira e reguladora do Estado, ao mesmo tempo em que aumentaram a escala e a frequência dos riscos até uma e outra ultrapassarem os limiares de uma gestão nacional viável. A articulação entre as três estratégias do Estado — acumulação, hegemonia e confiança —, que presidem ao reformismo, 48 entrou em processo de desagregação e foi paulatinamente substituída por uma outra dominada inteiramente pela estratégia de acumulação. Seguindo na mesma página, Santos chama a atenção, ainda, para a imposição do capitalismo globalizado de um Estado forte para atender às exigências de suas necessidades de expansão, acumulação e apropriação dos espaços não mercantis: O Estado fraco, que emerge do Consenso de Washington, só é fraco ao nível das estratégias de hegemonia e de confiança. Ao nível da estratégia de acumulação é mais forte do que nunca, na medida em que passa a competir ao Estado gerir e legitimar no espaço nacional as exigências do capitalismo global. Não se trata, pois, da crise do Estado em geral, mas de um certo tipo de Estado. Não se trata do regresso do princípio do mercado, mas de uma nova articulação, mais direta e mais íntima, entre o princípio do Estado e o princípio do mercado. Na verdade, a fraqueza do Estado não foi o efeito secundário ou perverso da globalização da economia. Foi um processo político muito preciso, destinado a construir um outro Estado forte, cuja força esteja mais finamente sintonizada com as exigências políticas do capitalismo global. Na visão do neoliberalismo, a força do Estado deve-se concentrar na sua capacidade de submeter toda a sociabilidade e suas interdependências à lógica mercantil. Assim, entende-se que a nova configuração assumida atualmente pelo Estado está ligada a uma política deliberada, dirigida pelas forças políticas aliadas ao capital, que dá direção à formação de um novo Estado hegemonizado pelas relações mercantis, especialmente nas políticas públicas criadas e providas pelo fundo público, configurando-se, pois, como uma estratégia e não como algo aleatório e casual que se formata ao sabor de uma crise. É no contexto da crise do desmoronamento do socialismo burocrático de Estado, vivenciado na União Soviética e na Europa Oriental, de crise do reformismo e do capitalismo, que as idéias neoliberais se conformam como um programa de ação para reger as políticas econômicas e sociais das formações sociais capitalistas, especialmente nas nações dependentes. 51 social, de saúde e de educação. Para equacionar a crise do Estado, prescreve-se a privatização de empresas e serviços estatais, a diminuição dos gastos estatais com as políticas públicas, privilegiando-se a iniciativa privada como elemento de auto- regulação da sociedade e do mercado. Todas essas análises apontam o privilegiamento da ação do Estado, direcionada para a acumulação do capital. Chauí (1999, p. 2) também aponta nessa direção. Visto sob a perspectiva da luta política, o neoliberalismo não é, de maneira nenhuma, a crença na racionalidade do mercado, o enxugamento do Estado e a desaparição do fundo público, mas a posição, no momento vitoriosa, que decide cortar o fundo publico no pólo de financiamento dos bens e serviços públicos (ou o do salário indireto) e maximizar o uso da riqueza pública nos investimentos exigidos pelo capital, cujos lucros não são suficientes para cobrir todas as possibilidades tecnológicas que ele mesmo abriu. Que o neoliberalismo é a opção preferencial pela acumulação e reprodução do capital, o montante das dívidas públicas dos Estados nacionais fala por si mesmo. Offe (1998:12) destaca outros elementos da práxis neoliberal. As suas bases científicas, as bases do ser do trabalho, o papel do Estado na economia. Os neoliberais acham que o importante é tornar o país mais competitivo, reduzir ao máximo os direitos sociais e acabar com o poder dos sindicatos (...). É uma corrente que tem base científica, formada na Universidade de Chicago, um desprezo enorme às instituições e regulamentações e pretende, assim como o comunismo planejou, formar um novo ser humano: um trabalhador rápido, eficiente e capaz de sobreviver num mundo competitivo. Por definição, o neoliberalismo quer um Estado que interfira quase nada na economia e, se possível, cobre pouco imposto. Já se falou que a interferência que o capital deseja que o Estado faça na economia é em relação à defesa dos interesses da acumulação. Para a América Latina, sob a orientação dos organismos internacionais, como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC), essas 52 idéias têm-se transformado em programas e propostas de reformas de ajustes estruturais e macroeconômicos que incluem a reestruturação do Estado, especialmente no que se refere ao sistema de política social. As políticas sociais nos países dependentes são condicionadas por essas idéias, uma vez que constituem pré-requisitos fundamentais para a negociação/renegociação da dívida externa e para novos empréstimos, solicitados por eles, aos bancos credores internacionais, privados ou públicos. As políticas induzidas por essas instituições multinacionais se amparam num discurso de preocupação com a governabilidade ou good governance, que, para o Banco Mundial significa "a maneira pela qual um país exerce sua capacidade de administrar seus recursos econômicos e sociais (World Bank, 1994, p. 121). Tal preocupação se justifica pela necessidade de se melhorar o desempenho dos projetos financiados pelo Banco. Essa doutrina neoliberal, embora pensada e defendida, desde o final da Segunda Guerra Mundial, por alguns economistas e ideólogos burgueses, na Europa e nos Estados Unidos (Friedman, 1977 e Hayek, 1977), somente a partir de 1979, entra em cena como preceitos a serem praticados naqueles países e, especialmente, nos países da América Latina. Segundo Anderson (1995, p. 9), o neoliberalismo "foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar." Essas idéias contrapõem-se ao Estado de bem-estar, que se caraterizava por um Estado que intervinha na regulação do mercado e no processo de acumulação e deveria atuar, também, em políticas públicas de saúde, de educação, previdência e assistência social, como forma de se superar a crise vivenciada pelo capitalismo, especialmente na Europa e EUA, em 1929/1930, sendo aplicadas nessas regiões. Na perspectiva de manter as taxas de lucro em crescimento constante numa economia internacionalizada, onde se verifica uma elevada competitividade, os liberais defendem a 53 diminuição/enxugamento do Estado, redirecionando os tributos que bancam os custos das políticas sociais. A análise de Amorim (1993, p. 42) corrobora essa visão. Na ótica liberal, a redução das desigualdades sociais tem um preço que onera o sistema produtor de mercadorias e o inviabiliza dentro da lógica do mercado globalizado. O espaço das políticas públicas deve ser restringido, para conter novas demandas do capital. Este é o ponto crucial e que marca o aparecimento de um 'novo liberalismo', ou 'neoliberalismo'. Germano (1997, p. 123) destaca que a orientação para as políticas sociais de cunho neoliberal segue algumas estratégias: 1) o corte de gastos sociais; 2) a privatização lucrativa e não lucrativa dos serviços sociais; 3) a descentralização, através da municipalização e da transferência de ações e serviços para instituições comunitárias, populares e filantrópicas; 4) a centralização dos gastos sociais em programas seletivos, focalizados, em contraposição à universalização do sistema de proteção social, com ênfase nos programas sociais de emergência, tendo em vista o 'combate à pobreza' e a compensação dos efeitos negativos dos ajustes econômicos. Assim, essas políticas se orientam pela mercantilização e pela refilantropização das políticas sociais, contribuem para a transformação de direitos sociais em filantropia e possibilitam o uso clientelista e discriminatório dessas políticas. A política neoliberal se fortalece após a queda dos regimes socialistas do leste europeu. Essa experiência, apesar das distorções ocorridas no processo democrático e nas prioridades econômicas, voltadas para a Guerra Fria, representou, durante um certo tempo, uma alternativa ao modelo capitalista, que teve que fazer concessões aos trabalhadores e excluídos, assim como representou uma utopia, um projeto político para esses segmentos. Boito Jr. (1996, p. 81) desenvolve a idéia de que o neoliberalismo, no atual momento histórico brasileiro, converteu-se em instrumento de unificação do bloco do poder e em instrumento de legitimação dos interesses particulares das classes e frações 56 sociedade, ao seu papel e às suas funções junto à economia, a orientação é no sentido de se reduzir a atuação estatal em relação à regulamentação das relações de troca, de mercadorias, de serviços, de transações financeiras. Além disso, preconiza-se o afastamento do Estado das relações de compra e venda da força de trabalho, e a flexibilização das leis e dos direitos dos trabalhadores do Estado. Enfatiza-se o mercado como regulador da sociabilidade. No que se refere à reforma do Aparelho do Estado, a visão predominante do governo e de alguns estudiosos ligados à Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e ao Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvolvimento (CLAD) remete à defesa da necessidade de uma mudança de paradigma organizacional e administrativo, na busca de se superar o modelo burocrático de corte weberiano, até então prevalecente, e sua substituição por uma administração gerencial, herdado da iniciativa privada, que se fundamenta nos princípios da flexibilização, descentralização, desregulamentação, administração por resultados e qualidade total, visando à redução dos custos, ao aumento da eficiência e da produtividade e à melhoria da qualidade dos serviços. 6 Segundo Abrúcio (1997, p. 7-13), essa discussão sobre a utilização do modelo gerencial na administração pública se dá a partir da crise econômica mundial, ocorrida depois de meados da década de 1970, pondo fim à “era dourada” de crescimento do capitalismo, aniquilando o modelo de Estado gestado nesse período e fazendo com que a reforma do Estado passasse a ser uma palavra de ordem em quase todo o mundo. O modelo gerencial encontrou eco num contexto de críticas à burocracia estatal, aliada a uma crença presente na opinião pública de que o modelo ideal de gestão era o 6 Veja-se a esse respeito ABRUCIO (1997), BRESSER PEREIRA (1996,1997 ), CLAD (1999), ENAP (1994), MARTINS (1997), além de uma larga produção de vários autores sobre este e outros temas relativos à administração pública brasileira e à reforma do Estado, publicados pela ENAP em revistas, cadernos e livros. 57 da iniciativa privada, beneficiando-se, especialmente, de um catalisador político para se impor, que foi a vitória dos conservadores na Grã-Bretanha e dos republicanos nos Estados Unidos. O modelo gerencial tem servido de parâmetro, em diversos países, para modificar as estruturas administrativas do Estado. Inspiradas nesse modelo, são exemplares as reformas da administração pública operadas nos Estados Unidos e na Inglaterra (Abrúcio, 1997; Santos, 1997; CLAD, 1999). Lima (1997, p. 44) denomina esse modelo gerencial de paradigma gerencialista e, ao analisar a influência que ele exerce na reforma da Universidade em Portugal, faz as seguintes observações acerca das conseqüências de tais idéias sobre as concepções de Estado. Ao optar-se por uma estratégia de modernização gerencialista em vez de se insistir na reinvenção democrática e participativa do Estado Providência e do conceito de cidadania, dá-se lugar à aceitação e legitimação de novas formas de discriminação e exclusão social e à naturalização de uma espécie de Darwinismo social que vem gerando uma cidadania de segunda classe. Lima continua (p. 45) ressaltando, ainda, que os programas de modernização e de reforma administrativa que procuram adotar novas morfologias de organização, adotados na maioria dos países, "tomam como base a atividade econômica e a organização produtiva, o mercado, introduzindo a cultura da empresa no domínio da administração pública". Essa concepção de Estado, vinculada mais diretamente às relações mercantis e aos interesses de empresas privadas, remete a uma discussão em torno da complexa e multifacetada relação entre a esfera pública e a privada. Essas categorias podem assumir diversas dimensões, de acordo com o contexto histórico a que se referem, assim como podem estar relacionadas com as concepções teóricas e políticas que lhe emprestam sentido, no mais das vezes, assumindo uma distinção dicotômica. 58 Público e privado são categorias conhecidas e vivenciadas desde a Grécia Antiga, onde se distinguiam. A esfera pública era relacionada com vida na polis, experenciada pelo cidadão livre, espaço da conversação (lexis), às vezes assumindo a forma de conselhos e tribunais, onde se vivenciava a práxis comunitária, e, em contraponto, o espaço privado, reservado ao poder dos senhores na casa ("oikia", que se transformaria na figura do "pater-familias", na cultura romana). Da autonomia do senhor nesse espaço privado dependia sua participação no espaço público. No entanto, o sentido mais comum, modernamente atribuído à esfera pública está identificado com o Estado, e, a esfera privada, relacionada com a sociedade civil burguesa. O estudo de Habermas (1987, p. 93) sobre a evolução da esfera pública aponta uma mudança estrutural que se refere à gênese da esfera pública ligada às funções políticas e ao poder público, como um atributo da sociedade burguesa, a partir do século XVIII, especialmente na Inglaterra, momento em que a sociedade civil burguesa se assume como esfera de autonomia privada. A esfera pública com atuação política passa a ter no status normativo de um órgão de automediação da sociedade burguesa com um poder estatal que corresponda às suas necessidades. O pressuposto social dessa esfera pública “desenvolvida” é um mercado tendencialmente liberado, que faz da troca na esfera da reprodução social, à medida do possível, um assunto particular das pessoas privadas entre si, completando assim, finalmente, a privatização da sociedade burguesa. No Estado de Bem-Estar da social democracia e no Estado desenvolvimentista, como se configurou no Brasil, percebe-se uma interpenetração ou entrelaçamento entre a esfera pública e a privada, quando o fundo público entra na composição e reprodução do capital, promovendo-se uma ampliação do Estado através do financiamento do capital e da força de trabalho. Esse entrelaçamento passa a evidenciar o que Oliveira (1993, p.139) aponta como "um extravasamento das esferas privadas, das relações privadas, para uma esfera pública não-burguesa que, por variadas razões, tomou 61 descentralização: o administrativo, o político e o econômico, que estão relacionados com questões de poder entre as instâncias ou níveis de governo, e com os mecanismos democráticos de decisão das políticas públicas. O eixo administrativo - a descentralização intra-estatal – envolve, na visão Coraggio (apud Felicíssimo,1994, p. 41), a redução (ou inversão) das relações de subordinação e um correspondente aumento de autonomia, através da transferência de funções, recursos, competências, etc., principalmente nas seguintes alternativas: da instância nacional para a estadual, ou municipal; dos ministérios para as empresas “descentralizadas”; dos estados para os municípios e destes para os distritos. O eixo econômico - a privatização e a desregulação – consiste em transferir recursos e partes completas do aparelho do Estado – empresas – para a iniciativa privada. O eixo político - a democratização – consiste na reforma dos mecanismos de decisão política que predominam na sociedade e, sobretudo, na devolução à sociedade de parte do poder político alienado ao Estado. Neste último eixo podem-se incluir propostas de democratização consistentes que devolvem o poder ao povo, envolvendo-o nas decisões diretas, em processos de decisão e controle, em todas as instâncias de poder. Coraggio, acima citado (apud Felicíssimo, p. 49-51) destaca que a proposta de descentralização, bastante atuante na América Latina, tem inspiração neoliberal e é pensada como transferência da gestão dos serviços estatais aos usuários locais, com a intenção de legitimar a desestatização e a privatização. Essa visão privilegia os eixos administrativo e econômico. O eixo da democratização muitas vezes é utilizado apenas como discurso ideológico, pois, ao contrário de uma ampliação da democracia, faz-se necessário, por vezes, “uma elevada concentração de poder político e repressivo no 62 Estado que dirige a transição” para um projeto de “modernização”, implícito nas propostas de políticas nacionais. Relacionado com esse tema da descentralização está o da flexibilização, apontado como argumento para a solução de modernização do Estado, a agilização da prestação de serviços públicos, o aumento da eficiência e redução de gastos, que é indicada para ser aplicada, tanto nas atividades estatais, quanto nas relações de trabalho vigentes na administração pública. A flexibilização, ao lado da liberalização e da desregulação fazem parte do conjunto de estratégias do capital, ao buscar novas formas de produção e de gestão das empresas e da força de trabalho, no conjunto do processo de reestruturação capitalista. Observa-se, no conjunto das propostas de reforma do Estado, em curso no Brasil, uma identidade com as idéias neoliberais, que defendem a cidadania regulada pelo mercado, configurada pelo consumo de bens e serviços que devem ser comprados no mercado. Indivíduos são considerados cidadãos se são consumidores, com possibilidades de escolha e do exercício de controle da qualidade. Os bens e serviços gerados pelo Estado, como antivalor, devem-se realizar enquanto mercadorias, saindo do campo dos direitos sociais e sendo remetidos para as relações mercantis, e, assim, afastando-se do âmbito da política para o âmbito da economia. 1.2.2. A reforma do Estado e o movimento sindical: crise, resistência e reestruturação das relações de classes Pretende-se, aqui, destacar alguns elementos necessários à compreensão da crise vivenciada pelo movimento sindical, com destaque para o sindicalismo dos trabalhadores do serviço público, notadamente para o movimento docente ligado às Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), organizados pela ANDES-SN, que 63 constitui o foco de análise deste trabalho, como foi dito anteriormente. Bem como são assinalados pontos e focos de resistência à reestruturação, encetados pelo movimento. O conceito de resistência é tratado numa concepção dialética das relações de poder onde o comportamento político dos sujeitos, num contexto de dominação e de coerção, tende ao enfrentamento, à oposição, oferece resistência ao domínio que lhes é imposto pelas forças do poder dominante. Essa acepção de resistência inspira-se em Giroux (1986, p. 146), para quem “tem muito a ver com a lógica da indignação moral e política”. Esse autor destaca nesse conceito (p. 147-148), uma preocupação central com a emancipação. A “análise de qualquer ato de resistência uma preocupação com descobrir o grau em que ela fala de uma forma de recusa que enfatiza, seja implícita, seja explicitamente, a necessidade de se lutar contra o nexus social de dominação e submissão. No plano da realidade empírica, no caso do movimento docente, encara-se esse conceito nas diversas manifestações de enfrentamento, oposição e luta contra as diversas medidas do Estado. Tanto no que se refere aos interesses dos docentes enquanto categoria profissional, concernentes aos direitos sociais e trabalhistas; quanto em relação às diversas propostas de reformas para a Universidade, que contrariam os interesses, concepções e as propostas do movimento docente. Para tanto, parte-se da hipótese de que o sindicalismo dos servidores públicos vivencia uma crise estrutural relacionada com uma série de medidas já implementadas, ou em andamento, na reforma do Estado, tais como, a reestruturação das relações de trabalho (precarização do emprego, quebra da estabilidade, divisão da categoria entre estáveis e não estáveis), as demissões, a terceirização, a implantação de cooperativas de usuários dos serviços públicos, os baixos salários, as formas de colaboração inseridas no programa de qualidade e produtividade no serviço público, como instrumentos de 66 sindical docente público em São Paulo, o tema da crise tem sido um dos aspectos abordados, mas não o principal (Kruppa, 1994; Nogueira, 1996 e 1999; Vianna, 1999). Assim, a maior parte dos trabalhos que tratam da crise do sindicalismo no serviço público está restrita aos documentos do movimento sindical desses trabalhadores. A acelerada internacionalização do capital e as transformações que vêm ocorrendo na estrutura produtiva e nas relações sociais de produção têm provocado uma crise no trabalho e no movimento sindical, que não só atinge as condições concretas de trabalho e vida dos trabalhadores, mas alteram a subjetividade dos que vivem do trabalho, com repercussões na consciência de classe e nas formas de representação. No Brasil, essa crise atinge especialmente o sindicalismo combativo e crítico do capitalismo, representado pela CUT, uma vez que, historicamente, teve uma concepção progressista, anticapitalista e uma atuação combativa. O conjunto de transformações proporcionadas pela reestruturação produtiva tem provocado uma série de modificações no mundo do trabalho, tais como: segmentação do mercado de trabalho, diminuição da classe operária, crescente desemprego estrutural, terceirização, flexibilização das relações de trabalho, internacionalização da produção e novas técnicas de gestão da força de trabalho. Essas transformações têm ocasionado uma redução do poder do movimento sindical, tanto na negociação e contratação coletiva, na negociação de políticas econômicas e sociais, quanto na manutenção do pacto de dominação intermediado pelo Estado. Nessas metamorfoses, a flexibilidade assume uma centralidade (Harvey, 1993) no seio da estrutura produtiva e das relações de trabalho, e se desdobra em várias características, conforme explicita Lima (1999, p.2): A 'flexibilidade' se constitui no novo paradigma produtivo em contraposição ao modelo taylorista fordista dominante até a década de 70: flexibilidade produtiva presente na substituição da automação de base eletromecânica pela base microeletrônica, aumentando a rapidez 67 das mudanças na produção em termos de volume e produtos; na gestão do processo de trabalho com a adoção das teorias participativas presentes no “modelo japonês” como as ilhas de produção, o trabalho em equipe, a eliminação de cargos hierárquicos intermediários, o just- in-time, o kan-ban e o controle individualizado sobre o trabalhador e sua “motivação” mantida através de emulação permanente; e no mercado de trabalho pela sua desregulamentação, com a saída progressiva do Estado e o predomínio do “livre mercado” na compra e venda da força de trabalho. Associada à flexibilização está a terceirização, que, nos anos 90, assume papel importante no discurso da chamada modernidade. Segundo Lima (1999, p. 3), "terceirização tem por base a pressão por rebaixamento de custos com redução da força de trabalho ocupada e a pressão pela flexibilização dos custos salariais diretos e indiretos, através da redução ou eliminação dos encargos sociais." No que tange à reestruturação do processo de produção, há uma extensa discussão acerca das novas configurações que estariam sendo assumidas. Especialmente, a partir da análise de Piore e Sabel (1984), aponta-se para novas formas de se produzir, que eles denominam de "especialização flexível", como uma tendência de produção alternativa que se inspira na produção artesanal, em pequenas quantidades ou lotes, com base tecnológica, onde os equipamentos de múltiplos propósitos permitam a produção de diversos produtos, e sejam capazes de alternar ou de se converter facilmente e sem grandes encargos, para o que se apóia em trabalhadores polivalentes. Esses novos elementos produtivos seriam uma alternativa à produção em massa, típica do modelo fordista de produção. As indicações desses autores geraram diversas críticas (Antunes, 1995; Cattani et all,1997; Coriat, 1990, 1992; Lipietz, 1988, 1991; Harvey, 1992; entre outros), que questionam se esse modelo assume uma predominância sobre o modelo fordista e se pode ser considerado uma generalização, ou se esse novo modelo apenas introduz novas características sem, no entanto, alterar radicalmente o modelo típico fordista de 68 produção e consumo de massas. Entretanto, essa discussão foi importante porque acirrou o debate sobre os novos paradigmas de produção e sociabilidade capitalista. Harvey (1992, p. 140) denomina essas novas tendências de configurações do capitalismo de "acumulação flexível", indicando que haveria uma nova fase de produção "marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processo de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos, e padrões de consumo." Embora seja possível se observar uma tendência de flexibilidade, isso não é ainda um processo homogeneizador e hegemônico, porque, além de ser uma tendência do capitalismo a coexistência de diversos processos de produção, é, igualmente sua, uma tendência de utilização de diversas formas de produção e de relações, desde que lhe seja mais funcional e lhe garanta melhores condições de produtividade e rentabilidade. No que se refere ao trabalhador, quando se fala em flexibilização remete-se, de imediato, à desregulamentação do trabalho e dos direitos trabalhistas. Flexibilização indica contratos temporários, precários, sem estabilidade, redução de direitos como férias remuneradas, demissão sem indenização, desemprego, subcontratação, terceirização, baixos salários. Outras conseqüências que têm sido apontadas são: crescimento da economia informal, retorno ao trabalho doméstico familiar artesanal e a volta de formas de exploração do trabalho como trabalho por peça. Toda essa gama de formas de exploração do trabalho tem resultado na diminuição do poder de barganha dos sindicatos e, conseqüentemente, no enfraquecimento das organizações sindicais. O rebatimento da reestruturação produtiva e do Estado sobre os movimentos sociais combativos e sobre o movimento sindical é um aspecto levantado por Dias (1995, 1998), Oliveira (1996), Bianchi (1996), Draibe (1993), Mattos (1998), entre outros. Esses autores analisam diversos elementos que apontam indícios de que a 71 a espinha dorsal dos sindicatos e dos movimentos sociais organizados da sociedade. Navarro (1995, p. 91-124) afirma que as mudanças ocorridas na produção (terceirização, flexibilização, internacionalização da produção, novas técnicas de gestão da força de trabalho, segmentação do mercado de trabalho, entre outras) e no Estado de Bem-Estar representam uma ofensiva da classe capitalista contra a organização do movimento operário. Tal ofensiva se dá em virtude do apoio vivenciado, em vários países da Europa e nos Estados Unidos, pelo Estado de Bem-Estar e contra o avanço, até a década de 80, da densidade sindical, em vários países, menos nos Estados Unidos e Japão. Para ele, "a resposta do capital foi brutal, e seu principal objetivo foi enfraquecer a classe trabalhadora". Diversos aspectos da reestruturação produtiva acima apontados, considerados por alguns autores (Antunes, 1995a; Navarro, 1995; Dias, 1995 e 1998; Boito Jr., 1996; Frigotto, 1995a; Torres,1995) responsáveis pela crise do movimento sindical no âmbito da iniciativa privada, agora atingem o movimento sindical dos trabalhadores no serviço público. A reforma do Estado, especialmente, a reforma administrativa, permite que o Estado passe a adotar, para as instituições estatais, os mecanismos de terceirização, de flexibilização, tanto do contrato de trabalho, quanto das formas de acesso ao serviço público, favorecendo a introdução de novas técnicas de gestão pautadas na administração gerencial. Essas inovações fatalmente afetam as relações de trabalho no interior da administração pública e o movimento sindical dos trabalhadores públicos. O sindicalismo, como ação coletiva, representação e organização de interesses coletivos de categorias de trabalhadores é questionado e, do ponto de vista da lógica dos agentes do capital, deve ser desestruturado para se viabilizar a nova estratégia de acumulação do capital como superação da crise econômica. 72 Essa mesma lógica atinge o sindicalismo dos trabalhadores do serviço público e rege a ação governamental, quando tem usado uma estratégia sistemática, tanto do ponto de vista estrutural com a reforma do Estado, levando a uma flexibilização e descentralização dos órgãos governamentais, quanto do ponto de vista da reestruturação das relações de trabalho no serviço público e da ação que preside à relação entre o governo e os servidores públicos. Do ponto de vista governamental torna-se necessária essa ação destrutiva da organização sindical dos trabalhadores ligados aos serviços públicos estatais, uma vez que a organização dos sindicatos desses trabalhadores logrou uma estrutura sindical de âmbito nacional, com um grande número de filiados, organizados pela base, em sua maioria gozando de autonomia financeira, pois não dependem do imposto sindical compulsório e contam com uma base de trabalhadores, até então com estabilidade no emprego. Esta situação do emprego público contrastava com a situação na iniciativa privada e servia de referência e contraponto ao conjunto do movimento sindical. Assim, todas essas análises sobre a crise e a reforma do Estado apontam a relação entre esses dois fenômenos e para a repercussão que ambos exercem sobre o movimento sindical e servem como um farol iluminador e clarificador das analises feitas neste trabalho. 73 II CAPITULO A REFORMA DO ESTADO NO BRASIL: A LÓGICA MERCANTIL NAS POLÍTÍCAS SOCIAIS 2.1. Elementos estruturais, políticos e sociais da reforma do Estado Este capítulo tem como objetivo a análise do processo de reestruturação do Estado no Brasil, na década de 1990, que se justifica pela crise fiscal e política vivida por ele. A reforma do Estado é compreendida como parte de um cenário mundial, marcado pela reestruturação da sociabilidade capitalista que se configurava desde o período pós-guerras. Essa reestruturação é um fenômeno que introduz novas tecnologias e novos materiais nos processos de produção, novas formas de gestão e organização do trabalho, adaptadas às novas formas de valorização do capital e traz modificações em todos os aspectos da sociabilidade, inclusive nas formas de representação social e nas simbólicas. É importante ressaltar-se a existência de determinantes externos e internos que influenciam a crise e a reforma do Estado no Brasil. A dimensão externa refere-se à crise econômica e de sociabilidade, em nível mundial. A dimensão interna refere-se, aos aspectos específicos da dinâmica política, social e econômica brasileira, marcada por uma inserção subordinada ao capitalismo mundial. Em relação ao Estado, essa crise tem provocado crise fiscal, e os desdobramentos políticos que se refletem em crise de governabilidade e de legitimidade, também se refletem numa crise institucional da burocracia estatal que atinge diretamente todo o pessoal a ela vinculado e o seu movimento sindical. Essa crise põe em risco o Estado de Bem-Estar social nos países da Europa, onde ele se instalou e aponta para o esgotamento do Estado Nacional Desenvolvimentista que se estruturou no Brasil, após os anos de 1930, e assume um caráter justificador da necessidade de reformas econômicas e políticas, entre as quais, a reforma do Estado. No sentido de se resolver a crise do processo econômico e do Estado, busca-se reformar o papel por ele assumido, a partir da década de 1930, o de mediador do processo global de acumulação, através do fundo público, oriundo da apropriação dos 76 proporciona-se um reordenamento do aparelho estatal com medidas desburocratizantes e descentralizadoras, introduzindo-se novas formas de gestão nos serviços e novas formas de relações de trabalho entre o Estado e os trabalhadores da administração pública. Essas medidas fazem coro às vozes do ideário neoliberal que é a forma ético- política predominante da reestruturação capitalista, neste final de século. Para Yazbek (1998:52), há um direcionamento para a diminuição da capacidade reguladora do Estado, seu reordenamento e sua subordinação às políticas ortodoxas de estabilização da economia, com suas restrições aos gastos públicos e sua perspectiva privatizadora, o que resulta no agravamento da crise das políticas sociais. No Brasil, o Estado assumiu papel fundamental de intervenção no modelo de acumulação capitalista substituidor de importações que se implementou nos últimos 50 anos do século XX. De forma insatisfatória, assumiu uma série de funções voltadas para o bem-estar da população em geral, porém, agora é chamado a se reestruturar, explicitamente, em nome de sua crise fiscal, da ingovernabilidade, da necessidade de sua modernização. Embora de forma não declarada e veementemente negada, as reformas se orientam pelos interesses dos agentes econômicos e dos capitais internacionais, direcionadores da internacionalização da economia, a partir de orientações de organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, conforme atestam inúmeras análises.7 Essas instituições passam a se constituir em "instâncias supranacionais de direção das políticas públicas" (Coraggio, 1994b, p. 91). 7 Sobre a influência do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional nas políticas de ajuste estrutural e políticas sociais no Brasil, ver nota 6 do cap. I. O Banco Mundial é formado por um conjunto de instituições, sendo uma das mais importantes o BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento, que por sua vez, é composto de outras agências: IDA – Associação Internacional de Desenvolvimento, IFC – Corporação Financeira Internacional, ICSID – Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre Investimentos, MIGA – Agência de Garantia de Investimentos Multilaterais e GEF – Fundo Mundial para o Meio Ambiente. Em todo o trabalho utilizaremos simplesmente Banco Mundial – BM. 77 Essa influência se faz mais presente, quando são firmados acordos entre o Brasil, o FMI e o BM, dos quais o governo acata suas determinações, concernentes aos meios e às metas a serem atingidas por ele, quanto à política fiscal, às privatizações, às metas de inflação, as taxas de juros, ao comércio exterior, ao superávit nas contas do governo, cortes de gastos, aumento de receitas, entre outras determinações. Essa influência direta faz com que o governo brasileiro exerça um poder compartilhado, ou seja, um poder comandado por uma trindade, da qual fazem parte o Presidente da República, o Diretor Adjunto do FMI e o Secretário do Tesouro dos Estados Unidos.8 Essa gestão compartilhada é apoiada e complementada por políticos, burocratas, banqueiros, empresários e oligarquias regionais, que compõem os partidos da base de apoio do governo, os quais são os executores e apoiadores dos planos de governo que garantem que o país honre seus compromissos externos com o capital financeiro e com a dívida externa. Esse esquema partilhado de poder, concentrado no Poder Executivo Central, reserva ao Congresso e ao Poder Judiciário, um papel secundário de referendar e aprovar as medidas acertadas pela tríade9. 8 Na Revista REPORTAGEM, Ano I, nº 5, dezembro de 1999, sugere-se que no Brasil há um "Governo a seis mãos", no qual o Presidente Fernando Henrique representa o núcleo interno do poder e Stanley Fischer (Diretor Adjunto do FMI) e Lawrence Summers (Secretário do Tesouro dos EUA) representam o núcleo externo do comando da economia brasileira. Esta revista mostra, ainda, um trabalho do economista Luiz Marcos Gomes, que mostra em "Todos os Homens do Presidente", um levantamento exaustivo que aponta as pessoas e interesses mais influentes no governo de Fernando Henrique e como vem crescendo a influência dos banqueiros e financistas no seu governo, que aumentaram de 21, em 1998, para 28, em 1999, enquanto os políticos diminuíram de 16 para 13, na ocupação de cargos importantes. 9 Entre os definidores e executores das políticas governamentais que representam os interesses do capital internacional e que gozam de hegemonia no governo, destacam-se os economistas do grupo da PUC do Rio de Janeiro, formado por financistas e banqueiros ligados a bancos internacionais, entre os quais se sobressaem: Pedro Malan, Armínio Fraga, Gustavo Franco, André Lara Rezende, Pérsio Arida, Elena Landau, Edward Amadeo, além de outros, como Luiz Carlos Bresser Pereira e Paulo Renato de Souza. Todos eles têm livre trânsito entre os setores público e privado, disponibilidade de informações privilegiadas das duas esferas, ligações orgânicas com os interesses financeiros, foram participantes do chamado Consenso de Washington, têm ligação direta com os organismos internacionais como o FMI e o BM, dispõem de capacidade de intermediar e implementar aqueles interesses nas políticas governamentais. Todos eles vêm desempenhando funções e cargos importantes nos governos, desde os anos 80, alguns, diretamente ligados aos bancos estrangeiros, tendo ocupado cargos nas Agências internacionais como FMI e o BM. 78 Destacam-se, como elementos concernentes à política interna, que possibilitaram a implantação das reformas: a crise econômica, com altos índices inflacionários; a crise do Estado, que se manifestava na falta de credibilidade do governo, na deterioração das políticas sociais, na corrupção que se alastra em todas as instâncias governamentais e aparelhos do Estado; o apoio dos representantes nacionais aos interesses do capital. Com a preocupação de reordenarem uma nova ordem internacional no pós- guerra, os países centrais, sob a hegemonia dos Estados Unidos da América, criaram diversos organismos, com destaque para o Fundo Monetário Internacional e para o Banco Mundial, com o objetivo de "impulsionar o crescimento e evitar a emergência de novas crises internacionais" (Soares 1995, p. 18). Interessados inicialmente na reconstrução das economias dos países atingidos pela guerra, esses organismos multilaterais de financiamento assumiram, na década de 1980, papel fundamental no desenvolvimento e nos programas macroeconômicos de ajuste e estabilização das economias dos países do chamado Terceiro Mundo,10 quase todos atingidos por crises econômicas e sociais, agravadas pelas dívidas interna e externa. Mais recentemente, a partir da década de 1990, os países em desenvolvimento são induzidos a reestruturar suas economias e seus arranjos societais para se integrarem ao mercado competitivo internacional, geralmente de forma subordinada, pressionados pelos déficits públicos, pela dívida externa e pela necessidade de captação de recursos financeiros para cobrir os altos juros praticados nas suas economias internas. O Banco Mundial e o FMI estabelecem Programas de Ajuste Estrutural (PAEs) como condição 10 Existem diversas denominações utilizadas para se caracterizar os países que não pertencem ao grupo dos países mais desenvolvidos, ou mais ricos, que representam o centro do capitalismo mundial (Estados Unidos, Canadá, França, Inglaterra, Alemanha, Japão): Países do Terceiro Mundo, periféricos e semi- periféricos, países dependentes, subdesenvolvidos, em desenvolvimento, subalternos. Neste trabalho esses termos serão usados indistintatamente para se designar os países da África, América Latina (América do Sul e Central). 81 menor diferenciação possível entre mercados externo e interno, à modernização de grandes empresas com fortes ligações no mercado internacional, à crescente dependência econômica e financeira do exterior e à passagem do Estado empreendedor para o Estado regulador e focalizador de ações sociais, sendo a privatização uma oportunidade de formação de, pelo menos 15 grandes grupos econômicos nacionais ou associados ao capital estrangeiro de expressão do capitalismo brasileiro." No governo de Fernando Henrique, o Estado torna-se artífice de sua própria reforma, na busca da construção de um novo modelo de desenvolvimento (Fiori, 1996). A reforma do Estado foi erigida como elemento número um da agenda governamental e compreende as reformas tributária, fiscal, política, da previdência social, administrativa. Compreende, ainda, mudanças no papel do Estado na mediação das relações capital- trabalho, através de um novo ordenamento jurídico que regulamenta as relações de trabalho, tanto na esfera privada, quanto na pública e as mudanças na legislação que rege a atividade e a organização sindical em ambos os setores. Desde a promulgação da Constituição de 1988, as forças políticas que gozam da hegemonia do poder – empresários, industriais e banqueiros, representantes dos grandes monopólios internacionais, políticos e altos burocratas do Estado - têm apoiado essas reformas. Simultaneamente, com o total apoio da mídia, essas forças políticas têm usado e difundido, nos meios de comunicação, um discurso cujo conteúdo identifica-se com as idéias neoliberais do Estado mínimo, ao mesmo tempo em que utilizam argumentos que destacam apenas os aspectos negativos do Estado, buscando minar as bases de apoio às suas políticas sociais junto à opinião pública. Além disso, vem conseguindo impor princípios e propostas que se incluem na agenda governamental com vistas à reestruturação do Estado. As propostas de redução do Estado têm encontrado, na crise econômica e financeira que atinge diversos países, como o Brasil, ambiente propício para a sua 82 efetivação. Desde os anos 1980, o setor público vem sendo objeto de seguidos ajustes fiscal e monetário, relacionados especialmente com a redução das despesas. O governo de Fernando Henrique vem realizando sistemáticos ajustes fiscais como forma de buscar soluções para a crise econômica. Esses ajustes têm, de um lado, priorizado a redução dos gastos públicos, especialmente nas políticas sociais, com cortes nos investimentos e redução do orçamento direcionado às políticas de saúde, de educação, de ciência e tecnologia, e, de outro lado, são destinados mais recursos para o pagamento das dívidas interna e externa e para se saldar compromissos com juros altos. Isso indica que o pêndulo da política estatal tem-se inclinado mais para o lado do capital, especialmente o financeiro, do que para o lado do trabalho, ou da população em geral. Ao longo dos governos de Fernando Henrique Cardoso, tornou-se possível perceber que os gastos sociais com educação, saúde, habitação e assistência não foram prioritários. Nesse período, as altas taxas de juros praticadas, associadas ao crescimento da dívida, implicaram o aumento de recursos destinados ao pagamento de juros e encargos, ao mesmo tempo em que houve uma redução do montante de investimentos e dos recursos destinados às políticas sociais. No orçamento da União, os percentuais de gastos com o pagamento de juros e amortização líquida da dívida foram de 18,1% em 1997, 31,2% em 1998, 34,0% em 1999 e o orçamento para 2000 destina 43,7% para esse fim. Durante esse período, as parcelas destinadas aos gastos sociais foram reduzidas. No caso da saúde, o orçamento da União foi de 11% em 1997, 8,1% em 1988, 7,7% em 1999 e, para o ano 2000, foram previstos apenas 6%. Em educação, os recursos do orçamento da União gastos foram de 5,5% em 1997, 4,5% em 1998, 4,2% em 1999, enquanto para o ano 2000 a previsão é de redução dessas despesas para 3,8%. 83 Do ponto de vista econômico, as reformas na Constituição possibilitaram a privatização de empresas de setores estratégicos, até então monopolizados pelo Estado, como a quebra do monopólio do petróleo e a exploração por empresas privadas, das telecomunicações, do gás, da navegação de cabotagem, da energia elétrica. Além disso, possibilitaram uma abertura econômica que permite a entrada de capitais internacionais através de suas empresas, tornadas nacionais. O investimento do Estado naqueles setores considerados estratégicos para o desenvolvimento do capital industrial no Brasil representou altos investimentos com fundos públicos, por exigência do próprio capital. No momento, esses setores representam espaços de altos lucros para o capital. É assim a lógica de enfrentamento da crise do capital, fortalece-se o Estado na perspectiva do capital e reduzem-se os direitos sociais. Reforça-se o Estado na perspectiva dos interesses dos diferentes segmentos da classe capitalista. O processo de privatização vem-se dando também em empresas estratégicas de minérios: ferro, ouro, aço, siderurgia, em geral, empresas produtivas repassadas a empresas privadas com preços subavaliados e aceitando-se, como pagamento, as chamadas "moedas podres" (títulos com valores baixos no mercado) e pouca moeda corrente, totalizando irrisórias quantias para os cofres públicos, constituindo-se numa verdadeira degradação do patrimônio público e fortalecimento do patrimônio das empresas compradoras (indústrias, bancos e empreiteiras), com lucros altos. O governo usa a argumentação ideológica da falência do Estado e alega indisponibilidade de recursos para novos investimentos nas empresas estatais, e alega que somente com o desvencilhamento dos gastos com as estatais poderá investir nos setores sociais. No entanto, nessas transações predomina o interesse do capital privado, uma vez que só têm sido privatizadas as empresas de maior possibilidade de lucratividade e, ainda são oferecidas várias vantagens a seus compradores: o
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