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Assalto ao poder - Carlos Amorim, Notas de estudo de Ciência Política

LITERATURA POLÍTICA

Tipologia: Notas de estudo

2016

Compartilhado em 19/03/2016

ricardo-pinto-aragao-6
ricardo-pinto-aragao-6 🇧🇷

4.8

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Baixe Assalto ao poder - Carlos Amorim e outras Notas de estudo em PDF para Ciência Política, somente na Docsity! oC + RIME 6) ORGANIZADO CARLOS AMORI CARLOS AMORIM ASSALTO Ao PODER 9 CRIME ORGANIZADO EDITORA RECORD RIO DE JANEIRO + SÃO PAULO 2010 EDITORA RECORD LTDA. Rua Argentina 171 – 20921-380 Rio de Janeiro, RJ – Tel.: 2585-2000 Produzido no Brasil ISBN 978-85-01-40-025-3 Seja um leitor preferencial Record. Cadastre-se e receba informações sobre nossos lançamentos e nossas promoções. Atendimento e venda direta ao leitor: mdireto@record.com.br ou (21) 2585-2002. “Num mundo como este, o homem, para sobreviver, tem de suprimir a sua humanidade e explorar o seu semelhante.” (Texto final do segundo ato de A ópera dos três vinténs, do poeta e dramaturgo alemão Bertolt Brecht, encenada pela primeira vez em Berlim, em Dedicado a Tião, menino pobre das favelas do Rio. Ele não viveu o bastante para entender os motivos de sua própria morte. Por todas as noites em que acordei de um sono precário para acrescentar uma frase ao livro. Porque — aflito — tentava corrigir uma informação, acertar um nome, uma data, lembrar um rosto. Por todas as vezes em que o dia me surpreendeu enquanto olhava para o teclado, meu grande inimigo nesses quase mil dias de redação. Para quem não da Terra TERCEIRA PARTE: A radicalização do confronto Nota do autor Agradecimentos Índice remissivo Prefácio E o monstro de nove letras cresce diante de nossa mudez ensurdecedora SE CAÍSSE NA TENTAÇÃO de praticar um exercício descarado de autolouvação, Carlos Amorim poderia pendurar um aviso na parede do escritório, quando estivesse trabalhando: “Aviso aos transeuntes: Jornalista puro- sangue em atividade.” Pausa para uma pequena digressão de natureza jornalística. Posso garantir que o bicho é, sim, um jornalista puro-sangue. Ninguém me contou. Eu vi. Amorim pertence à tribo dos que não jogam jornalismo no lixo, Marcha dos Fatos, matéria-prima insubstituível do jornalismo. Tudo deveria ser simples assim: jornalista existe para publicar a vida, não para jogar notícias, histórias, relatos e personagens no lixo. Ponto final. Mas não é o que se vê na vida real. Qualquer ser bípede que já tenha passado dez minutos numa redação deve ter testemunhado um espetáculo lastimável: a prática persistente de um crime chamado jornalisticídio. Autores do crime: os próprios jornalistas. “Ah, não!”, reagiria um espectador ingênuo. “Não é possível! Quer dizer então que os maiores assassinos do jornalismo são os próprios jornalistas?” “São, sim, ó alma ingênua”, bradaria uma testemunha bem informada. “Fique sabendo que o jornalisticídio acontece todo santo dia. Há sempre um jornalista dizendo que não, notícia não é notícia, reportagem não é reportagem, entrevista não é entrevista! Não, a gente não vai publicar esta matéria porque a ‘concorrência’ já publicou. A gente não vai publicar porque não é ‘novidade’. Não, é melhor não! É melhor não, é melhor não.” Despacham tudo para a cesta de lixo, como se não pudesse existir, sempre, uma maneira atraente de transmitir a informação ao coitado do leitor, esclareça-se que jornalisticídio, como o nome sugere, é o assassinato do jornalismo, a golpes de tédio, indiferença, enfado ou, pura e simplesmente, incompetência. Os autores deste crime, praticado em 100% das redações, são, claro, os burocratas que transformam jornais, rádios, TVs e sites em monumentos à chatice. Como dizia Paulo Francis: “Nossa imprensa: acadêmica, empolada, previsível, chata — meu Deus, como é chata.” Confirmando o número: 100% das redações. Ponto. Parágrafo. Correi, OAB: o jornalisticídio deveria ser urgentemente tipificado no Código Penal. Assim, os jornalisticidas poderiam receber, como prêmio, a pena de banimento, para gáudio eterno dos leitores, ouvintes e telespectadores — que, assim, ficariam livres de uma praga que envenena a profissão. Num mundo em que o jornalisticídio fosse tipificado como crime inafiançável, camburões encostariam na porta de entrada das redações para recolher matilhas e matilhas de burocratas jornalisticidas, essa gente estranha, pretensiosa, risível e autorreferente. Quem sabe, a legião de banidos poderia ser despachada para uma extremidade remota do arquipélago de Fernando de Noronha, onde paciência, garimpagem, pesquisa, cruzamento de informações. O retrato que Amorim nos oferece em O assalto ao poder é assustador. A gente enxerga a trama, a teia, a tramoia da violência, um fenômeno de conexões nacionais e internacionais. O jornalista puro-sangue chama a nossa atenção para um fenômeno igualmente assustador: a estúpida banalização da violência. Amorim testemunha cenas de faroeste quase que na porta de casa: tiros, execuções, derramamento de sangue. Procura os jornais do dia seguinte. Não encontra um mísero registro. Nada. Olha ao redor: constata que os muros substituíram jardins na maior cidade da América do Sul. Espantado, escreve sobre um absurdo que já nem provoca indignação: aqui, as vítimas de violência é que encobrem o rosto em delegacias. O Estado se revela o grande ausente, tanto na punição do crime quanto na proteção da vítima. A culpa é de cada um de nós: “Aceitamos a violência urbana — uma das maiores do planeta — como se fosse um fato da vida. Não nos revoltamos. Nada exigimos dos nossos governantes.” O livro se tornou o espaço nobre para a prática da reportagem no Brasil. Que assim seja! As bancas estão violência, este monstro de nove letras que cresce (e se move e se infiltra e se insinua e se espalha) diante de nossa mudez ensurdecedora. Geneton Moraes Neto Jornalista, vive no Rio. Entre seus livros estão Cartas ao Planeta Brasil, Nitroglicerina pura, Porto Maldito e O dossiê Drummond. Atualmente é editor-chefe do Fantástico, da Rede Globo. INTRODUÇÃO: Para ler com medo um império que governou mais de 500 milhões de pessoas, o crime organizado se instalou no poder em vários países do Leste Europeu e na Ásia Central, além da África. Isso deu início a uma fase em que os próprios governantes passaram a comandar atividades criminosas em larga escala, inclusive por meio dos sistemas financeiros. Aqui no Brasil há exemplos fartos e variados dessa aspiração ao poder. A infiltração de organizações ilegais nas instituições democráticas, corrompendo os sistemas executivo e judiciário, comprando gente nas polícias e nos governos, dá o tom de uma orquestração em que somos alvo de uma conspiração nacional e internacional para “legalizar” o crime e o dinheiro de origem desconhecida ou imprópria. É disso que este livro trata. É o terceiro volume da trilogia sobre criminalidade e violência urbana no Brasil, que iniciei, em 1994, com Comando Vermelho — A história secreta do crime organizado. Dez anos depois, em 2004, publiquei CV-PCC — A irmandade do crime. Nos dois primeiros livros tratei das origens das organizações criminosas e tentei expressar a minha perplexidade com o cotidiano da violência. Denunciei — em vão — o rápido progresso do crime organizado no Brasil e olhar desatento de governantes e cidadãos. “Neste país, bandido burro dança. Bandido educado, ninguém segura.” A frase é de uma personagem da novela A favorita, exibida em 2008 pela TV Globo. Escrito por João Emanuel Carneiro e dirigido por Ricardo Waddington, o folhetim não foi um dos maiores sucessos de audiência da Globo. A canalhice dos personagens da novela chegou a incomodar os próprios atores. Mas A favorita esteve cheia de verdades, retratando um cotidiano de impunidades. O crime avulso, desorganizado e não estruturado merece a polícia, as surradas varas criminais, os fóruns atulhados de processos, a cadeia desumana. O crime dos bandidos de terno e gravata sempre aguarda em liberdade alguma decisão de tribunais superiores. Infelizmente, entre nós, a cidadania não se apoia no direito coletivo — ela tem a ver com o poder econômico. Quando policiais enfiam o pé na porta da casa do pobre, armas na mão, sem mandado de prisão, arrastando um suspeito algemado até a moradia de outro, as câmeras de televisão dos programas vespertinos transformam isso num espetáculo. E são brindadas com altas audiências, fruto da sede de vingança das possíveis vítimas. Ou seja, todos nós. Mas quando um as prisões de banqueiros, parlamentares e ex-governantes, como os ex-prefeitos paulistas Paulo Maluf e Celso Pita, as equipes da Polícia Federal ficaram diante da porta dos acusados olhando para o relógio, aguardando dar 6 horas da manhã. O brasileirinho comum, no entanto, pode ter sua casa invadida pelos agentes da lei a qualquer momento. E tudo é acompanhado por um “abelha”, cinegrafista amador a serviço de qualquer uma das grandes redes de televisão. Um profissional liberal que vende suas imagens e flagrantes por 250 reais — e que ganha a vida varando as madrugadas com uma câmera digital barata. Essa nova categoria de trabalhador, o “abelha”, remunerada de forma avulsa, abastece parte importante dos noticiários da televisão. Em muitos dos casos registrados pelo amador, qualquer promotor público — e qualquer juiz — deveria considerar que ocorreu “prisão e constrangimento ilegais”. Vale? Não vale. Policiais pulam os muros das residências sem mandado judicial, arrastam para fora os suspeitos. Nas favelas e periferias, a força pública já chega atirando para todos os lados, inclusive com veículos blindados e carros de combate. A “inviolabilidade” do lar só revólver e apontando diretamente para o fotógrafo, numa pose a que foi obrigado pelos tiras. Quando a foto foi ampliada, viu-se que a arma estava carregada. Este é o Brasil que se acostumou com as ilegalidades. E que se diverte com elas. Aqui o leitor vai conhecer a história de dona Geralda, favelada, lavadeira que sustentou a família sozinha depois de abandonada pelo marido, funcionário de uma empresa de transportes coletivos do Rio de Janeiro. Ele, o ex- provedor do barraco que dividiam no morro dos Prazeres, também um Geraldo, sambista nas horas vagas e amante de um cavaquinho, sumiu de uma hora para outra. Nunca mais se ouviu falar dele. Geralda, nordestina migrante dos anos 1960, teve o azar de nascer bonita. Negra de traços finos, boca carnuda, seios pequenos, coxas grossas e bunda empinada, tornou-se troféu na favela de Santa Teresa, zona central do Rio. Teve três filhos de dois homens diferentes. Tião virou “soldado do tráfico” com pouco mais de 10 anos de idade. Aos 13, apareceu morto num carro roubado, com um tiro na cabeça. Martinha, a filha do meio, virou prostituta. Herdara os atributos da mãe. Foi vista pela última vez país. Quem há de compreendê-la, em um lugar tão rico, tão privilegiado, e ao mesmo tempo tão sem oportunidades para a gente comum? Minha conclusão pessoal — talvez perversa, provocada pela minha própria sensação de insegurança — é a de que temos um grave problema de governantes. Ou são todos despreparados, e não entendem a gravidade do que vivemos, ou são cínicos, e fazem de conta que não estão vendo. A terceira alternativa é a pior de todas: eles sabem o que está acontecendo e são impotentes para resolver o problema da violência e da criminalidade. Em qual dessas hipóteses, caro leitor, você apostaria as suas fichas? Tudo isso, no entanto, parece pouco quando ouço o barulho aterrador dos tiros e dos gritos perto da minha casa. Sempre às sextas-feiras e aos sábados, durante a madrugada. É quando o bairro onde moro, a pouco mais de 20 quilômetros do centro da cidade de São Paulo, se agita com festas, pagodes, bailes funk e coisas do gênero. É quando o reinado do tráfico de drogas se instala nas esquinas, nos becos e nos bares da zona sul da capital. Depois dos disparos — apenas cinco minutos depois —, posso escutar as sirenes da polícia. Em geral é tarde demais. Algo terrível já aconteceu. Nem abro a janela do meu carro. Assim, do nada, às 10 horas da manhã. Aconteceu quando eu passava por uma ponte — percebam a ironia — chamada Socorro, na zona sul de São Paulo. Na oficina de reparos, o técnico me disse: — Foi uma calibre 22. Olha aqui a marca. — Ele sabia de cor o que tinha acontecido. O lugar onde vivo é um bairro tombado pelo patrimônio ambiental da cidade. Uma das maiores concentrações de área verde, com milhares de árvores e pássaros. É comum ver bandos de papagaios e araras coloridas, voando livres ao entardecer. Estamos perto de um lago com 1.900 metros de circunferência, onde há patos selvagens e — dizem — quatro jacarés-de-papo- amarelo, uma espécie em extinção. Esquilos e macacos também são frequentadores assíduos do local. Há gaviões, corujas grandes e pica-paus. Minha casa é uma construção antiga, no estilo colonial espanhol, com grandes arcos de pedra, varandas, enormes janelas envidraçadas. No terreno temos 16 árvores e coqueiros, grama e vários tipos de plantas nativas. É como se pudéssemos crer que vivemos numa bolha de ar puro e tranquilidade. Um parêntese no cenário feroz de São Paulo. Infelizmente, o bairro, que que cercam a região. E os “fogueteiros” da boca de fumo dispararam seus rojões para avisar que os policiais estavam “entrando”. Foi num sábado, também por volta das 2 horas. Minha filha mais velha, sentada num sofá de costas para a janela, foi imediatamente para o chão e ficou abaixada. Ato reflexo, ela tentava se proteger das chamadas balas perdidas. Depois disso, a prefeitura de São Paulo fechou os bares e casas de shows da região, a maioria na Avenida Robert Kennedy. O bairro, com essa simples medida burocrática, voltou a viver em tranquilidade e silêncio. Mas, para isso, dois jovens perderam a vida, executados por supostos seguranças de uma boate, crime nunca esclarecido. Me impressiona que uma medida administrativa qualquer tenha tido tanta importância para o lugar onde vivo. Isso me fez pensar muito no papel que os governantes poderiam ter, se quisessem. Fechar os bares a certa hora, fazer campanhas contra o álcool e pelo desarmamento, acender um poste de luz: são coisas práticas e baratas mas de grande repercussão para o cidadão. E por que os gestores das cidades brasileiras não dedicam parte do seu tempo na solução de coisas fáceis? Talvez porque de S. Paulo. Depois que a matéria foi publicada, o relatório passou a ser considerado “reservado” e deixou o site. Talvez seja por isso que os nossos governantes não se interessam por pequenas obras e atitudes que podem melhorar o cotidiano das pessoas nas grandes cidades. No meu bairro, como já disse, medidas muito simples ajudaram a resolver o problema da violência. Foi neste ambiente de paradoxos que comecei a escrever este livro sobre o desastre humano brasileiro. Porque a guerra civil não declarada chegou até a mim e à minha família. Eu estava escrevendo uma ficção — e como é bom inventar uma história — atualmente transformada numa série policial para os canais FOX, batizada de 9mm: São Paulo. O título original que dei para a série, Sinal Vermelho, parecia mais adequado. Só que os americanos não o entenderam muito bem, porque Red Alert lembrava coisas da Guerra Fria, e o cinemão de Hollywood já tinha produzido um filme com esse título. Entre os motivos da minha reflexão para deixar a fantasia e voltar à realidade, estava o som daqueles disparos que ouvi perto de casa. Na realidade, a arma que disparou perto de onde moro não era uma 9mm. Pelo som, seria uma 223 com o fim dos bailes. Todos os moradores da região respiraram em paz. Finda essa confusão, no entanto, começaram os assaltos às residências. Na manhã de 22 de outubro de 2008, uma quarta-feira nublada, às 10 horas, a casa de um dos meus vizinhos de rua foi invadida por um bando armado. Havia pelo menos sete pessoas na residência, incluindo quatro trabalhadores que concluíam uma reforma. Todas foram trancadas num banheiro, menos o proprietário, que se mudara para o imóvel com a família pouco antes. Funcionário de uma grande empresa, homem cordial, que sempre acenava quando passava por ele na rua, meu vizinho foi severamente torturado pelos assaltantes. Os bandidos tinham informações de que ele guardava dinheiro em casa, justamente porque realizava obras, comprava móveis e estava construindo um muro de 3,4 metros de altura. A parte da frente já estava pronta, mas a lateral do terreno de esquina, não. Foi por ali que a quadrilha entrou, aproveitando-se de que os pedreiros estavam preparando massa de cimento na calçada. Meu infeliz vizinho apanhou muito para dizer onde estava um dinheiro que não existia. Seu corpo ficou cheio de marcas contas fossem bloqueadas. O único troféu que o ataque rendeu aos assaltantes foi um sobretudo de couro que meu desafortunado vizinho trouxe de uma viagem à Europa. O chefe do bando, o mais agressivo, que comandou as torturas, pouco antes de se retirar, declarou: — Com essa roupa de Schwarzenegger [de O exterminador do futuro] vou matar muita gente por aí. Meu vizinho sobreviveu. Tecnicamente, a ocorrência foi daquelas desimportantes. Acionada pelo 190, a Polícia Militar enviou uma preguiçosa patrulha. Os policiais se limitaram a recomendar que o dono da casa fosse à delegacia mais próxima para registrar um boletim de ocorrência. Não foram feitas buscas na região. Não foram tiradas impressões digitais, que deveriam ser abundantes. Nenhum carro da fuga foi identificado. Nenhuma testemunha foi ouvida. Nada. Simplesmente nada. Algum tempo depois, a quadrilha foi surpreendida em novo assalto a uma residência da região. A polícia chegou em cima do lance, mandou bala neles. Prendeu alguns. Outros fugiram. Os moradores comentam que a PM matou dois dos assaltantes. Procurei nos noticiários e não passeavam com os cachorros. Em casa, até esquecíamos de trancar as portas. Uma década depois, as ruas ficaram quase desertas. Muros foram erguidos onde antes havia jardins abertos para a rua. Foi num espaço de tempo muito pequeno, considerado historicamente, que a violência mudou todas as rotinas. Apenas anoitece e as ruas ficam vazias. Este livro, portanto, é fruto do meu próprio medo. Medo da violência de que já fui vítima aqui em São Paulo. Uma violência que já atingiu também uma das minhas filhas, como o leitor verá adiante. Todas as pessoas que conheço na maior cidade do país já passaram por episódios de risco pessoal. Meus amigos, companheiros de trabalho, vizinhos. Todos estiveram frente a frente com gente armada e ansiosa por “tomar” algum dinheiro ou objeto de valor. Pode ser o carro, um relógio, o tênis de grife, 100 reais. A violência se democratizou no Brasil moderno, atingindo pessoas de todas as classes sociais. Não há mais fronteiras seguras em nenhum lugar. Quem imagina se proteger por trás de muros, cercas elétricas, cães e condomínios fechados, está iludido. A violência vai alcançá-las ao chegar e ao sair. Várias declarações citadas no portão de casa, a 20 metros de um posto da Guarda Civil Metropolitana de São Paulo. Avisados do roubo, os integrantes da GCM disseram, singelamente: — É preciso ligar para 190 e chamar a PM. Nós não podemos sair daqui. Parece irreal, mas é verdade. Eles estavam a 20 metros da cena de um crime e não fizeram nada. A GCM de São Paulo tem 6.365 guardas, espalhados por dezenas de bairros da cidade, cuja função é cuidar do patrimônio público. Custa aos cofres municipais muitos milhões de reais por ano, incluindo uma força de choque, que é usada contra camelôs e vendedores ambulantes, com treinamento na PM. Nós é que pagamos por tudo isso. Mas não serve para socorrer uma senhora de 80 anos atacada por assaltantes praticamente na porta de uma das suas unidades. A bolsa da cidadã, certamente, não é um patrimônio público. Para confirmar a situação absurda, a Assembleia Legislativa de São Paulo acaba de aprovar um projeto de lei que impede que o nome das vítimas e testemunhas de crimes constem dos boletins de ocorrências policiais. Isso é para impedir que sejam constrangidas pelos criminosos ou que sofram represálias. A chamada “qualificação” dessas pessoas, que
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