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Guias e Dicas
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Relatório Volta do Campo Grande, Provas de Antropologia

Comunidade Quilombola

Tipologia: Provas

2015
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Compartilhado em 14/04/2015

eduardo-rocha-43
eduardo-rocha-43 🇧🇷

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Baixe Relatório Volta do Campo Grande e outras Provas em PDF para Antropologia, somente na Docsity! MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA-INCRA SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL NO PIAUÍ – SR(24) DIVISÃO DE ORDENAMENTO DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA - SR(24)DOEF MUNICÍPIO: CAMPINAS DO PIAUÍ. EQUIPE TÉCNICA : Eduardo Campos Rocha – Antropólogo/INCRA Paulo Gustavo de Alencar - Engenheiro Agrônomo /INCRA Teresina, (PI), novembro de 2.006. 2 ÍNDICE 1. INTRODUÇÃO............................................................................................................ 04 2. OBJETIVOS E JUSTIFICATIVAS................................................................................... 04 3. METODOLOGIA UTILIZADA........................................................................................ 05 4. IDENTIFICAÇÃO DA COMUNIDADE E TERRITÓRIO...................................................... 06 4.01. Denominação do território.................................................................................. 06 4.02. Localização e coordenadas................................................................................. 06 4.03. Limites e confrontantes...................................................................................... 06 4.04. Localidades que compõem o território................................................................. 07 4.05. Título de domínio.............................................................................................. 07 4.06. Área medida e perímetro................................................................................... 07 4.07. Número de módulos fiscais................................................................................ 08 4.08. Valor do módulo no município............................................................................ 09 4.09. Fração mínima de parcelamento......................................................................... 09 4.10. Cadastro do imóvel no SNCR.............................................................................. 09 5. DESCRIÇÃO DO MUNICÍPIO E REGIÃO....................................................................... 09 5.01. Localização....................................................................................................... 09 5.02. Aspectos socioeconômicos................................................................................. 09 5.03. Aspectos fisiográficos........................................................................................ 10 6. INFORMAÇÕES SÓCIO-HISTÓRICO-ANTROPOLÓGICAS................................................ 11 6.01. Denominação da comunidade............................................................................. 11 6.02. Formas de acesso.............................................................................................. 11 6.03. Disposição espacial............................................................................................ 13 6.04. Indicadores sociais............................................................................................ 15 6.05. Aspectos demográficos...................................................................................... 17 6.06. Infraestrutura disponível.................................................................................... 20 6.07. Histórico de ocupação....................................................................................... 22 6.08. Personagens associados com a origem do grupo................................................. 22 6.09. Eventos marcantes do grupo.............................................................................. 23 6.10. Depoimentos de informantes externos indicados pelo grupo................................. 25 6.11. Fontes documentais e bibliográficas sobre a história do grupo e de seu território... 28 6.12. História da escravidão no estado do piauí e a história do Povo da Volta................ 28 7. SITUAÇÃO FUNDIÁRIA............................................................................................... 44 8. DIAGNÓSTICO AGRO-AMBIENTAL.............................................................................. 49 8.01. Vegetação........................................................................................................ 49 8.02. Fauna.............................................................................................................. 52 8.03. Solos............................................................................................................... 58 8.04. Descrição e classificação do relevo..................................................................... 59 8.05. Classes de capacidade de uso das terras............................................................. 59 8.06. Recursos hidrícos.............................................................................................. 61 8.07. Uso atual do território e sistema de produção...................................................... 64 8.08. Efetivo pecuário................................................................................................ 67 8.09. Identificação das benfeitorias............................................................................. 67 8.10. Fragilidades ambientais...................................................................................... 68 5 3 - METODOLOGIA UTILIZADA A definição do território quilombola foi feita à partir de reuniões realizadas em várias localidades que compõem o território, dentre elas: Volta, Retiro, Capitãozinho e Boca da Baixa. Foram realizadas ainda visitas domiciliares para levantamento de aspectos históricos e informações geográficas (divisas, variantes, acidentes geográficos, limites de datas, etc.), sempre levando em consideração a noção de territorialidade da própria comunidade. O desenvolvimento de critérios de entendimento dos termos e conceitos repassados pela comunidade aos membros da equipe técnica que promovessem um correto entendimento da questão territorial transmitido, passou pela realização de várias reuniões onde pudemos captar o sentimento do grupo referente os aspectos norteadores do que representava para eles “o que era o território”. A construção desse entendimento ocorreu concomitante aos apontamentos feitos pelo grupo para aquilo que eles entendiam por território. Definições como “limite de respeito”, “onde o povo da Volta encontrava com o sol”, dentre outros, promoveram o desafio de traduzir o saber local para os saberes necessários à produção do presente relatório. Somente após nossa estada por um período maior do ponto de vista do “povo da Volta” é que tais termos e apropriações passaram a fazer parte dos discursos e então, tivemos condição de iniciar a realização dos trabalhos de campo. Portanto, a confecção do presente relatório é mais do que a estruturação de informações obtidas em campo. É o trabalho de um grupo, a realização de um povo que se afirma perante a sociedade como detentor de idéias e formas de ver o mundo distintos daqueles com os quais se relaciona, ou melhor resiste. Os trabalhos de campo foram realizados no período de 29 de agosto a 20 de outubro de 2006. Foram indicados pela comunidade para acompanhar a equipe técnica os Srs. Valmir Sebastião da Silva, Inácio Pereira Damasceno e Lourenço Pereira Damasceno. O levantamento do perímetro e do uso da terra foram realizados através da indicação dos informantes (marcos de limites), consultando, quando necessário, outras pessoas das comunidades e confrontantes do território. A base cartográfica utilizada foi a do DSG, carta Simplício Mendes (Folha SC.24 – Y – C – IV; MI - 1279). No levantamento do perímetro do imóvel e estradas vicinais foi utilizado um GPS (Sistema de Posicionamento Global) topográfico com correção diferencial, marca Trimble, modelo pró-xr. As leituras das coordenadas foram feitas em UTM. Na descrição dos solos foram consultados, os relatórios e mapas do SNCLS/EMBRAPA do Estado do Piauí (levantamento exploratório-reconhecimento de solos) e observações diretas feitas através de visita ao campo. O balanço hídrico de base mensal foi calculado com base no método de Thornwhaite & Mather (1.955). 6 Os dados de precipitação, umidade relativa do ar e evapotranspiração potencial foram extraídos de MEDEIROS (1997) e os de temperaturas de LIMA (2002). A capacidade de armazenamento do solo (CAD) foi considerada como sendo de 100mm. O cálculo da área total, de preservação permanente, áreas exploradas, estradas e com vegetação foram determinados pelo programa Microstation, a partir do levantamento de campo feito com GPS topográfico, GPS de navegação marca Garmim Etrex Venture e da imagem de satélite LANDSAT - TM5, órbita 219_065, de 19.10.2.001, bandas 5,4,3, composição RGB. O responsável técnico pela coleta de dados de GPS e elaboração da planta e memorial descritivo foi o topógrafo Antenor Rodrigues Lins. As plantas do território, das ocupações e áreas com concessão de uso, os memoriais descritivos, e a imagem da gleba é apresentada no anexo I, deste trabalho. 4 - IDENTIFICAÇÃO DA COMUNIDADE E TERRITÓRIO 4.01. Denominação do território Território da Comunidade Remanescente de Quilombo da Volta do Campo Grande 4.02. Localização / Coordenadas O território em estudo localiza-se no município de Campinas do Piauí, nas Datas Campo Grande e Castelo. O mapa do Estado do Piauí com a divisão político-administrativa e a localização do território em relação ao Município e Estado encontra-se no Anexo I do presente relatório (plantas, mapas temáticos, memorial descritivo e imagem landsat). As Coordenadas extremas do polígono que contém o território são: Ao Norte: 9.165.837; ao Sul: 9.153.010; à Leste: 861.968; à Oeste: 847.764. 4.03. Limites e confrontantes NORTE: Fazendas Estaduais; LESTE: Fazendas Estaduais; SUL: Fazendas Estaduais; OESTE: Fazendas Estaduais. A planta e o memorial descritivo do território encontram-se no anexo I deste trabalho. 7 4.04. Localidades que compõem o território Compõem o território agrupamentos residenciais denominados: Volta, Retiro, Ponta do Morro, Capitãozinho, Vaca Brava, Serrote, Boca da Baixa e Emparedado, todas localizadas no município de Campinas do Piauí, todas dentro das Datas Campo Grande e Castelo (Fazendas Estaduais). 4.05. Título de domínio Não existem áreas com títulos individuais definitivos no território quilombola da Volta do Campo Grande. O território reivindicado encontra-se dentro da Gleba Campo Grande e Castelo (Fazendas Estaduais) registrado no Cartório do 1o Ofício da Comarca de Simplício Mendes, sob a matrícula No 1.442, às fls. 44 do Livro de Registro Geral de Imóveis No 2 - G, conforme certidão juntada às fls. 07. Às folhas 08 a 29 foram acostadas cópia integral do processo de registro das Datas Campo Grande e Castelo em nome do Governo do Estado do Piauí, através do INTERPI. No item 7.0 (Situação Fundiária) é apresentada a situação histórica e a atual de domínio das território em estudo. 4.06. Área medida e Perímetro Foi apontado como sendo o território da comunidade uma área de 10.897,5945 hectares com um perímetro de 42.092,77 metros. A área do território quilombola da Volta do Campo Grande foi definida a partir de pontos históricos e acidentes geográficos que delimitam os limites de respeito apontados pela comunidade. Após a definição dos limites, o grupo foi consultado através da apresentação de mapas e explicações acerca de cada um dos pontos levantados e apontados por eles como sendo os “limites do território pretendido”. As reuniões ocorreram nas escolas da Boca da Baixa (fotos 01 e 02) e Volta. Os limites na chapada foram definidos à partir dos seguintes pontos: - O ponto P – 01 foi definido próximo à divisa entre as Datas Campo Grande e Campo Largo (hoje Floresta do Piauí, antes Santo Inácio), em um local histórico onde o “povo da Volta encontrava com o povo do Riacho” durante a abertura e conservação da estrada Volta – Riacho, definido em “uma moita de macambira alinhada com uma Canela de Velho” na margem da referida estrada; - À partir deste ponto segue pelo ponto P–02, P–03 e P–04, os dois primeiros na linha de Data que divide Campo Grande de Campo Largo, e o terceiro na intersecção entre as Datas Campo Grande, Campo largo e Limoeiro; 10 A sede do município dispõe de energia elétrica distribuída pela Companhia Energética do Piauí S/A - CEPISA, terminais telefônicos atendidos pela TELEMAR Norte Leste S/A, agência de correios, correspondente bancário representando a Caixa Economica Federal, e de escola de ensino fundamental. A agricultura praticada no município é baseada na produção sazonal de mandioca, feijão, arroz e milho. 5.03. Aspectos fisiográficos As condições climáticas do município de Campinas do Piauí (com altitude da sede a 230 m acima do nível do mar), apresentam temperaturas mínimas de 26° C e máximas de 38° C, com clima semiúmido e quente. Ocasionalmente, chuvas intensas, com máximas em 24 horas. A precipitação pluviométrica média anual (registado média pluviométrica de 700 mm na sede) é definida no Regime Equatorial Continental, com isoietas anuais entre 800 a 1.400 mm e trimestres janeiro-fevereiro-março e dezembro-janeiro-fevereiro como os mais chuvosos. Os meses de janeiro, fevereiro e março constituem o trimestre mais úmido (CPRM, 2004). P (1) ETP(1) P-ETP NEG.ACUM. ARM. ALT ETR DEF. EXC. MÊS (mm) (mm) (mm) (mm) (mm) (mm) (mm) (mm) (mm) Janeiro 114,2 145,5 -31,3 -31,3 73,0 -27,0 141,2 4,3 0,0 Fevereiro 133,3 154,1 -20,8 -52,1 59,0 -14,0 147,3 6,8 0,0 Março 163,9 134,2 29,7 0,0 100,0 41,0 134,2 0,0 163,9 Abril 75,0 133,9 -58,9 0,0 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 Maio 15,8 154,5 -138,7 0,0 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 Junho 1,7 154,4 -152,7 0,0 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 Julho 1,0 175,2 -174,2 0,0 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 Agosto 0,4 215,6 -215,2 0,0 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 Setembro 3,1 246,6 -243,5 0,0 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 Outubro 26,7 206,4 -179,7 0,0 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 Novembro 63,1 186,4 -123,3 0,0 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 Dezembro 89,1 185,4 -96,3 0,0 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 TOTAL 687,3 2092,2 -1404,9 - - - 288,5 11,1 163,9 Os solos da região são provenientes da alteração de arenitos, siltitos, folhelhos, conglomerado, laterito e basalto. Compreendem solos litólicos, álicos e distróficos, de textura média, pouco desenvolvidos, rasos a muito rasos, fase pedregosa, com floresta caducifólia e/ou floresta subcaducifólia/cerrado. Associados ocorrem solos podzólicos vermelho-amarelos, textura média a argilosa, fase pedregosa e não pedregosa, com misturas e transições vegetais, floresta sub- caducifólia/caatinga. Secundariamente, ocorrem areias quartzosas, que Tabela 1: Dados climatológicos da região de Simplício Mendes 11 compreendem solos arenosos essencialmente quartzosos, profundos, drenados, desprovidos de minerais primários, de baixa fertilidade, com transições vegetais, fase caatinga hiperxerófila e/ou cerrado sub-caducifólio/floresta sub-caducifólia (CPRM, 2004). 6 - INFORMAÇÕES SÓCIO-HISTÓRICO-ANTROPOLÓGICAS 6.01. Denominação da comunidade A denominação da comunidade VOLTA DO CAMPO GRANDE remete ao contexto histórico das Fazendas Nacionais que antigamente eram utilizadas na criação de gado. Após o período de invernada procedia-se a retirada do gado em busca de pastagens. Ao chegarem os antigos vaqueiros com o gado na Fazenda Campo Grande não havia para onde seguir, de onde então se “voltava”, daí a denominação VOLTA DO CAMPO GRANDE. Fora dos limites territoriais o grupo é reconhecido e se reconhecem como sendo “o povo da volta”. Atualmente em terras das DATAS CAMPO GRANDE e CASTELO, a comunidade VOLTA DO CAMPO GRANDE é recortada em sua distribuição geográfica por vários pequenos agrupamentos de moradia denominadas localidades. São elas: Volta, Capitãozinho, Retiro, Boca da Baixa, Ponta do Morro e Vaca Brava, este último o centro geográfico do território. 6.02. Formas de acesso O acesso mais utilizado pela comunidade é feito partindo-se de Campinas do Piauí passando entre carnaubais (foto 03) e atravessando, por dentro do Rio Canindé (foto 04), somente utilizável durante o período seco, e chegando na escola da Volta. O percurso mede 19 km. Foto 03 – Área de baixão inundável durante o período chuvoso Foto 04 –Travessia do Rio Canindé Outros caminhos possíveis para acessar o território da Comunidade da Volta do Campo Grande e as áreas de uso, seguem uma lógica adequada às variações pluviométricas. 12 Importante salientar que a configuração dos caminhos e estradas obedeceu ao longo do tempo, uma luta permanente com os acidentes geográficos existentes e os ciclos climáticos. Ainda hoje as precárias condicões de travessia do Rio Canindé, possíveis à comunidade resumem-se, partindo de Campinas, a duas passagens molhadas2 (foto 05), que também não propiciam a troca de margens durante o período chuvoso. Ele, o rio, isola a comunidade em seus trajetos usuais sendo que no ano de 2004 há relatos de uma grande cheia que isolou a comunidade por mais de 25 dias. O fato é lembrado devido a falta de alimentos que abateu-se sobre grupo e a destruição de várias das casas que estavam em áreas que foram inundadas. Foto 05 – passagem do Léo 2 Passagem molhada é como são chamadas projeções que servem tanto para travessia de veículos, como para o represamento d’água. As duas passagens molhadas utilizadas para acessar a Comunidade da Volta do Campo Grande são a passagem do Léo e a passagem do Vaqueiro. Caminhos de circulação no território Campinas do Piauí Gráfico 01 – Caminhos e estradas do território do Povo da Volta 15 Foto 10 – “Seu Hernestino” do tronco de Honorato (“Norato”), residente na Volta Foto 11 – Criança do tronco de Hemenegildo, residente no Capitãozinho 6.04. Indicadores sociais (escolaridade, saúde) Buscamos indicadores oficiais que pudessem subsidiar mais consistentemente as observações feitas durante o trabalho de campo. No entanto, não obtivemos por parte das autoridades municipais a disponibilização de tais informações. O pedido foi oficializado, conforme cópia constante no anexo I e, após seguidas solicitações verbais às autoridades de saúde cuja entrega nos fora prometida e adiada inúmeras vezes. Em uma última tentativa, obtivemos a promessa de entrega dos dados para a última semana de nossa estada em campo. Apesar de nossos insistentes pedidos, não obtivemos as informações. O que pudemos observar é o completo e absoluto descaso com a comunidade por parte da municipalidade. Ações básicas para a sobrevivência do grupo, no que se refere ao poder público municipal sequer fazem parte de um pseudo-discurso-paliativo-dispersivo. O fato é que, por estar isolada em seu contexto relacional do ponto de vista social, historicamente as autoridades do município mesmo reconhecendo as diferenças em relação ao Povo da Volta, não se colocaram disponíveis a promover uma maior integração do ponto de vista sócio- econômico. Foto 12 – sala de aula da escola na Boca da Baixa Foto 13 – Escola da Boca da Baixa As exceções são a chegada da energia elétrica em sistema MRT com repasses diretos do Tesouro Nacional, do Programa de Regularização de Territórios 16 de Comunidades Remanescente de Quilombo (Min. Desenv. Agrário / INCRA) e do PSF - Programa Saúde da Família (Min. da Saúde), todos de âmbito federal, ainda que esse último venha sendo tratado de forma pouco inclusiva para a comunidade e do ponto de vista dos atendimentos médicos como relatado adiante. Escolas no território são em número de três. Não existem carteiras em número suficiente para os alunos, fato reconhecido pela autoridade do executivo municipal em reunião do grupo de trabalho, bem como não há disponibilização de material didático que apoie o processo de aprendizagem (fotos 12 e 13). Os professores são pessoas da comunidade sem maior grau de instrução formal e desenvolvimento de suas capacidades pedagógicas. A educação resume-se ao ensino das primeiras letras e de operações matemáticas básicas. Não há opções para aquelas crianças que buscam aprimoramento em sua capacitação cognitiva e de educação formal. Os poucos adolescentes que pudemos encontrar, em sua maioria do sexo feminino, não tem mais do que o conhecimento disponibilizado pelas escolas do território. É grande, segundo relatos, o número de gravidez na adolescência (foto 14). Foto 14 – adolescente grávida residente no Retiro Os jovens do sexo masculino se dirigem para Campinas, com intuito terminar o 1º grau, ou para migrar para o sudeste em busca de oportunidades de empregabilidade após completar 18 anos. Os que ficam, geralmente os mais novos, o fazem por um sentimento de responsabilidade na manutenção da casa, com pai e mãe já impossibilitados de tratar a terra e a criação, aguardam sua vez de migrar para o “SUL”, quando do retorno de um outro parente que lhe assumirá as responsabilidades. Relativo aos serviços de saúde, existe apenas um agente do PSF. A médica responsável pelo programa é reconhecida profissional e atuante no município de Simplício Mendes. Distante 47 km da comunidade - um trecho que no período da seca gastávamos algo em torno de 1h20m para percorrer. Nas paredes do Município de Simplício Mendes ainda se visualiza a propaganda política das últimas eleições municipais, na qual ela chegou a candidatar-se para o cargo do poder executivo. Eventualmente ela, a médica, disponibiliza seus serviços e atendimentos 17 ambulatoriais no posto de saúde na sede do município de Campinas. Na cidade existe apenas um centro de saúde para atendimentos ambulatoriais (foto 15). Foto 15 – Posto de sáude na sede do município Quando há necessidade de algum atendimento mais complexo que o ambulatorial, ou no caso de uma emergência, a solução é dirigir-se a autoridade do executivo municipal de Campinas, quando é disponibilizado, através de critérios-não- plenamente-identificados, um carro comum para o traslado do paciente até os municípios de Oeiras ou Simplício Mendes. Dada as relações personalistas implementadas na sociedade campinense, a população do município (ver dados na descrição do município), fica sujeita às regras de “oferta” de um “carro para tirar o paciente” até o hospital mais próximo, o que obriga não apenas comunidade da Volta do Campo Grande, mas a população do município como um todo, a permanecer fora das discussões que importam em reivindicar melhorias em sua condição de vida e a disponibilização de serviços constitucionalmente obrigatórios àquela parcela da população. 6.05. Aspectos demográficos (população, distribuição etária, de sexo, espectativa de vida, renda) As inúmeras ações de contra-informação promovidas pelas autoridades municipais, colocaram o trabalho de cadastramento das famílias e lavantamento do perfil demográfico e social, em um confronto diário com segmentos da comunidade que não compreendiam o alcance que a efetivação do programa de titulação pode representar para o grupo. Em conjunto com pessoas de fora da comunidade, esse pequeno grupo, ligado à municipalidade, promovia internamente um clima de resistência ao simples ato de cadastro. Em poucas residências não obtivemos sequer a autorização para adentrar no imóvel, o que retardou em muito o serviço. Com o desenrolar das atividades de campo, a resistência foi sendo vencida e substituida, em um processo que demandou inúmeros encontros e reuniões, sempre seguidas de novas ações de contra-informação. Foi o que pudemos comprovar em duas ocasiões quando do encontro das equipes de cadastro e de georeferênciamento, que presenciavam a partida de uma equipe do INCRA e a chegada do grupo da contra-informação na mesma residência. 20 6.06. Infraestrutura disponível (tipos de moradia, serviços básicos – transporte, escolas) e acesso a serviços As moradias são em sua maioria feitas de pedra, abundantes no local (fotos de 16 a 19). Pudemos perceber que apesar da aparencia rude das casas estas garantem uma temperatura agradável em seu interior a despeito do que possa parecer. A técnica tradicional de construção das “casas de pedra” foi encontrada apenas junto ao povo da Volta. Mesmo em outra comunidade quilombola existente no mesmo município, as técnicas de construção são distintas daquela da do povo da Volta e obedecem a uma realidade comum ao semi-árido, qual seja, casas de barro ou tijolo crú. Foto 16 – Casa na Volta – D. Ana Foto 17 – Casa na Vaca Brava 0 50 100 150 200 250 300 350 Vaca Brava Capitãozinho Ponta.do Morro Emparedado B. da Baixa Retiro Volta Serrote 1ª a 8ª E. Médio Média da renda por residência Volta do Campo Grande – Campinas/PI Renda média das famílias relacionada ao número de pessoas com instrução Gráfico 05 – renda média por localidade, por nível de estudo 21 Não há disponibilização de água nas residências, nem qualquer sistema de abastecimento itinerante (carros-pipa), estando as pessoas obrigadas a procurar alternativas por sí só conforme já relatado (fotos 06 e 07). Foto 18 – casa na Ponta do Morro Foto 19 – Casa feita de barro, no Emparedado Não há sistema de transporte regular. As pessoas utilizam muares para dirigir-se à sede do município. Para aqueles que retornaram de “temporadas” no Sudeste com alguma poupança, a motocicleta é o transporte. Caminhar grandes distâncias é também habitual para aqueles que não dispõe de um animal – nessa condição podemos incluir a maioria da população do grupo. A energia elétrica em sistema Monofiliar de Retorno por Terra – MRT foi disponibilizada para parte do grupo com recursos diretos do Tesouro Nacional, no 2º semestre de 2006 (fotos 20 e 21). Foto 20 – Sistema de transmissão Foto 21 – sistema de distribuição As escolas estão instaladas nas localidades Boca da Baixa (foto 22), Retiro e Volta . Poderiam atender todos os níveis de ensino fundamental, entretanto além de não oferecer condições básicas sequer para o ensino das primeiras letras, as edificações obedecem a uma arquitetura que não considera a temperatura média da região (ver em descrição do município). Tal constatação foi possível durante as várias reuniões realizadas com a população local nas dependências das escolas (foto 23). A permanencia dentro de sala de aula é insalubre e não oferece as condições 22 para um aprendizado de qualidade, caso ele venha a ser oferecido (a observação foi feita pela comunidade). Foto 22 – escola na Boca da Baixa Foto 23 – reunião na escola da Volta 6.07. Histórico da ocupação A história do grupo remonta a migração dos antigos vaqueiros das Fazendas Nacionais. A história do grupo está ligada a procura por novas pastagens para a criação de gado. Quando da descrição da escravidão no Piauí, a história do povo da Volta do Campo Grande emergirá, entrelaçada na própria história da escravidão e da constituição do estado do Piauí. 6.08. Personagens associados com a origem do grupo Dar voz ao povo da Volta. Transcrevo trecho da entrevista realizada com Seu Minga. Nela poder-se-á visualizar através do depoimento de um elemento constituinte do próprio grupo, como se deu a ocupação do território. Podemos deduzir, pelas marcações etárias e literatura pesquisada, que a migração para o local onde hoje estão instaladas as famílias de Hemenegildo, Honorato e Binga, deu-se entre 1885 e 1890 e foi composta inicialmente por escravos fugidos e, em seguida, por ex-escravos libertos do cativeiro. Escravos da nação como ficaram conhecidos, ainda hoje se reconhecem e reivindicam tal designação como sinal diacrítico identitário. Tal reivindicação é motivo de orgulho como será demonstrado mais adiante quando falarmos da escravidão da região. Entrevistador: Seu Minga, as pessoas que moram aqui na Volta são tudo de um tronco só? Seu Minga: Tudo de um tronco só. O 1º negro que chegou foi o Zé Maroto. Era vaqueiro velho dessas fazenda. Uma tal de Poção. Veio chegar aqui e não tinha família. Falou pro Hemenegildo que tinha muito tatú, peba que ninguém quer, e o Hemenegildo passou a andar prá esses lado daquí. Ele vinha lá do Mundão. Daí ele perguntou prô Zé Maroto, “- Cadê a água?”, então o Zé Maroto mostrou os tanto de olho d’água lá prá cima desses morro de pedra. Então o Hemenegildo falou que não 25 Foto 28 – Trabalhadores na escadaria da fábrica de laticínios Foto 29 – Fábrica de laticínios atualmente Outro personagem de grande importância para inúmeras populações da região do semi-árido do Piauí, Padre Geraldo é tido em sua passagem pelo território como um marco para o grupo. Realizou inúmeras obras de repressamento d’água, O que veio minimizar os efeitos da convivência das pessoas do lugar com as adversidades provocadas pela irregular distribuição das chuvas e consequente falta d’água. Outro momento marcante foi a construção da repressa que perenizou o Rio Canindé. 6.10. Depoimentos de informantes externos indicados pelo grupo Em se tratando de uma pesquisa baseada na história oral, faz-se importante a existência de falas externas ao grupo, com vistas a garantir as informações prestadas pela comunidade. Algumas indicações do grupo apontaram pessoas não residentes na região e optamos, dentre as indicações, entrevistar o Senhor ATANÁSIO, morador no local conhecido por Emparedado limítrofe com o território reivindicado pela comunidade. Procederemos a transcrição de parte das notas da entrevista, seguidas da análise dos fatos relatados. Entrevistador: Quando o Sr. chegou aqui? Atanásio: Enxergar não enxergo muito bem, mas me lembro como se tivesse sido agora há pouco. Daquela época eu lembro mais de que de hoje. Foi em 11 de março de 1927. E.: E o senhor tinha quantos anos? A .: Eu sou de 5 de julho de 1921. Aqui nessa casa mesmo eu estou desde dezembro de 1955. Antes moramos, minha mãe e um homem que me criou como filho, ali atrás daquelas pedras, perto da subida do morro do Emparedado. Fui criado na habituação assim, como cachorro na coleira. Tinha que obedecer e obedecia. E.: E o senhor conhece o pessoal da Volta. O que o senhor sabe de lá? 26 A .: O povo botava uns forró, samba de cumbuca, hoje é mais difícil. E.: Desde quando o senhor conhece a Volta? A .: Vê que eu tô aqui desde os 5 anos. Fui conhecer a Volta tinha uns 24 anos. Era um casamento. Um não, dois. Do Chico Dola com Arcanja e de Mariano de Norato com a finada Maria. Eu era assim tido no trabalho. Não tinha tempo prá ir nas festas. Eu sabia das festas, mas não tinha de ir e não ia. Lá na Volta tinha o finado Binga, Norato, Hemenegildo, o Felipe, vixe era muita gente, mais do que hoje. Um monte foi prá São Paulo, outros morreram. Fui lá num casamento que foi alí na fábrica em Campos. Na fábrica velha num sabe? Depois todo mundo foi prá Volta. Tinha muita carne de criação, galinha, depois o tocador começou a tocar. Foi uma noite só, até o sol amanhecer. Lá (na Volta), tinha poucas pessoas que não era negro. A maioria lá era negro mesmo. Era mais negro do que outra cor. Se fosse prá dividir em 4 partes, de ¼ prá menos é que era da família da Delfina. Juntava os filhos e os netos. E tinha a finada Luzia. Esses é que eram as pessoas que não era negro. Não era porque não era mesmo. Essa outra, a Delfina, era do lado de Itainópolis, não era nativa daí mesmo não. O Hemenegildo, negro daí da Volta, morreu com a dentadura e as vistas. Era velho duro. Morreu caçando. O Norato e Mariano era fazedô de cerca. Até fizeram uma cerca prá esse que me criou. E.: Como eram essas festas lá que o senhor foi? A .: Lá não tinha fidalguia prá dizer assim, nessa sala aqui era a festa e dessa porta prá lá fica os negros. Lá sempre foi tudo misturado. Tinha amizade uns com os outros. Mesmo os de fora. Chegava assim, de tomar “- Bença tio”, mesmo que não fosse tio. E.: E como o povo dançava? Era diferente dos outros daqui? A .: Eram muito sambista. De qualidade mesmo. E.: Quais eram os mais sambistas de lá? A .: Tinha o João de Hemenegildo que era o mais importante de fazer proeza. Tirava em primeiro lugar. Tinha o Zuca Binga, Mariano de Norato, o Mel, Diolino, o Minga. E.: E as sambistas? A .: Maria de Mel, Ana do Minga, Teresa de Henertisno. E.: E sobre os terreiros e outras religiões, o senhor já ouviu alguma festa, algum tambor tocando? 27 A .: Olha bem, eu sou católico. Nunca adotei macumba. É crente e ispirtuado, eu nunca adotei. Eu nunca fui assistí uma “noite de Xangô”, nem culto evangélico. Eu sou católico. Podemos inferir algumas observações a partir do relato do Senhor Atanásio. Destacamos o isolamento imposto à comunidade do ponto de vista social. Na fala em que se recorda o Sr. Atanásio de que “não existia fidalguia”, fica demonstrada a existencia dos processos discriminatórios sofridos pelos negros da Volta quanto a sua inserção no panorama social da região, “brancos de um lado, negros da porta prá lá”. Foto 30 – Terreiro de Pai Valmir, aguardando início dos trabalhos Foto 31 – Terreiro de Pai Valmir, crianças jogam capoeira antes da abertura dos trabalhos O Sr. Atanásio, mesmo negando sua participação ou mesmo a presença em qualquer que fosse o culto, exetuando o católico, afirma em sua negativa saber da existencia de tais cultos quando diz: “Eu nunca fui assistí uma noite de Xangô”. Foto 32 – Terreiro de Pai Valmir, início dos trabalhos Foto 33 – Terreiro de Pai Valmir, água de cheiro para todos os presentes 30 7. BEIÇUDOS: moram na mesma parte e têm beiços tão grandes que no de baixo metem um botoque tamanho como uma grande laranja 8. BOCOREIMAS: moram num riacho que se mete no Goruguca 9. CUPEQUACAS: moram em um riacho que entra no Parnaíba 10. CUPICHERES: moram na mesma parte e têm cabelo muito comprido 11. GUTAMES: moram no rio Mearim 12. GOIIÁS: moram na mesma parte 13. ANICUÁS: moram nas cabeceiras do Rio Preto, comem brancos 14. ARANHÊS: moram no rio Parnaíba 15. CORERÁS: moram num riacho que se mete no Parnaíba 16. AIITETUS: moram abaixo dos Corerás 17. ABETIRAS: moram mais abaixo 18. BEIRTÊS: moram na mesma parte 19. GOARAS: moram no rio Parnaíba 20. MACAMASUS: moram no Moni e Iguará 21. NONGAZES: moram num riacho que entra no rio Parnaíba e comem brancos 22. TRAMAMBÉS: moram junto da barra do Parnaíba, têm pazes com os brancos 23. ANASSUS e ALONGAS: moram com os caboclos na Serra da Guapaba, para a qual se retiraram com medo dos brancos 24. ARUAS: moram no riacho de S. Victor, têm paz com os brancos 25. UBATÊS: moram na mesma parte 26. MEATÃS: moram na mesma parte 27. CORSIAS: moram no rio Goruguea 28. LANCEIROS: moram na mesma parte 29. ARAIÊS: moram nas cabeceiras do rio Piauí 30. ACUMÊS: moram na mesma parte 31. GOARATIZES: moram na cabeceira do rio Canindé 32. JAICÓS: moram na mesma parte 33. JENDOIS: moram junto a serra do Araripe 34. ICÓS: moram na mesma parte, têm barbas grandes 35. URIUS: moram na serra do Araripe 36. CUPINHARÓS: moram no rio Canindé, e são os que têm feito maiores danos nesta povoação e os Precatizes, que se enterram debaixo da terra para fazerem esperas aos brancos, e com a barriga amarrada, com cordas, correm mais que cavalos, e não tocam a terra senão com as pontas dos pés”. Assim, simultaneamente ao povoamento, ocorreram a expulsão e o aniquilamento dos índios pela guerra da colonização. O processo de colonização desenrolou-se sob a égide da extinção das etnias que habitavam o Piauí. Na época do devassamento da região, os grupos indígenas foram os primeiros a serem escravizados, eram utilizados geralmente como guias, e nos arraiais tinham a função de cultivar gêneros alimentícios necessários à subsistência do terço6 sertanista. 6 Nos séculos XVI e XVII terço significava a unidade correspondente ao atual regimento de infantaria, adotada pelos exércitos espanhol e português, e existente no período colonial no Brasil 31 Tendo como objetivo a expulsão dos índios e a entrada de atividades rentáveis para a Coroa portuguesa, entre os anos de 1658 a 1659, o governador da Capitania de Pernambuco, André Vidal de Negreiros concedeu às famílias Garcia Ávila (representavam a Casa da Torre7) e Pereira, 50 léguas de terras para criação de gado ao longo do rio São Francisco, áreas do atual Estado da Bahia. A pecuária8, em grande medida, foi responsável pela ocupação do sertão nordestino. As sesmarias concedidas para esta atividade eram, em geral, maiores que as das atividades agrícolas e formaram grandes latifúndios. Com a intenção de assegurar o domínio das regiões conquistadas e concretizar seu aproveitamento econômico, em 12 de outubro de 1676, Domingos Afonso Mafrense, Julião Afonso Serra, Francisco Dias de Ávila e Bernardo Pereira Gago foram os primeiros a receber sesmarias9 nas margens do rio Gurguéia no Piauí, as quais perfaziam um total de 40 léguas de extensão e foram doadas10 pelo governador de Pernambuco. Ao todo foram 360.000 hectares para cada um dos requerentes, que representa 5,7% do atual território piauiense. Em 30 de janeiro e 7 de outubro de 1681, o governador de Pernambuco concede novamente novas sesmarias a Domingos Afonso Mafrense, nas margens do rio Parnaíba e na região de Parnaguá. Em 13 de outubro, desse mesmo ano, o governador de Pernambuco concede, outra vez, nova sesmaria a Mafrense, dessa vez nas margens do rio Gurguéia e Paraim, e outras léguas nas margens do rio Tranqueira. Em dezembro de 1686, foi concedida outra sesmaria a Mafrense nas margens do rio Parnaíba que começava na aldeia dos índios Aranis e se estendia até a última aldeia dos índios Amoipiras e pela parte sul até a serra do Araripe. No ano de 1686, por causa do “Ciclo do Gado”, já era grande o número de sesmarias concedidas no Piauí. Em 1695, por ato régio de D. Pedro II, o território do Piauí foi desmembrado da jurisdição de Pernambuco, ficando sob a jurisdição do governo da capitania do Maranhão. Em 1697, apenas um ano após a criação de sua primeira freguesia, contavam-se 129 fazendas de gado vacum11 que se localizavam às margens de 33 rios, ribeiras lagoas e olhos d’água (Mott:1985,46). O padre jesuíta Miguel de Carvalho, afirmou que o estado do Piauí era composto somente de fazendas de gado neste período e com pouquíssimos moradores, nelas viviam um homem branco com um negro escravo e em outras haviam um número maior de 7 A casa da Torre foi fundada por Garcia de Ávila, sertanista português, criador de gado. Este estendia sua autoridade sobre todo o nordeste baiano. 8 Por causa das brigas constantes entre criadores de gado e plantadores de cana-de-açúcar, em alguns casos chegando a assassinatos, o Rei D. Pedro II, por meio da Carta Régia de 1701, determinou que os criadores de gado retirassem seus rebanhos, no prazo de um mês, para o sertão. 9 O instituto das sesmarias foi criado em Portugal, nos fins do século XIV, para solucionar uma crise de abastecimento. As terras portuguesas ainda marcadas pelo sistema feudal eram, na maioria, apropriadas e tinham senhorios, que em muitos casos não as cultivavam nem arrendavam. O objetivo básico da legislação era acabar com a ociosidade das terras, obrigando ao cultivo sob pena de perda de domínio. 10 O procedimento para obtenção de uma sesmaria começava com uma petição do solicitante ao capitão-mor, este remetia o pedido à Câmara Municipal do distrito para que investigasse se a área solicitada era devoluta ou não; em caso afirmativo, o juiz de sesmarias mandava medir e demarcar a terra e entregava a carta de sesmaria. Depois disso, faltavam apenas o registro e a confirmação pelo Rei. 11 Segundo Francisco da Silveira Bueno (1985: 1176), vacum quer dizer o gado de um modo geral, ou seja, que compreende os bovinos (vacas, bois e novilhos) 32 escravos. As fazendas se localizavam perto de riachos e a distância entre elas era geralmente de mais duas léguas (citado em Santos:2004,15). Com a intensa conquista territorial por meio das sesmarias para formação de fazendas de gado, o quadro fundiário do Piauí estava começando a se formar com o predomínio dos grandes latifúndios12. Assim como em outras regiões, o Piauí foi alvo de inúmeras doações irregulares de sesmarias. A prática de requerer sesmarias para vendê-las era facilitada pelo fato da legislação, até o século XVIII, não impedir que uma pessoa recebesse mais de uma. Apesar das recomendações das Ordenações, na colônia não havia limite certo para o tamanho das doações. A partir do século XVII começou-se a estabelecer limites para as áreas cedidas, pelo menos formalmente. Em 1695 foi instituída, pela Carta Régia de 27 de dezembro, a cobrança de um taxa, que foi uma tentativa de controlar a apropriação territorial na colônia e todos os que recebiam uma sesmaria eram obrigados a pagar esta taxa a Coroa. Além disso, houve também a fixação de limites para o tamanho das concessões. A dificuldade enfrentada pela Coroa Portuguesa foi justamente em saber a localização e a medida exata das concessões. A boa aplicação da norma estavam, pois, atrelada ao registro e à medição e demarcação das terras. Em fins do século XVII as pessoas ainda não eram obrigadas a demarcarem suas sesmarias. Inicialmente foi adotada como exigência somente para o Piauí e depois, o alvará de 1795 generalizou a medida para o restante da colônia. Diante de um número crescente de fazendas de gado havia uma reduzida população composta por Brancos, Negros, Índios e Mestiços. Em 1697 o jesuíta Miguel de Carvalho realizou quantificação dos primeiros dados censitários do Piauí (Tabela 2). Freguesias Número de fazendas Brancos Negros Índios Mestiços Mulheres Total de habitantes Canindé 68 84 115 36 8 28 243 Itaim-Açu (Poti) 36 45 63 25 - 10 133 Itaueira 9 10 14 2 - - 26 Maratauâ 9 8 12 1 - - 21 Gurguéia 7 8 7 - - - 15 Total 129 155 211 64 8 38 438 Fonte: (Santos, 2004:17). 12 Tanya Maria Pires Brandão (1999), que estudou o escravo na formação do social do Piauí, afirmou que entre 1697 a 1730 o número de fazendas no Piauí passou de 129 para 400, chegando a 536 em 1762. Tabela 2 - Quadro quantitativo de 1697 35 Deve-se destacar a importância do testamento de Domingos Afonso Sertão. Peça fundamental para se compreender e estudar a situação e estrutura fundiária do Estado do Piauí em sua complexidade histórica, o documento é revelador dos caminhos das Companhia de Jesus no Brasil. Coube a Companhia de Jesus zelar os enormes latifundios deixados por Mafrense em 1711. Um fato que movimentou a vida política da Capitania do Piauí em 1759 foi a expulsão dos Jesuítas. Acusada de atentar contra a vida de D. José I rei de Portugal18, teve a Companhia todos os bens confiscados pela Coroa portuguesa, eram fazendas, gados e escravos. No Piauí, este patrimônio para ser administrado foi dividido em três departamentos: Canindé, Nazaré e Piauí. Cada departamento tinha um número de fazendas, gados e escravos. Os escravos das fazendas foram denominados de “escravos do fisco” e as fazendas foram chamadas posteriormente de “Fazendas Nacionais”19, dentre elas: Algodões, Baixa dos Veados, Boqueirão, Brejo de Santo Inácio, Brejo de São João, Buriti, Caxé, Cachoeira, Cajazeira, Campo Grande, Campo Largo, Castelo, Cataréns, Fazenda Grande, Ilha, Inxu, Julião, Lagoa de São João Mocambo, Nazaré, Olho D’água, Pobre, poções de Baixo, Poções de Cima, Milhan, Emparedado, Saco do Rei, Cabrobó, São Romão, Riacho dos Bois, Água Verde entre outras tantas incluindo gado, cavalos e escravos africanos e que passaram a chamar-se “escravos da nação” (Rocha: 1994,66). Tal idéia de pertencimento ainda hoje está presente nas falas das comunidades. É comum ouvirmos relatos afirmando ser a comunidade descendente dos escravos da nação, em oposição aos escravos da parte. Julgavam, os escravos da nação, serem superiores aos escravos de particulares alegando que o senhor deles era o próprio rei enquanto os escravos de parte, de particulares. Porém nem mesmo a Lei Áurea igualou os negros da região. Mesmo alforriados, os escravos da nação eram obrigados a ficar cinco anos sob inspeção do governo. Já os de parte, quando sabiam da notícia, em grande número embrenhavam-se na caatinga conforme relatos dos antigos. Retomando a história em seu momento anterior ao processo de alforria com a Lei Áurea, as fugas dos escravos e a formação de quilombos20 em algumas 18 Segundo Costa (1974: 135), Dom José I foi ferido com dois tiros, noite de 03/11/1758, quando saía da casa da marquesa de Távora, sua amante. O marquês de Pombal incriminou o duque de Aveiro, os dois marqueses de Távora e respectivas esposas, o conde de Atouguia e Dom José Maria Távora. A velha marquesa Leonor foi discípula do jesuíta padre Malagrida, inimigo de Pombal e nos seus salões se concentrava a nobreza descontente com a política pombalina. A amante do rei era casada com um filho dos Távoras. Pombal conseguiu inculpar essas personalidades, de forma pouco regular. Os depoimentos acusaram também a companhia de Jesus. Criou-se um tribunal para julgá-los. Foram condenados à morte e executados. A história registra o fato como o processo dos Távoras. 19 Afirma Claudete Maria Miranda Dias (2000: 385), que todas as fazendas dos jesuítas herdadas de Afonso Mafrense em 1711, então em número de 39, foram seqüestradas, e transformadas em Fazendas Nacionais, que posteriormente se transformaram em Fazendas Estaduais com a Constituição de 1946. 20 O conceito de quilombo, segundo Ronaldo Vainfas (2000: 494), data do período colonial e foi elaborado pelo Conselho Ultramarino, em 1740. Descreve como quilombo toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem achem pilões nele. 36 localidades do Piauí, o governador da capitania teve que, em 11 de novembro de 1760, por meio de Portaria, nomear Manuel do Espírito Santo capitão-do-mato do distrito da vila da Mocha (Oeiras), a fim de extinguir os diversos mocambos e quilombos, que existiam no mencionado distrito. A preocupação dos proprietários com as fugas de seus escravos era muito grande, pois o valor de cada escravo adulto (16 a 40 anos) girava em torno de 100$000 réis. Apenas a titulo de informação os valores praticados para o gado vacum era de 2$500 réis por cabeça. O valor do escravo21 correspondia a 40 bois (Brandão: 1995). Das 11.993 pessoas de toda a província, os escravos representavam mais de 60% da população, ou seja, eram 4.644 pessoas (Tabela 3), presentes em todas as freguesias da Província do Piauí. A capital da província tinha a maior concentração de escravos, dos 3.615 habitantes mais de 40% eram escravos. O menor número estava localizado em Paranaíba, eram 8 pessoas livres e 11 pessoas escravas. Localidade População Livre População Escrava Total Oeiras 2.066 1.549 3.615 Valença 872 613 1.329 Marvão 771 288 1.059 Campo Maior 1.248 619 1.867 Parnaíba 8 11 19 Localidade População Livre População Escrava Total Piracuruca 1.747 602 2.349 Jerumenha 371 326 697 Parnaguá 266 636 902 Total 7.349 4.644 11.993 Fonte: (Costa, 1974: 155). Alguns documentos Oficiais do século XVIII, encontrados no Arquivo Público do Piauí22, relatam a existência de fugas de escravos e de quilombos no Piauí. Um desses documentos de 02/10/1769 é uma carta do governo da capitania ao tenente Francisco da Cunha e Silva Castelo Branco. Na carta, o governo dá permissão para que o tenente reunisse gente suficiente para recuperar seus No Brasil, os termos mais comuns para nomear as comunidades de negros fugidos foram quilombo ou mocambo. 21 Em 1885 por força da Lei nº 3.270, Saraiva Cotegipe de 28 de setembro, foi estabelecida uma tabela de preços para todos os escravos do Império. 22 1) Coleção Escravidão, 6 volumes; 2) Documentos produzidos pelas Juntas de Classificação de Escravos por Manumissão; Códices de Registro de Passaportes/1874 a 1879; Códices do Rol dos Culpados, 1863/1869; Códices de Correição, Oeiras, 1808/1812; Códices de Lançamentos de Bilhetes da Casa de Feira, Oeiras, 1850/1855; Códices de Correspondência da Secretaria da Presidência com diversas autoridades da Província, 1866/1868; Códices de Registro de Ordens da tesouraria de Fazenda ao Inspetor da Fazendas Nacionais, Departamento de Nazaré, 1841/1846; Códices de Exposição da C. de Doentes, 1879. Tabela 3 – Total da população em 1762 no Piauí 37 escravos fugidos e que se encontravam “nos matos do Parnaíba”. O governo recomenda cautela para evitar prejuízos às pessoas que o acompanhasse (Educandário Stª Mª Goretti: 1990). Odilon Nunes (1975: 128) nos relata que, em 04 de março de 1775, foi encaminhada, pelo governo da capitania, uma carta ao General de estado que descrevia as circunstâncias em que se encontrava a capitania do Piauí. Esse documento faz referência aos quilombos na região da vila de Campo Maior, e pede que se combata os quilombos de escravos fugidos nas matas do rio Poty. Em outra carta, de 07 de junho de 1775, do governo da capitania agora ao capitão-mor Manoel Alves de Araújo, faz-se referência a alguns quilombos na mata que correm da barra do rio Poty para o rio Estanhado, aponta que os quilombolas estão causando danos às fazendas vizinhas. Na carta existem instruções para a formação de uma tropa para destruir os quilombos e manda restituir aos donos os escravos aprisionados com vida. Aqueles pertencentes a senhores residentes fora da capitania devem ser entregues ao juiz dos ausentes (Educandário Stª Mª Goretti: 1990). Em 13 de abril de 1778 foi encaminhada uma carta, encontrada sem o destinatário, assinada por Manoel Alves de Araújo, da localidade de Campo Maior. A carta faz um relato sobre a existência de dois quilombos situados nas matas do rio Parnaíba, com casas e roças. Nas roças e vazantes plantam fumo, com ele trocam por chumbo e alguns vestuários, acrescenta o documento que os quilombolas furtam os negros de seus senhores. Refere-se ainda este documento a uma frustrada incursão contra os quilombos e pede ao desconhecido destinatário que combata o tal mal que é a “ruína da freguesia” (Educandário Stª Mª Goretti: 1990). Os documentos acima deixam claro que, entre 1769 e 1778 foram grandes os indícios da existência de quilombos no Piauí. Segundo Brandão (1999: 162), a documentação concernente ao século XVIII faz referência a muitos quilombos organizados no Piauí. Embora não se tenha notícia de quilombos representativos em termos de quantidade de seus componentes, no Piauí, esses núcleos formados por escravos foragidos implicavam sérias conseqüências econômicas e sociais. Na região do que hoje é município de Campinas do Piauí, relata Rocha (1994:107) que “nos grotões do Ligeiro, próximo ao Emparedado, que eram cheios de garrancheira, unhas-de-gato, favelas, tudo quanto era pau-de- espinho ficava a quinta de Zacarias. Ali era couto de escravos fugidos e dos agregados corridos das fazendas. Ali vivia como bicho bruto, vestido de couro. Dominava os bichos e as caças. Zacarias foi muito falado. Os capitães de mato que tentavam ir buscar escravos fugidos, se não eram atacados por onça ou cobra, perdiam o rumo, não acertavam nem a entrada nem com a saída da Quinta. Lugar de alegria e festa, altas horas da noite só se ouvia os tambores de couro de anta e o sapateado dos escravos fugidos”. A historiografia tradicional apontam que a sociedade piauiense agiu de modo brando com seus escravos em virtude da pseudo liberdade que estes tinham 40 que num período de cem anos, 1697 a 1797, houve um crescimento demográfico no Piauí, entretanto ocorreu uma inversão nos índices percentuais relativos a esses dois grupos sociais, os negros antes maioria com 48%, viraram minoria com 32,64%. Isto ocorreu por causa do grande número de imigrantes, principalmente, mestiços de outras regiões do Brasil que foram morar na nova capitania26. Segundo Brandão (1999: 63) o sertão nordestino transformou-se em refúgio e esperança de estabilidade econômica para os marginalizados e menos favorecidos de outras regiões. Os imigrantes que iam para o Piauí, inclusive os mestiços livres, julgavam que no sertão, através da criação de gado, estavam as possibilidades de engajamento social não encontradas nas demais regiões produtoras da Colônia. Porém, a realidade encontrada por vários desses imigrantes não foi diferente das suas regiões de origem, pois a sociedade piauiense já estava estruturada socialmente e a terra dividida entre poucos fazendeiros. No início do século XVIII o Piauí ainda dependia, em termos jurídicos e religiosos, do Maranhão, sua economia girava em torno da criação extensiva de gado que abastecia de carne grande parte dos mercados no Brasil. Somente em 1811 o Piauí foi separado do Maranhão, passando a ser administrado politicamente por governadores. Também nesse mesmo ano o ouvidor Dom Luís de Oliveira realizou um inventário nas 35 fazendas dos jesuítas expulsos do Brasil, elas continham 489 escravos negros, o que perfazia cerca de 14 escravos por fazenda27. Em 1825, novo inventário é realizado, desta vez o número de escravos chegava a 773, o que apresentava uma estimativa de 22 escravos por fazenda28 (Costa: 1974). No ano de 1826, a Província possuía 84.273 habitantes, praticamente um terço dessa população era constituído por escravos, ou seja, 25.012 habitantes. Desses escravos, 76,33% eram negros. Em relação à sociedade como um todo, os negros (livres e escravos) representavam 29,67%, o que dava um percentual semelhante ao da população branca livre, que detinha 25,60% da população total, com 21.584 indivíduos. Porém, o maior número de pessoas era formado pelos mestiços chamados pelo Censo de pardos, que representavam 44,77% da população, sendo que os livres, dentro desse total, compunham 37,87% e os cativos, 7,02%. O restante da população era formada pelos negros livres - 6,82% do total (Falci: 1995). O que pode ser percebido é que a razão de homens livres para os escravos era de 3, o que significa dizer que, para cada 3 homens livres, havia um escravo. Outro dado interessante, no censo de 1826, é a significativa presença de mulheres, elas representavam 47,40% da população, sendo que as escravas 26 Ocorreu também segundo Brandão (1995) a entrada de colonos negros livres no Piauí, porém em número bem reduzido. 27 Segundo Costa (1974: 138), além dos escravos as fazendas possuíam: 1.010 cavalos, 1.860 bestas e 50.670 cabeças de gado vacum, avaliadas em 179:787$000. 28 Falci (1995) afirma que em 1843, por ordem do governo imperial, foram levados para trabalharem no Rio de Janeiro 150 casais de escravos tirados das fazendas nacionais. 41 perfaziam um total de 13,88% e as livres 33,52%. O censo também aponta que 74% das crianças escravas entre 0 a 4 anos eram de cor negra, e 25% de cor parda (Falci: 1995). A morte do escravo, seja recém-nascido ou adulto, era um duro golpe financeiro para o seu proprietário, outro fator que o atingia financeiramente eram as fugas, estas eram constantes. Na segunda metade do século XIX vários anúncios de negros fugidos eram colocados nos jornais da época no Piauí. Por meio desses anúncios se tem idéia dos castigos que eram infligidos aos escravos. Abaixo dois desses anúncios expostos, em 13 de setembro de 1857, no jornal ‘Conciliador Piauiense’. “Em 1846 ou 1847 fugiu o meu escravo Antônio Isidoro, cabra de estatura regular, de idade pouco mais ou menos de 50 anos. Tem pouca barba, olhos encarniçados, panos pretos no rosto, e além desses sinais que não tenho de memória tem um dos dedos grandes de um pé rachado de um talho de machado, e debaixo de um dos braços, sobre as costelas, tem o sinal de uma facada. É, além disso, rendido de uma virilha e sinais de relho nas nádegas e nas costas (Chaves,1998: 190)”. Em outro anúncio, agora sobre uma escrava, seu proprietário descreve com minúcia os traços e as marcas dos castigos impostos a ela. “Em 1848 fugiu uma mulata de nome Maria Isabel, idade de 40 anos pouco mais ou menos, dos sinais abaixo declarados, e conduzindo consigo uma cabrinha, com 6 mêses pouco mais ou menos, ainda pagã, tendo esta uma cabeça grande, olhos grandes e arregalados, nariz chato. Os sinais da mulata são os seguintes: cabelos crespos, um tanto miúda, testa estreita, porém com as entradas largas, as pontas das orelhas grossas e um tanto desapregadas, olhos pequenos e fundos, maçãs altas, nariz pequeno e grosso, beiços grossos e arroxeados, boca regular, pescoço curto e fino para o corpo (é gorda), cangote pelado. Nas costas abaixo do talho da camisa29 tem um pequeno sinal de relho. Sobre um dos peitos tem dois sinais: um redondo, de fogo; outro comprido sendo este de relho. Numa das mãos o dedo furabolo tem uma unha rachada ao comprido. A dentadura de cima quase toda podre. E com falta de alguns dentes. As pernas grossas até a junta. Pés grandes e chatos. Os dedos grandes dos pés menores que os companheiros. E se já não apagaram, terá alguns sinais de relho nas nádegas. Para o tempo, pode ter mais alguma cria. É também tecelona e rendeira (Chaves: 1993, 68)”. 29 A camisa era uma blusa larga parecendo bata que era usada sobre a saia (Falci: 1997). 42 Mesmo com as severas punições e sendo caçados por capitães-do- mato, as fugas dos escravos eram constantes, como podemos observar no anúncio, de 05 de janeiro de 1861, no jornal ‘Expectador’: “Escravo fugido: Fugiu no dia 8 de outubro de 1860 um mulato de nome Francisco, Macilento, tem pouca barba, espadaúdo; levou calça e camisa de algodão azul. Tendo furtado uma porção de roupa, pode usar de camisa de mandapolão fina com pregas, e calças de brim branco. Tem como sinal distintivo a orelha esquerda rasgada e com taco tirado (Chaves, 1993: 68)”. O jornal ‘O Piauí’, de 19 de novembro de 1867, traz em suas estampas o seguinte anúncio: “Fugiu da Fazenda Boa Vista no dia 11 de maio de 1867, o escravo Paulo, crioulo alto, cheio de corpo, com cicatrizes de fogo da cintura para baixo e com falta dos dedos dos pés”. O mesmo jornal, em 21 de abril de 1868, anuncia que: “Fugiu no mês de março de 1868 do sítio do baixo assinado o escravo Quintiliano, mulato, olhos, barba e cabelos castanhos, estatura regular, cheio de corpo. Tem cicatrizes de relho pelas costas” (Chaves, 1993: 68). Os maltratos para com os escravos eram constantes nas fazendas do Piauí, as marcas deixadas pelos senhores de escravos serviam como sinais que, como percebido nos anúncios, podiam ser utilizados para a sua identificação. Nem os escravos idosos eram poupados da violência, fazendo com que estes, sem nenhuma condição física, tentassem a fuga. Segundo o jornal ‘A Imprensa’, de março de 1866, “Fugiu no dia 30 de agosto de 1865, da cidade de Teresina, Província do Piauí, a escrava Silvéria, já idosa, bem preta, seca de corpo e delgada, bem esmaltada”. Seca de corpo, que na linguagem popular da época, significa tísica, tuberculosa. O corpo, enquanto um suporte de significados, possibilita uma leitura como se pode observar nos anúncios de fuga de escravos, ele é a marca registrada da diferença entre a sociedade escravagista e a sociedade escrava. A cor, as marcas, e os aspectos físicos, que caracterizam o corpo do escravo, juntamente com sua vestimenta, são características que de certa forma são utilizadas como “estratégias” de distinção construídas e manipuladas pela sociedade escravagista para se diferenciarem do escravo negro que consideram inferior. As características de diferenciação construídas sobre o corpo também são fatores de distinção identitária, como coloca Bourdieu (1995) “a identidade social está na diferença, e a diferença é afirmada contra aquilo que está mais perto, que representa a maior ameaça”. Segundo Monsenhor Chaves (1993:74) a mortandade entre escravos era grande. Nas fazendas e nos sítios eles não tinham dormida conveniente, nem roupa suficiente que os cobrisse. Já sendo pouco cuidadosos de si, nem mesmo procuravam evitar o que lhes fazia mal. Pelo contrário, desejavam as moléstias para terem algum descanso. E todas elas eram devidas ao mau tratamento. 45 ordenou ao Ouvidor da Mocha31, por Carta Régia de 13 de agosto de 1741, que o mesmo “demarcasse, pessoalmente as terras que haviam pertencido ao falecido Mafrense”. Após a morte de Domingos Afonso Mafrense, que ocorreu em 1711, as terras foram “herdadas” pelos Jesuítas (o Reverendo Padre João Antônio Andreoni, Reitor da Companhia de Jesus na cidade da Bahia havia sido nomeado por Mafrense como seu legatário). Ainda segundo Sampaio (1963), “os jesuítas compraram, ainda, outras fazendas e datas, nas adjacências das terras deixadas por Domingos Afonso Mafrense, aumentando, assim, as suas propriedades. Esses padres exerciam a maior influência nesse vasto domínio, onde se aproveitavam do trabalho absoluto de 700 pessoas, aproximadamente, entre escravos e índios domesticados, que lhes rendiam a máxima obediência, até quando se deu o atentado contra a vida do rei D. José I, atribuído aos Jesuítas”. Esse acontecimento deu origem a expropriação das propriedades e bens pessoais dos Jesuítas, através de uma sequencia de atos da Coroa Portuguesa que reverteu para o Tesouro Real, além de outros bens, as terras dos jesuítas situadas na Capitania do Piauí, motivo pelo qual essas glebas passaram a ser conhecidas como “Fazendas do Fisco”. Sampaio (1963), cita que “de acordo com um inventário oficial, realizado em 1782, as fazendas que haviam pertencido aos Jesuítas, e, mais tarde, formaram as três Inspeções ou Departamentos denominados PIAUÍ, NAZARETH e CANINDÉ, possuíam 489 escravos, 1.010 cavalos, 1.816 bestas e 50.670 cabeças de gado vacum. Em 1822, o número de escravos atingiu a 686, os cavalares aumentaram para 6.640, e o gado somava 45.643 cabeças” (grifo nosso). Com a proclamação da independência do Brasil, em 7 de setembro de 1.822, as propriedades das citadas Inspeções ou Departamentos passaram ao patrimônio da nação brasileira e ficaram sob administração do Departamento da Fazenda “que as inspecionava e arrecadava as suas rendas, por intermédio de secções da Fazenda Nacional” (Sampaio, 1963). Com o casamento da Princesa D. Januária Maria, irmã de D. Pedro II, Imperador do Brasil, em 26 de janeiro de 1844, algumas dessas fazendas (entre elas as que formavam a Inspeção ou Departamento do Canindé) foram escolhidas como parte do dote imperial estabelecido em contrato para esse fim. Segundo Sampaio (1963), “de acordo com o art. VII, § 2o, do citado contrato, as doze fazendas denomindas ILHA, POBRE, BAIXA DOS VEADOS, SÍTIO, TRANQUEIRA, POÇÕES, SACO, SAQUINHO, CASTELO, BURITI, CAMPO GRANDE 31 Mocha era a sede do Governo da Capitania do Piauí, denominação dada, à epoca, a atual cidade de Oeiras. 46 e CAMPO LARGO, que na data do dote, constituíam a Inspeção ou departamento do CANINDÉ, faziam parte do mesmo” (grifo nosso). Observa-se que as datas grifadas no parágrafo anterior, Castelo e Campo Grande, foram destinadas mais tarde para compor o território do município de Campinas do Piauí (Art. 2o, da Lei Estadual No 2.251, de 09 de dezembro de 1.963, cópia acostada às fls. 29), município onde localiza-se o território quilombola objeto do presente estudo. No contrato matrimonial ficou estabelecido que a ditas terras, bem como todo o patrimônio que D. Januária Maria recebera de dote, reverteriam ao patrimônio da nação se não houvesse descendentes ou se o casal resolvesse “construir domicilio definitivo fora do império, o que de fato, aconteceu, mais tarde, quando partiram para a Europa, onde resolveram fixar residência” (Sampaio, 1963). Desta forma as fazenda do departamento do Canindé, voltaram novamente ao patrimônio da nação, bem como voltaram a ser administradas pela Fazenda Nacional. Essas Fazendas passaram a ser administradas por Delegados da Fazenda, que tinham a incubência de cobrar a renda anual e assegurar a sua boa administração. Entretanto, segundo Sampaio (1963), “não obstante serem mais severas e positivas as instruções do governo, as fazendas não prosperavam, sob essa direção administrativa, e os políticos locais tiravam vantagem das mesmas, no interesse de seus partidários, sempre sequiosos de obterem uma situação, com a idéia única de explorá-las em seu próprio benefício”. Para evitar prejuízos com a diminuição das rendas anuais e o desaparecimento do gado, o Parlamento Nacional votou três leis, que autorizavam a venda ou arrendamento de muitas propriedades nacionais, inclusive muitas fazendas situadas na Inspeção Canindé, as que mais interessam no caso em tela. As fazendas da Inspeção Canindé em conjunto com parte da Inspeção Nazareth, foram objeto do Contrato de Concessão firmado em 26 de abril de 1889, entre o Governo e o Dr. Antônio José de Sampaio, local onde funcionou importante estabelecimento rural, além de importante fábrica de manteiga e queijo, movida à vapor, cujo o prédio em ruínas, situado no centro de Campinas do Piauí é testemunho do vigor econômico que gozava à região naquela época. Mais tarde, já na Constituição Federal de 1946, as terras das Fazendas Nacionais que não foram vendidas a diversos particulares, foram transferidas ao patrimônio do Governo do Estado do Piauí, conforme o Art. 7o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: “Art. 7º. Passam à propriedade do Estado do Piauí as fazendas de gado do domínio da União, situadas no território daquele 47 Estado e remanescentes do confisco dos jesuítas no período colonial”. Entretanto, no caso das Datas Campo Grande e Castelo, situadas no município de Campinas do Piauí, o Governo do Estado do Piauí só veio a requerer as suas matrículas no ano de 1981, através do Instituto de Terras do Piauí – INTERPI, Autarquia Estadual criada pela Lei No 3.783, de 16 de dezembro de 1980, conforme cópia integral do processo juntada às fls. 08/28. A certidão de registro de imóvel encontra-se acostada às fls. 07. Após a matrícula em nome do Governo do, Estado várias glebas foram tituladas, individualmente e aleatoriamente, muitas vezes sem priorizar os descendentes dos antigos ocupantes das referidas glebas, como é o caso da Comunidade Negra Rural Volta do Campo Grande e adjacências. A maioria das famílias da Comunidade Negra Quilombola de Vota do Campo Grande já são detentoras da posse da maior parte dos território em estudo, mas a ausência da títulação contribuiu para que a comunidade deixasse de acessar diversas políticas públicas, principalmente as políticas de crédito rural, que só com o advento do Pronaf, passaram a ser acessadas pelos agricultores sem “terras documentadas”. No território em questão não foram encontradas áreas com titulações individuais definitivas, mas apenas 06 (seis) glebas com concessões de direito real de uso, além de 03 (três) posses de não quilombolas (intrusões de posseiros sem títulos). O vago legal das áreas do território de uso comum, que permaneceram matriculadas em nome do Governo do Estado do Piauí, contribuíu para que pessoas estranhas à Comunidade se apossassem de glebas, principalmente na área conhecida como “Chapada da Volta”, utilizadas, normalmente, como pastagem nativa durante o período chuvoso. Na Tabela 05 apresentamos a situação fundiária atual do Território Quilombola da Volta do campo Grande. Das 06 (seis) glebas com Contrato de Concessão de Direito Real de Uso, todas foram destinadas a remanescente da Comunidade Quilombola de Volta do Campo Garnde, pertencentes a comunidades remanescente de quilombos. Entretanto, um caso chama a atenção na comunidade, que é do Sr. José Vieira de Carvalho (Zé Pezão), detentor de duas glebas com CCU e outra não titulada. Além da gleba de 30,6405 hectares que aparece em seu nome na Tabela 05, há outra gleba titulada em nome Genivam Jeremias de Carvalho, com 13,2315 hectares, que na prática também pertence ao Sr. José Vieira de Carvalho, e a emissão do CCU se deu desta forma com a finalidade de “driblar” a legislação, visto que não seria permitido a titulação de duas glebas no mesmo nome. 50 O uso dos recursos florestais pela Comunidade é feito de acordo com o sistema de produção adotado, sendo que as áreas com matas ciliares foram praticamente eliminadas para a implantação de cultivos anuais (milho, feijão e arroz), são preservados apenas poucos juazeiros e carnaúbas (Emparedado e Boca da baixa), além do extrato herbáceo. As áreas de chapadas planas (com latossolos e areias quartzosas) permamecem praticamente intactas, salvo pequenas áreas desmatadas para produção de mandioca (hoje capoeira, na sua maioria), e servem de pastagem natural no período chuvoso, como reserva para retirada de madeira para construção de cercas, currais e outras instalações rurais (esteios, mourões, estacas e varas) e casas (esteios, linhas, caibros e ripas), como abrigo para animais silvestres (caças) e ainda como para retirada de produtos para o preparo de remédios caseiros. A preservação dos recursos florestais, na área de reserva, é tido como “código disciplinar” para boa convivência na comunidade, e aqueles indivíduos que tem como atividade econômica principal a venda de produtos florestais (retiradas de estacas e mourões para venda), ou à venda de animais oriundos da caça, são considerados “destruidores” e não são bem vistos na comunidade. As atividades de caça e retirada de madeira são permitidas e bem vistas, mas desde que obedeçam certas regras, ou seja, para o consumo interno da Comunidade. Na localidade “Capitãozinho” reside o Sr. Dedé de Sousa, considerado “indesejável” pela comunidade devido atividade de exploração madereira que desenvolve na área de chapada (venda de mourões e estacas para fora da comunidade). Família Nome científico Nome vulgar Amaranthaceae Amaranthus virides L. Bredo Anacardiaceae Anacardium microcarpum Ducke Cajueiro Anacardiaceae Spondias tuberosa Arruda Imbuzeiro Anacardiaceae Astrononium urundeuva Aroeira Arecaceae Copernicia prunifera (Miller) H.E. Moore Carnaúba Apocynaceae Aspidosperma sp. Pereiro Asclepiadaceae Metastelma sp. Cole Acanthaceae Ruellia asperula (Nees) Lindau Melosa Bignoniaceae Jacaranda sp. Caroba Bignoniaceae Mansea hirsuta sp. Alho-bravo/ Cipó-de-alho Bignoniaceae Neojobertia candolleana Cipó-de-Jacu Bignoniaceae Tabebuia sp. Pau-d’arco Bombacaceae Pseudobombax simplicifolium A. Robuns Imburuçu Boraginaceae Heliotropium tiarioides Cham. Crista-de-galo Burseraceae Bursera leptophoeos Mart. Imburana-de-Cambão Cactaceae Cereus jamacaru DC. Mandacaru Cactaceae Melocactus bahiensis Wandera Coroa-de-frade Cactaceae Opuntia cf. inamoena K. Schum. Quipá Tabela 05: Espécies vegetais levantadas no território da comunidade remanescente de quilombo da Volta do Campo Grande 51 Cactaceae Cephalocereus piauhyensis Facheiro Cactaceae Pilocereus cf. gounellei Weber Xique-xique Caesalpinaceae Bauhinia sp. Miroró Caesalpinaceae Bauhinia sp. Pé-de-bode Caesalpinaceae Bocoa decipiens Cowan Cipó-branco Caesalpinaceae Apuleta Leiocarpa Amarelo Caesalpinaceae Caesalpinia bracteosa Tul. Catingueira/ Pau-de-rato Caesalpinaceae Caesalpinia ferrea Mart. Pau-ferro Família Nome científico Nome vulgar Caesalpinaceae Caesalpinia microphylla Mart. Arranca-estribo Caesalpinaceae Cassia excelsa Schrad. Canafístula Caesalpinaceae Cassia latistipula Benth. Vassourinha-preta Caesalpinaceae Cassia occidentalis L. Fedegoso Caesalpinaceae Cassia tora L. Mata-pasto Caesalpinaceae Caesalpinia Microphylla Mart. ex Dom Catinga-de-porco Caesalpinaceae Cenostigma gordnerianum Tul Canela-de-velho Caesalpinaceae Copaifera langdorsffii Desf. Pau-d’óleo Caesalpinaceae Copaifera sp. Cangalheiro Caesalpinaceae Diptychandra epunctata Tul Birro Caesalpinaceae Hymenaea sp. Jatobá Caesalpinaceae Poeppigia procera Presl. Var. conferta Benth. Caracu Caesalpinaceae Swartzia flamengii Raddi var. Jacarandá Capparaceae Capparis flexuosa Blume ex Hassk. Feijão-de-boi Capparaceae Cleome spinosa L. Muçambe Capparaceae Cleome tapia L. Trapia Caryocarataceae Cariocar Coriaceum Wittm Pequizeiro Celastraceae Salacia sp. Cipó Chrysoblanaceae Licania sp. Oiticica Chenopodiaceae Chenopodium Ambrosioides L. Mastruz, mentruz Combretaceae Combretum leprosum Mart. Ex. Eichl. Mofumbo Combretaceae Combretum sp. Farinha-seca Convolvulaceae Ipomoea spp. Jitiranas Convolvulaceae Operculina sp. Batata-de-purga Convolvulaceae Salsa Combretaceae Terminalia Kuhlmani Alwan & Stace Araça Cucurbitaceae Luffa operculata Cogn. Cabacinha/ Bucha-paulista Cucurbitaceae Cucumis anguria Maxixe Cucurbitaceae Momordica charantia L. São-Caetano Ehretiaceae Cordia leucocephala Moric. Moleque-duro Ehretiaceae Cordia cf. piauhiensis Fresen Grão-de-galo Ehretiaceae Cordia trichotoma Vell. ex Steud. Frei Jorge Erythroxylaceae Erythroxylum sp. Catuaba Erythroxylaceae Erythroxylum sp. Comida-de-veado Erythroxylaceae Erythroxylum sp. Rompe-gibão Euphorbiaceae Argythammia gardnerii Muell. Arg. Quipá-de-folha Euphorbiaceae Cnidoscolus phyllacantus (Muell. Arg.) Pax. et K. Hoffman Favela Euphorbiaceae Cnidoscolus sp. Cansanção Euphorbiaceae Croton argyrophylloides Muell. Arg. Vassourinha Euphorbiaceae Croton sp. Velame Euphorbiaceae Croton sonderianus Muell. Arg. Marmeleiro Euphorbiaceae Croton cf. Sonderianus Pax & Hoff. Canelinha/ Mulatinha Euphorbiaceae Croton sp. Malva-preta Euphorbiaceae Croton sp. Manjericão 52 Euphorbiaceae Croton sp. Quebra-facão Euphorbiaceae Jatropha sp. Pinhão Euphorbiaceae Manihot sp. Maniçoba Euphorbiaceae Phyllanthus niruri L. Quebra-pedra Euphorbiaceae Sapium sp. Pau-de-leite/ Pau-de-candeia Euphorbiaceae Tragia sp. Urtiga Euphorbiaceae Ricinus communis (L. em) M. Arg. Mamona Fabaceae Cratylia mollis Mart. ex Benth. Camaratuba Família Nome científico Nome vulgar Labiateae Hiptis sp. (L.) Poit. Bamburral Malvaceae Bogenhardia tiubae (K. Schum.) H. Mont. Malva-visguenta Malvaceae Pavonia cancellata Cav. Diss. Jitirana-roxa Mimosaceae Acacia sp. Jurema-branca Mimosaceae Anadenanthera macrocarne (Benth.) Brenan Angico Verdadeiro Mimosaceae Anadenanthera sp. Visgueiro Mimosaceae Calliandra depauperata Benth. Carqueijo Mimosaceae Calliandra sp. Rabo-de-veado Mimosaceae Mimosa cf. hostilis Benth. Jurema-preta Mimosaceae Mimosa sensitiva L. Maliça Mimosaceae Mimosa verrucosa Benth. Jurema-lisa Mimosaceae Mimosa sp. Pé-de-papagaio Mimosaceae Piptadenia obliqua Ducke Angico-de-bezerro Mimosaceae Piptadenia viridiflora Benth. Espinheiro-preto Mimosaceae Pithecellobium diversifolium Benth. Orelha-de-macaco Mimosaceae Pithecellobium foliolosum Benth. Triadinha/Rosca Mimosaceae Enterolobium timbouva Tamboril Myrtaceae Campomansia sp. Jenipapo Myrtaceae Psidium sp. Araça de Chapada Olacaceae Ximenia americana L. Ameixa Papilionaceae Amburana cearensis (Fr. All) AC. Smith Imburana-de-cheiro Papilionaceae Dalbergia cearensis Ducke Coração-de-negro/ violete Papilionaceae Dioclea sp. Mucunã Papilionaceae Phaseolus macroptylium Feijãozinho-bravo Papilionaceae Phaseolus peduncularis H.B.K. Fava-branca-pequena Papilionaceae Platypodium elegans Vog. Alecrim Papilionaceae Vigna bracteatus Feijão-bravo Papilionaceae Zornia diphylla Pers. Syn. Quebra-panela Papilionaceae Andira vermifuga Angelim Passifloraceae Passiflora cincinnata Mex. Ex Ecleman Maracujá Polygonaceae Triplaris pachau Mart. Pajeú Rhamnaceae Ziziphus Joazeiro Mart. Juazeiro Rubiaceae Kandia sp. Limão-bravo Rubiaceae Tocoyena brasiliensis Jenipapo Rubiaceae Tocoyena formosa Jenipapo Rutaceae Pilocarpus jaborandi Holmes Jaborandi, João-Barondi Sapindaceae Cardiospermum halicacabum L. Chumbinho Solanaceae Solanum grandiflorum Ruiz & Pav. Jurubeba Tiliaceae Luehea divaricata Mart. Açoita-cavalo Vochysiaceae Callisthene microphylla Warm. Folha-miúda Amaryllidaceae Hippeastrum sp. Cebola-de-tatu Bromeliaceae Bromélia laciniosa Mart. Ex Schult. Macambira Bromeliaceae Bromelia sp. Croatá Smilacaceae Smilax sp. Japecanga 55 Primata Alouatta caraya Lacépede Guariba Rodentia Dasyprocta cf. prymnolopha Cotia Rodentia Cunniculus paca Paca Rodentia Kerodon rupestris Wied Mocó Rodentia Galea spixii Wagler Preá Rodentia Trichomys apereoides Lund Rabudo Rodentia Oryzomis subflavus Wagner Rato Ordem Nome científico Nome vulgar Rodentia Calomys callosus Renger Catita Família Nome científico Emballonuridae Peropteryx macrotis Wagner Noctilionidae Noctilio leporinus Linnaeus Noctilionidae Noctilio albiventer Spix Mormoopidae Pteronotus parnellii Gray Phyllostomidae Micronycteris minuta Gervais Phyllostomidae Tonatia bidens Spix Phyllostomidae Mimon bennetii Gray Phyllostomidae Phyllostomus discolor wagner Phyllostomidae Phyllostomus hastatus Pallas Phyllostomidae Trachops cirhosus Spix Glossophaginae Glossophaga soricina Pallas Glossophaginae Lonchophylla sp. Thomas Carolinae Carollia perspicillata Linnaeus Sturnirinae Sturnira lilium E. Geoffroy Stenodermatinae Chiroderma villosum Stenodermatinae Artibeus planirostris Spix Stenodermatinae Artibeus lituratus Olfers Desmodontinae Desmodus rotundus E. Geoffroy Desmodontinae Diphylla ecaudata Furipteridae Furipterus horrens Vespertilionidae Histiotus sp. Gervais Vespertilionidae Myotis nigricans Schinz Mollossidae Mollosus mollosus Pallas Mollossidae Nictinomus laticaudatus E. Geoffroy Família Nome científico Nome vulgar Tinamidae Crypturellus parvirostris Nambú chororó Tinamidae Crypturellus tataupa Nambú chitã Tabela 09: Principais espécies de Chiroptera Tabela 10: Principais espécies da classe Ave 56 Tinamidae Crypturellus noctivagus Zabelê Tinamidae Nothura boraquira Codorniz Podicipedidae Podiceps Dominicus Mergulhão Phalacrocoridae Phalacrocorax olivaceus Biguá Ardeidae Ardea cocoi Garça morena Ardeidae Casmerodius albus Garça-branca-grande Ardeidae Egretta thula Garça-branca-pequena Família Nome científico Nome vulgar Ardeidae Butorides striatus Socózinho Ardeidae Bubulcus ibis Garça boiadeira Ardeidae Syrigma sibilatrix Maria faceira Ardeidae Nycticorax nycticorax Socó dorminhoco Ardeidae Tigrisoma lineatum Socó-boi Ardeidae Ixobrychus involucris Socó beija-flor Ciconidae Mycteria americana Jaburu/ Cabeça seca Anatidae Dendrocygna viduata Marrecas Anatidae Dendrocygna autumnalis Irerê Anatidae Amazonetta brasiliensis Marreca cabocla Anatidae Cairina moschata Marreca pé-vermelho Cathartidae Sarcoramphus papa Urubu-rei (raro) Cathartidae Coragyps atratus Urubu preto Cathartidae Cathartes aura Urubu caçador Cathartidae Cathartes burrovianus Urubu de cabeça amarela Accipitridae Heterospizias meridionalis Gavião caboclo Accipitridae Buteo magnirostris Gavião pinhé Accipitridae Buteo brachyurus Gavião de barriga branca Falconidae Micrastur ruficollis Gavião caburé Falconidae Herpetotheres cachinnans Acauã Falconidae Milvago chimachima Carrapateiro Falconidae Polyborus plancus Carcará Falconidae Falco sparverius Quiri-quiri Cracidae Penelope superciliaris Jacu-pemba Cracidae Penelope jacucaca Jacu-caca Aramidae Aramus guarauna Carão Rallidae Aramides cajanea Três potes Rallidae Laterallus melanophaius Pinto do brejo Rallidae Gallinula chloropus Frango d’água Rallidae Porphyrula martinica Frango d’água azul Cariamidae Cariama cristata Seriema Jacanidae Jacana jacana Jaçanã Charadriidae Vanellus chilensis Teu-teu Columbidae Columba picazuro Asa branca Columbidae Zenaida auriculata Avoante Columbidae Columbina minuta Rolinha asa canela Columbidae Columbina talpacoti Rolinha caldo de feijão 57 Columbidae Columbina picui Rolinha Columbidae Claravis pretiosa Rola azul Columbidae Scardafella squammata Fogo apagou Columbidae Leptotila verreauxi Juriti Psitacidae Ara chloroptera Arara vermelha Psitacidae Aratinga leucophtalma Periquito Psitacidae Aratinga cactorum Periquito Família Nome científico Nome vulgar Psitacidae Forpus xanthopterygius Tuim Psitacidae Amazona aestiva Papagaio Cuculidae Coccyzus melacoryphus Papa lagarto Cuculidae Piaya cayana Alma de gato Cuculidae Crotophaga ani Anu preto Cuculidae Crotophaga major Anu coroca Cuculidae Guira guira Anu branco Cuculidae Tapera naevia Sem fim Tytonidae Tyto alba Coruja de igreja Strigidae Otus choliba Corujinha Strigidae Glaucidium brasilianum Caburé Nyctibiidae Nyctibius griseus Mãe-da-lua Caprimulgidae Nyctidromus albicollis Bacurau Caprimulgidae Hydropsalis brasiliana Curiango tesoura Apodidae Streptoprocne zonaris Andorinha de coleira Apodidae Streptoprocne biscutata Andorinha de coleira falha Trogonidae Trogon curucui Surucuá de barriga vermelha Galbulidae Galbula ruficauda Bicos de agulha Alcedinidae Ceryle torquata Martim grande Alcedinidae Chloroceryle americana Martim pequeno Buconidae Nystalus maculatus Joões bobos Picidae Colaptes melanochloros Pica pau verde Lepidocolaptidae Dendrocolaptes platyrostris Arapacus Furnaridae Furnarius figulus João-de-barro Furnaridae Megaxenops parnaguae Bico virado da Caatinga Formicaridae Taraba major Cã-cã de fogo Cotingidae Platypsaris rufus Cotingas Tyrannidae Fluvicola pica Siriris Hirundinidae Tachycineta albiventer Andorinhas Corvidae Cyanocorax cyanopogon Cã-cã Troglodytidae Troglodytes aedon Carrica Mimidae Mimus saturninus Sabiá da praia Turdidae Turdus rufiventris Sabiá-laranjeira Sylviidae Polioptila plumbea Balanço rabo Vireonidae Cyclarhis gujanensis Pitiguaris Icteridae Molothrus bonariensis Chopim Icteridae Molothrus badius Asa-de-telha 60 O relevo do território é bastante movimentado, com predomínio do relevo ondulado, mas aparecem também grandes áreas com relevo plano a suave ondulado, principalmente nas áreas de chapada e nos baixões. Ocorrem todas as classes de declividade desde a Classe A (fraca) até a Classe G (escarpada). 8.05. Classes de capacidade de uso das terras Com base nos tipos de intensidade do uso, nos graus de limitação de uso e na natureza de limitação, as terras do território foram classificadas no Sistema de Capacidade de Uso, com predomínio da classe IV e VI. CAPACIDADE DE USO % DA ÁREA ÁREA (ha) III 5,00 544,8797 IV 45,00 4.903,9175 VI 30,00 3.269,2784 VII 15,00 1.634,6392 VIII 5,00 544,8797 T O T A L 100,00 10.897,5945 Abaixo segue as descrições das classes e subclasses de capacidade de uso encontradas no imóvel, segundo o Manual para Levantamento Utilitário do Meio Físico e Classificação de Terras no Sistema de Capacidade de Uso. (Lepsch et alli, 1991): Classe III - São terras próprias para lavouras em geral mas que, quando cultivadas sem cuidados especiais, ficam sujeitas a severos riscos de depauperamento, principalmente no caso de culturas anuais. Requerem medidas intensas e complexas de conservação de solo, a fim de poderem ser cultivadas segura e permanentemente, com produção média e elevada, de culturas anuais adaptadas. IIIc: terras praticamente planas a suavemente onduladas, com moderadas limitações climáticas, como escassez de água em regiões semi-áridas. As terras incluídas nessa subclasse estão restritas às áreas de baixões com solos aluviais, normalmente utilizadas para o cultivo de subsistência, e o principal fator limitante é a seca edafológica média. Tabela 11: Distribuição das terras no sistema de capacidade de uso (estimativa) 61 Classe IV - São terras que tem riscos ou limitações permanentes muito severas quando usadas com culturas anuais. Os solos podem ter fertilidade natural boa ou razoável, mas não são adequados para cultivos intensivos e contínuos. Em algumas regiões, onde a escassez de chuvas seja muito sentida, de tal maneira a não serem seguras sem irrigação, as terras deverão ser classificadas na classe IV. Subclasse IVc – Terras com limitação climática moderada a severa, ocasionando períodos prolongados de seca, não sendo possíveis colheitas em anos muito secos. Foram enquadrados nesta subclasse parte da associação NEOSSOLOS LITÓLICOS + ARGISSOLO VERMELHO-AMARELO CONCRECIONÁRIO e a associação de LATOSSOLO AMARELO + NEOSSOLOS QUARTZARÊNICOS e os principais fatores limitantes foram seca edafológica longa, pedregosidade e riscos de erosão. Classe VI – terras impróprias para culturas anuais, mas que podem ser usadas para produção de certos cultivos permanentes úteis, como pastagens, florestas artificiais e, em alguns casos, mesmo para algumas culturas permanentes protetoras do solo, desde que adequadamente manejadas. Normalmente as limitações que se apresentam, são em razão da declividade excessiva ou pequena profundidade do solo, ou presença de pedras impedindo o emprego de máquinas agrícolas. Nas regiões semi-áridas, a excassez de umidade, muita vezes, é a principal razão para o enquadramento da terra na classe VI. Subclasse VI s – terras constituídas por solos rasos ou, ainda, com pedregosidade (30-50 %) e/ou rochas expostas na superfície. No caso em tela as terras incluídas nessa subclasse estão localizadas nas área onduladas com solos rasos, muito pedregosos e seca edafológica muito longa (parte da associação de NEOSSOLOS LITÓLICOS + ARGISSOLO VERMELHO- AMARELO CONCRECIONÁRIO). Classe VII – Terras que por serem sujeitas a muitas limitações permanentes, além de serem impróprias para lavouras, apresentam severas limitações, mesmo para certas culturas pemanentes protetoras do solo, sendo seu uso restrito para pastagem e reflorestamento com cuidados especiais. Sendo altamente susceptíveis de danificação, exigem severas restrições de uso, com práticas especias. Normalmente, são muito íngrimes, erodidas, pedregosas ou com solos muito rasos, ou ainda com deficiência de água muito grande. Subclasse VII e – terras com limitações severas para outras atividades que não florestas, com risco de erosão muito severo, apresentando declividades muito acentuadas (mais de 40 % de declividade) propriciando deflúvios muito rápidos ou impedindo a motomecanização; presença de erosão em sulcos muito profundos, muito frequentes; 62 Subclasse VII s – terras pedregosas (mais de 50 % de pedregosidade), com associações rochosas, solos rasos a muito rasos ou, ainda, com a agravante de serem constituídas por solos de baixa capacidade de retenção de água. Classe VIII – Terras impróprias para serem utilizadas com qualquer tipo de cultivo, inclusive o de florestas comerciais ou para produção de qualquer outra forma de vegetação permamente de valor econômico. Prestam-se apenas para proteção e abrigo da fauna e flora silvestre, para fins de recreação e turismo ou de armazenamento de água em açudes. Foram enquadradas nesta classe as faixas de terras com vegetação ao longo dos cursos d’ água apropriadas para preservação permanente (proteção contra erosão, assoreamento, etc.), bem como as áreas ocupadas com lagoas e sua faixas de preservação e áreas com relevo escarpado. 8.06. Recursos hídricos Apesar do território localizar-se na região semi-árida, os recursos hídricos superficiais (para uso na pecuária) não são limitantes, pois há um curso d'água permanente (Rio Canindé, perenizado após a construção da Barragem de Pedra Redonda, em Conceição do Canindé), 03 (três) barragens de médio porte (alvenaria de pedra e concreto), além de outras barragens de terras e barreiros (total de 06), 03 (três) poços tubulares e 02 (poços) cacimbões. Além disso, pelo predomínio do relevo ondulado, existem locais apropriados para construção de pequenas barragens de terra e de alvenaria (ou concreto) com a finalidade de armazenar água, principalmente, para dar suporte as atividades pecuárias. As barragens de alvenaria de pedra com concreto foram construídas pelo Pe. Geraldo, sendo uma localizada na Volta, outra no Capitãozinho e outra na Ponta do Morro (totalmente assoreada). As águas das barragens de alvenaria e concreto são utilizadas para dessedentação de animais e para algumas tarefas domésticas, mas a água de alguns barreiros de terra (açudes) também são utilizadas para o consumo humano. 65 principalmente pelas mulheres (“na cabeça”), ou em ancas através de jumentos (fotos 06 e 07). 8.07. Uso atual do território e sistema de produção O uso e ocupação do território são definidos à partir das roças no baixão. Os detentores das roças no baixão, que se seguem lado a lado (cercadas), são também detentores das áreas altas, tanto na parte da “frente” quanto nos “fundos” das roças. A maioria das terras estão distribuídas individualmente, sob o referido sistema de posse, e todos conhecem e respeitam os limites das posses individuais. Há, entretanto, áreas de uso coletivo, como as áreas de chapadas, utilizadas para o pastoreio natural, extrativismo de mel, madeira e produtos medicinais. As atividades agropecuárias no território são desenvolvidas, geralmente, no âmbito familiar, exceção feita a alguns posseiros não quilombolas. A pecuária semi-extensiva é a atividade principal, com destaque para a bovinocultura e ovinocultura (caprinos aparecem em menor quantidade). Os rebanhos são “soltos” no período chuvoso e aproveitam a boa oferta pastagem natural de boa qualidade, principalmente na área de “chapada”, bastante rica em leguminosas, e que mantém suas folhagens com alto teor nutritivo neste período. As áreas cercadas e plantadas com pastagem de pisoteio (capim “andropogon” e capim “buffel grass”) são reservadas para o período de estiagem, junto com os restolhos das culturas de subsistência. A agricultura de subsistência também é praticada, mas sempre associada a pecuária, pois todos os restolhos de culturas são utilizados como pastagem após as colheitas, na época de estiagem. As principais culturas plantadas são o milho (utilizado, principalmente, para suplementação alimentar dos rebanhos), o arroz, o feijão e a mandioca, sendo que as duas primeiras ocupam as melhores terras (baixões) e as duas últimas são plantadas nas áreas mais arenosas (“mais fracas”). O cultivo da mandioca teve, no passado, mais importância para a Comunidade em geral, mas foi praticamente abandonada e hoje restringe-se a localidade Capitãozinho, onde existe uma casa de farinha comunitária. Mesmo assim, toda produção de “goma” e “farinha” serve apenas para o consumo interno. Os subprodutos da mandioca são utilizados na alimentação de animais domésticos (principalmente aves e suinos). A criação de suínos e aves (galinhas caipiras e capotes) é utilizada principalmente como fonte de proteína para o consumo interno da comunidade. Encontram-se no Anexo I deste trabalho a planta com o uso do imóvel. 66 A apicultura aparece timidamente, mas já são vistas algumas colméias do tipo “langstroth” instaladas no campo. A pastagem apícola é bastante rica na região, e o extrativismo de mel é uma atividade tradicional, onde são coletados produtos tanto de espécies exóticas (gênero appis) como de espécies indígenas (meliponíneos). O mel de alguns meliponíneos (munduri) atingem preços altos na região, sendo o litro comercializado a R$ 25,00 (vinte e cinco reais). Foto 46: pastagem de pisoteio (andropogon) Foto 47: pastagem de pisoteio (andropogon) Foto 48: gado bovino no pasto (com bamburral) Foto 49: Baixão aluvial aproveitado para plantio de culturas anuais (restolhos) DISTRIBUIÇÃO DAS ÁREAS Área (ha) Indicador de restrição Área colhida (ha) Resp. pela exploração I – ÁREAS DE PASTAGEM 1.727,7689 Tipo de pastagem Vegetação nativa - Pastagem natural Pastagem plantada (pisoteio, corte e palma forrageira) 1.589,0000 138,7689 SR SR Posseiros Posseiros II – ÁREAS DE USO AGRÍCOLA 531,4010 Tabela 13: Uso atual do Território Quilombola de Volta do Campo Grande 67 Culturas temporárias 531,4010 III- ÁREAS COM OUTROS USOS 56,0717 Ocupadas com construções e instalações rurais Lagoas e açudes 40,0916 15,9801 INAP INAP IV – ÁREAS COM RESTRIÇÃO 434,2613 Área de Preservação Permanente Áreas degradadas 235,7850 198,4763 PP INAP V – ÁREAS SEM USO 8.148,0916 Vegetação nativa – aproveitável não utilizada 8.148,0916 SR T O T A L 10.897,5945 OBS: SR = sem restrição; RL = Reserva Legal Averbada; PP = Preservação Permanente; INAP =Inaproveitável. As áreas de preservação permanente correspondem as faixas de proteção ao longo dos riachos e lagoas, conforme determina o Código Florestal. O cálculo da pastagem nativa efetivamente utilizada foi realizado de acordo com o rebanho existente no território, conforme quadro de efetivo pecuário elaborado com base nas fichas de vacinação obtidas junto à USAV de Simplício Mendes, e o índice de rendimento mínimo para zona de pecuária 4 (índice mínimo/ZP 4 = 0,16,)33. Foto 50: roças da Vaca Brava (baixão) Foto 51: Casa de Farinha Capitãozinho 8.08. Efetivo pecuário O efetivo pecuário do território em estudo foi obtido junto à USAV – SDR de Simplício Mendes, e refere-se apenas as posses cadastradas junto a referida entidade para fins de controle de vacinação (12 famílias). Categorias No de cabeças Fator de convesão No de U.A. Touros (reprodutor) 07 1,24 8,68 33 In: INCRA. Índices Básicos 1997. Tabela 15: efetivo pecuário estimado à partir de dados da USAV de Simplício Mendes 70 estacas, contra a vontade e sob protestos da Comunidade de Volta do Campo Grande. Os principais problemas ambientais encontrados no Território Quilombola de Volta do Campo Grande são: - Áreas degradadas, com erosão em sulcos e voçorocas (ação hídrica e eólica), resultadas dos desmatamentos, pastoreio excessivo e descontrolado em áreas “soltas”; - Emprobrecimento dos ecossistema e perda da produtividade dos solos; - Desmatamento em área muito inclinadas através de queimadas para a implantação de pastagens sem a utilização de práticas conservacionistas (em áreas com solos muito suscetíveis à erosão); - Assoreamento das barragens e corpos d’água; - Erosão fluvial, causadas pela retiradas das matas ciliares, ocasionando perdas das melhores faixas de solos existentes no território (baixões aluviais do riacho da Volta) e assoreamento dos corpos d’água a jusante; - Retirada de madeira sem planejamento florestal adequado; - Ocorrência alta de vetores da Doença de Chagas, resultante da alta infestação de barbeiro e das moradias sem reboco. A sequência de fotos abaixo ilustram bem as situações acima citadas: Foto 52: área degradada (erosão voçorocas – Ponta do Morro) Foto 53: área degradada (erosão laminar severa – Volta) Foto 53: detalhe dos processos erosivos Foto 54: detalhe dos processos erosivos 71 Foto 55: erosão fluvial (baixão do riacho da Volta) Foto 56: erosão fluvial (baixão do riacho da Volta) Foto 57: barragem da Ponta do Morro completamente assoreada Foto 58: barragem da Ponta do Morro completamente assoreada Foto 59: pastagem implantada em áreas com relevo ondulado (área “solta” apresenta sinais de degradação) Foto 60: área “brocada” para implantação de pastagem (relevo ondulado, neossolos litólicos) As áreas com sinais de degradação ambiental ocorrem em todo o território em estudo, porém os processos erosivos mais acentuados ocorrem nas localidades Ponta do Morro, Serrote, Vaca Brava e Volta. As barragens de alvenaria de pedra com concreto construídas pelo Pe. Geraldo nas localidades Capitãozinho, Volta e Ponta do Morro, foram projetadas com um registro de gaveta para escoar as ´”primeiras águas” que transportam mais sedimentos e desta forma diminuir o processo de assoreamento (sinalizando que o processo de degradação ambiental já havia sendo observado a algum tempo). 72 O processo de assoreamento ocorre nas 03 (três) barragens citadas, mas no caso da barragem de Ponta do Morro ele é mais severo, visto que a microbacia que abastece o referido reservatório inclui áreas da Ponta do Morro e Vaca Brava, as duas localidades com processos erosivos mais agressivos. No caso citado, há indício que o registro não comportou a carga de sedimentos transportado pelas enxurradas, pois a citada barragem ficou completamente assoreada após 04 (quatro) anos de construção, segundo relatos da comunidade. O processo de erosão fluvial no baixão do riacho da Volta, é provocada pelo desmatamento da vegetação marginal para implantação de culturas anuais. Já é possível observar a perda de áreas com os melhores solos, sendo que em alguns trechos, o leito do riacho que a duas ou três décadas não passavam de 04 (quatro) ou 05 (cinco) metros de largura, hoje ultrapassam de 40 (quarenta) metros. Segundo o relato de Inácio Pereira Damasceno (Inácio de Seu Minga) “o riacho era tão estreito, que não passava um jumento com carga”. Nas áreas em que os agricultores preservam algumas espécies das matas ciliares (principalmente o Juazeiro), o riacho ainda mantém o leito com dimensões próximas as originais. O desmatamentos nos baixões, sem respeitar as faixas de vegetação marginal, e os desmatamentos em áreas com relevo ondulado a forte ondulado, são praticados pela maioria dos moradores do território e da região, e como os efeitos dessas práticas não são imediatos, parecem não “preocupar” a grande maioria da população. Predomina a cultura da agrilcultura itinerante, com a abertura de novas áreas após a degradação das áreas antigas. Além de fatores culturais, o baixo nível de renda também contribue para a a aceleração da degradação ambiental, pois a utilização de algumas práticas conservacionistas e a recuperação de áreas degradadas seriam muito onerosas para Comunidade, considerando o investimento incial. Abaixo, segue a lista de ocorrências de problemas ambientais, conforme exigência da Resolução No 289/2001, do CONAMA, assinalados de acordo com a situação detectada: (sim) Erosão; (sim) Compactação de solos; (sim) Assoreamento; (sim) Salinização dos solos; (naõ) Alagamento dos Solos; (não) Obstrução de cursos d’água; (não) Diminuição da vazão de corpos d’água em níveis críticos; (sim) Inundações temporárias (baixão do Rio Canindé); (não) Comprometimento da vazão de água subterrânea; (sim) Conflitos por uso de água a montante ou a jusante; (não) Poluição de água por agrotóxicos, fertilizantes, água servida, etc; (sim) Ocorrência de vetores (caramujos, mosquitos, barbeiros) e outras doenças – Doença de Chagas; 75 pela CECOQ – Coordenação Estadual das Comunidades Rurais Quilombolas no ano de 2004. De acordo com a legislação federal, o quilombo Volta do Campo Grande responde amplamente ao sentido legal de quilombo. O trabalho aqui desenvolvido foi realizado com base nos estudos de natureza histórica, socio- antropológica, jurídica, cartográfica, agronômica e ambiental, bem como no levantamento fundiário realizado in loco e no Cartório de Registro de Imóveis das Comarcas de Campinas do Piauí, Simplicio Mendes e Oeiras. A proposta delimitação apresentada pelo Grupo Técnico atende aos requisitos estabelecidos pelos artigos 68, 215 e 216, Ato das disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal, pelo Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003 e, Lei Estadual No 5.595, 01 de agosto de 2006 . A terra dos remanescentes de Quilombo da Volta do Campo Grande ora identificada e delimitada está localizada no espaço que os quilombolas reconhecem como território ancestral, que a habitam e usam produtivamente de forma permanente e imemorial. Ela contém ainda as áreas imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao bem estar e à reprodução física e cultural dessa população quilombola, segundo seus usos, costumes e tradições. O acesso irrestrito a toda área do quilombo da Volta do Campo Grande significa ainda, a possibilidade de manterem para si e para seus descendentes um espaço físico, um habitat natural, onde realizam vida social, em comunidade, onde estruturam a organização econômica e política da sociedade, e onde podem praticar suas cerimônias e rituais religiosos, o que para os quilombolas da Volta do Campo Grande é determinante. É de estrema importância que o artigo 216 da constituição seja aplicado nesta comunidade de remanescente do Quilombo Volta do Campo Grande, ou seja, que sejam reconhecidos como integrantes do patrimônio cultural brasileiro, assim como os bens de natureza material e imaterial nos termos norteadores do Programa. Com base na reivindicação dos quilombolas, nos Artigos 68, 215 e 216, Ato das disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal, no Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003 e, na Lei Estadual No 5.595, de 01 de agosto de 2006, recomendamos que a área dos remanescentes do Quilombo Volta do Campo Grande seja titulada e que seu patrimônio material e imaterial sejam tombados, pois são reminiscências históricas quilombolas. Teresina,(PI), 06 de novembro de 2.006. 76 11 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, R.B. & GOMES, J.R.C. Projeto Cadastro de Fontes de Abastecimento por Água Subterrânea. Estado do Piauí. Diagnóstico do Município de Fartura do Piauí. PRODEEM, CPRM, Programa Luz Para Todos, MME. Fortaleza, 2004. AMBIENTE BRASIL. Conceitos de Avaliação, Estudos e Relatórios de Impactos Ambientais. Artigo. www.ambientebrasil.com.br (2006). AQUINO, Cláudia Maria Sabóia de & OLIVEIRA, José Gerardo Bezerra de. 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