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Guias e Dicas
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Gestao de Projetos Sociais - AAPCS, Manuais, Projetos, Pesquisas de Pedagogia

Livro em formato digital

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2014
Em oferta
30 Pontos
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Compartilhado em 02/03/2014

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Baixe Gestao de Projetos Sociais - AAPCS e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Pedagogia, somente na Docsity! GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS O contraponto da g lobalização é o de s envo l v imento de identidades próprias. gestão A tecnologia trouxe uma nova sociedade com mecanismos próprios de apresentação de seus interesses. deprojetos Temas da vida privada invadiram as arenas políticas. Não desapareceu a velha sociedade civil, mas tornou-se mais complexa a dinâmica de apresentação dos interesses coletivos.sociais Há um novo padrão de participação democrática. coleção gestores sociais Podemos imaginar uma relação mais colaborativa entre governo e sociedade. coordenação: Célia M. Ávila 3a edição revista GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS Buscando atender às necessidades das organizações não-gover- namentais (ONGs) participantes dos concursos do Programa Capacitação Solidária, a Associação de Apoio ao Programa Comunidade Solidária (AAPCS) concebeu o Projeto Ges-tores Sociais, organizando e realizando, desde 1997, um curso voltado para o aprimoramento dos profissionais envolvidos em projetos sociais. Resultado da troca permanente de experiência entre técnicos, colaboradores e organizações, o curso tem como objetivos aprimorar o desempenho de todos os envolvidos e otimizar as metas pretendidas em cada projeto, fortalecendo as organizações que atuam na área social. O livro Gestão de projetos sociais é uma coletânea dos textos elaborados para dar suporte a esse curso. Escritos por profissionais competentes, eles não apenas contribuem para a reflexão sobre o tema, mas também registram um pouco da experiência vivida e das lições aprendidas, fornecendo orientações práticas e procedimentos necessários a uma boa gestão em projetos sociais. O conjunto da obra se apóia na visão de que a ação organizacional deve considerar os novos paradigmas estabelecidos por este nosso mundo em mudança, no qual se destaca a atuação do chamado terceiro setor (nem Estado, nem mercado), com a enor- me expansão das organizações da sociedade civil e de fundações empresariais sem fins lucrativos. A proposta é uma nova atitude: um diálogo que busque o consenso sem apagar as diferenças, abrindo um novo caminho para uma ação social efetiva. GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Gestão de projetos sociais / Célia M. de Ávila coordenação. – 3ª ed. rev. – São Paulo : AAPCS – Associação de Apoio ao Programa Capacitação Solidária, 2001. – (Coleção gestores sociais) Vários autores. ISBN 85-87603-05-1 1. Assistência social - Brasil - Administração 2. Brasil - Política social - Administração 3. Serviço social - Brasil - Administração I. Ávila, Célia M. de. II. Série. 01-2756 CDD-361.610981 Copyright © by Associação de Apoio ao Programa Capacitação Solidária Coordenação geral Célia M. de Ávila Coordenação editorial AAPCS Edição de texto e de arte Plural Assessoria e Serviços Editoriais Capa Cida Santos/Plural Produção gráfica Maria Inês Jaen Rodriguez/Plural Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Projetos sociais : Gestão 361.610981 2. Gestão de projetos sociais 361.610981 GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS SUMÁRIO Apresentação 7 Célia M. de Ávila Prefácio: A construção de um novo diálogo 10 Ruth Cardoso Introdução à temática da gestão social 13 Maria do Carmo Brant de Carvalho (adaptado) Administração em organizações de produto social: articulações possíveis 19 Ana Luisa Curty Elaboração de projetos sociais 37 Thereza Christina Holl Cury Avaliação de projetos sociais 59 Maria do Carmo Brant de Carvalho Avaliação de ações sociais: uma abordagem estratégica 90 Rebecca Raposo Gestão administrativa e financeira de projetos sociais 102 Maria Rosária de Souza GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS APRESENTAÇÃO Quando iniciamos o Programa Capacitação Profissio-nal de Jovens – Capacitação Solidária – no segundosemestre de 1995, tínhamos algumas certezas. Entre elas, a de que, para uma implantação eficaz do Programa nos diversos estados, era preciso envolver a imensa rede de organi- zações que este país possui, tanto pela sua experiência como pela sua proximidade com o público-alvo e sua facilidade de inserção nas comunidades que lhes são pertinentes. Já sabía- mos, no entanto, da enorme diversidade entre elas. Nessa ocasião tínhamos também clareza de que, para fazer chegar os recursos financeiros a essas organizações de forma justa e democrática, seria necessário criar algum tipo de competição entre projetos que apresentasse transparência e seriedade de critérios de seleção. Lançamos então concursos de projetos com regras, normas e procedimentos publicados em edital e ampla- mente divulgados nas regiões de abrangência. Em fevereiro de 1996 foi lançado o edital do I Concurso de Projetos para Capacitação Profissional de Jovens nas regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro. Recebemos perto de 150 projetos, dos quais conseguimos selecionar apenas 33. No entanto, embora o edital apresentasse orientação clara e roteiro bem explicado, percebemos que a maioria das organiza- ções tinha muita dificuldade para elaborar um projeto, desde ex- plicar com clareza a intenção de sua proposta até falta de lógica e coerência, além de problemas de redação. Em muitos casos, o item orçamento e custos não apresentava a menor consistência. A partir dessa constatação, criamos o Projeto Gestores Sociais, que se constitui no desenho e implementação de cursos para desenvolvimento de competências de profissionais que atuam na área social. Hoje, o Projeto Gestores Sociais do Programa Capacitação Solidária oferece três modalidades de cursos: Ges- tão Social, Planejamento e Gestão de Microempreendimentos e Habilidades Interpessoais e Administrativas. O curso Gestão Social foi o primeiro a ser estruturado e seus resultados são comprovados pela crescente qualidade das propostas inscritas nos Concursos de Projetos do Programa 7 GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS PREFÁCIO A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO DIÁLOGO Ao iniciarmos, em 1995, as atividades do Conselho daComunidade Solidária, estávamos experimentando uma proposta de atuação na área social resultante de um tra- balho coletivo realizado por pessoas convencidas da necessida- de imediata de abrir novos canais de participação. Tomando a sério as mudanças havidas na sociedade brasileira quanto ao seu grau de associativismo e de participação, procuramos o apoio de teorias e novas práticas que já podiam ser observadas em outros países. Nosso primeiro propósito foi o de propor um diálogo entre a sociedade organizada e algumas áreas de governo, convenci- dos que estávamos da importância das novas formas associativas como instrumentos de atuação em sociedades democráticas. A revolução tecnológica a que assistimos neste fim de sécu- lo, que transformou a comunicação em instrumento impres- cindível, colocando o mundo todo em contato on line, trouxe mudanças fundamentais no modo de produzir. O conceito de globalização, tão invocado, descreve essa mudança, mas freqüentemente obscurece os processos não- econômicos em curso. O que é pouco reconhecido é que o avanço tecnológico trouxe também uma nova sociedade, com mecanismos próprios de apresentação de interesses e novos atores políticos. O contraponto da globalização é o desenvolvi- mento de identidades próprias, ligadas à experiência pessoal de cada um no espaço em que lhe cabe viver. Esse processo, vivenciado de modo diferente em diferentes regiões, cria, entretanto, nas mais diversas sociedades, uma nova dinâmica social, que responde ao novo padrão de participação democrática. A sociedade se fragmentou em espaços de ação política que não mais se confundem com as formas tradicionais de represen- tação, mas que podem formar redes que conectam, solidariamente, os vários núcleos que as formam. E não se pense que esses núcleos têm perspectivas e objetivos não-conflitivos. A grande caracterís- tica dessas sociedades é a diversidade de pontos de vista que acolhem, e é legítima a manifestação dessas posições. 10 GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS Essa característica faz da sociedade contemporânea um es- paço diferente, que Manuel Castells chama de sociedade-rede, e que se diferencia daquela que designávamos como sociedade civil, que legitimava o Estado ao mesmo tempo que o desafiava com movimentos que visavam a sua transformação ou o seu fim. Os movimentos cujo objetivo era alcançar o poder tinham que estar baseados em propostas globais para toda a sociedade. Agora, acabaram os esquemas explicativos e as receitas totalizan- tes. O jogo entre atores políticos é hoje mais complicado, por- que o significado e o estilo da luta pelo poder foram alterados. Temas da vida privada invadiram as arenas políticas, e comuni- dades se fazem ouvir trazendo para o cenário suas experiências cotidianas e novos tipos de reivindicação. Por tudo isso, torna-se necessária a introdução de padrão diferente de integração entre áreas específicas de ação governa- mental e esses núcleos, que têm propostas específicas baseadas em suas experiências comunitárias, discriminatórias ou de pre- servação da natureza. Não desapareceu a velha sociedade civil, mas tornou-se mais complexa a dinâmica de apresentação dos interesses coletivos. O Conselho da Comunidade Solidária pretendeu e preten- de ser um espaço – e não o único – para essa comunicação entre grupos sociais que elaboram propostas de significado geral para a sociedade. Porque existem esses grupos e eles estão interessa- dos em implementar suas idéias, podemos imaginar uma rela- ção mais colaborativa entre governo e sociedade. Para que isso ocorra acreditamos que, em primeiro lugar, certas atividades podem ser executadas em parcerias, ganhan- do eficiência. Assim, procuramos pôr em prática novas formas de parceria, planejando programas que contaram e contam com o apoio de empresas, universidades e do governo. O êxito desses programas pode ser medido por sua expan- são e por sua flexibilidade, que permite contínuos desdobra- mentos, gerando novas atividades. Através da articulação das colaborações, aprendemos que é possível alcançar nossos ob- jetivos sem um fundo público governamental, ainda que utili- zando recursos públicos, que se somam ao trabalho voluntário e aos mais diversos recursos privados. Em segundo lugar, podemos abrir um diálogo produtivo em que essas vozes que expressam novas identidades políticas possam se manifestar e, principalmente, se encontrar. 11 A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO DIÁLOGO GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS A política contemporânea exige a construção de consensos que não apagam as diferenças, mas abrem caminhos para a ação efetiva. O Projeto Gestores Sociais, parte integrante do Programa Capacitação Solidária, sem dúvida está contribuindo para a cons- trução desse novo diálogo. Ruth Cardoso Presidente do Conselho da Comunidade Solidária 12 A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO DIÁLOGO GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS ra, que torna o dinheiro virtual em “árbitro final de políticas fiscais, cambiais e monetárias” dos países, segundo afirmou Peter Drucker. Mas a turbulência vem igualmente de uma sociedade com- plexa, multifacetada, tecida pela velocidade de mudanças cons- tantes e cumulativas, provocadas pelos avanços científicos e, so- bretudo, pelo aumento das possibilidades de acesso a redes de informação e de consumo. Essas mudanças alteram os padrões socioculturais e aumentam o grau de incerteza dos indivíduos e das organizações. A transformação produtiva, o desemprego e a precarização das relações de trabalho produziram aumento da pobreza e das desigualdades sociais, enfraquecendo o protagonismo maior da classe trabalhadora. Em contrapartida, novos atores sociais emer- giram: os movimentos sociais deslocaram para a sociedade civil um papel central na definição da agenda política dos Estados. As organizações não-governamentais são uma expressão desse novo protagonismo, alargando e revitalizando a esfera pública. A onda neoliberal dos anos 80 e 90 propunha a idéia de um Estado mínimo e a primazia do mercado como receita para enfrentar a crise. Mas, como afirmou há pouco tempo Eric Hobsbawm, o mercado livre e sem controles foi uma moda passageira dos anos 80 e 90. A crise por que passa a economia global aliada aos altos níveis de desemprego e a crescentes desigualdades sociais obrigam a retomada da união entre o controle público e o livre mercado (Folha de S. Paulo, 1o jan. 1999). Se a onda neoliberal já está sendo desacreditada nas suas possibilidades de dar conta da crise; se é verdade que os gastos sociais públicos não diminuíram; se predominam novos atores sociais, pressionando pela garantia de antigos e novos direitos; se ainda não se tem clareza sobre novos paradigmas a seguir – o fato é que assistimos a mudanças substantivas nos padrões de governança e governabilidade preexistentes à crise. Os processos da globalização vêm alterando os padrões na oferta de bens e serviços. Introduzem nova interdependência, que fragiliza o conhecido modelo institucional do Estado-nação, tornando quase compulsório e consensual um movimento ex- terno, em direção à integração em blocos econômicos, e um movimento interno, de descentralização, flexibilização e fortale- cimento da sociedade civil para compor um novo pacto e con- 15 INTRODUÇÃO À TEMÁTICA DA GESTÃO SOCIAL GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS dições de governabilidade. Nessa interdependência, gestam-se novas relações entre o que se pode chamar de global governance e local governance. No campo social, tais relações ganham o oxigênio do cha- mado terceiro setor (nem Estado, nem mercado), representado pela enorme expansão das organizações da sociedade civil e de fundações empresariais sem fins lucrativos, que se movem em redes mundializadas, em estreita intimidade com organizações supranacionais, especialmente as organizações das Nações Uni- das. Nessa direção, é ilustrativo relembrar as conferências protagonizadas pela ONU nos anos 90, com expressiva partici- pação das organizações não-governamentais. Grosso modo, o terceiro setor – se analisado pela sua com- posição e dinâmica – articula uma heterogeneidade de organi- zações voluntárias sem fins lucrativos, que inclui desde associa- ções comunitárias e microlocais de entreajuda até organizações articuladas em redes globais, atuantes no plano dos direitos hu- manos, na defesa das minorias, na defesa do meio ambiente, no desenvolvimento local, entre outras. Tais organizações expres- sam características multifacetadas e particularistas, próprias da sociedade contemporânea. Assim, não sem ambigüidades e resistências, as organiza- ções sem fins lucrativos que constituem o terceiro setor pos- suem atributos bastante valorizados na gestão social da década passada e início desta, que são: • a capacidade de articular iniciativas múltiplas, revitalizando o envolvimento voluntário da comunidade ou de setores da sociedade civil; • a capacidade de estabelecer parceria com o Estado na ges- tão de políticas e programas públicos; • a capacidade de estabelecer redes locais, nacionais ou mun- diais e, por meio delas, constituir fóruns de escuta e vocalização de demandas, introduzindo-as na agenda política. A gestão da política social, nesse novo arranjo, está ancora- da na parceria entre Estado, sociedade civil e iniciativa privada e num valor social, que é o da solidariedade. E há também cons- ciência de que não bastam políticas. São fundamentais as pre- missas e as estratégias que embasam seu desenho: • O direito social como fundamento da política social. Não há mais espaço para conduzir a política de forma clientelista. 16 INTRODUÇÃO À TEMÁTICA DA GESTÃO SOCIAL GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS Uma pedagogia emancipatória põe acento nas fortalezas dos cidadãos usuários dos programas e não mais, tão-somente, em suas vulnerabilidades. Potencializa talentos, desenvolve a autonomia e fortalece vínculos relacionais capazes de asse- gurar inclusão social. Ganham primazia as dimensões ética, estética e comunicativa. • Um novo equilíbrio entre políticas universalistas e focalistas. As opções políticas requerem hoje a arte de contemplar universalismo e focalismo (para responder às demandas das minorias ou àquelas questões mais candentes, como, por exemplo, a luta contra a pobreza). Um exemplo desse enfoque está no programa Toda Criança na Escola, que, sem descartar a direção universalista, focaliza as crianças que estão fora da escola. Nessa mesma direção, valorizam- se programas que atendam às demandas e necessidades dos grupos castigados pela pobreza ou mais vulnerabilizados na sociedade contemporânea. São exemplos os programas de qualificação dos precariamente inseridos no mercado de tra- balho, o crédito e assessoramento para formação de novos microempreendimentos, a transferência monetária (bolsa- escola, renda mínima, etc.), os programas de capa-citação de jovens e de erradicação do trabalho infantil, entre outros. • A transparência nas decisões, na ação pública, na negociação, na participação. A transparência, além de maior profis- sionalismo, apresenta-se como base de uma ética na presta- ção dos serviços públicos. • A avaliação de políticas e programas sociais. A avaliação, e não apenas o planejamento, ganhou centralidade na gestão social. Esperam-se da gestão controles menos burocráticos e mais voltados para medir a eficiência no gasto e a eficácia e efetividade nos resultados. A gestão social tem, com a sociedade e com os cidadãos, o compromisso de assegurar, por meio das políticas e programas públicos, o acesso efetivo aos bens, serviços e riquezas da socie- dade. Por isso mesmo, precisa ser estratégica e conseqüente. 17 INTRODUÇÃO À TEMÁTICA DA GESTÃO SOCIAL GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS O MUNDO EM MUDANÇA: OS NOVOS PARADIGMAS DA AÇÃO ORGANIZACIONAL Médicos, sociólogos, mecânicos, engenheiros, garçons,não importa a profissão, oito em cada dez trabalha-dores se tornaram ou irão se tornar membros de uma organização. A sociedade contemporânea é uma sociedade de organizações, pois é nelas que basicamente se encontram as opor- tunidades de realização profissional e de sobrevivência, aplican- do-se o que se sabe e ainda agregando outros saberes, assim como trocando trabalho por dinheiro. Como bem lembra Peter Drucker1, só se pode oferecer possibilidade de emprego e carreira a milhões de pessoas em todo o mundo porque, ao longo dos últimos cem anos, conseguiu-se construir e estruturar organizações. Entre todas as disciplinas, a administração – ciência do tra- balho objetivado e organizado – talvez seja a de mais generalizado interesse prático, posto que de bem compreendê-la pode depen- der o saber utilizar a organização à qual pertencemos como um elemento facilitador para o alcance de nossos objetivos pessoais. Nessa perspectiva, este texto busca dar uma visão geral – muito geral – das principais dimensões da administração, sem perder o foco central do programa ao qual serve, qual seja, o da ação social organizada. Em termos estruturais, partimos de uma abordagem macro e universal – ambiente, teoria gerencial e es- tratégias contemporâneas de gestão –, compatível com o cará- ter panorâmico do texto, mais informativo que formativo, cujo objetivo é tão-somente traçar um grande pano de fundo para os demais módulos do curso Gestão Social do Programa Capacitação Solidária. Considerações sobre a sociedade das organizações: dinâmica e ambiente de atuação Cada período histórico se alicerça e se constrói no passado, apresenta determinados traços que lhe são característicos e se pro- jeta no futuro. O futuro é, em larga medida, por nós construído e depende de nossas percepções e ações. Tudo começa na correta leitura do passado e no sábio viver do presente. 20 ADMINISTRAÇÃO EM ORGANIZAÇÕES DE PRODUTO SOCIAL GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS A questão do manejo do tempo nunca foi tão importante, já que vivemos uma era de rápidas e profundas transformações globais. O mundo jamais foi estático. Nossa era, contudo, se comparada a outras anteriores, reve- la uma velocidade e uma profundidade crescentes nos proces- sos de mudança, com efeitos poderosos sobre todos: pessoas, instituições e sociedades em geral. Perceber, compreender e adaptar-se à mudança constitui um grande desafio. Fomos formados – e talvez ainda o esteja- mos sendo – para gerir uma conjuntura que não mais existe. Felizmente, à perplexidade paralisante dos anos 80 vem se con- trapondo um comportamento social mais ativo e comprometi- do, ainda que prudente – por enquanto. Alguns elementos po- dem ajudar na compreensão desse processo. Ao compararmos a situação vivida no mundo durante os anos 50 com o cenário típico do ano 2000, verificaremos uma enorme alteração de condições ambientais características e im- portantes no desempenho organizacional. 21 ADMINISTRAÇÃO EM ORGANIZAÇÕES DE PRODUTO SOCIAL GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS A compreensão do quadro anterior nos remete a um pós- guerra caracterizado por condições altamente favoráveis à ação organizacional. Um mundo de mudanças lentas e relativamen- te previsíveis, pleno de valores introjetados por todos: o certo e o errado, o bom e o mau não se confundiam, e, entre o branco e o preto, poucos eram os matizes de cinza. Um mundo onde o dinheiro era fácil e barato e todos os fatores de produção eram acessíveis, simples e abundantes. Não bastassem tais condições, exceção feita a certos gru- pos étnico-religiosos que saíram fortalecidos da Segunda Gran- de Guerra, as pessoas tinham pouca ou nenhuma noção de cidadania e desconheciam o poder da ação conjunta organiza- da como instrumento de pressão sobre governos e organiza- ções privadas. Tal conjuntura atravessa a década de 50 e, apenas no início dos anos 60, começa a sofrer algumas rachaduras, através de acontecimentos aparentemente desconectados entre si, mas que tinham em comum o alto poder de subversão de um status quo que muitos julgavam inviolável e inatacável em sua perfeição: feminismo, movimento hippie – em confronto com a guerra do Vietnã –, sublevações políticas, entre outros exemplos. Os anos 70 só vêm reforçar o processo de mudança, com o grande abalo trazido pela crise do petróleo e o aprofundamento de problemas surgidos na década anterior. São anos marcados pela beligerância: forças de manutenção em franca disputa com forças de revolução. Caminhando no contínuo de tempo, deparamo-nos com os anos 80 sob o signo da perplexidade, encapsulados na pró- pria incompreensão do processo que descaracterizou/eliminou referências seguras em troca do nada. Em pleno século XXI, com menos açodamento e mais luci- dez, vemos que a sociedade humana se encontra no limiar de uma nova e profunda transformação, cientificamente batizada de mudança de paradigma2: mudança das formas básicas de per- ceber, pensar, avaliar e agir, decorrentes de uma visão particular da realidade. Assim, vivemos às voltas com uma conjuntura turbulenta, descontínua, plena de ambigüidades e incertezas, na qual o saber gerir a escassez é vantagem competitiva importante. Além disso, são tempos de alta sofisticação tecnológica – do que deriva a elitização do trabalho3 – e de controle social4. 22 ADMINISTRAÇÃO EM ORGANIZAÇÕES DE PRODUTO SOCIAL GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS tipo – não há crescimento, não se desenvolve senso de respon- sabilidade e a necessidade do controle é permanente. • estilo consultivo – é um estilo de transição, em que se concede canal de voz às pessoas lideradas, ainda que o poder decisório se mantenha centralizado no líder. Pode-se representá-lo sim- bolicamente como uma rua de mão dupla onde o fluxo de informações é vibrante nos dois sentidos. • estilo participativo – é o estilo de liderança mais em evidência nos dias de hoje, por refletir preocupações democráticas. Seus inquestionáveis méritos, entretanto, dependem do atendi- mento a pré-requisitos incontornáveis, de naturezas múltiplas: institucional – estruturas descentralizadas, política de admi- nistração de desempenho, cultura de resultados, entre ou- tros; comportamental – padrão de gerência baseado em rela- ções de confiança e transparência; informacional – grau de conhecimento técnico e ambiental interno/externo dos decisores delegados (temos a firme convicção de que uma decisão participativa não é acertada apenas pelo fato de ser fruto de um processo democrático – afinal, o produto de mediocridades individuais será sempre a mediocridade cole- tiva sob forma de decisão). Quais seriam, então, as características pessoais e os com- portamentos relacionais universalmente mais importantes para definir um padrão ótimo de liderança? Trata-se de uma questão impossível de ser respondida em vista de incorrer em sério equí- voco de formulação. A pergunta correta seria: “Existem carac- terísticas pessoais e comportamentos relacionais universalmen- te importantes para definir um padrão ótimo de liderança?”. Como em toda teoria administrativa, a noção de melhor cami- nho não se afirma. As organizações que entendem a riqueza e a vantagem de acolher estilos de liderança diversos – naturalmente que bem coordenados – certamente se posicionam melhor em relação àquelas que acreditam em um único padrão “melhor”. Além disso, há a resposta da abordagem situacional da liderança que afirma que os comportamentos eficazes de liderança variam de uma situação para outra. Você deve, portanto, analisar profundamente uma situa- ção antes de agir e fazer agir. A idéia é mapear os vetores das forças que atuam sobre você (valores, inclinações, sentimentos de confiança na equipe), das forças que atuam nos subordina- dos (conhecimento e experiência, interesse pela tarefa, pronti- 25 ADMINISTRAÇÃO EM ORGANIZAÇÕES DE PRODUTO SOCIAL GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS dão para assumir responsabilidades) e das forças que atuam na situação (estilo de liderança valorizado na empresa, o problema em si, riscos e oportunidades, informação necessária, tempo ne- cessário). A compreensão articulada desse campo de forças indicará o comportamento de liderança adequado. Motivação Entender por que as pessoas fazem o que fazem em situa- ção de trabalho é tarefa das mais árduas; prever o que farão é ainda mais complexo; daí a relevância dos estudos sobre a mo- tivação humana para o trabalho. De um ponto de vista psicológi- co, motivação é a chama interna que energiza, dirige e sustenta a ação dos indivíduos. No plano administrativo, motivação humana para o trabalho é a força interna que leva um indivíduo a se associar a uma organização e fixar-se nela, dando o melhor de si. Todo comportamento obedece a uma motivação, exceção feita àqueles reflexos involuntários como piscar os olhos, por exemplo. Uma pessoa altamente motivada certamente terá melhor produti- vidade e melhor desempenho no cumprimento de suas metas. Equipes altamente motivadas podem ser toda a diferença entre uma empresa meramente sobrevivente e uma empresa vitoriosa. Nessa perspectiva, assomam os vários modelos e teorias acerca da motivação humana, entre os quais podemos destacar o reforço ao desempenho, a hierarquia de necessidades de Maslow e a teoria de higiene-motivação de Herzberg. Reforço ao desempenho O ponto de partida é a idéia de que um comportamento se- guido de conseqüências positivas tenderá a ser repetido e outro que acarreta conseqüências desagradáveis tenderá a ser abandonado. O reforço positivo inclui elogios, cartas de congratulações, aumentos salariais que façam referência a episódios específicos, etc. O reforço negativo recai em punições, morais ou reais. Hierarquia de necessidades de Maslow Talvez o mais popular na área da motivação, esse modelo se vale da forma da pirâmide para estabelecer uma gradação de necessidades, as quais, à medida que são atendidas, vão sendo abandonadas por outras imediatamente superiores. 26 ADMINISTRAÇÃO EM ORGANIZAÇÕES DE PRODUTO SOCIAL GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS A hierarquia de necessidades Sua grande contribuição é ter chamado a atenção para a importância da auto-realização e do crescimento pessoal. Deriva da obra de Maslow toda a moderna concepção de tratar pessoas não como um elemento de custo a ser controlado e sim como um potencial a ser desenvolvido. Teoria de higiene-motivação de Herzberg Herzberg fez uma descoberta importante: satisfação e insatisfa- ção não são extremos de um mesmo contínuo e sim condições extre- mas de duas dimensões apartadas. Há uma linha que vai da insatisfa- ção até a não-insatisfação, em que o indivíduo se posiciona a partir do quanto se sente atendido com relação a fatores higiênicos, despoluentes mesmo, tais como condições físicas de trabalho, políti- cas empresariais, relações com colegas de trabalho. A correspondên- cia dos fatores higiênicos de Herzberg com os três últimos níveis da pirâmide de Maslow não é mera coincidência. Já a linha que vai da satisfação à não-satisfação abrange os fatores de motivação. Refere-se, portanto, à própria natureza do trabalho, suas responsabilidades, desafios, enfim, ao quanto o desenho de um cargo e sua respectiva tarefa encerram possibilidades de reconheci- mento e auto-realização. Não por acaso, esses são os dois últimos níveis do modelo de Maslow. É importante, ainda, lembrar que essa teoria estabeleceu o contexto para importantes práticas motivacionais, hoje consagradas, tendo como base a questão central do cargo, como o rodízio e o enriquecimento de cargos. 27 ADMINISTRAÇÃO EM ORGANIZAÇÕES DE PRODUTO SOCIAL GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS A capacitação é hoje uma das preocupações centrais do pen- samento organizacional. Tornar capaz – as organizações e as pes- soas que lhes dão corpo e espírito – diante dos objetivos que se quer ou se precisa alcançar pode fazer toda a diferença entre o brilho e a mediocridade, entre o cumprimento conseqüente da missão institucional ou a mera sobrevivência. Os benefícios da capacitação são até mesmo quantificáveis, quando pensamos que pessoas mais capazes decidem melhor e, portanto, otimizam a alocação de recursos de toda ordem. Num mundo permanentemente mutável, entretanto, a capacitação assume o caráter de um processo – afinal, sempre há o que apren- der – e a organização se reveste do caráter de um ser permanen- temente aprendiz. A organização aprendiz A organização aprendiz – tradução livre da expressão learn- ing organization5 – é aquela que coloca todos os seus sistemas, práticas, métodos e fluxos de trabalho a serviço dos objetivos da capacitação permanente. Nessa perspectiva, constituem carac- terísticas distintivas da organização aprendiz: • práticas reflexivas sobre os resultados alcançados, na pers- pectiva de extrair lições de continuidade dos sucessos e de compreender as causas dos fracassos para não repeti-los; • registro dos resultados alcançados, dentro de uma perspec- tiva de uso de longo prazo; • levantamento freqüente das necessidades de capacitação; • investimento em ações múltiplas de capacitação; • práticas de divisão social do trabalho que capitalizem os saberes individuais na dimensão do coletivo. A articulação sinérgica de todos esses atributos configura um perfil de organização fortemente comprometido com os objetivos da capacitação como um processo. É imperioso, entretanto, que tais atributos se insiram em um entorno que favoreça a inovação, gere o comprometimento de seus membros com os objetivos de tarefa e traduza sensibilidade para com as necessidades das pesso- as, cada vez mais conscientes de sua humanidade e cidadania. Eles são, nesse sentido, muito dependentes do estilo gerencial predominante, e este, por sua vez, decorre do padrão de educa- ção gerencial adotado. 30 ADMINISTRAÇÃO EM ORGANIZAÇÕES DE PRODUTO SOCIAL GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS Considerando, mais uma vez, os contornos básicos do ambiente externo, podemos resumir as necessidades de educação gerencial para um futuro cada vez mais próximo da seguinte forma6: • construção de uma visão abrangente, mundial e multidisci- plinar que seja capaz de recuperar velhas tradições humanistas abandonadas em nome do excesso de tecnicismo que domi- nou a compreensão gerencial nas décadas de 70 e 80; • domínio de estratégia, buscando maximizar os (exíguos) re- cursos de produção e encarar cada passo como matéria de reflexão e negociação; • capacidade adaptativa, que permita perceber, compreender e reagir à mudança conjuntural e organizacional, bem como conviver harmonicamente com a incerteza; • Compreensão dos problemas sociais, administrando inter- namente os recursos humanos disponíveis de forma a auxiliá-los na busca da felicidade; • Identificação e compreensão dos principais elementos e das variáveis de impacto com relação à dinâmica de funciona- mento das organizações, ou seja, domínio de pensamento administrativo. Da competência gerencial deverá resultar a competência organizacional, em vista da força do exemplo do comportamento do corpo gerencial com relação à globalidade dos empregados. Comportamentos positivos tenderão a gerar comportamentos igualmente positivos, dando o tom de excelência ao chamado capital intelectual da organização. O capital humano da organização Muito além do trivial somatório de talentos e saberes indivi- duais, a noção de capital intelectual baliza-se pelo efeito catalisador da sinergia entre pessoas motivadas, comprometidas, cientes e conscientes de suas tarefas e responsabilidades. São indissociáveis, portanto, capital intelectual e elemento humano. Na atenção dis- pensada às pessoas está todo o potencial de saberes articulados e passíveis de serem transferidos para uma prática de qualidade. Do ponto de vista mais geral, podemos definir alguns atri- butos pessoais/comportamentais e profissionais que costumam contribuir para manter elevados os níveis de capital intelectual das organizações: 31 ADMINISTRAÇÃO EM ORGANIZAÇÕES DE PRODUTO SOCIAL GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS • dimensão comportamental – disposição para o novo; capa- cidade de questionamento; criatividade; capacidade de co- municação; habilidades relacionais. • dimensão profissional/técnica – saber especializado revesti- do de conhecimento universal/geral; domínio de idiomas es- trangeiros, notadamente o inglês e o espanhol; domínio de ferramental de informática. As organizações que podem contar com pessoas capazes de, sinergicamente, contribuir para um montante qualitativa e quantitativamente elevado de capital social são, sem sombra de dúvida, mais móveis e mais capazes de interagir com o meio ambiente, aproveitando e capitalizando suas oportunidades e minimizando ou mesmo afastando seus riscos. MARKETING – CONSTRUINDO AS BASES DA SABEDORIA RELACIONAL O conceito de marketing A história do pensamento organizacional registra que, des- de o advento da teoria sistêmico-contingencial, ficou patente a força imensa que possui o ambiente externo no sentido de in- fluenciar a vida organizacional. Do meio externo se originam condições – econômicas, culturais, tecnológicas, demográficas, políticas, sociais, entre outras – que podem se consubstanciar em oportunidades a serem capitalizadas ou em riscos a serem afastados ou minimizados. O saber lidar com o ambiente externo, especialmente em momentos em que ele se apresenta hostil, constitui importante atributo organizacional. É a partir dessa compreensão que emerge o marketing como importante área funcional da organi- zação contemporânea, qualquer que seja a sua natureza ou seus objetivos estratégicos. Poucas palavras são tão mal compreendidas como marketing. Usualmente confundido com publicidade e propaganda, ou mesmo com táticas espúrias de venda dentro de um contexto de capita- lismo selvagem, o conceito de marketing refere-se, na verdade, ao conjunto de práticas relacionais da organização com o meio ambiente no sentido de marcar seu nome e colocar seus produ- tos – sejam eles bens ou serviços. 32 ADMINISTRAÇÃO EM ORGANIZAÇÕES DE PRODUTO SOCIAL GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS NOTAS 1 Peter Drucker, Fator humano e desempenho, p. 11. 2 O termo paradigma se consagra a partir do clássico de Thomas Khun, The structure of scientific revolutions. 3 Daí a enorme relevância da ação de capacitação de jovens carentes, que seriam naturalmente postos à margem do mercado de trabalho das melhores e mais bem-remuneradas profissões e que voltam a ter chances de romper com o ciclo de pobreza. 4 Concretamente, controle social significa deslocar o processo decisório da organização para além de suas fronteiras. As decisões estratégi- cas passam a ser tomadas tendo em vista não apenas os interesses da organização, mas também interesses exógenos, da sociedade na qual se inserem. Um bom exemplo é o latifundiário que se submete a decisões do Ibama quanto ao corte de árvores em sua propriedade. 5 Ver Peter Senge, A quinta disciplina. 6 Paulo Moura, O Brasil e a empresa nos anos 90, p. 75. BIBLIOGRAFIA AKTOUF, Omar. A administração entre a tradição e a renovação. São Paulo, Atlas, 1997. BATEMAN & SNELL. Administração: construindo vantagem admi- nistrativa. São Paulo, Atlas, 1998. CAMPOS, Ana Maria. Repartindo tarefas e responsabilidades nas organizações: alguns dilemas enfrentados pela gerência. Revis- ta de Administração Pública, Rio de Janeiro, 16 (2): 32-52, abr./jun. 1982. CHANLAT, Jean-François. O indivíduo na organização. São Pau- lo, Atlas, 1996. 3 v. COSTA, Delaine & VERGARA, Moema (orgs.). Gênero e ONGs. Propostas para o fortalecimento institucional. 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Se é preciso ter intuição, experiência, fantasia, vontade para criar o novo, para poder responder positivamente à incerteza, para ser flexível diante dos obstáculos que o real nos impõe, para saber criar soluções novas para nossos velhos e novos pro- blemas, é igualmente imprescindível que entendamos bem essa mesma realidade. À criatividade da imaginação é preciso saber juntar a força da racionalidade. É necessário percebermos o real como uma teia de relações, como um sistema interligado de forças e influências. Um sistema interativo. Somente assim poderemos analisar corretamen- te os problemas colocados, tornando efetivas nossas análises, deci- sões e ações. É fundamental compreendermos a proposta como um todo, perceber suas inter-relações e interdependências, suas relações de causalidade e sua complexidade. Todo projeto deve passar necessariamente por três momen- tos: o planejamento, a implementação e a avaliação. Essas etapas estão intimamente relacionadas, possuindo o mesmo grau de importância. São momentos que se imbricam, se inter-relacio- nam, vão e voltam em um movimento dinâmico, não-linear. A avaliação começa logo que uma proposta de projeto é esboçada – a chamada avaliação ex-ante, que tem por objetivo analisar o ambiente onde o projeto pretende se inserir, examinar o contexto social, econômico e político local. No momento da implementação, o monitoramento sistemático das atividades e custos do projeto fornece as informações necessárias não só para o momento da avaliação final, mas também para todos os níveis gerenciais, possibilitando o controle efetivo das ações em sua relação com nossos objetivos, nossos prazos e nossos resulta- dos, em uma ligação direta com o anteriormente planejado, pos- sibilitando corrigir os rumos, apontando ações corretivas ne- cessárias, exigindo de nós um replanejamento que, não raro, afetará nossos custos, prazos e o desenvolvimento do projeto. Ter em conta a existência dessa interdependência entre planejamento, implementação e avaliação é, portanto, não só desejável, mas absolutamente necessário à eficiência, eficácia e efetividade no desenvolvimento e nos resultados de qualquer projeto social. Em seguida, trataremos de alguns aspectos ligados ao pro- cesso de planejamento. Por entendermos que mais importante ELABORAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS 40 GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS que a escolha do método é a conscientização da necessidade da fase de planejamento, procuramos levantar algumas questões que acreditamos sejam essenciais para que as organizações so- ciais se convençam dessa importância e, assim, busquem deixar de lado a prática do improviso, tão comum dentro de nossas entidades. Políticas, planos, programas e projetos na lógica do planejamento Na perspectiva do sistema de planejamento, uma política é um processo de tomada de decisões que “começa com a adoção de postulados gerais que depois são desagregados e especificados. Assim, a política social global prioriza setores e estabelece a integração que manterão entre si, em um determinado marco teórico, histórico e espacial. Quando esta priorização é plasmada em um modelo que relaciona meios e fins, concatenando-os temporalmente, se obtém um plano”2. O plano fornece um referencial teórico e político, as grandes estratégias e diretrizes que permitirão a elabo- ração de programas e projetos específicos, dentro de um todo sistêmico articulado e, ao mesmo tempo, externamente coerente ao contexto no qual se insere. Em um plano, os problemas são selecionados, estabelecendo-se áreas de concentração, e para es- sas áreas elaboram-se programas que, não raro, derivarão em pro- jetos. O programa é o aprofundamento do plano, o detalhamento por setor das políticas e diretrizes do plano. Podemos definir um programa como um conjunto de projetos que buscam os mesmos objetivos. Ele estabelece as prioridades nas intervenções, ordena os projetos e aloca os recursos setorialmente. Em geral, as organiza- ções responsáveis pelos programas são governamentais, mas exis- tem também instituições privadas que operam dentro das diretri- zes das políticas públicas. Um projeto “é um empreendimento planejado que consiste num conjunto de atividades inter-relacionadas e coordenadas para alcançar objetivos específicos dentro dos limites de um orçamento e de um período de tempo dados”3. O projeto é a unidade mais específica e delimitada dentro da lógica do planejamento, é a unidade mais operativa de ação, o instru- mental mais próximo da execução. ELABORAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS 41 GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS Na lógica do planejamento, quanto maior o âmbito e me- nor o detalhe, mais o documento se caracteriza como um pla- no; quanto menor o âmbito e maior o grau de detalhamento, mais ele terá as características de um projeto. A importância do pensamento estratégico na esfera pública Se não devemos transplantar mecanicamente para a esfera pública métodos de planejamento pensados e elaborados para a esfera privada, não podemos igualmente abrir mão desse impor- tante instrumento na elaboração de um projeto social. Se é preciso ter clareza das diferenças essenciais entre esfera pública e esfera privada e, assim, de suas especificidades em termos de gestão, é preciso também compreender que atuar na esfera pública, prestando serviços sociais, exige mais do que nunca que nossa ação tenha resultados efetivos, que ela se torne uma ação realmente transformadora das condições sociais atuais. Para isso, um processo de planejamento minucioso e sistemático é indispensável. A realidade da qual nossa organização faz parte é formada por uma permanente tensão de tendências, forças, interesses que ora se opõem, ora se reforçam mutuamente. Se nossas ações são inter- venções que objetivam transformar a realidade existente, as trans- formações que trouxerem serão a combinação de todas as nossas ações com as forças atuantes em uma dada realidade. Analisar a realidade significará, então, identificar essas forças em jogo, as relações entre elas e seus efeitos – ou potenciais efeitos – sobre nossa organização, nossos objetivos e nossas ações. É preciso analisar também o ambiente interno de nossa organização. É preciso verificar quais os aspectos que influen- ciam ou poderão influenciar nosso trabalho, qual o impacto desses elementos, externa e internamente, e como eles poderão afetar nossa organização e nossos projetos. Através de um bom planejamento, podemos identificar esses diferentes aspectos e, assim, utilizá-los, eliminá-los ou minimizá-los. Planejar estrategicamente não é, portanto, adivinhar ou predizer o futuro, mas sim calcular, influir no futuro, pois, ain- da que não tenhamos o controle total sobre os resultados de nossas ações, podemos tentar criá-lo, prevendo possibilidades e dificuldades, descobrindo e antecipando respostas. ELABORAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS 42 GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS empregados, profissionais autônomos, ou empreendedores de pequenos negócios produtivos. • reuniões grupais com o público-alvo, para refletir sobre suas histórias de vida, sobre sua relação com o mundo do traba- lho, suas expectativas e demandas relativas às novas habili- dades que espera adquirir para se inserir no mercado de trabalho. É recomendável aproveitar essas reuniões para re- fletir também sobre os modos de divulgação e seleção dos futuros alunos. • reuniões da própria equipe da organização, para refletir sobre os dados pesquisados e desenhar o projeto a partir das várias opções surgidas e da análise de seu potencial e de sua viabi- lidade. A formulação dos objetivos e metas do projeto Realizada a análise de contexto, o próximo passo será ela- borar os objetivos do projeto. Não é fácil formular objetivos, mas sua elaboração e delimitação, sua clareza e legitimidade são fundamentais para o êxito de qualquer projeto, já que será em função dos objetivos traçados que todas as ações serão pensa- das, executadas e avaliadas. É preciso que eles sejam bem compreendidos por todos: equipe do projeto, parceiros e beneficiários da ação, possibili- tando uma linguagem e um entendimento comum do que está sendo proposto e dos resultados desejados. Existem vários pré-requisitos6 implícitos na escolha dos objetivos de um projeto: • aceitabilidade – deve ser aceitável para as pessoas cujas ações se acham envolvidas na sua execução. • exeqüibilidade – tem de ser exeqüível dentro de um tempo razoável. • motivação – deve ter qualidades que sejam motivadoras. • simplicidade – deve ser simples e claramente estabelecido. • comunicação – deve ser comunicado a todos que estejam, de alguma forma, ligados ao projeto. Quanto à abrangência, os objetivos de um projeto podem ser divididos em: • objetivo geral – aquele que expressa maior amplitude, exi- gindo um tempo mais longo para ser atingido e a ação de ELABORAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS 45 GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS outros atores que, como nós, contribuem para a resolução do mesmo problema. Assim, o objetivo geral é aquele que só será alcançado pelo somatório das ações de muitos atores. Diferentes atores, diferentes ações, todos contribuindo para que se alcance a mesma finalidade. • objetivo específico – é um desdobramento do objetivo geral, expressando diretamente os resultados esperados. É o foco imediato do projeto, orientando diretamente nossas ações. Para evitar diferentes interpretações com relação aos objeti- vos de um projeto, devemos sempre utilizar uma linguagem precisa e concisa. Propor um objetivo é expressar nossa inten- ção transformadora, transformação que poderemos monitorar e avaliar. Para que isso aconteça é preciso que cada objetivo explicite também sua meta – objetivo quantitativo, temporal e espacialmente dimensionado, isto é, além de expressar o que queremos, precisamos delimitar o quanto, em que tempo e em que lugar ele se realizará. O planejamento das atividades do projeto Planejar as atividades de um projeto é não só definir quais as ações e procedimentos necessários para alcançar os resulta- dos desejados, mas também programar o tempo e a seqüência em que se desenvolverá cada uma dessas atividades. Um bom instrumento para isso é o cronograma, um instru- mento simples e útil para identificar as ações no tempo, estimar o tempo em relação aos recursos, visualizar a possibilidade de algumas ações acontecerem em paralelo e, por último e mais importante, verificar a relação de interdependência entre elas. O cronograma é um poderoso auxiliar tanto no planeja- mento quanto no monitoramento do projeto, pois com ele visualizamos o todo das atividades no tempo, suas interdepen- dências, seu desenvolvimento, seus resultados, e podemos ir identificando possíveis desvios em relação ao planejado, o que possibilita uma correção de rota ainda durante o desenvolvi- mento do projeto. O cronograma de atividades deve ser: • completo, isto é, com todas as atividades do projeto e seus respectivos responsáveis; • preciso, apontando o início e o fim de cada atividade; • lógico, de modo a mostrar as interdependências entre as ELABORAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS 46 GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS diversas atividades (por exemplo, a atividade de divulgar para o público-alvo os critérios de seleção dos alunos para um curso de capacitação pressupõe outra, a confecção de folhetos e cartazes de divulgação; se esta não for bem reali- zada e no tempo planejado, aquela estará prejudicada); • flexível, atualizado e sistematicamente analisado; • realista, baseado em estimativas reais. Cronograma de atividades Projeto de Capacitação Profissional de Jovens ELABORAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS 47 O planejamento dos recursos Para cada atividade prevista no projeto devem ser explicitados claramente quais os recursos físicos, financeiros e humanos ne- cessários, pois só assim será possível elaborar um orçamento rea- lista. O planejamento dos recursos deve ser minucioso, a fim de diminuir as surpresas na fase de implementação do projeto, dan- do contornos e limites à nossa ação. Atividade Responsável Mês 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1. Identificação, análise e contatos com os vários atores sociais envolvidos 2. Reuniões de elaboração do plano de ação e formalização das parcerias 3. Contratação da equipe de professores e instrutores 4. Preparação e confecção do material de divulgação do projeto 5. Divulgação 6. Módulo básico 7. Módulo específico 8. Vivência 9. Avaliação e elaboração dos relatórios avaliativos GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS portante é que seu documento seja completo, isto é, que possa transmitir a quem o lê todas as informações necessárias para que sua proposta seja bem compreendida, não só em seus com- ponentes, mas, principalmente, em suas inter-relações. 1. Título do projeto O título de seu projeto deve refletir a natureza do problema enfocado e ter um impacto significativo em seu leitor. 2. Sumário executivo O objetivo do sumário é levar o futuro parceiro/financiador a uma apreciação e compreensão geral de sua proposta, permitin- do determinar se ela se adequa às exigências de suporte técnico e/ou financeiro contidas no projeto. Deverá resumir, de maneira eficiente, todas as informações-chave relativas ao projeto, não devendo ultrapassar uma página. 3. Apresentação da organização A apresentação deve conter: nome ou sigla da organização; composição da diretoria, da coordenação e nome do respon- sável pelo projeto; endereço completo para contatos e corres- pondências; histórico resumido da entidade (quando foi cria- da, diretrizes gerais, percurso ligado ao social, parcerias e tra- balhos realizados, resultados alcançados e principais fontes de recursos ou financiamentos da organização). 4. Análise de contexto e justificativa A análise de contexto deve descrever as deficiências e poten- cialidades da região onde o projeto vai se inserir, as caracte- rísticas da população local e as iniciativas já desenvolvidas. Deve analisar a natureza do problema e suas implicações, dando ênfase a aspectos quantitativos e qualitativos, forne- cendo dados e indicadores significativos que cubram de maneira suficiente o problema. Essa análise deve se restringir aos elementos básicos que se relacionem ao problema enfocado e que nos permitam esboçar alternativas viáveis de intervenção. A justificativa deve expor seus argumentos, correlacionando as deficiências locais, necessidades e potencialidades descri- tas e analisadas com a alternativa de intervenção escolhida, demonstrando a relevância e a necessidade de realização do ELABORAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS 50 GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS projeto, bem como sua capacidade de transformação da reali- dade analisada. 5. Objetivos e metas Os objetivos e as metas do projeto devem ser definidos com clareza e precisão. 6. Público-alvo Devem-se descrever as características (faixa etária, sexo, nível de escolaridade, situação socioeconômica) dos beneficiários (público-alvo) diretos e indiretos do projeto. 7. Metodologia Deve-se relatar, resumidamente, o modelo teórico utilizado, explicitar as rotinas e as estratégias planejadas, as responsabi- lidades e compromissos assumidos, como o projeto vai se de- senvolver, todos os envolvidos e o nível de participação/res- ponsabilidade de cada um. 8. Sistema de avaliação Deve-se descrever como será o sistema de monitoramento e avaliação do projeto, apresentando alguns indicadores tangí- veis e/ou intangíveis, os instrumentos e estratégias de coleta de dados e a equipe responsável pelo processo. 9. Cronograma de atividades O cronograma de atividades deve enumerar as atividades ne- cessárias à realização do projeto e suas etapas no tempo. 10. Cronograma físico-financeiro do projeto e composição do orçamento O cronograma físico-financeiro deve conter a previsão de to- dos os custos, por item de despesa, durante o tempo de dura- ção do projeto. A composição do orçamento deve explicitar o planejamento da cobertura/composição desses custos. 11. Anexos Os anexos devem conter as informações (ou documentos) adicionais que o financiador tenha solicitado ou que você considere necessárias como complementação do projeto. ELABORAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS 51 GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS O PROJETO SOCIAL COMO UM PROCESSO DE ARTICULAÇÃO E COOPERAÇÃO DICAS Comentários gerais e opinativos não devem constar nos objetivos. Lembre-se de que aquilo que parece óbvio para você, em geral não o é para outro leitor. Não se esqueça de informações que complementam seu projeto, tais como parcerias ou articulações com outros projetos e instituições. Preocupe-se sempre com a lógica de sua argumentação. Procure não usar jargões. Eles confundem e diminuem a capa- cidade de compreensão daquilo que você quer dizer, já que, em geral, os jargões são como grandes “guarda-chuvas” onde tudo cabe, não deixando claro, para quem lê seu projeto, a que, exata- mente, você se refere. Às vezes, o texto começa a ficar muito longo, pois você sente dificuldade em explicar as suas ações. Tente fazer um quadro que sintetize o que você está querendo expressar, com uma legenda ou observações que o esclareçam. Quadros e tabelas sempre per- mitem uma leitura mais objetiva dos assuntos. O número de páginas não torna o seu projeto melhor. Ao con- trário, uma das características mais procuradas hoje em dia em um projeto é a concisão. Ser capaz de elaborar um documento claro, preciso e conciso é fundamental. No caso de seu projeto solicitar, a terceiros, recursos para a compra de equipamentos ou outro serviço especializado, mande em anexo o levantamento de preços de pelo menos três fornecedo- res. No final, peça para outra pessoa ler seu texto e veja se ela o interpreta corretamente. Por último, lembre-se de realçar as positividades e poten- cialidades de sua proposta. u seja, é importante que os finan- ciadores entendam o quadro que você analisou como passível de ser transformado através das ações propostas e que sua exposição não os leve a considerar uma perda de tempo financiar o projeto. (Adaptação de recomendações sobre como redigir um documento, encontradas em manuais e guias de elaboração de projetos indicados na bibliografia.) ELABORAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS 52 GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS atores sociais que, como interlocutores, atuam de forma participativa e mobilizadora na construção de uma nova realidade, realidade que tenha a coisa pública como seu valor maior. Outra forma de articular-se, uma das mais eficientes en- contrada pelas organizações sociais, é fazer parte de uma rede – palavra emprestada do campo da informática. Diferentemente das parcerias que se constroem para o enfrentamento de um problema objetivo, pontual, as redes costumam se articular em torno de temas específicos (culturais, educacionais, políticos). Existem vários tipos de redes: redes temáticas – meio ambiente, infância, direitos humanos, jovens e adolescentes, etc.; redes regionais – um estado, um grupo de municípios, um conjunto de bairros; ou redes organizacionais – associações de entidades, fóruns, etc. É preciso ressaltar, ainda, as redes complementares – redes que se formam com programas similares e complementares. Um bom exemplo dessa necessidade aparece quando pensamos em um projeto de erradicação do trabalho infantil. Não podemos apenas oferecer uma bolsa que substitua o dinheiro que a criança trazia para casa, fruto de seu trabalho; para que um projeto como esse tenha efetividade é preciso também um trabalho educacional, de saúde e assistência às famílias. Só a rede possibilita essa mobilização e conjugação de esforços. Através de múltiplas combinações, as organizações sociais “reúnem-se através de redes que combinam a autonomia de cada ponto no sistema com um imenso fluxo de informações”9. A dinâmica da integração pode dar origem a diferentes conjuntos e conglomerados em diferentes ocasiões, envolvendo a cada vez parceiros diversos, segundo as circunstâncias, as questões em pauta, a história local num certo campo particular. Não há de ser concebida como front territorial de configuração constante. Alguns grupos podem unir-se no combate à violência contra a mulher, mas afastar- se quanto ao combate à poluição. Outros podem ser aliados para matérias de meio ambiente mas afastar-se quanto ao emprego. No terceiro setor, não se há de esperar por blocos de lealdades permanentes. Confrontos e compromissos são uma parte intrínseca à sua dinâmica interna.10 As redes sociais são, hoje, instrumentos altamente eficazes na mobilização dos agentes sociais para ações coletivas dentro do espaço público, auxiliando no fortalecimento institucional das organizações, na troca de experiências, de capacitações sis- temáticas, etc. Também constituem elemento facilitador na ELABORAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS 55 GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS captação de recursos e um importante aliado no aumento da visibilidade e credibilidade das várias organizações. A rede possibilita também que nossas organizações invis- tam naquilo que hoje é condição fundamental para o trabalho no campo social – a expansão de nossa capacidade relacional, a possibilidade de acesso cada vez maior a novos conhecimentos e informações11. Através das redes, diferentes organizações vinculam-se nas mais diversas relações, atuando como um todo coerente, discutindo problemas estruturais ou conjunturais, acessando as bases de dados de organismos nacionais e interna- cionais, negociando divergências táticas e construindo alianças no campo de lutas específicas, de interesse comum. As redes organizam-se horizontalmente, sem hierarquias, e sua existência e atividade dependem da iniciativa de cada uma de suas partes e não de uma instância central. São como parce- rias ampliadas, com um grau muito maior de abran-gência, de difusão das informações e de mobilização de suas partes, po- dendo desempenhar, por sua amplitude e concentração de for- ças, um papel político importante no processo de transforma- ção social. NOTAS 1 Mesmo os recursos provenientes de organizações e entidades priva- das, ao serem alocados em programas e projetos sociais, tornam-se recursos públicos e como tal devem ser tratados. Esfera pública não é necessariamente sinônimo de esfera governamental. 2 Cohen & Franco, Avaliação de projetos sociais, p. 85. 3 ONU, 1984. In: Cohen & Franco, Avaliação de projetos sociais, p. 85. 4 Huertas, O método PES: entrevista com Matus, p. 30. 5 Id., ibid., p. 30. 6 Jucius et alii, Introdução à administração. In: Baptista, Planeja- mento. Introdução à metodologia do planejamento social, p. 47. 7 Fernandes, Privado porém público..., p. 137. 8 Malta, Parcerias e redes. Projeto Gestores Sociais, p. 78. 9 Fernandes, Privado porém público..., p. 130. 10 Id., ibid., p. 139. 11 Um bom exemplo de rede é a Rits (Rede de Informações para o Terceiro Setor), uma organização sem fins lucrativos concebida por um grupo de entidades e indivíduos e estimulada pelo Conselho ELABORAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS 56 GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS da Comunidade Solidária, que, ao incluir o projeto em seu Progra- ma de Apoio à Sociedade Civil, habilitou-o a receber o apoio da Unesco e do BID. Criada em 1997, a Rits tem como objetivo de- senvolver e manter, através da Internet, um sistema de informação, capacitação e apoio em tecnologias computadorizadas de informa- ção e comunicação, bem como uma rede de serviços informativos, tendo como público-alvo e como participantes as entidades sem finalidade lucrativa da sociedade civil. Suas páginas na Internet podem ser visitadas no endereço: www.rits.org.br. BIBLIOGRAFIA BAPTISTA, M. V. Planejamento. Introdução à metodologia do pla- nejamento social. São Paulo, Moraes, 1981. BOLAY, F. W. Planejamento de projeto orientado por objetivos. Método Zoop. Trad. Markus Brose. Recife, Convênio MIR/ SDR/Sudene/IICA/GTZ, 1993. CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. Avaliação de projetos sociais. In: ÁVILA, Célia M. de (coord.). Gestão de projetos sociais. São Paulo, AAPCS, 1999. (Col. Gestores Sociais.) CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo, Ática, 1994. COHEN, Ernesto & FRANCO, Rolando. Avaliação de projetos soci- ais. 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Hoje, a demanda dos pesquisadores por “rastrear” e inovar conceitos/metodologias avaliativas pauta-se pela rejei- ção crescente aos modelos tradicionais, que não conseguem apre- ender a totalidade dos fluxos e nexos inerentes à tomada de decisões, à implementação, à execução, aos resultados e aos im- pactos produzidos e que, em conseqüência, não oferecem in- formações substantivas para influir nos fatores institucionais e processuais geradores de ineficiências crônicas no desempenho das políticas e programas sociais. Por outro lado, diante da complexidade que a questão social assume no mundo contemporâneo e particularmente no Brasil, a avaliação de políticas e programas sociais torna-se igualmente um imperativo ético. A avaliação sistemática e contínua pode ser estratégica na oferta de informações substantivas que possibili- tem o exercício do controle social (mecanismo valioso de demo- cratização da gestão pública) e referenciem avanços na efetividade das ações sociais. Os governos têm sido pressionados pela comunidade nacio- nal e internacional, pela sociedade civil organizada e por usuários dos serviços sociais, em particular, a apresentar maior eficiência na aplicação do recurso público e maior efetividade nos resultados esperados dos serviços e programas sociais. A mesma pressão se faz sobre as organizações não-governa- mentais, que, subvencionadas com recursos estatais, de agências multilaterais, de fundos da iniciativa privada ou captados na sociedade civil, transitam do campo privado para o público e são assim exigidas a apresentar atuação profissionalizada e padrão de qualidade no campo da prestação de serviços. Sociedade e cidadãos, de modo geral, estão reivindicando uma relação de transparência e de participação nas decisões referentes a alternativas políticas e programáticas. Exigem co- nhecer e acompanhar a insuprimível equação entre gastos pú- blicos e custo-efetividade de políticas e programas destinados a produzir maior eqüidade social. Assim, vários são os motivos para introduzir a avaliação como procedimento cotidiano das organizações governamentais (OGs) 60 AVALIAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS e organizações não-governamentais (ONGs) que operam no campo social: • A avaliação é um dever ético. As organizações que atuam na esfera pública precisam apresentar à sociedade os resulta- dos/produtos de sua ação. Diante da difícil correlação en- tre os altos índices de demandas trazidos pela situação de pobreza, desigualdade e exclusão social e a insuficiente ofer- ta de serviços sociais, a probidade e a racionalização com relação aos recursos e a obtenção de impactos na intervenção social passam a ser exigência preponderante. Espera-se dessas organizações eficiência, eficácia e eqüidade na prestação de serviços de interesse do cidadão. • A avaliação tem importância estratégica para acompanhar o comportamento das ações sociais e realimentar decisões e opções políticas e programáticas. A escolha de prioridades a serem atendidas e de alocação de recursos, quando baseada em dados, pode se voltar a demandas realmente relevantes e coletivas. • A avaliação tornou-se imprescindível para captar recursos. Cada vez mais as agências financiadoras exigem dados avaliativos dos resultados e impactos dos serviços. As organizações, em sua maioria, dão importância ao plane- jamento da ação. Procuram até mesmo apropriar-se dos mais modernos modelos e processos de planejamento. A avaliação, no entanto, não tem tido o mesmo prestígio. Ao contrário, ela é bastante secundarizada na prática social. Só ganha importância para justificar ou ratificar uma dada ação, processo institucional ou recurso recebido. As organizações devem assumir a avaliação como procedimento que lhes permita aprimorar suas ações e, mais que isso, manter uma relação de transparência com seu público-alvo, parceiros, financiadores e sociedade em geral, no que tange a seus propósitos, processos e resultados. Em geral, a avaliação é percebida como uma etapa do pro- cesso de planejamento, como um procedimento burocrático de prestação de contas, confundindo-se com fiscalização/auditoria externa ou com pesquisa acadêmica. É preciso mudar essa per- cepção reducionista da avaliação e apreendê-la como um dos processos indispensáveis na melhoria das decisões e ações no campo social. Por isso mesmo, o ato avaliativo está presente desde a decisão sobre a realização de um determinado projeto social até sua implementação, execução e resultados. 61 AVALIAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS A avaliação de programas/projetos sociais deve ser, portan- to, instigadora, realimentando o avanço no plano da missão institucional, no plano dos processos e estratégias utilizados, no plano dos serviços/produtos ofertados e no plano dos resulta- dos e impactos desejados. O programa “Acelera Brasil”, por exemplo, avaliou os alu- nos antes de serem introduzidos no programa e depois do seu término, comparando os resultados: Fonte: Folha de S. Paulo, 17 mar. 1999. Caderno 3, p. 7 AS DIMENSÕES DA AVALIAÇÃO A avaliação hoje assume nova amplitude. Avaliam-se polí- ticas, programas, serviços, produtos, inovações tecnológicas, 62 AVALIAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS A avaliação deve portanto abarcar: o processo decisório sobre o projeto; sua implementação; a coerência entre objetivos, estratégias e resultados; a correlação entre resultados previstos e resultados atingidos; a capacidade de inovação e adequação do projeto às demandas; a flexibilidade para introduzir alternativas com maior eficácia; e a cobertura e avanço nos padrões de quali- dade almejados pelos usuários das ações das organizações. Por tudo isso, a avaliação de programas e projetos sociais contém quatro características básicas: • é um processo contínuo e permanente, que abarca o proje- to na sua concepção, implementação e resultados; • é um processo que embasa a tomada de decisão política quan- to a propósitos, processos de ação e alocação de recursos; • é um processo de aprendizado social, ou seja, deve permitir aos envolvidos no projeto a apropriação reflexiva da ação; • é um exercício de controle social – torna a organização e seus serviços, ou resultados, transparentes e abertos a uma construção coletiva, qualificando as reivindicações e as opi- niões dos usuários e da comunidade. É, assim, um serviço efetivamente público. Finalmente, se assumido ainda, como processo participativo, que mobiliza tanto gestores, equipe executora, beneficiários, quan- to agentes externos, parceiros e financiadores, conquista o envolvimento comunitário e, por conseqüência, legitimidade e reconhecimento público. A CORRELAÇÃO RESULTANTE DE AVALIAÇÕES Os exemplos relacionados a seguir apontam a importância da avaliação na correlação de fatos e estabelecimento de parâmetros e padrões: Entre janeiro de 1995 e dezembro de 1997, 342 mil crianças com menos de 5 anos morreram no Brasil de doenças relaciona- das à falta de saneamento básico. No mesmo período, mais de 2 milhões de internações hospitalares foram causadas por esse problema. Para cada R$ 4 investidos em saneamento, seriam economizados R$ 10 na rede hospitalar, segundo estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES/RJ) feito em 1996.2 65 AVALIAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS Se todos os desempregados tivessem trabalho, com os níveis atuais de salário, a pobreza diminuiria em 6% e se tivesse oito anos de educação, a redução chegaria a 13%. Pesquisas indicam que a educação é responsável por 40% da desigualdade no Brasil.3 ... de acordo com estudos feitos em Nova York, a assistência a um ancião em seu domicílio custa 180 dólares mensais; em um albergue, 800 dólares; e em um hospital geriátrico, 5 mil. Quer dizer, com o que custa um só ancião em hospitais, atende-se, igualmente ou melhor a 27 em seus domicílios.4 Sabe-se que 3 anos a mais de escolaridade das mães podem reduzir a mortalidade infantil a, até, cerca de 15 por 1.000. Demonstra- se também que um trabalhador rural, com educação primária completa, tem produtividade 70% maior que a de um outro de menor escolaridade.5 ... a estimativa de crescimento de 4,5% do PIB para este ano corresponde à média anual de 6% a 7% da época do “Milagre Econômico”. (...) na década de 70 a população crescia 3% ao ano e agora cresce 1,3%.6 A indústria norte-americana está oficialmente em recessão. Segundo o NAPM (Associação de Compradores de Produtos In- dustrializados), a atividade industrial caiu para 41,2 pontos em janeiro, o menor nível desde março de 1991. Um número abaixo de 50 indica contração no setor industrial; abaixo de 42,7 aponta para a retração de toda a economia.7 Pesquisa realizada pela médica Albertina Duarte, coordenadora do Programa de Adolescentes de São Paulo, indica que o uso da camisinha aumentou oito vezes entre 1987 e 1997. Comparan- do com a evolução da AIDS, aponta que o índice da doença no Estado, registrado pela Secretaria de Saúde, caiu de 109 (entre pessoas de 15 e 19 anos) em 1988, para 66, dez anos após; e que a reincidência de gravidez caiu de 40% para 10%.8 O QUE É AVALIAÇÃO Podemos dizer que avaliar é atribuir valor, medir o grau de eficiência, eficácia e efetividade de políticas, programas e projetos sociais. Assim compreendida, a avaliação identifica processos e resultados, compara dados de desempenho, julga, informa e propõe. Ela “tem como objetivo maximizar a eficácia dos pro- 66 AVALIAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS gramas na obtenção de seus fins e a eficiência na alocação de recursos para a consecução dos mesmos”9. Em termos mais amplos, os objetivos da avaliação de polí- ticas ou programas são muitos, múltiplos e não necessariamen- te excludentes: • Objetivos científicos – ampliar o saber; produzir novo conheci- mento. • Objetivos políticos – identificar dimensões estratégicas para a ação política. • Objetivos operativos – conhecer para intervir na própria política ou em políticas semelhantes; corrigir, melhorar o desempenho; planejar novas etapas; ampliar, estender, multiplicar, replicar, re- duzir, excluir10. A avaliação de programas e projetos sociais é relativamente recente no Brasil e tem sido adotada de forma sistemática nos campos da saúde e da educação. Em outras áreas da política social, a avaliação se comporta ainda de forma descontínua. A literatura produzida sobre o assunto é, no geral, circunscrita a concepções tradicionais de avaliação. Só muito recentemente tem refletido a maior variedade e riqueza de modelos de avaliação. De qualquer forma, a literatura existente revela a busca de assegurar a essa área reconhecimento científico. As primeiras abordagens da temática da avaliação foram fortemente influenciadas pelas ciências econômicas, matemáti- cas e biológicas, o que resultou em demasiada ênfase na men- suração. Houve ainda a influência das ciências experimentais, exigindo rigor no isolamento de variáveis ou resultados imputá- veis aos programas e projetos sociais avaliados. Nesse caso, a preo- cupação foi transformar os programas quase num experimento de laboratório, na busca de controle rígido de suas variáveis, utili- zando o “grupo controle” para “parametrar” as mudanças ocorri- das no grupo beneficiário do programa avaliado. Assim, a avaliação, na concepção tradicional, buscou anco- ragem nos métodos econométricos para mensurar o social, o que fez com que mensuração se tornasse praticamente sinôni- mo de avaliação. A estatística ganhou primazia, desprezando-se até uma perspectiva multidisciplinar que envolvesse os aportes da sociologia, da antropologia e de outras ciências. Um arsenal de testes e medidas estatísticas foi colocado à disposição do pesquisador/avaliador com vistas a aferir resultados. Foi um tempo de glória da chamada avaliação quantitativa. 67 AVALIAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS Como a avaliação de programas sociais guarda complexidade e especificidades próprias, por lidar com um campo permeado por embates e representações que influenciam processos e resul- tados, não pode depender de uma única abordagem de acompa- nhamento. Necessita compatibilizar e associar um universo mais amplo de alternativas, conforme demonstra o quadro: Fonte: Evaluation Requirements for Good Project Managements (adaptado por Maria Cecília Roxo Nobre Barreira, CPIHTS, São Paulo/Lisboa, 2000). 70 AVALIAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS Tipos de abordagem • quantitativa centrada no sistema de ação • qualitativa centrada na lógica dos atores • pluralista (quali-quantitativa) centrada nas relações entre o sistema de ação e a lógica dos atores Metodologias de avaliação • metodologias apoiadas na estatística e na experimentação controlada • esquema explicativo hipotético-dedutivo • metodologias apoiadas nas sociologias • análise de processos sociais • pesquisa-ação • esquema interpretativo de compreensão de dinâmicas • metodologias de avaliação apoiadas nas mudanças programadas (políticas públicas, programas) • pluralidade de abordagens para apreender e aferir processos, resultados e impac- tos de políticas e programas Coleta de dados • ênfase em instrumentos de medição quantitativa • definição de indicadores de resultado • ênfase na coleta de dados qualitativos: os processos em jogo • observação e registro de fatos significativos • ênfase na coleta de dados quanti- qualitativos • definição de indicadores de processos e de resultados • utilização de vários instrumentos de coleta de dados, incluindo a observação Papel do avaliador • avaliação externa • papel de expert • auto-avaliação assistida dos sujeitos envolvidos (sujeito coletivo) • papel facilitador em relação aos sujeitos envolvidos • co-avaliação entre categorias de atores implicados • papel de mediador GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS A avaliação pode ser tipificada também como externa – aquela realizada por especialistas – e interna – implementada pelos gestores, executores ou mesmo pelo público-alvo do pro- grama ou projeto. As possibilidades de articular os vários tipos de avaliação é bastante grande, dependendo da natureza e porte dos projetos, e hoje em dia pode-se perceber a ocorrência de tipos simultâneos de avaliação. Outra tipologia fundamental, introduzida por Michael Scriven em 1967, é a distinção entre avaliação somativa e for- mativa. A avaliação formativa ou avaliação de processo e de efi- cácia é normalmente realizada durante o desenvolvimento do programa. Pode ser dirigida por avaliadores internos ou exter- nos ou preferivelmente por uma combinação dos dois. Envolve a constatação de acertos e falhas na utilização de instrumentos, conteúdos, procedimentos e confere a adequação de objetivos, metas e custos, visando o aprimoramento da ação. Já a avaliação somativa verifica os efeitos ou os resultados do projeto. Ganham relevância, então, as variáveis que podem oferecer parâmetros para aferir o sucesso ou o fracasso de um projeto (política ou programa), seja em relação à consecução dos objetivos e metas definidos em seu próprio escopo, seja com- parativamente a projetos similares já desenvolvidos ou em de- senvolvimento no enfrentamento da mesma problemática. Em qualquer desses tipos de avaliação, três conceitos ga- nham importância: eficiência, eficácia e efetividade. Eficiência A avaliação da eficiência de um projeto verifica e analisa a relação entre a aplicação de recursos (financeiros, materiais, hu- manos) e os benefícios derivados de seus resultados. Ou seja, a obtenção de “custo” mínimo (menor número de insumos de pessoal, de moeda) para o maior número e qualidade de bene- fícios. A gestão de um projeto será tão mais eficiente quanto menor for o seu custo e maior o benefício introduzido pelo projeto. Segundo Arretche13, a avaliação da eficiência é bastante necessária no âmbito das políticas e programas públicos devido à escassez de recursos, que pressiona por uma maior racionali- zação do gasto; também porque, no Brasil, “paralelamente à escassez de recursos públicos, os universos populacionais a 71 AVALIAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS serem cobertos pelos programas sociais são de enormes propor- ções”. Finalmente, a autora afirma que as avaliações de eficiên- cia “impõem-se porque a eficiência é um objetivo democrático. (...) A probidade, competência e eficiência no uso de recursos publicamente apropriados constituem, em regimes democráti- cos, uma das condições para a confiança pública (public confident) no Estado e nas instituições democráticas”. Eficácia A eficácia de um projeto está relacionada ao alcance de seus objetivos. A sua gestão será eficaz à medida que suas metas sejam iguais ou superiores às propostas. A eficácia deve ser medida na relação estabelecida entre meios e fins, isto é, o quanto o projeto – em sua execução – foi capaz de alcançar os objetivos e as metas propostas e o quanto ele foi capaz de cumprir os resultados previstos. A avaliação da eficácia é uma das mais praticadas, embora os dados produzidos sobre esse assunto só muito recentemente passaram a ser divulgados com vistas a socializar o debate sobre o cumprimento de metas e os resultados sociais alcançados. Se a eficiência é um objetivo democrático, a eficácia e a efetividade são objetivos éticos, porque se referem a valores a serem perseguidos, como eqüidade e justiça social. Efetividade A efetividade de um projeto está relacionada ao atendimento das reais demandas sociais, ou seja, à relevância de sua ação, à sua capacidade de alterar as situações encontradas. A efetividade é medida, portanto, pela quantidade de mu- danças significativas e duradouras na qualidade de vida ou desenvolvimento do público beneficiário da ação que o projeto ou política foi capaz de produzir. A efetividade tem sido um alvo buscado na avaliação de políticas públicas, dada a consciência das desigualdades sociais, pobreza e exclusão que atingem parcela majoritária de nossa população. É possível mesmo dizer que as investigações ava- liativas vêm concentrando esforços na busca de correlacionar objetivos, estratégias, conteúdos e resultados com os impactos produzidos, isto é, com o grau de efetividade alcançado. 72 AVALIAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS A avaliação e o monitoramento devem abarcar: • os objetivos e o público-alvo a que se destina a ação; • o processo decisório sobre o projeto; • a densidade do projeto, isto é, sua capacidade de inovação e adequação às demandas; • sua flexibilidade e sagacidade para introduzir alternativas de maior eficácia no alcance dos resultados e impactos; • a coerência entre os objetivos, as estratégias e os resultados propostos pelo projeto; • sua competência para garantir o avanço nos padrões de qualidade almejados pelos usuários das ações das organi- zações; • os sistemas gerenciais adotados e a capacidade de otimizar recursos e competências organizacionais; • sensibilidade para perceber disfunções geradas pela presen- ça de fatores novos ou imprevistos e a conseqüente capaci- dade de reação ou adequação às novas situações impostas pela dinâmica da realidade; • os produtos ofertados. Sem dúvida as tarefas do acompanhamento não devem conce- ber-se como um objetivo em si mesmo, senão como uma ferra- menta útil para descrever o que se está fazendo e como. A importância do monitoramento está em: – Obter toda aquela informação que, ao início, a meio caminho e uma vez finalizado o programa, será necessária para avaliar seu impacto, sua eficácia e eficiência. – Descrever a evolução das atividades do programa e desenvolvi- mento da intervenção estabelecendo critérios sobre índices e relações de acordo com um esquema e seqüência pré-determinados. – Identificar os pontos críticos na gestão e execução, permitindo detectar problemas. – Alertar, aos responsáveis, sobre os riscos de implantar um programa distinto do desenhado. Por fim, – Facilitar a tomada de decisões sobre as ações corretivas a empreender. – Facilitar para a organização o cumprimento de seus objetivos e a medição dos progressos realizados para sua consecução. A avaliação do sistema de acompanhamento deve examinar seu conteúdo, viabilidade e oportunidade, determinando o grau em que ele contribui para a gestão diária do programa e a sua ótima execução.16 75 AVALIAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS Para a consecução do monitoramento é necessário estabe- lecer, desde o início do projeto, um sistema de informação operativo e gerencial que permita o seu acompanhamento pro- cessual. Para esse acompanhamento, devem ser utilizados indi- cadores de atividades, processos e resultados. Mas que sistema de informação operativo e gerencial vamos construir para acompanhar o projeto em sua implementação e execução? E que indicadores serão utilizados para aferir ativida- des, processos e resultados? Para a montagem dessas condições é necessário: • especificar objetivos e resultados esperados, bem como a seqüência de passos/ações e as relações causais que supos- tamente conduzem dos insumos para os produtos do pro- jeto, indicando os processos por meio dos quais o resultado é obtido; • definir o sistema de informação que permita captar o se- guimento do projeto; • utilizar-se de poucos indicadores, porém que sejam chaves, fundamentais. A observação, o registro de fatos significativos, as reuniões com a equipe de gestores e operadores do projeto, as reuniões com usuários ou beneficiários do projeto, as reuniões com os parceiros (organizações complementares, agentes comunitários e organizações que produzam projetos similares) são meios usuais de pesquisa avaliativa nessa fase. Roteiros de entrevistas e de reuniões, guias para monito- ramento e acompanhamento, diário de campo, fichas, quadros, mapas são instrumentos básicos para a coleta e o registro das informações. A formulação de indicadores de avaliação em projetos sociais Para definir e escolher indicadores de avaliação de projetos sociais é preciso especificar de forma clara e direta o objetivo e os resultados que se quer atingir, correlacionados ao público- alvo com quem se trabalhará. Na avaliação, deve-se examinar a possibilidade de realizar uma medição direta dos resultados almejados. Esta medição direta pode ser muito difícil de realizar em termos técnicos, além de cara em termos financeiros. Nestes casos, 76 AVALIAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS rencomenda-se sua substituição por medidas indiretas, que se constituem numa boa aproximação das diretas. Essas medidas indiretas são conhecidas como “indicadores” e espera-se que estejam estreitamente vinculadas às medidas diretas. Embora os indicadores sejam mais econômicos e fáceis de obter, sua construção – aspecto-chave da pesquisa – é um trabalho muito delicado, pois não existem maneiras codificadas de estabelecê-los e tanto a sua construção como qualquer decisão a respeito têm um caráter arbitrário, pois é preciso utilizar pressupostos que não podem ser confirmados.17 Os indicadores são especialmente necessários quando os resultados a medir são intangíveis ou carregados de subjetivida- de. Exemplo: medir o aumento da auto-estima ou o desenvol- vimento da sociabilidade. Há que se considerar ainda que os projetos sociais enfren- tam realidades complexas, muito carregadas de interveniências e permeadas por múltiplos fatores, sujeitos, relações e proces- sos. Assim, seus resultados nunca são uma certeza, mas apenas uma aposta na possibilidade de alcançá-los. Exigem, portanto, a construção de meios de verificação que auxiliem a percepção das mudanças obtidas e exigem que se busquem indicadores mais precisos e relevantes. Indicador é um fator ou um conjunto de fatores que sinaliza ou demonstra a evolução, o avanço, o desenvolvimento rumo aos objetivos e às metas do projeto.18 Dentro do contexto dos projetos sociais, Leandro Lamas Valarelli19 define indicadores como parâmetros qualificados e/ou quantificados que detalham em que medida os objetivos foram alcançados. São como uma espécie de “marca” ou “sinalizador” que busca expressar aspectos da realidade sob uma forma que se possa observá-lo ou mensurá-lo, identificando uma variável que expressa o fenômeno de interesse. Para ilustrar, dá um exemplo do cotidiano – a temperatura corporal, que é uma das variáveis para avaliar se a pessoa está doente. A partir dela, construiu-se uma escala de variação da tem- peratura (36,5 graus Celsius é considerada normal quando medi- da por 3 minutos). Dessa forma, a doença é a situação a ser avaliada; a temperatura é o indicador; a escala, especificada em graus Celsius (que define o que é normal e o que é febre), e o termômetro são os instrumentos de verificação. Também para aferir padrões de qualidade de vida é possível definir indicadores; no entanto, eles devem correlacionar as di- versas áreas da vida social, como se vê no exemplo seguinte. 77 AVALIAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS Gestão DE PROJETOS sociais op osjesed - eosop weny A ausuejo oeg- espod epouod- egos uwonp v our oupxud ou sejooso sep ogSenyis e fon ese vz sz s'ez ez s'ez vz sz s'oz sz so | so sz ez s'oz s'sz se se oz sz SL sez J so sz ser uz ser su s'ez oz e s'ez Le s'gz s'6z PIA suz s'oz oe s'ez sosz s'osz aez 06 sez | 0€ ez sz A 1 soa | su ser | e uz Pra se | ser sz so oe oe so | se sz 6 e Je 6 6 s'ez 6 6 0 s'ez s'ez s'ez 0€ s'ez s'ez s'ez suz s'ez AvaLIAÇÃO DE rRojETOS socras 6d “outpnoo “TOO Jet 7 oned 'S ap vqjos iuoa ouage 188 ep ousou sejue ojoLos 10d opegeasap 9 sedojnua sop un “ojsenh epeo us wejon sopeiní ogenp :sgo (oo) ojuawejnhes ojed opyuuad O enb Joteu souieo ep ossunu um Loo nossed ejoosa e “uisse 'e stop US OpipiAp J8s anb ane) “nougenb soueo sop um enbuod sojuod sg1) nepiad ory Spueio “BuISIpueypsou opesn 19) 10d SOjuod sau uesspued epeproo|y e nin] Op osjesed ze oe 6 s'ez g'ez oe 6 ez oe [2 coz oc 0 see 6 [54 8 o s'ez 0€ voo 2600 00"“66 (nm Sos op oueuos op êsieisd ep oglun sosousideo ougdu eonf ep () (Jon s'96z [o s'ez se sec se 0 s'ez 0€ 0€ Q s'sez [2 0 0€ s'ez 0 0€ s'oz s'ez 0€ 0€ O s'eez [2 0 oe 0 [3 oe g'ez oe 0€ 0€ Q eeuod “Sopiun ogóipesi epepiool apueio omopesa onendes esenbuem -efoa 00€ 0 0€ 0€ 0€ 0€ 0€ 0 0€ tejo eugeg opaus -eques ejuouuem oesnjona opaua ojunfuoo sosesepe e seuobely sejseues equeuy ep opssjuiod eulopueg-euod e ves-ansom oIy Op |eioadso odnub op sejoosa sep opeynsoy so GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS Finalmente, a realização de uma avaliação competente de- pende de: • conhecimento teórico contínuo e atualizado; • conhecimento operativo – experiência no campo, inter- câmbio entre atores e gestores de projetos similares, capaci- dade de atuação em rede; • conhecimento em pesquisas avaliativas – na formatação de seu desenho, na escolha de metodologias apropriadas, na definição de indicadores e no uso apropriado de instrumen- tos e estratégias de coleta de dados (observação, roteiro para reuniões, questionários, grupos focais, etc.); • competência analítica e de socialização do fazer analítico com os demais atores intervenientes (gestores, instrutores, beneficiários do projeto, agentes de projetos similares, par- ceiros, etc.). Avaliação post-facto ou de resultados e impactos A avaliação ex-ante nos permite apreender o contexto, os insumos internos e externos à organização mobilizados para a consecução do projeto, o perfil do público-alvo inscrito e a de- manda reprimida. A avaliação final, por sua vez, deve cor-rela- cionar os dados que formataram o projeto: objetivos/metas/es- tratégias/público-alvo, metas propostas/atingidas e os resulta- dos alcançados. A avaliação dos resultados imediatos centra-se basicamente nas metas e nos produtos obtidos. Por exemplo, na avaliação de um projeto de capacitação de jovens é necessário conhecer o número de jovens que concluíram o curso, a evasão ocorrida, o grau de aprendizagem obtido e mudanças de atitude ou comportamento apresentadas pelos participantes do projeto. Esses são alguns dos dados que permitem avaliar as metas e os resultados atingidos, correlacionando-os com as metas e os resultados projetados. Quando se objetiva aferir a efetividade ou os impactos, é necessário proceder a uma avaliação depois de algum tempo do término do projeto (6 ou 12 meses). A avaliação de impactos concentra-se em aferir se os beneficiários diretos e a própria orga- nização gestora experimentaram mudanças efetivas em sua situação, como conseqüência do projeto realizado. Se o projeto é complexo, envolvendo várias linhas de ação ou subprojetos e muitos beneficiários, faz-se necessário verificar os impactos por 81 AVALIAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS meio de uma amostra representativa da tipologia de subprojetos e tipos de público-alvo que participaram dele. Um objetivo da avaliação de efetividade ou impacto é a determinação dos efeitos líquidos de uma intervenção social. Entende-se por efeitos líquidos os que são estritamente imputá- veis ou atribuíveis ao programa, livre de possíveis efeitos de outros elementos “contaminadores” presentes na situação20. Congestionamento faz produtividade cair em 20% O dado é de estudo do Ipea, revelando que em 10 cidades do País o prejuízo com a lentidão do trânsito chega a R$ 474 milhões por ano, R$ 346 milhões apenas na Grande São Paulo. Brasília – O congestionamento de trânsito tem um impacto direto na produtividade dos moradores das grandes cidades. Um estudo inédito do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que quan- do um trabalhador em Osasco ou na Grande São Paulo demora para chegar ao local do serviço entre 40 e 80 minutos além do tempo nor- mal, sua produtividade cai entre 14% e 20%. A pesquisa é a primeira tentativa de quantificar os prejuízos do conges- tionamento de trânsito, tanto para o bolso da população quanto para a saúde. “A perda de tempo provocada pelo engarrafamento das ruas afeta diretamente a produtividade das pessoas”, afirmou a pesquisadora Ieda Maria de Oliveira Lima, do Ipea (...) O custo do congestionamento de trânsito foi estimado em R$ 474,1 milhões em dez cidades pesquisadas pelo Ipea. Desse total, a maior parte – R$ 346 milhões – é a perda constatada na Grande São Paulo, seguida do Rio, onde os prejuízos somaram R$ 72,7 milhões. O cálculo inclui o excesso de tempo, de consumo de combustível e de poluição resultantes do congestionamento de trânsito, além dos investimentos adicionais no sistema viário. Nas dez cidades pesquisadas, os motoristas e passageiros do ônibus desperdiçam 500 milhões de horas por ano nos congestionamentos. O consumo de gasolina e diesel aumenta 200 milhões de litros ao ano e 4 milhões de litros/ano, respectivamente. A regularidade das viagens, segundo a pesquisa, só ocorreria com o aumento da frota de ônibus em circulação, em porcentuais que variam entre 0,6%, em Campinas, e 30% em São Paulo. O aumento da frota, no entanto, aumentaria os custos operacionais em 16%, em São Paulo, representando o acréscimo do valor da tarifa. Ao divulgar o resultado da pesquisa (...) o presidente do Ipea, Fernando Rezende, ressaltou que os prejuízos do congestionamento de trânsito se concentram nas atividades terciárias (serviços). “Com o crescimento desse setor no Brasil, os governantes precisam dar mais atenção na busca de soluções que melhorem as condições de transporte, tanto coletivo como particular.21 82 AVALIAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS se tornam partícipes da avaliação e comprometidos com a ação. É assim que a avaliação participativa permite fazer aflorar as diversas “verdades” sobre os propósitos e resultados do progra- ma ou da ação institucional. Nessa direção, a objetividade pretendida no ato avaliativo é resultado de um processo de debate e triangulação entre os gestores, a comunidade mais próxima do programa e os especia- listas. O programa em avaliação submete-se, assim, a uma forma específica de multiple advocacy22. A participação dos implicados retira o avaliador da posição solitária de único agente julgador. O valor atribuído é construção de um coletivo. A capacidade científica e técnica [do avaliador] não o converte em juiz objetivo e imparcial, senão que exerce o papel de media- dor, valorando as necessidades de informação (...)23 A participação dos envolvidos na ação garante à avaliação maior densidade, limita seu risco de permanecer periférica e, nas fases de implementação e desenvolvimento da ação, permi- te detectar precocemente falhas ou estratégias inadequadas e alterá-las, objetivando melhorar sua eficácia. Já muito se criticaram as avaliações externas centradas na aferição da consecução ou não dos objetivos propostos em pro- gramas sociais. Esse é um tipo de avaliação que permanece periférico. Por mais essa razão, a participação dos operadores e usuários do programa se torna indispensável. No entanto, para que essa participação seja rica e fértil, é necessário que o avaliador disponibilize informações, análises e novos interlocutores que ampliem o debate reflexivo de todos os envolvidos no processo avaliativo. Nessa direção, a avaliação participativa não dispensa o uso de instrumentos tradicionais como definição de indicadores, aplicação de questionários, realização de entrevistas, reuniões focais, observação participante, entre outros. Ao mesmo tem- po, ela estimula o conhecimento de programas similares e/ou complementares, criando para os envolvidos oportunidades de novos processos de troca de informações e reflexão. A avaliação assim conduzida desencadeia um processo de aprendizagem social, seu segundo objetivo central, pois, em realidade, ela socializa os dados e acrescenta novas informações e conhecimentos, que estão na maioria das vezes depar- tamentalizados e segmentados nas diversas equipes de trabalho e nos beneficiários. Essas informações e conhecimentos, postos 85 AVALIAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS em comum, permitem a apreensão do programa na sua totali- dade, a apropriação do saber fazer social. Isso resulta, finalmente, na democratização do conhecimento e na transparência da ação pública. Assim, os envolvidos reconhecem e apropriam-se da diversidade de apreensões e dos novos conhecimentos gestados pelo programa. A avaliação participativa, assim concebida, requer compe- tências adicionais do avaliador, como, por exemplo, a capacida- de empática de envolver os implicados no programa. Não dispensa as competências específicas de uma investigação avaliativa, mas adiciona igualmente habilidades de mediação e de irrigação do processo, partilhado através de informações, questionamentos e clarificações. Novamente aqui é importante sinalizar que a avaliação participativa é um tipo de avaliação nem sempre adequada e suficiente para avaliar programas. Em alguns casos, deve ser complementada por outras estratégias avaliativas. A missão da avaliação no campo social é, portanto, a de realimentar ações, buscando aferir os resultados e os impactos na alteração da qualidade de vida da população beneficiária, ou, ainda mais precisamente, a de repensar as opções políticas e programáticas. Intenção da avaliação participativa A avaliação, quando envolve no seu fazer os gestores, implementadores e beneficiários do programa, tem sem dúvida uma apropriação mais rica e, conseqüentemente, melhora sua eficiência e eficácia. Quando não há esse envolvimento, perdem- se informações relevantes para aferir a efetividade da ação. E perde-se especialmente a legitimidade do programa em relação ao conjunto dos envolvidos. É preciso apreender os processos e dinâmicas da ação como ponte/fluxo através do qual os objetivos se transformam em resultados. Não é possível avaliar, de forma isolada, os objeti- vos, as estratégias e os resultados dos programas. Esses elementos só podem ser apreendidos na sua articulação, portanto inseri- dos num dado processo e dinâmica de ação, contextualizados num espaço e tempo determinados. É preciso desmontar a idéia, ainda persistente, de que a avaliação tem serventia apenas para a demonstração do rendi- 86 AVALIAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS mento pretendido num programa. A avaliação no campo social deve estar atenta para apreender os impactos. Isso requer, portanto, situar o programa em relação ao contexto em que ele se gesta, ao grau de legitimidade alcançado na instituição e na comunidade e ao grau de adesão ou resistência dos agentes que o movem, produzindo esta ou aquela dinâmica. A pauta de intenções e expectativas postas sob avaliação torna-a bem mais complexa quando se observa a rede multi- facetada, setorizada e mesmo segmentada de organizações não- governamentais e governamentais que protagonizam projetos no campo social. Assim, devem-se buscar, com coerência e rigor metodológico, os fatores significativos intervenientes na tomada de decisões e formatação do projeto, as demandas e argumentos que o sustentam, o meio institucional e social em que se situa, os insumos disponíveis para sua consecução e a ação dos diferentes grupos e beneficiários envolvidos no programa. 1 A presente edição deste texto foi revisada em conjunto com Maria Luiza Mestriner (Doutora em Serviço Social pela PUC-SP) e Denise Neri Blanes (Mestre em Serviço Social pela PUC-SP). 2 O Estado de S. Paulo, 19 mar. 2000. Caderno A, p. 15. 3 Ricardo Paes de Barros – IPEA. O Estado de S. Paulo, 6 out. 1999. 4 Morelli, apud Magalhães, A invenção social da velhice, p. 81. 5 Kliksberg, O desafio da exclusão social..., p. 29. 6 O Estado de S. Paulo, 2 fev. 2001. Caderno A, p. 1. 7 Folha de S. Paulo, 2 fev. 2001. Caderno B, p. 12. 8 O Estado de S. Paulo, 8 ago.1999. Caderno A, p. 23. 9 Cohen & Franco, Avaliação de projetos sociais. 10 Fala de Sonia Draibe em seminário realizado na PUC-SP em 1996. 11 Sulbrandt, A avaliação dos programas sociais..., p. 39. 12 O Estado de S. Paulo, 27 jun. 1998. Educação, Caderno A, p. 8. 13 Marta Arretche, Tendências no estudo sobre avaliação, p. 34. 14 id., ibid., p. 32 15 Sulbrandt, A avaliação dos programas sociais..., p. 378-379. 16 Albuquerque, Sistema de segmento de programas, p. 80. 17 Sulbrandt, A avaliação dos programas sociais..., p. 374. 18 Rebecca Raposo, Avaliação de ações sociais..., p. 84. NOTAS 87 AVALIAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS AVALIAÇÃO DE AÇÕES SOCIAIS UMA ABORDAGEM ESTRATÉGICA Rebecca Raposo Professora. Graduada em Sociologia pela George Wash- ington University. 90 GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS INTRODUÇÃO Otema avaliação pode ser abordado de diversas manei-ras e em relação a vários tipos de avaliação. Como foco,adotaremos, neste texto, uma abordagem estratégica e nos reportaremos à avaliação de projetos executivos, aqueles que envolvem ações de intervenção direta. Quando falamos de avaliação, nosso imaginário nos remete a diferentes situações e experiências, com diferentes significados. É por esse motivo que, inicialmente, vamos observar os aspectos culturais que impregnam nossas concepções de avaliação. Diz o Dicionário Aurélio: avaliar (...) Determinar a valia ou valor de (...) Apreciar ou estimar o merecimento de (...) Reconhecer a grandeza, a intensidade, a força de [grifos nossos]. Se avaliar é descobrir o valor, o mérito e/ou a força de alguma ação, por que será então que a maioria das instituições apresenta certa dificuldade em lidar com processos de avaliação? Cabe aqui dizer que essa dificuldade não é privilégio das organizações sociais – as demais instituições, com ou sem fins lucrativos, revelam dificuldades em avaliar seu trabalho. A nosso ver, essa dificuldade reside no fato de que esses processos ainda trazem a intenção de monitorar os erros, os desvios. O resultado desse tipo de avaliação é que, uma vez identificado o erro, a ação que segue é a punição do culpado. Nesse contexto, os instrumentos de avaliação monitoram o erro como um desvio do percurso de aprendizagem, e não como parte integrante desse percurso, como um fato, uma fonte de informação. Assim, as palavras avaliação, prova, teste, entre outras, estão associadas a sentimentos de medo, fracasso, equívoco, punição, reprova- ção. Esse é o paradigma da avaliação fiscalizatória, aquela que, de longe, externamente ao processo, centra a maior parte dos esforços na busca dos desvios. É necessário desmistificar. Vários processos, inclusive algu- mas das mais modernas técnicas de gestão, estão incorporando o erro, o desvio, como parte integrante do processo de criação e de produção. É preciso operacionalizar a frase, já quase banal, de que “o importante não é não errar, é aprender com o erro”. Essa forma de compreender o erro como uma fonte valiosa de informação precisa ser introduzida na prática, no cotidiano das 91 AVALIAÇÃO DE AÇÕES SOCIAIS GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS instituições. É necessário que a avaliação seja mais uma das ati- vidades na rotina de gestão das instituições e, em particular, dos programas sociais. Nesse novo paradigma, a avaliação é um investimento e não um custo; é uma atividade de rotina intrínseca ao projeto e não um momento isolado ou externo ao processo; é uma fonte per- manente de informação e de constante atualização da prática e não uma identificação do erro e do culpado, sendo operacionalizada sempre de forma participativa, envolvendo to- dos os grupos interessados – gestores, executores, usuários (cli- entela atendida, direta e indiretamente), financiadores (e avalia- dores externos, quando cabível). Quando um processo de ava- liação procura identificar: • os pontos em que determinada ação teve sucesso em rela- ção àqueles em que as expectativas não foram atendidas, • os fatores que contribuíram para esses pontos positivos e negativos, • a que partes do processo adotado para o desenvolvimento e implantação do projeto podem ser atribuídos esses pontos (diferentemente de atribuí-los a pessoas), e procede de maneira participativa, como já mencionado ante- riormente, o resultado é a construção de conhecimento de utili- dade não só para aquela comunidade ou instituição, mas tam- bém para toda a coletividade: aqueles que fazem, aqueles que usam e aqueles que financiam os serviços. Se a avaliação tem o sentido de produzir conhecimento apropriável pela comunidade, não é possível discutir avaliação sem contextualização. A avaliação não tem sentido ou valor se estiver desconectada do cenário original que produziu o proje- to, que provocou a ação, tampouco pode ser considerada sem contemplar os fatores que geram a demanda por avaliação. Ou seja, a avaliação deve responder a necessidades de conhecimen- to geradas pelos envolvidos no projeto. No contexto atual do terceiro setor, a demanda por serviços sociais tem sido acompanhada por uma crescente tendência de participação da sociedade civil, seja através do envolvimento direto na prestação desses serviços (voluntariado), da contri- buição financeira para sua implantação ou manutenção ou até mesmo de ações de fiscalização da qualidade desses serviços. O envolvimento desses diferentes atores – agências de financia- 92 AVALIAÇÃO DE AÇÕES SOCIAIS GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS esse envolvimento seja possível, é necessário que o sistema con- te com instrumentos de aferição simplificados e de conheci- mento de todos os envolvidos. Outra característica fundamental é que haja sistematização dos processos de levantamento das informações. Para que o acompanhamento e a avaliação não sejam sobrepujados pelas demais atividades da rotina de execução, implantação e desen- volvimento do projeto é necessário que sejam entendidos como atividades de rotina e integrem o conjunto de tarefas do projeto ou programa, inclusive com previsão de recursos humanos e financeiros para sua execução. Essa sistematização prevê o esta- belecimento de prazos, instrumentos e custos. Considerando o cronograma de execução do projeto, bem como os objetivos pactuados com os diversos atores – financiadores, colaborado- res, doadores, voluntários, parceiros técnicos –, é necessário de- finir, previamente ao processo de implantação, a freqüência com a qual os instrumentos de acompanhamento serão aplicados – se a cada mês ou a cada bimestre, por exemplo – e as ações que comporão o conjunto de instrumentos – reuniões com toda a equipe ou reuniões apenas com a coordenação, relatórios, den- tre outras ações. Se o principal objetivo do acompanhamento é assegurar que a implantação do projeto guarde fidelidade aos objetivos determinados, é necessário definir também parâmetros que aju- dem a sinalizar como está evoluindo o projeto em relação às suas metas e objetivos. Esses parâmetros, chamados indicado- res, devem ser definidos por ocasião do desenvolvimento do projeto, ou seja, antes da implantação. Definição de indicadores Indicador é um fator ou um conjunto de fatores que sinali- za ou demonstra a evolução, o avanço, o desenvolvimento rumo aos objetivos e às metas do projeto. A maioria dos gestores de programas sociais está em busca de indicadores ou fontes biblio- gráficas que possam listá-los. Ocorre que, no caso de projetos sociais com intervenção local, pontual, a definição de indicadores é uma tarefa quase artesanal, no sentido de que deve ser feita “sob medida” para cada projeto. A diversidade das ações sociais, bem como os diferentes cenários e conjunturas onde ocorrem, torna inconveniente, quando não injusta para com as diferenças sociais, 95 AVALIAÇÃO DE AÇÕES SOCIAIS GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS a definição de um conjunto de indicadores-padrão. A identifi- cação de indicadores para a avaliação de um projeto pode ser feita pela própria equipe, que, por ter elaborado a proposta, desenvolvido a idéia, definido os objetivos, além de conhecer bem a clientela e a área de intervenção, está bem qualificada para essa tarefa. Como já destacamos anteriormente, esse é mais um dos motivos pelos quais o sistema de acompanhamento e avalia- ção deve ser participativo: quanto mais profissionais estiverem envolvidos no processo, tanto maior será o grau de precisão dos indicadores. Contudo, principalmente se houver alguma dúvida ou dificuldade, contribuições importantes podem ser obtidas em consultorias ou núcleos de extensão universitária, ou ainda a partir de outros projetos com experiência acumulada nessa área. Nossa maior dificuldade em definir indicadores está na bai- xa precisão e clareza dos nossos objetivos, freqüentemente am- plos demais e além do escopo e competência institucional de que dispomos. Há um instrumental, no entanto, que pode ofe- recer uma clareza maior por ocasião da definição dos objetivos e dos indicadores que devemos utilizar. A IAF (Inter-American Foundation), uma agência de financiamento vinculada ao go- verno americano, desenvolveu um modelo que permite uma melhor visualização dos possíveis impactos dos projetos e, por- tanto, das diferentes formas de medi-los e avaliá-los. Ao permi- tir essa visualização, esse modelo facilita uma definição mais clara quanto ao escopo de nossa ação e, conseqüentemente, fa- vorece a definição dos indicadores. A figura seguinte, do cone invertido, permite compreender como a ação de um projeto pode ter o foco localizado, pontual, e, dependendo de uma série de variáveis (como, por exemplo, o grau de organização e amadurecimento institucional da organi- zação executora), ter seu impacto ampliado e, em alguns casos, atingir o plano das políticas públicas. A divisão do cone ao meio separa o impacto tangível – mais facilmente mensurável – do intangível, mensurável por instru- mentos mais complexos, como os de observação, e mais facil- mente contamináveis pelas variáveis subjetivas. O modelo do cone contribui para melhor dimensionar a potencialidade do impacto de um determinado projeto, fazen- do com que tanto financiadores como executores possam ter as 96 AVALIAÇÃO DE AÇÕES SOCIAIS GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS O impacto dos projetos sociais. Fonte: Revista da Fundação Interamericana, v. 17, n. 1, 1993. mesmas expectativas e, a partir desse consenso, reduzir os de- sentendimentos às vezes freqüentes nas relações entre financia- do e financiador, no que se refere à avaliação do resultado. Diante da figura do cone, a equipe gestora do projeto deve- rá responder às seguintes perguntas: • O que queremos medir? Remeter-se sempre aos objetivos específicos do projeto, se- parando os aspectos tangíveis dos intangíveis. • O que os meus parceiros querem medir? Identificar as diferenças entre as expectativas dos financia- dores (agências, doadores individuais e demais envolvidos no projeto) e as do executor. Em geral, a agência analisa o impacto, buscando mudanças conjunturais que foram provocadas pela proposta financiada (produto, resultado), enquanto o executor avalia o impacto de sua ação confron- tando sua estrutura institucional com os recursos dispo- níveis (processo). 97 AVALIAÇÃO DE AÇÕES SOCIAIS
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