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Apostila de Portugues Correto 3 - Sintaxe, Notas de estudo de Literatura

Apostila de Portugues Correto 3 - Sintaxe

Tipologia: Notas de estudo

2013

Compartilhado em 27/12/2013

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Baixe Apostila de Portugues Correto 3 - Sintaxe e outras Notas de estudo em PDF para Literatura, somente na Docsity! APOSTILA DE PORTUGUÊS CORRETO Sintaxe Índice/Sumário. 1. Funções sintáticas Quando você divide uma frase em suas partes constitutivas (ou sintagmas) e dá um nome a cada uma dessas partes, está fazendo aquilo que chamamos de análise sintática. Exceto por algumas estruturas mais raras ou mais complexas, é muito fácil fazer a análise de uma frase: depois que isolamos o verbo, as demais partes são facilmente reconhecíveis: o sujeito, o objeto direto, o objeto indireto, o predicativo, o adjunto adverbial, o aposto, o vocativo e o agente da passiva. Estas são as oito funções sintáticas reconhecidas pela gramática: 1 – Um atleta brasileiro venceu a prova de salto tríplice. (sujeito) 2 – A TV francesa entrevistou um atleta brasileiro. (obj. direto) 3 – O documentário trata de um atleta brasileiro. (obj. indireto) 4 – O principal astro do documentário é um atleta brasileiro. (predicativo) 5 – Ela sempre viajava com um atleta brasileiro. (adj. adverbial) 6 – A chama olímpica foi acesa por um atleta brasileiro. (agente da passiva) 7 – A testemunha-chave era Antônio, um atleta brasileiro. (aposto) 8 – Você, atleta brasileiro, conhece muito bem nossas dificuldades! (vocativo) No entanto, nossa Nomenclatura Gramatical (conhecida como NGB), que definiu, em 1958, a terminologia gramatical adotada por todos os livros didáticos do país, cometeu o terrível equívoco de incluir o adjunto adnominal e o complemento nominal nessa relação, o que veio complicar desnecessariamente o sistema. Na verdade, eles não são partes da frase, como as outras oito que relacionei acima, mas partes das partes da frase, isto é, aparecem dentro dos sintagmas – dentro do sujeito, do objeto, do predicativo, do aposto, etc., como explico em alguns dos tópicos que você vai ler mais abaixo. Numa frase como “Um atleta brasileiro sente muita saudade de casa”, o elemento grifado é o objeto direto do verbo sentir – e pronto! Agora, se você olhar mais de perto este objeto, verá que o núcleo é saudade; muita é adjunto adnominal, como o são, aliás, todas as palavras que ficam à esquerda do substantivo; de casa é complemento nominal (saudade sempre será saudade de alguma coisa). A diferença entre o adjunto e o complemento vai ficar mais clara nos artigos que seguem, mas isso não importa, desde que você perceba que ambos são elementos internos ao sintagma. Incluí-los entre as oito funções básicas é a mesma aberração que um guia de viagens da América do Sul que destacasse, como atrações mais importantes, a Argentina, o Peru, Minas Gerais, Uruguai e Brasília – misturando, numa mesma classificação, países, estados e cidades. Nas páginas seguintes, discuto este problema e outros mais, principalmente os vários tipos de sujeito e sua influência nas questões de concordância verbal. classe não é função O Professor adverte: ninguém consegue fazer uma boa análise sintática se não distinguir entre classe e função. foi realmente abolida? Marcos C. M. – São Paulo (SP) Meu caro Marcos, acho esquisito esse termo que você emprega, “abolido”. Isso só se usa para uma lei ou regulamento que foi revogado – e jamais existiu uma norma para o sujeito oculto. Essa era apenas uma denominação antiga (bem antiga, aliás) que os gramáticos cunharam para os casos em que o sujeito não aparece expressamente na frase, mas é recuperado pela terminação do verbo (uma das grandes vantagens da nossa conjugação verbal sobre a do Inglês). Não se preocupe, que nada mudou na língua em si mesma, mas apenas no nome que usávamos para designar essas frases em que o sujeito não necessita estar explícito. Por isso, pode continuar criando frases como “Fui ao cinema, mas volto logo”; “Gosto de cachorro”; “Perdi o melhor da festa”; a única diferença é que não chamamos mais esse sujeito de oculto. No momento em que os professores e gramáticos se deram conta de que esse “oculto” era um nome no mínimo risível, já que todo mundo – até estudantes de 9 anos de idade – descobria o sujeito com facilidade, passaram então, com mais precisão, a chamá-lo de sujeito subentendido, depois de sujeito expresso pela desinência verbal, até chegar ao sujeito elíptico de hoje, a meu ver a denominação mais adequada, pois o processo linguístico que atua nesse caso é justamente a elipse. O que houve, portanto, não foi a eliminação do processo (o que seria impossível, mesmo que todos os gramáticos e linguistas se reunissem para fazer força juntos), mas o abandono de uma terminologia anacrônica. Só isso. O seu colega deve ter entendido mal o que disse o fantástico poliglota de 23 idiomas. Nomenclatura Gramatical Brasileira Por que todas as gramáticas de nosso idioma utilizam a mesma terminologia? Veja como isso aconteceu. Professor, a gramática de Evanildo Bechara faz diversas referências, nas notas de rodapé, à NGB – Nomenclatura Gramatical Brasileira. Ela não tinha sido revogada? Carlos E. S. – Curitiba (PR) Prezado Carlos, assim como os profissionais da área biomédica confiam na Nomina Anatomica, que é uma nomenclatura internacional da anatomia humana, assim os professores de Língua Portuguesa confiam na Nomenclatura Gramatical Brasileira (como o nome claramente indica, Portugal não tem nada a ver com ela). Antes dela, vivíamos numa verdadeira selva de terminologias; cada gramático de renome fazia questão de usar denominações próprias para as funções sintáticas, para as orações subordinadas, para as classes gramaticais, o que tornava quase impossível a homogeneidade no ensino gramatical. A partir da NGB, uma comissão formada por notáveis da época (entre eles, Antenor Nascentes, Rocha Lima e Celso Cunha) estabeleceu uma espécie de divisão esquemática dos conteúdos gramaticais, unificando e fixando, para uso escolar, a nomenclatura a ser usada pelos professores; em 1959, no governo JK, uma portaria recomendou sua adoção em todo o território nacional. Dessa data em diante, por exemplo, todos passaram a falar em objeto indireto, e não mais em “complemento terminativo” ou “complemento relativo”, ou quejandos; os adjetivos ficaram restritos aos qualificativos, enquanto os demais (demonstrativos, indefinidos, etc.) passaram a ser classificados como tipos de pronomes; o antigo condicional ganhou o duvidoso nome de futuro do pretérito; e assim por diante – o resto todo mundo sabe, porque todos aprendemos Português já dentro da NGB, usada até hoje. Ocorre que ela foi concebida com base nos conhecimentos de 1958 – quando ainda não funcionava regularmente, por exemplo, a cadeira de Linguística nos cursos de Letras. Os gramáticos da comissão, embora de renome, eram de formação tradicional e obviamente imprimiram nessa nomenclatura as suas concepções pessoais, muitas vezes limitadas. O resultado é conhecido por qualquer professor de Português: os livros mais sérios estão cheios de notas de rodapé, como você percebeu, meu caro leitor, contestando aqui e ali a NGB, que precisa urgentemente ser revisada e reformulada, não só para adequá-la aos avanços registrados nos estudos da língua, nesses últimos quarenta anos, como também para corrigir comezinhos erros de lógica, que tanto prejudicaram (e prejudicam ainda hoje!) o entendimento dos alunos. sujeito oracional Às vezes, o sujeito de uma oração é representado por outra oração. Caro Professor Moreno, gostaria que o senhor definisse para mim sujeito oracional. Eu tenho dúvidas sobre quando este sujeito surge. Muito obrigado pela atenção! André Luiz – Balneário Camboriú (SC) Prezado André, vou acrescentar à minha explicação alguns detalhes que você não perguntou. Você deve entender que as várias partes da frase ( sujeito, objeto direto, predicativo, etc.) podem ser representadas por uma oração subordinada substantiva. É exatamente por esse motivo que, entre as substantivas, temos uma objetiva direta, uma predicativa, uma subjetiva – nomes que revelam a que parte da frase elas correspondem. Em “Nós esperamos que você volte logo”, a oração principal é “Nós esperamos”. Ora, como esperar é um transitivo direto, onde está o objeto direto exigido por ele? Na oração seguinte – “que você volte logo” –, por isso mesmo classificada como subordinada substantiva objetiva direta. Poderíamos, se quiséssemos, dizer que temos aqui um objeto direto oracional – o que vem dar na mesma. Quando o sujeito da oração principal for a oração subordinada, estamos diante de uma substantiva subjetiva (eis o tal sujeito oracional!). Você deve reconhecer os dois tipos básicos: (1) as que são introduzidas pela conjunção integrante que: Era indispensável que eu voltasse cedo. Convém que todos fiquem sentados. É estranho que o cão esteja latindo. Aqui a oração grifada exerce a função de sujeito (oracional) da oração principal, a qual vai ficar, convenientemente, com o verbo na 3ª do singular. Como ensinava a minha saudosa professora da 5ª série, “o que era indispensável”? Que eu voltasse cedo. “O que é que convém?” Que todos fiquem sentados. (2) as reduzidas de infinitivo: Estudar é importante. Ficarmos aqui pode trazer sérias consequências. Descobrir o verdadeiro assassino era uma tarefa para Sherlock Holmes. Aqui a oração grifada também é subjetiva, só que reduzida de infinitivo; “o que é importante”? Estudar. “O que pode trazer sérias consequências”? Ficarmos aqui. O que “era uma tarefa para Sherlock Holmes”? Descobrir o verdadeiro assassino. sujeito do Ouviram do Ipiranga É incrível como muitos cantam o Hino Nacional sem compreender sequer a primeira linha! Professor, posso dizer que o sujeito de “ Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heroico o brado retumbante” é indeterminado, porque o verbo está na 3a pessoa do plural? Marcelo Costa Meu caro Marcelo, aqui não se trata de sujeito indeterminado. O início de nosso hino é uma frase na ordem indireta; veja como ela fica na ordem direta: “As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heroico”. Logo, o sujeito é as margens plácidas do Ipiranga – e por isso o verbo está no plural (ouviram). A leitora Larcy, de São Paulo, fez a mesma pergunta que você; ao ser informada sobre qual é o sujeito, voltou a escrever, ainda com dúvida, pois em vários lugares na internet ela encontrou escrito às margens – como se fosse um adjunto adverbial, referindo-se, portanto, ao lugar onde foi proferido o tal brado. Ora, todos nós sabemos que não existe aquele acento de crase; infelizmente, a fonte que ela consultou não era de confiança e trazia um erro muito comum quando reproduzem a letra do Hino Nacional – exatamente porque as pessoas ficam em dúvida quanto à função desse termo. As margens não é adjunto adverbial, não; é sujeito, e por isso Osório Duque-Estrada o escreveu sem acento algum. adjunto adnominal x predicativo Você consegue enxergar dois significados diferentes na frase “Encontrei o cofre vazio”? Pois eles estão lá. Gostaria de um esclarecimento. Como saber a diferença entre o adjunto adnominal e o predicativo numa frase como, por exemplo, “Os alunos acharam a prova difícil”? Neste caso, difícil é o adjunto adnominal de prova ou é predicativo do objeto direto? Por favor, como explicar a diferença neste caso e em muitos outros? Bethânia S. – Salvador (BA) Prezada Bethânia, você não pode esquecer que o predicativo, sendo um sintagma independente (coisa que o adjunto não é...), pode ser deslocado: “Os alunos acharam difícil a prova”. Assim fica muito simples. É claro que nem sempre poderemos decidir com base apenas neste teste de deslocabilidade, porque há muitas frases em que a divisão sintática pode ser feita de duas maneiras diversas, o que vai obrigatoriamente gerar ambiguidade (o leitor pode entender a frase de duas maneiras). É o caso de “a veterinária encontrou o leão ferido”, que pode ser lida de duas formas. Na primeira, decompomos a frase assim: Pelo que se pode entender, a veterinária estava procurando um leão ferido e o encontrou. Aqui, ferido é apenas o adjunto adnominal de leão. Na segunda, decompomos a frase assim: Aqui, o objeto direto é apenas leão; ferido é um elemento independente, que funciona como predicativo, ou seja, a veterinária encontrou o leão e ele estava ferido. A primeira versão responde a uma pergunta do tipo “o que ela encontrou?” (o leão ferido que estava procurando); a segunda, “como é que estava o leão quando ela o encontrou?” (ferido). É um dos casos mais famosos de ambiguidade em nosso idioma, que já produziu pérolas como “ele deixou aquela prefeitura totalmente corrompida”, em que não sabemos se ele era um político honesto que renunciou em vista do grau de corrupção da prefeitura, ou se ele era um desses novos políticos que corrompem os partidos e os governos de que fazem parte. adjunto adnominal x complemento nominal Essa distinção, que parecia ser tão difícil quando eu estava na escola, é mais fácil do que parece. Caro Professor, necessito de sua ajuda. No período “A explicação desses assuntos será dada pelo funcionário”, o elemento desses assuntos é adjunto adnominal ou complemento nominal? Muito obrigado. Pedro Marcelo C. – Uberaba (MG) Meu caro Pedro, quando tivermos um elemento ligado a substantivo por meio de uma preposição – “a explicação desses assuntos” –, a distinção entre o adjunto adnominal e o complemento nominal é automática em três casos bem definidos: (1) Se o elemento preposicionado estiver ligado a um substantivo concreto, só pode ser adjunto (casa de pedra, lápis de Antônio, estante de livros). (2) Se estiver ligado a um adjetivo ou advérbio, só pode ser complemento (capaz de tudo, apto para o serviço, perto de casa). (3) Se estiver ligado a um substantivo abstrato por qualquer preposição que não seja DE, só pode ser complemento (obediência às leis, simpatia por crianças, insistência no detalhe). A única situação, portanto, em que se admite dúvida entre adjunto adnominal e complemento nominal é quando o elemento preposicionado estiver ligado a um substantivo abstrato por meio da preposição DE – exatamente como na frase que estamos examinando (a explicação + de + estes assuntos). Nesse caso – repito, que é o único em que se admite a dúvida entre o adjunto e o complemento –, temos de lembrar que explicação é um substantivo que nominaliza o verbo explicar. O princípio é simples: o que era sujeito do verbo passa a ser, nas nominalizações, adjunto adnominal, enquanto o que era objeto passa a ser complemento nominal. Podemos afirmar que a sequência “a construção do engenheiro” proveio da estrutura subjacente “o engenheiro construiu alguma coisa”; como o engenheiro era o sujeito da estrutura primitiva, agora ele é adjunto adnominal de construção. Já a sequência “a construção do edifício” proveio de “alguém construiu o edifício”; o edifício, que era o complemento do verbo construir, agora é complemento do substantivo construção. Da mesma forma, se o exemplo que você mandou fosse “a explicação do funcionário”, funcionário seria adjunto, porque ele é o sujeito da oração subjacente; no entanto, como é “a explicação desses assuntos”, é óbvio que desses assuntos é complemento nominal – já que, na oração subjacente, era complemento verbal. Ficou claro? complemento nominal? Diferentemente dos adjuntos adnominais, que só podem estar ligados a substantivos, os complementos nominais podem ligar-se também a adjetivos e a advérbios. Prezado Professor, tudo bem? Na frase “Virgínia, moradora na Rua das Acácias, foi assassinada quando saía de casa”, a expressão sublinhada é complemento nominal ou adjunto adnominal? Aprendi que os complementos nominais completam apenas o sentido de substantivos abstratos – o que não é o caso de moradora, que me parece ser um substantivo concreto. Fernando Bueno Prezado Fernando, houve aqui uma pequena confusão. Quando as gramáticas dizem que o complemento nominal completa apenas substantivos abstratos, elas estão informando, implicitamente, que ele não pode se ligar aos substantivos concretos. Isso apenas define o problema quanto aos substantivos. No entanto, o complemento vai mais adiante: pode ligar-se também a adjetivos (temente a Deus, obediente à lei, apto para o serviço) ou a advérbios (perto da minha casa). Na frase que você menciona, moradora é um adjetivo derivado do verbo morar, que exige um tipo de complemento que o prof. Luft chama de complemento adverbial (mora na floresta, vive no mundo da lua, etc.). Pela transformação clássica, os complementos verbais sempre se transformam em complementos nominais – o que nos autoriza a dizer que na Rua das Acácias é complemento, e não adjunto. Entendo por que você classificou moradora como substantivo: houve aqui aquela substantivação habitual que os adjetivos ligados a seres humanos podem sofrer. Por exemplo, o adjetivo bebedor em “Fulano de tal, bebedor de cerveja” pode aparecer substantivado em “os bebedores de cerveja fazem muito barulho”, mas isso não altera o fato de que de cerveja é um complemento nominal de bebedor. Foi o que ocorreu nesta frase que estamos analisando. Finalmente, em “Virgínia, moradora na Rua das Acácias”, quero chamar sua atenção para um detalhe valioso que não posso deixar de mencionar: a presença da preposição em. Nunca esqueça, amigo: a hesitação entre adjunto adnominal e complemento nominal só existe quando tivermos um sintagma preposicionado com a preposição de, e só com ela; quando você enxergar qualquer outra preposição que não seja esta, pode ter certeza de que está diante de um complemento. complemento adverbial? Prezado Francisco, esse é apenas o nome moderno do velho sujeito oculto. Na frase “Cheguei tarde”, o sujeito é eu, elíptico, isto é, está em elipse. Isso significa que foi suprimido da frase, mas pode ser facilmente recuperado por quem vier a lê-la. sujeito indeterminado Um leitor anônimo quer saber se o sujeito da frase “Chegaram cansados da viagem” é oculto ou indeterminado. Meu caro Anônimo, quando o verbo está na 3a do plural, é necessário examinar o contexto em que a frase se insere. Se houver referência anterior a seres determinados, dizemos que o sujeito é elíptico (não se usa mais a denominação oculto há trinta anos...): “Ontem surpreendi dois garotos brincando no meu jardim. Deixaram a torneira aberta” – o sujeito é eles, elíptico. Se, no entanto, estivermos apenas falando de um fato ocorrido, sem qualquer referência específica a um sujeito anterior, dizemos que o sujeito é indeterminado: “Deixaram a torneira aberta, e a água inundou a garagem”. sujeito oculto ou simples? Gabriel M., leitor de Juiz de Fora (MG), aprendeu no cursinho que a denominação sujeito oculto não é mais utilizada e que tudo que antigamente era classificado como tal atualmente passa a ser sujeito simples – com o que não concorda a professora de sua escola. Afinal, qual é a informação correta? Caro Gabriel, pelo que vejo, você está dividido entre duas opiniões igualmente equivocadas (ou, quem sabe, a confusão foi sua, mesmo?): o sujeito pode ser simples ou composto – e ponto! Simples, se tem um só núcleo, e composto, se tem mais de um (exigindo, naturalmente, o verbo no plural). Agora, quanto à sua manifestação concreta, ele pode estar expresso (aparece escrito na frase) ou elíptico (este é o que antigamente se denominava de oculto ou expresso pela terminação verbal). Na frase “Chegamos tarde à festa”, o sujeito é simples (“nós”) e está elíptico. Minha avó diria que ele está oculto. eram seis galinhas Silvana, de Ji-Paraná (RO), gostaria de saber qual é o sujeito em “Eram seis galinhas” e como classificá-lo. Minha cara Silvana, o sujeito é seis galinhas. Basta ver como o número do verbo (singular ou plural) varia de Era uma galinha para eram seis galinhas. Em frases como essa, o verbo ser é intransitivo, e não verbo de ligação. objetos diretos preposicionados Felipe L., João Pessoa (PB), pergunta: “Em Comi do pão e bebi do vinho, temos um caso clássico de objeto direto preposicionado; como distinguir entre casos assim e simples erros de regência?”. Prezado Felipe, os objetos diretos preposicionados são pouco ou quase nada usados, até por sua própria estranheza: puxar da espada, pegar da pena, etc. A escola tende a exagerar sua importância, transformando-o numa espécie de bicho-papão para assombrar os alunos, que ficam inseguros ao saber que os limites entre os objetos diretos e indiretos não são tão precisos como eles imaginavam. Os dois exemplos que você deu são correspondentes a um antigo caso partitivo, que o Português teria conhecido na sua origem e que o Francês até hoje utiliza (manger du pain, boire du vin). Você pode ver que ele não pode ser usado se, em vez de uma parte, o verbo indicar a totalidade: se eu disser que ele comeu o pão e bebeu o vinho, não sobrou nadinha. 2. Sintaxe dos pronomes pessoais Você provavelmente deve lembrar que os pronomes pessoais do Português se dividem em retos e oblíquos; se você teve um bom professor, vai lembrar também que os retos servem para representar o sujeito, e os oblíquos servem para representar os objetos – mas duvido que você conheça a razão de usarmos aqui esses dois adjetivos, “retos” e “oblíquos”, muito mais familiares à Geometria que à Gramática. Para entender essa denominação, precisamos voltar um pouco na História, remontando ao Latim, a língua-mãe do Português. Quem teve contato com esse idioma deve, com toda a certeza, guardar alguma lembrança das terminações que indicam os casos, um de seus traços mais característicos (e assustadores, para os alunos): enquanto o substantivo de nossa língua ostenta, no final, marcas que especificam o gênero e o número (aluno, aluna, alunos, alunas), o substantivo latino traz marcas que identificam a função sintática que ele está desempenhando numa determinada frase. Simplificando – só para fins de explicação; não me venha algum boi-corneta acusar de estar maltratando o Latim – simplificando, repito, digamos que o Português tivesse a forma cantor para sujeito ou vocativo, cantorum para objeto direto, cantori para objeto indireto e cantoro para adjunto adverbial. Ora, estando as funções sintáticas identificadas por essas terminações, a ordem em que as palavras se sucedem não vai interferir na compreensão do conteúdo. Seguindo o nosso exemplo: se eu usar cantorum no início ou no fim, antes ou depois do verbo, meu leitor saberá que este vocábulo, naquela frase, é um objeto direto. O mesmo não ocorre no Português – como, aliás, na maioria das línguas modernas. Nossa frase segue o padrão S–V–O (Sujeito-Verbo-Objeto), enquanto o Latim, devido às terminações de casos, admite qualquer combinação possível (S-O-V, O-S-V, V-S-O, V-O-S). Para avaliar o que isso significa na prática, tomemos, como exemplo, a frase “O professor contratou o cantor”. No Português, qualquer alteração na ordem dos elementos (“O professor o cantor contratou”, “Contratou o professor o cantor”, etc.) vai gerar ambiguidades, sendo necessário, para manter o sentido original, o emprego daquela preposição “postiça” que todos nós conhecemos: “Ao cantor o professor contratou”, “Contratou o professor ao cantor”. No Latim, no entanto, supondo que a frase fosse “O professor contratou o cantorum” (lembro, mais uma vez, que estamos usando um Latim de mentirinha, para tornar mais clara a explicação), a ordem não faria diferença para o leitor: tanto em “O cantorum o professor contratou”, ou em “Contratou o professor o cantorum”, ou até mesmo em “O cantorum contratou o professor”, saberíamos que o sujeito da frase é o professor e que o objeto direto é o cantorum. Em outras palavras, a sintaxe da frase transparece na morfologia das palavras. Foi isso, sem dúvida, que permitiu que os escritores latinos, principalmente na poesia, alterassem a ordem da frase a seu bel-prazer, a fim de alcançar os efeitos sonoros (métrica, cadência, etc.) pretendidos. Essa é a maior dificuldade para quem lê Os Lusíadas, do nosso Camões. Como esta é uma epopeia renascentista, baseada, como tantas outras da mesma época, no modelo épico de Roma – mais precisamente, A Eneida, de Virgílio –, o autor submeteu a sintaxe do Português às inversões que eram corriqueiras no Latim, o que tornou seu texto praticamente Professor Moreno, fiquei espantado com a sua afirmação de que nós, no Brasil, sempre preferiríamos usar o pronome oblíquo antes do verbo. Na verdade, fiquei mesmo é confuso, pois eu tinha aprendido que a posição normal dos pronomes oblíquos átonos é depois do verbo (ênclise); a próclise só seria usada quando justificada por vários (o senhor bem os conhece) motivos. Além disso, também sabia que não existe língua brasileira; na verdade, a “nossa” língua é apenas uma variação da língua portuguesa, sem no entanto haver diferenças nas regras. E agora? Paulo César – Fortaleza (CE) Meu caro Paulo César, confusas estão as nossas pobres gramáticas, que, com honrosas exceções, reproduzem ingenuamente as regras de colocação usadas em Portugal. Você tem razão em dizer que todos os países lusófonos utilizam o Português, mas temos de distinguir, para fins de estudo sério, o PE (Português Europeu), o PB (Português Brasileiro) e o PA (Português Africano) – da mesma forma que se faz com o Inglês (britânico, americano, australiano, etc.). A colocação do pronome oblíquo átono é uma das claras diferenças entre Brasil e Portugal: enquanto os portugueses vivem usando a ênclise (para eles, os casos de próclise precisam ser motivados objetivamente), os brasileiros só usam a próclise, até mesmo no início da frase – o que exige aquela regrinha indispensável para quem ensina escrita culta: “não se inicia frase com pronome oblíquo” – isso para nós, é claro, simples mortais, porque os escritores já o fazem desde a Semana de Arte Moderna de 22. Você jamais vai ouvir (e a fala precede a escrita, não se esqueça...) um brasileiro correr atrás de sua amada dizendo “Espera-me! Ouve-me! Amo-te!”. Essa diferença entre nós e nossos irmãos lusitanos, neste caso específico, é devida exclusivamente à realização fonológica do pronome; em Portugal, diferentemente daqui, a vogal final se reduz tanto que o pronome praticamente se limita à consoante. O te de devo-te é realizado como um /t’/ – o que nos permite entender por que a preferência lusa recai em /devot’/, e não, como no Brasil, /tidevo/. Exatamente por essa diferença prosódica, nós, brasileiros, preferimos a próclise em qualquer situação; só não a utilizamos no início da frase porque há uma regra que o proíbe expressamente (regra que não é observada na fala, em que só se ouve ”te vi, me encontra, nos viram, me pegaram”)*. Se você for, como parece, um interessado em gramáticas, vai ver que elas apresentam uma fantástica teoria para os casos de próclise, detalhando “regras” e mais “regras” para o seu emprego. Havia alguns birutas que falavam até na “atração” que algumas palavras exerceriam sobre os pronomes! Eu próprio, pequenino, lembro de perguntar à professora se tal palavra atraía ou não o pronome, e ela respondia que sim ou que não, compenetrada, honestamente acreditando naquela baboseira! Ora, se você somar todos os “casos que exigem próclise”, como se diz por aí (em frase negativa, em frase interrogativa, em orações subordinadas, com o sujeito expresso, etc., etc.), vai ver que não sobra nada – exceto aquela já referida estrutura em que a frase inicia pelo verbo – ”devo-te”, “espera-me”. E, ainda assim, insistem em afirmar que a posição normal do pronome é a ênclise? Dá para enxergar o equívoco? Eles não perceberam que trocamos de hemisfério e que, consequentemente, certas verdades precisam ser adaptadas. A água que escoa no ralo da banheira, em Portugal, gira para a esquerda; a nossa, gira no sentido do relógio. Um livro de Física, para ser utilizado aqui e lá, precisaria fazer essa indispensável adaptação. Uma gramática também. * Aqui, em notinha reservada: é daí que vem o mifo, sifo, nusfo (que pronunciamos /mífu/, /sífu/, /núsfu/ e que todos sabemos muito bem o que querem dizer...). mesóclise? O Professor explica como se formou o futuro no Português e por que a famigerada mesóclise não passa de uma ilusão de óptica. Prezado Professor, estou estudando para um concurso muito importante na minha carreira e empaquei no problema da mesóclise. Eu tinha aprendido que sempre se usa mesóclise com o futuro, mas não me parece mal escrever “Amanhã lhe devolverei o documento”. Pode ser assim mesmo, ou “Amanhã devolver-lhe-ei o documento” fica melhor? Marcelino D. – São Paulo (SP) Meu caro Marcelino, esta é uma pergunta que não pode ser respondida de bate-pronto; a colocação dos pronomes, que deveria ser simples e instintiva, foi prejudicada por uma série de mal-entendidos que fizeram carreira por aí e que preciso desfazer antes de começar minha explicação. Os pronomes oblíquos átonos – me, te, o, se, lhe, nos, etc. – não são vocábulos independentes. Eles só podem ser usados junto ao verbo (ou imediatamente antes, ou imediatamente depois). Se ele estiver antes, dizemos que está em próclise; se estiver depois, dizemos que está em ênclise. Um grande problema para quem escreve é decidir corretamente quando usar a próclise ou quando usar a ênclise (vamos deixar a mesóclise para depois). Quando falamos, eu e você colocamos com naturalidade o pronome na frase. Quando escrevemos, contudo, devemos obedecer a certas regras tradicionais que contrariam, muitas vezes, nossa fala espontânea. Este é o caso, principalmente, do emprego de pronome no início de frase: apesar de ser esta uma posição normal no Português do Brasil, é ainda condenada pelos gramáticos tradicionais, que tomam por base antigos preceitos dos autores portugueses. Mário de Andrade usa, Drummond usa, Paulo Francis usa, Vinícius usa – mas se você quiser usar, meu caro Marcelino, é bom avaliar bem o contexto e o ambiente. Em provas de concurso, em documentos jurídicos, etc., evite, para não criar polêmica. Para ser feliz, siga o princípio de ouro: use a próclise sempre; você só vai usar a ênclise quando a frase começar pelo verbo. Neste caso, não haveria outra escolha, pois você não pode iniciar a frase pelo pronome: “Entrega-me a pistola”, “Devo-lhe a vida”, e não “*Me entrega a pistola”, “*Lhe devo a vida”. Não esqueci, Marcelino, que sua pergunta foi sobre a mesóclise, e a ela vamos dedicar nossa atenção, agora que ficou mais claro o uso da próclise e da ênclise. Como você mesmo afirmou, a ocorrência deste fenômeno estaria ligada ao futuro do presente – e já vamos ver por quê. Estudos atualizados mostram que este tempo funciona, na verdade, como uma locução verbal disfarçada. Como herança do Latim tardio, que substituiu a forma única do futuro por uma locução (amare habeo), nosso futuro, que à primeira vista parece ser uma forma una, na verdade é uma locução invertida, com o auxiliar haver deslocado para a direita: eu hei de comprar > comprar hei tu hás de comprar > comprar hás ele há de comprar > comprar há Como nosso sistema ortográfico não admite o “H” interno, vamos suprimi-lo e pimba! Lá estão nossos conhecidos comprarei, comprarás, comprará! O que parecia ser uma forma verbal simples é, na verdade, uma forma composta (comprar+ei, comprar+ás, comprar+á). Desse modo, uma forma como compraremos deve ser encarada como um vocábulo composto, do tipo de girassol, passatempo, etc.; a partir de agora, sempre que você vir um verbo no futuro, poderá enxergar os dois verbos que ali estão combinados. Na frase nós o encontraremos amanhã, o pronome O está na posição normal, que é, como vimos, a próclise. Se retirássemos o nós da frase, contudo, ele já não mais poderia ficar ali, porque estaríamos rompendo o princípio básico: não se inicia frase com pronome oblíquo – o que nos leva à outra opção possível, que é a ênclise. No entanto, acabamos de ver que encontraremos é um conjunto de verbos: encontrar+(h)emos. Para colocar o pronome em ênclise, vamos ter de executar alguns passos ordenados: 1º passo – afastar o verbo auxiliar: encontrar [emos]; 2º passo – colocar o pronome em ênclise ao encontrar: encontrá-lo; 3º passo – recolocar o verbo auxiliar: encontrá-lo-emos. Neste momento, ao ver uma forma como encontrá-lo-emos, os nativos costumam se jogar de joelhos ao chão, exclamando, com respeito quase sagrado: “Mesóclise, mesóclise!”. Não é, não, como você agora sabe: é apenas a ênclise ao futuro. Como a gramática tradicional acreditava que o pronome, neste caso, estava no meio do verbo (na verdade, ele está entre dois verbos), batizou o fenômeno de mesóclise (onde meso = meio). Na frase que você menciona, “Amanhã lhe devolverei o documento”, o pronome está corretamente colocado em próclise, como deve ser em qualquer frase normal do Português Brasileiro. Se, no entanto, deslocarmos o advérbio amanhã para depois d e documento, a frase deveria ser reescrita, ficando “Devolver-lhe-ei o documento amanhã”. Antes estava em próclise ao verbo devolver; agora está em ênclise ao mesmo verbo devolver. Você pode continuar chamando isso de mesóclise, se quiser, mas agora sabe realmente do que se trata. pronome solto entre dois verbos As regras de colocação do pronome não passam de uma invenção reacionária de alguns gramáticos brasileiros. Quando faço parte de uma relação, está correto colocar o eu em primeiro lugar? “Eu, Fulano e Beltrano” ou “Fulano, Beltrano e Eu”? Prezado Professor, conversando com amigos, fiz a seguinte afirmação: “ Eu, Fulano e Beltrano comemoramos aniversário no mesmo dia”. Fui corrigido, com a afirmação de que deveria colocar o eu no final da oração (“Fulano, Beltrano e eu”). Existe uma ordem correta? F. Malaco – Santos (SP) Meu caro Malaco: aqui não existe certo ou errado. O que temos é uma convenção de educação (tipo aquela de deixar os mais velhos entrarem primeiro, ou a de oferecer o lugar no ônibus às damas): quando falamos de alguma coisa ruim, colocamos educadamente o eu antes do resto (“Eu, Fulano e Beltrano fomos considerados culpados pela invasão da Reitoria”); quando falamos de alguma coisa boa, é de bom-tom deixar o eu para o fim (“Fulano, Beltrano e eu fomos premiados no concurso”). São regras de urbanidade, não regras gramaticais, que vão ser seguidas por aqueles que quiserem ser polidos. O exemplo que você menciona é particularmente neutro (não é do bem, nem do mal); nesse caso, você pode usar como quiser, e não tinham razão aqueles que chamaram sua atenção. emprego do lhe Por que certos verbos não aceitam o pronome lhe como objeto indireto? O Professor explica que não são exceções. Caro Professor, minha dúvida é a respeito do uso do pronome oblíquo lhe com determinados verbos. Consultei várias gramáticas e todas afirmam que os verbos assistir, visar e aspirar, quando transitivos indiretos, não aceitam o pronome oblíquo lhe, mas sim os complementos a ele, a ela, a eles, a elas. Sinceramente não compreendo o motivo de tal regra, já que com a maioria dos verbos transitivos indiretos se usa normalmente o pronome lhe. Gostaria de esclarecimentos a esse respeito. Desde já, agradeço. Marcelo Esteves M. – São Paulo (SP) Meu caro Marcelo, acontece que você acaba de esbarrar em mais um daqueles recifes em que os gramáticos tradicionais costumam naufragar: eles apenas relacionam os fatos (o pronome lhe não pode ser usado com os verbos assistir, visar e aspirar – o que é verdade) sem explicar por que é assim. Essa deficiência dos gramáticos que se formaram antes dos anos 60 é a maior responsável pela opinião, infelizmente generalizada, de que o Português é uma língua complicada, “cheia de regrinhas”, “repleta de exceções”. Eles até hoje dominam o mundo editorial (principalmente dos livros didáticos), e o nosso pobre país sofre com isso. No entanto, a explicação é simplíssima: o lhe (representante do objeto indireto) não é um pronome de uso universal, como é o caso do seu parceiro o (representante do objeto direto). Ele tem uma importantíssima restrição de seleção: só pode ser usado com referência a pessoas (em linguagem mais técnica, diríamos “com substantivos humanos”) – da mesma forma que o pronome relativo quem. Se o antecedente destes dois pronomes não tiver o traço humano, seu emprego fica bloqueado. Ora, esses três verbos que você destacou (assistir, visar e aspirar) nunca têm objeto indireto de pessoa: eu aspiro ao cargo, aspiro à vaga, aspiro ao posto, mas não posso *aspirar a alguém – o que elimina, aqui, o uso do lhe. Nesses casos, o objeto indireto é representado pelo pronome oblíquo tônico (acompanhado de sua respectiva preposição): a ele, a ela, etc. Para deixar mais claro o que estou tentando explicar, peço-lhe que compare as seis frases abaixo: 1. Obedeço ao professor. 2. Obedeço a ele. 3. Obedeço-lhe. 4. Obedeço ao governo. 5. Obedeço a ele. *6. Obedeço-lhe. Pois a (2) e a (3) são frases sinônimas, e o falante pode decidir livremente se quer substituir o objeto indireto ao professor pelo oblíquo tônico (a ele) ou pelo átono (lhe). A frase (6), contudo, é considerada agramatical, embora pareça idêntica à (3): é que o objeto indireto, aqui, não é uma pessoa, e o falante só pode substituir ao governo por a ele. Como você pode ver, é o sistema do nosso idioma funcionando como um reloginho, e não um punhado de “casos especiais”, como nos fazem crer muitas vezes. o lhe é só para humanos? Nem sempre o lhe vai representar o objeto indireto; às vezes ele é um simples adjunto adnominal. Professor, li um artigo seu em que explica que o pronome lhe só pode ser usado para representar seres humanos. No entanto, em outro de seus textos, encontrei um trecho em que o senhor usa um lhe relacionado ao substantivo “língua” – que não me parece preencher aquele requisito. Gostaria que me dissesse se está certo. O trecho de que falo é o seguinte: “Por uma dessas regras obscuras do Universo, quanto pior uma pessoa fala a língua portuguesa, mais ferozmente se põe a criticá-la, a apontar-lhe defeitos e (atrevimento típico da ignorância) a sugerir profundas alterações que tornariam ‘melhor’ a língua de Vieira e de Machado...” Ramon – Paranaguá (PR) Meu caro Ramon, eu poderia dar uma de seboso e responder “se eu usei, é claro que deve estar certo”. Não faço isso porque já dei muita tropeçada ao escrever, como qualquer mortal. No entanto, desta vez eu acho que estou certo. Vejamos: O lhe como objeto indireto só pode ser usado para seres humanos – essa é uma verdade indiscutível. Acontece que você, com um olho clínico, foi pescar justamente um lhe diferente, bastante raro: trata-se daquele caso pouco conhecido em que o pronome oblíquo (me, te, lhe, nos) é usado como substituto de um pronome possessivo: “Bateram-me a carteira” = bateram minha carteira; “Beijo-lhe as mãos, senhora” = beijo suas mãos. Na minha frase, “...a língua portuguesa, mais ferozmente se põe a criticá-la, a apontar-lhe defeitos”, o verbo apontar é um transitivo direto, o que tornaria completamente esquisita a presença do lhe – não fosse ele apenas uma forma clássica de dizer “apontar seus defeitos”. Ao que parece, esta estrutura escapa da restrição que exige o traço +humano para o emprego do lhe – ao menos a frase passou pelo filtro do meu ouvido, que não registrou estranheza nenhuma, o que é significativo: como me ensinou meu mestre Luft, todos os falantes têm sua porção de intuição linguística, mas os professores de Português, pela própria atividade, têm essa intuição mais apurada que os demais (assim como um músico amigo meu se recusa a ouvir gravações em CD porque afirma que elas perdem uma parte dos graves e dos agudos – coisa que eu, é claro, jamais vou perceber). o ou lhe Veja o novo uso que vem sendo dado, pouco a pouco, ao famigerado pronome lhe. Doutor Moreno, sou professora de Alemão e estou com uma enorme dúvida na gramática portuguesa, com relação ao verbo conhecer. Quando eu converso com uma pessoa e quero dizer que a conheço, qual é a forma correta: “Eu lhe conheço” ou “Eu a conheço”? Existe uma variação do pronome em relação ao tratamento formal? Muito obrigada! I. Schwarz Minha cara I., a sua “enorme” dúvida é bem pequenina... O verbo conhecer é um transitivo direto, e, portanto, recebe o pronome oblíquo “o”: “Eu o conheço” (homem), “Eu a conheço” (mulher). É claro que estamos falando do registro culto, onde “o” representa especificamente objetos diretos, enquanto “lhe” representa objetos indiretos. No registro popular, no entanto, onde não existe essa consciência da sintaxe (e alguém lá vai saber o que é objeto direto ou indireto?), é natural que o uso desses pronomes tenha sofrido uma enorme alteração. Em primeiro lugar, o Português falado no Brasil simplesmente eliminou o pronome “o”, passando-se a usar “ele” como complemento de verbos transitivos diretos: “Eu vi Meu caro Jonas: eu fico com a forma antiga, mil vezes: “Fazei isso em minha memória”. Contudo, se foi alterado, posso imaginar por quê: minha memória, principalmente para pessoas de pouca instrução, é uma expressão ambígua, pois pode ser interpretada como “a memória que vocês terão de mim” (que é a intenção original), ou “a memória que eu tenho das coisas, na minha mente”. Usando o desajeitado memória de mim (construído no molde de medo de mim, respeito por mim, amor a mim), o texto ficou inegavelmente mais claro. Às vezes temos de sacrificar o estilo, Jonas, para garantir a eficácia da comunicação. É pena, mas é necessário. convidamos-lhes Pedro da Gama pergunta se a forma “Convidamos-lhes para o evento” está correta. Acrescenta: “Todos a quem perguntei me disseram que não, sugerindo Os convidamos, Convidamo-lhes e até Lhes convidamos. Qual delas eu uso?”. Caro Pedro, se é um convite formal, escrito dentro dos “conformes”, a forma correta seria convidamo-los – combinação formada por convidamos e pelo pronome os, usado encliticamente. Apesar do lhes soar muito melhor, o verbo convidar é transitivo direto e só pode ser completado pelo pronome o. A forma “O convidamos” não é aceitável no Português formal por trazer o pronome oblíquo no início da frase. ambiguidade no pronome oblíquo Nelma D., de Blumenau, considera que a frase “Matar o vigia do banco para assaltá-lo” dá margem a dupla interpretação. Seu professor, contudo, diz que a interpretação única é “matar o vigia para então assaltá-lo” (matar o vigia para subtrair-lhe os pertences – latrocínio). Quem está certo? Prezada Nelma, você é que está com a razão. Basta comparar estas três versões: (1) “Matar o vigia da loja para assaltá-la” (assaltar a loja), (2) “Matar o vigia da loja para assaltá-lo” (assaltar o vigia) e (3) “Matar o vigia do banco para assaltá-lo” (ambígua; o pronome pode referir-se tanto a vigia quanto a banco). casar, casar-se A leitora Natália, de São Paulo, quer saber se a forma correta é “Ela casou com o homem” ou “Ela se casou com o homem”. Acrescenta: “Procurei e encontrei as duas formas. É isso mesmo?”. Sim, minha cara Natália, são frases do mesmo tipo de “ele sentou na cadeira” e “ele se sentou na cadeira”. Sentar e casar são verbos que podem (ou não) ser usados pronominalmente, sem que esse pronome tenha função sintática (é chamado, por isso, de partícula expletiva). nesta Valene O. quer esclarecer uma dúvida que surgiu em sua empresa: quando escrevemos, no endereçamento de uma carta comercial, “À Empresa X. Nesta.”, a palavra nesta significa “nesta empresa” ou “nesta correspondência”? Prezada Valene, nesta, em correspondência, significa “Nesta Cidade”. Quando queremos nos referir a um âmbito mais limitado, temos de especificar: “Nesta Universidade”, “Nesta Administração”, etc. cabe a mim tomar Uma leitora com o apelido eletrônico de “veduchovny” diz que ficou angustiada ao ouvir seu professor dizer “Cabe a mim tomar uma atitude”. Ela pergunta: nesse caso, mim toma atitude ou não toma? Prezada Veduchovny, a frase “Cabe a mim tomar uma atitude” está correta. Note que ela poderia ser invertida: “Tomar uma atitude cabe a mim”, ou “A mim, cabe tomar uma atitude”. Isso demonstra que aquele pronome mim não é o sujeito do verbo tomar e não deve, por isso, ser substituído por eu. mo, lho Josiane, uma leitora de Girona, na Espanha, quer saber se podemos substituir, ao mesmo tempo, dois objetos por pronomes oblíquos, à semelhança do que é comum no Espanhol: “Ele deu o livro a Joana”, em castelhano, seria “Él se lo dio”. E no Brasil? “Ele lhe deu o livro”? Minha cara Josiane, o Português tinha uma forma de unir os dois pronomes oblíquos que os autores mais conservadores usaram na literatura até meados do século XX: “Eu entreguei o livro a João = eu lho entreguei”. “Deram-me a notícia = Deram-ma”. Hoje esse processo está morto, mas você pode encontrar referência a ele nas gramáticas. Sua frase “ele deu o livro a Joana” ficaria “e l e lho deu” (lhe, substituindo Joana + o, representando o livro); hoje, no entanto, só admitiríamos a forma que você mesma propôs: “Ele lhe deu o livro”, ou “Ele o deu a ela”. pronomes adjetivos e substantivos Ana Rosa C., de Taubaté (SP), pergunta por que somente os pronomes adjetivos, e não os pronomes substantivos, podem exercer a função de adjuntos adnominais. Prezada Ana Rosa, não é bem assim como você sugere. Os pronomes substantivos, por definição, são aqueles que ocupam a posição de núcleo do sintagma, enquanto os pronomes adjetivos ficam na posição periférica. Um bom lugar para verificar isso é na lista de pronomes demonstrativos: em “esta casa”, “aquela rua”, a posição dos pronomes adjetivos esta e aquela contrasta com a dos pronomes substantivos aquilo e isso em “estranhei aquilo”, “isso dói”. Nas frases citadas, esta e aquela são adjuntos adnominais, enquanto aquilo e isso são objeto direto e sujeito, respectivamente. No entanto, nada impede que aquilo e isso, por exemplo, venham a desempenhar a função de adjunto adnominal, como em “o cheiro daquilo”, “o preço disso”. Meu caro Marco, eu uso “não pise na grama”; alguns professores caturras insistem em dizer que o verbo pisar é transitivo direto, e o correto seria “não pise a grama” (nesse caso, seria sem acento de crase, Marco). Eles estão tentando apenas paralisar a língua na sua evolução. Há mais de cinquenta anos que o uso estabeleceu que também se pode pisar no tapete, na linha amarela, no chão de minha terra. Seria completamente lunático defender, como única forma aceitável, pisar o tapete, a linha amarela ou o chão de minha terra. Celso Pedro Luft, em seu Dicionário Prático de Regência Verbal (Ed. Ática), diz que é normal usar esse pisar em X em vez do primitivo pisar X, e já era prática comum em autores como Gregório de Matos, Camilo, Castilho, Machado (“por saber em que terreno pisa”), Vieira (“pisamos nessas sepulturas). Em expressões como pisar em ovos (“andar de mansinho, agir com cuidado”) ou pisar nos calos (“atingir o ponto sensível de alguém”), já nem conseguimos imaginar a construção sem a preposição. Como sempre acontece nesses casos, as duas regências (ambas estão corretas) entram em competição, e o tempo vai dizer qual das duas prevalecerá. Eu não tenho a menor dúvida de que a regência deste verbo está sendo trocada. preposições juntas Um leitor estranhou a combinação de duas preposições na frase “chutou por sobre o gol”; veja como isso não é tão raro assim. Caro Prof. Moreno, outro dia, enquanto assistia a um programa esportivo na televisão, ouvi o narrador dizer “ele chutou por sobre o gol”. Eu gostaria de uma explicação sobre essa expressão, que julgo estar incorreta. É permitido o uso de duas preposições juntas? O que fez aumentar minha dúvida foi o fato de ter encontrado o mesmo “por sobre” em alguns poemas de autores respeitáveis. Obrigado pela atenção. Rafael K. – Miranda (MS) Meu caro Rafael: não consigo alcançar o motivo por que essa combinação parece incorreta a você; será que alguém andou ensinando por aí que não podem existir duas preposições juntas? Se o fez, fez muito mal, porque esses encontros de preposições, embora restritos a alguns poucos casos, têm muita utilidade e já foram usados por muitos escritores clássicos. Euclides da Cunha, por exemplo, fala das nuvens que passam “por sobre os chapadões desnudos”, do valente sertanejo que, “saltando por sobre o cadáver da irmã, arroja-se contra o círculo assaltante”, do combatente que “distribuía, jogando-os por sobre a cerca, cartuchos”. Machado usa, mas pouco. Em Portugal, Camilo também usou: Simão, personagem do Amor de Perdição, consegue “saltar ao campo por sobre a pedra dum agueiro”; Eça de Queirós descreve o som mole de chinelos que se aproximam “por sobre o tapete”, fala do canto dos muezins “por sobre os terraços adormecidos da muçulmana Alexandria” e se encanta com o sol, que, “sereno como um herói que envelhece, descia para o mar por sobre as palmeiras de Betânia”. Se por sobre é moeda corrente, não é de estranhar que por sob também o seja; o desastrado Teodorico, em A Relíquia, do mesmo Eça, consegue comover a sua odiosa titia: “E pela vez primeira, depois de cinquenta anos de aridez, uma lágrima breve escorregou no carão da Titi, por sob os seus óculos sombrios”. O nosso Alencar também usa: “O destemido escudeiro, sem se importar com os outros, mergulhou por sob as árvores e apresentou-se arrogante em face do tigre”. Friso que não sou daqueles que só aceitam a autoridade dos autores tradicionais e consagrados; estou apresentando esses exemplos para você ver que há muito tempo essas combinações já eram usadas por pessoas que escreviam muito bem. Posso mencionar ainda por entre, dentre (de+entre) e para com, bastante comuns na escrita culta. Mais interessante ainda é a combinação de até + a, uma locução prepositiva usada com a intenção de aclarar o sentido da frase. O vocábulo até é um conhecido causador de ambiguidades, já que pode ser entendido ora como preposição (o ônibus vai até São Paulo; ele chegou até o topo do monte), ora como partícula de inclusão (todos foram convidados, até eu; o cabrito comia de tudo, até latas e garrafas plásticas). Em frases como “o incêndio na plantação queimou tudo, até o portão”, abre-se a possibilidade de dupla interpretação: o fogo chegou até o portão, e aí parou (o até é visto como preposição), ou o fogo queimou tudo, inclusive o portão? Por esse motivo, costuma-se reforçar a preposição até com a preposição a: “o fogo queimou tudo, até ao portão”; dessa forma, fica eliminada a leitura do até como inclusive. É claro que o uso desse reforço é opcional; lembro apenas que, ao ser usado, pode acontecer um encontro desse A com o artigo feminino, produzindo-se o nosso velho fenômeno da crase: “O incêndio na plantação queimou tudo, até à cerca”, “pintei a sala toda de branco, até à porta”, “vou amar até à morte”. Para concluir, deixo-lhe um exemplo de como a combinação das preposições e a preposição isolada não têm o mesmo valor: compare “O gato pulou sobre a mesa” com “O gato pulou por sobre a mesa”, “Atirei o livro sobre a mesa” com “Atirei o livro por sobre a mesa”. O significado é completamente diferente. preposições nos sobrenomes José Silva ou José da Silva? Existe alguma regra para o emprego das preposições nos sobrenomes? Caro Professor, minha dúvida é sobre o emprego de preposição e conjunção nos nomes e sobrenomes. Observo que os nomes das famílias Silva e Santos estão sempre acompanhados de preposição (da Silva, dos Santos). Examinando os exemplos (1) José Luís da Silva Lima, (2) José Luís Lima da Silva, (3) Pedro dos Santos Alencar e (4) Pedro Alencar dos Santos, entendo que a preposição deveria ficar entre o prenome e o nome de família, conforme exemplos (1) e (3). Nos exemplos (2) e (4), caberia o uso da conjunção E, ou seja, José Luís de Lima e Silva e Pedro de Alencar e Santos. Rita – Teresina (PI) Minha cara Rita, presumo que você não tenha formação acadêmica em Letras, ou não escreveria “entendo que a preposição deveria...”. A ninguém – nem a você, nem a mim, nem ao Papa – é dado o direito de entender “como deveria” se comportar a língua. Ela é o que é; nós só podemos nos esforçar para tentar compreendê-la, formulando, a partir dessa observação, as regularidades e os padrões que conseguirmos enxergar. Não existe um padrão “linguístico” para a utilização das preposições com os sobrenomes; as pesquisas que se fizeram sobre o assunto terminaram batendo em preconceitos e crenças que datam do tempo em que os nobres faziam questão de usar o “de”, por exemplo, como um símbolo aristocrático. Conheço um Filipe Oliveira e um Filipe de Oliveira;um Rafael dos Santos Silva e um Rafael Santos da Silva; nas minhas listas de chamada, já encontrei Paulo de Sousa Santos, Paulo Sousa Santos e Paulo Sousa dos Santos. Se você descobriu alguma regra sobre isso, em algum livro, pode ter certeza de que ele não vale o dinheiro que você pagou por ele. suicidar-se Se suicídio já quer dizer “matar a si mesmo”, não é uma redundância dizer que ele se suicidou? E se eu não posso suicidar-te, por que preciso dizer suicidar-me? Caro Professor, sabemos que suicídio é o ato de matar-se; suicidar-se é acabar com a própria vida. Para se evitar uma redundância, qual das expressões deveríamos usar: “o homem se suicidou”, “o homem suicidou-se” ou “o homem cometeu suicídio”? Todas estariam corretas? E mais uma coisinha: por que eu preciso dizer suicidar-me, se eu não posso suicidar-te?. Paulo T. – Salvador (BA) Em primeiro lugar, Paulo, todas estão corretas. “O homem suicidou-se” e “o homem se suicidou” diferem apenas na preferência por usar o pronome antes ou depois do verbo, mas, no fundo, tanto faz dar na cabeça como na cabeça dar. “Ele cometeu suicídio” também é bom Português. Em segundo lugar, o uso desse “se” não é uma redundância, como pode parecer. É verdade que o verbo suicidar-se nasceu no Latim como um composto de sui, “a si mesmo”, seguido do elemento cida, “o que mata”; portanto, teoricamente, não precisaria daquele “se”. No entanto, caro leitor, temos no Português um grupo de verbos que sempre são conjugados com o pronome ligado a eles; são, por esse motivo, denominados de verbos pronominais. Este pronome, que aparece em todas as pessoas do singular e do plural, é quase vazio semanticamente (isto é, não tem o seu significado nem o seu valor sintático usuais). Um bom exemplo é orgulhar-se (eu me orgulho, tu te orgulhas, ele/você se orgulha, nós nos orgulhamos, vós vos orgulhais, eles/vocês se orgulham). Jamais aceitaríamos “*eu orgulho”, até mesmo porque esse verbo nunca será transitivo (eu não autoridade de todos aqueles escritores que sempre usaram como exemplo. (3) E NÓS, COMO FICAMOS? – Olhe, Diego, fica evidente que os autores prescritivistas estão defendendo a existência de um padrão onde não havia nenhum; essa distinção rigorosa entre onde e aonde é coisa recente, de cinquenta anos para cá (para uma língua humana, que vive milênios, isso não passa de um quarto de hora). Só o tempo vai dizer se ela está motivada por uma necessidade de criar uma distinção realmente útil, ou se ela nasce daquela sanha repressiva que caracteriza muita regrinha tola e sem ciência que anda por aí. O diabo, Diego, é o que devemos fazer enquanto as coisas não ficam bem definidas; o conselho que lhe dou é o mesmo que já dei em situações similares: siga a posição (1), que vai deixar as suas frases vestidinhas de acordo com a norma gramatical da moda, mas respeite a posição (2), que descreve o que realmente acontece. Você sabe como é: uma coisa é como as pessoas se vestem, outra é como elas deveriam se vestir. Você não acredita em convenções? Então, vá a um casamento vestido do jeito que preferir. Agora, você tem uma certa preocupação com a opinião dos outros? Então é bom botar uma gravatinha (e ficar invejando o primo que foi de jeans e camisa polo). Assim é com a linguagem. Escolha, e aguente. P.S.: Quer saber como eu faço? Não uso nunca o aonde. implicar “A crise do petróleo vai implicar em aumento nos preços.” – Veja por que esta frase é condenada pela norma culta. Prezado Professor, aprendi que o verbo implicar no sentido de “trazer como consequência, acarretar”, é verbo transitivo direto: “A assinatura do presente contrato implica a aceitação de todas as suas cláusulas”. No entanto, em “A energia está associada a diferentes processos, o que implica que a natureza das partículas subatômicas seja intrinsecamente dinâmica”, este “que” grifado não está contrariando aquela regra gramatical? Evilásio A. – Anápolis (GO) Meu caro Evilásio, o verbo implicar, como você corretamente afirmou, é transitivo direto, ou seja, como ensinava a minha saudosa professora da 5a série, “o que implica, implica alguma coisa”. Isso significa que devemos evitar, na forma culta, a regência indireta, com preposição em, muito usada na fala descontraída – “*desistir agora implica em perder tudo”, “*a assinatura do contrato implica na aceitação de todas as suas cláusulas”. Essa preposição em só vai aparecer quando usarmos o verbo no sentido especial de “envolver alguém em ato ilícito”: “No seu depoimento à CPI, ele implicou o deputado no escândalo do Mensalão”. Ora, nos dois exemplos que você apresenta – “o contrato implica a aceitação” e “implica que a natureza...” –, o verbo está competentemente acompanhado de seus objetos diretos. Em “o que implica que a natureza das partículas subatômicas seja intrinsecamente dinâmica”, a oração grifada, como você bem sabe, é apenas uma oração subordinada substantiva objetiva direta. Como vê, são exemplos idênticos da mesma regra. chegar em? Um leitor anônimo (custava assinar?) desconfia da resposta fornecida pela banca de um concurso vestibular: “Segundo o examinador, na frase O noivo chegou atrasado na igreja houve uma transgressão da norma culta. Gostaria que você apontasse o erro, se houver!”. Meu caro Anônimo, na norma culta, no Português escrito, os verbos de movimento – especialmente ir e chegar – regem a preposição A: quem chega, chega A (e não EM). De acordo com esse princípio, portanto, a forma “correta” da frase seria “O noivo chegou atrasado À igreja”, com acento de crase e tudo. É evidente que a fala (tanto a popular quanto a culta) está trocando essa preposição por em, mas é um uso ainda condenado em exames e concursos. assistir Vera Santos Bonfim, da Bahia (com esse nome, só pode ser de Salvador...), pergunta: “Devemos usar o verbo assistir (sentido de ‘atender’) seguido de ao ou de o? É assistir AO trabalhador ou assistir O trabalhador?”. Prezada Vera Lúcia, se entendi bem, você está falando de prestar assistência ao trabalhador, não é? Nesse caso, embora os dicionários digam que podemos optar entre a regência direta e a indireta, a tendência majoritária na língua culta é deixar o verbo assistir como transitivo direto, isto é, sem a preposição: “O Estado deve assistir o trabalhador”, “devemos assisti-lo”, “ele deve ser assistido pelo Estado” (note que, aqui, a possibilidade de usá-lo na voz passiva confirma que ele é transitivo direto). Este mesmo verbo, quando usado com o sentido de “ver, presenciar”, tem regência indireta no Português culto formal: “Nós assistimos à peça”, “Eu não assisti ao jogo”. Com base nisso, muitos autores tradicionais não aceitam que, nesses casos, o verbo seja levado para a passiva (que, como você sabe, é uma característica exclusiva dos transitivos diretos): “*O jogo foi assistido por cem mil espectadores” seria uma versão inaceitável de “Cem mil espectadores assistiram ao jogo”. Somos obrigados a reconhecer, no entanto, que vem ocorrendo, na prática dos escritores modernos, um abandono progressivo dessa regência indireta, sinalizando a clara tendência desse verbo tornar-se exclusivamente transitivo direto; em pouco tempo, os gramáticos serão obrigados a admitir como aceitáveis frases que hoje eles ainda condenam, como “Vou assistir o jogo”, “As peças que assisti”, “Qualquer espetáculo que você assista”, “Vamos assistir a sessão”, etc. O fato desta tendência já vir assinalada no dicionário do Houaiss, por exemplo, só vem confirmar minha suposição. alguém que lhe queira Marcelo, de São Paulo, estranhou o trecho “assim ela já vai, achar um cara que lhe queira, como você não quis...”, na música Acima do Sol, do grupo mineiro Skank. “O Skank é um grupo que costuma ser gramaticalmente correto, mas aqui não deveria ser ‘um cara que a queira’?” Meu caro Marcelo, o Skank é bom de letra mesmo! O verbo querer normalmente é transitivo direto: “eu quero o contrato, quero-o”. No entanto, quando tem o significado de gostar de alguém, como é o caso desta música, passa a ser transitivo indireto: “eu quero muito ao meu filho, quero- lhe muito”. atender Antônio José S., de Guaratinguetá (SP), leu, num artigo escrito por mim, a frase “atende as necessidades básicas do decoro”. Curioso, pergunta: “Atender não é um verbo transitivo indireto? Assim, você não deveria ter escrito ‘atende às necessidades básicas do decoro?’.” Meu caro Antônio José, o Dicionário de Regência Verbal de Celso Pedro Luft, mestre de todos nós, coloca atender como indiferentemente transitivo direto ou indireto, com acentuadíssima tendência a ficar exclusivamente direto. Afinal, ele é um verbo que pode ser passado para a voz passiva (“as necessidades foram atendidas”) – e, como você deve saber, só os transitivos diretos têm o privilégio de apresentar passiva. Em outras palavras: você está certo, eu estou certo – mas prefiro a minha versão. dignar-se de Há muitos verbos que vêm mudando sua regência ao longo da história de nossa língua; dignar-se é um deles. parabenizá-lo? A colega Sandra N., professora de Português de Toledo (PR), gostaria de saber se usamos o pronome lhe com o verbo parabenizar, já que, segundo Houaiss, damos parabéns A alguém. Pergunta: “Isso o torna verbo transitivo indireto, cujo pronome deve ser o lhe?”. Minha cara Sandra, dê uma lida mais demorada no Houaiss, e você vai ver que ele classifica parabenizar como transitivo direto. Aliás, assim são os exemplos que ele dá: “parabenizar O patrão”, “parabenizar O Instituto de Filologia”. Não podemos “desenvolver” a regência deste verbo com base em dar parabéns A, como você fez, porque essa é a regência do verbo dar (quem dá, dá alguma coisa [parabéns] A alguém). Portanto, queremos parabenizá-lo. Note que ele é tão transitivo direto que até admite a transformação passiva (“Ele foi parabenizado pelos colegas e amigos”). duplo objeto indireto O leitor Paulo gostaria de saber se a frase “Falaram de vocês ao diretor” está de acordo com a norma culta e se podemos afirmar que “de vocês” e “ao diretor” são objetos indiretos. Meu caro Paulo, sim, são dois objetos indiretos. Isso não é tão raro quanto possa parecer: concordar com alguém a respeito de algo, conversar com alguém sobre algo, perguntar A alguém por outra pessoa, orar a alguém por alguma coisa ou alguma pessoa, falar de alguém ou alguma coisa a outra pessoa, etc. – todos eles exemplos da gramática de Celso Pedro Luft. gostar que Gastón Gutiérrez, de Buenos Aires, estudante de Português, pergunta: “Sempre me disseram que o verbo gostar é sempre gostar de. Mas outro dia um colega disse que gostar que é aceito e, nesse caso, não precisa o uso da preposição. Ele tem razão?”. Prezado Gastón, mesmo os verbos transitivos indiretos (gostar de, precisar de, etc.) costumam perder a preposição quando seguidos de uma oração substantiva objetiva indireta: compare “eu gosto de música”, “eu preciso de tempo” com “eu gostaria que o senhor participasse”, “eu preciso que todos colaborem”. Esta supressão da preposição faz com que a frase soe melhor e deixa-a mais fácil de pronunciar – daí a preferência que conquistou. É claro que não estaria errado “eu gostaria de que o senhor participasse”, mas eu particularmente não uso, nem conheço muita gente que o faça. Abraço. Prof. Cláudio Moreno agradeço a Deus César Marques S. hesita entre “agradeço à Deus”, “agradeço ao Deus” ou ainda “agradeço a Deus”. Conclui: “Penso que a última opção está incorreta, mas encontrei esta forma em dois sites”. Meu caro César, mas que pontaria! A única forma correta é a terceira, exatamente a que você recusou: “Agradeço a Deus”. A primeira está errada porque Deus é masculino, e usar acento de crase antes de um substantivo masculino é simplesmente impossível, mesmo se tratando de tão augusto personagem. A segunda está errada porque não usamos artigo definido antes de Deus: “confio em Deus” (e não “confio no Deus”), “O homem põe, Deus dispõe” (e não “O homem põe, O Deus dispõe). Haveria, é claro, circunstâncias em que poderíamos usar ao Deus: “Ele se referia ao Deus da misericórdia, não ao Deus do castigo e da punição” – mas acho que não era isso que você tinha em mente. deparar é pronominal? Karina G., do Rio de Janeiro, estranhou a frase: “e me deparei com um verdadeiro caos”. No sentido de “afrontar”, não seria errado o emprego do pronome me junto ao verbo? Não seria “e deparei com um verdadeiro caos”? Minha prezada Karina, não, não é errado; na verdade, é a regência atual desse verbo. Já se encontra isso em Machado; veja a Clarice Lispector, em exemplo do verbete “deparar”, do Aurélio: “E deparou-se com um jovem forte, alto, de grande beleza”. A regência originária deste verbo (deparar alguma coisa a alguém) já não é mais usada; as duas vigentes são deparar com ou deparar-se com alguma coisa – sempre transitivo indireto, seja pronominal, seja simples. através de K. Schmidt, de Ribeirão Preto (SP), sempre ouviu os gramáticos reprovarem o uso da expressão através de com o sentido de “por meio de”; porém, Houaiss aceita esse emprego e mostra “educar através de exemplos” e “conseguiu o emprego através de artifícios”. Ela pergunta: “Está correto, afinal? É mais um caso de expressão genuinamente errada, no entanto aceita em decorrência do disseminado emprego?”. Minha prezada K., você sempre ouviu os “pequenos” gramáticos dizerem isso. Os grandes não se preocupavam com essas minúcias, que são artificiais e inexpressivas, e que escritores do século XIX (para não citar os modernos), como Euclides e Eça de Queirós, não levavam em consideração. Há muitas “autoridades” por aí, com pouco estudo, que ficam batendo em pequeninas regrinhas que nem o público (e, como você está a ver, nem mesmo os dicionários) observa; o pavor delas é ver chegar o dia em que isso for descoberto; nesse dia, elas ficarão sem ter o que “ensinar”, porque não entendem muito além dessas bobagens. domiciliado à rua Savero S., de Aparecida do Taboado (MS), gostaria de saber se o acento de crase empregado antes de rua está correto na frase “residente e domiciliado à rua XV de Novembro”. Meu caro Savero, não se trata de saber se está ou não correto o acento de crase. O problema é outro: a preposição adequada é em ou a? Para os gramáticos tradicionais, mais rigorosos, o correto é “residente e domiciliado na rua XV de Novembro”. Eles alegam que, tradicionalmente, os verbos de quietação (morar, residir, situar-se, etc.) exigem a preposição em – no que têm razão. No entanto, o uso moderno insiste em substituir esse em pelo a; nesse caso, vão surgir as circunstâncias necessárias para a ocorrência de crase e, consequentemente, o emprego do acento grave: “residente e domiciliado à rua XV de Novembro”. Eu, particularmente, uso sempre o em. morar na rua A leitora Sunguela escreve do Ceará, perguntando qual é a preposição adequada: “Maria reside à ou na rua Carlos Silva”? Minha cara Sunguela, os gramáticos prescritivistas recomendam, por unanimidade, “residente na rua tal, morador na rua tal, sito na rua tal”. Se você quiser ficar dentro da etiqueta, use assim também. Alguns mal-humorados professores alegam que isso significaria morar “na” rua, e na rua ninguém mora, mas sim nos prédios e nas casas. É tolice; embora eu também nada veja de mal em usar a preposição a, é a preposição em que vem sendo preferida pelos autores clássicos e modernos de nosso idioma. servir ao Senhor Mariana B., de Piracicaba (SP), diz que sua mãe comprou um pano de secar louça em que estava 4. Crase Todo mundo sabe que a crase é um fenômeno que ocorre quando dois As se encontram no interior de uma frase: a preposição A, que fica à esquerda, encontra outro A, que fica à sua direita. Ora, isso só poderá ocorrer, rigorosamente, em duas situações: (1) ou antes de um substantivo feminino (que tenha o artigo A), (2) ou antes de um pronome demonstrativo que comece por essa vogal (aquele, aquela, aquilo). Fora disso, em qualquer outra situação, é impossível que se encontrem os dois As necessários para esse casamento. Sempre fiquei espantado ao ver a esmagadora maioria dos livros didáticos destacarem os casos em que não pode ocorrer esse encontro de vogais e, consequentemente, o acento grave. Basta sabermos que só nos dois casos acima o enredo começa a ficar interessante, isto é, só nos dois casos acima podemos começar a nos preocupar com a possibilidade – friso: a possibilidade, não ainda a certeza – de que tenhamos de utilizar esse incompreendido acento. Ensinar os casos em que não há crase é o mesmo absurdo e a mesma perda de tempo que o Detran publicar a lista das placas que não foram multadas, ou a universidade divulgar, no vestibular, a lista dos candidatos que não foram aprovados. Não vamos ser ingênuos a ponto de afirmar, entretanto, que esse ensino “ao contrário”, pouco inteligente, seja a causa de nós termos tantos problemas com a crase. Que o mau ensino transforme num mistério o que deveria ser uma coisa relativamente simples, isso nós podemos entender. O fato de que a maioria dos autores didáticos não entendeu muito bem o fenômeno faz com que, ipso facto, a maioria dos brasileiros se atrapalhe com o emprego do acento grave. Até aí, tudo bem. Agora, se isso justifica a hesitação e a dúvida que as pessoas têm, com certeza não é o motivo que as induz ao erro. Certamente não serão essas explicações deficientes das gramáticas o que leva as pessoas ao emprego constante de acento de crase antes de masculinos, verbos, numerais e outras classes de vocábulos que, obviamente, não comportam um artigo antes deles. A Linguística moderna nos explica que todo erro que é cometido por uma extensa faixa de usuários deve ter alguma forte razão subjacente; é muito grande a incidência de erros do tipo *barco à vapor, *escreveu à lápis, *começou à chorar, *entregou à ela, *trafegava à 60km. O mau ensino não pode ser a causa de tantas pessoas quererem pôr o acento aí! Em outras palavras: se posso responsabilizar os maus instrutores de direção pelos maus motoristas que infernizam o trânsito, não poderia responsabilizá-los se um número expressivo de seus alunos resolvessem se atirar, de carro e tudo, pelo penhasco abaixo. De onde vem a vontade de colocar esses acentos indevidos? Acredito que isso seja apenas a materialização da tendência instintiva (já destacada pelo incomparável Celso Pedro Luft, patrono deste Guia) de trocar o sistema vigente por outro mais simples, que consistiria, à francesa, em acentuar sempre o A quando ali estivesse a preposição presente. Said Ali já tinha demonstrado que os escritores de nosso idioma, desde o século XVI, usavam acentuar também a simples preposição antes de palavra feminina, em expressões como à faca, à espada, à fome, embora expressões equivalentes no masculino deixassem bem claro que não havia aqui o encontro de dois As (a machado, a martelo). Na mesma linha, algo foi ensaiado por José de Alencar, no século XIX, o que lhe valeu a crítica de um dos gramáticos “medalhões” da escola do Rio de Janeiro, que fez um estudo sobre a linguagem alencariana, mostrando que, infelizmente, o autor de Iracema não sabia usar nem a crase... Ele não entendeu que Alencar e muitos escritores de sua época usavam o acento apenas para distinguir o artigo da preposição. Uma advertência final: para indicar a ocorrência da crase, nosso sistema ortográfico escolheu o acento grave; no entanto, no uso corrente, esse acento passou a ser chamado também de crase, o que levou à formação do verbo crasear (já presente no Houaiss e no Aurélio), verbo de que não gosto, mas que está amplamente consagrado. Nas situações em que os professores rigorosos dizem que um determinado “A” leva acento de crase, o falante comum prefere dizer que o “A” é craseado; eu prefiro a primeira hipótese. A ocorrência da crase envolve, portanto, a presença da preposição – que é uma questão de regência – e a presença do artigo. A regência já foi abordada no capítulo 3; passamos agora a examinar alguns pontos importantes sobre o artigo, antes de entrar na crase propriamente dita. 4.1 O uso do artigo Bahia e Recife Antes de nomes geográficos, o uso do artigo às vezes é obrigatório, em outras, é facultativo. Prezadíssimo Professor, sem querer abusar de sua santa paciência, trago uma dúvida que surgiu ao ler sua explicação sobre o uso do artigo definido antes de Recife, no Guia Prático 2, em que o senhor deixa claro que, sendo o nome desta cidade também a designação de um acidente geográfico, pode-se usar tanto “de Recife” quanto “do Recife”. Pergunto: seria essa regra aplicável quando nos referirmos à Bahia? Poderia ser dito “venho de Bahia”? Em caso afirmativo, a crase também seria facultativa, isto é, poderíamos escrever, indiferentemente, “vou à Bahia” ou “vou a Bahia”? David A. – Maceió (CE) Meu caro David, acho que você fez aqui uma pequena confusão, pois o caso de Recife não tem nada a ver com o caso da Bahia. Recife é uma cidade, e o nome das cidades geralmente não é acompanhado do artigo, em Português; como, entretanto, refere-se a um acidente geográfico (os recifes), admite-se também que venha com artigo – “venho de Recife” (seguindo a regra geral) ou “venho do Recife” (seguindo o costume da maior parte dos falantes). Com o nome dos estados, contudo, a coisa é diferente: eles se dividem entre os que não têm artigo (venho de Alagoas, de Minas Gerais, de São Paulo, de Tocantins) e os que têm (venho do Pará, da Paraíba, do Paraná, da Bahia). Enquanto o uso popular (e, muitas vezes, histórico) registra a possibilidade de incluir um artigo antes do nome de certos estados (“as Alagoas”, “as Minas Gerais”), o que você está propondo é exatamente o caminho inverso: excluir o artigo que acompanha a Bahia – possibilidade que a língua não nos oferece. Você pode imaginar alguém dizendo que vem “ de Pará” ou “de Amazonas”? Sempre vai ter de usar o “A” com Bahia; ora, o resto todos nós já sabemos: se este “A” encontrar uma preposição “A”, a crase será inevitável. se vou a e volto da O Professor mostra como o antigo versinho “Se vou a e volto da, crase há” tem muito mais a ver com o artigo do que com a crase. Caríssimo Professor, escrevo-lhe para partilhar uma velha recordação de infância que foi resgatada de tempos olvidados, ao ler um de seus artigos acerca do emprego da crase... A minha mestra de Português, perante nossas dúvidas nesse tópico, dizia: “Meus alunos: se vou a e volto da, crase há; mas se vou a e volto de, crase para quê”? Boa mnemônica, não acha? Sandra Lourenço – Coimbra, Portugal Prezada Sandra, eu não sei a idade que você tem, mas deve ser algo geracional: eu também aprendi assim, no tempo em que eu tinha todo o cabelo e todas as esperanças do mundo. Ainda acho muito boa essa rimazinha mnemônica, mas chamo a atenção para um detalhe que me passava despercebido naquela época: ela tem muito menos a ver com a crase do que com o uso do artigo. Explico. Nosso idioma nem sempre usa o artigo antes dos nomes de lugar (países, estados, cidades): moro em Alagoas, mas na Bahia; venho de Portugal, mas do Japão, e assim por diante. Aquele versinho, portanto, serve apenas para saber quais os nomes de lugar que são precedidos de artigo feminino; a crase vai ser apenas uma consequência. Por exemplo, se eu preciso saber como grafar cada “A” na frase “Na minha excursão, fui a Cuba, a Holanda, a Bélgica e a Israel”, aplico a esperta rimazinha e obtenho o seguinte: “Volto de Cuba, da Holanda, da Bélgica e de Israel” – o que me indica que Cuba e Israel não têm artigo e, por consequência, não vai ocorrer a crase (“Fui a Cuba, à Holanda, à Bélgica e a Israel”). É tiro e queda! Contudo – repito – só funciona com esses locativos. Para todos os demais casos em que temos dúvida, só mesmo o miolo resolve. Um abraço, Sandra, e obrigado pela recordação. do ou de Paulo? Devemos ou não usar artigo antes de nomes próprios? “aproximei-me quanto pude”. Meu caro Francisco: “aproximei-me O que pude”, “aproximei-me O máximo que pude”, “leve O quanto puder”, “gastei O mínimo”, etc. – veja como você sempre terá aquele O, que uns interpretam como pronome, outros como artigo – nesse caso, acompanhando um substantivo que está subentendido. Seja ele o que for, sempre deveremos usá-lo. Vamos encontrar autores que o consideram desnecessário em construções como “gaste [o] quanto quiser”, “economize [o] quanto puder”, mas o uso literário parece ter preferido manter este O. todo x todo o (na fala) A leitora Isabel Fernandes quer saber sobre o uso de todo + o. Segundo ela, falamos coloquialmente “todo mundo vai querer imitar você”, com o sentido de “todas as pessoas”. Ela pergunta se o certo não seria “todo o mundo vai querer imitar você”. Prezada Isabel, nem você nem eu sabemos como falamos isso, porque dizer “todo o mundo” ou “todo mundo” sempre vai dar na mesma sequência fonológica /todumundu/. Como falam os caipiras, “dizido é uma coisa, escrevido é outra”. Não esqueça que a escrita, com todas as suas regras ortográficas e gramaticais, é uma realidade que não chega a 30% do gigantesco fenômeno que é a língua falada. Agora, para que você não pense que eu desviei da pergunta, informo que o costume é usar todo mundo quando queremos falar de todas as pessoas, reservando todo o mundo para quando queremos falar do planeta inteiro – embora, faço questão de frisar, esta diferença não seja tão rígida como alguns apregoam. Cubatão tem artigo? José O. L., de São Paulo, pergunta qual é a forma correta (e qual a regra) com relação à cidade de Cubatão: “foi para o Cubatão” (análogo a “foi para o Rio de Janeiro), ou “foi para Cubatão” (análogo a “foi para São Paulo”)? Meu caro José, foi para Cubatão, veio de Cubatão; foi para Sorocaba, veio de Sorocaba – note como não costumamos usar artigo com o nome das cidades. O Rio de Janeiro é um dos raros casos, principalmente por influência do substantivo comum (o rio) e da confusão histórica entre a cidade e o estado do Rio. Secretaria da ou de Saúde? Washington Cezar A., de Porto Seguro, precisa saber se a forma correta é “Secretaria Municipal de Saúde” ou “Secretaria Municipal da Saúde”. Meu caro Washington, vejamos como se faz no âmbito federal: Ministério da Cultura, Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Ministério do Desenvolvimento, Ministério da Integração (nem todos eles existem, mas já existiram). Note que o artigo definido está sempre presente, junto com a preposição. Essa é uma daquelas opções que a língua vai definindo, silenciosamente, em seu curso de séculos. Acho que seria sábio seguir o exemplo e escrever “Secretaria da Saúde”. artigo antes de possessivos A leitora Gislene pergunta se é correto colocar um artigo antes de um pronome possessivo. Como fica? É “onde você colocou meu casaco” ou “onde você colocou O meu casaco”? Minha cara Gislene, tanto faz um quanto o outro; o uso de artigo antes do possessivo é apenas uma das inúmeras instâncias em que o falante tem todo o direito de optar. Essa flexibilidade no emprego do artigo vai ter, no caso do feminino, repercussões quanto à ocorrência de crase. Dê uma lida no que escrevi a respeito desse assunto em crase com possessivos. artigo antes das siglas Carmen Rebouças trabalha numa universidade, na Seção de Admissão e Registros Escolares, referida internamente como SEARE. Sua dúvida é simples: “Quando usar a sigla, devo também usar o artigo? Ao despachar um processo para tal setor, o correto seria À SEARE, A SEARE ou AO SEARE?”. Prezada Carmen, no caso de siglas como esta, costumamos atribuir-lhe o mesmo gênero do núcleo do sintagma. Se é uma “seção”, será feminina; se for um “centro”, por exemplo, será masculino. Nós nos referimos ao MEC (ministério), ao INSS (instituto), ao SERPRO (serviço), à OAB (ordem). No seu caso, portanto, você deve falar da SEARE. No endereçamento de uma carta ou ofício, como está presente a preposição “A”, a crase vai ocorrer: à SEARE. ao/a meu ver Janaína, de Feira de Santana (BA), quer saber se a expressão correta é a meu ver ou ao meu ver. Prezada Janaína, como você deve saber, é completamente livre, para o falante, usar ou não o artigo antes dos possessivos: aquele é meu carro, aquele é o meu carro; minha mãe está aqui, a minha mãe está aqui. Esta liberdade de escolha vai ter reflexos no caso que você propôs: em meu entender, no meu entender; a meu ver, ao meu ver. Escolha uma e fique em paz. de mamãe, da mamãe Audri P., de Porto Alegre, escreve: “Uma menina baiana que está morando conosco costuma dizer ‘este livro é de mamãe’, ‘os sapatos de Laurinha’; no Sul, dizemos normalmente ‘este livro é da mamãe’ ou ‘os sapatos da Laurinha’. O que é correto?”. Cara Audri, usar (ou não) o artigo definido nesses casos é uma questão de opção do falante. O quarto do meu filho, o carro do papai, a carta da Maria – ou o quarto de meu filho, o carro de papai, a carta de Maria. A escolha é livre; em geral, o Rio Grande do Sul prefere usar o artigo, enquanto o Nordeste faz o contrário. Note que essa opção tem reflexo no problema da crase: “leve o livro A papai e a revista A mamãe” (sem artigo), ou “leve o livro AO papai e a revista À mamãe” (com artigo). 4.2 A crase propriamente dita à Maria, a Maria Saiba por que razão o acento de crase é opcional antes dos nomes próprios. Professor Moreno, ao escrever uma carta para minha filha, me surgiu uma dúvida. Como devo preencher o destinatário? À Maria ou simplesmente A Maria, sem o acento de crase? Obrigada pela sua atenção. Alessandra – São Paulo (SP) Minha cara Alessandra, escreva como você quiser. Acontece que os falantes do Português se dividem em dois grupos: os que usam e os que não usam artigo antes de nomes próprios. Quando eu falo do meu filho Matias, eu digo “o Matias passou por aqui”, mas sua namorada, que é do Rio de Janeiro, já prefere dizer “Matias passou por aqui”. No feminino, uns dizem “Encontrei Maria no jogo”, outros dizem “Encontrei a Maria no jogo”. A escolha é completamente livre. Ora, como você deve lembrar do tempo de colégio, tudo o que mexe com o artigo feminino tem reflexos no acento de crase. Se você usar o artigo quando falar da sua filha (“estou pensando na Maria”, “o noivo da Maria”), vai escrever “À Maria” (preposição + artigo = crase). Se, por outro lado, você prefere não empregar o artigo (“o quarto de Maria”, “o noivo de Maria”), é evidente que acabará escrevendo apenas a preposição: “A Maria”. Escolha aí um João, escreva (como, por exemplo, “a vista é melhor”), muitos gramáticos incluem este caso entre aqueles em que o acento grave é utilizado apenas para assinalar a locução adverbial (e não, como seria o comum, o encontro de dois As). O uso deste acento (independentemente da posição em que aparece na frase) é opcional nesses casos, não sendo aceito por alguns autores de renome. Eu uso sempre, se você quer saber. crase antes de Terra Veja por que, na frase “os marcianos voltaram à Terra”, devemos empregar o acento indicativo de crase. Professor, gostaria que o senhor esclarecesse o emprego da crase diante da palavra terra, sobretudo nesta oração: “Os marcianos voltaram a Terra”. Afinal, usamos o acento diante do substantivo próprio Terra, referindo-nos ao planeta em que vivemos? Petrúcio Jr. Meu caro Júnior, acho que conheço a origem remota dessa sua dúvida. No (mau) ensino tradicional da crase, relacionavam-se os casos em que “a crase era proibida” [sic!] – e entre eles figurava a palavra terra quando usada por oposição a bordo: “Os marinheiros foram a terra”. Ora, professor de Português que se preze já abandonou, há muito tempo, essa forma jurássica e equivocada de explicar o A acentuado. Como este acento só poderá ocorrer quando houver a crase (fusão) da preposição com o artigo, não é necessário ficar enumerando as dezenas de casos em que tal encontro não acontece, como se fossem regras específicas. Um professor que ensina a seus alunos que “não existe crase antes de verbo” está transmitindo a seus infelizes alunos a ideia errônea e nefasta de que possa existir uma lista de palavras favoráveis e outra de palavras desfavoráveis à crase. O que ele deve fazer é, a partir do princípio geral (não há crase sem a presença do artigo feminino), mostrar ao aluno que ele sequer deveria se preocupar em acentuar um A que esteja antes de um verbo, ou antes de um pronome indefinido, ou antes de uma palavra masculina, etc. – casos esses em que é impensável a presença do artigo feminino “A”. Isso nos traz de volta à sua pergunta: podemos acentuar o A antes de terra? A resposta é simples: desde que a preposição encontre um artigo feminino antes desta palavra. No exemplo acima, dos marinheiros, o vocábulo é usado com um sentido indefinido, que não admite o artigo (definido) (“O navio está em terra”, “O grito veio de terra”). Observe, no entanto, a sequência: a espaçonave deixou a Terra, a espaçonave saiu da Terra, a espaçonave caiu na Terra, a espaçonave voltou à Terra. Como você pode ver, sempre usamos o artigo definido com o nome de nosso planeta. Isso também ocorre quando empregamos terra para indicar o lugar que se opõe ao céu, no sentido místico ou mitológico: “Zeus saiu da vastidão azul do céu e voltou mais uma vez à terra”; “Cristo veio à terra para salvar os homens”. àquele Fique sabendo que não existem, em momento algum, regras que proíbam ou permitam o uso do acento de crase. Tudo é uma questão de destino. Prof. Moreno, embora não se use o acento grave, indicador da crase, antes de palavra masculina, o uso de àquele (contração da preposição A com o pronome demonstrativo aquele) – “Diga àquele rapaz que não faça tanto barulho” – seria exceção à regra geral? Não o sendo, qual a explicação? Grata. Sílvia P. – Rio de Janeiro (RJ) Minha cara Sílvia, não há nada de especial quanto ao acento de àquele; acontece que você foi mais uma das vítimas do mau ensino de Português. Não existem regras negativas de crase. Isto é, não existem regras sobre o não-uso do acento grave. A crase ocorre quando um A se encontra com outro, e pronto. Em 90% das vezes, trata-se do encontro [prep. A + artigo A]. Ora, como este precioso artiguinho feminino só pode aparecer antes de substantivos femininos, é uma consequência lógica (não uma proibição!) que isso não ocorra antes de substantivos masculinos. No entanto, nos outros 10%, a crase ocorre quando a preposição A (esta não pode faltar nunca a este baile) se encontra com o “A” inicial dos pronomes demonstrativos aquele (e suas flexões aquela, aqueles, aquelas) e aquilo. “Não me refiro a este aluno, mas sim àquele”; “Quanto àquilo, posso assegurar-te...” – e assim por diante. Nada de mais. Ocorre que há dezenas de péssimos manuais, usados por professores de formação apressada, que tratam a crase como se fosse um sistema de regras determinadas por alguém – como se fosse uma lei, com artigos e parágrafos e incisos e casos especiais. Por causa disso, muitos se revoltam contra a crase, julgando-a uma imposição arbitrária; não poucos leitores já me escreveram perguntando quando é que vão “revogá-la”! Para piorar o quadro, esses manuais vivem chamando a atenção de seus desafortunados leitores (ou alunos) para os casos em que “a crase é proibida” [sic!]. Não estranho, portanto, que você fique cismada com o acento de àquele. O próprio Millôr – para mim, um dos escritores brasileiros mais conscientes da linguagem que utiliza – vive escrevendo a respeito de àquele e de àquilo, que ele gosta de apontar como exceções à regra que diz só existir crase antes de palavra feminina. O problema, Mestre Millôr, é que essa regra está incompleta, formulada por esses gramatiquinhos que disseminam por aí sua deficiente compreensão dos fenômenos da língua; eles simplesmente esqueceram a segunda possibilidade, em que a preposição encontra o A inicial do pronome demonstrativo. Agora tenho certeza de que você vai ficar em paz com o acento de àquele. crase com possessivos O Professor explica: acreditar que haja casos em que a crase é opcional é o mesmo que acreditar que, aproximando um fósforo aceso da gasolina, a explosão será opcional. Prezado Professor Moreno, ao responder a uma pergunta minha, o senhor escreveu: “refiro-me À sua consulta de dezembro do ano passado”. Existe essa crase antes de pronome possessivo? Obrigado mais uma vez. Klein – Novo Hamburgo (RS) Meu caro Klein, eu podia ser chato no bodoque e responder, muito simplesmente: “Se eu usei, é porque tem, ora!”. Mas, como sou um eterno professor, vamos ao problema: antes de mais nada, não se discute a existência ou a não-existência de crase antes dos possessivos. A crase é a aproximação da preposição “A” com o artigo feminino “A” – mais ou menos como aproximar um fósforo da gasolina. Se eles entrarem em contato, nada vai impedir a combustão; da mesma forma, se um “A” encontrar o outro, vai acontecer o fenômeno chamado de crase, assinalado na escrita pelo acento grave. Se você ler o que escrevi em “à Maria, a Maria”, verá que antes dos nomes próprios podemos usar (ou não) artigo; dessa forma, a decisão que tomarmos vai influir na ocorrência (ou não) do artigo necessário para que a crase ocorra. Algo semelhante acontece antes dos possessivos: nosso idioma nos permite optar entre usar – ou não – o artigo antes deles. Uns dizem “a janela de meu quarto”; outros, “do meu quarto”. ”Leve isso a meu filho” ou “ao meu filho”. No feminino, da mesma forma: ou “entregue isso a minha filha” (só preposição) ou “entregue isso à minha filha” (preposição + artigo = bingo!). Temos aí uma crase, que deverá ser indicada, na escrita, pelo acento grave. Tudo depende, como você pode ver, da nossa decisão de empregar ou não o artigo. Dizer, como o fazem alguns autores, que aqui a crase seria opcional seria o mesmo que dizer que, juntando o fósforo à gasolina, a explosão vai ser opcional. Claro que não é; o que podemos optar é aproximar ou não o maldito fósforo, mas, uma vez tomada a decisão de usar o artigo definido, as consequências fogem a nosso controle. A maior prova disso aparece quando usamos possessivos no plural; aí a trama fica bem visível. “Entregue isso a minhas filhas” (o “A” é preposição pura, sem acento) ou “entregue isso às minhas filhas” (o “s” revela que o artigo está presente, e a acentuação é obrigatória). crase e pronome de tratamento O Professor explica por que nunca haverá acento de crase antes de Vossa Excelência, Vossa Senhoria, etc. Caro Professor, em “vimos solicitar A Vossa Excelência”, o “A” não leva acento de crase mesmo? E se eu raciocinar que a frase é “vimos solicitar a (a) Vossa Excelência” – não existe aí Meu caro Klein, para que haja acento de crase, é necessário que a preposição “A” se encontre com o artigo feminino “A”. Supondo que vocês só tivessem mulheres como clientes (um Centro de Ginecologia, por exemplo – o que não me parece ser o caso de vocês...), o anúncio poderia prometer “Atendimento às clientes”. Note que a presença do “s” final revela claramente que o artigo feminino está ali, junto com a preposição. No caso de “Atendimento a clientes”, no entanto, esse “A” é indiscutivelmente uma preposição isolada; não há hipótese, portanto, de receber o acento de crase. (4) Caro Professor Moreno, uma dúvida gerou muita confusão entre meus colegas de trabalho: folheado à ouro ou folheado a ouro? Alguns argumentaram que, devido à palavra ouro ser masculina, a crase não se aplica; outros argumentaram que ela se aplica, pois a palavra feminina está implícita. Você pode pode nos ajudar com essa dúvida? Toni Lazaro Prezado Toni, aqui não há como tentar enxergar uma palavra feminina elíptica (subentendida) antes de ouro. Portanto, não há artigo feminino e, consequentemente, não pode haver acento de crase. E mais: mesmo que fosse “folheado a prata”, também não haveria o acento, porque aqui, em ambos os casos (ouro ou prata), não está sendo empregado o artigo definido; o “A” é apenas a preposição. das oito às doze Um leitor quer saber se a loja abre “das 8h as 12h” ou “das 8h às 12h”, “de segunda a sexta” ou “de segunda à sexta”. Devemos escrever “das 8h as 12h” ou “das 8h às 12h”? Ou as duas formas são corretas? Nesse caso, o a está substituindo o até ou o para? Da mesma forma, pergunto: é “de segunda a quinta- feira” ou “de segunda à quinta-feira”? Um abraço e muito obrigado. Fábio Cezar M. – Jaraguá do Sul (SC) Meu caro Fábio, como todos nós estamos cansados de saber, a crase (assinalada, na escrita, pelo acento grave) é o encontro da preposição “A” com o artigo “A”. Na sua pergunta, quando você escreve “das 8h”, fica claro que o artigo está presente (das é formado pela preposição de mais o artigo as); consequentemente, antes de “12h” ele também deverá estar: “das 8h às 12h” – com acento indicativo de crase. Se algum felizardo começa a trabalhar às 8h e encerra o batente às 12h, essa é a única maneira correta de escrever. Outra coisa bem diferente seria “ele trabalha de oito a doze horas por dia”; neste caso, “de oito a doze” não se refere a quando ele começa e termina, mas sim a quantas horas de trabalho são cumpridas. Com os dias da semana é um pouco mais sutil. Vamos examinar primeiro a construção “de segunda a sexta-feira”. O de aqui é apenas a preposição, pois o artigo feminino não está sendo usado antes de segunda; logo, antes de sexta-feira também não estará, o que fica bem claro se trocarmos sexta-feira por um dia da semana masculino: “de segunda a sábado”. Há, no entanto, outra forma de escrever isso, com o mesmo sentido: “da segunda à sexta- feira”. Aqui é diferente: o da [de+a] sinaliza a presença do artigo, o que vai resultar obrigatoriamente na grafia “da segunda à sexta”. Mais uma vez isso vai ficar bem visível se usarmos um dia da semana masculino: “da segunda ao sábado”. Ambas as construções estão corretas; você pode escolher entre elas, desde que não as misture. P.S.: Um conselho: pare com esse mau hábito de tentar substituir a preposição “A” por outra (até, para, etc.). Eu sei que alguns gramáticos menores vivem recomendando este “recurso”. É charlatanice! Preposições não se substituem; das 600 mil palavras de nossa língua, menos de vinte – repito: menos de vinte! – são preposições. Você acha que haveria a possibilidade de duas delas se equivalerem? Nem em dez milhões de anos. ensino à distância Nem sempre o acento colocado em cima do “A” assinala a ocorrência de uma crase; às vezes, pode ser uma simples preposição. Prezado Prof. Moreno, por que ensino a distância não leva acento de crase? Discutimos aqui que poderia ser pelo fato de não estar determinada a distância, já que temos o acento em frases como “o carro estava à distância de 100 metros”. É isso? Fui ao Aurélio e vi que são aceitas as duas formas. Um abraço e muito obrigada. Maria G. – Jornalista – Londrina (PR) Minha cara Maria, a maioria dos gramáticos atuais aceita a hipótese de usarmos acento grave numa série de expressões com palavra feminina em que o “A” é simples preposição, isto é, sem que ocorra ali um encontro de dois As. Há casos em que isso tem a clara intenção de desambiguizar a expressão, evitando que a preposição possa vir a ser lida como artigo, o que alteraria o significado: vender à vista (compara com vender a prazo: só a preposição está presente); bater à máquina; fechar à chave; apanhar à mão; pescar à rede; estudar à noite. Em muitos outros, contudo, mesmo sem a possibilidade de leitura ambígua, já ficou tradicional esse acento sobre a preposição: à direita, à esquerda, à força, etc. Como conclui Luft: “A tendência da língua é acentuar o a inicial das locuções femininas (adverbiais, prepositivas e conjuntivas), mesmo quando não é crase [o grifo é meu]”. Quanto à locução à distância, tanto o Grande Manual de Ortografia Globo (Luft) quanto o Aurélio-XXI e o dicionário Houaiss indicam, expressamente, a dupla possibilidade de grafia; então, Maria, não hesite: use o acento, e estará aderindo ao sentimento da grande maioria dos seus leitores. Curtas crase em data Luciana M., de Campinas (SP), tradutora, ficou em dúvida na hora de escrever de 1998 a 1999. Diz ela: “Creio que aqui não ocorre crase, pois ambos são anos e, portanto, palavras masculinas; contudo, tenho visto tanto A como esse acentuado em currículos que fiquei insegura”. Minha cara Luciana, é claro que não tem! O A que está presente na expressão “de 1998 a 1999” é apenas uma preposição solitária; jamais poderíamos encontrar o artigo feminino antes de um numeral. baile a fantasia Vitória gostaria de saber se a expressão baile a fantasia leva ou não o acento de crase, e por quê. Minha cara Vitória, baile a fantasia é como baile a rigor – este A é uma simples preposição, sem a companhia do artigo. Não vamos escrever, portanto, com acento. a bordo O leitor Ednaldo Ariani pergunta se existe crase na expressão a bordo. Meu caro Ednaldo, como bordo é um substantivo masculino, não pode existir acento de crase nesta expressão, pois ficará faltando aquele artigo feminino indispensável. Em a bordo (como em a bombordo, a boreste), este “A” é uma simples preposição. Além disso, se ocorresse artigo aqui, seria o masculino “O”. dada à? Frederico A. transcreve o título de um documento em que é feita uma proposta de remuneração para os sócios de uma empresa: “Proposta de Remuneração a Sócio Executivo”. Sua dúvida é se o “A” deve ou não levar o acento de crase. Meu caro Frederico, dá para fazer uma cocada sem usar coco? Não? Então também não dá para formar uma crase sem um dos ingredientes básicos, a preposição ou o artigo feminino. Agora me diga, aqui entre nós: como você pretende arranjar um artigo feminino antes de sócio, vocábulo masculino? Aliás, aqui nem o artigo masculino está sendo usado, já que sócio está em sentido genérico: é “proposta a sócio” (qualquer), e não “ao sócio” (um sócio determinado). Se fosse no feminino, também não teria acento: “Proposta a Sócia Executiva”. confusão na regra da crase Cláudio, de São José do Rio Preto (SP), afirma que seu professor sempre ensinou “que o A deve levar acento de crase quando antecede uma palavra feminina”; no entanto, mais de uma vez ele encontrou um A antes de palavra feminina que ficou sem este acento. Pergunta: “Isso é verdade ou não? O professor também disse que não havia exceção alguma”. Meu prezado Xará, não troque as palavras do seu professor! O que ele disse – tenho absoluta certeza! – foi que “só pode ocorrer crase antes de palavra feminina”, o que é muitíssimo diferente do que você está afirmando. Dito de outra forma: todo “A” com acento de crase deverá estar antes de palavra feminina, o que não significa que todo “A” antes de palavra feminina deva ter acento de crase (todo buldogue é cachorro, mas nem todo cachorro é buldogue). Em centenas de frases, o A antes de uma palavra feminina pode ser mera preposição ou mero artigo. a jornalistas G. Soares, de Portugal, escreveu a frase “Associação entrega prêmio à jornalistas” e não concorda com os colegas que afirmaram que aquele acento está equivocado. Acrescenta: “Afinal, a palavra jornalista pode ser usada tanto para o homem como para a mulher, não é?”. Meu caro Soares, não se trata de um veredito (ou veredicto, como você usou; ambos estão corretos), mas de uma simples regra de crase. Se escrevermos a jornalistas, jamais poderia haver acento neste “A”, que é, sem dúvida, apenas a preposição isolada. Se tivéssemos aí um “AS”, então a presença do S final revelaria que também ocorre um artigo, tornando obrigatório o uso do acento: “Associação entrega prêmio às jornalistas” – só que me parece que você não estava se referindo a um grupo de jornalistas femininas, não é? sujeitos a revisão Roberto Coimbra quer confirmar o seu raciocínio quanto ao uso do acento de crase: na expressão “dados sujeitos a revisão”, não ocorre crase porque o substantivo está empregado em sentido genérico; já em “dados sujeitos à revisão da Diretoria”, o artigo aparece e, com ele, o acento. “Posso pensar assim?” Prezado Roberto, o seu raciocínio está perfeito. Se o substantivo não estiver determinado, não podemos empregar o artigo definido, um dos ingredientes indispensáveis para que ocorra a crase. Você pode encontrar exemplo semelhante comparando “penalidade sujeita a multa” (a uma multa, indefinida) com “penalidade sujeita à multa de dois salários mínimos”. desrespeitar às normas? L. Ribeiro, de Santa Maria (RS), não entende por que uma banca de concurso considera errado colocar acento de crase em “desrespeitarem as normas de trânsito”. Meu caro Ribeiro, o verbo desrespeitar é transitivo direto (“eu desrespeito o regulamento”, não “ao”) e, como tal, não tem a preposição A que seria necessária para que ocorresse a crase, que é sempre [A + A]). a todas Carmem V., de Barreiras (BA), prepara um texto para o site de sua empresa e precisa saber se escreve “Nesta seção, você terá acesso a todas as vagas” ou “à todas as vagas”. Prezada Carmen, fica sem acento de crase. Este “A”, antes de todas, é a preposição pura. É natural que não apareça aqui o artigo definido, um dos ingredientes indispensáveis da crase, já que todas é um pronome indefinido e eles nunca vão andar juntos. Se você passar para o masculino, a coisa fica bem evidente: “acesso a todos os níveis”. à parte interessada Angela G., de Vitória (ES), quer saber se o “A” em “a parte interessada” deve vir com acento indicativo de crase. Minha prezada Ângela, mas como é que eu vou responder à sua pergunta? A crase é o encontro de uma preposição com um artigo definido; você me envia um segmento em que o artigo parece estar presente (“a parte interessada”), mas não sei como essa frase começou! A presença (ou não) da preposição vai depender da regência do verbo que você estiver empregando; por exemplo, “convoque a parte interessada” (transitivo direto), “refiro-me à parte interessada” (transitivo indireto). a meia-voz Isadora F., de Uruguaiana (RS), quer saber se o A na frase “Ele segredou algo a meia-voz” leva acento de crase. Prezada Isadora, não, não tem acento de crase. Se comparamos esta construção com expressões análogas como a meia-luz, a meio pau, podemos verificar que, nestes casos, o A é apenas a preposição; o artigo não está presente. a laser André pergunta se deve escrever remoção de tatuagem à laser ou remoção de tatuagem a laser na sua tabuleta. Meu caro André, se laser é um substantivo masculino, como é que você consegue imaginar uma crase ali? É igual a caldeira a óleo, feito a martelo, cortado a facão, e assim por diante – sem o acento. a crase depende do contexto José R., de Brasília (DF), pergunta se ocorre crase na expressão em relação a. Meu caro José, faltam dados na sua pergunta! Como vamos saber se ocorre crase ou não, se não temos o resto da frase? Tudo depende do que vier depois da expressão: em relação A minhas Maria Eduarda gostaria de saber se o cartaz “Movimento de apoio a Marilda”, visto em uma campanha eleitoral, está correto. “Não utilizamos acento de crase nesse A?” Prezada Maria Eduarda, antes de nomes próprios, podemos decidir livremente se vamos usar (ou não) o artigo definido. Tanto faz “Movimento de apoio a José” quanto “Movimento de apoio ao José”. É claro que isso também acontece no feminino, com as conhecidas consequências quanto ao acento de crase: “Movimento de apoio a Marilda” (só preposição) ou “Movimento de apoio à Marilda” (preposição e artigo). forno a lenha Andrezza, de Ribeirão Preto (SP), quer saber se deve escrever forno a lenha ou forno à lenha, e por quê. Minha cara Andrezza, forno a lenha, forno a óleo, forno a gás – note que, em todas elas, só temos a preposição a. Se o artigo também estivesse presente, aí sim teríamos “*à lenha”, “*ao óleo”, “*ao gás”. a partir E. Vieira ficou com dúvidas quanto ao uso do acento de crase em a partir de, ao ver que muitos escrevem com o acento, mas outros escrevem sem ele. Meu caro Vieira, antes de partir, que é verbo, é impossível sequer imaginar a existência de um artigo feminino singular; é claro que este A é apenas preposição e será escrito, portanto, sem o acento de crase. da primeira à quarta série Daiane E. gostaria de saber se há crase em “ensino de primeira a quarta séries”, e se a regra válida para este caso também se aplica quando escrevemos a expressão com algarismos (“de 1a a 4a séries”). Minha cara Daiane, enquanto você usar apenas a preposição de, o a vai ser apenas a outra preposição presente na construção paralela e, portanto, sem acento de crase: “de primeira a quarta séries”. Se, no entanto, você decidir usar da [de+a], aí sim vamos ter uma crase: “da primeira à quarta série”. Quanto à segunda pergunta, tanto faz dar na cabeça como na cabeça dar: se você trocar o extenso por algarismos, as duas situações que descrevi acima continuam idênticas: “de 1a a 4a séries” ou “da 1a à 4a série”. contas a pagar Maria de Lourdes S., de Belo Horizonte (MG), recebeu uma correspondência com a expressão “contas à pagar”; como tinha aprendido que não se usa crase antes de verbo, ficou em dúvida. Prezada Maria, você aprendeu certo; não pode haver aí o artigo feminino, presença indispensável na crase. Eu tive um velho professor irascível que sempre nos rogava a mesma praga: “Quem usar acento de crase antes de verbo, que a mão seque e caia!”; ele teria feito melhor se nos explicasse que verbos não admitem artigos, e pronto – mas, de qualquer forma, o princípio continua o mesmo: é impossível que dois As se encontrem antes de um verbo. crase antes de mês? O leitor Milton M., de São Paulo (SP), gostaria de saber se só podemos usar a crase antes de palavras femininas. Pergunta: “Posso escrever mês à mês?”. Prezado Milton, você mesmo já disse: só ocorre artigo feminino antes de substantivos femininos. Logo, é impossível haver acento de crase em “mês a mês”. referente à Ricardo S. gostaria de saber se o “A” depois das palavras pertinente, referente, pertencente, etc. deve receber o acento indicativo de crase. Caro Ricardo, com os vocábulos pertinente, referente e pertencente sempre usaremos a preposição “A”; se este “A” encontrar um artigo feminino singular, aí teremos crase (e usaremos o respectivo acento grave): referente ao item 5; referente à seção 7; pertencente à diretoria; etc. direito à vida A. Anderson traz uma dúvida sobre a frase “Que direitos todas as crianças do mundo deveriam ter? A educação, a família, a saúde”. Vai acento de crase em cima do “A”? Meu caro Anderson, claro que vamos usar o acento em todos esses “As”. Em todos eles está elíptico (para evitar a repetição ociosa) o vocábulo “direito”, que rege a preposição a: [direito] à educação, [direito] à família, [direito] à saúde. chegar a/à noite Vera Lúcia A., de Moji das Cruzes (SP), quer saber se há diferença entre “chegou a noite” e “chegou à noite”. Prezada Vera Lúcia, “chegou à noite” significa que alguém (ou algo) chegou durante a noite; à noite, no caso, é um adjunto adverbial de tempo. “Chegou a noite”, por outro lado, quer dizer apenas que anoiteceu; no caso, a noite é o sujeito da frase. frango a passarinho Marcos H., de Campinas (SP), quer saber se o tradicional prato é frango a passarinho ou frango à passarinha. “Tenho um amigo, conhecedor da língua, que insiste em dizer que é ‘à passarinha’, no feminino, pois o nome é proveniente de uma parte das vísceras do boi ou do porco, e seria uma estupidez falar ‘a passarinho’, pois como se pode cortar um frango baseado no tamanho do pássaro?” Prezado Marcos, é frango a passarinho. Seu amigo não entende nada de culinária. Neste tipo de prato, o frango é cortado em pedaços pequenos (sem respeitar aquela divisão natural em coxas, peito, etc.), de modo a simular mais ou menos o formato da carcaça de um passarinho inteiro – para os nostálgicos do tempo em que nossos bisavós comiam imensas passarinhadas, feitas com pássaros reais (sabiás, tico-ticos, etc.), prato politicamente incorreto que era muito apreciado nas zonas de colonização italiana. a crase e o Espanhol Francisco manda dizer que, em caso de dúvida sobre a crase, passa a frase para o Espanhol. “Se na Teresinha de Jesus W. – Ribeirão Preto (SP) Prezada Teresinha, você está com toda a razão: quem quer que tenha escrito aquela frase foi vítima de uma velha armadilha de concordância. Estamos acostumados a encontrar o sujeito no começo da frase; quando ele é deslocado para uma posição à direita do verbo, é muito provável que o confundamos com os complementos. Quando escrevemos, com todo aquele tempo que temos para refletir e revisar, um exame um pouco mais detalhado da estrutura identificaria o sujeito; a maioria das pessoas, contudo, deixa de fazê-lo, cometendo este tipo de erro. Veja os exemplos abaixo (as expressões em destaque são o sujeito da frase): ERRADO: *No ano passado, teve início as conferências. *Foi anunciado, ontem, os nomes que compõem o Ministério. *Ficou provado, desta forma, as tentativas de suborno. *Espero que seja explicado para todos a razão de sua atitude. CORRETO: No ano passado, tiveram início as conferências. Foram anunciados, ontem, os nomes que compõem o Ministério. Ficaram provadas, desta forma, as tentativas de suborno. Espero que sejam explicadas para todos as razões de sua atitude. Este erro é ainda mais frequente com aquele pequeno grupo de verbos que normalmente têm o sujeito à sua direita: existir, ocorrer, acontecer, faltar, restar, sobrar, bastar, caber. Entre os exemplos a seguir, em que os elementos sublinhados são o sujeito da frase, encontramos o erro do nosso balconista (veja explicação introdutória logo antes): Imagino que, a esta altura, não adianta reclamar, porque já se passaram vários meses e o cartaz já deve ter sido retirado. Fica, no entanto, o meu conselho: quando você tiver outra dúvida desse tipo, vá falar delicadamente com a professora responsável. Se o texto estiver correto, você terá aprendido alguma coisa; se houver realmente equívoco, todo mundo vai sair ganhando. concordância com verbos impessoais Havia ou haviam poucos recursos? Haverá ou haverão novas oportunidades? Houve ou houveram dificuldades? Prezado Professor, tenho uma dúvida cruel: preciso escolher entre “Caso haja” ou “Caso hajam dúvidas ou correções”. Qual é a forma correta? Luís Felipe – São João da Barra (RJ) Prezado Luís, sua dúvida é realmente “cruel” (não sei se você está dando a este vocábulo o mesmo significado em que o estou empregando): haver, aqui, só poderia ficar mesmo no singular, porque se considera que este verbo, ao contrário dos demais, não tem sujeito. Isso pode parecer um pouco absurdo, mas vou tentar explicar. Para qualquer brasileiro, a frase “não havia dinheiro no cofre” é sinônima de “não existia dinheiro no cofre”. No entanto, se trocarmos dinheiro por cheques em ambas as frases, está armada a confusão: na primeira vamos ter “não havia cheques”, mas na segunda teremos “não existiam cheques”. O responsável por isso é o fato do verbo haver ser considerado impessoal – isto é, um verbo completamente anormal que não tem sujeito algum. Todos os falantes sabem que a regra de ouro de nossa sintaxe é a de que todo verbo concorda com o SUJEITO da frase. O que devemos fazer, contudo, com esses verbos cujo sujeito é inexistente? O uso culto prefere deixá-los imobilizados na 3a pessoa do singular. Felizmente esses verbos formam um grupo extremamente reduzido: 1. HAVER – este verbo, quando usado nos sentidos de existir ou ocorrer, fica sempre na 3a do singular (o elemento em destaque é analisado como objeto direto): Você já deve ter-se acostumado a ouvir *haviam pessoas, *haverão dúvidas – construções provavelmente inspiradas, por analogia, em existiam pessoas e existirão dúvidas –, mas com certeza ficaria surpreso se soubesse o quanto se discute, entre os estudiosos, a conveniência de considerar, de uma vez por todas, o verbo haver como um verbo comum com sujeito posposto. Há bons argumentos contra e bons argumentos a favor desse “reenquadramento” de haver, e tanto um quanto o outro lado têm a defendê-los jovens e velhos gramáticos. Aqui se trata, porém, de definir um item do uso culto escrito; portanto, se você quer se sentir seguro, não invente moda e opte por deixar o verbo sempre no singular. Em outras palavras: se você não quer chamar a atenção de todos durante a cerimônia, use gravata (e, de preferência, com um nó clássico). 2. FAZER (e HAVER, também), indicando tempo decorrido: 3. FAZER, indicando condições meteorológicas: 4. PASSAR DE, em expressões de tempo: Não confunda esta estrutura, que é considerada sem sujeito (note que duas horas, três horas, etc. vêm precedidos da preposição DE), com o verbo passar que aparece nos seguintes exemplos: passam três horas do meio-dia; passavam três minutos das duas (aqui, três horas e três minutos são o sujeito do verbo.) 5. BASTAR DE e CHEGAR DE: Basta de reclamações (e não *bastam de). Chega de pedidos (e não *chegam de). 6. TRATAR-SE DE, com referência a uma afirmação anterior: O clube dispensou Jari e Adão. Trata-se (e não *tratam-se) de dois jogadores sem função na atual equipe. Lá vêm as duas moças. Não esqueça: trata-se (e não *tratam-se) das filhas do prefeito. terrenos que eles vendem. Em vez de vendem-se, teimam em escrever vende-se terrenos, assim mesmo, com o verbo no singular. Alguns começam a se perguntar se a voz passiva sintética está ameaçada; eu vejo, simplesmente, que a questão já foi decidida há muito tempo: a sintética deixou de ser uma estrutura viva de nossa língua. Ficou apenas a lenda, contada ainda respeitosamente junto ao fogo dos acampamentos gramaticais mais conservadores. E por que morreu? Porque o que ela teria a oferecer não interessa mais aos falantes, que veem a voz passiva analítica – a verdadeira – atingir as mesmas finalidades, com muito mais vantagem. Vamos ser sinceros: quando eu escrevo vende-se este terreno, pretendo significar que este terreno é vendido (ou está sendo vendido)? Claro que não. É o interesse de não ser identificado (ou, às vezes, um simples pudor) que me leva a não escrever vendo este terreno (o que seria claro, direto e honesto). Ao optar pelo vende-se, quero anunciar algo assim como alguém vende este terreno. Em outras palavras, estou tentando usar, com um verbo transitivo direto, aquela mesma construção que empregamos com os verbos transitivos indiretos quando queremos indeterminar o sujeito (precisa-se de operários, necessita-se de costureiras). Como Celso Pedro Luft nos explicou, usamos o SE sempre que não nos interessa especificar o agente. Em aluga-se uma casa e vende-se este terreno, não interessa saber quem vende ou aluga; interessa a ação e seu objeto. Por isso mesmo, quando o próprio objeto está diante dos olhos do leitor, basta pregar- lhe uma tabuleta com o verbo, e pronto: aluga-se, vende-se. Essa é a realidade; nossa insistência em manter o verbo no singular, a despeito do plural que vem depois, comprova que ninguém sente casas ou terrenos como sujeito dessas frases. Há muito os linguistas brasileiros já sabem que a sintética é pura ficção, mas este é um daqueles tantos itens em que fica evidenciado o imenso (e estranhíssimo!) fosso que separa, de um lado, o que hoje conhecemos sobre a nossa língua e, do outro, o que a disciplina gramatical (sustentada pela maior parte dos livros didáticos) ainda difunde através do ensino. Neste caso, em particular, há um apego ainda mais inexplicável a uma dessas falsas verdades, já que muitos gramáticos “velhos”, dos bons – entre outros, o grande Said Ali (em 1908!), e Evanildo Bechara, seu principal discípulo, e João Ribeiro –, já expressaram sua convicção de que esta estrutura estava morta. Acontece que não são os verdadeiros especialistas quem detém o poder da opinião gramatical no Brasil; este vem sendo exercido, desde o Império, por indivíduos de pouca cultura linguística e magros dotes intelectuais, que ocupam as posições de destaque na imprensa e nas editoras, impondo ao sistema escolar uma língua aprisionada numa estreita moldura teórica – o que é, paradoxalmente, a verdadeira razão de seu sucesso, pois isso dá ao usuário aquela sensação de segurança que o espírito redutor sempre oferece. Basta comparar a atitude aberta, indagativa, de velhos sábios como Said Ali ou Mário Barreto, com a posição autoritária e estreita da grande maioria dos autores que escrevem hoje, século XXI, sobre Língua Portuguesa. O próprio Said Ali já definia, curto e seco, o problema desses bacharéis gramatiqueiros, com sua mirrada análise linguística: eles “pecam por excesso de raciocínio dentro de limitado círculo de ideias”. Criaram um estreito arcabouço lógico para a língua (que, como sabemos, não é lógica) e nele basearam toda uma “disciplina gramatical” que, como não poderia deixar de ser, não passa de uma entediante arquitetura fantasiosa, sem o imprescindível apoio da realidade. A passiva sintética vive nesse mundo fictício, mas vive. É um mecanismo perverso: mesmo aqueles que já estão convencidos de que ela é uma estrutura artificial não ousam ignorá-la, pelo medo de ser avaliados desfavoravelmente por seus leitores, que provavelmente acreditam nessa versão “oficial” do Português. Eu, por exemplo (que não acredito na sintética), vou escrever vende-se casas? Jacaré escreveu? Nem eu! Esse é um dos maiores fatores dessa sobrevivência virtual da sintética: ninguém quer se arriscar a ser o primeiro – isso é mais que humano (além do fato de que, vamos ser sinceros, não se trata de algo tão importante assim que valha o incômodo...). E ela segue vivendo da ilusão dos concursos, dos vestibulares, das petições, dos textos formais e conservadores. O que apresento a seguir é uma suma da concepção tradicional sobre a voz passiva sintética; embora eu dela discorde, friso que ela deve ser conhecida por quem quer que precise demonstrar domínio da Norma Culta Escrita tradicional. A visão tradicional Ao lidar com a voz passiva sintética (também chamada de pronominal, por causa do se, pronome apassivador), nosso maior problema é reconhecer o sujeito da frase. Em estruturas do tipo aceitam-se cheques ou compram-se garrafas, o elemento que vem posposto ao verbo é considerado o sujeito (paciente da ação). Ora, a passiva sintética não é sentida como voz passiva pela maioria dos falantes, que, vendo em cheques e garrafas um simples objeto direto, deixam de concordar o verbo com eles. Nasce aqui o que um antigo gramático chamava de “o erro da tabuleta”: *aceita-se cheques, *compra-se garrafas. Como já disse acima, não vou discutir, aqui, a real existência da passiva sintética; contento- me em explicar como é que a doutrina gramatical escolar a descreve. Não esqueça que ela é ainda encarada como um dos traços que caracterizam o uso culto formal, e você pode ter certeza de que estará presente nas questões de vestibulares e concursos. É necessário, portanto, que você saiba identificá-la e que faça a competente concordância. Para quem tem uma formação mínima em sintaxe, não é tão difícil reconhecê-la: verbos transitivos diretos seguidos de se (não reflexivo) constituem casos inequívocos dessa estrutura. Se ainda assim persistirem dúvidas, lembre que a frase na passiva sintética tem forma equivalente na passiva analítica: Aceitam-se cheques – Cheques são aceitos Compram-se garrafas – Garrafas são compradas Se o verbo for transitivo indireto, é evidente que a passiva – tanto a sintética quanto a analítica – não pode ocorrer. A construção com verbo transitivo indireto + se é uma das formas do sujeito indeterminado no Português, ficando o verbo sempre na 3a pessoa do singular: Precisa-se de serventes. Falava-se dos últimos acontecimentos. Aqui, serventes e últimos acontecimentos têm a função de objetos indiretos. Em frases como essas, muitas vezes ocorre o erro no sentido inverso: assim como o caipira da anedota, várias vezes admoestado a não dizer *fia e *paia em vez de filha e palha, termina saindo-se com um “as arelhas da pralha”, falantes que se preocupam demais com este erro de concordância com a passiva terminam por flexionar também essas estruturas com verbo transitivo indireto: INACEITÁVEL *Precisam-se de serventes. INACEITÁVEL *Falavam-se dos últimos acontecimentos. A maneira mais indicada para assegurar a concordância correta é, aqui, distinguir a regência do verbo. Se for transitivo indireto, certamente não se tratará de caso de voz passiva. Com isso, contudo, fica impossível lidarmos com essa estrutura se não formos capazes de fazer todas as distinções sintáticas necessárias; nada mais natural, portanto, que o uso da sintética tenha ficado reduzido à escrita de usuários cultos e extremamente cautelosos. Aumenta a preocupação: as locuções verbais Quando o verbo principal de uma locução verbal é transitivo direto, ocorrerá normalmente a voz passiva, flexionando-se (como é característico das locuções) o verbo auxiliar: (ativa) O rei tinha autorizado as núpcias do poeta. (analítica) As núpcias do poeta tinham sido autorizadas pelo rei. (ativa) A miopia pode estar prejudicando este garoto. (analítica) Este garoto pode estar sendo prejudicado pela miopia. (analítica) Estas terras tinham sido compradas. (sintética) Tinham-se comprado estas terras. (analítica) As condições do tratado devem ser respeitadas. (sintética) Devem-se respeitar as condições do tratado. Nessas construções de passiva sintética com auxiliar, mais facilmente ainda podemos deixar de fazer a concordância com o sujeito posposto: INACEITÁVEL *Tinha-se comprado estas terras. INACEITÁVEL *Deve-se respeitar as condições do tratado. Aqui, no entanto, há um senão: há vários auxiliares que impedem a transformação passiva (analítica ou sintética). Os gramáticos velhos os denominavam de auxiliares volitivos: os que indicam vontade ou intenção – querer, desejar, odiar, etc. – e os que indicam tentativa ou esforço – buscar, pretender, ousar, etc. A frase “O homem tenta desvendar os mistérios da Natureza” não admite a passiva “*Os mistérios da Natureza tentam ser desvendados pelo homem”, da mesma forma que “Eu quero convidar Fulana” não corresponde a “Fulana quer ser convidada por mim”. Numa frase como “Pretende-se importar os componentes”, o auxiliar deixa claro que não se trata de passiva sintética (componentes não pode ser o sujeito de pretender). O que temos aqui, na verdade, é um sujeito oracional (o sujeito das frases abaixo é a oração subjetiva em destaque), e o verbo fica na 3a do singular: Pretende-se importar os componentes. Busca-se eliminar as diferenças. mata, ou enforca! A Retórica alertava para esses falsos dilemas, que não deixam saída para o interlocutor: “Você ainda bate na sua avozinha, ou resolveu agora ter pena da pobre velhinha?”. Note que, seja qual for a resposta, você estará admitindo uma atitude lamentável contra a terceira idade. “A gente” é um “terrível mau uso” ou “apenas uma cacofonia”? Deu para sentir a maldade? Pois eu acho que o aparecimento dessa expressão é bom em parte, em parte é ruim, Rubens. A força com que gente entrou no Português quotidiano parece revelar que temos necessidade de uma forma assim – um indicador de impessoalidade, como o on do Francês, para substituir o nós, que é muito mais particularizado. Note que, do ponto de vista flexional, gente tem a vantagem de usar a 3a pessoa do singular, a mais simples e menos marcada de todas: “a gente decidiu”, “a gente precisa entender”, etc. O problema surge, no entanto, na hora de escolher os pronomes (pessoais e possessivos) que irão fazer companhia ao vocábulo gente: apesar de ser gramaticalmente da 3a pessoa, o seu emprego no lugar do nós levaria a frases como “*a gente trouxe nossos ingressos”, “*a gente precisa entender nosso pai” – aí sim, Rubens, exemplos de mau uso (mas já não sei se tão “terrível” assim...). Vamos ver como o sistema vai resolver essa; entender uma língua é, antes de mais nada, observar as tendências naturais que ela decide seguir. P.S.: Fique atento para um erro que começa a aparecer por aí: andam escrevendo “*agente precisa tomar cuidado”, “*agente não sabia o que estava acontecendo”. Que tal? 2) Caro Professor Moreno, ficaria muito grato se o senhor esclarecesse quem pode fazer uso da silepse. Vou ser mais explícito: de acordo com o que vi nas gramáticas sobre silepse, poderíamos dizer “a gente vamos”, pois o verbo concordaria com o plural implícito no vocábulo “gente”. Seria silepse de número? David A. – Maceió (AL) Meu caro David, quem pode usar a silepse? Quem quiser, ora. A língua é uma das poucas instâncias democráticas que temos. Se você quer saber quando, aí já é outro departamento. Mas, cuidado: as gramáticas não dizem que podemos usar “*a gente vamos”: isso é erro bravio, do mato cerrado. O que acontece com “gente” é que, às vezes, passamos para o seu conteúdo intrinsecamente plural: “A gente estava atravessando um momento muito difícil. Depois de três dias, decidimos recorrer ao senhor”. Note que não se trata de “*a gente decidimos”. Estamos em outra oração, com outro verbo; houve a transição natural de a gente para nós. Há uma banda jovem (a que toca “Popozuda”...) que ridiculariza esse erro – aliás, numa bela batida funque: “A gente somos inútil!”. o povo brasileiro somos Prezado Professor, eu gostaria de saber se a frase O povo brasileiro somos patriotas está correta. Grato. José Neto – Óbidos (PA) Meu caro José, o processo de concordância verbal é extremamente simples em nosso idioma: sujeito no singular, verbo no singular; sujeito no plural, verbo no plural. Como na sua frase o sujeito é o povo brasileiro – 3a pessoa do singular –, a concordância usual é “O povo brasileiro é patriota” – simples assim. No entanto, podemos, em ocasiões muito especiais (e ponha ênfase nesse “muito”!), quebrar essa correspondência entre a marca de número e pessoa que o sujeito ostenta e a marca de número e pessoa que o verbo dele deve copiar. Nesses casos, desprezamos o que a forma gramatical do sujeito determina e preferimos levar em consideração os traços de número e pessoa que estão implícitos no seu significado. É a velha concordância ad sensum (“pelo sentido”), descrita em nossas gramáticas tradicionais com o nome de silepse ou concordância ideológica. Desta forma, aproveitamos para realçar nosso pertencimento (não está ainda na maioria dos dicionários, mas já tem verbete no incomparável Houaiss) ao povo brasileiro, usando a primeira pessoa do plural: “Os brasileiros somos”. O efeito é muito esquisito, mas a construção aparece em autores clássicos, o que nos assegura que pode ser usada sem grandes reclamações. Todavia, como certas substâncias perigosas, o limite entre a dose adequada e a dose mortal é muito tênue. Sei que você não pediu, mas dou-lhe um conselho de amigo: evite esse recurso! Se alguns (poucos) escritores bons souberam usá-lo com adequação, logo ele passou a ser de gosto extremamente duvidoso, pois os maus escritores (eram tantos!) do final do século XIX e do início do século XX gostavam de exibi-lo como sinal de domínio (!) do idioma – algo assim como andar de bicicleta de ponta-cabeça ou sem usar as mãos. Bem diferente seria se, num texto, começássemos a falar do povo brasileiro e, em seguida, passássemos a usar a 1a pessoa do plural, assumindo nossa identidade nacional e reforçando nossa inclusão: “O povo brasileiro é tratado com inaceitável desprezo pelo capital estrangeiro. Basta! Não aceitamos mais...” – isso traz vários bons efeitos retóricos. Agora, assim de supetão, “o povo brasileiro somos...” – isso é para aqueles discursadores baratos que falam de cima de um caixotinho de querosene Jacaré. Outra solução seria simplesmente reformular a frase para “Nós, o povo brasileiro, somos...”. Neste caso, o sujeito do verbo é nós, enquanto o povo brasileiro passa a ser apenas um aposto. Também fica bem palatável. os Estados Unidos é? Uma leitora do Japão pergunta se os Estados Unidos é ou são uma potência mundial; não que ela tenha dúvida sobre o poder deste país, mas sim sobre a concordância do verbo ser. Caro Professor, gostaria de tirar uma dúvida que já causou um pequeno debate entre mim e umas colegas de trabalho. Sabemos que a palavra Estados Unidos é sempre usada no plural. No entanto, gostaria de saber, numa frase, como fica a concordância do verbo: “Os Estados Unidos é ou são uma potência mundial”? Eu tenho a impressão de que, na escola, uma professora muito bem conceituada na minha cidade me ensinou que nesse caso deveríamos usar o verbo no plural – e foi o que defendi na tal discussão. Sheila Mayumi Y. – Aichi-Ken (Japão) Minha cara Sheila, pelo que vejo, você teve a sorte de ter uma boa professora. Quando o Português faz acompanhar um nome geográfico no plural pelo artigo definido também no plural (os Estados Unidos, os Emirados Árabes, as Antilhas, etc.), isso indica que esse nome terá o comportamento sintático de qualquer substantivo plural. Você pode observar isso em expressões como “os poderosos Estados Unidos”; “Ele não gostava dos Estados Unidos; respeitava-os, apenas, por seu...”; “Os Estados Unidos se tornaram...”. Compara com Campinas, Manguinhos, Lajes, etc. – embora tenham a marca do plural, entram na sintaxe como vocábulo no singular (“Campinas é...”, “a orgulhosa Campinas”, etc.). mais sobre Estados Unidos Caro Professor, vi sua resposta sobre concordância verbal quando o sujeito é Estados Unidos e gostaria de saber, nas frases “os EUA é/são o país mais rico do mundo” e “um país como os EUA não pode/podem deixar de investir nas novas tecnologias”, se os verbos são também conjugados no plural. Muito obrigado pela atenção. Abraço. Marcelo V. – Goiânia (GO) Meu caro Marcelo, as duas frases são construções diferentes. Na frase “Os EUA são o país mais rico do mundo”, temos a clássica estrutura [sujeito+verbo SER+predicativo]. Ela é similar a “os olhos são seu maior problema”, “os dois excelentes zagueiros são a garantia de nossa defesa”. Como é que posso afirmar que o sujeito da frase, Estados Unidos, é plural? É muito simples; basta ver que o sintagma está assim estruturado: [os+EUA]; ora, como o artigo (“os”) é obrigado a concordar com o núcleo do sintagma (“EUA”), o fato de estar no plural é indício indiscutível de que o núcleo também está. Já a segunda frase tem como sujeito [um país como os EUA], cujo núcleo é “país” (“um” é artigo indefinido; “como os EUA”, exatamente por vir ligado por preposição ao núcleo, país, é um mero elemento periférico). O verbo sempre concorda, você bem sabe, com o núcleo do sujeito; com a outra (“*somos nós quem fazemos” ou “*somos nós que faz” são frases absurdas). A frase da Martha, portanto, está correta; ela poderia também ter escrito “Não fui eu quem começou”, mas preferiu (como a maioria de seus leitores o faria) a primeira. a maioria dos homens Uma jovem leitora escreveu “a maioria dos homens fica encabulada”; a professora corrigiu para “ficam encabulados”. Quem está com a razão? O Professor vem serenar os ânimos. Professor, tenho 12 anos e estou na 7a série. Fiquei indignada com a correção que minha professora de Português fez na minha redação, considerando errada a concordância na frase “A maioria dos homens fica encabulada de fazer os exames de próstata”. Ora, tenho quase certeza de que minha forma está correta. Mas pode haver outra forma para a mesma frase, como, por exemplo, a forma corrigida? Segundo ela, o correto seria “A maioria dos homens ficam encabulados de fazer os exames de próstata”. Camilla Maciel S. – Jundiaí (SP) Minha cara Camilla, eu também prefiro a concordância com o núcleo do sintagma (“a maioria dos homens fica”), mas todos os gramáticos prescritivos concordam em admitir também (ou seja: é uma “licença” que aqueles senhores “concedem” por causa do uso) a concordância com o termo periférico: “a maioria dos homens ficam”). Escrevi algo a respeito disso no artigo sobre concordância com percentuais. Só há um complicadorzinho no seu caso específico, que é o adjetivo encabulado. Se optarmos (como você e eu) pela concordância com o núcleo maioria, o adjetivo fica encabulada, como você escreveu – e vamos ter de convir que esse feminino não soa tão bem numa frase que fala de homens. Afinal, homens deveriam ficar encabulados! Talvez por isso a sua professora tenha preferido a concordância opcional com “homens”. De qualquer forma, a redação que você fez está correta; resta saber se ela discordou da concordância por considerá-la “errada” ou por estar apenas aconselhando você a optar por outra forma mais bem-soante – coisa que eu faço a toda hora nas redações de meus alunos. Fale com ela, que eu acho que tudo vai se esclarecer. Curtas notifiquem-se os interessados Adriana P., de Salvador (BA), quer saber qual é a forma correta: “notifique-se os interessados” ou “notifiquem-se os interessados”. Minha cara Adriana, interessados é o sujeito dessa frase; logo, notifiquem-se os interessados, ou notifique-se o interessado, se for um só. Recomendo que você dê uma olhada no que escrevi na concordância com a voz passiva sintética. Lá está tudo bem explicadinho. concordância com a maioria Um leitor que foi batizado com o estranho nome de “Escritório Modelo” quer saber qual a forma correta: “a maioria dos eleitores votaram ou votou neste candidato”? Alega que sempre achou que o verbo deveria concordar com maioria, mas notou que os jornais fazem a concordância utilizando- se do plural votaram. Meu caro Escritório Modelo (já que não veio com nome de gente...), eu prefiro concordar com o núcleo do sujeito: a maioria dos alunos votou, grande parte dos deputados se absteve. Contudo, como a atenção do falante é fortemente atraída pelo modificador do núcleo, é também comum – e aceita pelos gramáticos tradicionais – fazer a concordância com este elemento periférico: a maioria dos alunos votaram. Eu me sinto mais seguro com a primeira, que é sempre indisputável, mas muita gente prefere a segunda. Dê uma lida no que escrevi antes sobre a maioria dos homens, pois lá faço alguns comentários sobre este tópico. é uma e meia Luís Henrique, um paulistano de 18 anos, tem dúvida quanto à concordância com o número de horas; sabe que é correto dizer “é uma hora” e “são duas horas”, mas hesita quando se trata de “uma e meia”. Meu caro Luís Henrique, o plural, nas línguas ocidentais, começa quando tivermos dois ou mais de dois. Portanto, “É uma hora”, “É uma e meia”, “É uma hora e cinquenta e nove minutos – PLIM! São duas!” concordância do verbo ter Roselly S., de Caxias do Sul (RS), tem dúvida quanto ao verbo ter. Diz ela: “Na frase ‘a maioria das pessoas tem’, ele permanece no singular. Certo? A minha dúvida é como ele fica na frase ‘Obrigação que qualquer das partes tem ou têm’?”. Minha cara Roselly, são duas situações completamente diferentes, embora com o mesmo resultado. Em “a maioria das pessoas tem”, o verbo está no singular porque concorda com o núcleo do sujeito, maioria. Em “obrigação que qualquer das partes tem”, o verbo concorda com o pronome qualquer (singular de quaisquer). Compare: “Qualquer um dos alunos sabe”, “Qualquer um dos candidatos afirma”, e assim por diante. mais de um votou O leitor que se assina “Pigmeu”, de São Paulo (SP), diz que a namorada quer saber a forma correta: “Isso ocorre nos condutores quando mais do que um nível de tensão for modelado/forem modelados numa estação”. “A dúvida nasceu por causa do mais do que um”, diz Celso, que se declara decidido a manter o saldo positivo com sua garota... Meu prezado Pigmeu, a concordância usual, na linguagem culta, com mais de um é com o verbo no singular: “quando mais de um nível de tensão for modelado”. Na verdade, isso faz parte de uma regra mais ampla: o numeral depois de mais de é que vai decidir se é singular ou plural. “Mais de um deputado votou”, “mais de dois deputados votaram”. fomos nós quem fez Ruy R. W. pergunta se não está errado escrever “Fomos nós quem fez”. O correto não seria “fomos nós quem fizeram”? É claro que não, meu caro Ruy; o quem é um pronome que leva sempre o verbo para a 3a pessoa do singular: “fomos nós quem fez”, “foram eles quem fez”. Essas combinações soam tão estranhas que preferimos, em geral, usar o que em vez do quem. Nesse caso, o verbo vai concordar com o antecedente do que: fui eu que fiz, fomos nós que fizemos, foram eles que fizeram. é nestes momentos que... Lima, de Campina Grande (PB), precisa saber qual a forma correta: (1) “É nestes momentos que me parece difícil dizer palavras de consolo”; (2) “É nestes momentos que me parecem difíceis dizer palavras de consolo”; ou (3)”São nestes momentos que me parecem difíceis dizer palavras de consolo”? Caro Lima, a sua primeira hipótese está correta; as outras duas, completamente erradas. A
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