Baixe FONSECA, Pedro Cezar Dutra da - Nacionalismo e economia. O segundo governo Vargas e outras Notas de estudo em PDF para Economia, somente na Docsity!
A partir de certo corte analítico, os autores que estudaram O
undo governo Vargas dividem-se em dois grupos. O primeiro
enfatiza que o Governo encampava um projeto — de “nacional
desenvolvimentismo” — e o segundo, mesmo que a partir de
enfoques diferentes, nega que isto tenha ocorrido. As análises do
primeiro grupo antecedem às do segundo, e sustentam que o pro-
feto varguista consistia em encampar um desenvolvimento nacio-
sz] autônomo para o País, expresso na industrialização e sob a lide-
zança da burguesia industrial, em aliança com os trabalhadores e
res da classe média urbana (como a burocracia estatal). De-
em esta tese intelectuais ligados à CEPAL, como Celso Furta-
| eao ISEB, como Hélio Jaguaribe, Nelson Werneck Sodré, Ignácio
Rangel e Cândido Mendes. Subjacente a ela, encontra-se a polari-
ade entre capitalismo nacional e capitalismo associado, este de-
endido pelos opositores de Vargas, como o capital estrangeiro e
UDN, aliados aos setores agrários, principalmente os exporta-
dores, que se opunham à industrialização.
A partir dos anos sessenta, vários autores criticaram este en-
aque, destacadamente Fernando Henrique Cardoso (1964, 1971,
580). Eles não se propunham, via de regra, a negar a existência
do “nacional desenvolvimentismo” enquanto projeto, ou mes-
mo como ideologia. Mostraram as razões de sua crise com a in-
nacionalização da economia a partir dos anos cinquenta, e
discutiram a ideologia não-nacionalista da burguesia industrial
“a postura não de todo anti-industrializante dos setores agrá-
Mesclando as análises com as propostas políticas da época,
Eicavam os equívocos do “nacional-desenvolvimentismo” e
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salientavam as razões de sua falência, mas não punham em dú-
vida a sua existência.
A partir dos anos setenta, uma nova literatura veio enfatizar o
contrário: o projeto “nacional-desenvolvimentista” de fato nunca
teria existido; fora uma criação ideológica (no sentido de uma
ideologia de legitimação do grupo do poder) do Governo, dos
intelectuais ou de ambos conjuntamente. Thomas Skidmore (1976,
p. 124) ressalta as intenções ortodoxas de Vargas na política de
curto prazo, preocupada com o combate à inflação e com os déficits
orçamentários e no balanço de pagamentos. Para ele, o Governo
fora ambíguo em matéria de economia, acrescentando que só a
partir da segunda metade do Governo teria havido uma “virada
nacionalista”, quando as tentativas de aproximação com os Es-
tados Unidos mostraram-se infrutíferas.
Essa tese da “virada nacionalista” foi criticada por Lessa & Fiori
(1984, p. 593-4, 575-8), para os quais o segundo govemo Vargas
mostrara-se ortodoxo em matéria de política econômica e não
possuía qualquer projeto, muito menos um projeto industria-
lizante. Ressaltam estes autores os pontos comuns entre Vargas e
o capital estrangeiro, negando veementemente as interpretações
que enfatizam seu nacionalismo. Acompanham a mesma orienta-
ção os trabalhos de Maria Celina D'Araújo (1982) e de Sérgio
Besserman Vianna (1985). A primeira, privilegiando a esfera polí-
tica, mostra os compromissos de Vargas com o conservadorismo
e com os setores agrários do PSD (Partido Social Democrático).
Ela não chega a negar o “nacional-desenvolvimentismo” que te-
ria existido na economia, mas traz à tona novamente a ambigii-
dade — “progressista economicamente, conservador na política”
— e critica as “incoerências” do Governo. Vianna, por seu lado,
analisa a política econômica, principalmente a política cambial e
as relações externas, e conclui que tanto a composição política
conservadora como a sucessão de problemas de “curto prazo” con-
tribuíram para que fossem adotadas políticas econômicas restriti-
vas e ortodoxas, em oposição às intenções industrializantes. Volta
à tona, neste sentido, uma clássica questão da historiografia eco-
nômica: a dicotomia entre intenções e realizações.
Se é verdade, como enfatizam os últimos autores, que a tese da
“virada nacionalista” não se sustenta, e que o entendimento do
segundo governo Vargas deve ser construído através de análises
que procurem abarcar o período como um todo, tentarei abordar
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“curto prazo” eram vistos mais como restrições ao crescimento
elerado do que como pretexto para abandoná-lo como objetivo.
a o próprio Vargas que pedia “que o Congresso Nacional ajude,
is, o Poder Executivo a facilitar a ordem e o equilíbrio das fi-
Ranças, a fim de que se abram para o Brasil novos caminhos de
cipal de seu Governo o desenvolvimento econômico mesmo
ando seus pronunciamentos abordam questões de “curto prazo”. Ao
atar da inflação, do crédito, do balanço de pagamentos, dos gastos
públicos e da tributação, suas opiniões muitas vezes afastam-se da
* ortodoxia, desviando-se das concepções dominantes à época. Não
“se tratava de “propostas desenvolvimentistas e industrializantes
“mo longo prazo” versus “ortodoxas e restritivas no curto prazo”, pois
+ mesmo nestas é visível a heterodoxia. Assim, por exemplo, reitera-
* das vezes ele negou que houvesse relação entre inflação e oferta mone-
“fária, preferindo assumir que a emissão é consegiiência e não causa:
“Se estabelecermos um cotejo entre os vários aumentos da
moeda em circulação e os do custo de vida, verificaremos que
não há proporção alguma. O custo de vida aumentou; a moeda
em circulação também aumentou. A relação entre os dois fenô-
menos, porém não é básica.” (Vargas, G. Op. cit.).
Desviava-se também da ortodoxia da época ao entender que era
pelo aumento da produção, e não pelo corte da demanda agregada,
que se deveria combater a inflação. Neste sentido, construía uma
visão em que a expansão do crédito contribuía ao mesmo tempo
para atender aos fins do desenvolvimento econômico e do comba-
te à inflação. Não havia sentido, então, o governante perguntar-se
qual a quantidade de meio circulante compatível com certa infla-
ção, pois a expansão monetária não agia (preferencialmente ou ex-
clusivamente) sobre preços, mas também sobre a própria produção:
“Parece lógico que a solução para o problema não é restringir
créditos e, sim, aumentar a nossa produção e riqueza, aumen-
tando, portanto, os bens, as mercadorias, e os serviços. (...)
1 Vargas, G. O Governo Trabalhista do Brasil, v. 1, p. 362.
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Doutrinariamente, esse ponto de vista estaria certo, se não hou-
vesse mais possibilidade de aumento da produção, isto é, se o
Brasil tivesse alcançado a saturação econômica. O grande mal
de ler certos livros estrangeiros, sem traduzir os problemas,
limitando-se à tradução de palavras, reside principalmente
nisso”. (Vargas, G. Op. cit.)
Na política econômica, a busca de fórmulas alternativas visando
compatibilizar o crescimento econômico com o saneamento sem-
pre foi o principal objetivo do Governo — independentemente da
eficácia das medidas implementadas. O exemplo mais claro ocor-
reu com o câmbio, pois em 1953 os atrasados comerciais do País
alcançavam 700 milhões de dólares. A taxa cambial permanecia
fixa desde 1938, e, com a ascensão de Vargas, o regime de conces-
são de licenças para importar havia passado a funcionar com cri-
térios mais frouxos, atendendo a reivindicações empresariais.
Vargas, entretanto, criticava o liberalismo nas importações e as
“operações vinculadas”, estabelecidas inicialmente com o objetivo
de incentivar exportações de determinados bens e permitindo,
em contrapartida, importações, inclusive de bens de consumo de
difícil acesso através de licenciamentos.
A grave situação de 1953 levou o ministro Osvaldo Aranha a
adotar a Instrução 70 da SUMOC (9.10.1953). Com ela, eviden-
ciou-se mais uma vez a busca da estabilidade cambial, ferindo ao
mínimo os compromissos desenvolvimentistas. Ao invés de des-
valorizar substancialmente o cruzeiro ou, o que seria equivalente
numa época de escassez de divisas, liberalizar o mercado cambial,
o Governo optou por um maior intervencionismo ao restabelecer
o monopólio cambial pelo Banco do Brasil e adotar o sistema de
leilões de câmbio para importação. Nestes últimos, diferencia-
ram-se as importações de acordo com sua essencialidade — ou seja,
segundo sua relevância para a produção industrial ou agrícola.
O sistema de taxas múltiplas de câmbio feria ao mínimo os interes-
ses desenvolvimentistas, embora fosse criticado pelos industriais
e aplaudido pela ortodoxia (Gudin, Bulhões). A atitude dos empre-
sários industriais (e principalmente dos grandes empresários, com
acesso à imprensa e com cargos nos órgãos de representação em-
presarial), pode ser entendida, porque para eles a importação se-
ria mais barata com taxa de câmbio única e sobrevalorizada, com
relação a leilões de câmbio. Ou seja: preferiam que a crise cambial
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o existisse. O Governo optou por sanear o déficit externo, pen-
ando nos interesses desenvolvimentistas a longo prazo, mesmo
isto contrariasse interesses imediatos. E, ao fazê-lo, procurou
inimizar os custos da crise para os próprios industriais, já que
assificava os bens de acordo com sua essencialidade. Ao estabe-
fer esta, o Governo garantia a continuidade do fluxo de impor-
ões indispensáveis, embora tornando-as mais caras do que no
ma anterior.
a, finalmente, uma última observação. Enquanto boa pa-
e dos autores pretendem testar se o Governo era ortodoxo ou
ão, comparando sua política econômica (principalmente as
plíticas monetárias, cambiais e fiscais) com determinado mo-
lo tido como “ortodoxo”, é importante verificar que as ações
b Governo devem ser analisadas num quadro mais amplo,
e vai além do manejo destes instrumentos de curto prazo da
ítica econômica. Este foi o caso, por exemplo, da criação de
meros órgãos, institutos e comissões que apontavam não só
gra o intervencionismo estatal, mas também para os com-
pmissos com os interesses desenvolvimentistas. Mesmo que
guns tivessem tido uma ação tímida ou aquém da desejada,
Z “a criação demonstrava, sem dúvida, uma intencio-
io dade.
Este foi o caso da criação do BNDE, em 1952, que deveria ad-
pistrar o Fundo de Reaparelhamento Econômico. Ao longo do
ando governo Vargas foram criadas ainda a Comissão Nacio-
de Política Agrária, a Comissão de Desenvolvimento Indus-
al, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento dos
ansportes, a Comissão Nacional de Bem-Estar, o Instituto Nacio-
] de Imigração e Colonização, a Carteira de Colonização do
o 2 do Brasil, o Banco Nacional de Crédito Cooperativo, a Com-
a Nacional de Seguros Agrícolas, o Conselho Nacional de
istração de Empréstimos Rurais, o Serviço Social Rural, a
ão Executiva do Carvão Nacional, o Instituto Nacional do
, a Comissão Executiva da Indústria de Material Automo-
ico, a Comissão Federal de Abastecimento e Preços, a Co-
ão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
elho Nacional de Pesquisas (CNPq), o Banco do Nordes-
& Banco de Crédito da Amazonia, a Comissão Consultiva de
srcâmbio Comercial com o Exterior (junto à CACEX) e a Co-
são de Revisão de Tarifas Aduaneiras.
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À contradição básica do nacionalismo talvez pudesse ser sin-
tetizada (com todos os riscos que as sínteses envolvem) em de-
pender dos investimentos estrangeiros para acelerar e viabili-
zar o crescimento econômico e, ao mesmo tempo, nem sempre
haver coincidência plena de interesses entre este projeto e o dos
Estados Unidos. Os discursos nacionalistas mais exaltados, por
exemplo, ocorriam criticando a ausência de ajuda norte-ameri-
cana, o “descaso” desse país com relação aos problemas nacio-
nais: reclamava-se mais a ausência do que a presença do capital
estrangeiro. Se isto pode parecer absurdo numa análise lógica, é
perfeitamente inteligível do ponto de vista histórico, pois trata-
va-se do nacionalismo possível (e, portanto, do nacionalismo em
termos históricos). Possível, pois em se tratando de um projeto de
desenvolvimento capitalista, não havia razões para forçar um
rompimento com o “Bloco Ocidental”. A própria ideologia “naci-
onal-desenvolvimentista”, aliás, apontava para a convergência
entre os “interesses nacionais” e o referido bloco, chamando por
inversões externas para incrementar o crescimento econômico e,
com isto, amenizar as desigualdades sociais.
A formação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos ilustra a
aproximação e as desavenças entre os dois governos. Nela, técni-
cos brasileiros e norte-americanos trabalharam na elaboração de
diagnósticos da economia brasileira e apresentaram 41 projetos
específicos de financiamento. Juntamente com o Acordo Militar
Brasil-Estados Unidos, de 1952 (pelo qual os EUA se comprome-
tiam a fornecer equipamentos e o Brasil matérias-primas bási-
cas, como areia monazítica e outros minérios, inclusive os também
radioativos), ela demonstra não ter havido qualquer posição
xenófoba por parte do governo Vargas, tendo sido inegáveis as
tentativas de aproximação. Mas, isto não apaga o outro lado,
conflituoso e nem sempre coincidente, das relações e dos interes-
ses de ambos os países.
Em 1951, o ministro João Neves da Fontoura acertou emprésti-
mos com o Banco Mundial de 500 milhões de dólares, dos quais
só receberia 63 milhões. O banco dispunha-se a financiar projetos
específicos contrariando as expectativas de Vargas, para quem
caberia tão-somente ao governo brasileiro alocar os recursos. Os
discursos de Vargas, nessa época, alternavam-se entre um tom
francamente nacionalista e outro mais moderado, como convinha
à política de barganha.
| Pedro Cezar Dutra Fonseca
ir de meados de 1952, as £
-se mais difíceis. E início de
à ânimos. A ao do republicano Risoto
a Truman também contribuiu para 0 endurecimento da
lca norte-americana. Esta passou a exigir dos países latinos
ficanos uma postura mais próxima do “alinhamento automaá-
e desde logo afirmou uma posição contrária à de Vargas, de
Wibuir à iniciativa privada os empréstimos e financiamentos para
xterior, afastando as negociações de governo a governo,
Vargas reafirmava não desejar romper com os Estados Unidos,
as mostrava a disposição de regulamentar a atuação do capital
angeiro e a remessa de lucros. As inversões externas deveriam
ecionar-se a áreas definidas como prioritárias pelo governo
brasileiro, que julgava oportuno diferenciar o tratamento oficial
às empresas nacionais e estrangeiras. Não havia razões, por exem-
— plo, para atrair capitais para os ramos de bens de consumo e/ou
supérfluos, já que os mesmos deveriam direcionar-se para a ex-
ploração da energia elétrica, da indústria química de base e da
siderurgia. A “ameaça nacionalista” não dispensava o capital es-
trangeiro, mas o requeria para ramos e setores que nem sempre
eram do interesse norte-americano. O setor de bens de consumo
durável, tido como mais atraente e de maiores potencialidades de
expansão, contrariava o projeto do governo brasileiro de direcionar
os capitais para a infra-estrutura.
Os conflitos não resultaram em rompimento de relações diplo-
máticas ou comerciais entre os dois países. Como bem demonstra
Sérgio Besserman Vianna (1985, p. 108-15), os investimentos pri-
vados dos EUA no Brasil destacavam-se no mundo. Entre 1949 e
1954, os investimentos líquidos daquele país no Brasil represen-
taram 53% do total em manufatura na América Latina e 17% do
total mundial. Após o Canadá, o Brasil foi o país que mais recebeu
investimentos norte-americanos naquela época.
À luz destes fatos, parece incontestável que existiu uma ideo-
logia nacional-desenvolvimentista — ou seja, que o desenvolvi-
mento econômico foi associado, nos discursos, nas idéias, nas
manifestações, à independência e à autonomia nacionais. O nacio-
nalismo não expressava uma repulsa ao capital estrangeiro, mas
E emergia como resposta aos projetos nem sempre coincidentes do
Nacionalismo e economia: o segundo governo Vargas | |
e
com os interesses externos, apagando
5 em discurso revelava as contradições, mas
unidade, Daí ser um objeto de análise sempre sujeito à polê-
quando não pelo simples fato de sua resultante histórica
jar para a construção de seu oposto: a maior internaciona-
ção da economia.
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Vianna, Sérgio Besserman. A Política Econômica do Segundo Governo Vargas.
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