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Análise das Origens Étnicas e Sociais dos Empresários Industriais no Brasil, Notas de estudo de Economia

Este documento analisa as origens étnicas e sociais dos empresários industriais no brasil, desmistificando a crença de que eles se originaram nas famílias ligadas à produção e ao comércio de café. O autor argumenta que eles vieram de famílias de imigrantes de classe média e que a industrialização brasileira foi influenciada pela imigração europeia. Além disso, o documento discute a relação entre café e indústria no brasil e como isso influenciou as percepções sobre as origens dos empresários industriais.

Tipologia: Notas de estudo

2013

Compartilhado em 18/10/2013

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arthur-lula-4 🇧🇷

4.8

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Baixe Análise das Origens Étnicas e Sociais dos Empresários Industriais no Brasil e outras Notas de estudo em PDF para Economia, somente na Docsity! 1 Abril, 1994 EMPRESÁRIOS, SUAS ORIGENS, E AS INTERPRETAÇÕES DO BRASIL Luiz Carlos Bresser Pereira Há certos momentos em que a visão dominante sobre um determinado problema contraria frontalmente os dados existentes. Este fato ocorreu nos anos 60 e 70, no Brasil, em relação ao problema das origens étnicas dos empresários industriais paulistas. No início dos anos 60 publiquei na Revista de Administração de Empresas pesquisa demonstrando de forma clara que os empresários não se haviam originado em famílias brasileiras ligadas ao café, mas em famílias de imigrantes de classe média (Bresser Pereira, 1964). Não obstante, no final da década, depois da publicação do ensaio de Caio Prado Jr. A Revolução Brasileira (1966), tornou-se voz corrente entre os intelectuais brasileiros que a origem do empresariado industrial estava na oligarquia cafeeira. Nesse livro o grande historiador afirma peremptoriamente, embora sem nenhuma base em pesquisa, que “em São Paulo, por exemplo, muitas das primeiras e principais indústrias são de fazendeiros que empregam os lucros auferidos na cultural do café, em iniciativas industriais” (1966: 198). E o livro de Warren Dean sobre a industrialização de São Paulo, publicado no Brasil em 1971, embora confirmasse minha pesquisa sobre as origens dos empresários, acabou por agravar a confusão. Depois de dar grande ênfase à importância do café para o surgimento da indústria em São Paulo, mostrou com base em pesquisa, como os primeiros industriais eram originalmente imigrantes que se dedicavam à importação. Em seguida, entretanto, empenhou-se em negar a tese de que os latifundiários constituíram-se em obstáculo político à industrialização, e afirmou, confundindo a questão, que “os proprietários rurais não somente sobreviveram como classe, mas também dirigiram a passagem de uma cultural rotineira de cana-de-açúcar, do princípio do século XIX, para um complexo sistema industrial nos meados do século 2 XX” (1971: 41).1 Antes disto, Luciano Martins (1965: 94), em estudo sobre os grupos bilionários nacionais, verificou que entre os grupos que tinham na indústria sua atividade principal, 66 por cento eram naconais.2 Não obstante, em um trabalho realizado em seguida revelou-se inseguro a respeito do problema, afirmando que “existem dados empíricos indicativos - embora o ponto seja ainda obscuro - de que as camdassociais que detinhamos meios de produção do primeiro modelo (primário- exportador) não passaram a deter os do segundo (industrial)” (1967: 102).O autor enfatiza mais adiante essa obscuridade, afirmando que existem “boas fontes” para a tese relacionando a industrialização com os cafeicultores (especificamente, Nelson Werneck Sodré).3 Essa obscuridade permite-lhe-salientar uma idéia que naquele momento (após o golpe de Estado de 1964) havia-se tornado politicamente importante para amplos setores da intelectualidade brasileira: a idéia de que “diversos setores empresariais como que se fundem ou se confundem no ato mesmo de redistribuírem seus interesses pelos diferentes ramos de atividade...” ((1967: 130). Como explicar este fato? Por que os intelectuais brasileiros ou afirmavam a origem dos industriais no café ou se declaravam inseguros? Devido ao grande prestígio intelectual de Caio Prado Jr.? Sem dúvida esta é uma razão. Porque não leram meu artigo? Ou por que não concordaram com suas conclusðes? Entre essas duas hipóteses, a primeira deve ser mais verdadeira, já que o artigo raramente foi citado?4 Mas, evidentemente, estas não são explicaçðes suficientes. Deve haver um problema maior, de caráter ideológico, que explica como uma interpretação histórica sem nenhum fundamento na realidade, sem nenhuma pesquisa para convalidá-la, ganhou foros de verdade indiscutível, sendo, provavelmente, até hoje dominante. Neste artigo inicialmente apresentarei de forma sumária os dados de minha pesquisa. Em seguida farei uma tentativa de explicar o equívoco ocorrido, a partir de 1 - Fernando Henrique Cardoso, que escreveu o primeiro livro importante sobre os empresários industriais no Brasil, reconheceu implicitamente que não se originavam das famílias ligadas à produção e ao comércio de café, ao afirmar que os empresários industriais foram recrutados "nas camadas médias da população urbana: descendentes das famílias `de tradição', mas sem posses, que se ligaram ao funcionalismo público... ; descendentes de imigrantes... ; imigrantes" (1963: 160-161). 2 - Diferentemente de minha pesquisa, que, embora baseada em um levantamento realizado em 1962, tinha caráter histórico, buscando as origens dos empresários que haviam desenvolvido decisivamente suas empresas, não importantdo se estivessem vivos ou mortos, na ativa ou já aposentados, a pesquisa de Luciano Martins referia-se aos empresários ativos em 1964. 3 - Ver Sodré (1964: 271). 4 - Mesmo no extraordinário trabalho de Suzigan (1986), em que o problema da origem e do desenvolvimento da indústria brasileira foi amplamente analisado e todo o debate resenhado, não há menção à minha pesquisa. Entre os poucos analistas que a utilizaram, posso citar dois: Luciano Martins (1967) e Sérgio Silva (1976). 5 ------------------------------------------------------- ------- Tabela 2: Origens por País dos Empresários Paulistas ------------------------------------------------------- --------- País de origem e grandes grupos étnicos no. % 1. Itália 71 34.8 2. Brasil (3 geraçðes) 32 15.7 3. Alemanha 21 Áustria 5 26 12.8 4. Portugal 24 11.7 5. Líbano 13 Síria 5 Armênia 2 20 9.8 6. Rússia 6 Polônia 2 9 4.4 Checoslováquia 1 7. Suíça 5 Hungria 3 Espanha 3 Dinamarca 2 França 2 Estados Unidos 2 Grã-Bretanha 2 Uruguai 2 Grécia 1 Romênia 1 22 10.8 Total 204 100.0 ------------------------------------------------------- --------- As origens sociais dos empresários industriais paulistas são também claras. Apenas 3,9 por cento tiveram origem nas famílias “aristocráticas” ligadas ao comércio e à produção do café. Originados na classe alta inferior, constituída por famílias ricas mas sem origens nos barðes do café, tivemos 21,6 por cento dos empresários. Na classe 6 média superior, definida pela situação econômica média da família na época da infância ou adolescência do empresário e pela educação de nível superior do pai, tivemos apenas 7,8 por cento. Nas classes médias propriamente ditas, formadas principalmente por pequenos e médios empresários, originaram-se 50 por cento, enquanto apenas 16,7 por cento originavam-se na classe baixa, constituída principalmente por famílias pobres nas quais o pai tinha geralmente uma profissão braçal. ----------------------------------------------------- Tabela 3: Origens sociais dos Empresários Paulistas ----------------------------------------------------- SOCIAL CLASS no. % Alta-superior 8 3.9 Baixa-superior 44 21.6 Média-superior 16 7.8 Média-média 44 21.6 Média-inferior 58 28.4 Baixa 34 16.7 Total 204 100.0 ----------------------------------------------------- Esta pesquisa não deixa, portanto, qualquer dúvida. Os empresários industriais do Estado de São Paulo, onde se concentrou a industrialização brasileira, não tiveram origem nas famílias ligadas ao café. Originaram-se em famílias imigrantes principalmente de classe média. 2. Café e Indústria Estes dados deixam evidente a falta de relação entre as famílias de cafeicultores e as dos empresários industriais. Nada dizem, porém, sobre as relaçðes econômicas, muito menos sobre as relaçðes políticas entre esses empresários e os cafeicultores. Como uma das causas do fato de que os resultados desta pesquisa tenham sido ignorados está na 7 relação - e na confusão - entre as origens étnicas dos empresários e as relaçðes econômicas entre a indústria e o café, farei agora uma breve análise deste problema. Em seguida me concentrarei no problema ideológico e político, onde se encontra a meu ver explicação fundamental. A industrialização de São Paulo jamais teria ocorrido na forma que ocorreu não fosse a acumulação de riqueza provocada pelo café. As primeiras tentativas de industrialização do Brasil tiveram lugar no Nordeste e no Rio de Janeiro. Abortaram porque faltava-lhes um excedente que permitisse, de um lado, a formação de um mercado interno, de outro, o surgimento de uma infra-estrutura econômica que viabilizasse a indústria. Warren Dean (1971), no primeiro capítulo de seu livro afirma a relação causal direta entre café indústria no próprio título do primeiro capítulo de seu livro, sugestivamente denominado “O Comércio do Café Gera a Indústria”. Villela e Suzigan (1973) e Robert C. Nicol (1974) também empenham-se em demonstrar essa relação positiva. Na mesma linha de pensamento estão Carlos Manoel Peláez (1972) e Wilson Cano (1977), cuja pesquisa a respeito do assunto é definitiva. Esses trabalhos, entretanto, tiveram uma clara preocupação em criticar a interpretação clássica, desenvolvida principalmente nos anos 50, que salientava a oposição entre a industrialização e o café. Esta interpretação estava, de um lado, baseada na análise definitiva de Celso Furtado (1959) sobre o extraordinário desenvolvimento industrial ocorrido nos anos 30 a partir exatamente da crise do café,6 e, de outro, nas análises políticas, que enfatizavam os conflitos entre os cafeicultores e a burguesia industrial nascente pelo controle do Estado. Segundo esta análise, que teve em Nícia Vilela Luz (1961) sua mais documentada representante, os cafeicultores, embora não se opusessem à diretamente industrialização, opunham-se ferrenhamente à proteção à indústria nacional, a qual chamavam de “artificial”, para o opor à agricultura, que seria “natural” para a economia brasileira.7 Os cafeicultores percebiam que a proteção à indústria, além de prejudicar diretamente os consumidores, teria que, em última análise, ser financiada ou subsidiada pela própria produção cafeeira. Este fato, que nem sempre estava claro quando essas lutas se desencadeiam, no início do século, tendo Joaquim Murtinho como principal defensor do liberalismo cafeeiro e e Amaro Cavalcanti e Serzedelo Correa como importantes orientadores do movimento protecionista,8 torna-se claríssima com a luta dos cafeicultores contra o “confisco cambial”, e com a disputa 6 - Esta tese foi contestada de forma explícita, à direita, por Peláez, e, implicitamente, à esquerda, pelos representantes da interpretação funcional-capitalista". Estudos realizados por Conceição Tavares (1963), Fishlow (1971), Suzigan (1976) e Marcelo de Paiva Abreu (1990) confirmaram a tese de Furtado. 7 - Ver também Hélio Jaguaribe (1962), Nelson Werneck Sodré (1964). 8 - Ver Nícia Vilela Luz (1961: capítulo II). 10 indústria tendiam a ver os cafeicultores como os fundadores da indústria no Brasil,13 enquanto que os que viam uma relação negativa entre café e indústria estariam mais inclinados a atribuir esse imigrantes. Eu, por exemplo, quando realizei a pesquisa de 1962, influenciado pelo pensamento do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), particularmente pelas idéias de Hélio Jaguaribe e Ignácio Rangel, inclinava-me para esta segunda alternativa. Mais tarde, entretanto, ficou claro para mim a relação eminentemente dialética entre café e indústria. Minha questão fundamental, entretanto, continua sem resposta. Por que a análise das relaçðes entre café e indústria, que tendiam a enfatizar o caráter negativo até os anos 50, mudaram para enfatizar o aspecto positivo a partir de meados dos anos 60? E, conseqüentemente, por que prevaleceu um amplo equívoco sobre as origens étnicas e sociais dos empresários industriais, principalmente entre aqueles que dominantemente passaram a enfatizar as relaçðes positivas entre café e indústria? Depois da minha pesquisa e da de Warren Dean era impossível negar a participação de imigrantes na industrialização brasileira, mas, não obstante eu houvesse verificado que apenas uma porcentagem desprezível dos industriais paulistas tinham origem nas famílias de fazendeiros e comerciantes ligados ao café, a crença em uma participação importante dos fazendeiros na industrialização continua viva. Wilson Cano (1977: 129) afirma que “não se quer afirmar com isso que apenas os fazendeiros promoveram a implantação de indústrias. As evidências históricas demonstram que também comerciantes, bancos, imigrantes, importadores e outros agentes do complexo cafeeiro fundaram ou adquiriram empresas industriais”. Por outro lado, Nathaniel Leff, que verificou, compulsando o censo de 1920, que nada menos do que 44 por cento dos empresários industriais brasileiros eram eles próprios imigrantes (o que confirma minha pesquisa), não obstante equipara a origem imigrante com a origem nas elites brasileiras dos empresários industriais ao afirmar que “os empresários originaram-se tanto das elites nascidas no Brasil quanto da população imigrante” (1982: 177 e nota 45). A meu ver estes equívocos decorreram do surgimento, após o golpe de Estado de 1964, a partir do ensaio inaugural de Caio Prado Jr. (1966), de uma interpretação equivocada e ressentida, que tenho chamado de “interpretação funcional-capitalista”, da realidade brasileira.14 Quando ocorreu o golpe militar, a esquerda, que havia 13 - Zélia Cardoso de Mello, em sua tese de doutorado (1981), empenhou-se em demonstrar que no século XIX muitas das indústrias foram criadas por cafeicultores. 14 - Desenvolvi inicialmente essas idéias em "Seis interpretaçðes sobre o Brasil" (1982a), onde identifiquei duas interpretaçðes pré-1964 - a "interpretação da vocação agrária" em conflito com a "interpretação nacional-burguesa" -, e quatro pós-1964 - a "interpretação autoritário-modernizante", a "interpretação da super-exploração capitalista", a "interpretação funcional-capitalista" e a "interpretação da nova dependência". Pessoalmente identifiquei-me com a segunda antes de 1964, e com a última a partir de então. 11 participado da aliança política com a burguesia industrial, sentiu-se traída. E diante dessa traição, não bastava apenas culpar o adversário externo, a própria burguesia, mas aqueles intelectuais que, dentro da esquerda, haviam formulado a “interpretação nacional-burguesa” e apoiado o pacto populista nacional-desenvolvimentista, que prevaleceu entre 1930 e 1960 sob a liderança de Getúlio Vargas: os intelectuais do Partido Comunista, do ISEB, e também da CEPAL -. É esta a tese central do ensaio de Caio Prado, Jr.. Como o grande historiador havia sido comunista, seu alvo fundamental é o próprio partido. Seu objetivo é claro: criticar a tese de uma aliança com a burguesia, a partir da negação de que essa burguesia tivesse qualquer caráter “nacional”, e que de alguma forma se distinguisse da burguesia ou oligarquia agrário-mercantil que muitos haviam chegado a equivocadamente classificar de “feudal”.15 Através dessa estratégia era possível a Prado Jr. negar a própria existência do pacto populista nacional-desenvolvimentista - o pacto que, entre a Revolução de 1930 e a derrota do candidato do PSD (Partido Social-Democrático) e PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), gen. Henrique Teixeira Lott, em 1960, uniu em torno do projeto de industrialização empresários industriais, trabalhadores, classes médias tecnocráticas e a parte da oligarquia que Ignácio Rangel (1980) chamou de “substituídora de importaçðes”.16 Dessa forma, Caio Prado Jr. inaugurava a “interpretação funcional-capitalista”. Era uma abordagem ressentida do Brasil, indignada com o golpe militar. Esta interpretação definia para os intelectuais de esquerda brasileiros uma tarefa: revisar a história do Brasil e particularmente a história da industrialização brasileira, para reduzir o significado da crise econômica de 1930 e da Revolução de 1930. A economia e a sociedade brasileiras deixavam de ser duais: haviam sido sempre capitalistas. O que havia de não-capitalista era funcional ao capitalismo. O momento decisivo de desenvolvimento e consolidação da indústria brasileira deixava de ter como marco fundamental a depressão dos anos 30 e a Revolução de 1930, sendo transferido para o final do século XIX, quando as primeiras indústrias são instaladas no Brasil.17 Os empresários industriais deixavam de ser um grupo étnico e social distinto dos cafeicultores mas identificavam-se com eles. Os interesses dos dois grupos eram identificados ou pelo menos seus conflitos colocados em segundo plano. A dinâmica 15 - Ver, por exemplo, Alberto Passos Guimarães (1964). 16 - Rangel observa que a Revolução de 1930 chefiada por Getúlio Vargas foi produto de um movimento à frente do qual "encontravam-se - como hoje sabemos e como poucos o suspeitávamos então - duas forças muito díspares, mas idênticas num ponto, a saber: o latifúndio substituidor de importaçðes (principalmente gaúcho) e a indústria substituídora da importaçðes (principalmente paulista)" (1980: 47, grifos do autor). 17 - Segundo Cardoso de Mello (1975: 109), "o período que se estende de 1988 a 1933 marca, portanto, o momento de nascimento e consolidação do capital industrial" (grifos meus). 12 industrialização brasileira deixava de ser dependente dos fatores externos, como Celso Furtado tão bem enfatizara, e passava a depender de fatores internos, particularmente da própria burguesia.18 Caio Prado Jr. começa por corretamente criticar a tese da existência de um feudalismo ou de um semi-feudalismo no Brasil pré-1930, para, em seguida, negar qualquer “distinção política e de categoria social entre, de um lado, os fazendeiros, estancieiros, senhores de engenho e usineiros... e de outro lado a burguesia industrial, comercial ou qualquer outra” (1966: 106). E, em função desta análise, ou seja, de entender a burguesia brasileira como uma única burguesia mercantil desde o período colonial até o momento em que escrevia, em 1966, conclui, no plano político, que “a idéia de uma `burguesia nacional’ progressista e contrária ao imperialismo por sua posição específica de classe, causou à linha política da esquerda os mais graves danos” (1966: 112).19 Esta análise representou uma reação às análises anteriores que haviam exagerado a ruptura representada pela Revolução de 1930.20 Mas uma reação radical e a meu ver ressentida em relação ao desastre político que representou o golpe de 1964. Em conseqüência, uma reação equivocada. Realmente a sociedade e a economia brasileira jamais foram feudais. A classe dominante na Colônia, no Império e na Primeira República foi uma burguesia, mas uma burguesia mercantil, como Caio Prado Jr. 18 - A grande maioria dos intelectuais de esquerda adota na segunda metade dos anos 60 essas posiçðes a partir da análise de Caio Prado Jr. Entre eles - embora nem todos adotem todas as idéias enumeradas - merecem menção especial Luciano Martins (1968, 1973), Francisco de Oliveira (1972), Lúcio Kowarick (1973), Boris Fausto (1972), Fernando Novais (1973), Caio Navarro de Toledo (1974), João Manoel Cardoso de Mello (1975), Wilson Cano (1977). A respeito do tema ver as excelentes resenhas de Wilson Suzigan (1986) e de Eli Diniz (1981), esta última especificamente sobre a Revolução de 1930. Suzigan comete a meu ver um erro ao colocar Sérgio Silva nesse grupo, quando ele, na verdade, representa um passo adiante, na linha de Celso Furtado. Nos anos 70 essa interpretação seria paulatinamente substituída pela "interpretação da nova dependência" (Bresser Pereira, 1982a), que, embora representasse uma crítica ao funcionalismo e ao a-historicismo da "interpretação funcional-capitalista, permaneceu com ela confundida por muito tempo, talvez até hoje. 19 - Escrevendo dois anos antes, e portanto não estando sob o impacto do ressentimento causado pela derrota de 1964, Fernando Henrique Cardoso admitia a existência do pacto político entre empresários, intelectuais tecnocráticos e trabalhadores, e, ao mesmo tempo, assinalava o rompimento desse pacto de uma maneira mais serena e objetiva: "Os grupos sociais que organizaram movimentos pela `emancipação econômica' não suspeitavam que, no momento seguinte, a burguesia nacional poder-se-ia aliar aos `interesses estrangeiros'..." (.1963: 85). Um pouco mais adiante, entretanto, ele esquece o processo histórico de dividira as elites e as reunificara e afirma, simplesmente, que o Estado "continuou a ser controlado nas decisðes fundamentais pela aliança entre e burguesia industrial e os grupos agrários e financeiros tradicionais" (1963: 90). Esta segunda afirmação estava mais de acordo com a reação ideológica paulista às idéias do ISEB e do Partido Comunista sobre o pacto nacional-desenvolvimentista, que Prado Jr. encarnaria um pouco depois. 20 - Nesta linha merecem especial menção os trabalhos de Hélio Jaguaribe (1956, 1958, 1962), mas esta era a visão geral nos anos 40 e 50 dos representantes do que chamei "interpretação nacional-burguesa" (Bresser Pereira, 1982a). 15 que enfraquecia os cafeicultores e encerrava na prática sua luta contra o confisco cambial; terceiro, a entrada maciça de empresas multinacionais manufatureiras no Brasil, que liquidava com a argumento - parcialmente válido no passado - de que “o imperialismo se opunha à industrialização”; quarto, a aprovação de Lei de Tarifas, de 1958, que oferecia uma proteção estável à indústria nacional, isentando-a de continuar a defender idéias nacionalistas já que a principal - o protecionismo - estava assegurado; quinto, o recrudescimento do movimento sindical, com a tentativa de formação de centrais sindicais inter-setoriais e a realização de greves importantes, levando empresários a reconsiderar seu acordo com as esquerdas; sexto, a revolução em Cuba, em 1959, que apavorou a burguesia brasileira e a convenceu de vez da necessidade de se unir “contra o inimigo comum”. Esta série de fatos novos, que mais tarde seriam a base da “interpretação da nova dependência”, liquidavam a grande coalizão de classes - o pacto populista ou nacional- desenvolvimentista - que Getúlio Vargas arquitetara, e que durante 30 anos dominara o Brasil. A consolidação da indústria e o enfraquecimento do café uniam as duas classes. O próprio café era, agora, produzido e comercializado de forma crescente por imigrantes e seus descendentes. A entrada das multinacionais na indústria, que efetivamente só ocorreu nos anos 50, liquidava com a tese de que “o capital estrangeiro se opunha à industrialização. Os empresários industriais, agora defendidos de importaçðes por uma lei de tarifas, que seria um pouco mais tarde complementada pela Lei do Similar Nacional, podiam associar-se, tornar-se fornecedores e distribuidores dos bens produzidos localmente pelas empresas multinacionais manufatureiras. O recrudescimento da luta sindical e principalmente a revolução em Cuba, levando a um aumento da pressão política das esquerdas, indicavam que era mais cauteloso para a burguesia brasileira se unir. O pacto nacional-desenvolvimentista perdera, portanto, sua razão de ser. Os analistas e defensores desse pacto político no seio da esquerda estavam corretos quando o identificaram, e não é possível condená-los por lhe terem dado seu apoio. Não era sua análise que havia sido errada. Ela simplesmente fora superada por fatos históricos novos. Com o colapso do pacto populista produz-se, então, um vácuo político, ao mesmo tempo que a esquerda e a direita radicalizavam seu discurso e sua ação. As eleiçðes de 1960, particularmente o apoio do ao general Lott, que era um homem de direita, pelas forças de esquerda, revelava esse vácuo e esse impasse. Sua derrota leva Jânio Quadros ao poder. Com sua renúncia, entretanto, João Goulart, o herdeiro por excelência de Getúlio Vargas, sobe ao poder. A reação contrária da burguesia e dos militares explica- se dessa forma. Jango chegava ao poder quando já naufragara o pacto político que deveria dar-lhe sustentação. O golpe militar de 1964 é a conseqüência deste fato. 16 A esquerda não se enfraqueceu, como afirmou Caio Prado Jr., por ter-se associado aos empresários nacionais. Ela foi derrotada quando insistiu em uma estratégia política em um momento em que as bases para essa estratégia - a aliança nacional- desenvolvimentista com o empresariado industrial - haviam sido minadas por fatos objetivos. Entretanto, a partir de A Revolução Brasileira, de Caio Prado Jr., a esquerda, ao invés de fazer essa análise, imobilizou a história - ou seja, em última análise a ignorou - e chegou à conclusão que toda a análise anterior de uma burguesia industrial relativamente aliada aos trabalhadores e em conflito com a burguesia mercantil cafeeira havia sido historicamente errada e politicamente enfraquecedora da esquerda. Felizmente, porém, isto não impediu essa mesma esquerda, dez anos depois, a partir de meados dos anos 70, participasse de uma nova coalizão política com a burguesia, principalmente com a burguesia industrial - coalizão que tenho chamado de “pacto democrático-populista de 1977” - para lutar pela restauração da democracia no Brasil.26 Conclusão Neste trabalho propus-me responder uma questão muito simples: como explicar que, não obstante tenha demonstrado, em uma pesquisa publicada em 1964, que os empresários industriais paulistas originavam-se, em sua grande maioria, de imigrantes de classe média, e apesar de essa tese ter sido comprovada na pesquisa histórica de Warren Dean, a idéia ainda hoje dominante é a de que esses empresários originaram-se da aristocracia cafeeira. Minha resposta assumiu um caráter de crítica das idéias. O equívoco nasceu da justa indignação de Caio Prado Jr. com o golpe de Estado de 1964, que o grande historiador transformou em indignação contra os intelectuais de esquerda que haviam diagnosticado o pacto nacional-desenvolvimentista, unindo empresários industriais, trabalhadores, classes médias tecnocráticas e setores substituídores de importação da oligarquia mercantil, e apoiado a participação da esquerda nesse pacto. Ao invés de admitir que o pacto realmente existira - embora possa ter sido exagerado pelos analistas -, Caio Prado Jr. negou-o, e considerou aqueles que o diagnosticaram e apoiaram entre os culpados pela derrota da esquerda em 1964. Ao negar a existência do pacto, era necessário também demonstrar que a classe dominante no Brasil sempre fora 26 - Pacto democrático, porque seu objetivo fundamental era restaurar a democracia; pacto populista, porque, uma vez no governo, retomou as teses dos anos 50; de 1977, porque consolidou-se em 1977, após o "pacote autoritário de abril", através do qual o Presidente Geisel fechou o Congresso provisoriamente, causando profunda indignação na burguesia. Esse pacto entraria em colapso dez anos depois, em 1977, em função do fracasso do Plano Cruzado, que pôs a nu o caráter populista e arcaico das idéias econômicas nele embutidas. Desde então o Brasil vive novamente um vácuo político. 17 unida, que não havia distinçðes significativas de caráter social ou étnico separando empresários industriais dos cafeicultores. Logo, isto foi enfaticamente afirmado, embora contrariasse as evidências. Era necessário também demonstrar o caráter não de oposição mas de forte consistência entre a economia cafeeira e a industrialização, quando, na verdade, o que havia era uma relação dialética de oposição e reforço. Embora equivocada porque ressentida, essa análise do grande historiador encontrou campo fértil nas esquerdas. Deu origem ao que chamei de “interpretação funcional- capitalista” do Brasil. A partir do início dos anos 70, entretanto, uma outra abordagem mais consentânea com a realidade - a interpretação da nova dependência - passou paulatinamente a substituí-la, e facilitou, a partir do final da década, a formação de uma nova coalizão política unindo empresários e esquerdas - o pacto democrático-populista de 1977. Este pacto chegaria ao poder em 1985, com a Nova República, e entraria e colapso em 1987, com o fracasso do Plano Cruzado, quando se evidenciou o caráter arcaico e populista de muitas das idéias da esquerda naquele momento. A partir daí a esquerda no Brasil e na América Latina entra em uma profunda crise, das qual vai aos poucos emergindo nos últimos anos, na medida em que vai se tornando capaz de criticar não apenas a onda conservadora, neo-liberal, que atingiu o Brasil no final dos anos 80, mas também o esgotamento da estratégia nacional-desenvolvimentista. Na medida em que, pragmaticamente, recuse dogmatismos ideológicos e afirme a possibilidade de uma esquerda moderna, crítica do populismo, aliada aos setores progressistas e dinâmicos dentro do empresariado, que certamente não serão os mesmos dos anos 50 ou dos anos 70. Na medida em que, definindo a atual crise como essencialmente uma crise do Estado, aceite as idéias de disciplina fiscal, liberalização e privatização não como uma via para o Estado mínimo dos neo-conservadores, mas como uma condição para a reforma do Estado.27 Referências 27 - Examinei a crise e renovação da esquerda na América Latina em Bresser Pereira (1990). Em todos os meus trabalhos escritos a partir de minha experiência no Ministério da Fazenda (1987) venho procurando desenvolver uma interpretação nesse sentido, que chamo de "interpretação da crise do Estado", mas que também poderia ser chamada de "interpretação pragmática" ou "interpretação social- democrática". Ver, especialmente, Bresser Pereira (1993a, 1993b). 20 ----- (1969) Capitalism and Development in Latin America. New York: Monthly Review Press. Furtado, Celso (1959) Formação Econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura. ----- (1966) Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Guimarães, Alberto Passos (1964) Quatro Séculos de Latifúndio. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Gudin, E. e R. Simonsen (1977) A Controvérsia do Planejamento na Economia Brasileira. Rio de Janeiro: IPEA/INPES. Jaguaribe, Hélio (1956) “Sentido e perspectivas do governo Kubitschek”. 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