Baixe Grande Dicionário de Culinária - Alexandre Dumas e outras Notas de estudo em PDF para Gastronomia, somente na Docsity! ALEXANDRE
DUMAS
Grande Dicionário
Culinária
Cultuado há mais de um século como
fonte inesgotável de receitas e crônicas gastronômicas
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Jorce ZAHAR EDITOR
Uma$obra$de$referência$que$vem$encantando$gerações$de$leitores$–$de$simples$ curiosos$ a$ chefs$ –$ ,$ e$ que$ ganhou$ status$ de$ ‘bíblia$ gastronômica’$ ao$ longo$ de$ mais$de$ cem$anos$de$ existência$ gloriosa.$ Suas$ centenas$de$ crônicas$ e$ receitas$ gastronômicas$formam$um$vasto$painel,$em$que$se$destacam$tanto$clássicos$do$ repertório$culinário$francês$como$pratos$originais$e$exóticos$dos$mais$diversos$ países. ‘Grande$ Dicionário$ de$ Culinária’$ se$ singulariza$ por$ combinar$ gastronomia$ e$ literatura$ e$ irá$ com$ certeza$ ocupar$ lugar$ especial$ nas$ estantes$ de$ mestres$ e$ aprendizes$de$todas$as$escolas. de esperar cerca de 11 anos. Afinal, tarefas mais urgentes o chamavam,
como traficar armas para Garibaldi, acompanhá-lo na tomada da Sardenha
pela unificação da Itália, ser curador-geral dos museus de Nápoles, fazer
uma grande viagem à Rússia e, claro, escrever mais um punhado de
grandes romances - período, não obstante, mais que frutífero para a obra,
pois o ritmo de coleta de material não arrefeceu.
Finalmente, no verão de 1869, já doente e debilitado, partiu a conselho
médico para a aldeia de Roscoff, no litoral da Bretanha, levando consigo
todo o material coletado, o que significava uma mixórdia de fichas,
anotações científicas, crônicas, relatos de caçadas, recordações
gastronômicas, mais de três mil receitas... Ali acompanhado pela
companheira titular do momento, pela abominável cozinheira e por um
secretário, escreveu e ditou recordações culinárias e fez novas anotações. O
dicionário ganhava forma.
Em março de 1870, de volta a Paris, enviou o calhamaço para o editor
Alphonse Lemerre, que, decerto atônito com a vastidão da empreitada e
sem condições de agilizar sua edição e publicação, não conseguiu colocá-la
nas livrarias antes da morte do ambicioso autor, em 5 de dezembro do
mesmo ano.
As três edições francesas
Alfred Lemerre escolheu dois escritores parnasianos para organizar e
editar o material: Anatole France e Leconte de Lisle, autores do Prefácio
aqui reproduzido (assinado L.T.), que se socorreram da supervisão técnica
do chef Denis-Joseph Vuillemot (amigo de Dumas e objeto de um verbete
neste Dicionário).
Talvez em virtude de um respeito exagerado por aquela catedral
gastronômico-literária ainda em estado manuscrito e arquitetada por um
ídolo dos dois poetas, o resultado editorial não foi satisfatório. Mal
organizada, com verbetes fora da ordem alfabética ou duplicados, histórias
truncadas, receitas enxertadas em verbetes inadequados, ilustrações sem
data ou autoria, a edição não fazia jus à formação de livreiro e assistente-
editorial do jovem Anatole (cujo pai era dono da Librairie de France,
origem da troca de seu sobrenome Thibault por France). Isso, claro, não
impediu que o Grand dictionnaire de cuisine esgotasse em pouco tempo.
Seriam necessários mais 92 anos para a obra vir novamente à lume, dessa
vez por intermédio da editora Tchou, em 1965. Embora mantivesse a
estrutura original, a edição viu-se enriquecida por um maravilhoso
tratamento visual, trabalho do artista gráfico e colecionador Alain Meylan,
que cedeu para a obra suas gravuras e desenhos dos séculos XVI a XIX
relativas à cozinha e gastronomia (das quais uma vasta seleção é
reproduzida neste volume). Logo fora do mercado, a jóia iria transformar-
se em raridade caçada por gourmands e bibliófilos.
Apenas mais uma edição integral viria a ser publicada até os dias de hoje,
pela editora Phébus, em 2001 (reimpressa em 2005). Supervisionada por
Daniel Zimmermann, um dos maiores especialistas contemporâneos em
Alexandre Dumas, reproduz esplendidamente as ilustrações da edição
Tchou, porém, a nosso ver, incorrendo no mesmo descaso com a
organização do precioso material deixado pelo autor - ou seja, conservando
diversos verbetes em estado bruto, deslocados de seu contexto, sem
referência a seus congêneres etc.
Zimmermann assim se justifica em seu excelente Prefácio à edição de 2001:
“Fizemos questão de voltar aqui às verdadeiras fontes, fornecendo uma
edição absolutamente integral, o máximo possível conforme à lição da
primeira. ... Mantivemos inclusive ... - como fizeram Leconte de Lisle e
Anatole France, certas bizarrices e extravagâncias ortográficas ... E, se por
um momento pensamos em restabelecer ... uma ordem alfabética - acontece
aqui e ali um cochilo -, logo renunciamos a essa pretensão policialesca,
visto que a leitura claramente revela que o texto proposto por Dumas é
também um romance e que não poderíamos subverter os episódios sob
pretexto tão mesquinho.”
Ora, na medida em que, ao organizarmos alfabeticamente os verbetes em
português, seríamos obrigados a priori a ignorar a decisão tomada pelos
editores franceses (de manter a obra tal qual publicada em 1873),
aproveitamos para sanar lapsos percebidos nas edições já publicadas, isto
é: naturalmente, dar atenção à ordem alfabética; fundir verbetes
duplicados; desmembrar verbetes agrupados; acomodar as receitas nos
verbetes adequados; e, enfim, dotar a obra de um sistema de referências
cruzadas, sugerindo consultas a verbetes e receitas convergentes.
Sobre o uso deste Dicionário
Esta edição brasileira, com 615 verbetes, 413 receitas e 275 ilustrações de
época, é a primeira a buscar abranger a totalidade do Dicionário original, as
demais existentes não passando de pequenas antologias, quase sempre
editadas de um ponto de vista reducionista, "anoréxico” nas palavras de
Zimmermann - edições que ignoram não só o contexto e a época da obra
(meados do século XIX, um mundo sem os chamados "confortos" do gás ou
da geladeira), como as intenções do autor ao escrevê-la. Evidentemente,
cortes foram inevitáveis, sobretudo no número de receitas (por motivos
mais que óbvios, como será explicado adiante na "Nota sobre a seleção e
tradução das receitas"; por Sandra Secchin). Em suma, visando atender às
necessidades do leitor contemporâneo, tornou-se irresistível para nós a
criação dos seguintes recursos:
BALEIA, um URSO ou, claro, uma pescaria (ESTURJÃO; LÚCIO), a
imaginação de Dumas solta as rédeas...;
e verbetes que retraçam a vida de grandes nomes da culinária francesa
(BRILLAT-SAVARIN; CARÉME; GRIMOD DE LA REYNIÉRE; VUILLEMOT),
em que percebemos o talento do biógrafo de Napoleão e Garibaldi;
* enfim, exposições de procedimentos técnicos do século XIX no que diz
respeito à fabricação de diversos produtos, por exemplo CAFÉ, CERVEJA e
VINHO. A propósito, recomendamos especial atenção a este último verbete,
o mais extenso do Dicionário, uma aula sobre a implantação da cultura
vinífera na França, em especial do vinho bordeaux e do champanhe. A
despeito de fazer uso da classificação da época (de 1865, primeira a ser
normatizada e obter consenso), registra todas as comunas viníferas
francesas (por departamento e tipos de vinho), além de fornecer pitorescas
instruções sobre colagem, decantação ou tratamento artesanal de vinhos
degenerados.
Para o leitor instalar-se na atmosfera desta obra, dificilmente superável em
envergadura e bom humor, sugerimos que se delicie com a Abertura, "Ao
fogão com Dumas”, crônica culinária típica desse gigante e bon vivant, que
inclui uma história de pescaria e um cardápio completo improvisado pelo
autor, com as respectivas receitas.
ANDRÉ TELLES
Nota sobre a seleção e tradução das receitas
O monumento, a catedral, a bíblia: assim o Grande dicionário de culinária
de Alexandre Dumas foi acolhido há mais de 100 anos, quando publicado, e
assim é até hoje lido e revisitado. No século XIX, a França reinava absoluta
sobre as cozinhas do mundo, o que tornava mais ambiciosa uma iniciativa
de compilar receitas, arrolar todos os ingredientes conhecidos do planeta,
todos os animais e vegetais comestíveis, tecer comentários. Elaborar uma
obra de tal porte não era tarefa simples, uma vez que a bibliografia
gastronômica francesa contava nessa época com nada menos que a
Fisiologia do Gosto (1826), de Brillat-Savarin, o Almanach des Gourmands
(1803-12), de Grimod de la Reyniêre, a Cuisine de tous les pays (1868), de
Urbain Dubois, sem falar em Carême, Courchamps, Beauvilliers... No que se
referia à arte da cozinha - a concorrência, a técnica, o paladar cultivado em
sua excelência -, tudo era grandioso na terra e no tempo de Dumas e
compartilhado por muitos de seus pares, em maior ou menor grau.
Da catedral culinária de Dumas, selecionei 400 e poucas receitas, utilizando
um critério misto: ou deviam figurar em nossa edição por serem exeqiíveis
- com as adaptações óbvias, necessárias e possíveis - ou se impunham por
sua singularidade, por testemunharem um tempo, um lugar ou um gênio.
Assim, talvez o leitor fique indignado com os filés de canguru, as patas de
elefante, as línguas de coelho, com uma ou outra receita de passarinho, mas
decerto se renderá à extravagância de peruas recheadas com trufas ou se
deliciará, em tempo real, com um picadinho de galinhola en croustade.
Para tornar possível a execução das receitas, recorri a alguns expedientes.
As medidas antigas têm sua correspondência atual indicada entre
colchetes, usados também para sugerir produtos alternativos a certos
ingredientes exóticos ou indisponíveis - tudo na tentativa de adaptar a
instrução original à sua prática nos dias de hoje. Vale ressaltar que
atualmente - não obstante restrições locais, de ordem natural ou
econômica, como a inexistência do turbô em nossos mares, de trufas ou
morilles em nossos bosques ou da relativa infância ou indigência de nossas
adegas - imperam as facilidades decorrentes do intercâmbio de produtos
no mercado internacional. Em alguns casos, foram mantidas prescrições de
uso de utensílios de época, ou de anacrônicos procedimentos, valores de
referência perfeitamente compreensíveis, como o forno de campanha, a
peneira de seda, as tigelas de prata, as marinadas de vários dias etc.
A imprecisão de grande parte das receitas é, a meu ver, uma qualidade,
considerando que não restringe ou milimetra os gestos do cozinheiro, faz
um convite à porção intuitiva de quem se aventurar nas caçarolas, libera a
criatividade, aguça o bom senso e apura o paladar. A cozinha à la Alexandre
Dumas é exuberante, para se ler ou praticar. Acredito, com a fé de quem
está diante de um livro-monumento, que ninguém será o mesmo, nem ao
fogão nem à mesa, depois de cansar os dedos ao virar suas páginas. Touché!
SANDRA SECCHIN
Prefácio à primeira edição (1873)
Alexandre Dumas; caricatura de H. Mailly.
Uma palavra ao leitor
O homem não vive do que come, mas do que
digere.
VICTOR HUGO
Ao tomar a decisão de escrever este volume, e dele fazer - digamos, nos
momentos de ócio - o coroamento de uma obra literária de 400 ou 500
volumes, vi-me, confesso, bastante atrapalhado, não quanto ao fundo mas
quanto à forma a dar à minha obra: qualquer que fosse ela, estariam
esperando mais de mim do que eu poderia oferecer.
Se fizesse um livro imaginativo e inteligente como a Fisiologia do gosto, de
Brillat-Savarin, os profissionais, cozinheiros e cozinheiras, não lhe dariam a
mínima. Se fizesse um livro prático como A cozinheira burguesa, os
diletantes diriam: "O que adiantou Michelet afirmar que ele era o mais
hábil construtor dramático desde Shakespeare, e Ourliac, que ele tinha não
apenas o espírito francês, como o espírito gascão? Para ele vir nos ensinar
em um livro de 800 páginas que o coelho gosta de ser escorchado vivo mas
a lebre prefere esperar?”
Não era este meu objetivo: eu queria ser lido pelos diletantes e praticado
pelos profissionais.
Grimod de Ia Reyniêre, no começo do século XIX, publicou com certo
sucesso o Almanach des Gourmands, mas este era um simples livro de
gastronomia, não de receitas culinárias.
O que me tentava acima de tudo, a mim, era o contrário. Viajante
infatigável, tendo atravessado a Itália e a Espanha - país onde se come mal -
, O Cáucaso e a África - regiões onde simplesmente não se come -, meu
objetivo era indicar todas as maneiras para se comer melhor nos países
onde se come mal e para se comer mais ou menos nos países onde
simplesmente não se come; naturalmente, para alcançar esse resultado,
supõe-se que o próprio autor seja também caçador.
Após uma longa deliberação comigo mesmo, eis o que decidi:
Reproduzir, dos livros clássicos de culinária caídos em domínio público -
como o Dicionário de Courchamps e a Arte do cozinheiro de Beauvilliers, o
último grande profissional -, do padre Durand (de Nimes) e dos grandes
dispensatórios da época de Luís XIV e Luís XV, todas as receitas culinárias
que conquistaram lugar nas melhores mesas; de Carême, esse apóstolo dos
gastrônomos, o que os srs. Garnier me permitirem usar; rever os textos tão
penetrantes do marquês de Cussy e me apropriar de suas melhores
criações; reler Elzéar-Blaze e, aliando meus instintos de caçador aos dele,
buscar criar algo de novo em relação à preparação das codornas e das
hortulanas; acrescentar a isso tudo pratos desconhecidos, coletados em
todos os países do mundo, as anedotas mais inéditas e bem-humoradas
sobre a cozinha de todos os povos e sobre os próprios povos; fazer a
fisiologia de todos os animais e plantas comestíveis que valham a pena.
Ao fogão com Dumas. "Oh, mar, único amor a que fui fiel!" Estes versos de
Byron poderiam ser minha divisa: gosto do mar como item indispensável
ao prazer e mesmo à felicidade da nossa existência. Quando fico sem ver o
mar por muito tempo, sou atormentado por um desejo irresistível, e, sob
um pretexto qualquer, pego um trem e vou para Trouville, para Dieppe ou
para o Havre. Naquele dia, fui para Fécamp.
Mal cheguei, vieram convidar-me para uma pescaria no dia seguinte.
Conheço essas pescarias, não se pesca nada, em geral compra-se o PEIXE
que compõe a base do JANTAR posterior à pescaria. Daquela vez, porém,
contrariando a rotina, pegamos duas CAVALAS e um POLVO, mas
compramos uma LAGOSTA, um LINGUADO e uma centena de CAMARÕES.
Um catador de mexilhões que encontramos no caminho contribuiu com
uma centena desses bivalves.
Discutimos longamente para decidir na casa de quem seria o jantar, a
escolha recaindo em um grande comerciante de vinhos de Fécamp, que
colocara sua ADEGA inteira à nossa disposição. No caminho o sujeito nos
garantiu que sua COZINHEIRA já estava preparando um CALDO e que na
casa dele encontraríamos material para dois ou três pratos, cujos
elementos a moça devia ter reunido.
Ocorre que a cozinheira, por mais cordon bleu pudesse ser, foi exonerada
por unanimidade e eu, eleito em seu lugar. Se lhe aprouvesse, que
conservasse o título de vice-cozinheira, mas sob a condição de não ousar
opor-se ao cozinheiro-em-chefe.
Que agora as donas de casa que desejem acrescentar dois ou três pratos
desconhecidos ao seu repertório culinário façam o favor de entrar comigo
nessa coZINHA admiravelmente aparelhada e não perder nenhum detalhe
do que vai acontecer. Como nos haviam prometido, encontramos um caldo
na PANELA desde
as 10 da manhã, o que representava quase oito horas de COZIMENTO; com
oito horas de cozimento, decerto já atingira a maioridade. Repito sempre
que a França é o único país que sabe preparar um caldo, sendo inclusive
provável que minha concierge, que não faz nada a não ser viver a vida e
puxar a cordinha, tome uma SOPA melhor que Mr. Rothschild.
De volta à nossa cozinheira, ela estava então com seu caldo crepitando,
duas GALINHAS ainda com penas aguardando o ESPETO, um RIM de BOI
ignorando ainda em que MOLHO seria introduzido, um feixe de ASPARGOS
começando a germinar e, no fundo de uma cesta, TOMATES e CEBOLAS
brancas.
Espalhei tudo na bancada da cozinha, pedi pena e tinta e montei o seguinte
cardápio para aprovação dos meus convidados:
Sopa
Sopa de tomate com caudas de camarão
Entradas
Lagosta à americana
Linguado ao molho normando
Cavalas à la maitre d'hôtel
Rins salteados no champanhe
Assados
Duas galinhas no barbante
Polvo frito
Entremets
Tomates à provençal
Ovos mexidos no suco de camarão
Pontas de aspargos
Corações de alface à espanhola, sem azeite nem vinagre
Sobremesas de frutas
Vinhos
Café
Bénédictine/Champanhe fino
Montei, como ia dizendo, esse cardápio, que foi acolhido com um urra de
entusiasmo; apenas me perguntaram quanto tempo esse jantar levaria para
ficar pronto. Pedi hora e meia, surpreendentemente concedida. Achavam
que eu precisaria de três.
O grande talento do cozinheiro que quer ser pontual reside em preparar
antecipadamente e ter a mão todos os acessórios de seus pratos - coisa de
15 minutos. Porém, como é impossível fazer andar com a pena uma sopa,
quatro ENTRADAS, dois ASSADOS, dois ENTREMETS e uma SALADA,
permitam-me explicar-lhes meu serviço prato a prato.
Sopa de tomate com caudas de camarão. Acenda 2 bocas do fogão ao
mesmo tempo: na primeira, ponha água salgada para os camarões, 1 buquê
de ervas, 2 rodelas de limão, ferva e jogue os camarões nessa água em
ebulição; na segunda, 12 tomates sem as sementes, 4 cebolas grandes
cortadas em rodelas, 1 pedaço de manteiga, 1 dente de alho, 1 buquê de
ervas.
Cozidos os camarões, retire-os, escorra-os na peneira, reserve sua água,
descasque os camarões e ponha as caudas à parte. Cozidos os tomates e
cebolas, passe-os na peneira fina, volte com eles ao fogo enriquecidos com
1 pedaço de glace de viande e 1 pitada de pimenta-vermelha e deixe
engrossar até virar um purê.
Adicione o mesmo volume de caldo, bem como '/2 copo da água em que os
camarões foram cozidos; deixe que tudo se misture ao ferver; na terceira
ou quarta fervura, junte as caudas de camarão, e a sopa estará pronta.
Não preciso dizer que, não obstante eu tenha dado a receita individual de
cada item, convém fazer tudo ao mesmo tempo.
150 Lagosta à americana. Dentre os diferentes métodos adotados para
preparar a lagosta à americana, escolhemos o método Vuillemot. Pedimos
toda a atenção de nossos leitores e sobretudo de nossas leitoras, por ser o
prato bem complicado.
mexilhões no molho; reduza tudo à metade, engrosse com 4 gemas e '/2
copo de creme fresco, arrume os mexilhões e os champignons em volta do
peixe; cubra com o molho.
Alguns pedacinhos de manteiga aqui e ali, deixe o peixe no forno por uns 2
minutos e sirva.
Cavalas e rins. Em relação às cavalas e aos rins, nada tenho a ensinar sobre
esses dois pratos. É o ABC da cozinha. Apenas faça o molho dos rins em
maior quantidade e reserve '/2 copo à parte, no momento de servir, a fim
de que o molho fique o mais completo possível. Você verá por que adiante.
Ô Galinhas no barbante. Até o momento de executar minhas galinhas no
barbante, fui vítima das observações da minha vice-cozinheira; porém,
chegada a hora decisiva, as observações viraram oposição. Sem tempo a
perder, ameacei-a com um golpe de Estado que consistiria em indenizála e
botá-la porta afora. A ameaça fez efeito, ela obedeceu passivamente e, cinco
minutos depois, minhas duas galinhas giravam lado a lado, como dois fusos.
Mas como hoje disponho de tempo para lhes dar minhas razões e explicar a
superioridade da galinha no barbante sobre a galinha no espeto, ouçam-
me. Todo animal tem dois orifícios: o superior e o inferior, e a galinha, sob
esse aspecto, é igual ao homem. Diógenes disse-o 2.400 anos antes de mim,
no dia em que lançou um galo emplumado na ágora de Atenas,
proclamando: "Eis o homem de Platão!”
Você tirou, quando digo você tirou quero dizer sua cozinheira tirou, os
intestinos e o fígado, jogou fora os intestinos, picou o fígado com fines
herbes, cebolinha e salsa, besuntou tudo com um pedaço de manteiga e, no
lugar dos intestinos, doravante não apenas inúteis como daninhos,
reintroduziu esse picadinho destinado a perfumá-lo.
Qual deve ser agora o objetivo do cozinheiro? Conservar, do animal por ele
cozinhado, a maior quantidade de essência possível. Ora, se lhe atravessar
um espeto ao comprido e, para firmá-lo, uma brochete lateral, em vez de
tampar um dos dois orifícios com que a natureza o aquinhoou, você lhe
imporá dois outros pelos quais toda a essência vai escapar. Porém, se, ao
contrário, pendurá-la verticalmente com esse barbante,
deixando o orifício inferior livre e o superior tampado; se, com excelente
manteiga fresca, misturada a sal e pimenta, regá-la, tendo o cuidado de
introduzir a manteiga no orifício inferior com a colher de regar - então você
terá cumprido com todas as condições lógicas para obter uma excelente
galinha. Restalhe então apenas vigiar o cozimento e cortar o barbante que a
sustenta, hora de fazer alguns buraquinhos em sua pele, de onde é expelido
um jato de fumaça. Coloque-a então em uma travessa e despeje sobre ela o
suco da pingadeira.
Sobretudo, que jamais uma gota de caldo misture-se à manteiga que deve
regar sua galinha; toda cozinheira, não canso de repetir, que coloca caldo
em sua pingadeira merece ser posta na rua ignominiosamente e sem
misericórdia.
ISIP Polvo frito. Quanto ao polvo frito, é simples como qualquer peixe,
badejo ou linguado: corte-o em pedaços, passeos na farinha, frite no óleo
quente, retire na hora certa e você terá algo parecido com orelha de vitela
frita, com um ligeiro gosto de almíscar.
Ovos mexidos e tomates recheados à provençal. A infância da arte: quebre
12 ovos em uma sopeira, deixando apenas 6 claras para as 12 gemas;
acrescente, depois de os ter batido, um pedaço de manteiga, fines herbes,
1/2 copo de caldo consomê (de galinha, se tiver) e abandone tudo aos
cuidados da cozinheira, que só terá de colocar na panela, levar ao fogo e
mexer.
Recomendação capital: servir moles os ovos mexidos, continuando a cozê-
los no prato. Quanto aos tomates, corte-os em dois, retire a parte aquosa,
descarte as sementes e leve-os ao forno, enfiando, no vão de cada um, uma
pirâmide composta de um picadinho de galinha, vitela, caça da véspera, se
tiver, e champignons.
Despeje sobre eles 1 copo de azeite, do melhor que puder encontrar; em
seguida polvilhe com sal, pimenta, salsa e alho picados junto; acrescente
uma pontinha de pimenta-vermelha; cozinhe entre 2 fogos, regando 3 ou 4
vezes suas pirâmides de carne com o azeite em que os tomates assaram.
Salada de corações de alface. Nossa salada de corações de alface, sem azeite
ou vinagre, é um souvenir de nossa viagem à Espanha, onde o vinagre não
tem gosto de nada, ao passo que o azeite empesteia. Impossível, por
conseguinte, comer salada quando o calor do céu e a secura do ar lhe dão
apetências violentas de erva fresca. Bem, remediamos isso substituindo o
azeite por gemas e o vinagre por limão. Esta mistura, suficientemente
sustentada por sal e pimenta, davanos uma salada delicada cujo sabor
acabamos preferindo ao das saladas francesas. Ao fim de uma hora e meia,
o jantar estava servido; mas quatro horas depois ainda estávamos à mesa!
Assim, qual não foi a reputação que deixei em Fécamp, e como fui recebido
da última vez!
Permita-me acrescentar ainda uma receita que poderia perfeitamente vir
depois destas sem sentir-se deslocada:
Ovos mexidos no suco de camarão. Pegue 12 ovos, quebre-os, mas reserve
em uma tigela todas as gemas e apenas 8 claras, visto que o excesso de
claras tira a delicadeza do prato. Ponha para ferver em uma caçarola à
parte os corpos
dos camarões com 1 copo de chablis. Dê 2 ou 3 fervuras e despeje tudo em
seguida no alguidar para fazer um purê, o qual você passará na peneira fina
para retirar o mínimo vestígio de carapaça. Desmanche essa espécie de
papa nos ovos previamente temperados com sal e pimenta e ligeiramente
incrustados com cebolinha e salsa picadas bem miudinho. Junte as caudas
de camarão, bata com os ovos e despeje tudo na frigideira com manteiga
fresca; cozinhe e transfira para um prato com muito jeito.
-> 1& ALFACE; ASPARGO; CAMARÃO; CAVALA; GALINHA; LAGOSTA;
LINGUADO; OVO; SOPA; TOMATE
| IN |
) |
| NINO VM )
RINS
AN a
abaisse [fr.]. Não confundir com BOUILLABAISSE, nome de uma soPA
conhecida no Sul da França: abaisse é uma PÂTISSERIE que ocupa o fundo
de uma TORTA ou de um VOL-AU-VENT.
abetarda [Otis tarda]. Maior ave dos nossos climas; suas ASAS, embora
pouco proporcionais ao peso do corpo, são capazes de alçá-la e mantê-la
um tempo no ar, mas ela só consegue voar com muita dificuldade e depois
de haver percorrido certo espaço com as asas abertas. Passam
regularmente pela França na primavera e no outono; aparecem nos
mercados de Paris, provenientes da Picardia e da Champagne; sua carne,
sobretudo a das jovens, é excelente, a coxa sendo a parte preferida pelos
gourmets.
--* SISÃO
abibe [Vanellus vanellus; "abecuinha"]. Ave notável pela beleza da
plumagem e a delicadeza da carne. Há um provérbio que diz: "Não comeu
bom acepipe quem não comeu GALINHOLA ou abibe." Seus ovos são ainda
mais estimados que a carne; nos meses de abril e maio são comidos, ou
melhor, devorados aos milhares na Bélgica; na Polônia são preparadas
OMELETES saborosíssimas com eles; na Holanda, onde essas aves
abundam, são servidos com todos os MOLHOS. Supõese que o abibe, o
vanellus dos gourmands da antiga Roma, não era este, e que o vanellus
apicianus, isto é, o abibe-de-apício, era a TARAMBOLA-douradinha. Em
todo caso, na Antigiúidade, como em nossos dias, o abibe e seus ovos eram
muito apreciados.
abóbora [Cucurbita]. Difere da ABÓBORA-MENINA pela forma oblonga e
pela textura da FRUTA, cuja cor é ora verde, ora amarela ou branca. A polpa
da abóbora é comida de diversas formas: em SOPAS, gordas ou MAGRAS,
em BOLOS, e como CREME cozido e gratinado. Também acompanha
lingúiças de PORCO com MANTEIGA fresca, gemas de ovos cozidos e
frescos, SALSA, sal, PIMENTA, FINES HERBES etc.
-> 1& ACHARD
"O Conselho de Cucurbitus I"; ilustração de Amédée Varin, séc.XIX.
abóbora-menina [Cucurbita maxima]. Cucurbitácea da família das
ABÓBORAS e dos jerimuns; algumas são enormes, chegando a pesar mais
de 100 quilos. Com a abóbora-menina são preparados excelentes CREMES,
SOPAS, EMPADÕES e outros ENTREMETE delicados.
1 Abóbora-menina ao parmesão. Corte a abóbora-menina em pedaços
quadrados e ferva-os por 15 minutos em água e sal; escorra-os; ponha na
panela um bom pedaço de manteiga e frite os pedaços de abóbora com sal e
especiarias; transfira-os para uma travessa, cubra com parmesão ralado,
leve ao fogo para dourar e sirva.
1' Bolo de abóbora-menina à I'Antiquaille. Corte a abóbora-menina em
O Café Génin, em Paris; ilustração de Léopold Flameng, séc.XIX.
O absinto é atualmente proibido em todas as cantinas militares.
--> AGUARDENTES/DESTILADOS; ÁLCOOL
açafrão [Crocus sativus]. Assim são designados os pistilos extraídos de uma
planta do gênero Crocus; a colhida nos arredores de Paris, sobretudo no
Gâtinais, é de qualidade superior. O aroma do açafrão é extremamente
penetrante, podendo causar cefaléias violentas e até mesmo a morte. Seu
sabor amargo e aromático nada tem de desagradável; sua cor é vistosa, e o
amarelo por ele produzido matiza instantaneamente as substâncias que
toca. É uma das matérias corantes mais estimadas, e os antigos o tinham
em grande consideração como arômata. Com ele os romanos preparavam
uma tintura alcoólica que servia para perfumar os teatros. Há certas
regiões onde essa flor é empregada como tempero ou para tingir BOLOS de
aletria, MANTEIGA etc.
Hoje em dia é usado apenas na composição de BABÁS, do PILAF, do ARROZ
à africana e do usquebac.
--+ CORES/CORANTES CULINÁRIOS
acalpati. Espécie de PIMENTA comprida, arredondada e vermelha que
cresce na Nova Espanha e que os espanhóis misturam em todos os seus
pratos. Sua propriedade excitante, menor que a da pimenta comprida
comum, aproxima-a da páprica húngara; é deixada ao sol para secar e
conservar, depois enviada para a Europa.
-—+ ESPANHA, CULINÁRIA NA
acanto [Acantus mollis]. Planta célebre na história das belas-artes, pois o
desenho de suas folhas - grandes, lisas e recortadas com delicadeza -
decorava os capitéis das colunas coríntias. Vitrúvio conta da seguinte
maneira a origem da introdução das folhas de acanto como ornamento na
ordem coríntia:
Uma jovem coríntia morrera poucos dias antes de um feliz casamento.
Sua ama-de-leite, arrasada, pôs dentro de um cesto diversos objetos que a
moça amara, depositou o no túmulo e o cobriu com uma telha para
preservar o conteúdo das agruras do tempo. O acaso quis que um pé de
acanto se achasse sob o cesto. Na primavera seguinte, o acanto cresceu e
o cesto foi invadido por suas grandes folhas, as quais, porém, detidas pela
telha, curvaram-se e reviraram as pontas. Ao passar perto dali, Calímaco
admirou essa decoração campestre e resolveu acrescentar à coluna
coríntia a bela forma que o acaso lhe proporcionava.
O acanto é muito comum na Grécia, na Itália, na Espanha e na França
meridional, mas é somente na Grécia e na Arábia que as folhas dessa planta
são ingeridas cruas.
accioca. ERVA que, no Peru, substitui o CHÁ paraguaio, sendo preparado
como ele.
acerola [Malpighia emarginata]. Espécie de NÊSPERA dos países quentes:
suas folhas lembram as da pilriteira, embora maiores; as flores dão em
cachos verdes; é o azor dos árabes; a FRUTA é redonda, polpuda, vermelha
quando madura, de sabor um tanto ácido e agradável e indicada sobretudo
para mulheres grávidas. A polpa contém três sementinhas muito duras; a
acerola é adstringente e comida crua ou em coMPOTA. Vale a pena cultivar
a espécie da Virgínia por suas flores brilhantes e sua fruta luzidia.
aceto dolce. CONSERVA de certas FRUTAS e pequenos LEGUMES. São
curtidos no VINAGRE COMO PEPININHOS-CORNICHONS, acrescentando-se
um resíduo de VINHO novo e cozido, o qual fervemos até reduzi-lo à
consistência de CALDA. O melhor aceto dolce é confeccionado com quartos
de MARMELO e muita UVAMOSCATEL ou MEL de Barbonne; o mel da
Córsega é o mais recomendável, mas um pouco mais amargo.
achanaca. Cactácea até o momento descrita apenas pelo professor
Aulagnier. Cresce na província de Potoxi, no Peru; sua RAIZ grossa e
ramosa, de forma cônica, é boa tanto crua quanto cozida e encontrada em
todos os mercados da região.
achard. Mistura bem conhecida, originária das índias Orientais e que
herdou o nome de seu criador; os melhores achards são encontrados na
ilha da Reunião.
São servidos de três formas: tirando-os simplesmente da tigela, cortando-
os em pedaços e misturando-os a todo tipo de carne assada ou cozida;
escorrendoos, impermeabilizando-os no guardanapo e impreg
nando-os depois com um bom AZEITE verde; finalmente, substituindo o
azeite verde por um creme duplo de LEITE de cabra, o que é conhecido nas
colônias como cucoco; a receita abaixo foi transmitida aos gastrônomos
europeus pelo marquês de Sercey, vice-almirante ex-governador das índias
francesas, a quem devemos a AIAPANA, da qual foi o introdutor na França.
150 Achard do marquês. Trata-se apenas de cortar lascas bem finas de
abóbora e lâminas de cardo branco e acrescentar cebolas brancas,
champignons, palmito, couve-flor, milho maduro de um terço etc.; colorize
tudo com açafrão e cozinhe lentamente em sal e vinagre de Orléans,
salgando, apimentando e administrando essa mistura como se se tratasse
de cornichons. Complemente com raiz de gengibre e algumas pimentas-
vermelhas.
açorda --* ISIP SOPA
açougue /açougueiro. A instituição do açougue, e por conseguinte dos
açougueiros, remonta a priscas eras: assim que se conseguiu fazer da carne
do gado ALIMENTO constante e regular, surgiram estabelecimentos para
vender carne fresca ao público e também para servir como matadouro,
antes que estes fossem criados.
Os romanos possuíam matadouros (lanionia) e açougues (macella)
menestrel que tocava instrumentos no recinto. Comer assim não era caro.
Macello Romano = Bonchene Romano
Comprate pur Signors , e pórtato Crest la manmeeo em Lembo quo des Meda
de Corn a Cass Le meire Non achaent teme general velos Pie
Parana La Cocina é (a metteráana meire reulemeno de endonaço se de
cdi PEdidbio e Maia am das Abas freio cos da Edo qua Es: apo
Quando alguns açougueiros ricos passaram a alugar espaço em seus
açougues a preços exorbitantes, o Parlamento decidiu que um conselheiro
da corte presidiria a uma revisão anual das concessões. Finalmente,
Henrique 111, por meio de cartas patentes do mês de fevereiro de 1587,
aglutinou todos os açougueiros da cidade em uma única comunidade, que
erigiu em corpo de oficio jurado e para o qual promulgou estatutos.
O número dos açougueiros também voltou a aumentar consideravelmente,
e não se contam menos de 300 espalhados por todos os bairros de Paris.
Quase todos reúnem-se de manhãzinha no matadouro de La Villette, onde
lhes é entregue a carne do gado sacrificado à noite. Outros têm carroças
que, às duas ou três da madrugada e bem antes de a freguesia acordar,
transportam a carne recém-seccionada. A imaginação é então dominada
por pensamentos lúgubres: afinal, não deixa de ser um tanto sinistro
observar esses coches deslizando velozmente no breu da escuridão para
entregar o mais prontamente possível corpos sanguinolentos e enfaixados
que deixam atrás de si um rastro de morte...
Anos atrás foram abertos em Paris alguns açougues de carne de CAVALO,
tentativa de certos diletantes hipófagos de introduzir essa novidade no
consumo. Banquetes foram promovidos, relatórios publicados nos jornais,
prospectos distribuídos - tudo prometia qualidade e preço barato aos
consumidores. Mas a coisa não foi adiante e, pouco a pouco, vimos esses
açougues fecharem as portas, restando hoje no máximo dois ou três talhos
nos bairros mais pobres de Paris, sustentados apenas pelos preços baratos.
Em todo caso, a carne de cavalo não é exatamente ruim, mas exige muito
tempero e, sobretudo, ausência de preconceito.
Como dissemos, em Roma os açougueiros tinham lojas em todas as ruas
antes de se concentrarem no Macellum Magnum. No Fórum, realizava-se
diariamente uma grande exposição dos produtos de Roma e seus
arredores. Um deles armava sua bancada em frente ao tribunal dos
Decênviros, para lembrar que fora de uma mesa de açougueiro que Virgínio
arrancara o facão para matar a própria filha. Talvez surpreenda o fato de
Virgínio, centurião, por conseguinte capitão no exército romano, ter se
servido de um ignóbil facão de açougueiro para matar a bela criança pela
qual Ápio Cláudio estava apaixonado e a qual pretendia raptar.
Em primeiro lugar, há momentos em que a história cria o pitoresco melhor
que os romancistas. O destino, ao mergulhar no coração dessa graciosa
criatura o imundo facão usado para degolar animais, sugeria uma
esplêndida oposição entre formas mais elegantes e a arma mais baixa. Em
todo caso, não havia outro jeito, pois era vedada a entrada de armas no
Fórum a todos os cidadãos, inclusive aos soldados. Virgínio, não obstante
centurião, subordinava-se à mesma lei e fora desarmado proteger a filha.
Eis o que ignorava Vittorio Alfieri, que matou Virgínia com um golpe de
espada, considerando, disse ele, que a espada é arma mais nobre que a faca.
A arma é mais nobre, é verdade, porém, em nossa opinião, menos
dramática, uma vez que indica uma inadmissível ignorância dos costumes e
das leis da época. Sabemos que foi na esteira do motim que se seguiu à
morte de Virgínia que o tribunal dos Decênviros foi derrubado. Devemos a
este último as Doze Tábuas, que seriam por muito tempo o Código Romano.
Os açougueiros, de resto, parecem destinados a ser descritos por
acontecimentos do gênero do que acabamos de relatar ou a descreverem a
si próprios sempre em circunstâncias sangrentas. Seriam eles homens do
sangue e, por conseguinte, amantes do sangue?
Conhecemos a atuação dos açougueiros na disputa sangrenta entre os
Armagnac e os Bourguignon sob o reinado de Carlos VI. Sabemos que
Caboche, líder da corporação, logo passou a liderar o povo parisiense. Os
Armagnac vitoriosos mandaram demolir o Grande Açougue e o do Parvis e
aboliram todas as concessões. Porém, seus adversários, por sua vez
reorganizados e mais fortes, os restabeleceram, erguendo das ruínas os
talhos do Chãtelet.
--* PADARIA
ilimitado, mas uma precaução sensata e a ciência da idade em que o vinho
deve ser bebido recomendam aliar luxo e economia. Apenas alguns tipos
devem ser armazenados em grande quantidade, muitos outros não
devendo figurar senão em número suficiente para o consumo de alguns
anos. Maldição ao bebedor ignorante que amontoa em sua adega barris de
borgonha e champanhe, vinhos com poucos anos de vida que devem ser
bebidos mal atingem a maturidade. Sua degenerescência é rápida: o
borgonha azeda, o champanhe engordura. Em geral, os vinhos brancos são
de conservação difícil e devem ser adquiridos à medida das necessidades,
mas os bordeaux, os vinhos meridionais e os vinhos espanhóis podem e
devem ser conservados por muito tempo, uma vez que a velhice é seu
grande mérito. Destes devemos fazer montes enormes, as espécies ainda
jovens escondidas sob as pilhas de outros vinhos a fim de ressurgirem
apenas depois de há muito esquecidas. Serão então apresentadas à mesa
em garrafas muradas por uma tripla camada de tártaro, e, caso o anfitrião,
levado por um nobre orgulho, exclame como Horácio: "Este vinho é da
época do meu nascimento, Múmio sendo cônsul”, não circulará uma única
risada escarninha entre os convidados e tais palavras não serão tomadas
por bravata.
Adegas e instalações dos srs. P. Morel e E Sourzac, Bordeaux; Le Monde
lustré, 1864.
Em todo caso, sabemos que os antigos não preparavam seus vinhos da
mesma forma que nós, ignorando a arte da fermentação e cozinhando-os
com açúcar - o que os conservava, mas lhes dava aparência de xarope e,
possivelmente, não demorava a saciar. Em matéria de vinhos romanos, de
resto, conheciam apenas o Falerno, o Mássico e o Coecube; de vinhos
gregos, os de Chipre, Samos, Santorino e Tenedos, mas provavelmente,
nessa época, estragavam-no como o fazem hoje, introduzindo pinhões em
suas ânforas, sob o pretexto de que essa árvore fornecera o tirso de Baco.
Mestre-de-adega, região de Bordeaux; gravura anônima, séc.XIX.
Os gregos modernos infelizmente conservaram esse hábito, o que torna
ou 60 anos de minha vida bebi apenas água, e nunca Grand-Laffite ou
Chambertin fez um amante do vinho desfrutar das mesmas delícias que eu
ao tomar um copo de água fresca da fonte, cuja pureza não foi alterada por
nenhum sal terroso.
A água muito fria, até mesmo gelada artificialmente, atua como excelente
tônico no estômago, sem lhe suscitar nenhuma irritação, inclusive
amenizando a porventura existente. Não é este o caso das águas de neve ou
de GELO, pesadas porque não contêm ar (agite-as antes de beber e elas
logo perderão suas qualidades perniciosas).
Antigamente, Paris inteira saciava a sede no rio que a atravessa; hoje em
dia, a água nos chega de Grenelle, e tubulações a drenam até a montanha
Sainte-Geneviêve, de onde é distribuída para a cidade inteira. De cinco ou
seis anos para cá, a água de Dhuys faz-lhe concorrência e desce do lado
oposto, isto é, das colinas de Belleville, Montmartre e Chaumont.
A água do Sena vinha sendo tão caluniada, sobretudo pelos provincianos
que passavam alguns dias em Paris, que se cansou de matar a sede de dois
milhões de ingratos. Mas quando era pura, quando era captada acima do
Jardin des Plantes e em plena correnteza, nenhuma espécie de água lhe era
comparável em limpidez, leveza e sapidez. Era sobretudo abundantemente
saturada de oxigênio, serpenteando por si mesma por sinuosidades
múltiplas que, ao longo de mil quilômetros, submetiam-na à ação do ar
atmosférico. Além disso, desde sua nascente até Paris, ela corre sobre um
leito único de areia, a que os gourmands atribuem a superioridade do
PEIXE do Sena sobre o dos outros rios.
Todos sabem que os monges nunca gostaram muito de água, e eis um fato
que mais uma vez comprova sua antipatia por essa "insipidez líquida”. Um
franciscano frequentava assiduamente a COZINHA de um bispo, o qual
recomendara a seus conhecidos que fossem gentis com o bondoso irmão.
Um dia em que o prelado oferecia um grande jantar, o monge achavase
justamente na diocese; monsenhor falou do religioso e o recomendou à
sociedade do lugar. Algumas senhoras logo exclamaram:
- Monsenhor, vamos nos divertir e pregar uma peça no monge. Convide-o e
lhe ofereceremos um belo copo de água cristalina dizendo tratar-se de um
excelente vinho branco.
- Nem pensem nisso, minhas senhoras, disse o bispo.
- Oh! vamos nos divertir, por favor, monsenhor.
Mandaram um camareiro trazer imediatamente uma garrafa d'água bem
arrolhada e bem escondida. Depois fizeram entrar o visitante.
- Irmão, disseram as damas, vamos beber à saúde de Sua Grandeza e à
nossa.
O monge regozijou-se com sua boa sorte e se dispôs de bom grado a
recebê-la. Tiraram a rolha da garrafa, encheram seu copo. O monge,
esperto, logo percebendo a trapaça, não perdeu a cabeça e disse no tom
mais devoto e humilde ao bispo.
- Monsenhor, não beberei enquanto não der sua santa bênção a esse néctar.
- Isso é totalmente inútil, meu irmão.
- Eu insisto, monsenhor, por todos os santos do Paraíso.
As damas intrometeram-se no ardil e rogaram ao prelado para que
continuasse a brincadeira. O bispo curvou-se finalmente à sua vontade e
benzeu a água. O franciscano chamou então um lacaio e lhe disse, sorrindo:
- Paneloux, leve isso para a igreja, um franciscano nunca bebe água-benta.
E estava cheio de razão, não acham?
água-de-seltz. A água-de-seltz natural é encontrada em uma fonte do
ducado de Nassau. É uma ÁGUA ligeiramente gasosa e agradável, que deve
ao ácido carbônico que possui diluído a dupla propriedade de transmitir às
diferentes bebidas a que é misturada um sabor acentuado que beneficia o
funcionamento do aparelho digestivo. Pelo menos em Paris, é difícil
encontrar água-de-seltz natural que nada tenha perdido de suas
propriedades; porém, como já se descobriu um jeito de imitá-la à perfeição,
e mesmo conferir à imitação um sabor mais agradável que o natural, não há
verão tão quente nem lugares tão desertos em que não arranjemos água-
de-seltz fabricando-a pessoalmente. Para preparar água mineral de Seltz
artificial, basta colocar, para cada garrafa de água filtrada, uma pitadinha
de bicarbonato de sódio e outra de ácido tártrico; tenha o cuidado de
arrolhar bem essas garrafas e deitá-las na ADEGA ou em um lugar fresco a
fim de que o gás resultante da reação dos dois sais não faça a rolha saltar
nem quebre as garrafas.
(ali m
IV, pt
/ :
Conhecemos o pequeno poema que Lord Byron escreveu sob a influência
dos eflúvios de um VINHO do Midi, "Lymphatuys mareotico”, no qual alçou-
cerca de 300 francos, e isso durante a epidemia de cólera, para a qual era
um excelente tópico; atualmente pagamos 80 ou 90 francos o meio quilo.
aipo [Apium graveolens]. Planta com que os antigos coroavam-se durante
as refeições para neutralizar o poder do VINHO. Era conhecida como
“ache”. A língua italiana apoderou-se do termo e de ache fez celeri.
"Enchamos as taças com esse vinho do monte Mássico, que faz esquecer os
males, diz Horácio, aproveitemos os perfumes dessa pompa grandiosa e
corramos para nos coroar com ache e mirra.”
110 Ragu de aipo [receita do Dicionário das plantas úteis do doutor Roque].
Cozinhe o aipo picado como chicória ou espinafre, tempere com sal,
pimenta, moscada e um bom caldo, e sirva com croútons dourados na
manteiga; pode também, se for um pouco guloso, colocar sobre um leito de
aipo bem fofo algumas hortulanas ou filés de perdizes vermelhas;
experimente esse prato, você talvez fique satisfeito.
1 Salada de aipo. O aipo puro, tenro e fresco, comido em salada e temperado
com vinagre aromático, azeite da Provence e um pouco de mostarda é
delicioso; ele desperta a ação do estômago, abrindo o apetite e instilando
uma espécie de alegria que se prolonga por algumas horas.
-> SONHO
alalunga [Thunus alalunga]. PEIXE encontrado no litoral do Mediterrâneo,
conhecido em Malta como "ATUM-branco"; pesa de seis a oito quilos. Sua
carne é agradável, mas de difícil DIGESTÃO.
albacora [Thunnus albacora]. PEIXE dos mares ocidentais, assim batizado
pelos portugueses em virtude de sua alvura. É um ATUM gigantesco que
chega a atingir o peso de 30, 40 e até mesmo 45 quilos.
albatroz [Deomedes melanophrys]. De todas as aves marinhas, o albatroz é
a maior e de carne mais consistente; a envergadura de suas asas alcança
entre três a quatro metros; a plumagem é de uma cor branca bonita, o
dorso e a ponta das ASAS são cinzentos; sua voz, dizem, é tão forte quanto a
do BURRO; constrói um ninho de terra elevado e bota muitos e saborosos
ovos.
Suas diversas espécies habitam os mares austrais e vivem de PEIXES-
VOADORES, OVAS de PEIXE e moluscos. Apesar de seu tamanho e força, são
muito covardes, sendo batidos por goelanos e gaivotas e lhes entregando
suas presas.
A carne do albatroz é recheada de uma gordura excelente, da qual nos
servimos como alimento, apesar de dura, fibrosa e de difícil digestão. Nas
aves jovens, ao contrário, é tão macia quanto a do CORDEIRO.
--* CORVO-MARINHO; PELICANO
alcachofra [Cynara scolymus]. Hortaliça cujas folhas são compridas, largas,
recortadas, sem uniformidade, verdes ou esbranquiçadas; de seu centro
eleva-se um talo canelado, lanuginoso, untuoso no interior, de onde saem
vários ramos que dão suporte a um cálice, o qual encerra os órgãos da
floração e da frutificação. Antigamente a alcachofra só crescia na Itália; hoje
em dia, com a aclimatação promovida por nossos horticultores, temos
alcachofras brancas, verdes, violetas, vermelhas e adocicadas. A branca, a
violeta e a verde têm sabor mais acentuado; as pequenas são comidas
cruas, com sal e PIMENTA.
Para conservar as alcachofras para o inverno, cozinheas até certo ponto e
retire as folhas e o pêlo para ficar apenas com o fundo; ainda quentes,
coloque-as na água fria e depois as seque em uma peneira; finalmente leve-
alcaparra [Capparis spinosa]. Botões ou flores que crescem nas
extremidades da alcaparreira, árvore originária da Ásia. Quando esses
botões atingem determinado tamanho, são colhidos e curtidos em ÁGUA e
sal. As alcaparras contêm grande quantidade de sal essencial e um pouco
de óleo, sendo recomendável, em tempo frio, a idosos e pessoas de
temperamento fleugmático e melancólico. Bem preparadas, adaptam-se a
muitos pratos, antes para abrir o APETITE que na condição de ALIMENTO.
Deram seu nome a um MOLHO que não é outro senão o molho branco, no
qual elas substituem o AGRAÇO e o VINAGRE.
alcione [Collocalia nidifica; "andorinha-do-mar"]. Poucas pessoas sabem
que esse pássaro, sob o doce nome que lembra o amor desafortunado de
Cex e Alcione, não é outro senão a andorinha das praias da Cochinchina,
onde é conhecida como “salangana” e cujos ninhos os chineses apreciam
tanto. A primeira variedade é encontrada nas ilhas Maurício, Reunião,
Molucas e nas Filipinas, aves que produzem ninhos gelatinosos na forma de
uma pia de ÁGUA benta. Esses ninhos são compostos de uma substância
branca semitransparente, dura como chifre e atravessada interiormente
por leves camadas de algodão. Pelo lado de fora essa substância assemelha-
se a uma gelatina muito branca, enrijecida por filamentos minuciosamente
justapostos. Essa ave, que em grego chama-se alcyon, é conhecida como
chim no Tonquim e salangana nas Manilhas, cuja prosperidade advém
exclusivamente do comércio de seu ninho. Esses ninhos compõem-se de
uma resina desconhecida na Europa, chamada calambaque, o timbaque dos
indianos, substância deliciosa ao ser triturada nos DENTES. Na China, é
vendida a peso de ouro em virtude de sua fragrância, sendo queimada no
carvão pelos mais famosos pagodes, em ocasiões solenes e na casa dos
grandes do Império Celestial. O preço desses ninhos, os sacaipucas, é
extremamente elevado. Hoje sabemos que diversas espécies de andorinhas
produzem esses ninhos gelatinosos; os brancos são os mais procurados,
porque colhidos. Sumatra expede numerosas pacotilhas para Cantão, onde
os chineses mostram-se entusiasmados por eles. São encontrados nas
anfractuosidades das montanhas, coletados em pequenas taças fixadas ao
longo dos paredões. São feitas duas coletas por ano e as andorinhas levam
mais de um mês para construí-los.
Por muito tempo acreditou-se que esses ninhos não passavam de espuma
do mar misturada a ovAS de PEIXE. Vi muitos ninhos desses, inclusive devo
dizer que comi mais deles que qualquer outro francês, sendo muito ligado
ao genro do governador de Java, que recebia caixas e caixas todos os anos.
Eram coletados em uma caverna não longe da ilha, por entre os rochedos
batidos pelo mar. A substância de que eram compostos, e que tentamos
analisar, parecia-se com cola forte dissolvida. Mediam entre sete e nove
centímetros de diâmetro, alguns ainda continham ovos ali depositados, os
quais não pesavam mais de 10 gramas. Meio quilo custa de oito a 10
piastras.
Eis como os cozinhávamos segundo receita que nos foi enviada de Java:
depois de limpá-los, deixávamos os ninhos mergulhados na água para
amolecer os filamentos, que se soltam. Em seguida eram colocados sob uma
ave assada, da qual absorviam o sumo, ou então cozidos com um CAPÃO
durante 24 horas, em fogo brando, em uma PANELA de barro
hermeticamente fechada. Com eles fazíamos também CALDOS, SOPAS e
RAGUS.
álcool [do Dicionário das bebidas, de Aulagnier]. Palavra árabe que designa
uma substância sólida ou um líquido volátil. Hoje em dia significa
vulgarmente apenas o produto volátil e inflamável da bebida fer mentada
chamada "álcool etílico”. Sua descoberta, feita por Arnault de Villeneuve,
célebre alquimista de Montpellier, remonta ao século XVI. Consiste no
produto de substâncias doces e pode ser extraído do VINHO, da CERVEJA,
da CIDRA, do ARROZ e do açúcar, bem como, mais geralmente, de FRUTAS,
grãos ou resinas que contêm açúcar.
Fraco, o álcool chama-se AGUARDENTE; forte, é o álcool etílico inflamável,
de sabor intenso, que causa embriaguez e debilita as faculdades
intelectuais. Esse sabor é tanto mais forte quanto mais o álcool for
retificado ou privado de ÁGUA. Dissolve-se perfeitamente na água a que se
une, formando a aguardente. Há tamanha relação entre esses dois líquidos
que o que diremos para a segunda também vale para o primeiro.
A aguardente, bebida alcoólica bastante aquosa, contém certa dose de ácido
acético, obtido pela destilação de vinho, grãos, BATATA, grandes
quantidades de UVA, PIMENTA, cidra, melaço, borra de vinho, arroz,
CEREJA, AMEIXA, CENOURA, GROSELHA, leite de TÂMARA, COCO, ZIMBRO,
ervilha, FEIJÃO, BETERRABA e bordo. É também a Arnault de Villeneuve
que devemos os primeiros experimentos regulares sobre a destilação do
vinho com objetivo de obter aguardente, base de todas as bebidas de mesa.
É um líquido límpido, incolor, transparente, volátil, de sabor forte e
densidade variável, segundo a quantidade de água que contenha;
inflamável na razão direta de sua densidade, tem a propriedade de diluir as
resinas e os princípios aromáticos; enfim, de proteger da putrefação as
substâncias vegetais e animais.
ale [ing.]. Essa palavra inglesa, que significa "tudo", designa uma bebida
que, segundo os ingleses, é capaz de substituir todas as outras. Obtida pela
infusão de malte, difere da CERVEJA apenas na medida em que O LÚPULO
entra em menor quantidade. É saborosa, porém embriagante; bebida em
doses moderadas, refresca.
--> PONCHE
alface [Lactuca sativa]. Hortaliça chamada de eunuchinus por Pitágoras,
pois seus efeitos refrigerantes equivaleriam à castração. Há diversas
todos se desviam ao se aproximar. Ateneu conta que os adeptos do alho
eram proibidos de entrar no templo de Cibele; Virgílio afirma que os
camponeses ingeriam-no como fortificante durante períodos de muito
calor; já o poeta Macer diz que tinha o poder de espantar as cobras. Os
egípcios eram loucos por ele; os gregos, ao contrário, o detestavam; os
romanos não o desdenhavam. Horácio, que no dia de sua chegada à Roma
sofrera uma indigestão resultante de uma cabeça de CARNEIRO ao alho,
tinha-lhe horror.
Afonso, rei de Castela, mostrava tanta aversão por ele que, em 1330, baixou
um decreto cujos termos dispunham que os cavaleiros que houvessem
comido alho ou CEBOLA não poderiam aparecer na corte nem se comunicar
com os outros cavaleiros no mínimo por um mês.
A cozinha provençal baseia-se no alho. A atmosfera da Provence é
impregnada de um cheiro de alho que a torna muito saudável. Além de
principal condimento da BOUILLABAISSE e dos MOLHOS mais importantes,
prepara-se com ele, amassado com AZEITE, uma espécie de maionese que
acompanha PEIXE e ESCARGOTS. O DESJEJUM dos provençais das classes
inferiores é frequentemente composto de uma casca de Pão regada a azeite
e esfregada no alho.
alho-poró [Allium ampeloprasum]. O alho-poró é originário da Espanha e
cultivado em todas as regiões temperadas da Europa; os pobres o comem
cru com PÃO, sendo utilizado em todos os lares para dar gosto à SOPA, pois
é dotado de propriedades diuréticas que podem ser aproveitadas no
regime alimentar. É usado apenas como tempero nas sopas francesas e nos
CALDOS-CURTOS de fórmula estrangeira; existem países, porém, onde são
preparados alguns RAGUS de alhoporó e, com a espécie branca, certa sopa
gordurosa que merece consideração especial. Na Lorena, fazemse TORTAS
SALGADAS com alho-poró.
alimento. "O que é um alimento?" Resposta popular: "Um alimento é tudo
que nos alimenta.” Resposta científica: "Um alimento consiste nas
substâncias que, submetidas ao estômago, são assimiláveis pela DIGESTÃO
e apropriadas para reparar as perdas sofridas pelo corpo humano.”
Portanto, a primeira qualidade do alimento é ser facilmente digerível. Daí a
epígrafe do nosso livro: "O homem não vive do que come, mas do que
digere.”
Os três reinos da natureza contribuem para a alimentação do homem: o
reino animal e o reino vegetal mais abundantemente que o terceiro, o
mineral, que fornece apenas condimentos e remédios. Até mesmo o ar
carrega consigo um princípio mais ou menos nutritivo, segundo esteja mais
quente ou mais frio.
Acredita-se que a humanidade seja originária da índia, tanto o ar hindu é
saturado de princípios nutritivos. Demócrito ficou três dias sem comer e
sem sentir fome, respirando apenas vapor de PÃO quente. Viterby, corso
condenado à morte pelo júri de Bastia que resolveu morrer de fome
nutrindo-se apenas do ar vivificante de seu país, só conseguiu seu intento
48 dias depois. É verdade que no 43v, incapaz de resistir aos tormentos da
sede, tomara meio copo d'ÁGUA.
O regime vegetal combina com os países quentes, o regime animal com os
países frios, onde o homem necessita de muito carbono. As nações mais
guerreiras e mais cruéis são as nações mais carnívoras. Comparem o
pacífico hindu, que vive de RAÍZES e FRUTAS, com o feroz tártaro, que bebe
SANGUE de CAVALO e devora sua carne crua.
«* APETITE
almécega ["mastique"]. Na Grécia a almécega é, ao mesmo tempo, uma
bebida e um doce. Um dos produtos mais importantes e preciosos da ilha
de Quios, sua matéria-prima é o lentisco, no qual se faz, para obtê-la,
diversas incisões no tronco e principais galhos. Essa operação é feita entre
15 e 20 de julho, período no qual escorre dessas incisões uma seiva que se
adensa imperceptivelmente, formando gotas que são recolhidas. Vinte e
uma aldeias, situadas no sul da cidade, produzem essa resina; a melhor
qualidade é enviada para Constantinopla, para o grão-senhor, a segunda
para o Cairo, para o paxá do Egito.
A almécega amolece na boca, perfuma o hálito, fortalece as gengivas,
contribui para conservar os DENTES brancos, dá tonicidade ao estômago e
leva ao pulmão emanações balsâmicas que bastam para vencer a tísica
pulmonar prestes a se declarar. A AGUARDENTE de almécega, bebida como
qualquer aguardente, é muito agradável e digestiva.
aloé [Aloe vera; "babosa"]. ERVA do gênero das liláceas. São inúmeras as
variedades de aloé, identificadas geralmente pela espessura densa de suas
folhas, pela forma singular de algumas delas e, sobretudo, pela beleza de
suas espigas, cujas cores, diferentemente matizadas, produzem belíssimos
efeitos em um jardim.
Os aloés originários da África e da índia adaptam-se apenas aos lugares
quentes e secos e às rochas. Os habitantes da Cochinchina retiram do aloé
perfoliado uma FÉCULA agradável ao paladar, que comem com pratos
doces ou carnes. Para obtê-la, primeiro maceram as folhas em uma ÁGUA
aluminiosa e depois na água fria.
Atribui-se também o nome "aloé” a uma receita preparada com a seiva ou o
extrato das plantas desse nome. São usados diferentes procedimentos
nessa receita. Em um deles, depois de pilar a planta, espreme-se toda sua
seiva, a qual é depositada em uma vasilha por uma noite e, em seguida,
decantada. A parte decantada é então exposta ao sol em uma espécie de
prato, sendo, assim, reduzida à consistência de um extrato. O sedimento da
primeira vasilha é colocado à parte para secar e considerado um aloé
inferior, não sendo usado senão pela medicina veterinária: é o chamado
Aloe caballino. Segundo outro procedimento, as pontas das folhas são
cortadas e viradas de cabeça para baixo, o que faz com que a seiva escorra
gradativa e espontaneamente para vasilhas dispostas para esse fim. Essa
seiva é filtrada e em seguida evaporada em fogo brando, tornando-se pouco
a pouco tão dura que pode ser reduzida a pó: esta é a melhor qualidade de
aloé, ou Aloe succotrina [babosa-de-socotra]. O aloé é tônico, escaldante,
fortificante e purgativo.
alperce [Prunus persica]. Espécie de PÊSSEGO preparado na Touraine cuja
de chambre junto à lareira, um tanto prostrado. Sua fisionomia me
assustou: tinha o rosto pálido, os olhos rutilantes e o lábio pendia de
forma a descobrir os dentes do maxilar inferior, o que de certa forma era
pavoroso.
Inquiri com interesse sobre a causa daquela mudança súbita. Ele hesitou,
pressionei-o e, depois de certa resistência:
- Meu amigo, disse ele enrubescendo, você sabe que minha mulher é
ciumenta e que essa mania me faz
passar maus pedaços. Dias atrás ela sofreu uma crise terrível de ciúmes e,
ao querer provar-lhe que minha afeição não diminuíra em nada e que não
estava sendo feito nenhum desvio do tributo conjugal em seu prejuízo,
achei-me nesse estado.
- Esqueceu, eu lhe disse, que tem 45 anos e que o ciúme é um mal sem
remédio? Não sabe que furens quidfoemina possit? - ainda falei algumas
outras frases pouco polidas, pois estava com raiva.
- Se não, vejamos, prossegui: seu pulso está curto, duro, concentrado: que
vai fazer?
- O doutor acabou de sair, diagnosticou uma febre nervosa e ordenou uma
sangria para a qual deve enviar o cirurgião, respondeu.
- O cirurgião! exclamei. Abra olho ou é morte certa: expulse-o como um
assassino e diga-lhe que me apoderei de você, corpo e alma. Em primeiro
lugar, seu médico já sabe a causa efetiva da doença?
- Infelizmente não, uma vergonha descabida impediu-me de lhe fazer uma
confissão integral.
- Homessa! Chame-o de novo! Vou preparar uma poção indicada para seu
estado: por ora, engula isto.
Dei-lhe um copo de água saturada com açúcar, que ele engoliu com a
confiança de Alexandre e a fé do campônio, despedi-me e corri para casa
a fim de combinar, engendrar e elaborar urgentemente um magistério,
pois, em tais casos, um atraso de horas pode acarretar acidentes
irreparáveis.
Armado com minha poção, já o encontrei melhor: tinha recuperado a cor
e o olho estava relaxado, embora o lábio continuasse pendendo
assustadoramente. O médico não demorou a voltar; contei-lhe o que
havia feito e o doente fez sua confissão. Embora a fronte doutoral
houvesse inicialmente assumido um aspecto severo, o médico encarou-
nos com um ar que sugeria ironia:
- Não espanta, ele disse ao meu amigo, eu não ter diagnosticado uma
doença que não combina nem com sua idade nem com sua situação. Por
outro lado, há da sua parte certa modéstia em esconder a causa, a qual só
pode lisonjeá-lo. Recrimino-o também por me haver exposto a um erro
que lhe poderia ter sido funesto. Ainda bem que meu colega, acrescentou
fazendo-me um cumprimento que devolvi com avareza, indicoulhe o
caminho certo; tome sua SOPA, seja qual for o nome que ele lhe dê e, se a
febre baixar, como acredito, almoce amanhã com uma xícara de chocolate
na qual dissolverá duas gemas de ovos frescos.
A essas palavras, pegou a bengala, o chapéu e se despediu, deixando-nos
bem tentados a nos divertir à sua custa. Em seguida fiz meu doente tomar
uma xícara forte do meu elixir da vida. Bebeu-a com avidez e queria
repetir, mas exigi um intervalo de duas horas, quando lhe servi uma
segunda dose e me retirei.
No dia seguinte, estava sem febre e quase convalescente; almoçou de
acordo com a prescrição e pôde dedicar-se às suas ocupações habituais. O
lábio rebelde, porém, só levantou depois do terceiro dia. Passado certo
tempo, o caso transpirou e todas as damas cochichavam entre si. Algumas
admiravam meu amigo, quase todas o lamentavam, e o professor
gastrônomo foi glorificado.
Eis a receita desse elixir, que seria pena não legar à posteridade: pegue
seis cebolas grandes, três raízes de cenoura, um punhado de salsa, pique
tudo e jogue em uma panela para aquecer e corar com um pedaço de boa
manteiga fresca. Quando a mistura estiver no ponto, acrescente 180
gramas de açúcar-cândi, 1 gramas de âmbar pilado com uma casca de pão
torrada e três litros de água, que você ferverá durante três quartos de
hora adicionando água para compensar a perda sofrida pela ebulição, de
forma que haja sempre três litros de líquido.
Enquanto isso, mate, depene e limpe um GALO velho, que você pilará,
carne e ossos, em um alguidar, com o pilão de ferro; pique igualmente 1kg
de carne bovina bem selecionada.
Isto feito, misture junto as duas carnes, às quais acrescente suficiente
quantidade de sal e pimenta. Coloqueas na panela, sobre um fogo alto, de
maneira a impregná-las com calórico, e lance de tempos em tempos um
pouco de MANTEIGA fresca a fim de saltear bem essa mistura sem
grudar.
Quando estiver corado, isto é, quando a OSMAZOMA vier a formar uma
forno três ou quatro vezes sucessivamente a uma temperatura baixa; após
essas operações, as ameixas, depositadas em lugar seco, conservam-se
incólumes, durante um ou dois anos. Para essa secagem, usam-se em geral
as ameixas de Damasco.
As ameixas-secas de algumas regiões, de Tours, Nancy, Brignolle e Agen,
adquiriram merecida reputação e são fonte de uma renda bastante
significativa; por sinal, são preparadas com muito mais esmero que
ameixas-secas comuns do comércio.
O Pruneaux de Tours. Use ameixas-de-santa-catarina, bem maduras, que
caem do galho ao menor toque; coloque-as sobre treliças e as exponha ao
sol por alguns dias; elas vão amolecer e atingir o ponto em que condensam
a maior quantidade do princípio mucoso-açucarado. Leve-as em seguida
por 24 horas a um forno ligeiramente aquecido; retire-as, aqueça o forno
novamente em cerca de 1/3 do calor necessário para o pão e recoloque as
ameixas, tendo sempre o cuidado de fechar bem a porta do forno. Repita a
operação uma terceira vez, subindo sempre a temperatura do forno. Nesse
ponto, pegue as ameixas uma a uma, aperte-as entre o polegar e o indicador
e retire o caroço; recoloque-as no forno aquecido à temperatura em que o
pão é retirado. O forno deve ser hermeticamente fechado. Após 1 hora
desse calor, retire as ameixas; coloque um recipiente com água por 2 horas
no forno; finalmente, reintroduza as ameixas após ter retirado o recipiente,
feche hermeticamente e deixe ali por 24 horas: é o tempo que levam para
cristalizar.
Os pruneaux assim preparados são superpostos uns aos outros em
cestinhas e conservados em lugar seco. A matéria incandescida aí
desenvolvida pela última operação, matéria de natureza resinosa, parece
antes prejudicial que útil à qualidade, tornando-os menos fáceis de digerir.
Os pruneaux de Agen, que são preparados da mesma forma, não são
cristalizados e muitas pessoas assim o preferem.
Em geral os pruneaux são assados com açúcar, exceto as ameixas-brignoles,
suficientemente doces para dispensá-lo; para dar mais caráter a essa
compota, mistura-se um pouco de bordeaux.
amêndoa-doce/amêndoa-amarga [Prunus dulcis/ Prunus amara]. Dá-se o
nome de amêndoa a qualquer semente de qualquer árvore com nozes
encerradas em uma casca dura. Diz-se uma "amêndoa de DAMASCO”, uma
"amêndoa de PÊSSEGO" etc. mas trata-se aqui principalmente da FRUTA da
amendoeira que cresce na Itália, na Provence, no Languedoc, na Touraine e
na África. O óleo nela contido alterase rapidamente e é amargo; as
amêndoas em si são doces, refrescantes, nutritivas e amenizam a tosse.
Estômagos delicados não devem dar-se ao trabalho de digeri-las em grande
quantidade. A casca ao envelhecer cobre-se, além disso, de um pó acre que
irrita a garganta, excita a tosse e causa indigestão. A amêndoa-amarga não
é comestível, pois contém um ácido conhecido como ácido prússico ou
hidrociânico, veneno rápido e violento. Uma gota de ácido prússico,
preparado basicamente a partir das amêndoas do pêssego, na LÍNGUA ou
no olho de um BOI mata-o instantaneamente. Quando houver
envenenamento por ácido prússico e, seja em virtude da evaporação ou por
outro motivo qualquer, ele não for fulminante, deve-se dar um preparado
de ferro ao doente. Nas indisposições resultantes da absorção de uma
quantidade exagerada de amêndoas-amargas, o mesmo procedimento deve
ser adotado.
P Bolo de amêndoa. Pegue 300g de farinha e junte 50g de manteiga, 2 ovos
inteiros, 1 pitada de sal, 63g de açúcar branco, 90g de amêndoas-doces
piladas, amasse tudo e asse como qualquer bolo. Por cima, espalhe uma
camada de açúcar e leve ao grill ou à salamandra.
Creme de amêndoa. Triture e retire a casca de 460g de amêndoas-doces,
acrescente apenas 3 amêndoas-amargas e passe esta composição na
peneira depois de dissolvê-la em creme de leite fervente. Junte algumas
gemas, assim como água essencial de flor-de-laranjeira. Leve ao fogo em
banhomaria. Pode-se enfeitar esse prato com um praliné de amêndoas.
Registremos aqui que é em Bourges que é feito o melhor praliné de
amêndoas.
MACARON; NUGÁ; PÃO-DE-Ló; PATISSERIE; PRALINÉ
amendoim [Arachis hipogaea]. Também conhecido como PISTACHE-da-
terra devido a uma notável semelhança com este, pois, à medida que
sucedem as flores, suas VAGENS curvam-se em direção à terra e nela
penetram para consumar sua maturidade.
Originária do México, a planta foi levada para a Espanha, onde atualmente
produz grandes safras. Em 1802 foi introduzida no departamento das
Landes com sucesso, mas a falta de escoamento da produção levou seu
cultivo à decadência, o qual acha-se hoje completamente abandonado.
O amendoim produz uma FRUTA não maior que uma AVELÃ e que se
parece com o pistache: sua noz, ao mesmo tempo comestível e oleaginosa, é
comida crua ou cozida; metade de seu peso é constituída por um excelente
óleo, saudável e econômico e cujas propriedades cicatrizantes permitem
que seja empregado no tingimento. Seus talos alimentam o gado e suas
RAÍZES têm sabor de alcaçuz.
Piêces montées, de Carême.
anchova [Engraulis encrasicolus; "enchova"]. PEIXE marinho menor que o
dedo indicador, sem escamas, cabeça grande, olhos grandes e negros, boca
larga, corpo argênteo e dorso abaulado. É encontrado em abundância nas
costas da Provence e de lá nos chega em CONSERVA ou marinado. A carne
da anchova tem sabor delicado, pode ser grelhada e é de fácil DIGESTÃO.
Pode ser preparada no VINAGRE e sal, formando a salmoura na qual é
conservada. A anchova em conserva só figura em nossas mesas como
HORS-D' EUVRE. Sua natureza e modo de preparo conferem-lhe uma
propriedade excitante que facilita a digestão, se consumida com
moderação. É com as anchovas que recheamos as AZEITONAS; também
integravam a receita do garum romano. É pescada à noite no litoral
ocidental da Itália, da França e da Espanha.
1 Anchovas com salada verde. Lave as anchovas no vinho branco, retire os
filés e sirva com uma salada de alface e cerefólio.
Canapé de anchova. Corte fatias finas de pão e frite-as no azeite. Coloque-as
em uma travessa com queijo-parmesão ralado no fundo. Arrume sobre as
fatias de pão as anchovas, que devem ter sido mergulhadas no leite, regue
com azeite da Provence, cubra com parmesão, leve ao forno e sirva.
1 Manteiga de anchova. Pile os filés de anchova com creme fresco, peneire,
misture a 125g de manteiga e sirva como hors-d'oeuvre.
-—* ARENQUE; SARDINHA
andorinha-do-mar -—) ALCIONE
aneto [Anethum graveolens; "dill"; "endro"]. Espécie de AIPO silvestre.
Distinguem-se dois tipos: o aneto comum, cuja raiz é filiforme, única e
branca; as folhas, menores que as do FUNCHO, esverdeadas e com
fragrância intensa; as flores, cor-de-rosa; as sementes, amarelo-claras; o
sabor, doce, embora aromático. Parece ser originário da Alemanha ou da
Itália; no primeiro desses países é usado como tempero; na Itália, as folhas
tenras são comidas na SALADA, como o aipo.
Já o aneto odorífero, dizem que originário da Espanha ou Itália, tem o caule
ramoso, as folhas finamente recortadas e as flores amarelas e pequenas; é
cultivado em jardins. O cheiro é suave, embora intenso, e o sabor,
aromático; transmite ao PEIXE um gosto peculiar.
Os romanos coroavam-se em seus festins com folhas de aneto e os
gladiadores utilizavam-no para tonificar os seus ALIMENTOS.
angélica [Angelica archangelica; "erva-do-espíritosanto”"]. ERVA aromática,
originária da Síria, que cresce em geral ao longo dos rios próximos às
montanhas. A angélica é considerada uma iguaria pelos lapões, que
preparam suas folhas e RAÍZES cozidas no LEITE; para complementarem a
SOBREMESA, mascam e ingerem as bagas encontradas sob a neve. A
melhor CONSERVA de angélica é preparada em Niort, onde preservou-se
devotamente a tradição e as fórmulas cultivadas pelas religiosas da
Visitação de Santa Maria.
anglet. VINHO branco muito apreciado e fabricado em Anglet,
departamento dos Baixos Pireneus.
anis [Pimpinela anisum; “erva-doce"]. ERVA aromática da família das
umbelíferas, é abundante em toda a Europa, no Egito e na Síria. Na Itália,
sobretudo em Roma, o anis é um problema para os estrangeiros, que não
conseguem escapar nem de seu sabor nem de seu cheiro, já que está
presente tanto nos doces quanto no PÃo; os napolitanos não comem nada
sem anis. Na Alemanha, é o principal condimento do Pumpernickel, pão que
sempre faz companhia aos FIGOS C PÉRAS secos e cujo nome advém da
exclamação do cavaleiro que, ao provar de uma pitada da erva, deu
imediatamente o resto para o seu CAVALO, que se chamava Nick, dizendo
“bom para Nick”, o que, pronunciado com sotaque alemão, resultou em
"Pumpernickel”.
anisete. A despeito do amor-próprio nacional, somos obrigados a admitir
que a primeira anisete do mundo veio da casa Fokung, em Amsterdam; a de
Bordeaux sendo-lhe bem posterior. Convém beber a anisete de Fokung
depois do CAFÉ e usar a de Bordeaux para os pratos.
anserina [Chenopodium ambrosiodes; "erva-de-santamaria"]. Vulgarmente
denominada "pata-de-ganso" em virtude de suas folhas espalmadas, trata-
se de uma ERVA anual da família da CEVADA e da ERVA-ARMOLES,
cultivada particularmente no Chile eno Peru.
Há vários tipos de anserinas: a “anserina-bom-henrique”, também chamada
"ESPINAFRE silvestre”, é uma erva comestível de porte, que cresce em
locais inóspitos, ao longo dos muros e caminhos (em vários países, seus
brotos são comidos como ASPARGOS e suas folhas no lugar do espinafre,
sendo considerada um emoliente resolutivo e detersivo); a “anserina
polisperma”, assim chamada em função da grande quantidade de sementes
que produz; a "anserina-de-vassoura”, cujos talos finos, carregados de
ramos rijos, são usados na Itália na confecção de vassourinhas; a
“vermífuga" e a “híbrida”, que servem para compostos farmacêuticos; e,
finalmente, a "quinoa”, a mais digna de todas. Esta última abunda nos
planaltos das Cordilheiras e é, para o Peru, objeto considerável de cultivo e
consumo: na SOPA, no BOLO, cortada como espinafre, associada a outros
pratos, trata-se de ALIMENTO muito saudável e de fácil DIGESTÃO. De sua
fermentação com o painço resulta uma espécie de CERVEJA deliciosa e
muito refrescante; produz também uma pastagem verde excelente para as
VACAS. Testes feitos na França e na Inglaterra visando sua adaptação
obtiveram pleno êxito. As aves procuram a semente da variedade branca.
araruta [Maranta arundinacea]. Fécula extraída da RAIZ da araruta e ralada
na ÁGUA. É usada em COZIDOS e CREMES, que os ingleses adoram.
arca-barbada [Arca barbata]. Marisco do Mediterrâneo preparado como a
ARCA-DE-NOÉ.
arca-de-noé [Arca noae]. Pequeno marisco do mar Vermelho utilizado na
alimentação dos árabes durante o inverno; é comido indiferentemente cru
ou FRITO.
areca [Areca catechu]. Falaremos aqui apenas da arequeira que, misturada
a outras substâncias, é usada para fazer o BETEL.
A areca, gênero da família das palmeiras, cresce principalmente nas
Molucas e no Ceilão; sua fruta, conhecida como "noz-de-areca”, é do
tamanho de um ovo de GALINHA e amarelo-dourado no interior; a noz
parece a NOZ-MOSCADA, é dura, branca, pintalgada de roxo; é comida
depois de seca, mas conserva um sabor amargo e desagradável.
Há também a areca da América, que é uma das árvores mais elegantes do
Novo Mundo, apresentando no centro de sua folhagem uma espécie de
broto conhecido como "palma-caribenha”, bastante estimado pelos nativos
e preparado de diversas formas.
arenque [Clupea harengus]. Todo mundo conhece o arenque; eu diria até
que poucas pessoas não gostam dele. Vivo, é verde no dorso e branco nos
flancos e na barriga; morto, o verde do dorso transforma-se em azul. É filho
do pólo, porém, do local de seu nascimento até 45º de latitude é encontrado
em todos os mares, formando, a partir de 25 de junho, quando começa a ser
visto na Holanda, o "fulgor do arenque”; cardumes com vários quilômetros
de extensão, tão densos que OS PEIXES que os formam sufocam-se uns aos
outros aos milhares contra o fundo do mar. Às vezes, as redes que os
capturam, fracas demais para suportar tal peso, rasgam-se e deixam
metade das presas escapar. Qual a coluna de fumaça dos hebreus, podemos
seguir sua emigração dia e noite: à noite, pelo brilho fosforescente que
deles emana, de dia, pelas revoadas de pássaros ictiófagos que os seguem,
mergulhando de tempos em tempos e emergindo com um raio de prata no
bico; BALEIAS, TUBARÕES, GOLFINHOS, BONITOS e PARGOS OS
acompanham, mordem o cardume e nele se fartam.
- Como, replicou o primeiro, não lhe agradaria ver aumentar o número dos
bons protestantes?
- Não se trata disso, respondeu o outro, mas, se não houver mais católicos, o
que faremos com nossos arenques?
Arenque fresco ao molho de mostarda. Pegue 12 arenques, esvazie-os pelas
guelras, retire as escamas, enxugue-os, coloque-os em um prato de louça ou
cerâmica, agregue um pouco de azeite, polvilhe com sal, acrescente alguns
ramos de salsa e vire-os do outro lado para pegar o tempero; 15 minutos
antes de servir, ponha-os para grelhar, vire-os de lado; terminado o
cozimento, arrume-os na travessa e cubra-os com um molho branco na
manteiga, no qual terá desmanchado 1 colher grande de mostarda não
fervida; pode servir os arenques em um molho gorduroso; se os servir
frios, use o molho com azeite que melhor lhe aprouver.
P Arenque saur/procedimento [receita de Courchamps]. Dessalgue belos
arenques irlandeses no leite, grelhe-os em seguida e deixe-os esfriar; retire
os filés, que você poderá usar mais tarde para fazer sanduíches ou em
torradinhas com manteiga fresca, guarnecer barcas de hors-d'oeuvre
temperandoos com azeite e suco de limão, cobrir liteiras de massa longa ou
lasanha na manteiga, bem como purês de batata, castanha, batata-doce da
Espanha ou feijão branco ao creme; para fazer um grande picadinho para
temperar omeletes no azeite ou ovos mexidos, misture azeitonas, creme de
leite Sotteville e um pouco de extrato de nogueira; daí resulta um prato de
entrada que não é desprovido nem de sabor nem de elegância.
Arenque saur à Ia Sainte-Ménehould. Dessalgue-os no creme de leite,
cozinhe-os por 20 minutos em um molho à la Sainte-Ménehould que você
terá assim composto: ponha em uma caçarola 30g de manteiga misturada a
farinha de trigo e leite, salsa, cebolinha, alho, tomilho, louro, manjericão,
um pouco de pimenta; deixe ferver e mexa sem parar; introduza os
arenques, cozinhe-os, mergulhe-os na manteiga derretida, passe-os na
frigideira e deixe que assumam uma bela tonalidade no forno de campanha;
arrume-os sobre um molho rémoulade com azeite verde.
1 Matelote de arenques frescos. Ponha os arenques em uma caçarola com
um bom pedaço de manteiga, salsa, champignons, cebolinha, 1 pontinha de
alho com 2 copos de borgonha ou bordeaux, sal, pimenta, leve-os ao fogo
alto; sirva com um molho curto e guarneça com croútons fritos [na
manteiga].
ANCHOVA; SARDINHA
argali [Ovis ammon]. Espécie de CARNEIRO selvagem que vive nas sebes
das montanhas e nas estepes da Sibéria. O animal tem o tamanho de um
GAMO, do qual detém a rapidez e a força, seu corpo é coberto de pêlos
curtos e a pelagem, cinza-violeta, atravessada por uma listra amarelada no
meio do dorso. Sua carne tem as mesmas propriedades alimentares e o
mesmo sabor da do cervo e é muito apreciada pelos nativos.
argentina [Potentilla silvestris; "potentila"]. ERVA com o sabor e as
propriedades do NABO-BRANCO; no inverno, os ingleses comem sua RAIZ
em lugar desse LEGUME e preparam com o suco uma bebida que misturam
ao VINHO da Espanha, fazem uma infusão com TRIGO, diluem ali gemas de
ovos e temperam o conjunto com açúcar e NOZ-MOSCADA.
arracacha [Arracacia zanthorrhiza]. Planta leguminosa da família das
umbelíferas, é provavelmente originária da Colômbia, onde seu cultivo é
muito difundido. Apresenta a maioria das vantagens identificadas na
BATATA e se desenvolve nas mesmas condições de terreno e clima. Os
ilhéus da Jamaica preferem-na inclusive a esta e a preparam da mesma
forma. Ralada e macerada na água, a arracacha deposita uma FÉCULA que
fornece um ALIMENTO substancial e leve, indicado até mesmo para
convalescentes.
arrobe ---> RAISINÉ
arroz. Originário do Oriente, o arroz é, depois do PÃO, O ALIMENTO mais
saudável, abundante e universalmente conhecido. Os povos da Ásia, da
África e da América são seus grandes consumidores, bem como diversos
países da Europa. Em certas regiões fabrica-se também um VINHO de arroz
de uma cor ÂMBAR e sabor tão agradável quanto o vinho da Espanha; essa
bebida embriagadora é muito apreciada na China, onde o arroz é a base da
alimentação. O arroz consumido na França vem da Itália, do Piemonte e da
Carolina.
Arroz à la Ristori. Cozinhe 1 libra [c.480g] de arroz bem lavado. Rale 1/2
libra [240g] de toucinho, corte 1 repolho de Milão, ponha-o em uma panela
tampada e o faça suar com toucinho, sal, pimenta, salsa e alguns grãos de
erva-doce; quando o repolho já tiver abafado por 45 minutos, junte o arroz,
molhando-o ligeiramente, quase sem cobri-lo; deixe cozinhar por 15
minutos e sirva-o com queijo-parmesão ralado.
Arroz-doce à moda turca. Lave e afervente 248g de arroz carolino, cozinhe-
o com 4 copos de leite, 120g de açúcar sobre o qual você ralou a casca de
um limão, 120g de manteiga de Isigny, 6 onças [180g] de passas-de-corinto
[brancas] bem lavadas e 1 grão de sal; retire do fogo quando o arroz secar,
junte 8 gemas, ponha em uma caçarola de prata ou uma base de torta e leve
ao forno brando por 20 minutos. Polvilhe-o em seguida com açúcar,
derreta-o na salamandra ou no grill até que o arroz ganhe uma cor
avermelhada e sirva em seguida.
CURRY
árvore-do-pão [Artocarpus altilis]. Essa árvore que cresce
espontaneamente nas Molucas, nas ilhas Sonda e nos arquipélagos da
Polinésia, é assim chamada em função da FRUTA que produz, conhecida
como "fruta-pão”.
Atinge entre 13 e 17 metros, o tronco é bastante grosso e o cimo, amplo,
arredondado e composto de galhos ramosos. A fruta é amarelo-esverdeada
no exterior e branca por dentro, maior ou menor de acordo com a espécie a
que pertence, mas seu diâmetro raramente excede os 21 centímetros.
Contém uma polpa a princípio muito branca, algo farinhosa e um tanto
fibrosa, mas que, madura, torna-se amarelada e suculenta ou de
consistência gelatinosa. Quando a fruta amadurece, tudo que se tem a fazer
é deixá-la assar ou grelhar no carvão em brasa ou então cozinhá-la inteira
no forno ou na ÁGUA; depois é só limpar e comer a polpa, que, branca e
macia como miolo de PÃo fresco, constitui ALIMENTO saboroso e saudável.
Seu sabor aproxima-se do sabor do pão de FARINHA de TRIGO, com um
ligeiro toque de ALCACHOFRA ou de girassol. Conserva o viço durante sete
ou oito meses consecutivos.
Dá-se como certo que duas ou três dessas árvores notáveis bastam para a
alimentação de um homem durante um ano inteiro. Quanto a seu cultivo,
exige poucos cuidados. Foram os franceses, e depois os ingleses, que a
introduziram na ilha de Reunião, em Guadalupe e na Jamaica, onde os