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História e Educação: o surdo, a oralidade e o uso de sinais, Notas de estudo de zootecnia

História e Educação: o surdo, a oralidade e o uso de sinais

Tipologia: Notas de estudo

2013

Compartilhado em 22/01/2013

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isis-pereira-de-melo-4 🇧🇷

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Baixe História e Educação: o surdo, a oralidade e o uso de sinais e outras Notas de estudo em PDF para zootecnia, somente na Docsity! 16 História e Educação: o Surdo, a Oralidade e o Uso de Sinais Maria Cecília de Moura Ana Claudia B. Lodi Kathryn M. R Harrison INTRODUÇÃO A educação do surdo só pode ser compreendida a partir de uma perspectiva mais ampla que abranja a sua história e que mostre quais as fundamentações teóricas, filosóficas, políticas e ideológicas que a embasaram desde o seu início. Nosso espaço aqui é pequeno para podermos nos aprofundar nestes aspectos, mas tentaremos, ainda que de uma forma resumida, abordar a história e as suas conseqüências na educação do surdo. Para tanto, lançaremos mão dos seguintes autores: PAUL C. HIGGINS, autor de OUTSIDERS IN A HEARING VI/ORLD (1990), CARLOS SKLlAR com seu trabalho LA HISTORIA DE LOS SOADOS: UNA CRONOLOGíA DE MALOS ENTENDIDOS Y DE MALAS INTENCIONES (1996) e HARLAN LANE em seu livro WHEN THE MIND HEARS. A HISTORY OF THE DEAF (1989). Num segundo momento estare¬mos discutindo alguns conceitos básicos que dizem respeito a este trabalho. Passaremos então a relatar o status atual da educação do surdo com Sinais e, finalmente, uma vez que o objetivo maior deste texto é mostrar como se dá o trabalho com surdos e qual é o papel da fonoaudiologia neste campo, explicitaremos a forma pela qual entendemos este papel. HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DO SURDO Antigüidade (4000a.C. - 476d.C.) Segundo HIGGINS (op. cit., 1990), os ouvintes na antigüidade greco-romana consideravam que os surdos não eram seres humanos competentes. Isto decorria do pressuposto de que o pensamento não podia se desenvolver sem a fala. Uma vez que a fala não se desenvolvia sem a audição, quem não ouvia, não falava e não pensava, não podendo receber ensinamento e, portanto, apren¬der. Este argumento era usado pelos gregos e romanos para aqueles que nasciam surdos, que inclusive em determinados momentos nesta época eram sacrificados (MOORES, 1978). Os que perdiam a audição após terem adquirido linguagem, por falarem, não entravam nesta categorização. Aristóteles considerava que a linguagem era o que dava condição de humano para o indivíduo, portanto sem linguagem o surdo era considerado não-humano e não tinha possibilidade de desenvolver faculdades intelectuais. Não há referência de que os surdos usassem outro tipo de comunicação naquela época, como Sinais, a única men¬cionada claramente é a fala. Aqui temos a primeira alusão histó¬rica que dá um valor de humanização para a fala e que vai servir como base para o trabalho de recuperação dos surdos no decorrer dos séculos. Ainda neste período, os romanos privavam os surdos que não podiam falar de seus direitos legais. Isto pode ser observado até hoje no Código Civil Brasileiro, que considera os surdos incapa¬zes, comparados aos alienados mentais (OLIVEIRA, 1989). Vê-se portanto o impacto que este período, tão remoto na história, teve na categorização dos surdos até os dias atuais, onde eles são considerados não-habilitados a gerir a sua própria vida (ainda que esta legislação esteja em processo de uma possível mudança atualmente). O que está escondido atrás deste conceito é o mesmo que encontramos em Aristóteles, a ausência da fala. Mas será a fala a única forma de comunicação dos surdos? É o que veremos no decorrer desta história. Idade média (476 - 1453) Os surdos continuam a ser vistos como não-humanos neste momento, a partir de uma visão religiosa, pois para a igreja católica eles não poderiam ser considerados imortais já que não podiam falar os sacramentos. Apenas no final da Idade Média, segundo SKLlAR (op. cit., 1996), esboçava-se um caminho para a educação do surdo que se colocava na forma de preceptorado, isto é, um professor que se dedicava inteiramente a um aluno para ensiná-Io a falar, ler e escrever para que ele pudesse ter o direito de herdar os títulos e a herança familiar. considerava esta língua sem gramática e sem utilidade (na sua forma normalmente usada pelos surdos) para o ensino da língua escrita. Para poder adaptá-Ia a seus objetivos, ele construiu um sistema baseado na Língua de Sinais, criando outros Sinais para as palavras francesas que não eram representadas pela Língua de Sinais e terminações que marcavam a gramática da língua oral (que são representados na Língua de Sinais ou por sua caracte¬rística espacial ou por outras formas). Ele deu a este sistema o nome de Sinais Metódicos. Através desta forma modificada da Língua de Sinais ele ensinava os surdos a ler e a escrever qualquer texto de forma gramaticalmente correta. Para ele o treinamento da fala tomava tempo demais dos alunos, tempo este que deveria ser gasto na educação. Além disto considerava que, mesmo para aqueles que poderiam aprender a falar, isto seria de pouca utilidade, considerando-se o tempo despendido e a utilidade real que seria esta fala. Por esta razão ele foi muito criticado por outros educadores de surdos, tanto na época como posteriormente. Para estes outros educadores a oralização deveria ser o objetivo principal do trabalho educativo do surdo, por questões ainda de sua humanização, de inserção na sociedade de ouvintes ou outras não tão claras e objetivamente colocadas. Veremos, no momento em que nos referirmos ao Congresso de Milão e à implantação definitiva do oralismo no mundo, que razões foram estas. O ASEÉ DE l'EpÉE é criticado nos dias de hoje por não ter considerado a Língua de Sinais uma língua passível de ser utilizada para o ensino da leitura e escrita, desde que modificada para este fim. O importante, entretanto, foi o fato dele tê-Ia reconhecido como uma língua, ter considerado os surdos como humanos, apesar de não falarem, e ter propiciado a estes indiví¬duos um grande desenvolvimento onde eles puderam demonstrar as suas habilidades em diversos campos, antes dominados apenas pelos ouvintes. Foi a época de ouro para os surdos. Idade contemporânea (1789 - 1900) O trabalho numa linha de Sinais começou a ser realizado em diferentes países da Europa, chegando inclusive aos EUA. Os responsáveis pela introdução dos Sinais e pela educação institucionalizada para surdos naquele país, foram o americano THOMAS GALLAUDET (1787 -1851) e o francês LAURENT CLERC (1785 -1869). THOMAS GALLAUDET, interessado na educação de surdos, viajou à Europa para aprender um método que permitis¬se que ele implantasse um ensino especializado para surdos nos EUA. Ele não conseguiu estas informações na Inglaterra, pois BRAIDWOOD, a quem ele procurou, negou-se a lhe revelar o seu método (oralista). BRAIOWOOD tinha um grande interesse financeiro em manter o seu método em segredo (como outros já tinham tido antes dele). GALLAUOET não conhecia nada sobre a educação do surdo nesta ocasião e tendo tomado conhecimen¬to do método desenvolvido por l'EpÉE, interessou-se e foi para a França em 1816, onde realizou um estágio no Instituto Nacio¬nal para Surdos-mudos, começou a aprender os Sinais e o Sistema de Sinais Metódicos de l'EpÉE. Seu instrutor foi LAURENT CLERC, brilhante ex-aluno (surdo) daquela escola. CLERC foi contratado por THOMAS e eles retomaram juntos para os EUA naquele mesmo ano. Em abril de 1817 foi fundada a primeira escola pública para surdos, em Hartford, Connecticut, com o nome de THE CONNECTICUT ASYLUM FOR THE EOUCATION ANO INSTRUCTION OF THE DEAF ANO DUMB PERSONS (Asilo Connecticut para a Educação e Instrução das Pessoas Surdas e Mudas). Posteriormente a escola recebeu o nome de HARTFORO SCHOOL. Os professores contratados aprenderam a Língua de Sinais Francesa, os Sinais que os próprios alunos traziam, Sinais Metó¬dicos adaptados para o inglês, o alfabeto digital francês e a forma de ensiná-Ios segundo o sistema utilizado por CLERC. A Língua de Sinais Francesa foi sendo gradualmente substituída pelos alunos, começando então a se formar a Língua de Sinais Americana (que apresenta até hoje muitas semelhanças com a Francesa). Grada¬tivamente, os Sinais Metódicos foram abandonados e na sala de aula passaram a ser utilizados a Língua de Sinais Americana, o inglês escrito e o alfabeto digital. Com o decorrer do tempo, os ex¬alunos surdos da escola foram se juntando aos professores ouvintes e foi se criando uma pequena comunidade surda dentro e fora da escola. Mais tarde, outras escolas foram sendo fundadas nos mesmos moldes da de HARTFORO, todas as escolas residenciais que tinham o mesmo objetivo a educação dos surdos através da Língua de Sinais, cada vez menos ligada ao sistema oral e cujo objetivo era o ensino da língua escrita e o desenvolvimento de conhecimentos que permitissem a independência e o trabalho de surdos na comunidade. Em 1864, o Congresso Americano autorizou o funcionamento da primeira faculdade para surdos, localizada em Washington (NATIONAL DEAF-MuTE COLLEGE, atualmente GALLAUOET UNIVERSITY). Esta faculdade foi fundada por EOWARO GALLAUOET, filho de THOMAS GALLAUOET. Foi a primeira e é até hoje a única universi¬dade para surdos em todo mundo. Entretanto, a utiljzação da Língua de Sinais nos EUA começou a sofrer uma pressão contrária na segunda metade do século XIX, fato este que pode ser atribuído à onda nacionalista que aconteceu após a Guerra de Secessão, onde o desejo de reunificação do país tinha como uma das vertentes a própria língua, o inglês. Desde que a Língua de Sinais não era uma versão do inglês, ela começou a ser rejeitada e forçou-se a sua substituição para o inglês oral. Um dos responsáveis por esta modificação foi HORACE MANN (1796 - 1859), político e realizador de reformas na educação em geral nos EUA, e que foi influenciado por SAMUEL HOWE" (1801 - 1876), filantropo e adversário do uso de Sinais que desejava montar uma escola oralista para surdos. MANN desatrelou o uso de Sinais da educação do surdo nos EUA, baseando-se na visão oralista dos países germânicos. Ele não conhecia as formas de trabalho com o surdo, nem as suas fundamentações, mas a não utilização de Sinais na educação do surdo ia de encontro aos anseios políticos da época no seu país. Na verdade a Alemanha tentava desde o século XVIII desalo¬jar os Sinais do lugar que tinham na educação do surdo. Havia um desejo de unificação da língua alemã e a não-formação de grupos minoritários que ameaçavam a sua unidade enquanto país. Além disso, havia uma rejeição a todos os modelos franceses, dos quais a educação do surdo através dos Sinais fazia parte. Vários educadores alemães haviam tentado a implantação de um modelo oralista sem a utilização de Sinais e alguns deles (JOHN GRASER, MORITZ HILL) haviam concluído que isto não era possível. O objetivo continuava sendo, neste país, a oralização do surdo, mas sem banir o uso de Sinais. Por causa do relatório de MANN, o conselho da escola de Hartford enviou um representante, LEWIS WELD, à Europa para verificar a situação da educação do surdo em alguns países. No seu retorno, WELD concluiu que MANN não tinha razão e que não havia motivo para que os Sinais fossem abolidos. Entretanto, recomendou que fosse realizado treinamento de fala para os semimudos, ou melhor, para aqueles que poderiam se benefici¬ar deste treinamento. Foi proposto também o treinamento em leitura orofacial. A razão destas concessões era a necessidade de satisfazer o Conselho de Educação (afinal havia necessida¬de de verbas governamentais) e de satisfazer os pais que desejavam que seus filhos aprendessem a falar. As tentativas de oralização e treinamento de leitura orofacial não tiveram os resultados esperados, mas HOWE continuou insistindo na ne¬cessidade de uma escola oral, tendo sucesso em 1867, quando da fundação da CLARK INSTITUTION. EDWARD GALLAUDET também realizou uma viagem para a Europa e ao retomar, numa Assembléia com os diretores de diversas instituições americanas de educação para surdos, foram tomadas algumas resoluções, sendo que a mais importante delas, para a educação do surdo, foi a de que o papel da escola de surdos seria fornecer treinamento em articulação e em leitura orofacial para aqueles alunos que poderiam se beneficiar deste treinamento. Esta parte da proposta, que deveria ser a menos importante, tomou proporções muito grandes, contra as expectativas de GALLAUDET, e o treinamento de fala passou a ser considerado parte do curriculum das escolas. Isto acarretou grande descontentamento em CLERC, que a considerou um desrespeito à Língua de Sinais. Além disto este treinamento ocuparia tempo que deveria ser despendido na educação em geral. Entretanto, isto contentava aos políticos porque contemplava a necessidade de se transformar o surdo num indivíduo oralizado para ir de encontro com os desejos do país naquele momento. eles pudessem ter qualquer tipo de força e de poderem se organizar para qualquer tipo de manifestação ou proposta que fosse contra o oralismo. Segundo BERNARD MOTTEZ (1975), o Congresso de Milão transformou a fala de uma forma de comunicação para a finalidade da educação. Poderíamos acrescentar que para uma finalidade da educação com objetivos de sujeição de uma classe minoritária à maioria e aos seus desejos de equalização a qualquer custo, inclusive da própria singularidade do surdo. Para SKLlAR (op. cit., 1996), a Itália aprovou o oralismo para facilitar o projeto geral de alfabetização do país, eliminando um fator de desvio lingüístico (Língua de Sinais), uma vez que eles procuravam uma unidade nacional e lingüística. As ciências humanas e pedagógicas aprovaram porque o oralismo respeitava a concepção filosófica aristotélica em que o mundo de idéias, abstrações e da razão é representado pela palavra, enquanto o mundo do concreto e do material o é pelos Sinais. Outro fator importante para SKLlAR foi a força do clero, que num primeiro momento rejeitou o oralismo como representante do poderio alemão, mas que depois percebeu-o como uma força importante por motivações espirituais e confessionais (e de controle). Vamos, portanto, verificando que existem fatores filosóficos, ideológicos e políticos que realmente interferem no modo de uma sociedade se comportar. Isto é válido quando falamos do passado e, também, do presente. Obviamente é mais fácil verificarmos a ação destes fatores numa retrospectiva do que no momento em que eles acontecem. Quando somos nós que estam os envolvidos em determinado processo ou somos os seus personagens, os comportamentos ficam sujeitos a julgamentos, que acreditamos que sejam pessoais, mas que na verdade refletem uma estrutura superior a nós. Por esta razão é que devemos sempre ter em mente o que é melhor para os surdos (neste caso), não nos esquecendo que estamos a serviço deles e não eles ao nosso. 1900 - aos dias atuais Oralismo No decorrer do século XX, o oralismo adotou novas técnicas. O desenvolvimento da tecnologia eletroacústica (com aparelhos de amplificação sonora individual e coletivo, para um melhor aproveitamento dos restos auditivos), das investigações na reabilitação da afasia e dos trabalhos na clínica foniátrica (SÁNCHEZ, 1990), foram de grande ajuda e trouxeram grandes esperanças para a transformação do surdo num "ouvinte". Todos se baseavam na necessidade de oralizar o surdo, não permitindo a utilização de Sinais. . De acordo com NORTHERN & DOWNS (1975) foram quatro as técnicas mais utilizadas nos EUA, todas perseguindo o objetivo de fazer com que o surdo fizesse parte da sociedade ouvinte através de boa fala e de boa leitura orofacial. O pressuposto básico delas era o de que deveria ser dada a cada criança surda uma oportu¬nidade para se comunicar através da fala. Não pretendemos fazer aqui uma longa exposição destas técnicas, mas consideramos importante dar uma idéia de como foi, e é visto até hoje, o trabalho com surdos que visa tão-somente a sua oralização. As principais formas de trabalhos orais descritos por NORTHERN & DOWNS são Oralismo Puro ou Estimulação Auditiva, Método Multissensorial/Unidade Silábica, Método de Linguagem por Associação de Elementos ou Método da "Língua Natural" e Método Unissensorial ou Abordagem Aural. Oralismo puro ou estimulação auditiva Foi desenvolvida na CLARK SCHOOL FOR THE DEAF no final do século XIX. Para seus adeptos, a criança surda deve ser exposta à língua falada e aos sons, sempre usar aparelho de amplificação sonora, se possível, e sofrer treinamento auditivo. O trabalho começa com o treinamento de atenção para a leitura orofacial e inclui elementos sonoros isolados, combinações de sons, pala¬vras e finalmente a fala, devendo ter continuidade em casa, através do envolvimento de toda a família. Esta participação familiar contínua é uma das características do oralismo. Quando a criança não desenvolve a fala de uma maneira satisfatória através da estimulação auditiva e da leitura orofacial, é usado o método que se segue. Método multissensorial/unidade silábica É realizado de forma semelhante ao anterior, acrescentando-se a leitura e a escrita das formas ortográficas da língua. São utilizadas outras pistas além da audição como: visão e tato. Este é o sistema mais amplamente usado numa abordagem oral. Método de linguagem por associação de elementos ou método da "língua natural" Foi desenvolvido por MILDRED GROHT (LEXINGTON SCHOOL FOR THE DEAF IN NEW Y ORK) e baseia-se no pressuposto de que a criança deve aprender a falar através da atividade. Desta forma tudo que é feito deve ser cercado de linguagem, o professor fala sem parar e as crianças são encorajadas a fazer perguntas através da fala. É realizado igualmente treinamento de leitura orofacial e de fala. Alguns educadores utilizam um pouco de cada forma de trabalho, adaptando-os de acordo com as necessidades das crianças. As crianças que apresentam boa audição residual mostram melhor rendimento com este método, mas também é aplicado em crianças com perdas auditivas profundas com ou sem aparelho de amplificação sonora individual. Algumas crianças treinadas por estas técnicas, ou por uma combinação das mesmas, têm um rendimento muito bom, desenvolvendo a fala e habilidades de leitura e escrita, independentemente da sua perda auditiva, que às vezes pode ser muito grande. A maioria, entretanto, tem um rendimento muito abaixo do esperado, de acordo com as propostas e objetivo destes programas (MOORES, 1978; MINDEL & VERNON, 1971). Muitos que se opõem a uma abordagem oralista colocam-se contra o treinamento de leitura orofacial, pois este depende pouco de treinamento. Ou a pessoa possui o "talento" para tal ou terá dificuldade para desenvolvê-Io, sendo o treinamento muitas vezes inútil ou de pouca utilidade em razão do tempo despendido versus habilidade adquirida (muitos conseguem um bom resul¬tado em situações controladas, mas não em situações diárias de conversação). Como resultado, muitos surdos acabam não a dominando, o que provoca ansiedade. Além disto, não serve de comunicação entre os surdos (imagine uma situação de dois surdos conversando, com as suas restrições articulatórias individuais e tentando se entender mutuamente). Outra característica da leitura orofacial é que ela é ambígua, pois muitos sons são parecidos na boca, muitos não são visíveis e muitas pesso¬as não falam de maneira clara. Ela não é útil em situações de conversação com muitos falantes, em situações de ambiente pouco iluminado ou em conferências. Um dos aspectos importantes a ser levantado é que o seu treinamento, muitas vezes sem aproveitamento real, baseia-se na repetição e este tempo seria melhor aproveitado para que se passasse maior conheci¬mento para a criança surda. Em casos em que a leitura orofacial pode ser desenvolvida, acreditamos que o trabalho deva se voltar para situações comunicativas reais e não para um treinamento descontextualizado. Método unissensorial ou abordagem aural Também conhecido como abordagem acupédica, refere-se a um programa de reabilitação para a criança surda. Este envolve a família e enfatiza o treinamento auditivo sem nenhum ensino formal de leitura orofacial (POLLACK, 1970). Esta abordagem depende de diagnóstico, orientação familiar, indicação e adaptação de amplificação sonora individual o mais cedo possível, assim como exposição total à estimulação de linguagem normal. O objetivo mais uma vez é o da integração da criança com prejuízo auditivo no mundo ouvinte. Os oralistas acreditam que todas as crianças surdas têm alguma audição residual que pode ser aproveitada. É neste sentido, o de uma perda, no caso da audição, que o surdo é classificado pelos seguidores Enquanto filosofia, a Comunicação Total pretendia que qualquer forma de comunicação fosse usada e aceita, sendo que a criança não seria discriminada por não dominar a oralidade. A comunicação que se mostrasse mais eficaz com a criança seria a escolhida (NORTHERN & DOWNS, 1975). Entretanto não foi isto que aconteceu. A oral idade continuou a ser o objetivo principal do trabalho. Segundo SCHLESSINGER & MEADOW (SCHINDLER, 1988), o termo que melhor designa esta forma de atuação, para não entrarmos nas questões controvertidas de método ou filosofia, é o de Comunicação Bimodal. A diferenciação que se pode fazer entre a Comunicação Total e a Comunicação Bimodal é que a primeira não se refere a uma técnica específica, desde que muitas formas de trabalho podem ser adotadas, mas a uma filosofia de trabalho que, na sua concepção original, privilegia a criança surda nas suas necessidades e aceita qualquer forma de comunicação da criança. Já a Comunicação Bimodal refere-se à forma pela qual a língua é apresentada à criança. É através da língua oral acompanhada de Sinais que se espera que a criança venha a desenvolver suas habilidades lingüísticas, sendo feito todo um trabalho de aproveitamento de restos auditivos e de fala, como já descrevemos para a Comunicação Total. Ela não prega uma filosofia de aceitação da forma de comunicação da criança, mas o uso de uma técnica para facilitar o desenvolvimento da fala. Na aplicação tanto do Bimodalismo, como da Comunicação Total, foram desenvolvidos marcadores e Sinais novos para designar palavras ou elementos não contidos na Língua de Sinais (que, por ser uma língua visual, tem uma característica diferente da língua oral, como veremos com maiores detalhes mais adiante). Assim, aspectos gramaticais como tempos e pessoas verbais, singular e plural, sufixos e prefixos, são feitos ou através do alfabeto digital ou de Sinais criados, para que possam representar a língua oral. Existem muitos destes sistemas nos EUA (Seeing Essential English 1- SEE 1; Seeing Essential English 2- SEE 2; Signing Exact English entre outros); eles são considerados Inglês Sinalizado. Outra forma de trabalho possível dentro da Comunicação Total e do Bimodalismo é a não-utilização destes marcadores, mas o acompanhamento da oralidade com Sinais retirados da Língua de Sinais, sem nenhum acréscimo criado artificialmente. Neste caso, a denominação passa a ser Inglês com Sinais (ou Português com Sinais). Os críticos aos sistemas combinados (outro nome dado para as formas de trabalho que usam os Sinais em conjunto com a fala) colocam que esta forma de trabalho não considera a Língua de Sinais como uma língua real, portanto não a respeitando e não a utilizando como poderia na educação do surdo. Este tipo de crítica é real, mas pensamos que é importante tentar entender o quê as abordagens que utilizam Sinais visam quando trabalham com crianças surdas. Se determinada instituição, escola ou clínica, tem como objetivo, tão-somente, a oralização na utilização de Sinais em conjunto com a fala, desprestigiando outras formas de comunicação ou colocando a criança surda numa posição de inferioridade frente ao seu desempenho ruim na oralidade, esta postura tem que ser criticada. O objetivo do trabalho quando se utilizam Sinais deve ser outro. Ele deve, na verdade, propiciar o desenvolvimento global da criança, não importando se ela utiliza esta ou aquela forma de comunicação. Quando colocamos desenvolvimento global estamos nos referindo ao desenvolvimento lingüístico, intelectual, social, acadêmico e principalmente de uma identidade preservada. Podemos imaginar que uma criança que é vista como um fracasso, por não ter desenvolvido a oralidade, mesmo exposta a um método combinado, não terá chances de construir a sua identidade e, talvez, muitos dos aspectos já mencionados. A forma dela se comunicar será sempre julgada como não-adequada, pois o objetivo colocado pelos educadores não foi alcançado. Este tipo de postura com relação à criança trará prejuízos em todos os aspectos do seu desenvolvimento. Ela considerará a si mesma como incapacitada, portadora de uma deficiência que jamais será superada, por mais esforços que faça. A sua identidade será organizada sobre a falta, mais uma vez. Uma vez que os outros a identificam como "não-possível de", será assim que ela se perceberá. Por outro lado, quando a opção da criança, quanto a sua forma de comunicação, é aceita (apenas Sinais, Sinais acompanhados de fala ou somente a oralidade), esta poderá constituir-se enquan¬to indivíduo íntegro e capaz, pois estará sendo respeitada em sua diferença. Ainda relacionado a este aspecto, temos o problema de como a escola considera o ensino da leitura e escrita (ver Capítulo 17). Se a forma de trabalho é modificada (de oral para um sistema combinado), mas o trabalho pedagógico não o é, os problemas podem ser sérios para o desenvolvimento do letramento (e posteriormente do acadêmico). Temos, desta forma, a criação de uma nova forma de trabalho (Bimodalismo), que não solucionou o problema do surdo. Se a postura não é modificada, se os profissionais continuam vendo a criança surda como um indivíduo que deve ser transformado num surdo-falante, sem respeito pela sua identidade de diferente, a dificuldade para muitas crianças permanecerá a mesma. Há necessidade de que todos, que transitam pelo mundo da surdez, reflitam sobre seus objetivos, formas de trabalho e de conceber o surdo. Se a Comunicação Total, na sua concepção original, previa este respeito pelo surdo, isto não veio a acontecer na maioria das instituições. A Comunicação Total continua a ser utilizada nos EUA e em muitos países do mundo. A pesquisa de BRASEL e QUIGLEY de 1977 (STEWART, 1993) demonstrou que um grupo que utilizava inglês manual tinha uma pontuação maior em medidas de sintaxe, leitura e produção acadêmica em geral. Várias outras demonstra¬ram a incorporação da gramática da Língua de Sinais na comuni¬cação por Sinais utilizados por estudantes expostos a sistemas de Sinais, como observaram LlVINGSTON, 1983 e SUPALLA, 1991 (em STEWART, op. cit.). A introdução da Comunicação Total na Dina¬marca mostrou que crianças que não conseguiam se comunicar antes com adultos ouvintes o fizeram de uma forma não tinha sido observada antes com o trabalho oralista. Apesar disto, as suas habilidades em dinamarquês não melhoraram na mesma proporção e eles passaram a se comunicar com os surdos adultos e com seus colegas com um sistema de Sinais completamente diferente daquele a que eles tinham sido expostos. As crianças tinham uma nova língua, que não era a Língua de Sinais, nem a língua oral sinalizada (HANSEN, 1990). Na verdade, o desenvolvimento das crianças surdas melhorou muito com o Bimodalismo, elas puderam se comunicar de uma forma muito mais fluída, a comunicação oral não ficou prejudicada como muitos dos opositores das línguas sinalizadas esperavam que acontecesse, o desempenho acadêmico melhorou, mas nem todos os problemas foram solucionados. Língua de sinais e bilingüismo A pesquisa de STOKOE sobre Língua de Sinais foi seguida por muitas outras que analisaram a sua gramática, morfologia e sintaxe. Como já assinalamos anteriormente, a Língua de Sinais é estruturada de forma diferente da língua oral, por ser transmitida por um canal visual. PEREIRA (1993) escreve que, segundo KLlMA e BELLUGI, as Línguas de Sinais: “...apresentam características diferentes das línguas orais, resultantes da diferença de canal de transmissão-gestual/visual em oposição ao canal oral/aural das línguas orais. A principal diferença é que, nas línguas orais, os vocábulos são organizados seqüencialmente como uma seqüência linear de elementos sonoros - enquanto que nas línguas de sinais os elementos são organizados como uma combinação de componentes que ocorrem simultaneamente." Podemos citar alguns exemplos da forma que a Língua de Sinais é organizada na LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais). PEREIRA (op. cit., 1993), num estudo sobre a sintaxe desta língua, declara que: “... é possível afirmar... que a ordem dos sinais segue, na maior parte das vezes, a mesma ordem dos vocábulos do português oral, ou seja, sujeito-verbo-complemento. "impossibilidade de ser". A linguagem, através de um acesso pleno, e a sociabilização são elementos importantes para que esta formação inicial de identidade seja possível, e elas devem estar acessíveis à criança surda, para que ela tenha instrumentos para mais tarde adaptar-se a um mundo, que com certeza, não será tolerante com seu estigma (GOFFMAN, 1988). Não podemos esquecer de falar da família neste contexto tão particular de forma de aceitação da criança surda. Os trabalhos desenvolvidos até agora têm mostrado a importância de se esclarecer a família de que a surdez não retira a capacidade da criança de se tornar um ser falante (BOUVET, 1990). Por esta razão, é explicada aos pais de crianças surda, logo após a descoberta da surdez, a existência de uma comunidade minoritária, capaz, que tem uma língua própria, onde os seus filhos terão a possibilidade de se desenvolver se aceitos na sua diferença e expostos à Língua de Sinais o mais precocemente possível (DAVIES, 1994). Esta não é uma tarefa fácil. A vinda de um filho cuja identidade pressuposta (de ouvinte) não se confirma (CIAMPA, 1990) traz para os pais uma grande indagação que não é respondida com facili¬dade. Somente a visão realista de profissionais que acreditam que a educação Bilíngüe é a resposta para as necessidades da criança surda e, posteriormente, o contato com a comunidade de surdos, poderão levar os pais a entenderem a surdez como uma diferença e não como uma deficiência a ser compensada a qualquer custo. Não podemos esquecer o papel que o Estado tem na criação de possibilidades, tanto de implantação de um projeto Bilíngüe, como na garantia de continuidade deste processo. Se o Estado garante a educação, a boa formação de profissionais, a possibi¬lidade de trabalho e de subsistência aos indivíduos surdos, estará auxiliando os pais, não só na aceitação do Bilingüismo, como propiciará que estes venham a tornar- se elementos participativos ativos no processo de adaptação de seus filhos aos dois mundos aos quais eles pertencem. Só que anteriormente ao problema de aceitação dos pais, existe a dificuldade do Bilingüismo ser aceito pelos profissionais e, conseqüentemente, pelos responsáveis pela educação do surdo. A resistência é muito grande e os argumentos usados podem ser buscados na história do surdo: não-humanização a não ser através da fala, necessidade de integração na sociedade ouvinte, a importância da linguagem oral para a estruturação do pensamento, etc. Na realidade, a aceitação do surdo na sociedade ouvinte, proposta pelos que são contra os Sinais, não passa de um discurso. GOFFMAN (1988) pode nos auxiliar a compreender melhor estes aspectos: “Por definição, é claro, acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano. Com base nisto, fazemos vários tipos de discriminações... Construímos uma teoria do estigma, uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do perigo que ela representa... (O indivíduo estigmatizado) pode perceber geralmente de maneira bastante correta que, não importa o que os outros admitam, eles na verdade não o aceitam e não estão dispostos a manter com ele um contato em "bases iguais". " Na verdade acreditamos que esta dificuldade de aceitação do Bilingüismo esteja depositada na própria dificuldade das pessoas de poderem aceitar o surdo como diferente, não deficiente, com uma língua, uma cultura e pertencente a uma comunidade própria. A necessidade de normalização do surdo, até chamado de "deficiente" auditivo, se relaciona ao medo, à colocação de desejos pessoais (se eu fosse assim eu preferiria que...) e não ao que, aquele que nasceu surdo, necessita e coloca como seu desejo. Além disto o próprio Estado não deseja o fortalecimento de um grupo que, quanto mais educado e consciente de seus direitos, irá exigi- Ios e reivindicá-Ios como seus direitos de cidadão. Este movimento não é interessante, nem do ponto de vista político nem econômico. Podemos imaginar, portanto, que esta realidade é inatingível para a nossa sociedade. Isto, entretanto, não é absolutamente verdadeiro. Pode ser difícil, mas não impossível. Podemos considerar aqui duas formas possíveis para implementá- Ia, uma não excludente da outra. Obviamente, antes de mais nada é necessário aceitar plenamente o Bilingüismo em todos aspectos relacionados anteriormente. Não existe uma forma intermediária que possa contentar os que são partidários da transformação do surdo num "ouvinte". Isto exige reflexão, estudo e compreensão das verdadeiras forças que levam os indivíduos a se comportarem desta ou daquela maneira, mesmo quando se imagina que estas posturas sejam elaborações próprias. A partir, então, da aceitação do Bilingüismo, vamos verificar quais são as duas formas de atuação. O Bilingüismo exige que uma série de medidas sejam tomadas para que possa se edificar com bases sólidas. Estas medidas incluem o reconhecimento oficial da Língua de Sinais como uma língua verdadeira (o que está se constituindo como possibilidade no Brasil neste momento), a criação de centros de estudos e de formação de profissionais que estejam habilitados a trabalhar adequadamente (domínio de Língua de Sinais, treinamento de surdos para trabalharem em salas de aula, formação de intérpretes, etc.) e finalmente, mas não a última em importância, o compromisso do Estado como fornecedor de subsídios para que tudo isto aconteça e para que possam ser criadas escolas que garantam a educação do surdo da pré-escola até a Universidade. Isto tudo demanda tempo, dinheiro, esforço dos profissionais e surdos envolvidos no processo e o rompimento de barreiras institucionais e políticas. Não é uma tarefa fácil, mas já se vêem, atualmente, alguns trabalhos que têm mostrado resultados práti¬cos ou que caminham em direção desta mudança (reconhecimen¬to da Língua de Sinais, obrigatoriedade de formação de profissio¬nais na área de surdez em Língua de Sinais, oficialização de cursos de intérpretes, trabalhos científicos voltados para a Língua de Sinais, formação da identidade de surdos, etc.). Entretanto, o fato de, em nosso país, estarmos apenas iniciando este longo percurso que envolve uma alteração do processo educa¬cional dos surdos, não deve significar que os profissionais realmente interessados numa educação real para os surdos e que estão preocupados com o trabalho pouco eficaz que realizam, apesar de seus esforços, devam esperar que os caminhos legais e científicos estejam desbravados para então poder iniciar o seu trabalho prático. Muito pelo contrário. As experiências que puderem ser realizadas, documentadas e que mostrarem as dificuldades (ou não) neste processo, assim como os resultados obtidos, poderão servir de material importante para auxiliar a implantação do Bilingüismo. Atualmente, já existe um trabalho realizado em Campina Gran¬de, na Paraíba, neste sentido. Ele deverá ser publicado brevemente para que possamos verificar que a possibilidade de uma educação Bilíngüe é viável se usarmos os recursos da comunidade. De uma forma geral, a idéia é lançar mão da própria comunidade surda da cidade, mesmo que seja uma cidade pequena (e talvez o processo seja facilitado numa comunidade menor), para aprender a Língua de Sinais usada pelos surdos adultos, treiná-Ios como "professores" encarregados de falar a própria língua com os alunos surdos. Estamos colocando apenas a idéia básica, é claro que há necessidade de um embasamento teórico e de, pelo menos, alguns recursos financeiros para que isto seja possível. Muitas vezes uma Universidade vizinha ou entidades beneficentes podem estar interessadas num projeto deste tipo, podendo ajudar com recursos científicos e financeiros. Esta não seria a solução para o problema da educação do surdo, não garantiria a continuidade de trabalho, mas permitiria que crianças, com pouca ou nenhuma possibilidade de desenvolvimento atualmente, pudessem desenvolver sua lin¬guagem, a língua escrita, sua identidade de sujeitos "capazes de" e posteriormente sobrepujar muitas das dificuldades hoje considera¬das intransponíveis nas suas vidas. Portanto, por iniciativa estatal (como um caminho que se inicia) ou de experiências isoladas, existe a "possibilidade de", tanto para os surdos, que assim teriam a chance de se desenvolverem, como para os profissionais, que poderiam realizar um trabalho mais gratificante por ser produtivo. PAPEL DO FONOAUDIÓLOGO as possibilidades que se abrem para a criança com o uso de Sinais e não as suas "deficiências" ou "impossibilidades". Não podemos saber se uma criança desenvolverá fala ou não, qual será a qualidade e a função desta fala, pois isto depende de muitas variáveis, nem sempre conhecidas neste momento, mas ele terá uma forma de comunicação que lhe permitirá entrar em contato com o mundo e consigo mesmo. Nunca um surdo será normal, se pensarmos na normalidade como vir a ser ouvinte ou a se comportar e ter uma identidade de ouvinte. Entretanto, será normal na sua diferença, desde que sejam dadas as condições para ele desenvolver linguagem e de se ver como um indivíduo "capaz de". A sua forma de comunicação com pessoas ouvintes dependerá de como ele desenvolverá as habilidades de fala, mas esta não será diferente do que seria se ele fosse trabalhado só na oral idade. A diferença está no fato de que se estas habilidades não forem boas ele contará com um arcabouço lingüístico que lhe será de grande utilidade em muitas áreas. Ele poderá se ver como um indivíduo diferente que conta com os seus pares e não como um indivíduo incapaz de ter um contato social, isolado e discriminado. Claro que tudo isto dependerá da forma como ele vai poder ser reconhecido pela família, pela escola e pelo próprio fonoaudiólogo. O que foi exposto anteriormente é apenas uma pequena parte das dúvidas e ansiedades dos pais. Todos estes e outros aspectos devem ser tratados paulatinamente, considerando-se a visão dos pais e mostrando- Ihes as outras possibilidades. O mais importante é estar realmente convicto dos benefícios do trabalho, e para isto, o fonoaudiólogo deve estar bem preparado teoricamente. Esta é uma das condições mínimas indispensáveis para que a proposta de trabalho seja possível. A outra condição é a aceitação dos pais e o seu envolvimento no trabalho. Iniciado o trabalho, as terapias se voltarão para o estabeleci¬mento de uma relação significativa com o surdo, sempre com a utilização de Sinais e fala, avaliação da linguagem, indicação dos aparelhos de amplificação sonora, adaptação dos mesmos, treinamento de fala e de leitura orofacial. Deve-se estar sempre atento à necessidade de realizar os treinamentos específicos tendo em vista a criança, suas motivações, seus interesses e principalmente dentro de situações significativas para ela. Se o objetivo é o trabalho auditivo, este deverá ser feito de forma que a criança possa responder às situações mais próximas da realidade, mesmo que seja a sua realidade lúdica. A impossibilidade de responder a qualquer um dos treinamentos, não deverá ser vista como uma falha, mas como a sua possibilidade naquele momento. Novamente repetimos: não é a criança que deve ter esta ou aquela resposta, mas nós que devemos estar atentos às suas possibilidades de resposta. O trabalho deverá ser moldado de acordo com a criança, e não a criança ao trabalho. Esta é a única forma desta proposta respeitar o surdo e dar-lhe possibilidade de desenvolvimento. Em instituições, o fonoaudiólogo também pode atuar como membro de uma equipe que vai auxiliar na avaliação da linguagem, no desenvolvimento do surdo nos aspectos relacionados a linguagem, fala e audição, sempre na postura descrita anteriormente. Esta participação depende da estrutura da instituição e do papel destinado ao fonoaudiólogo na mesma. Esta atuação será sempre realizada em conjunto com o professor e os outros profissionais que trabalham na instituição. Vemos, portanto, que nesta visão de Bimodalismo o papel do fonoaudiólogo tenta resgatar a proposta de respeito à criança. Se este trabalho não possibilita uma real apropriação do surdo de sua língua, pelo menos garante a sua constituição como sujeito de forma mais voltada às suas necessidades. Se não podemos fornecer ao surdo uma cultura e o acesso à comunidade de surdos, terá a possibilidade de fazer a sua escolha quando adulto, sem preconceitos contra os outros surdos (e conseqüentemente contra si mesmo). Bilingüismo Temos que considerar o trabalho do fonoaudiólogo no Bilingüismo, tendo como base o referencial teórico e os trabalhos realizados em outros países, uma vez que as propostas no Brasil estão ainda em fase inicial. Neste sentido, é importante observar que a proposta do Bilingüismo é educacional, social e cultural, independente da manei¬ra como concebe a segunda língua a ser adquirida pelo surdo (como veremos a seguir). Assim, o papel do professor, dos pedagogos e dos lingüistas é muito maior do que o do fonoaudiólogo. Nada impede que um fonoaudiólogo atue nos aspectos pedagógicos, educacionais, lingüísticos e sociais, dentro da escola, mas o seu trabalho clínico se torna muito mais restrito, uma vez que o ambiente escolar é o que vai ser responsável pelo desenvolvimento global do surdo. Portanto, este trabalho deve ser realizado numa equipe que partilhe dos mesmos pressupostos teóricos. Certamente há um espaço para o fonoaudiólogo, na clínica, voltado para o desenvolvimento das habilidades orais. Vejamos qual é este e em que circunstâncias pode ser realizado. Muitas das colocações anteriores, que explicitam a forma do fonoaudiólogo encarar o trabalho com Sinais no Bimodalismo, são igualmente válidas para o Bilingüismo. Entretanto, neste trabalho, existem outros condicionantes para a atuação fonoaudiológica. A fundamentação teórica do Bilingüismo pode levar a duas formas de implantação. As duas coincidem no que tange à primeira língua a ser adquirida pela criança (Língua de Sinais), mas diferem quanto à segunda. Para uma, a segunda língua é a oral e para outra é a escrita. Esta última é uma visão mais radical, que considera que o aprendizado da fala é muito demorado e não compensa o trabalho despendido em relação aos resultados alcançados. Além disto, se o surdo é considerado como diferente e que deve ser respeitado na sua diferença, a sua língua deverá ser a sua forma de comunicação, não lhe devendo ser exigida a oralidade. Nesta proposta não existe espaço para o fonoaudiólogo, pelo menos no que diz respeito ao trabalho clínico. Não é feita a indicação de aparelhos, o treinamento de fala ou de leitura orofacial, embora a família do surdo, ou o próprio surdo (quando adulto) possa procurar a ajuda do fonoaudiólogo. A validade desta forma de ver o surdo e conseqüentemente a sua educação, do ponto de vista teórico e de coerência com o modelo social em que se apóia, nos parece inegável. Mas podemos levantar algumas considerações sobre este tema. Para que possa ser implantado desta forma, há necessidade de todo um apoio governamental e social. Quando este apoio não está presente, as dificuldades aparecem e não são poucas. Para a nossa realidade, levando-se em conta as condições de vida e de trabalho dos surdos, mesmo os bem-oralizados, a dificuldade de se aceitar a diferença e não considerá-Ia uma deficiência, faz com que uma proposta como esta se configure como impossível. A literatura nos mostra que os surdos não foram considerados nas escolhas históricas sobre a sua educação (LANE, op. cit., 1989 e 1992; SÁNCHEZ, 1990), portanto, vamos ouvi-Ios neste momento. Se percorrermos os clubes e associações de surdos de São Paulo, vamos verificar que eles se referem à oralidade como um requisito importante para suas vidas, sendo que muitos dos elementos que se destacam nestas instituições são surdos que conseguem (em diversos graus de inteligibilidade) se expressar através da fala. Eles se referem a esta habilidade como importante para o seu trabalho, para a convivência dentro da sociedade ouvinte e sabem que não podem contar com intérpretes de Língua de Sinais em quase nenhuma situação. Podemos interpretar esta valorização da oralidade de outras formas, mas nos parece que os pontos práticos levantados por eles são válidos e, mesmo sem considerar as outras interpretações, podemos aceitá-Ias para o propósito da discussão aqui em pauta. Não desconsiderando, portanto, esta forma de ver o surdo e o Bilingüismo, passemos para a outra abordagem, em que a segunda língua é a oral, sendo seguida pela escrita, que por sua vez poderá ser utilizada para o desenvolvimento da língua oral. Como já vimos anteriormente, ela não pode se dar apenas clinicamente. Na verdade o fonoaudiólogo pode realizar o traba¬lho clínico, mas somente em conjunto com a escola (dentro ou fora dela). O pré-requisito básico é saber a Língua de Sinais, que vai permear a relação do profissional com o surdo e lhe dar instrumen¬tos para a execução do seu trabalho. A orientação familiar, neste caso, pode acontecer nos mes¬mos moldes descritos para o Bimodalismo, mas o que tem acontecido, nos lugares onde o Bilingüismo foi implantado, é que esta orientação ou cabe à escola ou aos assistentes sociais. speech therapist. In: Educating the Deaf Child - The Bilingual Option. Proceedings of a Conference Held in Derby. Wembley, LASER Publications, 1988. 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