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Webcamera na Educação de Surdos: Registro de Sinais e Aprendizagem Multidisciplinar, Notas de estudo de Atualidades

Este documento discute as possibilidades de utilizar uma webcamera para o registro da língua de sinais em um ambiente de aprendizagem multidisciplinar. O texto descreve a produção de um dicionário on-line de língua de sinais e a utilização desta experiência no ensino de informática básica para surdos. Além disso, o documento aborda a importância da língua de sinais como língua natural dos surdos e a necessidade de sua inclusão na educação bilíngue.

Tipologia: Notas de estudo

2012

Compartilhado em 02/12/2012

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antonio-simoes-cavalcante-12 🇧🇷

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Baixe Webcamera na Educação de Surdos: Registro de Sinais e Aprendizagem Multidisciplinar e outras Notas de estudo em PDF para Atualidades, somente na Docsity! UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC FACULDADE DE EDUCAÇÃO Curso de Especialização em Informática Educativa WEBCAMERA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS: UMA ALTERNATIVA PARA O REGISTRO DA LÍNGUA DE SINAIS José Eldimar de Oliveira Sá Fortaleza - CE Maio – 2002 WEBCAMERA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS: UMA ALTERNATIVA PARA O REGISTRO DA LÍNGUA DE SINAIS José Eldimar de Oliveira Sá Monografia apresentada como requisito para obtenção do Título de Especialista em Informática Educativa da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza - CE Maio - 2002 iv AGRADECIMENTOS O reconhecimento de todos os que contribuíram com esta monografia seria tarefa difícil. Menciono apenas os que diretamente participaram deste nosso último trabalho, na certeza de que vários outros amigos − surdos e ouvintes − se sentirão presentes no mesmo. A estes, meus agradecimentos iniciais. - Ao Instituto Cearense de Educação de Surdos – ICES, núcleo gestor, professores, instrutores, intérpretes, alunos e funcionários, pela acolhida fraterna; - Ao Centro de Educação de Jovens e Adultos Prof. Gilmar Maia de Souza, “minha” escola; - Ao Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação de Surdos – GEPES / APADA, pelos ricos momentos de discussão e aprendizado; - Aos amigos que conosco trabalharam diretamente, incentivando e construindo este trabalho: Willer Cysne (instrutor de LIBRAS), Ernando Pinheiro, Cristiane e Renato Pinheiro (intérpretes de LIBRAS), João Neto (instrutor de informática), Lauzimar e Fabrício (professores de Ciências – ICES). - Aos alunos das turmas 8a série, 6a Série A e 6a Série B, de 2001, do ICES, pelos momentos de trabalho e colaboração. v “Uma idéia filosófica básica da abordagem bilíngüe é que se deveria deixar as crianças surdas serem crianças. Não há necessidade de mudá-las, pois não são anormais. A ênfase não deveria ser sobre a própria criança. Ao contrário, deveria ser sobre o ambiente onde a criança pode usar a língua de forma livre e espontânea sem atrasos ou obstáculos desde o nascimento. E onde ela seja tratada como uma pessoa de valor e aceita como tal. “ (Mahshie apud Jokinen, 1999:126) vi RESUMO Observamos no presente trabalho as possibilidades de uso da webcamera como uma alternativa para o registro da língua de sinais num ambiente de aprendizagem multidisciplinar. Através deste equipamento podemos, através do computador, produzir, editar e visualizar arquivos de vídeo que seriam a base para a criação de materiais didáticos apresentados em Língua Brasileira de Sinais − LIBRAS, com o diferencial de termos professores e alunos na condição de autores dos mesmos, fato extremamente interessante no processo ensino-aprendizagem. Com a webcamera criamos um ambiente favorável à discussão e ao aprendizado dos sinais e dos conteúdos escolares, além de contribuir, através dos processos interativos que ocorrem na sala de aula, para o surgimento de sinais específicos nas diversas áreas do conhecimento. 9 Percebemos durante o planejamento do curso que vários vocábulos comuns ao ambiente de informática não eram conhecidos pelos alunos, e muitos até nem possuíam sinais correspondentes em LIBRAS. Também verificamos que alguns sinais utilizados no dia-a-dia eram muitas vezes desconhecidos ou esquecidos pelos alunos. Acreditamos que uma das razões para esta situação está na forma como os sinais utilizados pela comunidade surda são transmitidos. Os sinais são repassados de uma forma equivalente à ‘cultura oral’; a comunidade surda não utiliza ainda nenhuma forma de registro escrito de sua produção cultural, como o faz a comunidade ouvinte. Tomar conhecimento ou mesmo memorizar sinais torna-se, assim, uma questão de habilidade individual, e exige um esforço enorme de qualquer usuário de libras para se manter atualizado num mundo tão repleto de mudanças e de inovações científicas. Esta situação equivaleria, por exemplo, ao ouvinte ter que conhecer o significado de todas as palavras de sua língua sem o direito de consultar um dicionário ou enciclopédia. Convém observar que não entramos ainda na discussão que envolve a compreensão de conceitos mais complexos. Outro ponto observado durante o curso foi a inexistência de materiais de consulta adaptados para o surdo, e que são fartamente disponíveis para os ouvintes (material em português, seja impresso, seja na forma do recurso AJUDA presente em todos os programas, por exemplo). Estes recursos não beneficiam os surdos na mesma proporção que beneficiam os ouvintes por conta das limitações que aqueles, de uma maneira geral, possuem quanto à interpretação de textos. Esta escassez de material didático apropriado interfere consideravelmente no auto- aprendizado de softwares. Figura 3 Dicionário do Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES. Fonte: http://www.ines.org.br Figura 4 Detalhe: arquivo AVI sendo executado Fonte: http://www.surdos-ce.org.br 10 Já estávamos determinados a utilizar estratégias de trabalho baseadas no Bilingüísmo5, por acreditarmos que o respeito à língua natural dos surdos, dentre outros princípios, seria fundamental para alcançarmos os objetivos do curso. Por isso, nossa disposição em utilizar material didático produzido em LIBRAS. É muito comum encontrarmos material “visual” voltado para o ensino da língua de sinais, seja na forma de fitas de vídeo, seja na forma de software em que a língua de sinais é um recurso bastante explorado (Figuras 5 e 6). Também é comum a produção de softwares que buscam dar um suporte maior no processo ensino-aprendizagem. Vários deles buscando a aquisição, por parte do surdo, de uma competência lingüística, tanto na língua de sinais como na língua oral-auditiva. Estes softwares são os mais variados possíveis. Muitos destes se utilizam da língua de sinais apresentadas em pequenos vídeos (Figura 7). Quanto a recursos que facilitassem o ensino dos conteúdos de informática, nada fora encontrado. Durante o curso traçamos alguns caminhos para minimizar o problema do registro da língua de sinais, utilizando uma filmadora e uma placa de captura de imagens que permitiram digitalizar e produzir os elementos que comporiam um dicionário específico de informática, sendo, os próprios alunos, os responsáveis pela pesquisa dos sinais e pela sinalização. A operação do equipamento era feita somente pelo instrutor. 5 A questão bilingüismo x oralismo ainda desperta sérias discussões. No decorrer do presente trabalho discutiremos os motivos pelos quais consideramos a proposta bilíngüe como ideal para a educação de surdos. Figura 5 Catálogo de produtos; curso de ASL; material gráfico e fitas de vídeo. Fonte: http://www.signwriting.org Figura 6 Produtos do. Instituto Cultural Favalli; fitas de vídeo. Fonte: http://www.favalli.com.br 11 O registro destes sinais foi um dos grandes diferenciadores neste curso de informática. Paralelo ao processo de ensino-aprendizagem dos softwares, buscou-se uma mediação surdo adulto − aluno surdo para aquisição de uma competência lingüística quanto aos sinais utilizados na informática, vocabulários afins ou outros relacionados aos temas abordados no curso (que acabaram sendo incluídos no dicionário construído pelos alunos). No trabalho de registro de sinais o computador foi utilizado como ferramenta fundamental. Não havia outra forma satisfatória de registro da língua, já que o acesso à língua de sinais escrita não era possível. Convém ressaltar que a língua de sinais escrita tem sido uma interessante proposta para o registro de língua de sinais, e o avanço no seu estudo deve contribuir muito no fortalecimento da língua de sinais (figura 8). A proposta era de que os sinais fossem aprendidos a partir de uma relação entre alunos, comunidade e instrutor (surdo6); pesquisados e até criados por eles, num ambiente propício à “construção” da língua, a partir de discussões que envolvessem os Surdos adultos, os alunos do curso, e os instrutores responsáveis pela integridade da língua de sinais7. O trabalho desenvolvido, em seguida, foi a publicação na internet 8(ver figuras 9 e 10). A experiência obtida no curso levantou alguns problemas técnicos: mesmo com o uso de softwares compactadores os arquivos produzidos, somados, 6 Um dos instrutores do curso de informática era Surdo. 7 No Ceará, os Instrutores do Departamento de LIBRAS da Associação de Surdos. 8 Parte dos trabalhos produzidos pelos alunos encontram-se no site http://www.infosurdos.hpg.com.br. Figura 7 Histórias para uso em escolas. Língua Gestual Portuguesa. Fonte: http://www.terravista.pt/nazare/2200 14 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1. Bilingüismo: uma inovadora proposta de educação de surdos Vamos encontrar no século XVIII as primeiras informações sobre uma educação voltada para os surdos com a atuação do abade De l’Epée, que descobre a língua de sinais nas ruas de Paris e nela percebe um instrumento importante no seu propósito de catequese. Através do “sistema de sinais ‘metódicos’ de De l’Epée − uma combinação da língua de sinais nativa com a gramática francesa traduzida em sinais” (Sacks, 1998:30-31), os surdos conquistam espaço nas áreas profissional e intelectual. Sacks (1998:34-35) assim retrata esta época: “Esse período que agora se afigura como uma espécie de era dourada na história dos surdos marcou o rápido estabelecimento de escolas para surdos, geralmente mantidas por professores surdos, em todo o mundo civilizado, a emergência dos surdos da obscuridade e da negligência, sua emancipação e aquisição de cidadania e seu rápido surgimento em posições de importância e responsabilidade – escritores surdos, engenheiros surdos, filósofos surdos, intelectuais surdos, antes inconcebíveis, subitamente eram possíveis.” A reviravolta na educação de surdos ocorre a partir de 1880, no Congresso Internacional de Educadores de Surdos, ocorrido em Milão, que determinou a proibição do uso de língua de sinais nas escolas. Neste congresso os participantes surdos foram impedidos de votar. A decisão partiu da defesa vigorosa de ouvintes que consideravam prejudicial o uso de língua de sinais, por tê-la como algo não natural, e que poderia prejudicar a fala e comprometer o desenvolvimento da criança. Esta decisão repercutiu por mais de cem anos na educação dos surdos, impedindo-os de usar sua língua natural e sendo obrigados a aceitar uma educação baseada em propostas oralistas. Sacks (1998:40) atribui a decisão ao “arrogante senso da ciência como poder, de comandar a natureza e nunca se dobrar a ela”. Surge a idéia de que conquistar a fala é imprescindível para o desenvolvimento e a integração do surdo. Sacks (1998:41) afirma que “o oralismo e a supressão da língua de sinais acarretaram uma deterioração marcante no 15 aproveitamento educacional das crianças surdas e na instrução dos surdos em geral”. Cem anos depois da involução ocorrida recorremos novamente à língua de sinais para reverter o quadro na educação de surdos. A partir desta condição básica – o respeito à língua de sinais – surge uma nova proposta de educação de surdos, conhecida como Bilingüismo. Jokinen (1999:110-114) reporta os primeiros experimentos bilíngües na Suécia e Dinamarca no início dos anos 80 com resultados satisfatórios quando comparados à educação oral. Ainda Jokinen (1999:114) citando estudos realizados por Heiling (1993) em salas bilíngües, comenta que alunos “da oitava série nos anos 80 mostraram um maior nível de resultado teórico” quando comparados a colegas submetidos ao ensino tradicional (oralista), tendo inclusive verificado que a “diferença era evidente também nos testes numérico e matemático“. Mas a língua de sinais, embora fundamental na proposta bilíngüe, não é o único ponto a ser observado. Skliar (1999:7) alerta que não podemos considerar o Bilingüismo como simplesmente o uso da língua de sinais em sala de aula. Devemos considerar esta nova proposta de trabalho como uma quebra do modelo clínico e preconceituoso de se ver o surdo. Dorziat (1999:28) afirma também a necessidade de que a proposta bilíngüe deve ser considerada não apenas como o simples uso da língua de sinais associada a procedimentos pedagógicos, mas sendo fundamental também uma “mudança na forma de ser e pensar das pessoas envolvidas”. Skliar (1999:9) alerta sobre o que chama de “mecanismos burocráticos” da inserção da língua de sinais nos projetos educacionais, que enfatiza as preocupações com horários, “atividades formais, seqüências preestabelecidas, modelos lingüísticos e humanos estereotipados”, sem uma preocupação com vários outros princípios que devem ser tratados no Bilingüismo. A partir das idéias de Ramirez (1999:52-53), Peluso (1999:91) e Quadros (1997:33) podemos assumir como princípios básicos na orientação de uma proposta bilíngüe: − o reconhecimento da língua de sinais como língua natural dos surdos; 16 − o respeito aos surdos como indivíduos e como um grupo com cultura e identidade próprias; − a participação do surdo adulto como referencial lingüístico e social; − a criação de condições que permitam uma maior participação da família. A primeira afirmação fundamenta a base de proposta bilíngüe para educação de surdos. Embora ainda não se compreenda efetivamente o que distingue as línguas do tipo oral-auditiva (como o português) das línguas do tipo gestual-visual (línguas de sinais como a LIBRAS), como afirma Ferreira Brito (1995:11), fala-se numa possível diferenciação a nível neurológico das operações mentais envolvidas no processamento dos dois tipos de língua (Ferreira Brito, 1995:13). O fato importante, entretanto, é que a língua natural dos surdos é a língua de sinais, e que a mesma é dotada de uma gramática própria e de um potencial lingüístico semelhante às línguas de modalidade oral-auditiva, o que é reforçado pelas “pesquisas lingüísticas” que já a atribuem status de língua (Ferreira Brito, 1995:13). Afirmação também compartilhada por (Bergman apud Jokinen, 1994:116) e (Stokoe apud Behares, 1999:143): “a língua de sinais é uma língua”. As observações que validam os surdos como grupo cultural distinto ainda geram discussão. Mas a língua de sinais e as interações diferenciadas que apreendem do mundo reforçam esta condição. “Uma cultura é fundamentalmente um fluxo discursivo, quer dizer tudo o que foi se articulando discursivamente, oralmente ou por escrito {no caso dos surdos, por sinais} no quadro desta cultura. Imaginem que seja uma espécie de rio de palavras que vai andando e, no meio deste rio, a gente fala {ou sinaliza} e pede carona. De repente, o que a gente diz só encontra significação no que vai ser dito ou no que foi dito antes. Uma cultura é isto, um enorme fluxo de produção discursiva” (Calligaris apud Souza & Góes, 1999:176). Hoffmeister (1999:118) afirma que “os surdos tornaram-se um grupo cultural com base no fato de que são pessoas ‘que vêem’ ”. Este parece ser um ponto-chave que os faz serem considerados um grupo social distinto, e não apenas o fato de serem usuários de uma língua diferente. Tal condição também deve levar a um tratamento diferenciado no ambiente escolar. 19 errada a idéia de que a escrita depende da fala, e como escreve Vigotsky apud Fernandes (1999:96): “a escrita é uma função lingüística distinta, que difere da fala oral tanto na estrutura como no funcionamento”. 2.3. A interação com o Surdo adulto Como sabemos, a criança surda normalmente está inserida dentro de um ambiente familiar onde, normalmente, são todos ouvintes, o que dificulta a aquisição da língua de sinais pela falta de contato com outros surdos. Essa situação de privação da língua de sinais leva a criança a uma situação de desvantagem quando comparada à criança ouvinte. Dorziat (1999:34) afirma que “muitas experiências vividas, pela maioria das crianças, não são acessíveis à criança surda”. É através do surdo adulto que estas experiências vão ser possibilitadas. Esta interação torna-se fundamental no desenvolvimento social, cognitivo e afetivo da criança, sendo a escola o lugar por excelência para que isto ocorra. Como afirma Peluso (1999:92) a aquisição da lingua de sinais “se da fundamentalmente a través de la interrelación entre pares y con los adultos sordos que trabajan en la escuela”. Dentro do Bilingüismo a relação com o adulto surdo também envolve a questão da auto-estima. O reconhecimento como grupo lingüístico-cultural faz com que ele passe a se perceber numa outra dimensão dentro das relações sociais. A sociedade induz a um discurso onde o deficiente é portador de uma característica inerente à sua pessoa, muitas vezes numa condição depreciativa. Segundo Jokinen (1999:109), muitos portadores de deficiência já percebem que é o ambiente que apresenta os obstáculos, e que não são deficientes, mas incapacitados por situações adversas encontradas no meio; o mesmo autor ainda afirma que diante disso, hoje, “o movimento dos deficientes luta por remover os obstáculos no seu ambiente, permitindo-lhes alcançar um status igual ao dos outros cidadãos”. 20 2.4. O pensamento, a escola e a escrita Um fato que tem sido pouco considerado no Oralismo é a demora com que surge a competência lingüística mínima para que as interações sociais sejam possibilitadas de forma satisfatória. A aquisição tardia da língua neste processo contrasta com a rapidez com que a criança passa a se comunicar e a interagir através do uso da língua de sinais numa proposta bilíngüe. Hocevar et al (1999:89) reportando Gartton (1994), este baseado nos estudos de Piaget e Vigotsky, afirma que o progresso infantil depende das interações com outras pessoas, surdos, adultos ou crianças. O atraso no conhecimento da língua de sinais na defesa de que se deve centrar os esforços para a aquisição da fala é ignorar a importância destes processos interativos. Hocevar et al (1999:90) comentam o atraso que crianças surdas apresentaram em suas habilidades sócio-cognitivas quando comparadas a ouvintes como sendo resultado do que considerou “experiência social limitada”. Jokinen (1999:117) igualmente alerta para a importância da competência em língua de sinais como sendo fundamental para “as capacidades cognitivas: o pensamento conceitual e abstrato”. Isto torna a aquisição de língua de sinais não somente necessária, mas urgente, desde os primeiros momentos da criança, como forma de se reduzir os riscos cognitivos decorrentes da falta de interação. A negação da língua de sinais por si só já traria problemas graves de ordem afetiva, pois a oralidade pretendida só se conquista após um difícil e sofrido processo de treinamento. Assim, nestas condições, a criança por muito tempo vive num mundo onde suas experiências, suas ansiedades, suas dúvidas… surgem e permanecem em grande parte inexplicadas devido à falta de comunicação. À medida que crescem e a linguagem rudimentar da criança não encontra caminhos para explicar a complexidade das situações vividas, aumentam-se os conflitos e retarda- se a conquista do seu equilíbrio afetivo. Mas o prejuízo não fica apenas no aspecto afetivo. Fernandes apud Quadros (1997:16) afirma que “à medida que a criança se desenvolve, a linguagem pode servir como impulso para o pensamento”. Estes estudos baseados nos trabalhos de Vigotsky, embora admitindo que linguagem e pensamento tenham 21 origens diferentes, sugerem que existe uma relação entre as duas forças, que “se combinam e começam a exercer uma ação mútua” (Fernandes apud Quadros, 1997:16). Isto reforça ainda mais a urgência de se adotar a língua de sinais logo nos primeiros meses de vida da criança. Ramirez (1999:48) comenta o ingresso de crianças na educação formal sem o domínio pleno da língua de sinais numa condição de “desvantagem lingüística, social e cognitiva” quando comparados aos ouvintes, por não terem tido a oportunidade de discutir e testar seus “conhecimentos e hipóteses acerca do mundo”. Escreve Peluso (1999:91) que muitas crianças surdas chegam à escola sem falar nenhuma língua. Isto compromete todo o processo educativo, pois na ausência da língua oral-auditiva é a língua de sinais que irá permitir “a apropriação dos conceitos científicos, disponíveis na educação formal” (Dorziat, 1999:29). Temos assim uma séria situação precedendo os problemas de aprendizagem: a família e escola não fornecem a competência lingüística necessária. Kyle (1999:20) afirma que os professores de surdos não dominam a língua de sinais e que o seu conhecimento gramatical não é suficiente para direcionar o processo de aprendizagem. Como já foi dito a língua de sinais não pode ser considerada como algo que, por si só, resolverá o problema da educação de surdos. Kyle (1999:20) alerta para o provável fracasso mesmo com o uso da língua de sinais se o currículo que hoje é praticado nas escolas não for adaptado à realidade dos surdos, e que observe para isso o “exame das necessidades e habilidades” necessárias para o surdo. Ramirez (1999:53) reforça este pensamento ao dizer que a utilização da língua de sinais no ambiente escolar não pode ser considerada a única preocupação na construção de uma escola para surdos. Behares (1999:131) e Skliar (1999:7) afirmam que a educação bilíngüe para surdos não pode ser considerado apenas o domínio de duas línguas. Hoffmeister (1999:121-122) aprofunda a discussão deixando claro que a língua de sinais não pode ser entendida como um método, deve ser considerada enquanto ferramenta, como as demais línguas, capaz de “transmitir informações complexas”, permitindo “estruturar o ambiente para o aprendizado”. A visão que se têm hoje sobre a educação de surdos tem avançado dentro do Bilingüismo para uma proposta que vê o surdo como um sujeito 24 permitirá o estabelecimento definitivo da língua de sinais no meio acadêmico, possibilitando verdadeiramente um ambiente bilíngüe de aprendizagem. Figura 11 Escrita em ASL (língua de sinais americana) de uma criança, no Novo México, EUA. Fonte: www.signwriting.org Figura 12 Acima, módulo de escrita do software SignSIM. Abaixo, detalhe do editor 3D. Fonte: http://www.c5.cl/ieinvestiga/actas/ribie2000/papers/273/ 25 3. RELATO E ANÁLISE DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS O presente trabalho foi desenvolvido no Laboratório de Informática do Instituto Cearense de Educação de Surdos – ICES, escola especial para surdos, localizada em Fortaleza/CE, nos meses de novembro e dezembro de 2001. As atividades foram desenvolvidas em 3 (três) turmas do Ensino Fundamental, todas do período da manhã, sendo duas delas da 6a (sexta) Série (turmas A e B) e uma da 8a (oitava) Série. As turmas tinham entre 8 e 12 alunos, e eram acompanhadas sempre por um instrutor de informática surdo9. Das três turmas apenas uma aluna apresentava uma boa oralização, comunicando-se bem através da leitura labial, mas pouco dominando os sinais. Outros dois alunos conheciam muito pouco a LIBRAS. Os demais eram todos usuários de LIBRAS. Havia, entretanto, uma heterogeneidade muito grande quanto ao conhecimento da língua de sinais. Percebemos, observando as interferências do instrutor de LIBRAS, que alguns alunos possuíam dificuldades quanto ao vocabulário a ser utilizado em certas tarefas. As atividades foram realizadas com a colaboração de dois professores da área de Ciências (ouvintes), do instrutor de informática (surdo), do intérprete10 e do instrutor11 de LIBRAS. Este dois últimos participaram de acordo com sua disponibilidade de tempo, em momentos variados, em virtude de outras obrigações dentro da escola. Apenas o instrutor de informática participou conosco de todas as atividades. No total foram realizados 5 (cinco) encontros com a 8a Série e com a 6a Série B, ambas com aulas nas segundas-feiras, com 1 (uma) hora de duração cada encontro. Quatro (4) encontros foram realizados com a 6a Série A, também com 1 hora de aula, sempre às sextas-feiras. Em alguns momentos foram realizadas aulas 9 No ICES existia um horário para aulas de Informática. Carga horária semanal: 1 hora/aula. 10 O intérprete de LIBRAS possui, entre outras funções, a tarefa de dar suporte aos professores durante suas aulas, reduzindo as dificuldades de comunicação. 11 O instrutor de LIBRAS, obrigatoriamente Surdo, ministra aulas de Língua Brasileira de Sinais aos alunos. A carga horária desta disciplina é de 1 hora/aula/semana. 26 conjuntas com a aula de Língua Brasileira de Sinais, aumentando em 1 (uma) hora o tempo das atividades no laboratório. 3.1. OBJETIVOS Pretendemos neste trabalho utilizar o computador como um apoio ao processo de aprendizagem dos conteúdos trabalhados em sala de aula. Como afirma Bergman apud Jokinen (1999:118), “a língua de sinais é a língua de instrução na sala”, seja qual for a disciplina a ser estudada, Matemática, História, Geografia, Biologia etc. Baseado nesta idéia, utilizamos os vídeos para tornar possível o registro das discussões envolvendo as disciplinas, podendo ainda estas serem revistas e rediscutidas a qualquer momento, quebrando um pouco a soberania do português em sala de aula, pois mesmo recebendo explicações em LIBRAS, o restante das atividades – escrever uma observação, utilizar-se de um texto para discussão, estudar para a prova, ler um artigo… –precisam ainda ser desenvolvidas em português. Era nosso objetivo observar as possibilidades de: - uso do equipamento para produção de vídeos, com a possibilidade do próprio aluno produzir e editar o material de estudo; - interação entre os agentes envolvidos no processo de ensino, incluindo professores, instrutores e intérpretes de LIBRAS; - capacidade de registro em língua de sinais de material didático para apoio às aulas, bem como da produção em sinais dos alunos, respeitado o processo de construção de conhecimento; - descoberta de novas estratégias diante da deficiência de um vocabulário de LIBRAS específico para uma determinada área de conhecimento (Ciências foi a disciplina escolhida); - assimilação desta nova tecnologia e sua possível inserção dentro do cotidiano escolar. 29 Esta atitude, além da presença constante de um instrutor de informática surdo, facilitou nosso diálogo com os alunos, uma vez que a língua de sinais não era dominada por nós. Sempre que possível contávamos com a participação de dois a três profissionais na realização de uma determinada atividade, num trabalho que envolvia professor, intérprete da LIBRAS, instrutor da LIBRAS e instrutor de informática, atuando juntos para atingir o objetivo proposto (figuras 15, 16, 17 e 18). Este envolvimento nem sempre era possível em virtude das outras funções que estes profissionais possuíam dentro da escola. Isto ocasionava uma quebra na continuidade das atividades programadas, obrigando-nos, muitas vezes, a improvisar ou mesmo conduzir os trabalhos sozinhos. Figura 15 Atividade envolvendo a discussão de um tema proposto. Instrutor de LIBRAS (à esquerda) e instrutor de informática (à direita). Figura 16 Atividade envolvendo a disciplina de Ciências. Instrutor de LIBRAS (primeiro à esquerda) e professor (de frente). Figura 17 Atividade envolvendo o intérprete de LIBRAS. Figura 18 Atividade envolvendo a disciplina de Ciências. Professor e intérprete (à direita). 30 Estes momentos de trabalho em conjunto não se restringiam à sala de aula e ao laboratório, entretanto, apesar do incentivo, pouco observamos a procura dos alunos aos professores e instrutores envolvidos com as atividades do laboratório. Em cada encontro, abríamos a aula solicitando dos alunos uma avaliação do que fora realizado no encontro anterior; em seguida, explicávamos a atividade do dia e pedíamos sugestões, deixando-os livres na definição das funções de cada um dentro do grupo. 3.3.2. Atividades Realizadas Duas atividades foram realizadas, uma envolvendo o conteúdo da disciplina de Ciências e outra envolvendo a produção de textos. A turmas da 8a Série e 6a B trabalharam com Ciências, envolvendo os assuntos ENERGIA e MAMÍFEROS, respectivamente. A turma 6a A trabalhou com atividades que envolviam a escrita do português a partir de um tema escolhido por eles. Skliar (1999:19) comenta as vantagens de se “trabalhar de maneira contrastiva com ambas as línguas”. Jokinen (1999:117) citando Svartholm (1996) também afirma que “as semelhanças e diferenças entre a língua escrita e a língua de sinais são analisadas através de traduções para a língua de sinais explicações de parte dos textos conduzidos pelo professor”. Vale ressaltar que Mahshie (1995) citado por Jokinen (1999:123) afirma que “os métodos para ensino de leitura são construídos nos princípios usados por professores de segundas línguas”, dentre os quais destaca-se o “uso da própria língua do estudante”. Assim, nas duas situações, exploramos os textos associados ao vídeo. Os trabalhos envolvendo as turmas diferiram nos assuntos tratados, nas áreas do conhecimento exploradas e na seqüência de trabalho realizado. 31 3.4. SEQÜÊNCIA DO TRABALHO E COMENTÁRIOS DA ATIVIDADE DE CIÊNCIAS A) Seqüência do trabalho Os trabalhos se iniciaram a partir de um tema (ENERGIA para a 8a e MAMÍFEROS para a 6a B) estudado previamente em sala de aula, com os professores de Ciências do ICES. Através das notas de aula cedidas por eles, foram realizadas as atividades na sala de informática. Estes textos foram digitados e apresentados aos alunos, já no laboratório de informática, impressos em folhas tamanho ofício que foram afixadas na parede do laboratório de informática (figura 21). Em seguida, as informações eram discutidas e as dúvidas, esclarecidas. Neste momento, era necessária a presença do professor da disciplina, o que não foi possível, em virtude do mesmo estar em sala de aula com outra turma. Neste momento, sendo professor de Ciências13, assumimos a atividade docente dando continuidade ao trabalho iniciado pelo colega em sala de aula (figuras 22 e 23). No momento seguinte, os alunos eram convidados a sinalizar, interpretando a aula que havia sido apresentada. Neste momento a atuação coube ao instrutor de LIBRAS, que corrigia, acrescentava e aprimorava os sinais utilizados pelos alunos (figuras 24, 25 e 26); intensas discussões marcaram estes momentos. Os vídeos produzidos (figura 27) eram inseridos dentro da página HTML correspondente, permitindo que o aluno visse o resultado de seu trabalho simultaneamente em português e em LIBRAS (figura 30). Para esta última etapa do trabalho não houve tempo para a produção, pelo próprio aluno, da página HTML. Em resumo, era esta a seqüência de trabalho: 1. Estudo prévio do tema – em sala de aula, com a participação do professor de Ciências. Neste momento são apresentadas as notas de aula em português escrito. Um painel é afixado na parede para que todos possam participar da discussão do tema. 13 Professor de Ciências (SEDUC – Estado do Ceará e SER-II – Município de Fortaleza). 34 que de certa forma mascarava a dificuldade no entendimento do texto que lhes havia sido apresentado. Também observamos que nem todos os alunos possuíam domínio da LIBRAS para participar ativamente deste processo. Alguns alunos sentiam dificuldade em sinalizar o texto por não conhecerem os sinais necessários. Em certos momentos vimos que algumas informações precisavam ser revistas em função da dificuldade em se definir expressões comuns ao conteúdo da disciplina, mas sem sinais conhecidos, como: tensão elétrica e grandezas físicas. Em outra situação, por exemplo, a diferença entre fonte de energia e forma de energia também não ficava clara quando era feita a sinalização. Note-se que fonte e forma são termos parecidos na escrita, causando confusão no momento da sinalização. Percebemos ainda que antes, com a presença do intérprete dentro da sala de aula, alguns termos ou explicações necessários para o entendimento do conteúdo eram explorados diretamente pelo professor e pelos alunos, sem a preocupação com o estabelecimento de novos sinais. Ocorre que no estudo de novos conceitos exige-se o uso e a compreensão de sinais que são pré-requisitos para a definição e compreensão de novos sinais. Assim, chega-se num ponto onde o entendimento do conteúdo pode ser prejudicado pela falta de sinais específicos, bem como pela não-compreensão dos termos específicos em português. 3.5. SEQÜÊNCIA DO TRABALHO E COMENTÁRIOS DA ATIVIDADE DE PRODUÇÃO DE TEXTOS A) Seqüência do trabalho Seguimos o sentido inverso da atividade de Ciências. Nesta atividade a sala de aula foi dividida em equipes (3 equipes com 3 a 4 integrantes), e deles foi solicitada a escolha de um tema para discussão. Cada equipe escolheu um entre vários temas sugeridos (escola, Bilingüismo, trabalho, saúde, ecologia…); depois, 35 discutiram o assunto e definiram as opiniões comuns ao grupo. Concluída a fase de discussão, um deles foi indicado pela equipe para sinalizar. O professor e o instrutor de informática participavam e incentivavam as discussões (figuras 31, 32 e 33), buscando ampliar o nível das argumentações utilizadas (Por que chegou a esta conclusão? Onde obteve esta informação? Alguém discorda? O que sugere para resolver este problema?…). Durante esta fase contamos ainda com a participação do instrutor de LIBRAS, que também observava a lógica do discurso e o correto uso da LIBRAS quanto aos sinais e estrutura do discurso, corrigindo e aprimorando a sinalização dos alunos. Os temas escolhidos foram: Dengue, Natal e História do Surdo. Depois de feitas as filmagens (figuras 34, 35 e 36) com os representantes das equipes partimos para a interpretação do que fora sinalizado – da LIBRAS para o português. Preparamos previamente arquivos HTML com uma tabela de 2 (duas) colunas e 1(uma) linha; na célula à esquerda, inserimos o vídeo produzido pela equipe, e na célula à direita, informamos ser o espaço a utilizar na digitação do texto correspondente (figuras 38 e 39). Algumas alterações eram feitas na cor de fundo, cor de letras e espaçamento, entre outras, como forma de fazê-los perceber a existência de possibilidades de edição dentro do FrontPage Express. Isto permitiu à equipe personalizar a página. Para visualizar o arquivo com o vídeo inserido era utilizado o botão ATUALIZAR do Internet Explorer. Assim, para ver o vídeo e, em seguida, trabalhar na digitação do texto, eles alternavam as janelas do FrontPage Express e do Internet Explorer15. O processo se repetia durante a atividade: viam o vídeo (Internet Explorer), alternavam a janela voltando para a área de edição (FrontPage) e davam continuidade ao texto, depois retornavam ao vídeo para ver mais um trecho a ser interpretado16. 15 O FrontPage Express (freeware) não possui a função de VISUALIZAR, o que facilitaria o trabalho. A função VISUALIZAR está presente na versão comercial. 16 Pode se utilizado um editor de texto que permita visualizar o vídeo e digitar na mesma janela. A escolha do FrontPage Express foi devido à intenção inicial de se publicar na internet. 36 Em resumo, era esta a seqüência de trabalho: 1. Escolha e discussão de temas por equipe; em sala de aula, com a participação do instrutor de LIBRAS e do instrutor de informática. 2. Sinalização; em laboratório de informática, com a participação do instrutor de LIBRAS e do intérprete, acompanhados pelo instrutor de informática. Cada equipe escolheu um dos integrantes para sinalizar. 3. Produção de texto; em laboratório de informática, com a participação do instrutor de LIBRAS, acompanhado pelo instrutor de informática. Figura 31 Momento de discussão Figura 32 Momento de discussão Figura 33 Momento de discussão Figura 34 Sinais sendo produzidos. Equipe 1. Figura 35 Sinais sendo produzidos. Equipe 2. Figura 36 Sinais sendo produzidos. Equipe 3. Coluna reservada ao vídeo Coluna reservada ao texto Figura 37 Momento de produção de texto no FrontPage. Figura 38 Visão do FrontPage, com o vídeo já inserido. Figura 39 Internet Explorer, usado na visualização, com texto já produzido. 39 3.6. AVALIAÇÃO No último dia de aula fizemos a avaliação do curso com os alunos. A impossibilidade de termos intérprete naquele momento afetou nossas observações, o que nos levou a realizar um segundo momento de entrevista, dessa vez, com 2 (dois) alunos (identificados por A1 e A2) e com o instrutor da LIBRAS (identificado por I), contando com a participação de um intérprete20 que não participou das atividades no ICES. Como já observamos, havia heterogeneidade do grupo (surdos) quanto ao domínio da língua de sinais. O mesmo acontecia em relação ao uso do computador. No geral, prevaleciam aqueles que estavam tendo as primeiras experiências em informática através das aulas no laboratório do ICES. O instrutor de LIBRAS possuía experiência profissional anterior em informática. Quando argüidos sobre as dificuldades de uso do equipamento, respondiam que o problema maior era o pouco tempo que dispunham para usar o computador, que os impedia de explorá-lo como desejariam. Apesar da relação alunos / máquina (3:1) ser aceitável para o tipo de trabalho que era realizado, não podemos esquecer que o principal acessório não estava disponível em todos os computadores, pois o laboratório possuía apenas uma webcamera para toda a turma. A questão da própria imagem também foi lembrada no momento da avaliação: A1 − Com o trabalho na webcamera, no começo, fiquei um pouco nervosa... todo mundo olhando, parecia entrevista... não gostei muito... acaba bloqueando a conversa. Mesmo assim, ficava claro para nós o empenho dos alunos envolvidos com o trabalho. Era comum termos que filmar várias vezes o mesmo texto. Havia uma grande preocupação com os sinais e, às vezes, esta preocupação se 20 O processo de interpretação era simultâneo à entrevista, sendo utilizado uma filmadora para registrar os sinais dos alunos e do instrutor e a fala do intérprete. As citações atribuídas aos surdos, corresponde à fala do intérprete. 40 sobrepunha até ao próprio assunto que era sinalizado. Certamente, explica este comportamento, o apreço que o surdo tem em relação à sua língua. A2 − Eu queria que ficasse melhor. Por outro lado, também havia quem atribuísse o ambiente como responsável por parte dos erros cometidos. O instrutor de libras comentou “ser a primeira vez” que os alunos trabalhavam daquela forma. Como os encontros foram poucos, consideramos normal a dificuldade inicial de se concentrarem. A1 − Houve interrupções, ficaria mais a vontade se ficasse sozinho na sala. O trabalho no laboratório de informática também permitiu a criação de um dinâmico ambiente de aprendizagem de sinais. Não havia apenas a apresentação de novos sinais, eles eram também discutidos em sala. Perguntados se aprenderam novos sinais: A2 − Ah, sim! Este sinal [ ], que significa rede, o próprio sinal [ ] de energia... Durante essas discussões percebíamos que havia também espaço para a troca de idéias sobre os conteúdos da disciplina. O fato de se discutir um novo sinal abria espaço para questionamentos relacionados ao assunto e, assim, relembrava-se temas cujo debate se iniciou em sala. A2 − Foi ensinado sobre usina, a história de economia de energia, a distribuição pelos postes... Rever um tema por si só já ajudaria no aprendizado. Mas o observado é que a participação do instrutor foi fundamental na discussão dos conteúdos em laboratório. Nem sempre temos professores fluentes em LIBRAS, o que torna a proximidade desse profissional muito importante numa proposta bilíngüe. A2 − Ficou mais claro com o instrutor surdo, eu consegui entender melhor. Os alunos ficavam à vontade para mostrar suas dúvidas, em especial com relação à LIBRAS. Junto deles, além do instrutor de informática, surdo, estava o 41 instrutor de LIBRAS, também surdo; isto pareceu reduzir barreiras, não havia obstáculos em perguntar; se não sabiam, perguntavam. A2 − Algumas (palavras) eu entendia, outras não. As mais difíceis eu perguntava (para o instrutor ou intérprete) qual era o sinal. Na atuação tanto do instrutor de LIBRAS quanto do intérprete, houve momentos em que a questão já comentada sobre o “equipamento” da língua de sinais ficou visível. I − Tem sinais que não são tão utilizados pelos surdos... Por exemplo, os professores que utilizam a língua de sinais... eles não conhecem profundamente a língua de sinais... conhecem a língua portuguesa mas têm dificuldades em apresentar aquelas palavras em língua de sinais. I − Às vezes, quando fazia interferências era em sinais não muito utilizados pelos surdos, ou ainda, sinais novos. Tinha sinais novos e sinais diferentes Tal preocupação se fez presente nas discussões sobre os resultados das atividades no laboratório. Grupos de estudo devem se preocupar em dar à língua de sinais a competência necessária para que possa progredir no ambiente escolar. I − Discutir sinais como aqueles (de Ciências), o que representavam... Se a palavra não tem um sinal específico, eu tenho que explicar na língua de sinais... Os surdos precisam ter contato com outros surdos para adquirir esses sinais dentro da sala de aula, e em outros lugares como na associação. I − Falta discussão disso para se poder criar os sinais. O que se apresentou com o vídeo, a webcamera, utilizando a língua de sinais para se colocar o nome, é muito importante. 44 O que propomos é uma forma de comunicação mediada pelo computador onde as crianças possam se beneficiar desta possibilidade de registro, desta leitura de mundo, das experiências já vividas, da história já contada e recontada por seus “pares”, sinalizando e interagindo com os colegas – surdos ou ouvintes, usufruindo de todos os recursos que a telemática dispõe, paralelamente à construção de uma nova realidade na educação de surdos. A forma de armazenamento (disco rígido ou CDs) constitui-se noutra vantagem no uso de vídeos digitalizados, por permitir um acesso muito rápido do material produzido, facilitando o gerenciamento e a elaboração de materiais específicos. Este fator auxilia ainda no momento de se associar outras tecnologias disponíveis. A filmadora, a televisão, o scanner, a máquina digital, dentre muitos outros recursos, podem ser utilizados na finalização de um vídeo, ampliando-se, assim, o resultado final. Um dos problemas observados foi o receio de alguns professores em aderir ao projeto por considerarem a informática como algo muito difícil. Por isso, existe ainda a necessidade de se colocar nos projetos etapas que envolvam a capacitação prévia dos professores nas ferramentas necessárias à sua atuação em laboratório. Mas muito se avançou no desenvolvimento de software, simplificando bastante o uso da máquina. Esta tendência aliada às novas exigências de formação não só do professor como do aluno devem tornar secundária a discussão relacionada às habilidades necessárias ao manuseio do computador, não devendo haver, num futuro bem próximo, dificuldades maiores nem limitações de idade para se trabalhar com ele, com a webcamera ou com outro recurso tecnológico qualquer. A publicação – internet, CDs – amplia o uso e o aperfeiçoamento contínuo da língua de sinais, possibilitando inclusive a construção de um dicionário LIBRAS-LIBRAS, e não apenas a de um dicionário Português-LIBRAS, como visto na maioria dos sites. Outras possibilidades de uso do vídeo foram observadas a partir das discussões geradas com o projeto, das quais destacamos: o videomail, como forma de ampliar a comunicação entre as comunidades surdas; livros eletrônicos bilíngües (com informações tanto em português quanto em LIBRAS); uso em concursos (vestibular, por exemplo) onde as provas tenham também sua versão em língua de 45 sinais, para facilitar a compreensão das questões e promover o acesso dos surdos às faculdades; material de apoio pedagógico no processo de alfabetização. Uma questão final é a possibilidade, estimulada pelo uso do vídeo, de termos sinais novos sendo formados a partir dos processos interativos ocorridos dentro da sala de aula. A possibilidade do registro passa, assim, a proporcionar uma nova dimensão de trabalho dentro da escola. Uma vez definido um sinal “ausente”, a pesquisa conjunta dos profissionais envolvidos na educação de surdos pode contribuir na evolução da LIBRAS, aproveitando a dinâmica do ambiente escolar e permitindo o surgimento de termos específicos para serem usados nas diversas disciplinas. 46 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEHARES, L. E. Línguas e identificações: as crianças surdas entre o “sim” e o “não”. In: SKLIAR, C. (Org.) Atualidade da Educação Bilíngüe para Surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999. v.2, p. 131-147. BRITO, L. F. Por uma gramática da língua de sinais. Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 1995. CAMPOS, M.B., GIRAFFA, L.M.M., SANTAROSA, L.M.C. (2000) SIGNSIM: uma ferramenta para auxílio à aprendizagem da língua brasileira de sinais. http://www.c5.cl/ieinvestiga/actas/ribie2000/papers/273/ DORZIAT, A. Bilingüismo e surdez: para além de uma visão lingüística e metodológica. In: SKLIAR, C. (Org.) Atualidade da Educação Bilíngüe para Surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999. v.1, p. 27-40. FERNANDES, E. O som, este ilustre desconhecido. In: SKLIAR, C. (Org.) Atualidade da Educação Bilíngüe para Surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999. v.2, p. 95-102. FREIRE, A. M. F. Aquisição do português como segunda língua: uma proposta de currículo para o Instituto Nacional de Educação de Surdos. In: SKLIAR, C. (Org.) Atualidade da Educação Bilíngüe para Surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999. v.2, p. 25-34. GOLDENBERG, M. A Arte de Pesquisar. Como fazer pesquisa qualitativa em Ciências Sociais. Rio de Janeiro e São Paulo: Editora Record, 2000. HOCEVAR, S. O., CASTILLA, M. E., DUBART, S. M. Adquisición de la lectura y escritura en niños sordos en una escuela bilingüe. In: SKLIAR, C. (Org.) Atualidade da Educação Bilíngüe para Surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999. v.2, p. 15-26. HOFFMEISTER, R. J. Famílias, crianças surdas, o mundo dos surdos e os profissionais da audiologia. In: SKLIAR, C. (Org.). Atualidade da Educação Bilíngüe para Surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999. v.2, p. 113-130.
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