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T.H. Marshall - Cidadania e Classe Social, Notas de estudo de Cultura

texto sobre cidadania, com enfoque para sociedade britanica do seculo passado

Tipologia: Notas de estudo

2012
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Compartilhado em 11/06/2012

jose-eduardo-londe-8
jose-eduardo-londe-8 🇧🇷

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Baixe T.H. Marshall - Cidadania e Classe Social e outras Notas de estudo em PDF para Cultura, somente na Docsity! nm prio am MUMINISIRAÇÃO VyQLiCa e Atncas Socihs Mor Foroerco Prey ( Peziovo mid. 3 (9) 2% TEXD - unidade À MARSHALL, TH (196%) Cidadania , Clnsce Social é Stofus , Rio de doeco ZANAR, Cop CAPÍTULO CIDADANIA E CLASSE SOCIAL . O convite para pronunciar estas conferências! me foi agra- dável tanto do ponto de vista pessoal quanto profissional. Mas, enquanto minha Tesposta pessoal consistiu num reconhecimento sincero e imodesto uma honra que não tinha o direito de esperar, minha reação profissional não foi absolutamente mo- desta. Parecia-me que a Sociologia tinha todo o direito de reclamar sua participação nessa comemoração anual de Alfred Marshall e consíderei um fato auspicioso 0 convite feito por uma Universidade que, embora não inclua a Sociologia em seus cursos, deveria estar preparada para recebê-la como uma visitante. Pode ser, e isto é um pensamento inquietante, que a Sociologia esteja sendo julgada pela minha pessoa, Se assim o fôr, estou certo de poder depen ler de um julgamento escru- puloso e justo da parte desta audiência c de que qualquer mérito porventura encontrado nestas conferências será atri- buido ao valor acadêmico da matéria enquanto qualquer coisá qu lhes pareça lugar-comum ou fora de propósito será consi- lerado um produto de minhas características peculiares a não serem achadas em nenhum de meus colegas. Não defenderei a relevância da matéria para a ocasião alegando que Marshall foi um sociólogo. Pois, uma vez que êle abandonara seus primeiros amôres pela Metafísica, Ética e Psicologia, dedicou sua vida ao desenvolvimento da Economia como ciência independente e an aperfeiçoamento de seus mé- todos próprios de investigação e análise. Marshall deliberada- mente escolheu um caminho acentuadamente diferente daquele seguido por Adam Smith e John Stuart Mill, e o espírito que regeu esta escolha é indicado pela aula inaugural que êle pro- The Marshall Lectures, Cambridge, 1949. (Conferências dedi- cadas a Alfred Marshall.) E E E] Ê E Ê so CIDADANIA. CLASSE SOCIAL E STATUS êle previra como última de tôdas. Eles estão aprendendo, disse Marshall, a dar mais valor à educação e ao lazer do que “a um mero aumento de salários e confôrto material”, Estão “segu- ramente desenvolvendo uma independência e um respeito más- culo por êles mesmos e, portanto, um respeito cortês pelos outros; estão, cada vez mais, aceitando os deveres públicos e rivados de um cidadão; mais e mais aumentando seu domínio E verdade de que são homens e não máquinas produtoras. Estão cada vez mais, tornando-se cavalheiros”! Quando o avanço técnico houver reduzido o trabalho pesado a um mí. nimo, e éêsse mínimo fôr dividido em pequenas parcelas entre todos, então “se considerarmos as classes trabalhadoras como homens que tenham trabalho excessivo a fazer, as classes tra- balhadoras terão sido abolidas”.? Marshall tinha consciência de que êle poderia ser acusado de adotar as idéias dos socialistas cujos trabalhos, como êle mesmo nos disse, êle estudara, durante éste período de sua vida, com des esperanças e um desapontamento maior. Pois, disse êle: “O quadro a ser traçado será semelhante, em alguns ctos, àqueles que os socialistas nos têm mostrado, aquêle nobre conjunto de entusiastas ingênuos que atribuíram a todos os homens uma capacidade ilimitada para aquelas vir- tudes que encontraram em si mesmas”.'” Sua réplica era que era seu sistema diferia fundamentalmente do socialismo, pois preservaria os elementos essenciais de um mercado livre. Afir- mava, entretanto, que o Estado teria de fazer algum uso de sua fôrça de coerção, caso seus ideais devessem ser realizados. Deve obrigar as crianças a fregientarem a escola porgue o ignorante não pode apreciar e, portanto, escolher livremente as boas coisas que diferenciam a vida de cavalheiros daquela das classes operárias. “Está obrigado a compeli-los c ajudá-los a tomar o primeiro passo adiante; e está obrígado a ajudá-los, se desejarem, a dar muitos passos à frente”! Notem que sô- mente o primeiro passo é obrigatório. A livre escolha preside os demais tão logo a capacidade de escolher seja criada. 5 The Future of the Working Classes, p. 6. º ibid. p. 16. 10 ibid, p. 9. A versão revista desta passagem oferece uma dife- rença significativa. Diz assim: “O quadro a ser traçado será semelhante, em muitos aspectos, âqueles que alguns socialistas nos tém mostrado, socialistas êstes que atribuiram a todos os homens...” A condenação é menos asrasadora e Marshall já não mais se refere a Socialistas, en mossê e com “S” maiúsculo, no pretérito, Memaniais, p. 109. Nibid,, p. 15. CIDADANIA E CLASSE SOCIAL 6 O ensaio de Marshall foi construído com base numa hipó- tese sociológica e num cálculo econômico, O cálculo oferecia a resposta a seu problema inicial ao mustrar que se poderia esperar que os recursos mundiais e a produtividade seriam sufi- cientes para fornecer as bases materiais necessárias para capa- citar cada homem a tornar-se um cavalheiro. Em outras pala- vras, poder-se-ia arcar com o custo de oferecer educação uni- versa] é eliminar o trabalho excessivo e pesado, Não havia nenhum limite intransponível ao progresso das classes ope- rárias — ao menos neste lado do ponto que Marshalr descreveu como o objetivo. Ao calcular êsses dados, Marshall empregon as técnicas comuns do economista, embora as tivesse aplicando a um problema que envolvia um alto grau de especulação. A hipótese sociológica não jaz tão claramente na super- fície. Um pouco de escavação se torna necessária para des- cobrir sua torma. A essência da mesma se encontra nas pas- sagens avima citadas, mas Marshall nos dá uma pista adicional ao sugerir que, quando dizemos que um homem pertence às classes trabalhadoras, “pensamos no efeito que seu trabalho produz sôbre éle ao invés do cfeito que cle produz em seu trabalho”! Certamente, isto não é um tipo de definição que esperariamos de um economista e, na verdade, dificilmente seria justo tratá-li como uma definição ou submeté-la a um exame pensado e crítico. O objetivo da frase era apelar para a imaginação e apontar para a direção geral dentro da qual o pensamento de Marshall se movia. E aquela direção se afas- tava de uma avaliação quantitativa dos padrões de vida em têrmos de bens consumidos e serviços recebidos em direção de uma avaliação qualitativa da vida como um todo em têrmos dos elementos essenciais na civilização ou cultura. Marshall aceitava como certo e adequado um raio amplo de desigual- dade quantitativa ou econômica, mas condenava a diferenciação ou desigualdade qualitativa entre o homem que era “por ocu- pação, ao menos, um cavalheiro” e o individue que não o fôsse. Podemos, penso eu, sem violentar o pensamento de Marshall, substituir a palavra “cavalheiro” pela expressão “civilizado”. Pois está claro que estava tomando como o padrão de vida civilizada as condições consideradas por sur geração como apro- priadas a um cavalheiro. Podemos ir mais adiante e dizer que a reivindicação de todos para gozar dessas condições é uma exigência para ser admitido numa participação na herança so- cial, o que, por sua vez, significa uma reivindicação para serem “e CIDADANIA, CLASSE SOCIAL E STATUS admitidos como membros completos da sociedade, isto é, como cidadãos. Tal é a hipótese sociológica latente no ensaio de Marshall, Postula que hã uma espécie de igualdade humana básica asso- ciada com o conceito de articipação integral na comunidade — ou, como eu diria, de cidadania — o qual não é inconsistente com as desigualdades que diferenciam os vários níveis econô- micos na sociedade, Em outras palavras, a desigualdade do sistema de classes sociais pode ser aceitável desde. que a pd dade de cidadania seja reconhecida. Marshall não identificou a vida de um cavalheiro com o status de cidadania. Se assim o fizesse, estaria expressando seu ideal em têrmos de direitos legais aos quais todos os homens têm direito, Com isto, por sua vez, o Estado assumiria a responsabilidade de conceder aquêles direitos, o que levaria a atos de interferência por e do Estado, interferência esta deplorável aos olhos de Marshall. Quando êle mencionava cidadania como algo que artesãos qualificados aprendem a apreciar no curso de sua trans- formação em cavalheiros, êle se referia sómente às obrigações e não aos direitos da cidadania. Éle a concebeu como um modo de viver que brotasse de dentro de cada indivíduo e não como algo impôsto a êle de fora. Éle reconheceu sômente um direito incontestável, o direito das crianças Serem educa- das, e neste único caso êle aprovou o uso de oodõrss coercivos pelo-Estado para atingir seu objetivo: Ele dificilmente poderia ir além sem colocar em perigo Seu próprio critério de distinção entre seu sistema e o socialismo sob qualquer forma — a pre- servação da liberdade do mercado competitivo. Não obstante, sua hipótese sociológica permanece tão pró- xima do âmago de nosso problema atual quanto há três quar- tos de século — na verdade, mais próxima ainda. A igual- dade humana básica da jo, por êle sugerida, na'minha opinião tem si Peida com nova substância e investida de um conjunto formi direitos. Desenvolveu-se muito além do que Marshall previra ou teria desejado. Tem sido, sem dúvida, identificada com o status de cidadania, E já era tempo de examinarmos sua hipótese e revermos suas perguntas para vermos se as ostas ainda são as mesmas. É ainda verdade que a igualdade básica, quando enriquecida em subs- tância e concrétizada nos tos formais « dania, é con- sistente as desigualdades sociais? Sugerirei que nossa sociedade de hoje admite que os dois ainda são compatíveis, tanto assim qui idadania em si mesma se tem tomado, sob certos aspectos, no desigualdade social Tegitimizada. É ainda verdade que a igualdade básica CIDADANIA E CLASSE SOCIAL 65 mas especializados. Sepuiacte o. parlamento, concentrando em st os podêres políticos vêmo nacional e descartando-se de todos menos um pequeno residuo das funções judiciais que inicialmente pertenciam à Curia Regis, aquela “espécie de pro- toplasma constitucional do qual, cor o-carrer do tempo, sur- girão os vári nselhos da coroa, as câmaras do Parlamento e os tribunais de justiça” Finalmente, os direitos sociais que); se tinham enraizado na participação na comunidade da vila, na cidade e nas guildas, foram gradativamente dissolvidos pela, e mudança econômica até que nada restou senão a Poor Las,, uma vez mais uma instituição. especializada que adquiriy uma base nacional, embora continuasse a ser administrada localmente, ' Duas consegiiências importantes se seguiram. Primeiro, quando as instifu das quais os três elementos da cida- ania dependiam,;se desligararm; tornou-se possível para cada um seguir seu caminho próprio, viajando numa velocidade própria sob a direção de seus próprios princípios peculiares. Antes de decorrido muito tempo, estavam distantes um do outro, e sômente no século atual, na verdade, eu poderia dizer apenas nos últimos meses, é que os três corredores se aproxi- maram um dos outros. Em segundo lugar, as instituições que cram de caráter ) nacional e especializado não poderiam pertencer tão intima-( mente à vida dos grupos sociais que elas serviam como aquelas | que eram locais ou de um caráter geral. A distância do Parla- mento era devida ao tamanho de sua assembléia; a distância dos tribunais era devida aos tecnicismos do direito e de seu processo que fêz vom que o cidadão ordinário tivesse de lançar mão de especialistas para orientá-lo quanto à natureza de seus direitos e para auxiliá-lo a obtêlos. Tem-se frisado repetida- mente que, na Idade Média, a participação nos negócios pú- blicos era mais um dever do que um direito. Os homens de- viam séquito e serviço ao tribunal apropriado à sua classe e redondeza. O tribunal pertencia a êles, e éles ao tribunal, tendo êles acesso a ele porque êste precisava déles e porque êles tinham conhecimento do que aí se passava. Mas o resultado do processo duplo de fusão e separação era que o mecanismo que dava acesso às instituições das quais dependiam os direitos de cidadania-tinha de ser montado novamente. No caso dos direitos. políticos,” a questão se cifrava ao direito de"voto e à habilitação. para candidatar-se ao Parlamento, Na caso dos di- reitos elvis, a matéria dependia da jurisdição dos vários tribu- nais, dos privilégios da profissão de advogado e, acima de tudo, to A F. Pollard, Evolution of Parliament, p. 6 CIDADANIA, CLASSE SOCIAL E STATUS da responsabilidade de arcar com as custas do litígio. No caso dos direitos Sociais, o Centro dor pálés é veapa 6 pela Law of Seitlement emoval e as várias formas do teste de meios. Todo êsse aparato se combinava para decidir não simplesmente que direitos eram reconhecidos em princípio, mas também até que ponto os direitos reconhecidos em principio podiam ser usufruídos na prática. > uando os três elementos da cidadania se distanciaram Sul saram a parecer elementos estranhos entre si O divórcio entre êles era tão completo que é pos- trihuir-e-perindo de sivel, sem destorcer os fatos históricos, atri formação da vida de cada um a um século diferente — os reitos civis ao século XVHI, os políticos ao XIX e os sociais ago XE Éstes periodos, é evidente, devem ser tratados com uma elasticidade razoável, e há algum entrelaçamento, especial- mente entre os dois últimos. pac Para fazer-se com que o século XVIII abranja o período formativo dos direitos civis, deve-se estendê-lo ao passado para incluir o Habeas Corpus, o Toleration Act, e a abolição da censura da imprensa; e deve-se estendê-lo ao futuro para incluir a Emancipação Católica, a revogação dos Combination Acts e o bem sucedido final da batalha pela liberdade de imprensa associada com os nomes de Cobbett e Richard Carlile. Podia, então, ser descrito mais exatamente, embora de mameira menos breve, como o período compreendido entre a Revolução e o rimeiro Reform Act. Ao final daquele periodo, quando os' Aireitos políticos fizeram sua primeira tentativa infantil de vir à tona em 1832, os direitos civis já eram uma conquista do homem e tinham, em seus elementos essenciais, a mesma apa- rência que têm hoje.'* “A tarefa específica da fase inicial da época hanoveriana”, escreve Trevelyan, “foi o estabelecimento do reino do direito; e aquêle direito, com todos os seus grandes erros, constituía, no mínimo, um direito de liberdade. Sôbre aquela furidação sólida, construíram-se tâdas as reformas subse- giientes.!” Este feito do século XVII, interrompido pela Revo- lução Francesa, -e Gois O após a mesmá, foi em grande parte o trabalho dos tribunais, tanto em sua labuta diária quanto numã série de processos famosos em alguns dos quais lutavam contra o Paríamento em defesa dos direitos individuais. O ator mais celebrado nesse drama fm, supónho, Jobn Wilkes e, em- bora possamos deplorar.a ausência daquelas nobres e santas 16 A exceção mais importante é v direito de greve, mas as con- dições que tornaram ésse direito vi ara o trabalhador e aceitável perante a opinião politica ainda nó am surgido de mado efetivo. 17 G. M. Trevelvan, English Social History, p. 351. CIDADANIA E CLASSE SOCIAL 8 qualidades que gostaríamos de achar em nossos heróis nacio- nais, não podemos reclamar se a causa da Hberdade é, algumas vêzes, patrocinada por um libertino, No setor econômico, o direito civil básico é a direito a trabalhar, isto é, o de Seguir à ocupação de seu gêsto no lugar de escolha, sujeito apenas à legítima exigência do treinamento técnico preliminar. Este direito tinha sido negado pela lei e pelo costume; de um. lado, pela Elizabethun Siotute of Arti- ficers, a qual destinava certas ocupações a certas classes sociais e, do outro, por regulamentos locais, que reservavam emprêgo numa cidade aos. habitantes da cidade, e pelo uso do apren- dizado como um instrumento de exclusão ao invés de recruta- mento. O reconhecimento do direito acarretava a aceitação formal de uma mudança de atitude fundamental. A velha premissa de que monopólios locais e gmpais eram do interêsse público porque “o comércio e o tráfego não podem ser man- tidos ou aumentados sem ordem ou Govêrmo"!! foi substituída pela nova suposição segundo a qual as restrições eram uma ofensa à liberdade do súdito e uma ameaça à prosperidade da nação. Como no caso de outros direitos civis, os tribunais de justiça desempenharam um papel decisivo em promover e re- gistrar o avanço do nôvo princípio. O Direito Consuetudinário era suficientemente elástico e permitia aus juízes aplicá-lo de uma mancira que, quase imperceptivelmente, levava em consi- deração as mudanças gradativas em circunstâncias e opinião e, eventualmente, instalaram a heresia do passado como a ortodoxia do presente. O Direito Consuetudinário é em grande parte uma questão de bom senso, como testemunha a sentença passada pelo Juiz Holt no caso do Prefeito de Winton versus Wilks (1705): “Tôda pessoa tem a liberdade de viver em Winchester; como pode então ser impedida de usar os meios legais para lá viver? Tal costume é prejudicial aos implicados e ao público”, 'º O costume se constituiu num dos grandes obs- táculos à mudança. Mas, quando o costume antigo no sentido técnico estava nitidamente em desacôrdo com o costume con- temporâneo no sentido do modo de vida geralmente aceito, as defesas daquele começaram a ceder rápidamente ante os ata- ques do Direito Consuetudinário que tinha, desde 1614, expri- mido sua repugnância a “todos os monopólios que proibem quem quer que seja de trabalhar em qualquer neupação legal”. 20 18 City of London Case, 1610. Cf. E. F. Heckscher, Mercantilism, Vol. [, pp. 269-325, onde a história completa é narrada com inúmeros detalhes, do King's Bench Report (Holt), p. 1002. 20 Feckscher, vp. cit, Vol, 1, p. 283. 70 CIDADANIA, CLASSE SOCIAL E STATUS políticos não estavam incluídas nos diseitos da cidadania Cons; tituiã o privilégio de uma "classe econômica. limitada. cnjos limites foram ampliados por cada Lei de Reforma sucessiva. *Podexe, não obstante, argumentar que a cidadania, nesse pe- riodo, não era vazia de significado político. Não conferia um direito, mas reconhecia uma ca: de. Nenhum cidadão são e respeitador ei era impedido, devido ao status pessoal, de votar, Erúltivve-pára receber remiúneração, adquinr proprie- ade ou à Casa e para gozar quaisquer direitos polí- ticos que estivessem associados a ésses feitos econômicos. Seus direitos civis 0 capacitavam a fazer isso, e a reforma eleitoral aumentou, cada vez mais, sua capacidade para praticar tais atos. | i, como veremos, próprio da sociedade capitalista do ! século tratar os direitos políticos coma um produto. secun- “ária dos direitos civis, Foi igualmente próprio do século XX abandonar essa posição e associar os direitos políticos direta e independentemente à cidadania como tal. Essa mudança vital de princípio entrou em vigor quando a Lei de 1918, .pela adoção do sufrágio universal, transferiu a base dos direitos substrato econômico para O status pessoal, Digo universal” deliberadamente para ênfase ao grande i- cado dessa reforma iadependentemente da segunda, e não me- nos importante, reforma levada a efeito ao mesmo tempo — principalmente o direito de voto da mulher, Mas a Lei de 1918 não estabeleceu, por completo, a igualdade política de todos em térmos de direitos de cidadania. Subsistiram alguns remanescentes de uma desigualdade com base em diferenças de substrato econômico até que, apenas no ano passado, o voto plural (que já tinha sido reduzido ao voto duplo) foi final- mente abolido. Quando situei cada um dos períodos formativos dos três elementos da cidadania num determinado século — ns direitos civis no XVIII, os políticos no XIX e os sociais no XX — afirmei que houve um considerável entrelaçamento entre os dois úl- timos. Proponho limitar o que tenho a dizer sôbre os direitos sociais a êsse entrelaçamento a fim de que possa completar minha revisão histórica até o fim do século XIK é tirar minhas conclusões dêsse período antes de voltar minha atenção para a segunda parte de meu tema, um estudo de nossas experiências atuais e de seus antecedentes imediatos. Nesse segundo ato do drama, os direitos sociais desempenharão o papel principal. A participação nas comunidades locais e associações fun- mst sta fonte foi complemênta: progressivaniente substituida por uma CIDADANIA E CLASSE SOCIAL A Poor Law (Lei dos Pobres) e um sistema de regulamentação de salários que foram concebidos num plano naciunal e adminis- trados localmente, Este tema de regulamentação de salários — entrou rápidamente ecadência-no século XVIIT, não apenas porque à mudança Indústrial 0 tornou im- possíveirdo ponto de vista administrativo, mas também porque era incompatível com a nova concepção de direitos civis na esfera econômica, com sua ênfase no direito de trabalhar onde e em que fôsse do agrado do indivíduo e sob um contrato livremente estipulado. A regulamentação de salários infringia ésse princípio individualists da Contrato de trabalho livre. “AP Law se encontrava numa posição um tanto am- bígua. A legislação elisabetiana tinha feito dela algo mais do que um meio para aliviar a pobreza € suprimir a vadiagem, e seus objetivos construtivos sugeriam uma interpretação do bem- estar social que lembrava os mais primitivos, porém mais genuínos, direitos sociais de que ela tinha, em grande parte, tomado o lugar. A Poor Law elisabetiana era, afinal de contas, um item num amplo programa de planejamento econômico, cujo ubjetivo geral não era criar uma nova ordem social, e sim reservar a existente com um minimo de. mudança. essencial, f ç o Amedida que o padrão da velha ordem foi dissolvido pelo] | ímpeto de uma economia competitiva e o plano se desintegrou, | É a Poor Law ficou numa posição privilegiada como sobrevivente , única da ual, gradativamente, se originou a idéia dos direitos à sociais.” Mas, no Bim do século XVIII houve uma luta final Entre a velha € A nova ordem, entre a sociedade planejada (ou padronizada) e a- economia competitiva. É, nessa batalha, a cidadania se dividiu contra si mesma; Os i aliaram À vi 0: i à, Em seu livro Origins of our Time, Karl Polanyi atribui ao sistema Speenhamiand de assistência aos pobres uma importân- cia que alguns leitores podem achar surpreendente, Para Po- lanyi, parece marcar e simbolizar o fim de uma época. Por seu intermédio, a velha ordem reuniu suas fôrças que se esvaiam e lançou um ataque ao território inimigo. Dessa maneira, pelo menos, é como eu descreveria sua significância na história da cidadania. O sistema Speenhamiand oferecia, com efeito, um salário minimo e salârio-família garantidos, combinados com b direito ao trabalho ou sustento. Éstes, mesmo pelos padrões modernos, constituem um conjunto substancial de direitos so- ciais, indo muito além do que se poderia considerar como ter- reno próprio da Poor Law. E os criadores do projeto tinham plena consciência de que se invocava a Poor Late para realizar aquilo que a regulamentação de salários já não mais podia tê CIDADANIA, CLASSE SOCIAL E STATUS conseguir. Pois a Poor Law se constituía nos últimos vestígios de um sistema que tentara ajustar a renda real às necessidades sociais e ao status do cidadão e não apenas ao valor de mercado de seu trabalho. Mas essa tentativa te injetar um elemento de previdência social na própria estrutura do sistema salarial atra- té da inramealoado da Poor Lao ss condenada ao facaaso não cine Or cousa de suas consequências práticas porque era extremamente ofensiva ao espírito predominante da época. o - Neste breve episódio de nossa história, vemos a Poor Law como a defensora agressiva dos direitos sociais da cidadania. Na fase seguinte, encontramos a agressora rechaçada para muito abaixo de sua posição original. Pela Lei do 16ôt a Poor Law renunciou à tí suas reivindicações invadir O terreno do sistema Te Interferir nãs Tó do mercado livre. Oferecia assistência sômente àqueles que, devido à idade e à doença, eram incapazes de continuar a luta e àqueles outros fracos que desistiam da luta admitiam a derrota e clamavam r misericórdia. O movimento experimental em prol do con- dito de previdência social to pane po mais dó que-isso, "os dir ciais minimos. que. restaram foram desligadas "dar status da cidadania. A Poor Law tratava as rei. vindiçações dos pobres não como uma parte integrante de teus direitos de cidadão, mas como uma alternativa déles — como reivindicadoes “yue poderiam sor atendidas sómente se deixas- sem inteiramente de ser cidadãos. Pois os indigentes abriam mão, na prática, do direito civil da liberdade pesso levido a tem amento” a casa de trabalho, E-eram obrigados por lei à abri mão de -spbEqõe Gelo politico que possuísgem. pe Essa incapacidadi rmaneceu em existência até 1918, e, talvez, não se tenha dado o devido valor à sua abolição definitiva. O estigma associado à assistência aos pobres exprimia 'os senti- mentos profundos de um povo que entendia que aquêles que aceitavam assistência deviam cruzar a estrada que separava a comunidade de cidadãos da companhia dos indigentes. A Poor Late não constitui um exemplo isolado dêsse di- vórcio entre os direitos sociais e o status de cidadania. * Os rimeiros Factory Acts* mostram a mesma tendência. Embora, je fato, tenham levado a uma melhoria das condições de tra- balho e a uma redução das horas de trabalho em benefício de todos aquéles empregados nas indústrias por elas regidas, ne- garam-se, meticulosamente, a dar essa proteção diretamente ao * Leis quo reguiamentavem as atividades fabris (N. do T.). CIDADANIA E CLASSE SOCIAL Ts de treinamento oferecido que já existiu em qualquer parte do mundo.2t O tom entusiástico dessas palavras nos permite perceber quanto aprimoramos nossos padrões desde aquêles tempos. 1 - T-—O Impacto Inicial da Cidadania sôbre as Classes Sociais —T3 . Até o momento, meu objetivo se resumiu em traçar, de modo resumido, o desenvolvimento da cidadania na Inglaterra até o fim do século XIX. Com esta finalidade, dividi a cida- A dania em três elementos: fit. politico & social pede, “monstrar que Os direitos civis Surgiram em primeiro lugar e se estabeleceram de mod6 um tanto semelhante à forma mo- defna que nssumiram antes dx entrada em vigor da prim: Ler de Reforma, em I83Z Os diréitos políticos se seguiram *— Ros Tivis, é a ampliação dêles foi uma Írcipais carácie- rísficas « do saio RIE, embora o princípio da cidadania polí- * 2. tica universal não tenha silo récophecido Sei o em I0I8. Os direitos sociais, por qutro lado, gnê, “quê desapar século XVHI e princípio do O ressurgimento dêstes começou com o desenvolvimento da educação primária pá-,. blica, mas não foi senão no século XX que êles atingiram um | pa jo tg igualdade. com ns outros. oi elementos da cida- Eu nada disse, até o momento, sóbre classe social, e devo explicar aqui que classe social ocupa uma posição secundária em meu tema. Não pretendo empenhar-me na longa e dificil tarefa de examinar sua natureza e analisar seus componentes. O tempo não me permitiria fazer justiça a um assunto de tal importância. Meu « objetivo primordial + a cidadania. e meu . interêsse especial consiste em seu impacto sôbre a designal- - dade encial. Abordarei à natureza da classe Social sômente na ” medida em que seja necessário à realização dêsse interésse especial. Minha narrativa estacionou no fim do século XIX 4 Herque acredito que o impacto da cidadania sôbre a desigual. ade social após aquela data foi fundamentalmente diferente daquele que tinha sido anteriormente. Com tôda a probabi- lidade, não se levantará dúvida quanto a esta afirmação. É a natureza específica dessa diferença que vale a pena ser exa- minada. Antes de prosseguir, portanto, tentarei tirar algumas conclusões gerais a respeito do cidadania sôbre a desigualdade social do prime . periodos. YX Led d Otir Partnership, p. 79. “76 CIDADANIA, CLASSE SUCIAL E STATUS A sinadania é um status concedido àqueles ue são mem- bros integrais de uma comunidade, “Todos aquêles que pos- suem O status sã ts Com respeito aus direitôs e obrigações * pertinentes ao . Não há nenhum princípio universal que etermine uv que êstes direitos e obrigações serão, mas as sacie- dades nas quais a cidadania é uma instituição em desenvol. vimento criam uma imagem de uma cidadania ideal em re- lação à quai o sucesso pode ser medido e em relação à qual a aspiração pode ser dirigida. A insistência em seguir 0 ca- assim determinado equivale a uma insistência por uma a efetiva de igualdade, um enriquecimento da matéria- rima” do sigtus e um aumente-no número daqueles.a contenido o - “A classe social, por outro lado, é um Sistema de desigualdade E esta também, como à do um) pode estar” baseada Hum conjunto de ideais, crenças e va- ôres. É, portanto, compreensível que se espere que o im- pacto da cidadania sôbre a classe social tomasse a forma de um conflito entre princípios opostos. Se estou certa 20 afirmar « que.a cidadania tem sido uma instituição em desenvolvimento na Inglaterra elo menos desde a segunda metade do século LOM XVII então O que seu crescimento coincide tom o de- senvolvimento. do-capitalismo, que é o sistem: o de igual. dade, mas de desigualdade. Eis algo que necessita de expli- cação. Como é possível que êstes dois princípios opostos pos- sam crescer e florescer, lado a lado, no mesmo solo? O que fêz com que éles se reconciliassem e se tornassem, ao menos, por algum tempo, aliados ao invés de antagonistas? A questão! é inente, pois não há dúvida de que, no século XX, a, + ci ja e o sistema de classe capitalista estão em guerra, | É neste ponto que se toma necessária uma investigação mais detalhada sôbre classe social. Não posso tentar exami- nar tôdas as suas inúmeras e. variadas formas, mas há uma distinção ampla entre (dois tipos de classe que é particular- mente relevante para a minha argumentação. No primeiro dêstes, a classe se assenta numa hierarquia de salus e ex. pressa a diferença entre uma classe é outra em fêrmos de di- itus legais e costumres-estabelecidos que possuem o caráter coercivo essencial da li Em sua forma extrema, tal sistema divide uma sociedade numa série de espécies humanas dis- tintas, hereditárias — patrícios, plebeus, servos, escravos e assim por diante. A classe é, por assim dizer, uma instituição em seu próprio direito, e a estrutura total tem a qualidade de um plano no sentido de que se lhe atribuem um significado e uma finalidade e é aceito como uma ordem natural, À civi- lização, em cada nível, é uma expressão dêsse significado e CIDADANIA E CLASSE SOCIAL 7 dessa ordem natural, e as diferenças entre os níveis sociais não equivalem a diferenças de padrão de vida, porque não há nenhum padrão comum pelo qual aquelas podem ser me- didas. Nem há direitos — ao menos de alguma significância — compartilhados por todos. O impacto da cidadania sôbre tal sistema estava condenado a ser profundamente perturbador e mesmo destrutivo. Os direitos dos quais o status geral da cidadania estava imbuído foram extraídos do sistema hierár- quico de sta: lasse i ânci essencial. Á igualdade implicitame-« i idadania, em-/ bora limitádia em sonteúdo-dfimou a desigualdade No sistema! de classe, que era, em princípio, uma desi aldade total. Uma justiça nacional e uma lei igual para todos devem, inevitâvel- | mente, enfraquecer e, eventualmente, destruir a justiça de classe, e a liberdade pessoal, como um direito natural universal, deve eliminar a servidão. Não há necessidade de nenhum argumento sutil para demonstrar que a cidadania é incompa- tível com o feudalismo medieval, A classe social do segundo tipo não é tanto uma insti- tuição em seu próprio direito como um produto derivado de outras instituições. Embora possamos, ainda, referir-nos a “status social”, estamos estendendo o sentido do têrmo além de seu significado rigorosamente técnico. Não se estabelecem nem se definem as diferenças de classe pelas leis e costumes da sociedade (no sentido medieval da expressão), mas elas emergem da combinação de uma variedade de fatôres relacio- nados com as instituições da propriedade e educação e a estru- tura da economia nacional. As culturas de classe se reduzem a um mínimo, de modo que se torna possível, embora, como se admite, não inteiramente satisfatório, medir os diferentes níveis de bem-estar econômico por referência a um padrão de vida comum. As classes trabalhadoras, ao invés de her- darem uma cultura distinta conquanto simples, são agraciadas com uma imitação barata de uma civilização que se tornou nacional. E verdade que a classe ainda funciona. Considera-se a desigualdade social como necessária E proposital. Oferece o incentivo ao esfôrço e determina-a-distribuição de poder. Mas não há nenhum padrão geral de desigualdade no cual se associe um valor adequado, a priori, a cada nível social. A desigualdade, portanto, embora necessária, pode tornar-se ex- cessiva. Como Patrick Colquhoun disse, numa passagem muito Ver a admirável descrição oferecida por R. H. Tawney em Equality, pp. 121-129. . 80 CIDADANIA, CLASSE SOCIAL E STATUS substituído pelo único status uniforme de cidadania que ofe- rece ento da igualdade sóbre a qual à estrutura da desigualdade oi edificado o Na época em que Maine escreveu, êsse stntus era, sem dú- vida, um Esalho, e não uma ameaça, ao capitalismo e à eco- nomia de livre mercado, porque êste status era dominado pelos ireitos civis que conferem a capacidade legal de lutar pelos objetos que o individuo gostaria de possuir, mas não garantem a posse de nenhum déles. Tm direito de propriedade não é um direito de possuir propriedade, mas um direito de adqui- ri-la, caso possível, e de protegê-la, se se puder obtê-la. Mas, caso se lance mão dêsses argumentos para explicar a um pobre que seus direitos de propriedade são os mesmos daqueles de um milionário, provâvelmente o indigente nos acusará de estar sofismando. Da a maneira, o direito à liberdade de pa- lavra possui Poica cubetância sê devido à falta de educação, nãp-se tem. nada a dizer que vale. a pena ser dito, e nenhum meio de-se- fazer ouvir se há algo a dizer. Mas essas desi- gualdades gritantes não são devidas a falhas nos direitos civis, mas à falta de direitos sociais, e os direitos sociais, nos mea- dos do século XIX, não tinham expressão. A Poor Law se constituiu num auxílio, e não numa ameaça, ao capitalismo, porque eximiu a indústria de tôóda responsabilidade que não izesse parte do contrato de trabalho, ao passo que aumentou a competição no mercado de trabalho. À educação primária foi, também, uma ajuda porque aumentou o valor do traba- lhador sem educá-lo acima de sua condição de subsistência. Mas seria absurdo afirmar que os direitos civis em vigor nos séculos XVIII e XIXestavam livres de falhas ou que fóssem tão egiúitativos na prática quanto o p Fessavari ser em princípio. À igualdade perante a lei não existia. O-direito M estava, mas o remédio jurídica estava, mulas VÊZES, fora do alcance dor indivíduo. As barreiras entre tos e remédios eram de duas esp: i a DOS preconceitos de classes e pi efeitos automáticos da distribuiç a que operava através do Sistema 4 reços. Os preconceitos de classe que, indubitâvelmente, caracterizavam a distribuição da justiça no século XVIII, não lem ser abolidos por leis, mas sômente pela educação social e a edificação de uma tradição de impar- cialidade. Este é um processo difícil e moroso que pressupõe uma mudança no modo de pensar nos escalões superiores da sociedade. Mas é um processo que ocorreu, pensa eu que se possa afirmar, com justiça, de maneira satisfatória, no sentido e que a tradição de imparcialidade no que toca às classes CIDADANIA E CLASSE SOCIAL st sociais está profundamente arraigada na justiça civil inglêsa. E é interessante que isto haja ocorrido sem nenhuma mu- dança fundamental na estrutura de classe da profissão de advogado. Não temos dados precisos sôbre este tópico, mas duvido que o quadro geral se tenha alterado desde que o Professor Ginsberg verificou que a proporção dos admitidos nas Faculdades de Direito cujos país eram trabalhadores assa- lariados tinha aumentado de 0,4% em 1904-1908 para 1,8% em 1923-1927 e que, neste último período, aproximadamente 72% eram filhos de homens das profissões liberais, comerciantes de alto nivel e nobres.” O deelinio do eito de classe como uma barreira qo gÔzo Efetivo dos . é. portanto, devido menos à diluição do morôpoho de classe na carreira. jurídica do que à difusão, em tôdas as classes, de um sentido mais humano e realista de igualdade social. E interessante comparar-se êste quadro com o correspon- dente desenvolvimento no campo dos direitos políticos. Neste caso, também, o preconceito de classe, expresso através da intimidação das classes inferiores pelas superiores, impediu o livre exercício do direito de voto por parte daqueles que o haviam adquirido recentemente. Neste caso, havia um remé- dio prático disponível — o voto secreto, Mas isto não cra suficiente. [A educação social, bem como uma mudança no modo de pensar, eram necessárias. | E, mesmo quando êsses eleitores se sentiram livres de influências indevidas, algum tempo se passou até que desaparecesse a idéia, predominante entre as classes trabalhadoras como em outras, de que os repre- sentantes do povo e, ainda mais, os membros do Govêrno deveriam ser recrutados das élites que nasceram e foram edu- cadas para a liderança. O monopólio de classe na política, ao contrário do monopólio de classe na carreira jurídica, foi abolido indubitâvelmente. Assim, nesses dois setores, o mesmo objetivo foi alcançado por caminhos um tanto diferentes, A remoção do segundo obstáculo, os efeitos da distribuição desigual da renda, foi, tecnicamente, um fator simples nu caso dos direitos políticos, pois nada, ou muito pouco, custa votar. No entanto, pode-se empregar o poder econômico para in- fluenciar uma eleição, e se adotou uma série de medidas para reduzir esta influência. As mais primitivas, que datam do século XVII, visavam o subôrno e corrupção, porém as mais recentes, especialmente a partir de 1883, tinham o objetivo amplo de limitar os gastos com eleições em geral a fim de que candidatos de recursos desiguais pudessem competir em M. Cinsberg, Studies in Sociology, po IT. - 82 CIDADANIA, CLASSE SOCIAL E STATUS igualdade de condições. A necessidade de tais medidas dimi- nuiu em muito, visto que os candidatos das classes trabalha- doras podem obter apoio financeiro dos partidos e outros - fundos. Restrições que evitam extravagâncias competitivas são, portanto, provavelmente bem recebidas por todos. Restava abrir a Câmara dos Comuns a homens de tôdas as classes sem levar em consideração suas posses através, primeiro, da abolição de exigências de caráter econômico para os membros daquela casa e, depois, pelo estabelecimento de remuneração de seus membros em 1911. Tem-se verificado ser muito úais difícil alcançar-se resul- tados similares no campo dos direitos civis porque a ação pro- cessual, ao contrário do voto, é muito cara. As custas do pro- cesso não são altas, mas os honorários de advogado e as taxas cobradas pela escrivão podem representar quantias significa- tivas. Uma vez que uma ação legal tomia a forma de um litígio, cada parte acha que suas possibilidades de ganhá-la aumen- tarão se se utiliza dos serviços de melhores defensores do que aquéles em! ados pela outra parte. Há, é lógico, alguma dose de verdade nisso, mas não tanta quanto se acredita popu- larmente. Mas o efeito no litígio, como em eleições, é intro- duzir um elemento de extravagância competitiva que torna difícil estimar, com antecipação, os custos de uma ação, Além disso, nosso sistema, segundo o qual a parte derrotada terá de arcar com as custas, aumenta o risco e a incerteza. Um indivíduo de recursos limitados sabedor de que, no caso de perder a ação, terá de posa as custas de seu oponente bem como as suas, pode, facilmente, ser levado a aceitar um acôrdo não-satisfatório, principalmente se seu oponente é suficiente- mente rico para não se preocupar com êsses aspectos. E mesmo no caso de ter ganho de causa, aquilo que recebe, deduzidos os impostos, será, em geral, inferior a seu gasto real. Assim sendo, se foi induzido a levar seu caso adiante com gastos consideráveis, isto poderá representar uma vitória de Pirro. O que, então, se tem feito para remover essas barreiras ao exercício efetivo e em têrmos iguais dos direitos civis? Apenas uma coisa de real substância — o estabelecimento, em 1848, dos Tribunais dos Condados para proporcionar justiça barata às massas populares. Essa inovação importante exerceu uma influência profunda e benéfica no sistema judiciário inglês e muito contribuiu para desenvolver um senso adequado da importância da ação movida pelo homem do povo — a qual é, muitas vêzes, uma ação muito importante a seus olhos. Mas as custas dessas ações impetradas perante os Tribunais dos Condados não são desprezíveis e a jurisdição dêstes é limitada. ; | CIDADANIA E CLASSE SOCIAL 85 ticipação na comunidade e herança comum não exerceram nenhuma influência material na estrutura de classes e na de- sigualdade social pela simples razão de que, mesmo no final do século XIX, a massa da classe operária não exercia um poder político efetivo. Naquela ocasião o direito de voto es- tava bastante difundido, mas aquêles que o tinham adquirido recentemente não haviam ainda aprendido a fazer uso do mesmo. Os direitos políticos da cidadania, ao contrário dos direitos civis, estavam repletos de ameaça potencial ao sistema “ capitalista, embora aquêles que estavam estendendo, de modo cauteloso, tais direitos às classes menos favorecidas provável- mente não tivessem plena consciência da magnitude de tal ameaça. Não seria razoável esperar que fôssem capazes de prever as mudanças significativas q poderiam ser acarre- tadas pelo uso pacífico do poder político, sem uma revolução violenta e sangrenta. A Sociedade Planificada e o Estado do Bem-Estar ainda não haviam surgido no horizonte nem che- gado ao alcance da visão do político prático. As fundações da economia de mercado e do sistema contratual pareciam su- ficientemente sólidas para resistir a qualquer possível abalo. Na verdade, havia alguns motivos para se esperar que as classes trabalhadoras, à medida que se aprimorassem, acei- tassem os princípios básicos do sistema e estivessem satisfeitas de dependerem, para sua proteção e progresso, dos direitos civis da cidadania que não encerravam nenhuma ameaça óbvia ao capitalismo competitivo. Tel ponto de vista foi estimulado pelo fato de que um dos principais triunfos do poder político nos meados do século XIX residiu no reconhecimento do di- reito de dissídio coletivo. Isto significava que se procurava o progresso social por meio do fortalecimento dos direitos civis e não pelo estabelecimento de direitos sociais; através do uso do contrato no mercado livre e não pela adoção de um sa- lário minimo e previdência socia Mas essa interpretação subestima O significado dessa am- pliação dos direitos civis na esfera econômica. Pois os direitos civis eram, em sua origem, acentuadamente individuais, e esta é a razão pela qual se harmonizaram com o período indivi- dualista do capitalismo. Pelo artifício da personalidade juri- dica, grupos sé tornaram capazes de agir legalmente como indivídios Esse desenvolvimento importante não passou des- percebido, e a responsabilidade limitada foi denunciada aber- tamente como uma violação da responsabilidade individual. Mas a posição dos sindicatos era ainda mais anômala, Jos não procuraram obter nem obtiveram a personalidade jurídica. Podem, portanto, exercer direitos civis vitais coletivamente em “se CIDADANIA, CLASSE SOCIAL E STATUS nome de seus membros sem a responsabilidade coletiva for- mal, no passo que a responsabilidade indivídual dos traba- Jhadores com relação ao contrato não é, na maioria das vêzes, exeguível. Esses direitos civis se tornaram, para os trabalha- dores, um instrumento para elevar seu status econômico e social, isto é, para firmar a reivindicação segundo a qual êles, como cidadãos, estavam habilitados a certos direitos so- ciais. Mas o método normal de assegurar direitos sociais é o exercício do podes político, es os direitos sociais pressupõem um direito ê oluto a E terminado padrão de civilização ue depende apenas cumprimento obrigações gerais da cidadania, 8 conteúdo dos mesmos não depende do valor econômico da reivindicação individual. Há, portanto, uma diferença significativa entre um dissídio coletivo genuíno por meio do qual as fôrças econômicas num mercado livre tentam alcançar o equilíbrio e o uso de direitos civis coletivos para assegurar reivindicações hásicas por elementos de justiça social. Dêsse modo, a aceitação do direito de barganha não se cons- tituiu simplesmente numa extensão natural dos direitos civis; representou a transferência de um processo importante da es- fera política para a civil da cidadania. Mas “transferência” talvez seja um tênmo enganador, pois na ocasião em que isto ocorreu os trabalhadores não possuíam o direito de voto nem tinham ainda aprendido a fazer uso do mesmo, Desde então, alcançaram-no e tiraram o máximo proveito do referido di- reito. O sindicalismo, portanto, criou um sistema secundária de cidadania industrial paralelo e complementar ao sistema de cidadania política. É interessante comparar-se êsse desenvolvimento com a história da representação parlamentar. Nos Parlamentos dos primeiros tempos, afirma Pollard, “a representação não era e maneira alguma encarada como um meio de expressão do direito individual ou de defesa dêsse mesmo direito. Eram comunidades, não indivíduos, que se faziam representar”. E, ao examinar a situação na véspera da Lei de Reforma de 1918, acrescentou Pollard: “O Parlamento, ao invés de representar comunidades ou famílias, tende cada vez mais a representar nada a não ser indivíduos”! Um sistema de sufrágio uni- versal trata o voto como a voz do indivíduo, Os partidos políticos organizam essas vozes para a ação em conjunto, mas o fazem nacionalmente e não com base em função, localidade ou interêsses. No caso dos direitos civis, o movimento tem 33 R. W. Pallard, Ths Evolution of Parliament, p. 155. “4 ibid, p. 165. l , CIDADANIA E CLASSE SOCIAL 87 ocorrido numa direção inversa, não da representação de comu- nidades para aquela dos indivíduos, mas a partir da repre- sentação dos indivíduos para aquela das comunidades, E Pollard sustenta outro ponto de vista. Segundo êle, o sistema parlamentar dos primeiros tempos foi caracterizado pelo fato e seus representantes serem aquêles que dispunham de tempo, recursos e tendência para semelhante tarefa, A eleição por uma maioria de votos e a responsabilidade estrita perante os eleitores não eram elementos essenciais, Os distritos eleitorais não instruíam seus membros, e promessas eleitorais não eram conhecidas. Os membros “eram eleitos com o fim de obrigarem a seus constituintes, e não de serem obrigados perante os mesmos".3* Não seria tão absurdo sugerir-se que alguns dêsses traços reaparecem nos sindicatos modernos, embora, é evi- dente, apresentando muitas diferenças significativas. Uma delas é a de que líderes sindicais não abraçam um cargo espinhoso sem remuneração, mas seguem uma carreira remunerada. Essa observação não traz em si nenhuma ofensa e, na verdade, não ficaria muito bem para um professor universitário criticar uma instituição pública com base no fato de seus afazeres serem dirigidos, em grande parte, por seus empregados assalariados. Tudo o que mencionei até o momento teve como finali- dade servir de introdução à tarefa principal. Não tentei apre- sentar-lhes fatos novos selecionados por pesquisa rigorosa. O limite de minha ambição se restringe a reagrupar fatos fami- liares num padrão que possa apresenti-los aos leitores sob uma nova perspectiva. Achei necessário fazê-lo a fim de pre- parar o terreno para q estudo mais difícil, especulativo e con- troverso da cena contemporânea na qual o papel preponde- rante é desempenhado pelos direitos sociais da cidadania. É para o impacto déles sôbre a classe social que devo, agora, voltar minha atenção. Os Direitos Sociais no Século XX br O período com o qual me ocupei até o momento se carac: terizou pelo fato de o desenvolvimento da cidadania, conquanto substancial e marcante, ter excrcido pouca influência direta sôbre a desigualdade social. Os direitos civis deram podêres legais cujo uso foi drasticamente prejndicado por preconceito de classe é falta de oportunidade econômica... Os direitos polí- ticos deram poder potencial cujo exercicio exigia experiência, organização e uma mudança de idéias quanto às funções pró- NS 90 CIDADANIA, CLASSE SOCIAL E STATUS veria contribuir para os custos em que incorresse está limitado à metade do excesso de sua renda disponível acima de 156 Jibras mais o excesso de seu capital disponível acima de 75 libras. Sua responsabilidade pelas custas da qutra parte, em caso de perder a ação, está sujeita inteiramente à discrição do tribunal. Terá a assistência profissional de um advogado esco- lhido entre um grupo de voluntários, e éstes serão remunerados por seus serviços no Tribunal Superior, sendo que seus hono- tários serão de 15% inferiores àqueles do mercado livre e dos Tribunais dos Condados de acôrdo com escalas uniformes ainda não estabelecidas. O plano, como se verá, lança mão dos princípios do limite de renda e o teste dos meios, que acabam de ser abandonados nos outros serviços sociais de maior importância. E o teste dos meios será aplicado, ou a contribuição máxima determi- nada, pelo National Assistance Board* cujos diretores, além de prestar os benefícios prescritos nos regulamentos, “terão po- lêres gerais totais para capacitá-los a deduzir da renda quais- quer quantias que normalmente não levam em conta ao lidar com um pedido de assistência de acórdo com o National Assis- tance Act de 1948".37 Será de interêsse ver se essa relação com a antiga Poor Law tirará o atrativo Legal Aid para muitos daqueles que têm o direito de se valer dela, que incluirá indi- viduos com rendas brutas de até 600 ou 700 libras por ano. Mas, com exceção dos agentes empregados para fazer cum- prila, a razão para a introdução de um teste dos meios é clara, O preço a ser pago pelo serviço do tribunal e da assis- tência judiciária desempenha um papel importante ao testar a urgência da demanda. Deve, portanto, ser mantido. Mas o impacto do preço sôbre a demanda deve ser tornado menos desigual pelo ajustamento do custo com a renda da qual sairão as meios para enfrentar o custo. O método de ajustamento relembra a operação de um impósto progressivo. Se consi- derarmos apenas a renda e ignorarmos o capital, veremos que um indivíduo com uma renda líquida de 200 libras teria de contribuir com 22 libras, ou 11% daquela renda, e um indi- víduo com uma renda líquida de libras teria sua contri- buição máxima fixada em 132 libras, ou mais de 31% daquela renda. Um sistema dêsse tipo pode funcionar bastante bem (admitindo-se que a escala de ajustamento seja satisfatória ) desde que o preço de mercado do serviço seja razoável com * Junta de Assistência Nacional (N. do T.). 37 Cmd, 7583: Summary of the Proposed New Service, p. 7, 617. CIDADANIA E CLASSE SOCIAL 91 relação à menor renda que não tenha direito à assistência. Então, a escala de preços pode diminuir gradativamente a partir dêsse ponto de referência até que desapareça no ponto em que a renda seja muito reduzida para poder pagar algo. Nenhum vazio estranho surgirá no ápice entre os que recebem assistência e aquêles que não a recebem. O método é empre- gado na concessão de bôlsas de estudo governamentais para universidades, O custo com que se tem de arcar nesse caso é o total padronizado para o sustento mais as taxas de ma- trícula. As deduções são feitas a partir da renda bruta dos pais em bases semelhantes àquelas propostas para o Legal Aid, exceto que o impôsto de renda não é deduzido, A renda res- tante é conhecida como a “renda progressiva”. Aplica-se, então, êsse dado a um tabela que mostra a contribuição a ser feita pelos pais em cada ponto da escala. As rendas até 600 libras nada pagam e o teto, além do qual os pais têm de arcar com os custos totais, sem subvenção, é de 1.500 libras. Um Partido Trabalhista recomendou, recentemente, que o teto fôsse eleva- do “para, no mínimo, 2.000 libras” (antes da dedução dos impostos ),3º o que é um critério de pobreza bastante generoso para um serviço social. É razoável admitir-se que, naquele nível de renda, a família pode fazer frente, sem passar priva- ções indevidas, ao custo de mercado de uma educação univer- sitária. O Legal Aid Scheme* funcionará, com tôda a probabi- lidade, da mesma maneira para os processos dos Tribunais dos Condados nos quais os custos são moderados. Aquêles com rendas no cume da escala normalmente não receberão nenhum subsídio para suas custas, mesmo no caso de perderem a ação. A contribuição que podem ser chamados a fazer de seus pró- prios recursos serão, em geral, suficientes para cobrir as custas. Estarão, assim, na mesma posição daqueles bem à margem do plano e nenhum vazio estranho aparecerá. Os litigantes in- cluídos no plano receberão, entretanto, assistência jurídica de caráter profissional a um preço controlado e reduzido, e isto é em si privilégio inestimável, as, num processo que atin- gisse instância superior, a contribuição máxima do indivíduo no ápice da escala estaria longe de ser suficiente para cobrir suas próprias custas caso perdesse a causa. Sua responsabi- lidade, d acôrdo com o plano, poderia, portanto, ser muitas vêzes inferior àquela de um indivíduo, excluído por pequena 38 Ministério da Educação: Report of the Working Party on Uni- versity Award, 1948, $60. A descrição geral do sistema atual se baseia na mesma fonte. * Plano de Assistência Judi a (N. do T.) “e CIDADANIA, CLASSE SOCIAL E STATUS tica, Em tais casos, a diferença le ser bem acentuada e isto é particularmente grave num litígio que assume a forma «de uma disputa. À disputa pode ocorrer entre um litigante assistido e um não-assistido, e êstes se estarão defrontando sob condições diferentes. Um dêles será protegido pelo prin- cípio da justiça social, enquanto o outro será abandonado à mercê do mecanismo econômico e das obrigações comuns im- postas por contrato e pelos regulamentos do tribunal. Uma medida que visa à redução das barreiras de classe pode, em alguns casos, criar uma forma de privilégios de classe. Se isto ocorrerá, ou não, depende, em grande parte, do conteúdo dos regulamentos que ainda não foram baixados e da maneira pela qual o tribunal faz uso de seu poder de arbítrio ao atribuir as custas aos litigantes assistidos que perdem suas causas. Essa dificuldade especifica poderia ser eliminada se se tor- nasse o sistema universal, ou quase isso, pela elevação da escala de contribuições máximas a níveis de rendas bem mais altos. Em outras palavras, o teste dos meios poderia ser con- servado, mas o limite de renda abandonado. Mas isso equiva- leria a incluir todos, ou práticamente todos, os advogados no plano e a submetê-los a preços tabelados para seus serviços. Significaria quase a nacionalização da profissão, no que toca à processualística, ou, pelo menos, assim provavelmente apa- receria aos olhos dos advogados, cuja profissão se inspira num forte sentimento de individualismo. E o desaparecimento do exercício particular da profissão privaria os Agentes Fiscais de um padrão pelo qual estabelecer o preço a ser tabelado. Escolhi éste exemplo para demonstrar algumas das difi culdades que surgem quando alguém tenta combinar os prin- cípios-da igualdade social com o sistema de preço. O ajusta- mento de preço progressivo a rendas desiguais é um método de se fazer isto. Era largamente usado por médicos e hos- pitais até que o National Health Service o tomou desneces- sário, Liberta a renda real, sob certos aspectos, de sua de- pendência da renda nominal. Se o princípio fósse aplicado de modo universal, as diferenças de renda nominal perderiam seu significado. Poder-se-ia alcançar o mesmo resultado pela iguala- ção de tôdas as rendas brutas ou pela redução das rendas brutas desiguais a rendas líquidas iguais pela tributação, Ambos os processos têm funcionado até certo ponto. Ambos se chocam com a necessidade de se preservar rendas desiguais como uma fonte de incentivo econômico. Mas, quando se combinam diferentes métodos de fazer coisas bastante seme- lhantes, talvez seja possível levar o processo muito adiante sem margem do plano, que sustentou que uma ação idên- CIDADANIA E CLASSE SOCIAL 95 classe. A igualdade de stuius é mais importante do que a igualdade de renda. Mesmo. quando os benefícios são pagos em espécie, essa fusão de classes é expressa externamente na forma de uma nova experiência comum. Todos aprendem o que significa ter um cartão de seguro que deve ser carimbado regularmente (por alguém) ou recolher ajudas de custos para crianças ou aposentadorias numa agência de correio. Mas quando o bene- fício assume a forma de um serviço, o elemento qualitativo penetra o benefício mesmo e não apenas o processo pelo qual é obtido. A ampliação de tais serviços pode, portanto, exercer um efeito profundo sôbre os aspectos qualitativos da dife- renciação social. As antigas escolas públicas primárias, embora abertas a todos, eram utilizadas por uma classe social para a qual não havia nenhuma outra espécie de educação disponível. Seus membros eram criados segregados das classes superiores e sob influências que deixavam sua marca nas crianças sujeitas a elas. “Ex-aluno de escola pública” tornou-se um rótilo que um individuo poderia carregar por tôda a vida e assinalava uma distinção que era de caráter real e não apenas conven- cional. Pois um sistema-educacional dividido, ao promover tanto a similaridade intraclasse, deu ênfase e precisão a um critério de distância social. Como o Professor Tawney afir- mou, traduzindo o ponto de vista dos educadores em sua prosa inimitável: “A intrusão das vulgaridades do sistema de classes na organização educacional é uma irrelevância tão maléfica em efeito quanto odiosa em concepção”? O serviço limitado era criador de classes ao mesmo tempo que era neutralizador de classes. Atualmente, a segregação ainda ocorre, mas a edu- cação subsequente, à disposição de todos, faz com que um reajustamento seja possível. Terei de examinar, dentro em pouco, se a classe influencia, de modo diverso, êsse reajusta- mento, Do mesmo modo, o serviço de assistência médica em seu início acrescentou o têrmo “paciente cobaia” a nosso vocabu- lário de classe social, e muitos membros da classe média estão, no momento, aprendendo exatamente o que o têrmo significa. “ Mas a difusão do serviço reduziu a importância social da distinção. A experiência comum oferecida por um serviço médico geral abrange a todos, com exceção de uma pequena minoria no ápice, e se espalha através de barreiras de classe importantes nos escalões médios da hierarquia. Ao mesmo R. H. Tawney, Secondary Education for AU, p. 64. E bd q 4 o 96 CIDADANIA, CLASSE SOCIAL E STATUS tempo, o mínimo garantido foi elevado a nível tão vlevado que o têrmo “mínimo” se torna um equívoco. A intenção, pelo menos, é fazé-lo aproximar-se tanto quanto possível de um máximo razoável que os bens extras que os ricos ainda são capazes de comprar não serão mais do que luxos e orna- mentos. O serviço oferecido, não o serviço que se compra, se torna a norma do bem-estar social, Há quem pense que, em tais circunstâncias, 0 setor independente não pode sobreviver por muito tempo. Caso desapareça, o arranha-céu ter-se-á convertido num bangalô. Se o sistema atual persistir e atingir seus ideais, o resultado poderá ser descrito como um bangalô dominado por uma tôrre insignificante do ponto de vista arqui- tetônico. Benefícios na forma de um serviço possuem essa outra caracteristica: os direitos do cidadão não podem ser definidos de modo preciso. O elemento qualitativo pesa muitg na ba- lança. Um mínimo de direitos legalmente reconhecidos pode ser concedido, mas o que interessa ao cidadão é a superestru- tura das expectativas fegitimas. Pode ser razoavelmente fácil fazer com que tôda criança, até certa idade, passe um certo número de horas na escola. É muito mais difícil satisfazer as expectativas de que a educação deveria estar a cargo de professôres treinados e ser dada em classes de tamanho mode- rado. Pode ser possivel para cada cidadão que o deseje estar inscrito junto a um médico. É muito mais difícil assegurar que receberá um tratamento adequado. E, assim, verificamos que a legislação, ao invés de ser o fator decisivo que faça tom que a política entre em efeito imediato, adquire, cada vez mais, o caráter de uma declaração de política que, segundo se espera, entrará em vigor algum dia. As Faculdades dos Con- dados e os Centros de Saúde nos vêm à mente imediatamente. O ritmo de progresso depende da magnitude dos recursos na- cionais e da distribuição destes entre as reivindicações com- petitivas. Nem pode o Estado facilmente prever qual será o custo do cumprimento de suas obrigações, pois à medida que o padrão que se espera dos serviços aumenta — como deve acontecer inevitâvelmente numa sociedade progressista — as obrigações se tornam cada vez mais pesadas. O alvo está-se movendo para a frente e pode ser que o Estado nunca o atinja. Segue-se que os direitos individuais devem estar subordinados aos planos nacionais. As expectativas oficialmente reconhecidas como legitimas não são reivindicações que devam ser satisfeitas em cada caso quando apresentadas. Tornam-se, por assim dizer, detalhes de um plano de vida comunitária. A obrigação do Estado é para CIDADANIA E CLASSE SOCIAL g com a sociedade como um todo, cujo recurso no caso de não- cumprimento por parte do Estado de suas obrigações reside no Parlamento ou conselhos locais, e não para com os cidadãos individuais cujo recurso reside num tribunal de justiça ou, pelo menos, num tribunal -quase-judicial, A manutenção de um equilíbrio razoável entre êsses elementos coletivos e indi- viduais dos direitos sociais é uma questão de importância vital para o Estado socialista democrático. O aspecto que acabei de ressaltar se torna mais evidente no caso da habitação. Aqui, a posse das moradias existentes tem sido protegida por direitos legais eficazes, capazes de serem assegurados num tribunal de justiça. O sistema se tor- nou complicado porque cresceu pouco a pouco, e não se pode sustentar que os benefícios sejam igualmente distribuídos em função da necessidade real, Mas o direito básico de ter o cidadão uma moradia, seja lá qual fôr, é mínimo. Ele não pode reivindicar mais do que um teto sôbre sua cabeça, e sua reivindicação pode ser atendida, como vimos nos últimos anos, por um cômodo num cinema abandonado transformado num centro de recuperação, Não obstante, a obrigação geral do Estado para com a sociedade como uma coletividade no que toca à habitação é das mais sérias que tem de enfrentar. À política governamental concedeu, de modo inequívoco, ao cidadão uma expectativa legítima de um lar adequado para uma família néle viver, e a promessa não se limita a heróis agora. É verdade que, ao lidar com reivindicações individuais, as autoridades adotam, tanto quanto possível, uma escala priori- tária de necessidades, Mas, quando um cortiço está em vias de ser derrubado, quando uma cidade antiga está sendo remo- delada ou uma nova cidade planejada, as reivindicações indi- viduais devem estar subordinadas à planificação mais ampla do progresso social. Surge, então, um elemento de uportuni- dade e, portanto, de desigualdade. Uma familia pode mudar- se, antecipando-se à sua vez, para uma residência modelar porque faz parte de uma comunidade que deve receber assis- tência com mais urgência. Uma segunda terá de aguardar, embora suas condições materiais possam ser piores do que aquelas da primeira. À medidá que o trabalho prossegue, em- bora em muitos lugares desapareçam as desigualdades, em ou- tros se tornam mais acentuadas, Para ilustrar êste aspecto, citarei um exemplo. Na cidade de Middlesbrough, parte da população de uma área em desintegração tinha sido removida para uma nova área residencial. Verificou-se que, entre as crianças que viviam nessa área, uma em cada oito daquelas rue competiam por vagas nas escolas secundárias era bem a te a e, o es “100 CIDADANIA, CLASSE SOCIAL E STATUS secundárias não será considerado adequado a não ser que “propicie a todos os estudantes oportunidades para educação, oferecendo tal variedade de instrução e treinamento quanto possa ser desejável em vista de suas aptidões, habilidades e idades diferentes”. Dificilmente se poderia encontrar afirmação mais forte de respeito pelos direitos individuais. Ainda assim, duvido que isto funcione na prática. Se fósse possivel para o sistema educacional tratar O estu- dante inteiramente como um fim em si mesmo e encarar a educação como um meio de lhe dar algo cujo valor poderia aproveitar ao máximo, qualquer que fósse sua posição na vida profissional, então talvez fôsse possível moldar o plano edu- cacional numa forma determinada pelas necessidades indivi- duais, a despeito de quaisquer outras considerações. Mas, como sabemos, a educação atualmente se encontra intimamente ligada à ocupação e um dos benefícios, pelo menos que o estudante espera dela, é a qualificação para ocupar uma po- sição num nivel apropriado. A não ser que ocorram mudanças significativas, parece provável que o plano educacional será ajustado à procura ocupacional. A proporção entre escolas primárias, técnicas e secundárias não pode ser determinada com precisão sem se fazer referência à proporção entre em- pregos de níveis correspondentes. E talvez se tenha de pro- curar um equilíbrio entre os dois sistemas em benefício do próprio estudante. Se um jovem que teve uma educação pri- mária é forçado a ocupar uma posição de desacôrdo com a educação recebida, o mesmo alimentará um rancor ou frus- tração e achará que foi ludibriado. É de se desejar que tal atitude mude de modo que o jovem, em tais circunstâncias, fique grato pela educação que recebeu e não guarde ressenti- mento de seu cargo. Mas realizar tal mudança não constitui uma tarefa fácil. Não vejo sinal algum de afrouxamento dos laços que unem a educação à ocupação. Ao contrário, éles parecem forta- lecer-se cada vez mais. Dá-se uma grande e sempre crescente importância a certificados, matrículas, formaturas e diplomas como qualificações para emprêgo, e a validade dêstes não desaparece com a passagem dos anos. Um homem de 40 anos ode ser avaliado pelo seu desempenho num exame feito aos 5 anos. À passagem que se adquire, ao se deixar a escola, se destina a uma jornada que dura uma vida inteira. Um homem com uma passagem de terceira classe que, com o correr do tempo, se sente capacitado a reivindicar um lugar na pri- meira se não será admitido, mesmo que esteja preparado para pagar a diferença. Isto não faria justiça aos outros. Ele 1 1 i I CIDADANIA E CLASSE SOCIAL 301 deve retornar ao princípio e fazer nova reserva, por meio de aprovação no exame prescrito, E é muito duvidoso que à Estado se prontifique a pagar sua viagem de volta, Isto não se aplica, é lógico, a todo o mercado de trabalho, mas é uma descrição razoável de uma parte significativa do mesmo, cuja ampliação está sempre sendo advogada. Li, por exemplo, recentemente, um artigo no qual se urge que se deva exigir de todo pretendente a um cargo administrativo ou de gerência numa emprésa comercial que prove sua capacidade “passando no exame vestibular ou outro de natureza semelhante”.*! Esse fenômeno é, em parte, o resultado da sistematização das téc- nicas em setores ocupacionais cada vez mais profissionais, semiprofissionais e especializados, embora eu deva confessar que algumas das reivindicações das assim chamadas associa- ções profissionais à posse exclusiva de conhecimento e técnica esotéricos mu parecem um tanto improcedentes. Mas tal fenó- meno é também estimulado pelo refinamento do processo sele- tivo que faz parte do próprio sistema educacional. Quanto mais arraigada a convicção de que a educação é capaz de peneirar o material humano em seus primeiros anos de vida, tanto maior a mobilidade verificada nesses anos e, conse- quentemente, tanto maior a limitação a partir de então. O direito do cidadão nesse processo de seleção e mobi- lidade é o direito à igualdade de oportunidade. Seu ubjetivo “é eliminar o privilégio hereditário. Basicamente, é o direito de todos de mostrar c desenvolver diferenças ou. desigual- dades; o direito igual de ser reconhecido como desigual. Nos estágios iniciais do estabelecimento de tal sistema, o efeito maior reside, é lógico, na revelação de igualdades latentes — permitir que o jovem desprovido de recursos mostre que é tão capaz quanto o rico. Mas o resultado final é uma estru- tura de stutus desiguais distribuídos, de modo razoável, a habi- lidades desiguais. O processo é, algumas vêzes, associado com idéias de individualismo do tipo latssez faire, mas no que toca ao sistema educacional se trata de uma questão não de laissez faixe, mas de planejamento. O processo pelo qual habilidades são reveladas, a cujas influências estão sujeitas, os testes pelos quais são mensuradas e os direitos concedidos com base nos resultados dos testes são todos planejados. A igualdade de oportunidade é oferecida a tôdas as crianças quando de seu ingresso nas: escolas primárias, mas em idade ainda tenra são usualmente divididas em três grupos — avançado, médio e atrasado. Já a esta altura, a oportunidade começa a ficar de- “1 [A Bowie, em Industry (janeiro de 1949), p. 17. - 02 CIDADANIA, CLASSE SOCIAL E STATUS sigual, c as alternativas, limitadas. Quando alcançam os 11 anos de idade são novamente submetidos a testes, proviâvel- mente por uma equipe de professóres, examinadores e psicó- “logos. Nenhum dêsses é infalível, mas, talvez em alguns casos, três erros podem resultar numa decisão acertada, Segue-se, então, a classificação para distribuição entre três tipos de es- cola secundária. A oportunidade se torna ainda mais desigual, e as possibilidades de uma educação rmais avançada já se restringe a uns poucos felizardos. Alguns dêstes, após serem testados uma vez mais, prosseguirão em seus estudos. No final das contas, a mistura he sementes variadas origindriamente colocada na máquina surge em pacotes inequivocamente rotu- lados prontos para serem cultivadas nos jardins apropriados. Revesti, de ceticismo, deliberadamente essa descrição a fim de ressaltar o fato de que, não importa quão genuíno possa ser o desejo das autoridades educacionais em oferecer variedade suficiente para satisfazer tôdas as necessidades indi- viduais, devem, num serviço de massa dêsse tipo, proceder por classificações repetidas em grupos, e isso é seguido em cada estágio pela assimilação no interior de cada grupo e diferen- ciação entre grupos. Esta é precisamente a maneira pela qual as classes sociais se amoldam numa sociedade fluida. As dife- renças intraclasses são ignoradas como irrelevantes; as dife- renças interclasses recebem significado exagerado, Assim, qua- lidades que estão, na realidade, alinhadas ao longo de uma escala continua são utilizadas para a criação de uma hierarquia de grupos, cada qual com seus status e caráter especial, Os principais traços do sistema são inevitáveis e suas vantagens, especialmente a eliminação do privilégio herdado, superam, em muito, suas falhas acidentais. Estas em ser combatidas e mantidas dentro de certos limites pela concessão de tanta oportunidade quanto possível a reformulações com relação à classificação, tanto no sistema educacional em si como na vida posterior. = A conclusão importante que se segue para minha linha de raciocínio é que, por intermédio da educação em suas relações com a estrutura ocupacional, a cidadania opera como «um instrumento de estratificação social. Não há razão alguma «para se deplorar isto, mas se deve ter consciência de suas : consegiências. O status adquirido por meio da educação acom- “panha o indivíduo por tóda a vida com a rótulo de legitimi- de, porque foi conferido por uma instituição destinada a dar aos cidadãos seus justos direitos. E talvez já havia uma discrepância séria entre as tativas daqueles que atingem os niveis intermediários na educação e o status das ocupações CIDADANIA E CLASSE SOCIAL 105 podem originar-se de status vu de contrato. Os líderes de greves ilegais são passíveis de rejeitarem ambos. As greves geralmente envolvem a quebra de contrato ou o repúdio de acôrdos. Apela-se a algam princípio supostamente mais alto — em realidade, embora possa acontecer de não se afirmar de modo expresso, aos direitos de status da cidadania indus- trial. Há muitos precedentes, em nossos dias, para a subor- dinação do contrato ao status. Talvez o mais comum se en- contre no problema de moradia. Os aluguéis são controlados e ns direitos dos locatários protegidos após o término do con- trato, casas são requisitadas, acôrdos feitos livremente são anulados ou modificados pelos tribunais ao aplicarem os prin- cípies de equidade social e do preço justo. A inviolabilidade do contrato cede lugar às exigências da política social, e não estou sugerindo que isto não deva ser assim. Mas se as obri- gações do contrato são postas de lado por um apélo aos di- reitos de cidadania, então os deveres da cidadania têm de ser aceitos do mesmo modo. Em algumas greves não-oficiais recentes, houve uma tentativa, suponho, de reivindicar os direitos tanto de status quanto de contrato, enquanto se repu- diavam as obrigações de status e de contrato. Mas minha principal preocupação não é a natureza das greves, mas a concepção corrente do que constitui um salário justo. Penso que não há dúvida de que esta concepção inclui a noção de status. Faz parte de tôda discussão sôbre remu- neração e salários profissionais. Quanto deve um médico espe- cialista ou um dentista ganhar?, perguntamos. Duas vêzes o salário de um professor universitário seria justo ou isso não seria suficiente? E, é evidente, o sistema previsto não é de status uniforme, mas estratificado. As reivindicações de status se referem a uma estrutura salarial hierárquica, cada nível representando um direito social, e não apenas um valor de mercado. A barganha coletiva deve envolver, mesmo em suas formas elementares, a classificação de trabalhadores em grupos ou níveis nos quais diferenciações ocupacionais diminutas sejam ignoradas. Como na educação de massa, assim no em- prégo de massa, as questões de direitos, padrões, oportuni- dades ete. só podem ser debatidas em têrmos de um número limitado de categorias e pela interseção de uma corrente con- tinua de diferenças por uma série de classes cujos nomes possam encontrar fácil acolhida na mente do funcionário ocu- pado. À medida que a área de negociação se amplia, a assimi- lação de grupos necessáriamente se segue à assimilação de indivíduos até que a estratificação da população total de tra- balhadores esteja, tanto quanto possível, padronizada, Só então 196 CIDADANIA, CLASSE SOCIAL E STATUS os princípios gerais de justiça social podem ser formulados. Deve haver uniformidade em cada nível e diferença entre -píveis. Esses princípios dominam a mente daqueles que dis- cutem as reivindicações salariais, embora a racionalização pro- duza outros argumentos, tal como que os lucros são excessivos e que a indústria pode pagar salários mais altos, ou que sa- lários mais elevados são necessários para manter a oferta de trabalho qualificado ou evitar seu declínio. O Livro Branco das Rendas Pessoais'* lançou alguma luz sôbre êsses recantos obscuros da mente, mas o resultado final foi tornar o processo de racionalização mais complicado e laborioso. O conflito básico entre os direitos sociais e o valor de mercado não foi resolvido. Um porta-voz dos sindicatos disse: “Uma relação egiitativa deve ser estabelecida entre indústria e indústria”! Uma relação egiiitativa é um con- ceito social e não econômico. O Conselho Geral do T.U.C. aprovou os princípios do Livro Branco até o ponto em que “reconheçam a necessidade de salvaguardar os diferenciais na estrutura de salários de muitas indústrias importantes e são necessários para manter aquéles padrões de artesanato, treina- mento e experiência que contribuem diretamente para a efi- ciência industrial e produtividade mais elevada”. Neste caso, o valor de mercado e o incentivo econômico encontram um lugar no argumento que se relaciona fundamentalmente com o status. O Livro Branco em si teve uma visão um tanto dife- rente e, possivelmente, mais verdadeira, dos diferenciais. “Os últimos cem anos assistiram ao desenvolvimento de certas re- lações tradicionais ou costumeiras entre rendas pessoais — in- cluindo salários — em ocupações diferentes... Essas não são necessáriamente relevantes para as condições modernas”. A tradição e o costume são princípios sociais e não econômicos, e são velhos nomes para a estrutura moderna de direitos de status. O Livro Branco afirmou francamente que os diferenciais baseados nesses conceitos sociais não podiam satisfazer as exi- gências econômicas correntes. Não ofereciam os incentivos necessários para assegurar a melhor distribuição do trabalho. “Os níveis de renda relativos devem ser tais que incentivem o movimento da mão-de-obra para aquelas indústrias que mais 43 Cmd. 7321, 1948. “4 Como foi relatado no The Times. 45 Recomendações da Comissão Especial sôbre a Situação Econô- mica como aceitas pelo Conselho Geral em sua Reunião Extraordinária de 18 de fevereiro de 198. CIDADANIA E CLASSE SOCIAL 107 necessitem dela e não devem, como em alguns casos ainda o fazem, atentar numa direção contrária”. Notem que se afirma “ainda o fazem”, Uma vez mais a concepção moderna de direitos sociais é tratada como resquício do passado obscuro. À medida que prosseguímos, a confusão aumenta. “Cada reivindicação por um aumento de salário deve ser considerada com base em seus méritos do ponto de vista nacional”, isto é, em têrmos de política nacional. Mas essa política não pode ser levada a cabo pelo exercício dos direitos sociais da cida- dania através do Govêmo porque aquilo implicaria “uma in- cursão do Govêmo no que tem sido, até o momento, consi- derado como um campo de livre contrato entre indivíduos e organizações”, isto é, uma invasão dos direitos civis do cida- dão. Direitos civis equivalem, portanto, a assumir responsabi- lidade política, e o livre contrato equivale a agir como o instrumento da política nacional. E há, ainda, outro paradoxo, O incentivo que opera num sistema de livre contrato do mer- cado livre é o incentivo do ganho pessoal. O incentivo que corresponde aos direitos sociais é aquêle do dever público. A qual dos dois se lança o apêlo? A resposta é: a ambos, In- siste-se em que o cidadão responda ao chamado do dever dando lugar à motivação do seu próprio interêsse, Mas êsses paradoxos não são invenções descabidas; são increntes ao nosso sistema social contemporâneo. E não devem causar-nos uma ansiedade indevida, pois um pouco de bom senso pode, muitas vêzes, remover uma montanha de paradoxo no mundo da ação, embora a lógica possa ser incapaz de sobrepujá-la no mundo do pensamento. Conclusões Tentei demonstrar como a cidadania-s quiras.fôrças-ex.. ternas“ ela têm alterado o padrão de desigualdade. sorial. Para completar o quadro, devo, agora, empreender um apa- nhado das influências como um todo sôbre a estrutura de classes sociais. Estas têm, indubitâvelmente, sido profundas, e pode ser que as desigualdades permitidas, e mesmo mol- dadas, pela cidadania já constituam distinções de classe no sentido em que éste têrmo era empregado com relação a socie- dades passadas. Mas analisar êsse problema exigiria outra con- ferência e esta, provavelmente, consistiria numa mistura de dados estatísticos secos, de significado incerto e julgamentos significativos de validade duvidosa. Pois nossa ignorância da matéria é profunda. É, portanto, talvez oportuno para a reputação da Sociologia que deva limitar-me a umas poucas aaa Es. e O vi Rr mente na pobreza, estava livre para fazé-lo, contanto que não se tornasse um encargo social. Se fôsse capaz de viver no ócio em confórto, era considerado não como um vadio, mas como um aristocrata — que devia ser invejado e admirado. Quando a economia inglêsa atravessava um processo de trans- =Jormação para um sistema désse tipo, houve uma grande ansie- dade quanto à oferta de trabalho necessário. As fôrças moti- vacionais das normas e costumes de grupo tinham de ser subs- tituídas pelo incentivo de ganho pessoal, e dúvidas sérias foram manifestadas sôbre se se podia depender dêste incentivo. Isto explica o ponto de vista & Colquhoun sôbre a pobreza e a observação dura de Mandeville segundo a qual os traba- lhadores “não possuem outro incentivo para cumprirem suas tarefas senão suas necessidades, e que é de prudência aliviar, mas ingênuo satisfazer, tais necessidades". ** E, no século XVII, suas necessidades eram muito simples. Eram guiados por hábitos de vida preestabelecidos da classe e não havia nenhuma escala contínua de padrões de consumo crescentes para estimular os trabalhadores a ganharem mais a fim de gastarem mais em bens cobiçados e até há pouco além de seu alcance — como aparelhos de rádio, bicicletas, cinemas ou viagens de férias. O seguinte comentário da parte de um escritor em 1728, que não é senão um exemplo entre muitos no mesmo sentido, pode muito bem ter-se baseado em obser- vação concreta. “As pessoas de baixo padrão de vida”, disse êle, “que trabalham apenas para o pão de cada dia, se o podem obter com apenas três dias de trabalho por semana, muitas delas farão feriados dos outros três, ou fixarão seu próprio valor de trabalho”".*” E, se adotassem esta última alternativa, em geral gastariam suas economias em bebidas, o único luxo fâcil- mente disponível. A elevação geral do padrão de vida fêz com que ésse fenômeno, ou algo semelhante, reaparecesse na sociedade contemporânea, embora os cigarros, atualmente, de- sempenhem um papel mais importante do que a bebida. Não é tarefa fácil reviver o sentimento de obrigação pes- soal para com o trabalho numa nova forma da quai tal senti- mento esteja ligado ao status da cidadania. Tal tarefa não se torna mais fácil pelo simples fato de que a obrigação essencial não é ter um emprêgo e mantê-lo, uma vez que isso é relati- vamente simples condições de pleno emprêgo, mas dedicar- se de coração a um emprêgo e trabalhar bem. Pois o padrão 45 B, Mandeville, Tho Fable of the Bees, 8.º edição (1732), p. 213. “7 E. 5. Fumiss, The Position of the Laborer in a System of Nationalim, p. 125. | O a pelo qual se mede o trabalho efetivo é imensamente clástico. Um apêlo efetivo às obrigações da cidadania pode ser feita em tempos de emergência, mas o espírito de Dunquerque não se pode constituir numa característica permanente de qualquer civilização. Não obstante, os líderes sindicais têm tentado in- cutir êse sentimento de obrigação geral nos seus coman- dados. Numa conferência realizada em 18 de novembro do ano passado, o Sr. Tanner se referiu à “obrigação imperiosa de ambas as partes do processo industrial de contribuirem ao máximo para a reabilitação da economia nacional e recu- peração mundial"! Mas a comunidade nacional é ampla de- mais e muito remota para adotar êsse tipo de lealdade e fazer dela uma fôrça motivacional continua. Esta é a razão la qual muitos pensam que a solução do problema reside no lesenvolvimento de lcaldades mais limitadas para com a comu- nidade local e especialmente para com o grupo de trabalho. Nesta última forma, a cidadania industrial, estendendo suas obrigações até as unidades básicas da produção, poderia for- necer parte daquele vigor de que a cidadania em geral parece ressentir-se. Chego, finalmente, à segunda de minhas quatro questões originais que não foi, entretanto, tanto uma pergunta quanto uma afirmação. Assinalei que Marshall estipulou que as me- didas destinadas a elevar o nível geral de civilização dos tra- balhadores não devem interferir no livre funcionamento do mercado. Sc o fizessem, poderiam scr confundidas com socia- lismo. E afirmei que, ôbviamente, essa limitação à política tinha, desde então, sido abandonada. As medidas socialistas no sentido de Marshall têm sido aceitas por todos os partidos políticos. Isto me levou à observação de que v conflito entre medidas igualitárias c o mercado livre deve ser examinado no curso de qualquer tentativa de transportar a hipótese socio- lógica de Marshall para a épuca moderna. Analisei êste tema vasto sob vários aspectos, e no sumário conclusivo me limitarei a um aspecto do problema. A civili- zação unificada que torna as desigualdades sociais aceitáveis, e ameaça deixá-las sem função do ponto de vista econômico, + é alcançada por um divórcio progressivo entre as rendas real | e nominal. Isto está, evidentemente, explicito nos serviços sociais de maior monta, tais como saúde e educação, que , oferecem benefícios em espécie sem nenhum pagamento ad hoc. Nas bôlsas de estudo e assistência judiciária, os preços ajus- 14 The Ties. 19 de novembro de 1948, * 12 CIDADANIA, CLASSE SOCIAL E STATUS tados às rendas nominais mantêm a renda real relativamente constante, até onde esta é influenciada por tais necessidades particulares. A regulamentação de aluguéis combinada com à segurança da estabilidade alcança um resultado semelhante por meios diferentes. Assim, em graus variáveis, o fazem o racionamento, os subsídios para gêneros de primeira necessi- dade e o contrôle de preços. As vantagens obtidas por uma renda nominal maior não desaparecem, mas são limitadas a uma área restrita do consuma. Falei, há pouco, da hierarquia convencional da estrutura salarial. Aqui, dá-se importância a diferenças em rendas no- minais e se esperam salários mais elevados para auferir-se van- tagens reais e substanciais — como, é natural, ainda o fazem a despeito da tendência em prol da igualação das rendas reais. Mas à importância dos diferenciais de salário é, tenho certeza, parcialmente simbólica. Operam como rótulos atribuídos a status industriais, não apenas coma instrumentos de uma ge- nuína estratificação econômica. E vemos também indícios de que a aceitação dêsse sistema de desigualdade econômica por parte dos próprios trabalhadores — especialmente aquéles si- tuados na parte inferior da escala — é, algumas vezes, contra- balançada por reivindicações por uma maior igualdade com respeito àquelas formas de gôzo real que não são pagas com os salários. Os trabalhadores manuais podem aceitar como cesta e próprio que ganhem menos do que alguns níveis de trabalhadores de escritório, mas, ao mesmo tempo, os horistas podem pressionar pelos mesmos benefícios de que gozam os mensalistas porque êstes deviam refletir a igualdade funda- mental de todas os cidadãos e não as desigualdades de salários ou níveis ocupacionais. Se o gerente pode ter um dia livre para assistir a um jôgo de futebol, por que não o trabalhador? O gôzo comum é um direito comum. Estudos recentes das opiniões de adultos e menores veri- ficaram que, uando se caloca a questão em têrmos gerais, há um interêsse decrescente em ganhar muito dinheiro. Isto não é devido, segundo penso, apenas à pesada carga do impósto rogressivo, mas a uma crença implicita de que a sociedade Eevia garantir, e garantirá, todos os elementos essenciais de uma vida segura e decente em todos os níveis, sem consi- deração da quantia total percebida. Numa população de estu- dantes secundários examinada pelo Bristol Institute of Edu- cation, 86% queriam um emprêgo interessante com salário ra- zoável e apenas 9% desejavam um emprêgo no qual pudessem fazer muito dinheiro, E o quociente de inteligência média do segundo grupo era 18 pontos mais baixo de que o do pri-
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