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Coleção explorando o ensino -V 18 - ciências - ensino fundamental, Notas de estudo de Matemática

COLEÇÃO EXPLORANDO O ENSINO VOL 18 - CIÊNCIAS - ENSINO FUNDAMENTAL

Tipologia: Notas de estudo

2011

Compartilhado em 03/09/2011

elaine-christina-5
elaine-christina-5 🇧🇷

4.7

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Baixe Coleção explorando o ensino -V 18 - ciências - ensino fundamental e outras Notas de estudo em PDF para Matemática, somente na Docsity! COLEÇÃO EXPLORANDO O ENSINO CIÊNCIAS VOLUME 18 ENSINO FUNDAMENTAL COLEÇÃO EXPLORANDO O ENSINO Vol. 1 – Matemática Vol. 2 – Matemática Vol. 3 – Matemática Vol. 4 – Química Vol. 5 – Química Vol. 6 – Biologia Vol. 7 – Física Vol. 8 – Geografia Vol. 9 – Antártica Vol. 10 – O Brasil e o Meio Ambiente Antártico Vol. 11 – Astronomia Vol. 12 – Astronáutica Vol. 13 – Mudanças Climáticas Vol. 14 – Filosofia Vol. 15 – Sociologia Vol. 16 – Espanhol Vol. 17 – Matemática Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Centro de Informação e Biblioteca em Educação (CIBEC) Ciências : ensino fundamental / Coordenação Antônio Carlos Pavão .- Brasília : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010. 212 p. : il. (Coleção Explorando o Ensino ; v. 18) ISBN 978-85-7783-042-8 1.Ciências. 2. Ensino Fundamental. I. Pavão, Antônio Carlos (Coord.) II. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. III. Série. CDU 373.3:5 Sumário APRESENTAÇÃO ................................................................................................. 7 INTRODUÇÃO .....................................................................................................9 Antonio CArlos PAvão Capítulo 1 Palavras, textos & contextos ................................................................................11 Andre Ferrer P. MArtins Capítulo 2 Pelas ondas do saber ..........................................................................................25 MArsílvio GonçAlves PereirA Capítulo 3 O ensino de química nos anos iniciais ...............................................................43 roque MorAes e MAurivAn Güntzel rAMos Capítulo 4 O corpo da ciências, do ensino, do livro e do aluno ........................................... 61 AnA MAriA de oliveirA CunhA denise de FreitAs elenitA Pinheiro de queiroz silvA Capítulo 5 De corpo e alma: conversa ao pé do ouvido ....................................................... 77 MôniCA Meyer Capítulo 6 Vênus, brincadeira de roda e o fim do geocentrismo ........................................89 FernAndo J. dA PAixão Capítulo 7 Transformar a evolução .....................................................................................101 MAriA luizA GAstAl Capítulo 8 Invisíveis, hóspedes e bem-vindos: os microrganismos ..................................115 FrAnCisCo GorGonio dA nóbreGA nelMA reGinA seGnini bossolAn Capítulo 9 Conhecendo o céu no seu cotidiano ................................................................. 129 Adilson J. A. de oliveirA Capítulo 10 Química nos anos iniciais para integração do conhecimento ......................... 145 MAriA inês PetruCCi rosA nelson rui ribAs beJArAno Capítulo 11 Ensinar ciências através da história ................................................................. 159 FrAnCis Albert rené duPuis Antonio CArlos PAvão Capítulo 12 Saúde & cidadania ............................................................................................ 179 virGíniA torres sChAll Capítulo 13 Entendendo e demonstrando astronomia ....................................................... 197 João bAtistA GArCiA CAnAlle 7 C iê n ci as – V ol u m e 18 A Coleção Explorando o Ensino tem por objetivo apoiar o tra- balho do professor em sala de aula, oferecendo-lhe um material científico-pedagógico que contemple a fundamentação teórica e metodológica e proponha reflexões nas áreas de conhecimento das etapas de ensino da educação básica e, ainda, sugerir novas formas de abordar o conhecimento em sala de aula, contribuindo para a formação continuada e permanente do professor. Planejada em 2004, no âmbito da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação, a Coleção foi direcionada aos professores dos anos finais do ensino fundamental e ensino médio e encaminha- da às escolas públicas municipais, estaduais, federais e do Distrito Federal e às Secretarias de Estado da Educação. Entre 2004 e 2006 foram encaminhados volumes de Matemática, Química, Biologia, Física e Geografia: O Mar no Espaço Geográfico Brasileiro. Em 2009, foram cinco volumes – Antártica, O Brasil e o Meio Ambiente An- tártico, Astronomia, Astronáutica e Mudanças Climáticas. Agora, essa Coleção tem novo direcionamento. Sua abran- gência foi ampliada para toda a educação básica, privilegiando os professores dos anos iniciais do ensino fundamental com seis volumes – Língua Portuguesa, Literatura, Matemática, Ciências, Geografia e História – além da sequência ao atendimento a pro- fessores do Ensino Médio, com os volumes de Sociologia, Filosofia e Espanhol. Em cada volume, os autores tiveram a liberdade de apresentar a linha de pesquisa que vêm desenvolvendo, colocando seus comentários e opiniões. Apresentação C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 10 mais empolgante e dinâmica, explorando aquilo que já é natural nas crianças: o desejo de conhecer, de dialogar, de interagir em grupo e de experimentar. Este livro é bastante abrangente, analisando desde questões como as palavras e seus diferentes significados contextuais até assuntos mais específicos, como os de microorganismos e astronomia. Entretanto, todos eles incentivam o trabalho investigativo e experimental no ensino de ciências nas séries iniciais do ensino fundamental. Ele não precisa ser lido de forma sequencial, sendo até recomendável que o leitor escolha inicialmente aqueles capítulos que mais lhe interessam. Depois, certamente, vai querer ler todos os outros. Aproveitem! 11 C iê n ci as – V ol u m e 18 Capítulo 1 Palavras, Textos & Contextos André Ferrer P. Martins* Professora: esse calor que a senhora tá falando aí... é o calor mesmo, aquele que a gente sente? (aluna do 5º ano) Do que vamos falar? Pense nas palavras ambiente e espaço. De que modo você utiliza essas palavras em seu cotidiano? Em que tipo de contextos elas apa- recem? Que significados elas podem ter? Elas poderiam ser usadas como sinônimos? Pense, também, no uso dessas palavras por pessoas de diferentes profissões ou, até mesmo, de diferentes culturas. Que compreensões de ambiente são possíveis a partir dos olhares de um biólogo, um historiador ou um arquiteto? O que é espaço para um engenheiro, um taxista e um astronauta? Neste capítulo, falaremos das palavras e de seus diferentes sig- nificados contextuais, e de como isso é extremamente relevante ao processo de ensino-aprendizagem das Ciências. Iniciando a conversa... Uma preocupação central dos professores que trabalham com as Ciências da Natureza deve ser, sem dúvida alguma, o uso correto * Doutor em Educação. Professor do Departamento de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 12 e preciso da terminologia científica. Falamos, aqui, dos conceitos da ciência. Tais conceitos necessitam ser abordados – pelos professores em sala de aula e pelos livros didáticos – com correção. Isso pode en- volver dois tipos de problemas: em primeiro lugar, é preciso, muitas vezes, que sejam feitas aproximações para que determinados concei- tos possam ser trabalhados de acordo com o nível de escolaridade dos alunos, ou seja, eles não podem ser tratados (principalmente no Ensino Fundamental) no nível de profundidade característico do conhecimento científico formal. Em segundo lugar, é preciso estar atento aos diferentes significados que determinados conceitos possam ter em contextos diferentes, uma vez que muitos termos e expressões são utilizados na Ciência e também na linguagem do dia a dia, mas com conotações distintas. Neste breve capítulo, focalizaremos nossa atenção no segundo problema, mas teceremos algumas considerações sobre o primeiro. Não é à toa, portanto, que a Ficha de Avaliação do PNLD 2010 de Ciências contenha os seguintes itens de análise, que devem ser observados nas coleções didáticas: • Q1. São destacados termos que têm diferentes significados em diferentes contextos, tomando-se o cuidado de evitar confusões terminológicas? • Q2. Existe preocupação com significados de senso comum na construção de conceitos científicos? • Q3. É apresentada terminologia científica, fazendo uso, quando necessário, de aproximações adequadas, sem, no entanto, ferir o princípio da correção conceitual? Chamamos a atenção de você, leitor, para a importância destas questões! Comecemos pela discussão de Q1 e Q2, focos deste capítulo. Trabalhar os conceitos científicos com correção implica, entre outros aspectos, estar atento a essas possíveis confusões terminológicas e a significados de senso comum. A linguagem científica não é a linguagem cotidiana, e a percepção de que se trata de contextos diferenciados é de fundamental importância no processo (dialógico) de ensinar e aprender Ciências. 15 C iê n ci as – V ol u m e 18 comum, inclusive, é pensar o ser humano como o ápice da evolução (ou a espécie mais evoluída), em função de sua capacidade de inteligência, desenvolvimento da linguagem etc.1 Poderíamos continuar desfiando e analisando exemplos (e há ou- tros tantos!), mas, a essa altura, nossa intenção já deve estar clara: evi- denciar que, em geral, os conceitos da Ciência apresentam, na lingua- gem cotidiana, uma significação diversa daquela que se almeja que os alunos compreendam após as aulas de Ciências2. Quando o professor, em sala de aula, fala a palavra energia (ou calor, massa, evolução etc.), o que está efetivamente sendo compreendido pelos alunos? Em que me- dida os diferentes significados contextuais conseguem ser percebidos por eles? Que confusões terminológicas estão sujeitas a ocorrer? 1 Especificamente em relação aos equívocos com o conceito de evolução, ver o capítulo Transformar a evolução. 2 Diversos conceitos e seus significados no contexto da ciência são abordados ao longo deste livro: movimento (Vênus, brincadeira de roda e o fim do geocen- trismo), substância (O ensino de Química nos anos iniciais), corpo (De corpo e alma: conversa ao pé do ouvido e O corpo da ciência, do ensino, do livro e do aluno), micróbios (Invisíveis, hóspedes e bem-vindos), saúde (Saúde e cidada- nia), ambiente (Pelas ondas do saber), dia (O céu no seu cotidiano) e o já citado Transformar a evolução. Figura 1: Nem sempre professores e alunos “falam a mesma língua”! C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 16 Esperamos – até aqui – que o leitor tenha compreendido a di- mensão e a importância dessa discussão para o ensino-aprendizagem das Ciências Naturais em qualquer nível de ensino. Estamos falan- do da ponta de um iceberg, cuja exploração remeteria a problemas complexos da pesquisa em ensino de ciências, impossíveis de serem abordados apenas neste capítulo... Um exercício pode ser interessante neste momento: tome qual- quer um dos conceitos citados anteriormente e pesquise seu sig- nificado junto a diversas fontes (dicionários comuns, dicionários de filosofia, revistas e jornais, sítios de busca na internet). Você pode, ainda, investigar como pessoas de diversas idades, níveis de escolaridade e profissões compreendem esse conceito e que usos fazem dele no dia a dia. Pausa para um pouco de teoria... Nem sempre os conhecimentos cotidianos estão em desacordo com o conhecimento científico estabelecido. Um exemplo clássico é o caso do uso tradicional de ervas medicinais por determinados grupos sociais. Os princípios ativos envolvidos na cura de doenças são, em muitos casos (mas não em todos...!), também identificados e reconhecidos pela Medicina dita científica. Ainda que os paradigmas3 usados para analisar os fenômenos sejam diferentes, é possível que essas duas formas de conhecimento atuem, muitas vezes, de modo complementar e não contraditório. Boa parte dos saberes cotidianos funciona em condições especí- ficas e dão sustentação às ações diárias dos sujeitos em seu ambiente social. Daí, inclusive, a sua importância. Lopes (1999) procura dife- renciar, no âmbito dos conhecimentos cotidianos, o que denomina de saberes populares (característicos da produção de significados das cama- das populares da sociedade, e normalmente colocados à margem das instituições formais) e de conhecimento de senso comum (transclassista e detentor de certo grau de generalidade e universalidade). A autora considera que “o saber das classes populares com respeito às ervas medicinais, à construção de casas, à culinária, aos diferentes tipos 3 A palavra paradigma é usada aqui, simplificadamente, como sinônimo de visão de mundo. 17 C iê n ci as – V ol u m e 18 de artesanatos” (LOPES, 1999, p. 151), entre outros aspectos, podem ser considerados exemplos de saberes populares. Já o conhecimento de senso comum apontaria para a uniformidade e universalidade, possuindo relação estreita com o que a literatura da área de Didática das Ciências chama de “concepções alternativas” ou “conhecimentos prévios”4. Um exemplo de conhecimento dessa natureza seria a visão do calor como substância e seu uso como sinônimo de temperatura. Tal concepção pode ser encontrada entre sujeitos de diversos níveis sociais e de diferentes regiões do país e do mundo. O que é fundamental para nós é que tanto os saberes popu- lares quanto o conhecimento de senso comum, compreendidos no contexto dos conhecimentos cotidianos, encontram-se, na maioria das vezes, em desacordo com o conhecimento científico aceito. E é na escola que esse embate preferencialmente acontece: de um lado, o conhecimento da prática social efetiva do dia a dia; de outro, o conhecimento científico sistematizado. O aprendizado na escola é, em geral, marcado pela ideia de rup- tura, uma vez que não é na continuidade do conhecimento cotidiano que surge o conhecimento científico. Isso não vale apenas para as ciências da natureza, embora seja algo bastante característico dessas disciplinas. Diversos autores, de modos diferentes, chamam a aten- ção para esse fato. George Snyders, por exemplo, faz uma distinção entre a cultura primeira e a cultura elaborada. Embora haja relações entre elas, há também diferenças significativas do ponto de vista histórico e epistemológico5. Representam formas de conhecimento com diferentes propósitos e graus de generalidade, universalidade, coerência e formalismo. Nas palavras do autor: 4 Na literatura especializada, diferentes expressões surgem com referência às con- cepções que os sujeitos apresentam antes da instrução: pré-concepções, con- cepções erradas, ideias ingênuas, concepções espontâneas, sistema de crenças, mini-teorias, concepções alternativas, entre outros (SANTOS, 1998, p. 94). As diferentes designações relacionam-se a diferentes visões sobre a origem das con- cepções e o seu papel no processo de ensino-aprendizagem. Não discutiremos essas questões neste trabalho. 5 Epistemologia pode ser entendida aqui, de modo simplificado, como teoria do conhecimento. As diferenças epistemológicas seriam, portanto, relativas às di- ferentes formas como esses conhecimentos se estruturam, se organizam, esta- belecem seus critérios de validade etc. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 20 Não podemos aqui, no entanto, enveredar por essa via. Ao pensarmos no ensino de conceitos científicos, surge um novo problema (que nos remete àquela questão Q3 apresentada no início do capítulo): a dificuldade de o professor lidar, também, com os próprios conceitos da Ciência! Mesmo que ele esteja atento à ideia de ruptura entre o científico e o cotidiano, e saiba identificar concepções de senso co- mum, ainda assim terá o desafio de fazer aproximações adequadas do conhecimento científico ao nível de escolaridade dos alunos. O problema se agrava ao percebermos que as próprias definições de conceitos científicos são, muitas vezes, controversas. Em Ciência, é muitas vezes difícil definir um conceito. Certas definições são aproxi- mativas e, muitas vezes, não conseguem abarcar a complexidade do conceito. Outras vezes, a solução é recorrer a uma abstração muito elevada. E ainda há a questão de que, na própria Ciência, podem existir diversos níveis de modelos e teorias, que levem a definições contextuais diferenciadas (por exemplo, para os conceitos de massa na Mecânica Clássica a na Teoria da Relatividade). Aliás, nunca é demais frisar que a Ciência trabalha com modelos (representações do real), e os significados dos conceitos devem ser buscados no âmbito dos modelos que esses mesmos conceitos ajudam a estruturar. Voltemos, por exemplo, ao conceito de energia. Proporcionando e – ao mesmo tempo – sendo fruto de uma grande síntese na Ciên- cia, a energia é um conceito que se estrutura em meados do século XIX, num contexto histórico complexo, levando à aproximação, pri- meiramente, dos campos da Mecânica e da Termodinâmica. Uma definição possível, adotada em livros que falam da Mecânica (na Física), conceitua a energia como “a capacidade de realizar trabalho”. Essa definição pouco ajuda um professor do Ensino Fundamen- tal preocupado em abordar com seus alunos o conceito de energia (ainda mais porque trabalho, em Física, também não é o trabalho cotidiano!)6. Certamente mais útil, no nível fundamental de ensino, seja associar o que chamamos de energia a algo que se apresenta de diversas formas e que pode ser transformado (ou convertido) de uma forma em outra. Num ventilador, por exemplo, a energia elétrica é transformada em calor e em energia de movimento (ci- 6 Uma definição mais formal ainda remeteria a uma grandeza que permanece invariante quando consideramos o comportamento de uma função matemática especial diante da homogeneidade do tempo (!!!). 21 C iê n ci as – V ol u m e 18 nética) das pás, preferencialmente. Numa lâmpada incandescente, essa mesma energia elétrica transforma-se em calor e luz. Já num automóvel, a energia (potencial) química dos combustíveis gera calor e movimento, enquanto a energia (também química) da bateria gera energia elétrica que se transforma, entre outras coisas, em som (da buzina) e luz (dos faróis). Também é importante que o professor compreenda o significado do princípio de conservação da energia, segundo o qual a quantidade de energia de um sistema isolado não se altera, ainda que haja transformação de uma forma de energia em outra. É possível trabalhar uma noção simples de conservação com os alunos, por meio de exemplos como os abordados acima (ventiladores, chuveiros, lâmpadas, carros etc.). E evitar, é claro, visões substancialistas, ou seja, que associem a energia a uma subs- tância material. De modo semelhante podemos pensar no calor. A história da Ciência evidencia como foi difícil diferenciar o que hoje chamamos de calor e de temperatura, e livrarmo-nos de um conceito substancia- lista de calor (o calórico). A linguagem da própria Física ainda guarda resquícios disso ao referir-se, por exemplo, à capacidade térmica de um corpo, o que pode levar a uma ideia substancialista e atrapalhar uma compreensão adequada do conceito. O calor é normalmente defini- do como a energia trocada entre corpos a diferentes temperaturas, mas há quem reserve o termo calor ao processo de transferência de energia (mas não à energia em si). A temperatura é uma grandeza de estado, associada ao nível de agitação molecular (considerando duas barras metálicas de um mesmo material a temperaturas dife- rentes, a agitação molecular será maior na barra que estiver a uma maior temperatura). O calor é uma grandeza extensiva (que pode ser somada)7. Já a temperatura é uma grandeza intensiva (por exemplo, se você juntar dois copos com 100ml de água cada, ambos a 20oC, não terá 200ml de água a 40oC). O professor do Ensino Fundamental deve evitar misturar os conceitos de calor e temperatura, assim como evitar uma visão subs- tancialista. O calor pode ser tratado como uma forma de energia, e experimentos de mudança de fase (como a ebulição da água) con- 7 O calor necessário para elevar de 20ºC a 22ºC um bloco sólido de ferro, por exemplo, será igual ao calor necessário para levá-lo de 20ºC a 21ºC mais o calor necessário para levá-lo de 21ºC a 22ºC. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 22 tribuem para diferenciar os conceitos (já que, durante a mudança de fase, há fornecimento de calor sem que a temperatura se altere). Algo semelhante, nós temos para a massa: evitarmos a confusão com o peso (que é uma força) e trabalharmos a noção de que a massa se conserva em processos físicos e reações químicas já é um bom come- ço. Embora associar massa com quantidade de matéria não seja o mais adequado (o mais aceito é a utilização do conceito de mol), isso não pode ser considerado um pecado para o nível fundamental, represen- tando uma primeira aproximação ao conceito de massa. Mas o professor deve ter clareza de que, na Mecânica Clássica, a massa é vista como a constante de inércia de um corpo, aparecendo na famosa relação F = m.a (2ª Lei de Newton) e indicando a dificuldade de acelerar um corpo quando se aplica uma determinada força ao mesmo8. O que falamos para a energia, o calor e a massa vale para mui- tos outros conceitos. Concluindo Como conclusão geral – e óbvia, a essa altura! – podemos dizer que os professores precisam garantir a correção conceitual nas au- las de Ciências, tendo como pressuposto as diferenças contextuais existentes entre os conhecimentos científico e cotidiano. Para isso, devem estar atentos, no preparo das aulas e na leitura dos livros didáticos, a confusões terminológicas e concepções de senso comum, além de buscar aproximações adequadas do conhecimento científico ao nível de escolaridade dos estudantes. Acrescentemos, em forma de tópicos, alguns itens que merecem atenção do professor para trabalhar nessa direção: Procure conhecer as principais • concepções alternativas acerca dos conceitos científicos, percebendo como isso está presente 8 Há muitas questões teóricas complexas envolvendo a massa, um conceito que, à primeira vista, parece simples! Na própria mecânica temos a massa inercial e a massa gravitacional, mas que têm o mesmo valor. E existe ainda a noção relati- vística de massa... 9 Procure por: Caderno Brasileiro de Ensino de Física, Revista Brasileira de Ensino de Física, Ciência e Educação, Ciência e Ensino, Investigações em Ensino de Ciências, Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Alexandria, entre outros. Visite também o sítio da Abrapec (Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências). 25 C iê n ci as – V ol u m e 18 Capítulo 2 Pelas ondas do saber Conhecer, agir e transformar o ambiente Marsílvio Gonçalves Pereira* * Professor do Departamento de Metodologia da Educação da Universidade Fe- deral da Paraíba. És o mais bonito dos planetas Tão te maltratando por dinheiro Tu que és a nave nossa irmã (O Sal da Terra, Beto Guedes e Ronaldo Bastos). Há um descuido e um descaso na salvaguarda de nossa casa comum, o planeta terra. Solos são envenenados, ares são con- taminados, águas são poluídas, florestas são dizimadas, espé- cies de seres vivos são exterminadas; um manto de injustiça e de violência pesa sobre dois terços da humanidade. Um princípio de autodestruição está em ação, capaz de liquidar o sutil equilíbrio físico-químico e ecológico do planeta e devastar a biosfera, pondo assim em risco a continuidade do experimento da espécie Homo sapiens e demens. (BoFF, 1999, p. 20). o propósito deste texto é destacar alguns aspectos importan- tes em relação ao tratamento que o sistema de ensino faz sobre a Figura 2: Um novo olhar para a Terra C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 26 temática ambiental, e a partir daí refletir as suas implicações para o trabalho do professor. É intenção também apresentar alguns elementos de natureza teórico-metodológica, que possam contribuir com uma docência profissionalizante, reflexiva, crítica e transformadora que coloque os saberes diversos em articulação na perspectiva de formar em seus alunos conceitos, atitudes e valores para o exercício pleno de sua cidadania. De modo que possa valer o processo de formação da sensibilização, da consciência e da conscientização. Pois, [...] desenvolver a consciência dos atuais problemas dos cidadãos, em âmbito sistêmico, e buscar diferentes colabo- radores que ampliem os benefícios de uma compreensão do papel da ciência no mundo contemporâneo com uma visão interdisciplinar – e com preocupações éticas e cívicas – são tarefas que exigem envolvimento e ação (KRaSilcHicK; MaRanDino, 2007, p. 49). neste sentido, são tomados, como base dos livros didáticos de ciências para as séries iniciais do Ensino Fundamental, conhecimen- tos sistematizados acerca do tema, bem como atividades de forma- ção inicial e continuada de professores, que contemplam atividades acadêmicas de ensino, pesquisa e extensão, como aquelas registradas em Pereira e Guerra (2008). a intenção é que, a partir da leitura dos aspectos aqui considerados e de uma reflexão sobre eles, o professor possa (re)significar sua prática docente e assim contribuir com a profissionalização de seu trabalho docente. Profissionalização aqui entendida como “o desenvolvimento sistemático da profissão, funda- mentada na prática e na mobilização/atualização de conhecimentos especializados e no aperfeiçoamento das competências para a ativi- dade profissional” (RaMalHo; nUñEz; GaUTHiER, 2004) e que pode influenciar também sua tomada de decisão frente às demandas e necessidades do currículo de ciências e do cotidiano escolar. Como o tema meio ambiente é tratado nos livros didáticos e na escola? Na tentativa de responder à pergunta acima, são apresen- tados fatos que podem ser observados em livros didáticos e no cotidiano escolar, que têm gerado, por um lado, uma aproximação 27 C iê n ci as – V ol u m e 18 aos conhecimentos científicos atuais e por outro alguns equívocos conceituais e metodológicos. Tradicionalmente, no ensino de ci- ências, a abordagem de temas sobre o meio ambiente é realizada nas seções ou capítulos dos livros didáticos relacionados à Ecolo- gia. os livros, de modo geral, incentivam o aluno a desenvolver uma postura de conservação, uso e manejo correto do ambiente. isso é tão fortemente evidente que o eixo temático Vida e ambiente aparece especificamente na estrutura de muitos deles. Tópicos de conteúdos sobre meio ambiente são inseridos para serem tratados em todas as séries iniciais do Ensino Fundamental e, quando não aparecem especificamente, tais conteúdos aparecem difusos em outras unidades de estudo. Temas como cuidados com o ambiente, espécies em desaparecimento, tratando a água, recursos naturais, lixo e reciclagem, consumo de energia, estudando áreas verdes, parques na- cionais, nosso estilo de vida e nossa saúde, da combustão à poluição ilustram essa preocupação. Na organização dos capítulos dos livros didáticos, as in- formações veiculadas estão voltadas à defesa de um modelo de desenvolvimento sustentável, onde se destacam assuntos impor- tantes da atualidade associados a conhecimentos eminentemente biológicos/ecológicos. Neste contexto, diferentes concepções de meio ambiente são passadas aos professores e alunos pelos livros didáticos: às vezes, o meio ambiente é apresentado como sendo a natureza para ser apreciado, respeitado e preservado. Em alguns livros, é tido como um recurso para ser gerenciado. Em outros, o meio ambiente é apresentado com os seus problemas para se- rem resolvidos. Para outros tantos, o meio ambiente é um lugar para se viver, para se conhecer e aprender sobre o mesmo, para planejar ações e para cuidá-lo. Também, às vezes, no tratamento deste tema, existe o enfoque do projeto comunitário onde os ato- res sociais são envolvidos nas ações voltadas para a conservação e preservação ambiental. conforme o exposto acima, percebe-se que o termo (meio) am- biente assume diferentes configurações, tendo uma natureza polis- sêmica, conforme reforçado pela professora Mônica Meyer (UFMG), que apresenta neste livro um capítulo muito interessante referente ao tema corpo humano e que realça também a sua relação com o (meio) ambiente. Em entrevista ao Jornal Dimensão na Escola, ano i, nº 3, novembro/dezembro de 2007, a professora considera: C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 30 de Ciências, como rotineiramente muitas escolas fazem. Em nosso sistema de ensino atual, o tema meio ambiente é considerado trans- versal, devendo ser tratado de forma articulada entre as diversas áreas do conhecimento, de forma a impregnar toda a prática edu- cativa e, ao mesmo tempo, criar uma visão global e abrangente da questão ambiental (GUiMaRãES, 2000). É assim que você pensa? Esta transversalidade vem acontecendo na escola? Será que nossas ações declaradas como Educação Ambiental refletem a apropriação metacognitiva do conteúdo e da metodologia com que trabalhamos com os nossos alunos? o que ensinamos? Por quê? como? E para que ensinamos tais conteúdos sobre meio ambiente? Trabalhamos com a formação de conceitos científicos físicos/químicos/geológicos/ biológicos e/ou com práticas de Educação Ambiental quando trata- mos os temas ambientais? São questões interessantes para pensarmos como estamos agindo com nossos alunos e com o que ensinamos na disciplina de Ciências e que podem nos conscientizar e nos auxiliar numa tentativa de conhecermos a respeito de nosso trabalho e o que podemos fazer para melhorar. aqui, as estratégias metacognitivas, ou seja, aquelas que levam o professor a pensar sobre o seu próprio pensar, tornando-o consciente do que já sabe, do que ainda não sabe e do que, eventualmente, pode- rá vir a saber, tomam lugar de destaque. Pois é a partir de atividades ou apropriações metacognitivas que o professor passa a gerir o uso de seus processos de pensamento e a regulá-los de acordo com os objetivos cognitivos definidos para as aprendizagens científicas. Então, o conhecimento científico sobre temas ambientais vei- culado pelos livros didáticos de ciências pode se constituir em ferramenta indispensável ao planejamento e à ação voltada para atividades em Educação ambiental, mas nunca confundido com a mesma. Na maioria das vezes, os livros didáticos se voltam mais na exposição do conhecimento científico em sua dimensão biológica em detrimento de saberes mais amplos que explicam as relações homem- sociedade-natureza. Isto é reforçado por Freitas (2008, p. 239), que coloca esta perspectiva como um equívoco, decorrente de uma [...] forma apressada e pouco refletida de pensar, consi- derar a Educação ambiental como privilégio das aulas de ciências pelo fato de seus conteúdos estarem fortemente ligados às áreas de Ciências Naturais (Biologia, Física e 31 C iê n ci as – V ol u m e 18 Química) e orientar a sua implementação, no âmbito esco- lar, pelo desenvolvimento de práticas educativas isoladas ou pontuais relacionadas apenas às questões ambientais que estão colocadas na ordem do dia. Este aspecto é ainda ratificado por Tozoni-Reis (2003, p. 11) quando enfatiza que [...] a educação ambiental não se restringe ao ensino de eco- logia e ao ensino de ciências, e também não se caracteriza como um “doutrinamento” para modificar comportamentos ambientais predatórios. A autora apresenta, de modo sintético, uma definição para a educação ambiental, de modo a refletir o pensamento daqueles que têm uma concepção mais crítica de educação ambiental, ou seja, [...] a idéia de que ela é um processo de construção da relação humana com o ambiente onde os princípios da res- ponsabilidade, da autonomia, da democracia, entre outros, estejam sempre presentes. (Tozoni-REiS, 2003, p. 11) atualmente, isto é tão evidente e encontra reforços no pen- samento de Sato (2004, p. 23), quando afirma que tratar da ques- tão da educação em relação ao ambiente não se limita ao impacto mútuo entre ambas, nem mesmo em considerar simplesmente as modificações ambientais. A questão é bem mais complexa, exigindo inclusive o conhecimento das doutrinas filosóficas que implicam nas mudanças. isto pode servir também como um possível argumento para explicar por que as ações de Educação Ambiental na escola não vêm correspondendo aos fatos e às suas intenções declaradas. Pois as preocupações estão mais voltadas ao plano da mudança de comportamento (algo muito difícil e demorado de ocorrer), como produto das ações, do que aquelas voltadas para o desenvol- vimento de atitudes e valores, ou seja, a tomada de consciência e conscientização (estratégias metacognitivas de saberes). Os alunos e professores necessitam destas estratégias de apropriação de sa- beres científicos (referentes às diferentes áreas do conhecimento C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 32 humano), mas também de saberes populares, artísticos e culturais como legado social para poder conhecer, gostar, agir e transformar o ambiente em que vivem, de modo a atender às suas necessidades e as de sua comunidade. o professor andré Ferrer Pinto Martins apresenta, no capítulo anterior – Palavras, Textos & Contextos –, uma abordagem instigante e interessante sobre este conteúdo. nesta direção, vale a pena destacar os trabalhos do tipo estudo do meio, que proporcionam ao profes- sor trabalhar com seus alunos de modo a valorizar os elementos e aspectos locais do ambiente escolar, do entorno da escola; enfim, levar o aluno a conhecer/reconhecer melhor a comunidade em que vive e está inserido. outra modalidade didática interessante é a de trabalhar a per- cepção ambiental dos alunos: do ambiente escolar, do ambiente na- tural, da cidade, do bairro, da rua, da casa em que moram; do am- biente cultural, do ambiente rural, ou seja, daquilo que o rodeia, que faz parte de sua vida e através do qual se sente parte do todo. Para o desenvolvimento destas atividades de percepção am- biental, algumas estratégias são interessantes, como o desenvolvi- mento de oficinas de representação temática através de pinturas, desenhos, colagens. a produção textual também é uma modalidade interessante. outras estratégias são recomendadas, como a aplica- ção de questionário e de entrevistas reflexivas, onde as imagens individuais do ambiente local podem ser socializadas e refletidas quanto aos significados atribuídos por cada um dos atores sociais envolvidos no processo de ensino e aprendizagem e, assim, (re) construídos ou (re)significados. os projetos de ensino também são muito interessantes. Um tema bastante interessante e atual é a poluição sonora, que tem relação com qualidade do som e barulho. Hoje em dia, vivemos cercados por tecnologias geradoras de sons diversos. alguns agradáveis e outros desagradáveis. Pense em desenvolver algum projeto de en- sino voltado a trabalhar com seus alunos esse tema. leve-os para diferentes lugares e trabalhe com eles a percepção de sons diferen- tes, naturais e artificiais. Em algum momento, trabalhe a confecção de instrumentos alternativos e de brinquedos que produzam sons. Trabalhe com as crianças na elaboração de uma lista de sons agradá- veis e desagradáveis. Esses aparelhos usados pela criançada, como o MP3 player, produzem sons agradáveis ou desagradáveis? Quais 35 C iê n ci as – V ol u m e 18 podendo levar o aluno a perceber o meio ambiente apenas como um problema a ser resolvido. Se quisermos fazer com que nossos alunos sintam-se responsabi- lizados pela construção de uma sociedade justa e fraterna e por um ambiente dinamicamente equilibrado, onde se goze plenamente de boa qualidade ambiental e de vida, deveríamos ao menos estimulá- los e sensibilizá-los a ter uma relação com o meio ambiente, de modo a aproximá-los também dos elementos que explorem a beleza e a riqueza dos recursos naturais, bem como a dinâmica da vida em seu ciclo constante de renovação. acredito que a gente cuida daquilo que a gente conhece e ama. Por isso, a dimensão afetiva no campo das emoções deve ser aqui considerada, porque [...] ao compreendermos que a afetividade está na base de nossas ações, defendemos a importância de estarmos atentos aos sentimentos que nos foram estimulados em relação ao nosso lugar. Precisamos então estar vigilantes acerca dos sentimentos que foram outrora despertados em nós e presentemente vivenciados em relação ao ambiente, ao lugar do qual somos parte, desde a casa até o cosmos, nisso envolvendo bairro, cidade, país e planeta. o que nos levou a traçar uma cultura da destruição e da violência? (FERREiRa, 2009, p. 4). A autora chama a nossa atenção para a origem das ações e seus significados e para a ética da afetividade e da amorosidade no tratamento da temática ambiental, quando considera [...] necessário e urgente que olhemos não apenas para as ações, mas para o que está por trás de cada ação, os afetos que as originam, para que possamos trabalhar em uma mudança de valores, sentimentos e emoções, considerando a ética da afetividade e a amorosidade na educação (FER- REiRa, 2009, p. 4). isto nos pode auxiliar, por exemplo, na compreensão do fenô- meno da violência no espaço escolar: em relação ao patrimônio es- colar, aos colegas, aos professores, aos alunos, como se não existisse nenhum vínculo afetivo e amoroso do aluno com o espaço físico da C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 36 escola e com as pessoas que ali vivem e se relacionam. o ensino de ciências, no tratamento da temática ambiental, pode contribuir para que nossos alunos possam interpretar e (re)significar seus conhe- cimentos acerca da realidade socioambiental em que vivem, numa perspectiva da formação cidadã, libertadora e transformadora. o despertar da cidadania é um dos mais importantes momentos da vida de crianças, jovens e adultos. É quando a noção de direitos e deveres transcende meros interesses individuais para traduzir uma nova leitura e interpretação de mundo, que reflete a responsabilida- de de cada pessoa na construção de valores coletivos plenos, plurais e democráticos que assegurem o bem-estar humano e o respeito a todas as formas de vida em suas mais variadas manifestações. É quando se descobre o valor que cada um tem na construção de um mundo melhor para todos. Entre esses valores coletivos se consagra o direito que todos temos a um ambiente saudável e, igualmente, o dever ético, moral e político de preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Então, o ensino de ciências nas séries iniciais pode funcionar como uma espécie de catalisador no processo de formação de nossas crianças, devendo habilitá-las a perceberem a importância que tem o conhecimento científico, que pode estar a serviço delas e fazer com que elas conheçam o meio em que vivem, para poder amar, cuidar e melhorar cada vez mais; ou seja, com a educação, transformar-se para transformar. Construindo estratégias de ensino e aprendizagem: trilhando pelo saber e pelo aprender ao longo deste texto, em outros capítulos deste livro e em ou- tros livros (PEREiRa, 1993; lEvinE; GRaFTon, 1996; THEóPHilo; MaTa, 2001; KRaSilcHicK; MaRanDino, 2007), o professor vai encontrar sugestões de atividades de ensino e aprendizagem que po- dem ser exploradas na abordagem da temática ambiental nas séries iniciais do Ensino Fundamental, numa perspectiva de alfabetização científica em que o aluno aprenda Ciências na articulação com o seu dia a dia, percebendo, analisando, interpretando e transformando o seu mundo, a sua vida. Com essas sugestões espera-se que os professores possam, em sua dinâmica de trabalho, acrescentar, con- textualizar, adaptar, transformar, e construir suas próprias estratégias 37 C iê n ci as – V ol u m e 18 de ensino de modo a facilitar o seu trabalho docente e o processo de aprendizagem de seus alunos. Um tema interessante a ser trabalhado é a poluição do ar. o professor deve levar o aluno ao desenvolvimento de habilidades cognitivas, psicomotoras e afetivas, como, por exemplo, sugerir que os alunos identifiquem as fontes poluidoras de ar no ambiente em que vivem. Para motivar seus alunos à participação na atividade, o professor pode sugerir deles que ouçam e cantem a música Xote Ecológico de Luiz Gonzaga. Xote ecológico Luiz Gonzaga não posso respirar, não posso mais nadar. a terra tá morrendo, não dá mais pra plantar. Se planta não nasce se nasce não dá. até pinga da boa é difícil de encontrar. Cadê a flor que estava ali? Poluição comeu. E o peixe que é do mar? Poluição comeu. E o verde onde que está? Poluição comeu. nem o chico Mendes sobreviveu. a terra tá morrendo, não dá mais pra plantar. Se planta não nasce se nasce não dá. até pinga da boa é difícil de encontrar. Cadê a flor que estava ali? Poluição comeu. E o peixe que é do mar? Poluição comeu. E o verde onde que está? Poluição comeu. nem o chico Mendes sobreviveu. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 40 Meio ambiente, por que cuidar? Há uma grave crise civilizacional instalada, que pode ser tra- duzida pelas palavras de Boff (1999, p. 18): [...] o sintoma mais doloroso, já constatado há décadas por sérios analistas e pensadores contemporâneos, é um difuso mal-estar da civilização. Aparece sob o fenômeno do descuido, do descaso e do abandono, numa palavra, da falta de cuidado. Do século XX para cá, o homem tem acelerado o processo de alteração profunda e destruição do meio ambiente, ao ponto de per- ceber que a necessidade de salvar o planeta é um aspecto que está diretamente relacionado com a sobrevivência da espécie humana e de todos os organismos vivos. Daí a evidência da importância que tem o processo de ensino e aprendizagem em Ciências, voltado para uma compreensão pública da ciência, que lança mão do conheci- mento científico numa perspectiva do movimento ciência, tecnologia, sociedade e ambiente (cTSa). isto é constatado quando [...] a sua presença reiterada indica a importância da ciência e da tecnologia na nossa vida diária, nas decisões e nos caminhos que a sociedade pode tomar e na necessidade de uma análise cuidadosa e persistente do que é apresentado ao cidadão (KRaSilcHicK; MaRanDino, 2007, p. 21). neste sentido é que o tratamento de temas ambientais pode contribuir com a conscientização e sensibilização dos atores sociais frente aos problemas e às soluções que são produzidas no âmbito da ciência e Tecnologia. neste contexto, a escola tem um papel muito importante como um espaço que pode trazer para o centro da discussão questões ambientais importantes, como sustentabilidade ambiental e desenvolvimento sustentável, como cuidar de nossa água, do ar, da terra, dos seres vivos, de nossos alimentos, de nossa casa, de nosso corpo, de nossa comunidade e de nossa escola; enfim, do mundo em que vivemos. Finalizo este capítulo da mesma forma como o comecei, convi- dando o professor a refletir sobre o significado e a importância das palavras que Leonardo Boff (1999, p. 135) nos apresenta: 41 C iê n ci as – V ol u m e 18 o cuidado com a Terra representa o global. o cuidado com o próprio nicho ecológico representa o local. o ser humano tem os pés no chão (local) e a cabeça aberta para o infinito (global). O coração une chão e infinito, abismo e estrelas, local e global. a lógica do coração é a capacidade de encon- trar a justa medida e construir o equilíbrio dinâmico. Portanto, é tarefa fundamental do educador orientar as crian- ças de hoje a construírem significados, seguros e necessários, para que façam suas opções e consolidem seus valores, podendo fazer suas escolhas. Referências BoFF, l. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes, 1999. FREITAS, D. 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PEREiRa, a. B. Aprendendo ecologia através da educação ambiental. Porto alegre: Sagra DC Luzzatto, 1993. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 42 PEREiRa, M. G.; GUERRa, R. a. T. a temática ambiental na educação escolar: tecendo fios e vencendo desafios na construção de saberes e fazeres. In: PEREIRA, M. G.; aMoRiM, a. c. R. ensino de Biologia: fios e desafios na construção de saberes. João Pessoa: Editora da UFPB, 2008. p. 171-198. RaMalHo, Betania leite; nUñEz, isauro Beltrán; GaUTHiER, clermont. For- mar o Professor. Profissionalizar o Ensino. Perspectivas e Desafios. Porto alegre: Sulina, 2004. SaTo, M. educação Ambiental. São carlos: RiMa, 2004. THEóPHilo, i. M.; MaTa, M. F. ensino de ciências. Fortaleza: Brasil Tropical, 2001. (coleção para professores nas séries iniciais, v. 3). Tozoni-REiS, M. F. c. Pesquisa em Educação ambiental na Universidade: pro- dução de conhecimentos e ação educativa. in: TalaMoni, J. l. B.; SaMPaio, a. c. (org.). educação Ambiental: da prática pedagógica à cidadania. São Paulo: Escrituras, 2003. p. 9-19. 45 C iê n ci as – V ol u m e 18 de substância, possibilitando aos alunos irem apropriando-se desse conceito pela prática. A partir disso, a professora pode ir integrando os alunos na linguagem da Química, ainda que sem pre- tender chegar a explicações que ainda não conseguiriam compreender neste momen- to e sem a preocupação em ter que expressar definições e explicações teóricas mais complexas. Propomos, ao longo de atividades desse tipo, utilizar termos como substância cloreto de sódio ou sal de cozinha, substância sacarose ou açúcar, água, misturas, dissolver, entre outros. Desse modo, os alunos começam a utilizar conceitos da Química em suas falas, apropriando- se da cultura química, mesmo sem se darem conta disso. No terceiro, quarto ou quinto anos, atividades mais sofistica- das podem ser propostas, envolvendo outros materiais utilizados na cozinha. Pode-se, por exemplo, investigar a queima do gás para o cozimento dos alimentos, explorando e operando com o conceito de reação química, com destaque para os reagentes e produtos, sempre dentro do nível de compreensão dos alunos. Assim, os alunos apren- dem Química na medida em que aprendem a dominar a linguagem, em que esta se torna mais ampla e complexa, na interação com os outros, ampliando-se, consequentemente, a capacidade de compre- ender a realidade estudada: a inteligência. Num outro exemplo, um conjunto de atividades pode ser organizado em torno da substância água. Em uma atividade inicial simples, como a decantação d a á g u a d e u m a r r o i o o u rio, termos como substâncias, materiais, misturas podem ser trabalhados e utilizados nas discussões. A observação e a análise com os alunos do depósito que se forma no fundo de um copo, após certo tempo podem levar ao questionamento sobre a procedência da água Perguntando... Investigando... - Qual a quantidade de sal que é possível dissolver em um litro de água? E de açúcar? - Como recuperar o sal dissolvido? E o açúcar? - A soma dos volumes da água e do sal é igual ao seu volume antes de misturados? Observando a água... - Colete água de enxurrada ou de um arroio num copo e deixe parada de um dia para o outro. O que aconteceu? Por quê? - Colete água de enxurrada ou de um arroio e passe por um fil- tro de papel. O que aconteceu? Compare o resultado anterior. - A água ficou potável? - Como torná-la potável? C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 46 que sai da torneira. Inúmeras outras atividades envolvendo a água podem ser realizadas, inclusive, culminando com uma visita a uma estação de tratamento de água. Para que essas atividades tornem-se significativas, propomos que os alunos e professor falem e escrevam sobre o que ocorre, utilizando termos da linguagem da Química, familiarizando-se com o discurso químico. Nos exemplos apresentados, valoriza-se o movimento na tran- sição entre o nível macroscópico (o que se pode ver a olho nu) e o microscópico (o que não se consegue ver a olho nu); entre a prática (agir, fazer, experimentar, observar, vivenciar etc.) e a teoria (con- cluir, definir, explicar, falar sobre etc.); entre o simples (estabelecer relações simples com poucos elementos) e o complexo (estabelecer relações mais complexas com muitos elementos); entre o concreto (o que é percebido pelos sentidos) e o abstrato (o que é pensado, imaginado ou que opera unicamente com ideias). O fato de utilizar a palavra substância numa aproximação ao sentido que a Química atribui a esse conceito já é operação de abstração, de introdução às teorias da Química. Fazer algo implica lidar com o concreto; falar e escrever sobre o que foi feito implicam o abstrato. Transições necessárias para a aprendizagem Nesse movimento também pode ser inserida, gradualmente, a representação química, especialmente os nomes de substâncias, além de fórmulas e símbolos. Os alunos, antes de ingressarem na escola, pela participação em conversas ou pelo efeito das mídias, são capazes de associar a palavra água à fórmula H2O, compreendendo- as como modos diferentes de designar a mesma substância. Ao examinarem os extintores da escola podem observar a repre- sentação química CO2, associando-a ao gás carbônico. Ao discutirem o ar atmosférico podem associar o gás oxigênio com a representação O2. Ao realizar uma simples brincadeira com bolhas de sabão, pela adição de detergente neutro à água, a criança pode associá- la a uma das propriedades da água (de fazer espuma) e às propriedades dos gases exalados pela respiração do corpo humano, principalmente o gás carbônico. É também uma oportunidade de divertir-se enquanto aprende. Mais do que partir do contexto em que vivem os alunos, o ne- cessário para a aprendizagem significativa é partir das palavras que os alunos usam para expressar e representar esse contexto, isto é, as 47 C iê n ci as – V ol u m e 18 palavras que conhecem, que expressam os conceitos e no- ções construídos. O que pro- pomos é que problematizem o que já conseguem expressar e explicar. Desafiá-los a uti- lizarem palavras (conceitos) derivadas da Química, den- tro de contextos mais amplos da Ciência, é tarefa dos pro- fessores. Um conceito não se cons- trói numa única vez. Por isso, é preciso retomar os mesmos conceitos em diferentes mo- mentos, em diferentes pro- fundidades e complexidades ao longo dos anos. Na medida em que os alunos avançam em sua escolaridade, vão adicionando novos significados aos conceitos, den- tro do seu nível de compreensão. Por exemplo, o conceito de metal é aprendido pelas crianças, quando passam a manusear pregos, brin- quedos, moedas, colheres, garfos, facas, chaves, entre outros. Elas são capazes de falar sobre o brilho metálico (quando não são pintados), a sensação térmica (sensação de frio ou quente), o som característico (o tinir dos metais) e a sensação de ser pesado (denso). Também, desde cedo, ouvem falar de alumínio, ferro, cobre, chumbo, entre outros metais. Essas noções, que partem da vivência e do diálogo com adultos, são a base para a construção de novas compreensões cada vez mais complexas, com o auxílio dos professores. Propomos outro exemplo: atividades sobre o lixo, abordando os materiais e substâncias que o compõem, podem ser propostas ao longo do primeiro até o quinto ano. Inicialmente, podem ser identificados pelas crianças alguns materiais, como o vidro e o papel, podendo destacar algumas substâncias como metais e plásticos. Em anos mais avançados, como o quarto ou o quinto, podem ser propostas atividades sobre o conceito de reação ou transformação, na forma de exame e pesquisa da decomposição do lixo, por meio da organização e investigação de uma compostagem. O lixo é exemplo típico de objeto de estudo para trabalhar a Química nas Ciências nos anos iniciais. Observando “bolhas de sabão”... - Misturar detergente neutro de cozinha, água e glicerina na pro- porção 2:2:1. - Com arame, fazer uma argola de 5 a 10 cm de diâmetro. - Solicitar aos alunos que mer- gulhem a argola na mistura e so- prem suavemente. - Solicitar que observem para onde vão as bolhas, que tama- nho elas têm. Questionar sobre a sua forma e cor e o gás que elas contêm etc. Propor outros questio- namentos e pesquisas para com- preender a formação das “bolhas de sabão”. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 50 propõem atividades em torno do vidro, materiais plásticos, pilhas, papel, sabões e detergentes, além de muitos outros com os quais os alunos têm um contato diário. Conforme sugestão de Marcelino Júnior (2008), trabalhos de reciclagem de papel, com produção de papel artesanal ou diferentes artefatos a partir de suas fibras, pos- sibilitam a exploração de vários aspectos da Química. Um ensino do tipo proposto, seja de Ciências, seja de Química, cria espaços para a emergência de uma escola democrática. Pelo domínio da palavra se constrói o domínio do mundo. Apropriar-se de novas linguagens, seja da Ciência, seja da Química, exerce uma função socializadora, propiciando uma participação mais ampliada nas transformações sociais. Desse modo, o ensino de Ciências se integra à prática de uma cidadania responsável e crítica. Como ensinar Química nos anos iniciais? Ao integrarem-se numa prática pedagógica com as características descritas, os professores assumem-se mediadores das aprendizagens dos alunos em suas aulas, pois entendem que não aprendem a partir de definições e explicações dadas, mas na interação com os outros, pela diferença de conhecimentos entre diferentes interlocutores. Aceitam que se aprende pelo envolvimento em atividades de natureza prática, especialmente de experimentação e pesquisa, atividades que integram saberes de diferentes áreas do conhecimento e em que os alunos são desafiados a procurarem respostas a perguntas, preferencialmente, elaboradas por eles. Nesse processo, os professores, mais do que passar os conteúdos ou falar sobre os conteúdos, estarão mediando as aprendi- zagens dos alunos em suas permanentes reconstruções. Os significados e os conceitos são apropriados na medida em que os alunos operam com os discursos dos quais as palavras e os conceitos fazem parte. Os alunos somente conseguem compreender as explicações quando eles mesmos as formulam. Por isso, é impor- tante superar a ideia de dar aula, de passar os conteúdos aos alunos. É importante destacar que se aprende com os outros, a partir das diferenças de conhecimentos, os quais podem ser os autores de livros, os que se manifestam na Internet, as pessoas da comunidade ou da própria sala de aula. Quando interagimos com os outros, seja pela fala, seja pela leitura e escrita, podemos ampliar e tornar mais complexos os significados que associamos a determinados conceitos, a determinadas palavras. Entendemos que isso é aprender. 51 C iê n ci as – V ol u m e 18 Desse modo, o envolvimento em pesquisas é modo preferencial de operar com o conhecimento científico e de possibilitar a ampliação e complexificação do significado dos conceitos. Ter uma pergunta importante a responder, ir à procura de respostas, reunir informações para construir respostas a serem propostas para crítica e discussão constituem modos de aprendizagem na interação com os outros e de apropriação do discurso e da cultura da Ciência e da Química. Imaginemos uma pesquisa organizada em torno da pergunta: “O que de Ciências há no trabalho de uma cabeleireira?”. Se a professora pretender trabalhar alguns conceitos de Química a partir dessa pes- quisa, poderá mediar as atividades no sentido de serem focalizadas questões como: Que substâncias são utilizadas no trabalho da cabe- leireira? Que cuidados são necessários com as substâncias usadas? Que transformações ocorrem a partir das substâncias utilizadas? Nis- so, muito provavelmente, as pesquisas chegarão às substâncias água, álcool, acetona, água oxigenada, entre muitas outras. Provavelmente, também se lidará com misturas, soluções e concentrações. Nas pesquisas poderão ser interlocutoras as próprias cabeleireiras. Pode-se fazer lei- turas, consultar rótulos, receituários e informações que acompanham materiais utilizados nessa atividade profissional. Nesse trabalho, os alunos poderão aprender a utilizar novas palavras, adicionando sig- nificados derivados da Química e, com isso, aprenderão mais sobre fenômenos que ocorrem ao seu redor, ampliando seu entendimento de mundo no contexto em que vivem. O ensino por meio da pesquisa constitui modo de trabalho interdisciplinar amplamente sugerido para as atividades nos anos iniciais, pois, ao procurarem respostas a perguntas, os alunos esta- rão operando naturalmente com conceitos importantes das várias Ciências e da Química. Os conceitos de substância e de transformação, por exemplo, ao serem trabalhados também na perspectiva da Física, da Biologia e da Matemática possibilitam uma compreensão mais complexa dos mesmos. Um dos modos de organizar o ensino, sugerido nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) é por meio de projetos. Corres- pondendo a envolver os alunos em pesquisas, esses modos de trabalho podem ser incentivados desde os anos iniciais. Podem ser concebidos como atividades que iniciam com perguntas e terminam com possí- veis respostas, envolvendo intensamente os alunos ao longo de todo o processo. Constituem modo de transformar as atividades práticas, seguidamente propostas em livros didáticos como mero ativismo e C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 52 sem reflexão, em efetivas atividades de experimentação e pesquisa, nas quais os alunos atuam com autonomia a partir de seus interesses. No envolvimento em projetos, os alunos não apenas operam com con- ceitos, mas vivenciam gradativamente os modos de funcionamento da Ciência, adquirindo competências típicas da cultura científica. Figura 4: Como isto funciona? Ao envolverem-se, por exemplo, num projeto coletivo sobre o funcionamento do automóvel, muitas perguntas podem ser propostas pelos alunos: Como o carro anda? Como funciona o motor? Quais são os diferentes combustíveis que os carros utilizam? Em que consistem os gases expelidos pelo motor dos automóveis? Por que os automóveis contribuem para a poluição do ar? Sobre isso, geralmente, os alunos fazem essas perguntas de forma mais simples, na linguagem que do- minam. Cabe ao professor reelaborá-las com eles, o que já constitui aprendizagem para os alunos. A partir disso, as crianças se envolvem em pesquisas, tanto de consulta bibliográfica quanto de natureza em- pírica, consultando e entrevistando pessoas, na procura das respostas. Essas são comunicadas e discutidas coletivamente em classe, podendo, ainda, ser compartilhadas com a comunidade escolar. Pesquisas e projetos possibilitam aos professores a efetiva me- diação pedagógica. Por meio deles, os professores podem ensinar, 55 C iê n ci as – V ol u m e 18 leitura e escrita. Nos anos iniciais, particularmente, no escrever, incluem-se outros modos de representação de respostas às pergun- tas, como os desenhos, as dramatizações e as colagens, de acordo com as possibilidades dos alunos. Você pode, por exemplo, desafiar seus alunos a elaborarem perguntas que gostariam de responder sobre o ar atmosférico, a poluição, o tempo e o clima. A análise e classificação das perguntas formuladas mostram os limites de conhecimento dos alunos, já que ninguém elabora uma pergunta sobre algo que nada conhe- ce. O que está muito além do que o aluno conhece é impossível reconhecer como um problema seu, pois não tem nenhum sentido para ele (GARRET, 1995). A partir disso, podem ser escolhidas algumas perguntas para serem respondidas. Ao longo da pesquisa surgirão muitas oportu- nidades de falar, de ler e de escrever, criando-se possibilidades de ampliar os conhecimentos existentes, inclusive conteúdos relaciona- dos com a Química. Você pode, por exemplo, direcionar os trabalhos para que se inclua nas pesquisas a composição do ar, assim como algumas transformações (reações), nas quais as substâncias do ar se envolvem. O oxigênio do ar (O2) e a formação da ferrugem podem ser abordados desta forma, retomando os conceitos de substância e reação. O mesmo pode ocorrer em relação à queima das substâncias, na qual o oxigênio é necessário, o que está intimamente relacionado à própria respiração humana e de muitos outros animais. Pelo incentivo à fala e à escrita, os alunos são desafiados a manifestarem seus próprios pontos de vista sobre os mais diversos temas, o que promove a construção de competências argumentativas, por meio das quais aprendem a defender suas ideias e argumentos. Aprendem a negociar significados, incluindo cada vez mais em sua argumentação significados da Ciência, conforme sugerido por Tei- xeira (2004). Defende-se aqui ser isso uma prática de cidadania, com valorização da autoria e da autonomia dos sujeitos envolvidos. Quando em sala de aula de Ciências se valoriza a linguagem e a argumentação, estão sendo criados espaços e condições para que os alunos mergulhem no discurso da Ciência e da Química. Aprender Ciências e Química é tornar-se capaz de interagir grada- tivamente com os cientistas e com os químicos. É saber utilizar de modo apropriado as palavras do discurso científico no dia a dia, saber movimentar-se de forma crítica no discurso da Ciência e da Química (MORAES; RAMOS; GALIAZZI, 2007). C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 56 Quando os alunos investigam, por exemplo, o serviço dos bom- beiros, falando, lendo e escrevendo sobre ele, estão mergulhando no discurso da Ciência e da Química. Quando pesquisam, procurando respostas a perguntas como “Como a água apaga o fogo? O que são extintores? O que são materiais combustíveis? Qual o papel do oxigênio na combustão?”, estão envolvendo-se com o discurso da Química, aprendendo novas palavras e ampliando significados para as palavras que já conseguem utilizar. É desse modo que se apropriam do discurso da Química. Assim, incluir o ensino da Química nos anos iniciais do Ensino Fundamental é possibilitar aos alunos irem se apropriando de uma nova cultura, a cultura científica, a cultura da Química. Reconstruir significados para palavras cotidianas sob a perspectiva da cultura química é possibilitar aos alunos a leitura do mundo de novas pers- pectivas, ampliando desta forma o mundo em que vivem (MORAES, 1998). Quando isso é feito em torno de problemas relevantes para os alunos e para os contextos em que vivem, as aprendizagens de Ciências e de Química tornam-se práticas de cidadania, com forma- ção de sujeitos mais participativos e críticos. Quais as implicações desses pressupostos para o uso dos livros didáticos de Ciências nos anos iniciais? Pelo exposto até aqui, você deve estar se perguntando sobre o que fazer com o livro didático. Quais as limitações que os livros didáticos apresentam para o ensino e a aprendizagem, na perspec- tiva dos pressupostos apresentados neste texto? Como superar tais limitações? Como usar o livro didático de Ciências, contemplando esses pressupostos? Uma das limitações mais evidentes relaciona-se aos questio- namentos presentes nos livros. Em geral, há poucas perguntas no início das unidades e tratam muito mais de questionamentos que os professores fazem e sobre o que conhecem do que o que os alunos gostariam de fazer e de conhecer. Na perspectiva defendida neste texto, a ação de perguntar precede as demais atividades realizadas pelos alunos. Isso provoca a reflexão sobre a curiosidade e sobre a ação de espantar-se diante do mundo. Toda criança é capaz de espantar-se diante da atividade das formigas, do voo das aves ou de um avião, dos movimentos de uma minhoca, do comportamento da água líquida e do gelo, do fogo no queimador de um fogão. Certa 57 C iê n ci as – V ol u m e 18 Figura 6: Por quê? vez, numa aula, um aluno perguntou: “A água que os dinossauros bebiam é a mesma que bebemos hoje?”. Quanta Química, quanta Física, quanta Biologia tem nessa pergunta. Os livros didáticos res- pondem a perguntas como essa? Você está disponível para ouvir os alunos ou ler as suas perguntas? Por isso, como afirmam Freire e Faundez (1985), a educação tem sido uma educação muito mais de respostas do que uma educação de perguntas, que é a “única educação criativa e apta a estimular a capacidade humana de assombrar-se, de responder ao seu assombro e resolver seus verdadeiros problemas essenciais, existenciais. E o próprio conhecimento.” (FREIRE; FAUNDEZ, 1985, p. 51). “Perguntar é um convite à aventura, a uma viagem de desco- brimento.” (ARNTZ, 2007, p. 3). Além de ter o significado de partir para uma nova aventura, perguntar abre a porta para o caos, para o desconhecido e para o imprevisível. “No momento em que fazemos uma pergunta cuja resposta desconhecemos, despertamos para todas as possibilidades.” (ARNTZ, 2007, p. 3). Quando lemos um livro, essa leitura é muito mais agradável, estimulante e produtiva se temos perguntas, se temos dúvidas, C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 60 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: apresentação dos temas transversais, ética. Brasília, DF: MEC/SEF, 1997. FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. ______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 36. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GARRET, R. M. Resolver problemas en la enseñanza de las Ciencias. Alambique. Didáctica de las ciências experimentales, n. 5, p. 6-15, 1995. LEMKE, JAY L. Aprender a hablar ciencia. Barcelona: Paidós, 1997. LEVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. São Paulo: Editora 34, 2004. MARCELINO JÚNIOR. C. A. C. Abordagem química no ensino fundamental de Ciências. In: PAVÃO, A. C.; FREITAS, D. Quanta Ciência há no Ensino de Ciên- cias. São Carlos: EdUFSCar, 2008. p. 141-147. MATTA, M. H. R. Química, ciências naturais e interdisciplinaridade no ensino fundamental. In: PAVÃO, A. C.; FREITAS, D. Quanta Ciência há no Ensino de Ciências. 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Introdução No texto O corpo, a aula, a disciplina, a Ciência, Milton José de Almeida retrata, de forma exemplar, o que acontece muitas vezes nas situações em que nos propomos a ensinar sobre o corpo humano na Educação Básica: [...] numa sala de aula, usando uma dessas reproduções do corpo humano onde se vêem artérias, veias, vasos, etc., o professor explica a algumas pessoas que às vezes con- versam, prestam atenção, comem chocolate, viram para trás, falam alto, pedem para sair, chutam a da frente... o professor explica... a circulação do sangue. No esquema, a visão é fria, científica. Num corpo estático, o sangue é uma linha de tinta fixa. O professor diz que ele circula e, no entanto está tão parado... e os alunos tão agitados... na lousa a vida é um homem – circulação parada... na sala, os Capítulo 4 O corpo da ciência, do ensino, do livro e do aluno Ana Maria de Oliveira Cunha* Denise de Freitas** Elenita Pinheiro de Queiroz Silva*** * Universidade Federal de Uberlândia. ** Doutora em Educação. Universidade Federal de S.ão Carlos. *** Doutora em Educação. Universidade Federal de Uberlândia. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 62 alunos são homens... sangue e corpo fluem... agitam seus desejos, ódios, vontades, políticas. O professor quer que os alunos prestem atenção ao corpo parado, o professor exige para o entendimento do corpo no desenho exposto que as pessoas tenham a mesma atitude do desenho, paralisem- se numa pose gráfica, escutem palavras lineares. Enfim, a pretensão científica, o conhecimento-pedra da produção exige disciplina. A visão da Ciência pede identificação com a verdade proposta. As pessoas em aula devem realizar com seus corpos a metáfora do gráfico. (ALMEIDA, 1985). O modo como o corpo está apresentado no livro didático segue o mesmo modelo. É um corpo estático dividido, sem emoções, com o qual o aluno não se identifica. O corpo, verdade total, é separado em suas partes. A vida não é... a vida dá lugar às funções. Você não existe. Você é um corpo que funciona. Tática antiga, dividir para dominar. Cada parte do corpo assume a função do todo. A pessoa é composta de aparelhos, sistemas. Blocos fechados. Quando você beija alguém, você toca uma parte do aparelho digestivo?... bem, mas... não se beija em sala de aula... então eu posso falar de lábios, saliva, degustação, lín- gua, ácidos, papilas... amores literários... sem emoção... cien- tificamente... O aluno não tem corpo, ele tem cabeça, tronco e membros, tem o sistema digestório... (ALMEIDA, 1985). Na sala de aula, nem alunos nem professores se reconhecem nesse corpo frio, parado e dividido em partes, como o apresentado nas imagens do livro didático e fracionado ainda mais nos esquemas reproduzidos na lousa. Mas, que corpo é este? Alguns diriam que é o corpo da Biologia, uma vez que no contexto escolar está sempre representado em dicotomia à sua dimensão cultural. Entretanto nos- so corpo não existe sem a herança biológica e cultural. Na escola, a forma como o corpo humano é ensinado mantém correlação com o seu entendimento na história da Ciência e da Filosofia. Desde Platão até Marx, passando por Descartes, Merleau-Ponty, Freud, Foucault, definir corpo tem sido uma tarefa bastante complexa. De Descartes tem-se a herança da concepção de um corpo máquina, uma mecânica 65 C iê n ci as – V ol u m e 18 paixão pelo garoto ou pela garota do 5º ano. Este coração do livro de Ciências é frio, é estático, apesar de todo esforço que fazemos para dizer que ele pulsa! O coração é um órgão que, mesmo estando na parte de dentro do corpo (a Ciência criou o dentro e o fora), ele pode ser sentido, perce- bido com o tato, com a audição. Ele é irreverente à nossa vontade e governa o corpo com seu ritmo. Mas o coração também assume lugar privilegiado nos contextos sociais e culturais. O coração em nossas sociedades é lugar próprio do afetivo-emocional, do movimento da vida, da esperança, do amor e da afeição pela outra pessoa. No entanto, o coração das Ciências não apresenta essa coexistência dos diferentes governos, do organismo e da pessoa. Em uma conversa com um grupo de alunos sobre corpo1, um deles afirma: “o corpo ensinado na escola desconsidera a pessoa que habita nele” (SILVA, 2009). Outra perspectiva Algumas coleções de livro didático exploram mais, outras me- nos, sobre o corpo humano. Umas, de forma mais descritiva; outras, de forma mais instigadora e interativa. De maneira geral, trabalham das partes para o todo: célula, tecidos, órgãos, sistemas e organismo. Do 2º ao 5º ano, respeitando-se o pensamento sincrético da criança que se apercebe do todo mais que das suas partes, o melhor seria inverter esta ordem, partindo do todo, o organismo, para as partes e chegando, ao final, à ideia de célula. A apresentação do corpo humano de forma fragmentada, como é feita na maioria dos livros, não significa que devemos trabalhar desta forma. A fragmentação leva à dificuldade de compreensão para o aluno. O livro de Ciências faz esta divisão para efeito didático, mas ao ensinarmos esse assunto não podemos deixar o nosso alu- no perder de vista que o corpo é um todo, formado por partes que trabalham sincronicamente, ou seja, em conjunto. Não se justifica trabalhar alguns sistemas em um ano sem relação nenhuma com o organismo de que faz parte. 1 Essa conversa se deu entre um grupo de alunos de escola pública da rede estadual de Uberlândia e a professora Elenita Pinheiro de Queiroz Silva, como parte de atividade de sua pesquisa de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 66 Ao ensinar sobre o corpo humano, nossa principal preocupação deve ser como tratar o corpo como um todo, propondo atividades isoladas? Nossa sugestão é que podemos nos deter em um dos sis- temas – em determinada aula, por exemplo, o digestório –, mas é importante lembrarmos que este sistema está inserido no organismo, recordando aos alunos o processo todo, que contempla desde a in- gestão dos alimentos, o processo da digestão na boca, o trajeto pela faringe, esôfago, estômago, intestino, onde o processo digestivo se completa. Deixar claro que a digestão tem uma parte mecânica, a tritu- ração, que na boca é feita via mastigação, e uma parte química, que já começa na boca, continua no estômago e intestino, incluindo a trans- formação das substâncias por ação das enzimas digestivas2. Algumas dessas enzimas são produzidas nas glândulas salivares, no pâncreas, no fígado e lançadas no tubo digestivo, e outras são produzidas no estômago e nos intestinos. Desta forma, as substâncias ingeridas na alimentação (proteínas, açúcares, gorduras) no processo digestivo são transformadas por ação mecânica (mastigação) e química (ação de enzimas digestivas) em substâncias formadas de moléculas menores (aminoácidos, glicose, frutose, galactose, ácidos graxos, glicerol). No intestino delgado, as substâncias são absorvidas e levadas pela circu- lação até as células, onde vão ser aproveitadas e, neste processo de aproveitamento, formam-se substâncias tóxicas e desnecessárias ao organismo, que serão eliminadas pelo sistema urinário, respiratório e pele (glândulas sudoríparas). Por exemplo, o oxigênio obtido do ar inspirado é levado até os pulmões e, desses, transportado pelo sangue até as células, onde vai reagir com a glicose, produzindo energia que as células utilizam para promover suas funções. A reação na célula entre a glicose e o oxigênio resulta em energia, que a célula utiliza para as suas funções, e gás carbônico, que é recolhido pelo sangue e levado até os pulmões para ser eliminado pela expiração. No intestino delgado, são absorvidos os aminoácidos, produto final da digestão das proteínas, que são transportados pelo sangue até as células onde vão participar da formação de proteínas ne- cessárias ao corpo ou são armazenadas. Como produtos finais do aproveitamento dos aminoácidos na célula, formam-se substâncias 2 Substâncias químicas que interagem com os alimentos ingeridos, transformando- os em nutrientes que podem ser absorvidos principalmente pelas células da parede do intestino delgado e que são levados pelo sangue até as células do corpo. São produzidas em alguns órgãos, como o pâncreas, as glândulas salivares, o estômago e os intestinos. São específicas para cada tipo de alimento. 67 C iê n ci as – V ol u m e 18 como a amônia, resíduo altamente tóxico que será coletado em nível celular e transportado pela circulação sanguínea até o fígado, onde reage com outras substâncias, formando a ureia, que é retirada do sangue pelos rins, órgão do sistema urinário, e, juntamente com a água, o ácido úrico e outras substâncias são transportados pelos dois ureteres, tubos que possuem paredes musculares, para a bexiga, sendo eliminados na forma de urina. Parte da ureia e do ácido úrico é eliminada na forma de suor pelas glândulas sudoríparas, presentes na pele. Algumas substâncias, como a água, os sais minerais e as vitaminas, não sofrem transformação e são absorvidas no intestino grosso, porção final do tubo digestivo. Os materiais restantes, após a digestão e absorção dos alimentos digeridos, juntamente com água e bactérias, vão constituir matéria fecal, que, armazenada na parte final do intestino grosso, vai ser expelida na forma de fezes, pelo ânus, orifício na extremidade ter- minal do intestino. Devemos, em nossas aulas, tratar o corpo humano como um organismo que funciona como um todo integrado. Vimos que a digestão, a circulação, a respiração e a excreção, que constituem as funções de nutrição, acontecem de forma sincrônica e não de forma independente. Todas essas funções são coordenadas pelo sistema nervoso, auxiliado pelo sistema hormonal. Todos os órgãos são su- pridos por artérias e veias do sistema circulatório e por nervos que, juntamente com o cérebro, cerebelo e medula, compõem o sistema nervoso, o qual coordena todas as atividades do corpo. Os nutrientes absorvidos após a digestão são necessários às diferentes funções do organismo, como o crescimento, a reprodução e a locomoção. Para a locomoção e os movimentos, o sistema muscular e o ósseo agem de forma sincronizada. Os ossos, que, dentre as suas funções, garantem a sustentação do corpo, a proteção dos órgãos vitais (como o coração, pulmão e encéfalo), a produção de células sanguíneas e reserva de cálcio, são também os órgãos passivos da locomoção e dos movimentos. Os músculos, órgãos ativos da locomoção e movimentos, também não funcionam de forma independente. Eles têm nervos que reagem ao comando do sistema nervoso e, para as suas funções, necessitam das substâncias ingeridas pela alimentação e transformadas pelo sistema digestório, bem como do oxigênio extraído do ar pelos pulmões e levado até eles pela circulação sanguínea. Quaisquer movimentos do corpo, como respirar ou andar, ou movimentos mais ativos, como correr ou dançar, envolvem todos os sistemas do nosso organismo. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 70 tantas sugestões, um ensino ativo e divertido sobre a estrutura e funcionamento do nosso corpo.3 Para o ensino sobre o corpo humano, a ut i l ização de brincadeiras, jogos corporais, desenhos, dramatizações, construção de textos e até mesmo a utilização de materiais mais desenvolvidos, como softwares, podem facilitar o desenvolvimento e uma melhor assimilação da anatomia, fisiologia e bem-estar corporal. Seria desejável que desenvolvêssemos a capacidade de ilustrar nossas explicações no quadro de giz, com alguns esquemas que podem ser facilmente treinados, pois, muitas vezes, não contamos com recursos de multimídia para fazê-lo. Não podemos perder de vista o que a criança precisa saber e, sobretudo, o que ela quer saber sobre o corpo humano, para organizarmos as situações de aprendizagem. Ao selecionarmos o que ela precisa saber, temos que ter em mente que muitas delas têm na escola a única possibilidade de se apropriar dos conhecimentos científicos universalmente produzidos, e que essa apropriação é um poderoso instrumento de conscientização política, social e cultural. Essa afirmação torna-se ainda mais verdadeira, no que diz respeito às crianças das classes menos favorecidas, alijadas do mundo da informação, possibilitado pela internet, ao qual têm acesso restrito (CUNHA; CICILLINI, 1986). As atividades devem ser pensadas a partir das questões para as quais os alunos querem respostas, e não somente em torno das perguntas e respostas encontradas no livro didático. As aulas devem ser fomentadas pela discussão em torno de curiosidades cotidianas tais como: Por que arrotamos? Por que soluçamos? Por que soltamos gases? Por que bocejamos? Por que sentimos fome? Por que sentimos sono? Por que sentimos frio ou calor? Por que suamos? E outras que vão surgindo conforme o tratamento dos tópicos. No caso da nutrição humana, é usual focalizar o estudo ape- nas na identificação dos órgãos que compõem o sistema diges- tório e no trajeto que as substâncias percorrem no interior do 3 A importância de promovermos um ensino lúdico é ressaltada no artigo De corpo e alma: conversa ao pé do ouvido, de Mônica Meyer, nesta coleção. 71 C iê n ci as – V ol u m e 18 organismo. O processo de ingestão, transformação e absorção ce- lular e de elaboração de nutrientes (síntese proteica) nem sequer é mencionado. Os mecanismos metabólicos da digestão, respira- ção e circulação são trabalhados de forma estanque e disciplinar. Com a difusão do paradigma construtivista de ensino, e em decorrência do movimento das pesquisas na área de Educação em Ciências, a partir da década de 1980, pondo em evidência as con- cepções prévias dos alunos acerca dos conceitos científicos, tornou- se amplamente divulgado pelas políticas públicas de currículo e materiais didáticos a importância de se considerar essas concepções na aprendizagem escolar. Desta forma, tem sido colocado como de- safio para o professor de Ciências não somente saber como realizar um levantamento daquilo que o aluno já sabe, ou seja, suas ideias prévias4, mas também como trabalhar a partir do conhecimento que os alunos trazem para a escola. Nas séries iniciais, para o levantamento das concepções dos alunos, acerca da digestão e respiração, podemos adotar uma ati- vidade muito simples, qual seja: Oferecer aos alunos um pedaço de pão e ir instigando com per-• guntas sobre o trajeto desse alimento no corpo. Uma variação da mesma atividade é pedir para os alunos dese-• nharem a silhueta do seu corpo em papel pardo com a ajuda de um colega. Dar um pedaço de pão e um copo de água para os alunos comerem e beberem e depois solicitar que eles descrevam o trajeto desses alimentos no interior do corpo, instigados por perguntas como: onde o alimento sólido e líquido está agora? De que forma ele está? O que vai acontecer com ele daqui a duas e daqui a quatro horas? Explorar, da mesma forma, o caminho do ar pelo corpo. • Normalmente, as ideias dos alunos seguem um raciocínio muito parecido. É comum, por exemplo, elas interpretarem que o alimen- to sólido se transforma em fezes e o alimento líquido em urina e que, no interior do organismo, essas substâncias se separam quando chegam ao estômago. Quando perguntamos aos alunos qual é a palavra que vem à mente quando se fala em digestão, a análise das respostas permite traçar a seguinte configuração: 4 Na literatura aparecem várias denominações para definir estas representações tais como: concepções errôneas, ideias prévias, concepções alternativas, concepções espontâneas etc., apresentando entre elas certas distinções conceptuais. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 72 O principal órgão associado à digestão é o estômago, seguido • pelos intestinos, o esôfago, o fígado etc. O pâncreas e o ânus nunca são citados. Os verbos comumente utilizados pelas crianças são: engolir, con-• sumir, mastigar, eliminar, esperar, assimilar etc. Usam como sinônimo de digestão as palavras: transformação, dis-• solução, desaparecimento, eliminação, decomposição etc. A questão de nutrição humana não é somente uma questão biológica. Para compreender sobre os problemas físicos e mentais Figuras 8, 9, 10 e 11: Representações das ideias dos alunos a respeito do corpo humano 75 C iê n ci as – V ol u m e 18 Exploração e conhecimento do mundo – O uso dos sentidos pode • ser explorado em várias atividades, como, por exemplo, a ligação entre o olfato e o paladar. Construção de um pulmão com garrafa pet – Essa montagem • permite principalmente mostrar o papel do diafragma na respi- ração. O professor deve estar atento às limitações da utilização de modelos no ensino. Podemos fazer uso dos paradidáticos para enriquecer nossas aulas de Ciências. Sobre o corpo humano, existem inúmeras propostas nas diversas coleções, as quais também podem ser buscadas na internet. O professor pode ainda organizar na sua es- cola um banco de recursos de multimídia. Como uma sugestão, indicamos: A Aventura do Corpo Humano – CD-ROM – À descoberta de si mesmo. Porto Editora. ISBN: 978-972-0-61315-8. Este material é aconselhado para a faixa etária dos 6 aos 12 anos. Considerações finais Atuando nos primeiros anos do Ensino Fundamental, somos do- centes polivalentes, responsáveis por ministrar várias disciplinas, às vezes, todas do ano que lecionamos. Tivemos nossa formação inicial em instituições de ensino médio ou em instituições de ensino superior onde cursamos Pedagogia ou Curso Normal Superior. Fizemos bons cursos, mas pouco estudamos sobre Biologia, Química, Astronomia, Geologia e Física. É natural que tenhamos dificuldades em ministrar o conteúdo de Ciências, mas, de maneira geral, estudar sobre o corpo humano muito nos agrada e aos nossos alunos também. O livro didático, bem estruturado, sana em parte esta lacuna em nossa formação, ao apresentar, no manual do professor, um bom embasamento nos conteúdos específicos e pedagógicos, mas que não são ainda suficientes para sanar as deficiências de nossa forma- ção inicial. Esse material, produzido cada vez com mais cuidado, ajuda-nos no preparo das aulas, mas, paralelamente à sua correta exploração, frequentar cursos de qualificação, aperfeiçoamento e atualização torna-se imprescindível, pois a quantidade de novas informações produzidas é muito grande, tanto no campo científico como tecnológico e pedagógico. A consulta a várias coleções, mesmo que tenhamos optado por uma delas, é essencial para o preparo de nossas aulas, como tam- bém é necessário termos em mente que ensinamos sobre corpo para C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 76 corpos e almas, vivos e vibrantes, e que somos corpos ensinantes, lecionando para corpos aprendizes. Nosso discurso, ao longo deste texto, passou pela defesa da aprendizagem como processo ativo, da importância da contextuali- zação, da vinculação ao cotidiano, da valorização dos conhecimentos prévios do aluno, de se levar em conta as questões ligadas à diversida- de cultural, da abordagem Ciência-Tecnologia-Sociedade, da atualiza- ção de conhecimentos pelo professor (FREITAS, 2008). Especialmente, insistiu na importância de abordar o corpo como um organismo e não como uma máquina perfeita constituída de partes que funcionam de forma independente. Reforçamos, ao longo do texto, que devemos ter sempre em mente que o corpo do livro é o corpo do aluno. Tratamos, no artigo, do corpo biológico, mas não podemos es- quecer que esse mesmo corpo é um corpo produtor de cultura, um corpo que interage com o ambiente, com outros corpos humanos e com outros corpos animais. Se quisermos mostrar, em nossa aula, o que tem a ver o corpo humano, a qualidade de vida, a saúde, o lazer, a felicidade, o respeito à natureza, a cultura, não podemos resumir nosso ensino a noções apresentadas numa lousa fria. Referências ALMEIDA, Milton. José. O corpo, a aula, a disciplina, a Ciência. Educação e So- ciedade, n. 21, 1985. CUNHA, Ana Maria de Oliveira; CICILINNI, Graça Aparecida. Considerações sobre o ensino de Ciências para a escola fundamental. In: VEIGA, I. P. A., CARDOSO, M. H. F. Escola Fundamental: Currículo e ensino. Campinas: Papirus, 1991. p. 201-216. FREITAS, D. A perspectiva curricular Ciência, Tecnologia e Sociedade no ensino de Ciências. In: PAVÃO, A. C.; FREITAS, D. Quanta ciência há no ensino de Ciências. 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Ir além de uma concepção biológica, sistêmica e funcionalista significa incorporar a dimensão humana e lúdica ausente na maioria dos livros didáticos. O corpo vivencia situações, registra e memoriza fatos, conta histó- rias, experimenta, brinca, sente e aprende1. Introdução O corpo possui uma plasticidade múltipla revelada em gestos, expressões, sentimentos e carinhos. O dinamismo dos aspectos bio- lógicos se manifesta constantemente ao longo da vida e fica mais evidente nas fases de crescimento. Uma série de exercícios físicos, resultado de diferentes tipos de trabalho, também transforma o cor- po e pode trazer mais ou menos saúde às pessoas. Para o professor, a posição em pé por longas horas e o uso contínuo da voz acarretam problemas como varizes, calos nas pregas vocais, cansaço físico e mental. Para o aluno, a postura inadequada na carteira e o peso da mochila afetam a coluna vertebral. * Doutora em Ciências Sociais. Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. 1 Veja, nesta coleção, os textos de Virginia Torres Schall, de Marsílvio Gonçalves Pereira e de Ana Cunha, Denise Freitas e Elenita, que dialogam também com essas ideias. Capítulo 5 De corpo e alma: conversa ao pé do ouvido Mônica Meyer* C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 80 desmembrados e os órgãos fora de escala de tamanho, favorecem uma representação falsa e artificial que não ajudam os alunos na compreensão do corpo. Em geral, o corpo humano representado não tem rosto, sobrance- lha, olhos, cílios, nariz, lábios, orelha, bochecha, cabelo, pelos, unha, mão, umbigo, pé, virilha, bumbum e seios, uma vez que essas partes não são sequer mencionadas. E mais, não faz uso de sabonete, xam- pu, perfume, batom, esmalte e cremes para diversas finalidades. Um corpo estático que não requer cuidados e nem revela sentimentos e valores culturais. Enfim, um corpo mais morto do que vivo. A abordagem sistêmica na maioria dos livros didáticos traduz essa ideia de corpo que não se transforma – não cresce e nem en- velhece. Um corpo autônomo, único, sem diferenças raciais e cul- turais. Um corpo sem vaidade, sentimentos e prazer. Um corpo sem história e sem memória! O estudo do corpo perdeu identidade e significado para a maioria dos estudantes. O corpo passou a ser um corpo estranho. Para evitar esse estranhamento, atividades de percepção, inter- pretação e compreensão do corpo humano são fundamentais nas primeiras séries do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano). Ao adotar como referência o corpo dos alunos e alunas, há o incentivo para se conhecer e estudar um corpo vivo que precisa de atenção, cuidados, diversão e carinhos. À medida que os alunos vão dizendo o que precisam para viver e como cuidam do corpo diariamente, como comer, respirar, beber água, fazer xixi, cocô, soltar pum, brincar, descansar, dormir, sonhar, sorrir, ser feliz..., as perguntas, interesses e dúvidas emergem e podem ser desdobradas em outras, o que permite uma abordagem dinâmica. Deixá-los falar sobre as doenças que tiveram, vacinas que tomaram, machucados, cicatrizes e outros sinais... Incentivar a expressão das ideias, sentimentos, imaginação, sonhos e desejos. Que histórias contam? Do que gostam e não gostam? O que chateia e dá alegria e prazer? O corpo polissêmico Na linguagem é possível listar vários verbetes com a palavra corpo: corpo estranho, corpo celeste, corpo docente, corpo de assis- tentes, corpo discente, corpo de bombeiros, corpo de guarda, corpo 81 C iê n ci as – V ol u m e 18 de infantaria, corpo fúnebre, corpo presente, corpo de Cristo, corpo diplomático, corpo de baile, corpo caloso, corpo cavernoso, corpi- nho, corpúsculo, corporação, corpaço, corpanzil, corpete, corpeada, incorpar, tomar corpo... Ao começar esse corpo a corpo com os alunos, o professor esti- mula a turma a deixar de fazer corpo mole e entrar de corpo e alma no estudo e compreensão da corporalidade. As palavras e os significados são expressões vivas da língua pátria5. E se não fosse a língua, a conversa ia ser muda. Então, o jeito é dar com a língua nos dentes. A língua é mais do que um órgão musculoso. A maioria dos livros didáticos reduz a língua a um órgão mus- culoso cuja função é empurrar o bolo alimentar ou órgão dos sentidos para degustação doce, azedo, salgado e amargo. A língua contém papilas gustativas (fungiformes, circunvaladas, filiformes, foliáceas – não precisa decorar estes nomes!) para detectar o paladar salgado, doce, azedo e amargo com precisão científica, como se os alimentos se separassem em pedacinhos dirigindo-se cada um para uma papila específica para identificar o sabor. O texto sem contexto limita a língua ao paladar. Na hora da refeição, entre receitas de tradição, a língua saboreia finas iguarias. E os beijos desejados e experimenta- dos passam despercebidos, mas apenas no livro... A língua fala A língua didática ficou muda e não há menção que através dela surgem monólogos e diálogos. A língua comunica, expressa ideias, valores, gostos e sentimentos. Difícil encontrar um livro que reconhece que a língua tem como função falar. E como falamos! Português, espanhol, inglês, alemão, dinamarquês, japonês, russo, árabe, híndi, francês... quantas palavras se articulam com a vibração do som. A língua gira e se posiciona em pontos diferentes da boca para emissão de diferentes fonemas e caretas... Na linguagem popular, a língua faz uso de vários animais para qualificar ou desqualificar os seres humanos: gato, pantera, tigrão, coelhinha, maritaca, papagaio, cascavel, piranha, veado, burra, besta, porco. Estes elogios e xingamentos fazem menção explícita a ques- tões de corporalidade, como sensualidade, sexualidade, inteligência, 5 Veja, nesta coleção, o texto de André Ferrer Martins, Palavras, Textos &Contextos. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 82 higiene e atitudes. Segundo Edmund Leach (1983), o insulto animal é um tabu simultaneamente comportamental e linguístico, social e psicológico. Ele se manifesta justamente na brecha entre o dito e o não dito, sendo preenchido com ambiguidade que se torna tabu. Tabu sobre o corpo humano é o que mais existe. Vale à pena levantar entre os alunos quais os tabus conhecidos e conversar sobre o assunto. Mais uma vez, os animais voltam em cena por eufemismo obsceno, designando partes do corpo humano consideradas tabus6. Para a genitália masculina valem metaforicamente peru, pomba- rola, pintinho, ganso. Para a feminina adota perereca, aranha. Ainda na linguagem popular, partes do corpo são renomeadas: baço em passarinha, estômago e vísceras em bucho, nádegas em bumbum, padaria, poupança, almofada... A língua é múltipla, estala, assovia, dobra e redobra, mexe em várias direções, faz careta e mil sinais. Com sensualidade e afeto, a língua roça, beija e faz carinhos. Ao pé do ouvido conta segredos e faz confidências (a terminologia científica trocou ouvido por orelha, mas ao pé do ouvido continua sendo mais poético). A língua se transforma e é reinventada, carrega piercing e bodoques. Mas não é só a língua que fala... O corpo fala Expressões, como tirar o corpo fora e só pensa no seu umbigo, circulam de boca em boca. A primeira – tirar o corpo fora – significa que a pessoa não se envolve; na hora H, do apoio, cai fora e não ajuda. A segunda expressão – só pensa no seu umbigo – é adotada para caracterizar uma pessoa egocêntrica, egoísta, como se ela fosse o centro do mundo. Ambas as expressões caem, como uma luva, neste texto. De um modo geral, autores e ilustradores de livros di- dáticos em corporação transformam a corporalidade em corpo estranho. O corpo seccionado em partes, esquartejado e imobilizado perdeu o seu corpus. A identidade e a vitalidade desapareceram e o corpo retratado perdeu o fio da história. O estudo descontextualizado dos sistemas suprimiu as pergun- tas, a manifestação das dúvidas, o interesse pela observação, escuta, busca, interpretação, conhecimento, compreensão. Naturalmente, 6 Ver Concepções de natureza. In: MEYER, Mônica. Ser-tão Natureza: a natureza em Guimarães Rosa. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008. 85 C iê n ci as – V ol u m e 18 materializam em hábitos e cuidados peculiares. Cabelos, unhas, barbas, tatuagens e pinturas corporais ganham notoriedade e ex- pressam o corpo subjetivo. Será que bisa Bia e bisa Bel têm a mesma relação com o corpo?9 Entrelaçar a Biologia com outras áreas da Ciência cria oportunidades para entender como a percepção, interpretação e conhecimento do corpo humano foram se modificando no tempo e no espaço. Como os corpos de homens e mulheres se transformaram através do trabalho, da religião e da cultura? A compreensão do corpo humano vivo, social e cultural adquire sentido, identidade e relevância, quando relacionado ao ambiente. Desta forma, os conteúdos programáticos, ao serem contextualizados, possibilitam um aprendizado sobre o corpo e estimulam atitudes e ações no aluno para cuidar de si, interagir melhor com o outro, cuidar do lugar em que mora, cuidar da qualidade do alimento, cuidar da água que consome, cuidar da destinação de dejetos e resíduos, cuidar da qualidade do ar que respira, cuidar da qualidade ambiental para que todos os seres vivos possam usufruir a vida saudavelmente. Para finalizar esta conversa, segue uma relação de outras ativi- dades, brincadeiras e jogos em que o corpo está na berlinda integrado ao ambiente. Memória do corpo. As marcas e sinais contam diferentes • histórias genéticas, brincadeiras, acidentes, saúde, violência e agressões, entre outras alegres e tristes. Há ainda a memória postural em que os músculos e os ossos denunciam como o corpo se remodela através de hábitos de postura, de expressão de emoções, de carregar mochilas, de trabalho. Observação no espelho, fazer um autorretrato, contorno • corporal por inteiro e moldes de mão, pé, confecção de máscaras. Aproveite para explorar as cores, formas, volumes, tamanhos e texturas. 9 Bisa Bia e Bisa Bel é o nome do livro de Ana Maria Machado que conta a história de três gerações – avó, mãe e filha. Ver: MACHADO, Ana Maria. Bisa Bia e Bisa Bel. Rio de Janeiro: Salamandra, 1985. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 86 Percepção corporal e expressão através de gestos e palavras. • Sentir o ritmo do coração através da pulsação em diferentes situações10. Percepção dos sentidos. Os cheiros, sons, cores, texturas, • formas e tamanhos traduzem diferentes informações do ambiente e colocam o corpo em alerta. A percepção desses sentidos só é possível através de estímulos. Sendo assim, atividades e brincadeiras de percepção precisam estar relacionadas com a natureza física dos estímulos11. Brincadeiras de estátua, passa-anel, cabra-cega, rodas e • cirandas, corre cutia, macaco disse. Músicas. Há uma variedade de músicas folclóricas e • populares que abordam o corpo. Cabeça, ombro, perna e pé... Maria não lava o pé, não lava porque não quer... Cabelo, cabeleira, cabeludo... Explorar a musicalidade e os sons do corpo é uma atividade rica que, além de divertida, estimula a concentração e expressão de outras linguagens. Exercitar a escuta corporal, a compreensão e expressão • das emoções e sentimentos. Atividades de contar histórias vividas pelos alunos, familiares e amigos. Arte. A dimensão artística do corpo (retratada na pintura, • escultura, literatura e fotografia) cria oportunidade de refletir sobre a mudança da percepção corporal. A história da arte oferece vários exemplos, em diferentes épocas, que retratam o corpo, como os renascentistas, impressionistas, modernistas. Exemplo: Leonardo da Vinci, Michelangelo, Botticelli, Picasso, Degas, Rodin, Camille Claudel, Dali, Gauguin, entre outros. Os artistas populares brasileiros dão grandes contribuições, através de pinturas, bonecos, cerâmicas e máscaras. 10 Veja MORAES (1992). O autor propõe atividades de medir e comparar alturas, temperaturas, ritmo respiratório, cardíaco. 11 Veja BIZZO (1998). O autor aborda que os órgãos dos sentidos devem ser estudados em sua interação com a natureza física dos estímulos aos quais são sensíveis (p. 92). Veja também CIBOUL (2001). Os cinco sentidos. Um livro divertido que descreve os sentidos dos seres humanos e dos animais. 87 C iê n ci as – V ol u m e 18 Provérbios, ditados, trava-língua, adivinhas e literatura • de cordel. Experimente criar trava-línguas e adivinhas que brincam com as palavras, como, por exemplo, Paralelepípedo. Pára, lê, revê, relê, repito. Paralelepípedo. Hábitos de higiene e vaidade: Conversar com os jovens • sobre situações cotidianas de autoconhecimento e higiene corporal é fundamental. Os cuidados com o corpo podem gerar diferentes atividades de interesse para os alunos, como pesquisar sabonetes, xampus, perfumes, esmaltes, cremes. Referências ARATANGY, Lidia Rosenberg. Corpo: Limites e cuidados. São Paulo: Ática, 2006. BIZZO, Nélio. Ciências: fácil ou difícil? São Paulo: Ática, 1998. (Palavra de Pro- fessor). CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991. CIBOUL, Adèle. Os cinco sentidos. São Paulo: Moderna, 2001. (Criança Curiosa). CIêNCIA Hoje na Escola. 3: Corpo Humano e Saúde. 5. ed. São Paulo: Global; Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, 2003. CIêNCIA Hoje na Escola. 2: Sexualidade: corpo, desejo e cultura. São Paulo: Global; Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, 2001. ENSINAR as ciências na escola: da educação infantil à quarta série. São Carlos: Centro de Divulgação Científica e Cultural da USP, 2005. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portu- guesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. FREIRE, Priscila. Conversa de corpo. Belo Horizonte: Miguilim; Brasília: INL, 1983. HOLLANDA, Hortensia Hurpia; MEYER, Monica et alli. Saúde como compreensão de Vida. Brasília: MS-DENS/MEC - PREMEN, 1977. HUAINIGG, Franz-Joseph. Nós falamos com as mãos. Tradução e adaptação de Samia Rios. São Paulo: Scipione, 2006. LEACH, Edmund Ronald. Aspectos antropológicos da linguagem: categorias ani- mais e insulto verbal. In: Antropologia. São Paulo: Ática, 1983. MACHADO, Ana Maria. Bisa Bia e Bisa Bel. Rio de Janeiro: Salamandra, 1985. MARQUES, Francisco. Galeio: antologia poética. São Paulo: Peirópolis, 2004. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 90 teras na sua superfície e que, de alguma forma, era semelhante à do nosso planeta Terra. Até então não se tinha observações do que fossem os corpos celestes. Mas foi o seu relato da observação de quatro luas girando em torno de Júpiter, que não podem ser vistas a olho nu, a evidência que torna inaceitável a concepção geocêntrica do Universo, onde tudo giraria em torno da Terra. Para superar várias concepções implícitas na explicação geocêntrica, Galileu estabeleceu o conceito de movimento, essencial para o surgimento das Leis de Newton. Por sua importância, estas questões estão presentes nos tópicos de Ciências do Ensino Fundamental. Elas aparecem em tópicos como o Sistema Solar, em geral apresentado como a superação da visão geocên- trica do Universo e no conceito de movimento. Entretanto, na maioria esmagadora das vezes, estes tópicos são apresentados sem que o aluno tenha a menor oportunidade de confirmar qualquer das informações recebidas. Porque será que o Geocentrismo está equivocado? Certamente, muito do conhecimento que é apresentado na escola foi obtido através de experiências e uso de conceitos que exigem ap- tidões muito acima daquelas já adquiridas pelo aluno. Entretanto, se isto é verdade para a maioria, é possível trabalhar alguns conceitos de forma rigorosa com os alunos das séries iniciais, em especial dos últimos anos. A investigação pode tornar o aprendizado mais rico e duradouro e a aula mais estimulante e divertida. Neste texto, buscamos motivar a realização de atividades de obser- vação, seguidas de conversas e produção de textos sobre as observações realizadas, para que os alunos possam compará-las com as dos seus colegas, fazer hipóteses e concluir sobre a validade de algumas infor- mações apresentadas pelo livro-texto de Ciências. Tomando emprestado o que diz o Edital do PNLD 2010, trata-se de “ensinar ciências fazendo ciências”. Algumas atividades necessitam do envolvimento das famílias. É reconhecido que a participação delas melhora o aprendizado. Para fazer isto é necessária uma cuidadosa escolha das ativida- des, de modo que os desafios sejam adequados para as crianças. Nós pretendemos mostrar que podemos desenvolver atividades simples e prazerosas que, se acompanhadas de discussões registradas em textos, podem tornar claro para todos que a Terra não é o centro do Universo, como se pensava no Geocentrismo. Estas observações também podem indicar que há bons motivos para supor que é a partir do Sol de onde podemos observar os planetas girando em torno dele. Claro que nós não podemos ir até o Sol, sob pena de 91 C iê n ci as – V ol u m e 18 derretermos. Se você ler o texto O Sol e as estrelas, você encontra a explicação porque ele é tão quente. Entretanto, nós podemos utilizar a nossa imaginação que, ajudada pela Matemática e pelas analogias, poderá fazer isto por nós. Para a concepção geocêntrica do Universo, tudo girava em torno de nós, o planeta Terra. O mais interessante e pouco divulgado é que havia várias evidências que apoiavam esta visão do mundo. Por incrí- vel que pareça, observando apenas a olho nu a Lua, o Sol e as estrelas, o movimento que eles descrevem justifica o Geocentrismo. Entretanto, mesmo a olho nu, existem alguns corpos celestes, cinco ao todo, cujo movimento destoa dos demais: são os planetas. A descrição geocêntrica do universo, adequada para os demais, não era apropriada para os planetas. Foram eles que motivaram a superação desta hipótese. Para mostrar que uma teoria científica não está correta, basta que você mostre que há um exemplo que a contradiga. Por isso, aprendendo a observar um planeta chamado Vênus e entendendo o que seja movimento para a Física, você poderá ter evidências que confrontam com a hipótese do Geocentrismo. Por que Vênus Nós podemos observar a olho nu, numa noite sem muitas nu- vens, até cinco planetas do nosso Sistema Solar. São eles: Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. Dependendo da hora que você observar o céu, das condições meteorológicas, nuvens ou não, e de onde eles se encontrem em relação a nós naquele momento, você poderá observar os cinco ou nenhum. Por isto é bom ter algumas informações prévias para facilitar a observação. Sugerimos observar Vênus, porque ele apresenta diversas vanta- gens que facilitam o seu reconhecimento e, portanto, a sua observação. É um objeto muito brilhante no céu e isto faz com que ele se destaque em relação aos seus vizinhos. Ao olhar para o céu e observar muitos corpos celestes brilhando, você saberá que é Vênus, comparando o seu brilho com os demais corpos celestes que surgem ao seu redor. Sendo o mais brilhante, isto torna mais fácil a sua identificação. Outras vantagens são o horário e o local em que ele está visível. Para que as crianças possam observar Vênus algumas vezes durante o ano, isto não deve ocorrer muito tarde. As crianças devem dormir cedo. Durante alguns meses do ano, Vênus é visível logo após o Sol C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 92 se pôr, perto da hora do jantar, e noutros meses um pouco antes do nascer do Sol. Acordar algumas vezes antes de o Sol nascer para ob- servar Vênus pode se tornar uma atividade ansiosamente esperada. Finalmente, onde olhar para observar Vênus? Uma regra sim- ples: olhe para onde o Sol nascerá ou onde se pôs, levante um pouco a vista e lá estará Vênus. Figura 12: Ilustração do Sol com Vênus brilhando (no alto, à esquerda) Ao mesmo tempo em que observamos Vênus, é necessário en- tender o que a Física chama de movimento. Com este conceito en- tendido, você poderá relacionar o movimento que Vênus faz no céu com o movimento observado de crianças num carrossel ou numa brincadeira de roda. Veja só, algumas observações de Vênus, um passeio de ônibus, um passeio de carrossel, uma brincadeira de roda, ou refletir e escrever sobre estas atividades pode nos levar à conclusão de que o Geocentrismo é um conceito equivocado. Galileu e o que é movimento O significado preciso das palavras é muito importante nas Ciên- cias. Muitas vezes, as palavras utilizadas no dia a dia com diversos sentidos possuem um significado muito preciso nas Ciências. O texto Palavras, Textos & Contextos desta publicação discorre com precisão sobre este tema, definindo e exemplificando o uso das palavras na Ciência. Se nós queremos que as crianças saibam que nem tudo gira 95 C iê n ci as – V ol u m e 18 num carrossel pode nos ensinar como se demonstrou que nem tudo gira em torno da Terra. Assim, a pesquisa, buscando refutar o Geo- centrismo, poderá se beneficiar de uma divertida ida a um parque de diversões ou ao parquinho de uma praça próxima. Imagine que você já está de frente a um carrossel, cheio de crianças. O funcionamento dele é simples. Com ele parado, em re- lação a quem está fora, as crianças entram e, com elas sentadas, ele começa a girar durante algum tempo. Depois para, as crianças saltam e tudo se repete com um novo grupo até o parque fechar. Veja que, de fora do carrossel, você pode acompanhar o mo- vimento de uma criança com os seus olhos, no máximo movendo um pouco a sua cabeça, se você estiver a uma distância adequada. Se for um carrossel grande ele pode ter um anteparo no seu centro e, em algum momento, a criança que você observa desaparecerá da sua vista, quando ficar atrás do anteparo em relação a você. Mas logo volta a aparecer. Imagine agora que o pessoal do parque deixasse outra pessoa ficar próximo ao centro do carrossel, como é que esta pessoa obser- varia a mesma criança? Veja que ela não conseguiria, como você, acompanhar o movimento de uma mesma criança, fazendo apenas pequenos movimentos com os olhos. Ela teria que girar a cabeça ou o corpo para continuar observando a mesma criança. Ou seja, se ela não se mexer, a criança ficaria atrás dela e ela não enxergaria. Segundo a nossa definição prática de movimento, cada uma das pessoas que observam tem uma percepção distinta do movimento da mesma criança. Isto ocorre por estarem em lugares distintos. Veja que coisa curiosa: você e a pessoa no centro do carrossel estão paradas uma em relação à outra, observam a mesma criança; entretanto, o movimento dela parece diferente para cada um. Você, parado, distante, pode observar a criança apenas mexendo os olhos, enquanto o outro teria que virar o corpo. Se for possível, faça uma parte das crianças observar, enquan- to as outras giram no carrossel. Mude o lugar de observação: uma hora, a criança observa de fora do carrossel e, outra hora, a criança observa de dentro. A diferença das observações entre quem está dentro e fora deverá ser trabalhada na sala de aula. O objetivo é mostrar que, de dentro, você observa uma coisa; de fora, outra. Na volta à escola, será importante as crianças registrarem as suas observações num texto. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 96 Brincando de roda Não deu para ir ao parque, ou as crianças não puderam ob- servar de dentro do carrossel, então faça uma brincadeira de roda com as crianças. Melhor, faça de qualquer modo esta brincadeira; as crianças irão aproveitar muito a repetição. Nesta brincadeira, as crianças dão as mãos umas às outras, formam um círculo e começam a andar. Novamente, coloque duas pessoas observando o movimento das crianças na roda. Uma distante delas, como no caso do carros- sel, e a outra situada no meio da roda. A pessoa que está distante poderá observar a mesma criança da roda, tendo que, para isto, no máximo, mover os seus olhos. Enquanto isto, a pessoa que está no centro da roda, se quiser observar a mesma criança o tempo todo, deverá girar a cabeça ou mesmo o corpo para conseguir observar. Peça então para a criança, no centro, permanecer como a pessoa distante sem mover a cabeça. Ela deve escolher uma criança para observar e que, em algum momento, desaparecerá da vista. Perceba que tudo isto ocorre sem que os observadores se movimentem um em relação ao outro. Foi suficiente trocar de lugar. Figura 14: Visão da criança fora da roda (vendo uma roda de crianças com uma delas pa- rada no centro e olhando para a de fora) e a visão da criança que está dentro da roda E o Geocentrismo? Nos dois casos, tanto no carrossel como na roda, o observador que se encontra longe percebe um movimento diferente do obser- vador no meio. A resposta é que isto ocorre porque a criança não gira em torno de quem está longe, mas sim em relação à pessoa que está no meio. Ela nunca irá passar nas costas da pessoa distante como fará em relação à pessoa que está no centro. Entendendo estas duas observações distintas sobre o movimento da mesma 97 C iê n ci as – V ol u m e 18 criança, você poderá fazer observações no céu e entender porque o Geocentrismo estava errado. Observando os planetas Na época em que a hipótese do Geocentrismo foi contestada, quase não havia instrumentos além da visão do homem. Isto, de um lado, mostra a importância da descoberta do telescópio para a ampliação do conhecimento, mas também que muitas conclusões podem ser obtidas com observações feitas apenas a olho nu sem o auxílio de um telescópio. Nós podemos observar a olho nu cinco planetas. São eles: Mer- cúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. Como é que se descobriu que estes astros eram diferentes dos milhares de outros que observamos na ausência da luz do Sol? A resposta é simples. Você deve observar o céu e identificar qualquer das constelações, conjunto de astros visualmente próximos. Se você observar periodicamente a mesma constelação, por exem- plo, uma vez por semana, você irá perceber que ela se movimenta como um todo, mas as suas estrelas permanecem fixas umas em relação às outras. Foi este formato fixo que inspirou a humanidade a identificar essas constelações com nomes de animais ou objetos, inspirados pelo seu formato. Apenas para citar algumas: Cão Maior, Leão, Touro ou o Cruzeiro do Sul. Um exemplo fácil de observar no Brasil são as estrelas que formam o Cruzeiro do Sul. Se você, por exemplo, observar numa noite, durante algum tempo – por exemplo, a cada hora –, verá todas elas mudarem juntas. Se você olhar na semana seguinte ou no mês seguinte, verá que o formato é o mesmo, mas a posição é diferente. Esta é uma observação que exige constância, mas não exige mais do que a sua visão e uma noite com poucas nuvens. Figura 15: Ilustrações do Cruzeiro do Sul, espelhado verticalmente e invertido
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