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Efeitos Econômicos de Assentamentos Rurais no Brasil: Estudo de Caso em Seis Regiões, Notas de estudo de Agronomia

Um estudo sobre os efeitos econômicos locais e regionais derivados da implantação de projetos de assentamentos rurais em seis regiões do brasil: sul da bahia, entre outras. O documento detalha as dimensões econômicas dos impactos observados e as condições históricas que permitiram o surgimento dos projetos em cada região.

Tipologia: Notas de estudo

2011

Compartilhado em 06/07/2011

t93-9
t93-9 🇧🇷

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Baixe Efeitos Econômicos de Assentamentos Rurais no Brasil: Estudo de Caso em Seis Regiões e outras Notas de estudo em PDF para Agronomia, somente na Docsity! Impactos econômicos dos assentamentos rurais no Brasil: análise das suas dimensões regionais Sérgio Pereira Leite1 Beatriz Heredia2 Leonilde Medeiros3 Moacir Palmeira4 Rosângela Cintrão5 RESUMO: O estudo analisa os efeitos econômicos locais e regionais derivados da implantação de projetos de assentamentos rurais em seis regiões brasileiras: Sul da Bahia, Sudeste do Pará, entorno do Distrito Federal, Zona canaviera nordestina, Oeste Catarinense e Sertão do Ceará. A pesquisa privilegiou para tanto uma avaliação das condições de vida das famílias assentadas, das atividades produtivas e de comercialização, do acesso ao crédito, da dimensão fundiária e da geração de postos de trabalho. PALAVRAS-CHAVE: Reforma agrária. Assentamentos rurais. Desenvolvimento rural. Impactos regionais. ECONOMIC IMPACT OF THE AGRARIAN REFORM SETTLEMENTS IN BRAZIL: ANALYSIS OF THEIR REGIONAL DIMENSION ABSTRACT: This paper analyzes the economic effects, at the local and regional levels, of the establishment of agrarian reform settlements (assentamentos) in six regions of Brazil: South of Bahia, Southeast of Pará, the area surrounding the Federal District, the Sugarcane Region of the Northeast, Western Santa Catarina and Ceará’s Arid Zone. The research emphasized the appraisal of the living standards of the families in the settlements, their productive and commercial activities, access to credit, land distribution patterns, and the creation of job opportunities. KEYWORDS: Agrarian reform. Rural settlement. Rural development. Regional impact. Código de classificação do JEL: Q 15 - R 14 - O 18 1 Professor do CPDA/UFRRJ (sergioleite@ufrrj.br). 2 Professora do IFCS/UFRJ (bheredia@pobox.com). 3 Professora do CPDA/UFRRJ (leonildemedeiros@gmail.com). 4 Professor do PPGAS/MN/UFRJ (nuap@bighost.com.br). 5 Pesquisadora do projeto. Mestre pelo CPDA/UFRRJ (bibicintrao@uol.com.br). 1. Introdução A questão agrária brasileira, retomada com força nas duas últimas décadas, tem sido objeto de estudos acadêmicos especializados. Com a ampliação do número de assentamentos rurais implantados sob diversas perspectivas e agências, o conjunto de pesquisas, relatórios e projetos de intervenção orientados à análise e planejamento dessas experiências aumentou significativamente. A maioria dessas iniciativas voltou-se primordialmente funcionamento dessas novas unidades produtivas, às formas de organização social e política experimentadas nesses núcleos, aos resultados das políticas fundiárias, à exeqüibilidade econômica de empreendimentos com essa natureza etc. (CASTRO, 1992; LEITE e ÁVILA, 2007; LOPES, 1995; MEDEIROS, 2003; MEDEIROS e LEITE, 2002; ROMEIRO et al., 1994). Tema ainda pouco trabalhado é o impacto que tais iniciativas – criação e implementação de assentamentos rurais em regiões/ municípios determinados – têm proporcionado no contexto, à no qual esses núcleos se originam. É justamente sobre esse prisma, realçando as dimensões econômicas desse processo, que o presente texto está direcionado. Enquanto resultados de mudanças de curto, médio e longo prazo, os impactos dos assentamentos fazem-se sentir tanto na vida dos assentados e do assentamento como também fora dela. Longe de atribuir uma valoração positiva ou negativa, afirmando sucessos ou fracassos da política de assentamentos, procurou-se desenvolver uma análise aplicada à mensuração e qualificação dessas mudanças, buscando construir indicadores e apontar relações que refletissem o significado dessas experiências a partir da comparação entre as situações atuais e anteriores dos assentados, tanto em termos objetivos como subjetivos, bem como entre as condições sócioeconomicas existentes no assentamento e aquelas verificadas no seu entorno6. Os aspectos que nortearam a escolha das regiões e a configuração da amostra da pesquisa estão descritos no próximo item. Na seqüência, uma breve caracterização dos projetos, relativa ao número de famílias instaladas, área ocupada e utilização dos solos, é apresentada. Os tópicos posteriores abordam os temas selecionados para o tratamento da dimensão econômica dos impactos regionais: estrutura fundiária, produção e comercialização dos produtos agropecuários, acesso ao crédito, renda e condições de vida das famílias assentadas, geração de emprego. 2. Aspectos metodológicos e caracterização da amostra A pesquisa tomou como foco algumas regiões do País com elevada concentração de projetos de assentamento e alta densidade de famílias assentadas por unidade territorial, pressupondo que este procedimento traria maior possibilidade de apreensão dos processos de mudança em curso. Estas regiões passaram a ser denominadas manchas7 e susa delimitações geográfica não necessariamente coincidem com outros recortes regionais existentes. Foram selecionadas seis grandes manchas, refletindo a diversidade da realidade brasileira: Sul da 6 As condições históricas que permitiram o surgimento dos projetos de assentamento em cada região e o detalhamento das dimensões econômicas dos impactos observados encontram-se explicitados no relatório final da pesquisa (HEREDIA et al., 2001) e na publicação posterior do projeto (LEITE et al., 2004). Dado os limites desse texto recomendamos ao leitor interessado que o consulte. A mesma observação vale para as dimensões sociais e políticas dos efeitos da presença dos núcleos de reforma agrária, tema que foge ao propósito deste artigo. 7 O uso do termo mancha foi adotado no sentido de caracterizar uma região, marcada pela concentração de projetos e famílias assentadas, não necessariamente delimitada por recortes político-administrativos, podendo envolver um conjunto de municípios dentro de um mesmo estado ou mesmo municípios contíguos de diferentes unidades da federação. Uma possibilidade seria também tratarmos o fenômeno como uma espécie de “aglomerado” de projetos de reforma agrária, buscando chamar atenção para esta concentração demográfica. Ver, também, o trabalho de David et al. (1998). 2 A organização espacial interna dos projetos parece seguir em geral um certo padrão preexistente entre os agricultores familiares na região em que estão inseridos, mas nem por isso deixam de apresentar “inovações”. Na maior parte das unidades pesquisadas as casas estão localizadas nos próprios lotes. Em pouco menos de um quarto dos projetos foram encontradas agrovilas (a maioria no Sul da Bahia e na Zona Canavieira), geralmente coexistindo com formas de nucleação da população anteriores aos assentamentos. Na mancha do Sertão cearense existem “comunidades” (agrupamentos de tamanho variável de casas de assentados) com os roçados em torno. As áreas destinadas a pastagens muitas vezes são coletivas. Nos projetos maiores cada comunidade tem uma associação que organiza a atividade econômica de seus membros, e o assentamento, no seu todo, tem uma cooperativa central que coordena essas associações. Na mancha do Sudeste do Pará, embora a maior parte das casas estejam nos lotes, a ocupação das áreas provocou o surgimento e/ou expansão de povoados que, em alguns casos, estão se tornando vilas, com pequenos centros comerciais e de serviços, atraindo outras categorias além dos próprios assentados. Na mancha catarinense as casas estão nos lotes e as “comunidades” (espécies de bairros rurais) seguem o padrão local e podem preexistir ao assentamento ou formar-se como conseqüência dele. Uma nova forma de organização são os “núcleos”, divisões político-organizativas internas ao assentamento, propostas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), para discussão de problemas e encaminhamento de demandas ao poder público. Na mancha da Zona Canavieira do Nordeste, sedes de antigos engenhos ou sítios mantiveram-se como lugares de sociabilidade e de iniciativas econômicas ou políticas dos assentados e, em alguns casos, cederam o posto às agrovilas construídas pelo Incra. No que tange à caracterização da fertilidade dos solos nos projetos visitados, praticamente metade dos PAs encontra problemas, muitas vezes com solos ácidos, demandando aplicações maiores de calcário, o que, por sua vez, tem implicações nos custos de produção e rentabilidade dos cultivos. Com exceção das manchas do entorno do Distrito Federal (único caso em que os entrevistados não apontaram restrições de fertilidade) e da Zona canaviera nordestina, a situação tende a ser pior nos demais casos, especialmente no Sul da Bahia, onde, em 78,57% dos projetos, apontou-se uma baixa fertilidade. Além disso, 42,39% dos projetos atestaram a presença de pedras, solos arenosos ou fracos. Novamente, com a exceção do caso mineiro/goiano (em que predominaram igualmente os solos com boa textura), o restante dos projetos apresentou dificuldades. Mesmo no contexto da Zona canaviera nordestina, em que a obtenção de informações específicas sobre esse critério ficou comprometida, é notável que encontremos a totalidade dos casos com informação (ou 48% do número total de projetos) na situação “com restrições”. Como se sabe, solos pedregosos agravam sobremaneira as possibilidades de cultivo, rebatendo negativamente nos resultados finais e na produtividade física. Quanto à topografia e à disponibilidade de água, a situação melhora bastante. Com efeito, no primeiro caso, 60,87% dos 92 projetos pesquisados apresentam uma topografia predominantemente plana. A exceção fica por conta da região catarinense, na qual 68,42% dos núcleos apresentam áreas acidentadas. Em relação ao acesso à água, a maioria dos PAs que foram objeto da pesquisa têm esse tipo de recurso. Mesmo sem constituir maioria absoluta, lotes com acesso a água são a condição predominante nas manchas amostrais do Sul da Bahia, do entorno do Distrito Federal, do Ceará e, em menor grau, da Zona Canavieira, ainda que nesses dois últimos casos tenhamos tido dificuldade de obter dados mais precisos. As informações quanto ao uso das áreas indica que, por exemplo, as áreas de reserva representam, no contexto geral, praticamente 40% da área total, sendo fortemente influenciadas pelos assentamentos paraenses, onde a exigência de reserva legal é maior: sua proporção atinge 52,81% do total. Nos demais casos, com exceção da Zona canaviera nordestina (no caso cearense lembramos das áreas comunitárias, incluindo reservas), há 5 alguma coisa próxima a 20% da área destinada à reserva, considerando inclusive a área reflorestada, que é pouco significativa. Sem entrarmos numa avaliação propriamente ambiental desse contexto, é oportuno lembrar que as exigências legais da manutenção das reservas nos projetos de reforma agrária não deveriam impedir, contudo, o desenho de alternativas econômicas “sustentáveis” para as famílias assentadas. Na realidade, na ausência de um manejo mais integrado, as reservas, especialmente nos casos de projetos localizados em áreas ambientalmente “sensíveis”, acabam comprometendo as atividades econômicas, rebatendo no problema de geração de renda pelas famílias. Essa situação levou, em casos isolados, a ações predatórias dos assentados, geralmente por meio da extração de madeira. No entanto, o que predomina em lotes com áreas significativas destinadas à reserva é um certo imobilismo, uma redução importante das suas oportunidades econômicas. Descontados 4,60% do total das áreas declaradas como não aproveitadas, a outra metade do lote é destinada ao uso produtivo – agrícola e pecuário (55,22% do total geral). Vale lembrar que, no contexto das áreas não aproveitadas pesam as limitações impostas pelas restrições edafoclimáticas, como já salientamos anteriormente. Veja-se, por exemplo, o caso do Sul da Bahia, onde tais áreas têm uma importância maior, recordando que é nesse caso que predominam, simultaneamente, situações restritivas de fertilidade e textura do solo. Das áreas destinadas à produção, a maior parte é orientada às atividades pecuárias, que ocupam 38,80% do total na média geral da pesquisa. Elas são proporcionalmente mais representativas nas manchas do entorno do Distrito Federal (56,74%) e do Sudeste paraense (38,98%) que têm na atividade de criação de animais (bovinocultura à frente) um dos elementos caracterizadores dos sistemas produtivos ali prevalecentes. Finalmente, a área destinada ao cultivo, tomando como base as declarações referentes à safra 1998/99, representa 16,42% na média geral do estudo. Porém, nos casos nordestinos da zona da mata e do sertão cearense ela chega a representar dois terços e, se acrescentarmos os assentamentos catarinenses, metade da área total. 4. Dimensão fundiária dos impactos regionais dos assentamentos Os projetos de assentamento rural que emergiram nos anos 1980 e 1990 não alteraram radicalmente o quadro de concentração da propriedade fundiária no plano nacional, estadual, ou mesmo nas mesorregiões em que eles estão inseridos, motivo pelo qual não podemos classificar a atual política de assentamentos rurais como um profundo processo de reforma e redistribuição da estrutura fundiária (LEITE e AVILA, 2007; MEDEIROS, 2003). Nos estados abarcados pela pesquisa, a comparação da área total de todos assentamentos rurais implantados pelo Incra, até 1999, excluindo os assentamentos realizados pelos governos estaduais, com a área total dos estabelecimentos agropecuários (Censo Agropecuário 1995-96), mostra que, com exceção do Pará, a porcentagem de participação da área dos assentamentos na área dos estados oscila entre 0 e 5% (cf. TAB. 2). Já nas manchas amostrais definidas neste estudo, a relação entre a área dos assentamentos e a área dos estabelecimentos agropecuários nos municípios é significativamente maior, indicando um processo de territorialização da reforma agrária. Como se pode ver na TAB. 2, há variações importantes entre as manchas (e mesmo entre os municípios que compõem as manchas), indo de apenas 3,1% (dados de 1999) na mancha do Sul da Bahia, até 40,39% na do Sudeste do Pará. Assim, se no plano dos estados o impacto é em geral modesto, nas áreas escolhidas tende a ser expressivo e, em alguns municípios, chega a ser muito grande, com crescimento significativo entre 1997 e 1999. 6 TABELA 2 Participação da área dos assentamentos na área total dos estabelecimentos agropecuários, considerando os estados, as manchas e os estratos de área Manchas ESTADOS – até 1999 Participação dos PAs na área total dos estados onde estão inseridas as manchas (*1) MUNICÍPIOS DA AMOSTRA – até 1997 Participação dos PAs na área dos municí- pios pesquisados (*2) MUNICÍPIOS DA AMOSTRA – até 1999 Participação dos PAs na área dos municí- pios pesquisados (*2) ESTRATO DE ÁREA – até 1997 Participação dos lotes nos estratos de área equivalentes nos municípios (*3) Sul da Bahia BA 3,0% 2,3% 3,1% 5,5% Sertão do Ceará CE 5,3% 15,9% 23,7% 113,2% Entorno do DF GO e MG 1,4% 3,1% 5,4% 57, 6% Sudeste do Pará PA 25,3% 34,6% 40,4% 119,5% Oeste SC SC 1,1% 9,6% 11,3% 18,8% Zona Canavieira NE AL, PB e PE 1,5% 12,1% 18,4% 142,7% Total das Manchas 5,6% 8,7% 12,0% 62,0% Fontes: Listagem do Incra(1999) e IBGE (Censo Agropecuário, 1996). Relatório, Tabelas VI.3.1 a VI.3.3. (*1) ESTADOS: Participação percentual da área total dos PAs criados até 1999 no(s) estado(s) onde estão as manchas sobre a área total dos estabelecimentos agropecuários nestes mesmos estados. Estão incluídos os projetos do programa Cédula da Terra na Bahia, Ceará, Minas Gerais e Pernambuco. Obs.: GO=1,7%; MG=1,2%; AL=1,4%; PB=0,3%; PE=2,5% (*2) MUNICÍPIOS DA AMOSTRA: Participação percentual da área total dos assentamentos (criados pelo Incra até a data indicada) sobre a área total de estabelecimentos agropecuários no conjunto dos municípios da mancha amostral. (*3) ESTRATO DE ÁREA: busca identificar a participação da área total dos lotes dos assentamentos pesquisados em relação à área total dos estabelecimentos nas classes de área correspondentes nos municípios (segundo dados do Censo Agropecuário-1996). Utilizou-se a área média do lote declarada pelos assentados para estabelecer os estratos de área predominante em cada mancha, que foram: 0 a 20ha na Zona Canavieira; 0 a 50ha no Sul da BA, Sertão do CE e Oeste de SC; 0 a 100ha no entorno do DF e Sudeste do PA. A última coluna da TAB. 2 refere-se a um exercício aproximativo que busca dimensionar o impacto fundiário nos municípios em relação às classes de área nas quais se inserem os lotes dos assentados. Neste caso, constatamos um impacto muito significativo12. Esse exercício permite estimar, grosseiramente, qual o efeito na classe de área preponderante nos assentamentos, caso contássemos cada lote como um estabelecimento em separado. Dessa forma, o imóvel desapropriado, que certamente estaria inserido numa classe de área superior, ao ser transformado num assentamento de trabalhadores rurais, redefiniria o padrão distributivo dos ativos fundiários municipais. É preciso ressaltar, contudo, que um cálculo mais rigoroso desta natureza deveria levar em conta informações precisas para saber quais assentamentos existentes, e como a demarcação dos lotes realizada antes de dezembro de 1995, foram recenseados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e, no caso daqueles que tivessem sido, como foram classificados os assentados (proprietários, ocupantes etc.). Esse é um dado difícil de obter, pois não houve, por parte do Instituto, uma orientação nacional nesse sentido. Mas, para efeito aproximativo, consideremos os resultados apresentados na TAB. 2. Podemos verificar que em relação ao cálculo realizado nas colunas anteriores houve um substancial aumento do impacto fundiário sobre a área municipal relativa ao estrato no qual incidem os assentamentos. De praticamente 9%, a área ocupada pelos 12 Um bom exemplo é o que ocorreu no município de Paracatu, em Minas Gerais, em 1996. Antes da existência de assentamentos em Paracatu havia 500 estabelecimentos com menos de 50 ha., correspondendo a 31,57% do número e 1,8% da área total dos estabelecimentos. Se forem agregados o número e a área ocupada por lotes dos assentamentos implantados até 1999, todos eles produtos do desmembramento de propriedades com mais de 1.000 ha, tem-se um aumento de 239,8% do número de estabelecimentos e de 400,48% da área nesse estrato, elevando a sua participação no total de estabelecimentos do município para 52,52% dos estabelecimentos e 7,39% da área ocupada. 7 impactos dos assentamentos nos municípios14. Se a comparação é feita entre a produção total realizada pelos assentados, a partir de uma estimativa aproximada da produção dos assentamentos para o ano agrícola 1998/1999, e a produção verificada nos municípios, pelos dados da PAM/PPM de 1999 e do Censo agropecuário de 1996, verifica-se, de modo geral, que os assentamentos inequivocamente contribuem para diversificar as pautas de produtos agropecuários, introduzindo novos cultivos e incrementando significativamente a produção de alguns itens secundários das pautas localmente tradicionais e também que mesmo em relação a certos produtos já tradicionais nos municípios os assentamentos se destacam. Assim, no Sul da Bahia, com apenas 2,3% da área total dos estabelecimentos agropecuários nos municípios da mancha, os assentamentos destacaram-se na produção de abacaxi, laranja, leite, maracujá, milho, arroz, batata-doce, fumo e mamão, no entanto abóbora, acerola, ovos, pepino, quiabo e tomate em comparação com o censo de 1996. Na mancha do Sertão do Ceará, os assentamentos (23,7% da área) tiveram importante participação na produção de ovos e, em comparação com o censo de 1996, também na de algodão. Nessa região, porém, os assentamentos não tiveram maiores efeitos em termos de renovar a pauta produtiva regional. Na mancha do entorno do Distrito Federal, que ocupa apenas 5,4% da área dos estabelecimentos agropecuários, os assentamentos introduziram o cultivo de batata doce, e se destacaram na produção de maracujá, ovos e sorgo, e ainda – em comparação com o censo de 1996 –, na produção de farinha de mandioca e mandioca. Na mancha do Sudeste do Pará, onde os assentamentos ocupam 40,4% da área, eles se destacaram na produção de arroz, leite, ovos, soja e, em comparação com o censo, na produção de abóbora, acerola, cana, cupuaçu, fava, gergelim, inhame, lenha, mel, melancia, polvilho, quiabo e soja. Foram ainda responsáveis pela introdução de gengibre e mudas de laranja. Com relação ao abacaxi, cuja introdução na região como produto comercial teve importante participação dos assentamentos, estes vêm perdendo posição relativa15. Na mancha do Oeste de Santa Catarina, os assentamentos (11,2% da área) se destacam na produção de feijão, mandioca e ovos. Em comparação com o censo de 1996, os assentamentos são importantes (com variações entre os municípios) na produção de abóbora, amendoim arroz, batata, batata-doce, cebola, erva mate e lenha para carvão. Com relação a essa mancha, é importante observar o papel de vanguarda que os assentamentos vêm assumindo na criação de formas coletivas para transformação agro- industrial dos produtos. Na mancha da Zona canaviera nordestina, por sua vez, os assentamentos (18,4% da área) introduziram produtos como açafrão, castanha de caju, gergelim, e se destacam (com diferenças municipais) na produção de amendoim, feijão, maracujá, milho, abacaxi, além disso, (na comparação com o Censo de 1996) abóbora, lenha, repolho, batata-doce, farinha de mandioca, melancia, em comparação com o censo de 1996. A cana, que ainda predomina na região como um todo, não é um produto importante nas áreas de assentamento, exceto em alguns projetos específicos. Com relação à produção pecuária, destacam-se a criação de gado bovino na mancha do Sudeste do Pará (onde o rebanho dos assentamentos corresponde a 26% do rebanho regional); a criação de suínos nessa mesma região (22% do rebanho); a criação de ovinos e 14 Os dados utilizados foram os do Censo agropecuário de 1995-1996 e da PAM/PPM - Pesquisa Agrícola Municipal / Pesquisa Pecuária Municipal, todos do IBGE. As principais ressalvas são: a defasagem temporal entre os anos de coleta dos dados referentes a duas safras diferentes na comparação com o Censo; e a incerteza da inclusão ou não dos dados dos assentamentos na PAM/PPM e no recenseamento. 15 No caso do Pará, a combinação de significativa participação na área total dos estabelecimentos com as inovações e modificações introduzidas pelos assentamentos permitiram um impacto importante no perfil produtivo regional. Além da diversificação e ampliação da oferta de produtos para o mercado local (tanto básicos, como feijão, arroz, mandioca, milho para criação de aves e suínos, como hortaliças, frutas, aves, produtos extrativos e de origem animal), as atividades dos assentados foram determinantes para a implantação de unidades agroindustriais com a produção destinada tanto aos mercados locais (beneficiamento de arroz, laticínios), como regionais ou nacionais (laticínios, abatedouros, polpa de abacaxi). 10 caprinos nas manchas do Sertão do Ceará (27%), Sudeste do Pará (24%), e da Zona canaviera nordestina (onde o rebanho dos assentamentos chega a 45% do rebanho regional). A criação de aves destaca-se no Sertão do Ceará (32% do número de aves nos municípios), no entorno do Distrito Federal (48%) e no Sudeste do Pará (56%). Buscou-se também comparar a produtividade média dos assentamentos nos municípios na safra 1998/1999 com a produtividade média municipal no Censo agropecuário (1996) para o caso dos produtos mais relevantes16. Essa comparação revelou que em 42% dos casos, os projetos de assentamento obtiveram uma produtividade maior do que aquela encontrada na média dos estabelecimentos agropecuários da região. Em 11% dos casos, a produtividade da área dos assentamentos ficou ao redor dessa média. E em 48%, a produtividade situou-se bem abaixo da média, com variações entre as manchas. A produtividade alcançada pelos assentamentos não pode ser desvinculada do acesso à assistência técnica e do padrão tecnológico adotado pelos assentados. No caso dos assentamentos pesquisados, os dados apontaram que a assistência técnica só se consolidou com a criação do programa Lumiar, em 1996/1997, extinto posteriormente em 1999. Na amostra pesquisada, apenas 55% dos assentamentos, na safra de 1998/1999, tinham uma presença freqüente de agentes de assistência técnica, enquanto 22% tinham um acesso irregular e 13% enfrentavam a ausência desses agentes, com variações importantes entre as manchas17. Na maior parte dos projetos em que a assistência técnica estava presente, e com maior regularidade, era realizada por técnicos ligados ao programa Lumiar (cerca de 80% dos casos)18. Com relação à comercialização dos produtos agropecuários dos assentamentos, a pesquisa revelou que os projetos tanto podem reproduzir situações locais preexistentes (sem inovar os canais de comercialização), quanto também podem criar novas possibilidades ou alterar o alcance de antigos canais. Vale lembrar que a situação precária das estradas e outros aspectos negativos da infra-estrutura repercute nas condições e possibilidades de comercialização. Em todas as manchas os atravessadores têm um peso significativo No entanto, a presença dos assentamentos, ao aumentar o volume de produção e/ou introduzir novos cultivos, em alguns casos favoreceu o surgimento de outros circuitos de atravessadores que, mesmo numa moldura tradicional, representam novos canais de comercialização que repercutem também na agricultura local. A presença dos assentamentos provocou, em vários municípios analisados, o crescimento da oferta, diversificação e rebaixamento dos preços dos produtos alimentícios, o que trouxe repercussões especialmente nas feiras livres, com o aumento do espaço físico e do número de dias de ocorrência das feiras, a presença dos assentados como feirantes, regulamentados ou não, em concorrência com os feirantes “profissionais”. Também verificou- se uma importância relativa das vendas dentro dos próprios assentamentos (para outros assentados), revelando que eles podem, em alguns casos se tornar, eles próprios, mercados para os produtos dos assentados, especialmente onde há maior densidade de famílias instaladas. Formas associativas de comercialização (e de beneficiamento de produtos) também vêm sendo experimentadas em vários assentamentos, com a criação de pontos de venda 16 Para cada mancha e cada município comparou-se a produtividade dos principais produtos (em termos de número de assentados que produzem, vendem, consideram importante e da participação no Valor Bruto da Produção), num total de 146 casos (HEREDIA et al, 2001: TAB. VI.4.1.7 a VI.4.1.12). 17 Os melhores índices aparecem na mancha do Oeste catarinense, onde 74% dos assentamentos tiveram acesso freqüente à assistência técnica, e os piores nas manchas do Sul da Bahia, com apenas 21% dos assentamentos com presença freqüente) e do entorno do Distrito Federal, 43% com ausência de assistência técnica. 18Os governos estaduais, através das Ematers também realizaram ações de assistência técnica, em especial nas manchas do Sertão do Ceará, do Sudeste do Pará e do entorno do Distrito Federal, mas, no geral, há um elevado percentual de projetos não atendidos por agências estaduais voltadas para os pequenos produtores. 11 próprios (feiras de produtores ou espaços alternativos ao longo das rodovias), formas cooperativas de comercialização, implantação de pequenas agroindústrias, constituição de marcas próprias para comercializar a produção. Essas iniciativas associativas, em alguns casos, têm um peso importante na comercialização dos produtos e, para além do seu significado econômico, têm também a função de transformar a comercialização num momento de afirmação social e política da identidade de assentados e do sucesso da experiência dos assentamentos19. 6. Acesso ao crédito Em relação ao crédito para custeio da produção, constata-se que é apenas a partir da condição de assentados que este segmento específico de trabalhadores rurais passou a ter acesso aos mecanismos de financiamento rural, ainda que esse processo esteja pontuado por enormes dificuldades: 93% das famílias entrevistadas nunca tinham tido acesso a crédito antes do assentamento. Além disso, na medida em que os recursos mobilizados para o crédito impulsionam um conjunto de atividades locais, aumentam a circulação monetária no município e estabelecem um diálogo direto e particular com o Estado, por meio de suas políticas públicas, e com os agentes financeiros e intermediadores de crédito. Como notamos na TAB. 4, na safra 1998/1999, 66% das famílias entrevistadas tomaram crédito para o custeio, num valor médio em torno de R$ 2.200,00, indicando uma razoável cobertura20. A principal fonte de recursos foi o Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária (Procera), acessado por 88% das famílias entrevistadas que tiveram acesso ao crédito. No entanto, mais da metade (59%) dos entrevistados que tomaram crédito, indicaram dificuldades no acesso. A principal queixa dos assentados (78% do total de reclamações) diz respeito ao atraso na liberação dos recursos, fato que na agricultura compromete significativamente os resultados, pois os recursos não chegam no momento do ciclo agrícola em que são mais necessários. TABELA 4 Crédito rural em circulação nos municípios pesquisados segundo itens selecionados – 1998/1999 (valores em R$ correntes) Municípios Crédito rural acessado pelas famílias assentadas* Estimativa do crédito acessado: grupos coletivos dos PA’s**** (3) Total do crédito tomado pelos assentados 1998/99 (4 = 2+3) Financiamento concedido a produtores e cooperativas 1999***** (5) % (6=4/5)Valor médio por família** (1) Estimativa do valor global*** (2) Total das manchas 2.214,45 22.731.078,20 1.456.489,76 24.187.567,96 193.114.887,85 12,52% Sul da Bahia (cacaueira) 1.608,14 474.864,25 693.000,00 1.167.864,25 29.844.828,73 3,91% Sertão do Ceará 553,81 1.503.469,26 347.989,52 1.851.458,78 6.100.558,28 30,35% Entorno do Distrito Federal 2.767,03 5.400.114,01 0,00 5.400.114,01 92.758.571,53 5,82% Sudeste do Pará 5.698,32 3.359.830,93 0,00 3.359.830,93 5.760.669,33 58,32% Oeste de Santa Catarina 2.520,19 3.363.077,47 403.673,85 3.766.751,32 47.924.777,21 7,86% Zona Canavieira nordestina 2.523,08 8.682.478,72 11.826,39 8.694.305,11 10.725.482,77 81,06% 19 Um exemplo é uma cooperativa regional ligada ao Movimento dos Sem-Terra – MST no Extremo-Oeste de Santa Catarina, onde as atividades comerciais, creditícias e, sobretudo as iniciativas no ramo agroindustrial (por exemplo, produção de leite longa-vida), têm grande significado para as perspectivas econômicas dos assentados da região. 20 Há variações entre as manchas: o maior acesso se deu no Sertão do Ceará, onde 83% das famílias tomaram crédito, sendo, no entanto, a mancha com menor valor médio do crédito tomado: R$ 553,81. A mancha com menor acesso foi o Sul da Bahia, com apenas 43% das famílias que tiveram acesso a um valor médio de R$ 1.608,14. Os maiores valores médios foram no Pará: R$5.698,00. 12 Embora a análise da renda dos assentados tenha sido, até o presente momento, constantemente chamada ao debate por alguns para provar o sucesso; por outros, para indicar a pouca eficácia dos assentamentos de reforma agrária, optou-se por um caminho distinto que relativiza esta variável. Nossa preocupação foi ir mais além e tentar qualificar um pouco melhor as condições de vida dos assentados, sua possibilidade de acesso a serviços e bens, e a forma como eles vivenciam essa nova situação e as oportunidades que elas oferecem. Ao comparar suas condições de vida anteriores ao assentamento com as atuais, 91% dos assentados entrevistados consideraram uma melhoria depois da chegada ao assentamento. Uma análise mais global de alguns aspectos parece corroborar esta percepção. É interessante notar que as manchas do Sertão do Ceará e da Zona Canavieira do Nordeste (cujos rendimentos não alcançaram a linha de pobreza na análise anterior) estão entre as que apresentam os maiores índices de percepção de melhoria: 95% e 92%, respectivamente. Com relação à alimentação, 66% dos assentados apontaram uma melhora, sendo que essa percepção foi mais pronunciada na Zona da Mata nordestina (82%). Pode-se supor que o acesso à terra e à possibilidade de plantio e de criação animal para o consumo, resultando na já citada diversidade de produtos cultivados, por si sós já garantem condições de alimentação para as famílias assentadas. Como já mencionamos antes, as condições de habitação também apresentaram mudanças positivas, o que também é objeto de comprovação em estudos como o de Medeiros e Leite (2002). Quando indagados sobre o seu poder de compra, 62% dos assentados, em média, perceberam melhoras, com variações regionais sendo que 23% consideram que permanece igual. Também nesses casos os índices maiores foram encontrados nas manchas do Ceará e da Zona Canavieira do Nordeste, nas quais 68% dos assentados consideram que seu poder de compra aumentou. A análise da posse de bens duráveis corrobora esta percepção. Apesar de variações, em todas as manchas aumentou o número de famílias que possuem fogões a gás, geladeiras, televisores, antenas parabólicas, máquinas de lavar e transporte próprio, especialmente bicicletas e animais, mas houve também um crescimento significativo dos que possuem carros e motos, mesmo que continuem sendo poucos, 8% e 7% respectivamente. As melhorias no padrão de habitação e na posse de bens duráveis, também contribuíram para uma dinamização do comércio local. Por fim, é importante notar que, apesar da relativa precariedade de suas condições, o quadro é de muita esperança quando os assentados avaliam o futuro de suas famílias. No total geral, 87% dos entrevistados acreditam que o futuro será melhor, com pouquíssima variação entre as manchas. Como indicam outros trabalhos e os dados da presente pesquisa reiteram, os assentados mostram-se confiantes em relação ao futuro, o acesso à terra consolidando uma perspectiva de maior estabilidade a longo prazo. 8. Trabalho e geração de emprego Nas áreas pesquisadas a população assentada é originária do próprio município ou de municípios vizinhos, os responsáveis pelos lotes têm baixa escolaridade e enfrentavam, em momento anterior, uma instável inserção no mundo do trabalho rural/agrícola. Com a criação do assentamento, torna-se possível para essa população centrar suas estratégias de reprodução familiar e de sustento econômico no próprio lote, associando às atividades aí desenvolvidas várias outras, muitas delas também relacionadas com a existência do assentamento. De acordo com a TAB. 5, do total da população maior de 14 anos nos projetos pesquisados, 79% trabalhavam somente no lote, 11% no lote e também fora do lote, 1% somente fora do lote e 9% declarou não trabalhar. Ou seja, 90% dos assentados maiores de 14 anos trabalhavam ou ajudavam no lote, numa média de três pessoas por lote. Dos que faziam 15 algum trabalho fora do lote (12% do total),22 44% o faziam em caráter eventual, 24% em caráter temporário e 31% de modo permanente. É interessante observar ainda que dos que trabalhavam fora do lote, mais da metade (56%) exercia atividades somente dentro do próprio assentamento, incluindo trabalhos não agrícolas gerados pela implantação do projeto – construção de estradas e infra-estrutura coletiva, professora, merendeira, agente de saúde, trabalhos coletivos, beneficiamento de produtos etc. TABELA 5 Trabalho e emprego: empregos gerados no assentamento Mancha / Submancha Totais de pessoas da amostra Pessoal ocupado no lote(*2) Total de lotes Total de maiores que 14 anos (*1) N°. pessoas trabalham no lote (*3) % sobre total pessoas que vivem N°. médio de pessoas ocupadas por lote Todas as idades Maiores de 14 anos Lotes (ou famílias) entrevis- tados Pessoas nos assenta- mentos (todas as idades) > 14 traba- lham no lote (*4) % do total maiores que 14 % do total de pessoas que trabalham N°. médio de >14 ocupados por lote A B C D D/B (%) D/A E E/C (%) E/D (%) E/A Sul Bahia 87 464 309 365 79% 4,20 293 95% 80% 3,37 Sertão CE 306 1.673 1.017 1.158 69% 3,78 925 91% 80% 3,02 Entorno DF 237 1.020 741 824 81% 3,48 699 94% 85% 2,95 Sudeste Pará 366 1.823 1.219 1.303 71% 3,56 1.106 91% 85% 3,02 Oeste SC 185 922 572 584 63% 3,16 503 88% 86% 2,72 Zona Canav. NE 387 2170 1.378 1.375 63% 3,54 1.151 84% 84% 2,97 Total Global 1.568 8.072 5.236 5.609 69% 3,57 4.677 89% 83% 2,98 Fonte: Pesquisa de campo (*1) Exclui menores de 14 anos e sem informação. Inclui os "sem idade" que são responsável, cônjuge ou genro/nora (provavelmente > 14 anos). (*2) Inclui pessoas que trabalham só no lote, ou no lote e fora do lote (*3) Inclui todas as idades (*4) Maiores de 14 anos que trabalham no lote (só no lote ou no lote e fora do lote). A extrapolação dos dados da amostra para os municípios e para a mancha permite perceber que os assentamentos são importantes geradores de emprego. No conjunto das manchas, são 45.898 pessoas maiores de 14 anos que efetivamente trabalham nos assentamentos; 93,76% delas somente no projeto (no próprio lote, em outros lotes, ou em outras atividades). Do total dos que trabalham, com mais de 14 anos, 42,7% são mulheres, indicando sua ativa participação nas tarefas que envolvem as diferentes atividades do assentamento. Além de gerar empregos para a família, os lotes também geram trabalho para outros. Quando se considera a contratação de trabalho pelos assentados, verificamos que, no total, 36% dos lotes pesquisados contratam pessoas de fora. Os índices mais baixos de contratação aparecem no Sul da Bahia (14%), no Oeste de Santa Catarina (15% para região de Abelardo Luz e 17% para o Extremo Oeste) e no Ceará (18%). No entorno do Distrito Federal, 43% dos lotes contratam. O mesmo índice aparece na Zona da Mata, com variações internas (33% no Brejo, 40% na Mata paraibana e 47% na Mata pernambucana e alagoana). Com relação ao tempo de contratação de trabalhadores de fora do lote pelos assentados, somente no Sul da Bahia encontramos tempos de contratação superior a seis meses (nos municípios de Arataca e Santa Luzia). Aliás, é na Bahia onde o tempo de contratação aparece mais elevado, havendo somente um município em que é inferior a um mês (Una). Com tempo de contratação entre um e três meses estão os municípios de Madalena e Santa Quitéria no Ceará; Buritis no entorno do Distrito Federal; Conceição do Araguaia e Floresta do Araguaia, no Sudeste do 22 Somando os que trabalham somente fora do lote, ou no lote e também fora dele. 16 Pará; Areia no Brejo, Cruz do Espírito Santo e Pedras de Fogo na Zona da Mata paraibana; Abreu e Lima, Água Preta e Igarassu, na Mata de Pernambuco. O Sudeste do Pará é a região pesquisada com maior índice de contratação: 54% dos lotes. Em Conceição do Araguaia a proporção dos agricultores que contratam trabalho externo é de 59,1%, com uma média de 59 homens-dia por ano e tempo médio de 28 dias úteis ou 1,1 mês de trabalho por pessoa contratada. Já em Floresta do Araguaia, a proporção de assentados que declararam usar mão-de-obra externa foi bastante inferior (32,4%), porém com tempo médio de contratação bastante superior (110 homens-dia por ano, com mediana de 98 homens-dia por ano) e período médio de trabalho por pessoa também significativamente mais elevado (49 dias úteis ou 2 meses por pessoa). Nessa região, em média, são contratadas duas pessoas por lote, principalmente no momento de abertura de novas áreas (desmatamento), colheita de arroz, limpeza de pastagens (eliminação de ervas daninhas) e preparação de aceiros (faixas de proteção de cercas e matas para a realização de queimadas). No caso de Floresta do Araguaia, a diferenciação do perfil de uso de mão-de-obra está associada, possivelmente, à importância da cultura do abacaxi, que demanda grande volume de mão-de- obra em diferentes etapas do ciclo (plantio, limpeza, aplicação de indutor da inflorescência, colheita). Apesar de se configurarem nitidamente como geradores de emprego, os assentamentos também estão sujeitos à saída temporária ou definitiva de pessoas: 28% das famílias nos assentamentos das manchas pesquisadas já tiveram algum membro que se mudou do lote com variações regionais, sendo o índice mais alto encontrado na mancha do Sudeste paraense com 38% e o menor na Zona canaviera nordestina, em torno de 15%. Das saídas, 42% são ocasionadas pela busca de trabalho e/ou outra terra, chegando a 60% no Ceará23. No total, 12% dos lotes dos assentamentos pesquisados perdeu membros em função da busca de trabalho. 9. Considerações finais Inicialmente cabe observar que nas regiões pesquisadas o processo de reforma agrária e criação de assentamentos rurais foi marcado por uma origem conflituosa, em que a participação dos diferentes movimentos sociais pautou decisivamente a capacidade de efetivar os programas de distribuição de terra. Nesse artigo em particular, nossa preocupação central foi a de captar processos de mudança que estão sendo provocados, de forma mais ou menos intensa e em diferentes esferas, pelos assentamentos rurais a partir, basicamente, de três exercícios aproximativos: a) uma comparação da situação atual dos assentados com sua situação anterior, tanto em termos objetivos (posse de bens, por exemplo) como subjetivos (solicitando aos informantes uma avaliação sobre sua atl condição de vida e de trabalho confrontada com a experiência pretérita). Esse procedimento focalizou aquilo que denominamos “impacto interno” do assentamento, centrado nas capacidades que o ingresso, na situação de assentado, proporciona a essa camada de beneficiários, reforçando a idéia de acesso desenvolvida por Sen (2000), como um elemento fundamental ao desenvolvimento; b) uma comparação das condições sócioeconomicas existentes no assentamento com aquelas verificadas no seu entorno. Nesse procedimento procuramos mostrar principalmente a participação do resultado das atividades desenvolvidas pelos assentados sobre o contexto local por exemplo, a produção obtida nos assentamentos em relação à produção municipal, e a caracterização de alguns aspectos prevalecentes nos projetos com aqueles relativos ao universo dos estabelecimentos agropecuários e das comunidades locais, como as informações relativas à população e ao padrão tecnológico, por exemplo; c) uma análise dos efeitos 23 Das demais, 35% estão relacionadas com casamento, 18% com estudo e o restante com problemas de saúde, desavenças familiares ou internas ao assentamento. 17 municípios onde se inserem, fato que se acentua nos casos de elevada concentração de assentados. Em suma, o panorama que obtivemos é bastante diversificado, em função dos contextos específicos em que se geraram os assentamentos, das trajetórias diferenciadas dos próprios assentados, da diversidade regional das políticas públicas em geral, mas em especial,daquelas voltadas para o assentamento, e das suas descontinuidades. Assim, se pudemos constatar importantes mudanças trazidas pelos assentamentos no plano local/regional, também pareceu-nos evidente a precariedade da sua situação em termos de serviços de saúde, escola, infra-estrutura, acesso a assistência técnica, etc., indicando, por um lado, uma insuficiente intervenção do Estado no processo de transformação fundiária e, por outro, fortes continuidades em relação à precariedade material que marca o meio rural brasileiro. Referências ALENCAR, Francisco Amaro G. Segredos íntimos: a gestão nos assentamentos de reforma. Fortaleza: UFC, 1998. 209f. 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