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educação inclusiva, Notas de estudo de Geografia

novas oportunidade de educaçã inclusiva em relação a sua aplicabilidade

Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010

Compartilhado em 19/10/2009

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yanderson-silva-7 🇧🇷

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Pré-visualização parcial do texto

Baixe educação inclusiva e outras Notas de estudo em PDF para Geografia, somente na Docsity! Tornar a lt Osmar Fávero, Windyz Ferreira, Timothy Ireland e Débora Barreiros (Orgs.) Brasília, setembro de 2009 EdInc_Rev2.indd 1 9/22/09 4:58:02 PM © 2009. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Revisão: Maria Lúcia Resende Barreto Viana Diagramação: Rodrigo Domingues Capa: Edson Fogaça Tornar a educação inclusiva / organizado por Osmar Fávero, Windyz Ferreira, Timothy Ireland e Débora Barreiros. – Brasília : UNESCO, 2009. 220 p. ISBN: 978-85-7652-090-0 1. Educação Inclusiva 2. Brasil I. Fávero, Osmar II. Ferreira, Windyz III. Ireland, Timothy IV. Barreiro, Débora V. UNESCO Representação no Brasil SAS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/Unesco, 9º andar Brasília, DF, CEP: 70070-912 Tel.: (55 61) 2106-3500 Fax: (55 61) 3322-4261 Site: www.brasilia.unesco.org E-mail: grupoeditorial@unesco.org.br Rua Visconde de Santa Isabel, 20 conj 206-208 Vila Isabel CEP: 20560-120 Rio de Janeiro, RJ Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura EdInc_Rev2.indd 4 9/22/09 4:58:03 PM ApresentAção O princípio da educação inclusiva foi adotado na Conferência Mundial sobre as Necessidades Educativas Especiais: acesso e qualidade1, reafirmado no Fórum Mundial de Educação2 e apoiado pelas Regras Básicas das Nações Unidas em Igualdade de Oportunidades para Pessoas Portadoras de Deficiências. Esse princípio foi debatido novamente em novembro de 2008 durante a 48ª Conferência Internacional de Educação em Genebra. A educação inclusiva de qualidade se baseia no direito de todos – crianças, jovens e adultos – a receberem uma educação de qualidade que satisfaça suas necessidades básicas de aprendizagem e enriqueça suas vidas. Apesar de ter sido bastante discutido e debatido, não há ainda unanimidade sobre a essência do conceito de educação inclusiva. Em alguns países, de acordo com Ainscow, o termo inclusão ainda é considerado como uma abordagem para atender crianças com deficiências dentro do contexto dos sistemas regulares de educação. Internacionalmente, porém, o conceito tem sido compreendido de uma forma mais ampla como uma reforma que apoia e acolhe a diversidade entre todos os sujeitos do processo educativo. Ainscow entende que o objetivo da educação inclusiva é de eliminar a exclusão social que resulta de atitudes e respostas à diversidade com relação à etnia, idade, classe social, religião, gênero e habilidades. Assim, parte do princípio que a educação constitui direito humano básico e alicerce de uma sociedade mais justa e solidária3. A coletânea Tornar a educação inclusiva, resultado da parceria entre a UNESCO e a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), procura aprofundar a discussão sobre o conceito e as práticas da educação inclusiva, agregando a contribuições de pesquisadores brasileiros às reflexões de especialistas internacionais nesse campo. Em um país tão diverso e complexo como o Brasil, a educação não pode representar mais um mecanismo para excluir as pessoas cujas necessidades de aprendizagem exigem uma atenção especial. Na educação para todos, é inaceitável que se qualifique “todos”. Vincent Defourny Representante da UNESCO no Brasil 1. UNESCO. Declaração sobre Princípios, Política e Práticas na Área das Necessidades Educativas Es- peciais, Salamanca, 1994. Brasília: UNESCO, 1998. Disponível em: < http://unesdoc.unesco.org/ images/0013/001393/139394por.pdf>. 2. UNESCO. Educação para Todos: o compromisso de Dacar. Brasília: UNESCO, CONSED, Ação Educativa, 2001..Disponível em: < http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001275/127509porb.pdf>. 3. AINSCOW, M. Speech. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON EDUCATION, 48TH session, Geneva, Switzerland, 25-28 November 2008. Inclusive education: the way of the future: final report Paris: UNESCO, 2009. Disponível em: < http://unesdoc.unesco.org/images/0018/001829/182999e.pdf >. EdInc_Rev2.indd 5 9/22/09 4:58:03 PM sumário introdução Márcia Ângela Aguiar 9 1. tornar a educação inclusiva: como essa tarefa deve ser conceituada? Mel Ainscow 11 2. entendendo a discriminação contra estudantes com deficiência na escola Windzy B. Ferreira 25 3. Financiamento da educação básica: o público e o privado na educação especial brasileira Júlio Romero Ferreira 55 4. Complexidade e interculturalidade: desafios emergentes para a formação de educadores em processos inclusivos Reinaldo Matias Fleuri 65 5. A educação inclusiva na espanha Pilar Arnaiz Sánchez 89 6. Currículo funcional no contexto da educação inclusiva Ana Maria Bénard da Costa 105 7. o processo de escolarização e a produção de subjetividade na condição de aluno com deficiência mental leve Tatiana Platzer do Amaral 121 EdInc_Rev2.indd 7 9/22/09 4:58:03 PM 10 Uma visão das mudanças de direção nos objetivos teóricos e práticos que dão sustentação à integração escolar na Espanha é discutida por Pilar Arnaiz Sánchez. A autora apresenta um conjunto de propostas e de estratégias didáticas e organizacio- nais que estão sendo aplicadas na Espanha para que a inclusão seja uma realidade. Discutindo o fato de que as pessoas com deficiências intelectuais estão longe de ver concretizados seus direitos de acesso e participação nas estruturas educativas comuns, Ana Maria Benard da Costa aborda algumas estratégias preconizadas por Lou Brown para aplicação nos programas educativos funcionais, as quais possibili- tam alterar esta situação. As interpretações biologizantes ou psicologizantes, que predominam nos enfoques tradicionais nas áreas de psicologia escolar e educacional e na educação especial em relação à pessoa com deficiência, são problematizadas no texto de Tatiana Platzer do Amaral. E o ensaio de Roberta Roncali Maffezol e Maria Cecília Rafael de Góes aponta para uma perspectiva que abre possibilidades de desenvolvimento e de inserção de jovens e adultos deficientes nos espaços do cotidiano. A situação singular do intérprete de língua de sinais, temática pouco explorada na literatura, especificamente no campo da educação, é discutida no texto de Cristina B. F. de Lacerda e Juliana Esteves Poletti, que enfoca problemas e limitações na atuação do intérprete educacional e a necessidade de ampliação das pesquisas na área, em especial no que se refere ao ensino fundamental. O desenvolvimento de ações que visam à inclusão de pessoas cegas nos siste- mas regulares de ensino, notadamente no que concerne às alternativas pedagógicas para a efetivação de uma prática docente que favoreça a inclusão social, é discutido no artigo de Luzia Guacira dos Santos Silva. Os textos apresentados nesta coletânea suscitam reflexões e questionamentos sobre o ser humano, o meio social, a educação e a atuação do poder público no campo educacional, e certamente encontrarão eco naqueles que desejam e se empenham em construir uma sociedade solidária em que os direitos humanos sejam promovidos e respeitados. Dessa forma, a ANPEd e a UNESCO manifestam sua satisfação em dar publicidade a esta produção coletiva, entendendo que a socialização de informações e de conhecimentos relevantes sobre as políticas e os processos de inclusão constitui uma das vias de materialização do compromisso com as mudanças sociais e educacionais que o Brasil almeja. Márcia Ângela Aguiar Presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) EdInc_Rev2.indd 10 9/22/09 4:58:03 PM 1. tornAr A eduCAção inClusivA: Como estA tAreFA deve ser ConCeituAdA? Mel Ainscow O maior desafio do sistema escolar em todo o mundo é o da inclusão educacional. Em países economicamente mais pobres trata-se princi-palmente de milhões de crianças que nunca viram o interior de uma sala de aula (BELLAMY, 1999). Já em países mais ricos, muitos jo- vens deixam a escola sem qualificações úteis, enquanto outros são colocados em várias formas de condições especiais, longe das experiências educacionais comuns, e alguns simplesmente desistem, pois as aulas lhes parecem irrelevantes para suas vidas (AINSCOW, 2006). Diante desses desafios, há evidências de crescente interesse na ideia da in- clusão educacional. No entanto, esta área permanece confusa quanto às ações que precisam ser realizadas para que a política e a prática avancem. Em alguns países, a educação inclusiva é vista como uma forma de servir crianças com deficiência no ambiente da educação geral. Internacionalmente, contudo, é vista de forma cada vez mais ampla, como uma reforma que apoia e acolhe a diversidade entre todos os estudantes (UNESCO, 2001). A educação inclusiva supõe que o obje- tivo da inclusão educacional seja eliminar a exclusão social, que é consequência de atitudes e respostas à diversidade de raça, classe social, etnia, religião, gênero e habilidade (VITELLO; MITHAUG, 1998). Dessa forma, a inclusão começa a 11 EdInc_Rev2.indd 11 9/22/09 4:58:03 PM 12 partir da crença de que a educação é um direito humano básico e o fundamento para uma sociedade mais justa. No presente ensaio, faço uma revisão do pensamento nesse campo de conhe- cimento para determinar uma direção apropriada a ser adotada. Apresento, então, uma revisão sucinta de diferentes perspectivas sobre educação inclusiva e proponho um avanço com base na ideia de que inclusão é um conjunto de princípios. o desenvolvimento dA eduCAção espeCiAl Há 15 anos, a Conferência Mundial de Salamanca sobre Educação para Necessidades Especiais endossou a ideia da educação inclusiva (UNESCO, 1994). Sem dúvida, o documento internacional mais significativo que já apareceu na área de educação especial, a Declaração de Salamanca defende que escolas regulares com orientação inclusiva constituem “o meio mais eficaz de combater atitudes discrimi- natórias, construindo uma sociedade inclusiva e atingindo educação para todos”. Além disso, sugere que tais escolas podem “proporcionar educação eficaz para a maioria das crianças, melhorar a eficiência e, consequentemente, o custo-benefício de todo o sistema educacional” (UNESCO, 1994). Durante os anos subsequentes à sua publicação, tem havido esforços consideráveis em muitos países para mudar a política e a prática educacional em direção à inclusão (MITTLER, 2000). O desenvolvimento da educação especial envolveu uma série de estágios du- rante os quais os sistemas de educação exploraram diferentes formas de responder a crianças com deficiências e a outras que têm dificuldades de aprendizagem. A educação especial foi oferecida, por vezes, como complemento à educação geral e em outros casos foi totalmente segregada. Uma análise da história da educação especial em muitos países sugere certos padrões (REYNOLDS; AINSCOW, 1994). No início, frequentemente assumia a forma de escolas especiais separadas das escolas regulares, estabelecidas por orga- nizações religiosas ou filantrópicas. Esse tipo de serviço foi adotado e ampliado como parte das medidas educacionais nacionais, muitas vezes levando a um sistema escolar separado e paralelo para esses alunos, considerados como necessitados de atenção especial. Em anos recentes, no entanto, a conveniência de sistemas de educação sepa- rados foi questionada tanto do ponto de vista dos direitos humanos como da sua eficácia (AINSCOW et al., 2006). Defende-se que perspectivas que supõem que a origem das dificuldades de aprendizagem está no aprendiz ignoram as influências do ambiente na aprendizagem. No entanto, há fortes indícios em pesquisa que EdInc_Rev2.indd 12 9/22/09 4:58:03 PM 15 1. inClusão reFerente à deFiCiênCiA e à neCessidAde de eduCAção espeCiAl Há uma suposição comum de que inclusão é principalmente acerca de educação de estudantes com deficiência, ou os classificados como portadores de necessidades educacionais especiais, nas escolas regulares. A eficácia desta abordagem tem sido questionada, uma vez que, ao tentar aumentar a participação dos estudantes, a educação enfoca a parte da deficiência ou das necessidades especiais desses estudantes e ignora todas as outras formas em que a participação de qualquer estudante pode ser impedida ou melhorada. O Índice de Inclusão, um instrumento bem conhecido de avaliação nas escolas, dispensou o uso da noção de necessidade educacional especial para definir dificuldades educacionais (BOOTH; AINSCOW, 2002). Especificamente, propôs a substituição da noção de necessidade educacional especial e de condição educacional especial pela de barreiras de aprendizado e participação e recursos de apoio ao aprendizado e à participação. Nesse contexto, o apoio era visto em todas as atividades, o que aumentava a capacidade das escolas de responderem à diversidade. Esta troca complementa as ideias de outros, como Susan Hart em seu pensamento inovador (HART, 1996, 2000). No entanto, ao rejeitar a ideia de inclusão vinculada a necessidades educacionais especiais, há o perigo do desvio da atenção da contínua segregação vivida por estudantes com deficiências ou, na verdade, de estudantes classificados como portadores de necessidades educacionais especiais. A inclusão pode envolver a afirmação dos direitos de jovens com deficiência à educação comum local, uma ideia proposta veementemente por algumas pessoas com deficiência. Em locais em que alguns veem escolas especiais como uma resposta neutra à “necessidade”, eles podem argumentar que certas crianças seriam melhor atendidas em ambientes especiais. No entanto, vistos a partir da perspectiva dos direitos, tais argumentos se tornam inválidos. Assim, a segregação compulsória é considerada como um fator que contribui para a opressão de pessoas com deficiências, assim como outras práticas, baseadas em raça, sexo ou orientação sexual, que marginalizam grupos. Ao mesmo tempo, há preocupação sobre o efeito significativo da catego- rização de estudantes dentro dos sistemas educacionais. A prática de segregação nas escolas especiais envolve um número relativamente pequeno de estudantes (por exemplo, aproximadamente 1,3% na Inglaterra), mas exerce uma influência des- proporcional no sistema educacional. Parece perpetuar a ideia de que estudantes “precisam” ser segregados por causa de sua deficiência ou dificuldade. EdInc_Rev2.indd 15 9/22/09 4:58:04 PM 16 A dificuldade educacional vista como necessidade educacional especial per- manece como a perspectiva dominante na maioria dos países (MITTLER, 2000). Esta concepção absorve as dificuldades que surgem na educação, em função de uma ampla variedade de razões, emolduradas pela necessidade individual. 2. inClusão Como respostA A exClusões disCiplinAres Se a inclusão é mais comumente associada a crianças classificadas por terem necessidades educacionais especiais, então, em muitos países, sua conexão com mau comportamento está bem próxima. Assim, à menção da palavra inclusão, algumas pessoas dentro das escolas temem que isto signifique que lhes será solicitado imediatamente que cuidem de um número desproporcional de estudantes de comportamento difícil. Afirmou-se que a exclusão disciplinar não pode ser entendida sem estar ligada aos eventos e às interações que a precedem, à natureza dos relacionamentos e à abor- dagem do ensino e da aprendizagem na escola (BOOTH, 1996). Mesmo como um simples cálculo, os números da exclusão disciplinar formal significam pouco quando separados dos números das exclusões disciplinares informais, por exemplo, mandar crianças para casa no período da tarde, taxa de “cabular aula” e a categorização de estudantes como pessoas com dificuldades emocionais e comportamentais. Nesse sen- tido, a exclusão informal, em idade escolar, de meninas que engravidam e que podem ser desencorajadas a continuar a frequentar a escola continua a distorcer as percepções da composição de gênero nos números oficiais de exclusão em alguns países. 3. inClusão que diz respeito A todos os grupos vulneráveis à exClusão Há uma tendência crescente de se ver a exclusão na educação de forma mais ampla, em termos de superação da discriminação e da desvantagem em relação a quaisquer grupos vulneráveis a pressões excludentes. Em alguns países, esta perspec- tiva mais ampla está associada aos termos inclusão social e exclusão social. Quando usada em um contexto educacional, a inclusão social tende a se referir a questões de grupos cujo acesso às escolas esteja sob ameaça, como o caso de meninas que engravidam ou têm bebês enquanto estão na escola, crianças sob cuidados (ou seja, aquelas sob cuidados de autoridades públicas) e ciganos/viajantes. Embora comum, a linguagem da inclusão e da exclusão social passa a ser usada mais especificamente para se referir a crianças que são (ou correm o risco de ser) excluídas da escola e salas de aula por causa de seu comportamento. EdInc_Rev2.indd 16 9/22/09 4:58:04 PM 17 Este uso mais amplo da linguagem da inclusão e da exclusão é, portanto, um tanto fluido. Ele parece indicar que pode haver alguns processos comuns que ligam as diferentes formas de exclusão experimentadas por, digamos, crianças com deficiências, crianças que foram excluídas de suas escolas por razões disciplinares e pessoas que vivem em comunidades pobres. Deste modo, parece haver um convite para explorar a natureza desses processos e de suas origens em estruturas sociais. 4. inClusão Como FormA de promover esColA pArA todos Uma linha de pensamento um tanto diferente sobre inclusão refere-se ao de- senvolvimento da escola regular de ensino comum para todos, ou “escola compreen- siva”, e a construção de abordagens de ensino e aprendizado dentro dela. No Reino Unido, por exemplo, o termo escola compreensiva é geralmente usado no contexto da educação secundária, e foi estabelecido como uma reação ao sistema que alocava crianças em escolas de tipos diferentes com base em sua capacidade aos 11 anos de idade, reforçando as desigualdades baseadas nas classes sociais existentes. O movimento escolar compreensivo na Inglaterra, assim como a tradição Folkeskole na Dinamarca, a tradição da escola comum nos Estados Unidos e o sistema educacional obrigatório unificado em Portugal, têm como premissa o desejo de criar um tipo único de escola para todos capaz de servir uma comunidade socialmente diversificada. Entretanto, a ênfase em uma escola para todos pode ser uma faca de dois gumes. Na Noruega, por exemplo, a ideia da escola para todos tinha a ver tanto com a criação de uma identidade norueguesa independente e singular, quanto com a participação de pessoas em comunidades diversificadas. Dessa forma, na Noruega, embora a forte ênfase na educação para comunidades locais facilitasse o aumento de estudantes matriculados em instituições especiais segregadas, esta ênfase não foi seguida de um movimento igualmente forte de reforma da escola regular para aceitar e valorizar a diferença. Em outros países, houve destaque para a assimilação daqueles estudantes percebidos como diferentes dentro da homogeneidade da normalidade, em vez da transformação pela diversidade. 5. inClusão Como eduCAção pArA todos A questão da inclusão é cada vez mais evidente em debates internacionais. O movimento Educação para Todos (EPT) foi criado nos anos 1990 em torno de um conjunto de políticas internacionais, coordenado principalmente pela UNESCO, e relacionado com o acesso e a participação crescentes na educação em todo o mundo. Ganhou ímpeto através de duas grandes conferências internacionais realizadas em EdInc_Rev2.indd 17 9/22/09 4:58:04 PM 20 A ideia de sustentabilidade conecta inclusão ao objetivo mais fundamental da educação: preparar crianças e jovens para formas sustentáveis de vida dentro de comunidades e de ambientes sustentáveis. Em uma época em que o aquecimento global é, sem dúvida, a questão mais importante que afeta todos no planeta, a inclusão deve certamente estar preocupada em incorporar no âmbito da educação uma compreensão e respostas a esta questão. Direito abarca o reconhecimento e a convicção de que crianças e jovens têm direito a uma educação mais ampla, ao apoio apropriado e a frequentar a escola local. No entanto, tal elucidação só nos leva a determinado caminho. Precisamos saber não só o que esses valores significam, mas também suas implicações na prá- tica, e como eles podem ser colocados em prática. Com isso em mente, do nosso ponto de vista, a inclusão envolve: • Os processos de aumentar a participação de estudantes e a redução de sua exclusão de currículos, culturas e comunidades de escolas locais. • Reestruturação de culturas, políticas e práticas em escolas de forma que respondam à diversidade de estudantes em suas localidades. • A presença, a participação e a realização de todos os estudantes vulneráveis a pressões exclusivas, não somente aqueles com deficiências ou aqueles ca- tegorizados como “pessoas com necessidades educacionais especiais”. Vários aspectos destas caracterizações de inclusão têm importância especial: a inclusão abrange todas as crianças e jovens nas escolas; está focada na presença, na participação e na realização; inclusão e exclusão estão vinculadas, de maneira que a inclusão envolve o combate ativo à exclusão; a inclusão é vista como um processo sem fim. Assim, uma escola inclusiva é aquela que está evoluindo, e não aquela que já atingiu um estado perfeito. Entre as desvantagens deste ponto de vista está a identificação da educação como escolarização, enquanto nós vemos a escola apenas como um dos espaços da educação dentro das comunidades. Nesse sentido, consideramos que o papel das escolas é dar apoio à educação das comunidades e não de monopolizá-las. Gostaría- mos também de enfatizar o significado da participação dos funcionários das escolas, pais/responsáveis e outros membros da comunidade. Parece-nos que não iremos muito longe no apoio à participação e ao aprendizado dos estudantes se rejeitarmos identidades e históricos familiares, ou se decidirmos não encorajar a participação dos funcionários da escola em decisões sobre atividades de ensino e aprendizado. Gostaríamos também de conectar inclusão/exclusão na educação, de forma mais abrangente, com pressões inclusivas e exclusivas na sociedade. EdInc_Rev2.indd 20 9/22/09 4:58:04 PM 21 Neste artigo, eu resumi algumas formas em que os termos inclusão e exclu- são são usados. Isto fez com que eu defendesse que grupos diferentes em contextos diferentes pensam sobre a inclusão de forma diversa, e que não há uma definição única e consensual. Eu também estabeleci o ponto de partida para o pensamento sobre inclusão usado em nossa recente pesquisa, o que envolve comprometimento com certos valores definidos de maneira abrangente. Inclusão em educação pode ser vista, dessa forma, como um processo de trans- formação de valores em ação, resultando em práticas e serviços educacionais, em sistemas e estruturas que incorporam tais valores. Podemos especificar alguns deles, porque são parte integral de nossa concepção de inclusão; outros podemos identificar com um razoável grau de certeza, com base no que aprendemos a partir de experiên- cias. Isto significa que a inclusão só poderá ser totalmente compreendida quando seus valores fundamentais forem exaustivamente clarificados em contextos particulares. reFerênCiAs bibliográFiCAs AINSCOW, M. Understanding the Development of Inclusive Schools. Londres: Falmer, 1999. ______. Developing inclusive education systems: what are the levers for change?. Journal of Educational Change, v. 6, n. 2, p. 109-124, 2005. AINSCOW, M.; BOOTH, T.; DYSON, A. et al. Improving Schools, Developing Inclusion. Londres: RoutledgeFalmer, 2006. AINSCOW, M.; FARRELL, P.; TWEDDLE, D. Developing policies for inclusive education: a study of the role of local education authorities. International Journal of Inclusive Education, v. 4, n. 3, p. 211-229, 2000. BELLAMY, C. The State of the World’s Children: Education. Nova York: UNICEF, 1999. BOOTH T. A Perspective on inclusion from England. Cambridge Review of Education, v. 26, n. 1, p. 87-99, 1996. ______; AINSCOW, M. (Eds.). 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What Works in Inclusive Education? Ilford: Barnardo’s, 1997. EdInc_Rev2.indd 22 9/22/09 4:58:04 PM 26 acesso à educação de qualidade necessária para realizar o pleno desenvolvimento de cada indivíduo e sua cidadania (FERREIRA, 2001, 2006a). Hoje, estudos (FERREIRA et al., 2002; SCS 2001, 2003) e relatórios (DAA, 2001) esclarecem que os direitos do grupo social constituído pelas pessoas com deficiência têm sido sistematicamente violados: a essas pessoas tem sido negado o direito a uma vida digna e produtiva, na qual possam participar de atividades regu- lares do cotidiano como qualquer outro ser humano. As pessoas que nascem com deficiências ou as adquirem ao longo da vida são continuamente privadas de opor- tunidades de convivência com a família e seus pares, de aprendizagem educacional formal (na escola) e informal (em casa, na rua etc.), de possibilidades de acesso ao trabalho e a atividades de lazer e cultura, entre outros. O argumento central deste artigo é o de que existe uma lacuna de conheci- mentos sobre os direitos humanos e a sua consequente violação (por exemplo, na forma de comportamentos, procedimentos, sanções ou exigências discriminatórias) na formação dos educadores(as), a qual constitui sólida barreira para o desenvol- vimento de escolas inclusivas para todos(as) quando se trata especificamente do grupo social constituído por crianças, jovens e adultos com deficiência. Defendo aqui que o acesso ao saber sobre os direitos humanos, em particular, os direitos das pessoas com deficiência no Brasil, conscientiza o professor e torna-se um elemento- chave no combate à exclusão nos sistemas educacionais. Neste artigo, visando contribuir para a reflexão sobre o tema discriminação no campo da educação, primeiro defino o conceito de discriminação a fim de elucidá-lo no âmbito das experiências vividas por pessoas com deficiência. Segundo, apresento breve perspectiva da situação do estudante com deficiência no sistema educacional brasileiro. Terceiro, trato da violação do direito à educação desses indivíduos para, a seguir, apresentar o estudo Crianças com Deficiência e a Convenção dos Direitos da Criança: um instrumento de defesa (FERREIRA et al., 2002; SCS, 2003) e as categorias de violação dos direitos de crianças e jovens com deficiência no contexto da educação. o que é disCriminAção e Como se mAniFestA nA vidA de pessoAs Com deFiCiênCiAs? Segundo o Dicionário Aurélio (1999), discriminar significa diferenciar, distinguir, discenir; estabelecer diferença (p. 690). Quando a discriminação tem um caráter proibitivo, qualquer ato ou procedimento discriminatório implica re- duzir ou limitar as oportunidades de acesso e manutenção da atividade realizada EdInc_Rev2.indd 26 9/22/09 4:58:04 PM 27 (Wikipedia, 2006). A discriminação pode se manifestar, entre outras formas, com base nas diferenças entre os sexos, idade, cor, estado civil, deficiência, doença, orien- tação sexual ou ainda, por exemplo, pela exigência de certidões ou exames para determinadas pessoas (como candidatos a emprego, matrícula ou outra atividade). O ato discriminatório pode ser visível e provocar reprovação imediata por parte daqueles que o presenciam, ou pode ser “invísivel”, velado, camuflado, sem pro- duzir aparentemente consequências adversas imediatas para a pessoa discriminada. disCriminAção visível Quando a discriminação é vísivel, o ato se manifesta, por exemplo, quando uma pessoa com deficiência1 é impedida por um segurança de entrar em recinto público, conforme a experiência vivida por Charles (nome fictício): Uma vez eu fui ao supermercado e fui barrado na porta pelo guarda. Ele foi logo me dizendo que ali não era lugar para eu pedir esmolas. Eu disse que tinha dinheiro e que eu fui lá para comprar, mas ele disse: “Eu não vou permitir a entrada de um deficiente mal vestido”. Tenho certeza de que isso foi uma dis- criminação, porque eu sou deficiente e pobre (FERREIRA et al., 2002, p. 37). Charles, um rapaz com deficiência física, usa muletas e tinha 14 anos quando contou sua experiência para a pesquisadora que o entrevistou. O constrangimento social vivido por ele poderia ter provocado imediatamente reações por parte de algumas pessoas presentes no supermercado no sentido de sua defesa. Contudo, po- demos inferir, quase sem margem de erro, que provavelmente a maioria das pessoas que presenciou o “impedimento de Charles de acesso ao supermercado” seria a favor do guarda por acreditar que “o deficiente pobre” estaria lá tentando pedir esmolas. Portanto, o segurança estaria apenas “fazendo seu trabalho”. Isto quer dizer que haveria uma tendência natural à aceitação da discrimina- ção visível – entendida assim como um “procedimeto correto” por parte do segurança – em consequência do desconhecimento dos direitos de qualquer pessoa de acesso a um recinto público, seja ele qual for, independente de sua aparência ou de outra condição: religiosa, deficiência, socioeeconômica, ou segundo a sua orientação sexual, entre outras. 1 Ou pessoa negra, portadora do vírus HIV/Aids ou outra condição qualquer que esteja na base do ato dis- criminatório. EdInc_Rev2.indd 27 9/22/09 4:58:04 PM 28 disCriminAção velAdA No caso de discriminação velada ou invisível, os efeitos do ato manifestam-se sobre determinados grupos, mas não são imediatamente aparentes. Em alguns casos, a discriminação pode ser entendida como um benefício para o sujeito discriminado, isto é, realizar tarefas para uma pessoa que não tem capacidade de executá-las. Por exemplo, uma criança com deficiência intelectual que tem “tudo na mão” (não pode se alimentar sozinha, não é ensinada a se vestir, não é estimulada a amarrar o próprio sapato, alguém escova seus dentes ou penteia seu cabelo etc.) é impedida de fazer qualquer atividade diária porque há uma crença em sua incapacidade de se incumbir dessas tarefas. Dessa forma, a pessoa que realizar a ação (tarefas, atividades) discrimi- natória acredita estar beneficiando a criança com deficiência, ajudando-a naquilo que, segundo se pensa, ela não pode fazer sozinha. Contudo, neste caso, a limitação de oportunidades para desenvolver autonomia cria gradualmente prejuízos sociais e de aprendizagem para a vida desta criança, porque a torna cada vez mais dependente. A experiência contada por um cego sobre seu amigo, ilustra bem a “tragédia pessoal” (OLIVER, 1997) do jovem Aurélio (nome fictício): Meu amigo (cego) saiu de casa e foi para o instituto quando ele tinha 16 anos. Ele morava no interior. A família isolou tanto ele, que ele era dependente dos outros. Ele costumava dizer que a família não ligava para ele. E porque não teve contato com pessoas até essa idade, ele seria incapaz de ser independente. Daí, ele cometeu suicídio... (FERREIRA et al., 2002, p. 28). A história acima, que revela a gravidade e a força destrutiva da discrimina- ção, foi contada por um cego que também vivia em uma instituição para cegos. Certamente a maioria das pessoas consideraria que Aurélio foi beneficiado com sua matrícula na escola para cegos e não pensaria no “abandono e na dor” sentidos por ele, que acabaram por gerar seu medo de sobreviver sozinho no mundo real e a sua tragédia. Aurélio suicidou-se aos 18 anos, quando teria que deixar a escola para cegos, porque não se sentia preparado para viver autonomamente. A invisibilidade das pessoas com deficiência nos espaços sociais comuns e a crença em sua incapacidade (FERREIRA, 2004), associados ao desconhecimento – ignorância – sobre os seus direitos e os direitos humanos em geral, estão na raiz das atitudes e dos procedimentos discriminatórios. A discriminação contra indivíduos e grupos em condição social de subalternidade são tão frequentes que, historica- mente, se tornou necessário a publicação de documentos legais que tratassem do EdInc_Rev2.indd 28 9/22/09 4:58:04 PM 31 dades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alu- nos, bem como altas habilidades/superdotação (INEP, 2005). É importante aqui destacar que o Censo Demográfico de 2000 também re- vela que do total da populacão3 brasileira, 13,52%4 são de crianças e jovens com deficiência, com idade entre 0 e 19 anos, dos quais 19,2% (640.317) têm acesso a algum nível de escolarização, da educação infantil ao ensino profissionalizante de nível médio (INEP, 2005). Tais números, contudo, não contemplam informações sobre ciclo, série, relação idade-série e fluxo escolar do estudante com deficiência no sistema regular de ensino comum, lacuna esta que impossibilita uma visão mais realística das características e da efetividade do processo de escolarização desses(as) alunos(as). Ao mesmo tempo, tais dados indicam que, embora as matrículas estejam aumentando na rede de ensino, as condições educacionais mantêm-se desiguais para os estudantes com deficiência terem sucesso escolar. Entre as razões para esta desigualdade, muitas estão diretamente relacionadas à discriminação vivida por eles durante a sua escolarização. Em outras palavras, o direito de “não ser discriminado” e de ter acesso aos recursos e aos apoios de que necessitam para estudar em condições de igualdade ainda permanecem a marca predominante da sua vida escolar, e é por isso que se torna urgente a promoção da aquisição de conhecimentos relevantes na área de direitos humanos por parte de educadores(as) e comunidades escolares. Conforme o Relatório sobre as Vidas de Crianças com Deficiência Também é nosso mundo! 5: Mudança é possível. Apesar da escala de violações e apesar da extensão da discriminação e hostilidade dirigidas à deficiência, há no mundo todo exemplos concretos de política e prática que indicam o que pode ser alcançado com visão, compromisso e vontade para ouvir as crianças com deficiência e suas famílias. É vital que estes exemplos positivos sejam disseminados, com- partilhados e acrescidos a fim de ampliar e fortalecer as boas práticas para promover e respeitar os direitos das crianças com deficiência no mundo (DAA, 2001, p. 41). 3 Em torno de 170 milhões em 2000. 4 Equivalente a 3.327.111 crianças e jovens. 5 Em inglês, It is our world too! EdInc_Rev2.indd 31 9/22/09 4:58:05 PM 32 Dessa forma, a promoção e a defesa dos direitos das crianças, assim como as medidas de proteção a elas, aos jovens e adultos com deficiência, devem constituir meta governamental e estar no centro da agenda das políticas públicas (federal, estadual e municipal), dos projetos políticos pedagógicos e das missões de organi- zações do terceiro setor. violAção do direito à eduCAção dAs pessoAs Com deFiCiênCiAs Mundialmente, a violação dos direitos da criança e do jovem à educação tem sido objeto de atenção e denúncia da sociedade civil, de educadores(as), mídia e pesquisadores(as). Nesse contexto, a publicação da Declaração Universal dos Direi- tos Humanos6 (ONU, 1948) constituiu um marco na organização da sociedade civil para promover e defender os direitos de indivíduos e grupos que sofrem discrimi- nação de toda sorte, e nele o movimento das pessoas com deficiência tem ganhado adeptos e conquistado espaços cada vez mais significativos. Na mesma linha, houve a publicação da Convenção dos Direitos da Criança - CDC (ONU, 1989), ganhando impulso, na década de 1990, o compromisso so- cial em relação aos direitos da criança. Como consequência, inúmeros documentos internacionais foram aprovados com o objetivo de defender e promover os direitos das crianças em geral e, em particular, daquelas que vivem em situação de risco. A CDC possui 54 artigos, cujos textos garantem mecanismos legais que oferecem as bases para ações jurídicas contra órgãos administrativos, entidades civis e de cunho social, escolar e outros. O conteúdo dos artigos 2, 3, 6, 12 da CDC, cujas sínteses veremos a seguir, fornecem elementos legais para a elaboração de estratégias de inclusão e formas de garantir que todas as crianças, “incluindo aquelas com defici- ência”, tenham acesso à escolarização e sucesso escolar (permanência). O artigo 23 trata especificamente dos direitos de crianças e jovens com deficiência. Artigo 2 - Os Estados-partes assegurarão a toda criança sob sua jurisdição os direitos previstos nesta convenção sem discriminação de qualquer tipo baseadas na condição, nas atividades opiniões ou crenças, de seus pais, representantes legais ou familiares. Artigo 3 - Todas as medidas relativas às crianças tomadas por instituições de bem-estar social públicas ou privadas, tribunais e autoridades administrativas deve- 6 O primeiro documento sobre os direitos da criança publicado pela ONU foi a Declaração dos Direitos da Criança, de 1952. Em 1985, a ONU publicou Normas Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (As Normas de Beijing) e, em 1989, a Convenção dos Direitos da Criança, a qual final- mente ganhou poder legal e deve, portanto, nortear a legislação de todos os países. EdInc_Rev2.indd 32 9/22/09 4:58:05 PM 33 rão considerar, primordialmente, o interesse maior da criança e se comprometerão em assegurar a proteção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, particularmente no tocante à segurança e à saúde das crianças, ao número e à competência de seu profissionais, e à existência de supervisão adequada. Artigo 6 - Todos os Estados-partes reconhecem que toda criança tem direito à vida e assegurarão ao máximo a sobrevivência e o desenvolvimento da criança. Artigo 12 - Aos Estados-partes cabe assegurar à criança o direito de exprimir suas opiniões livremente, levando-se em conta sua idade e maturidade. Será dada à criança a oportunidade de ser ouvida em qualquer procedimento judicial e adminis- trativo que lhe diga respeito em conformidade com as regras processuais do direito nacional. Artigo 23 - Os Estados-partes reconhecem que toda criança com deficiência física ou intelectual deverá desfrutar de uma vida plena e decente; reconhecem o direito da criança deficiente de receber cuidados especiais; estimularão e assegurarão a prestação de assistência adequada ao estado da criança, que será gratuita e visará assegurar à criança deficiente o acesso à educação, à capacitação, aos serviços de saúde, aos serviços de reabilitação, a preparação para emprego e às oportunidades de lazer, de forma que ela atinja uma completa integração social. Os Estados-partes promoverão ainda o intercâmbio e a divulgação de informações a respeito de méto- dos e técnicas de tratamento, educação e reabilitação para que se possam aprimorar os conhecimentos nestas áreas (grifos meus). No ano anterior à publicação pela Organização das Nações Unidas da Convenção dos Direitos da Criança, a Constituição Federal Brasileira de 1988 estabeleceu que: constitutem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3º - inciso IV - grifo meu). todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natu- reza, garantindo-se aos brasileiros […] a inviolabilidade de seu direito à vida, à igualdade, à segurança […] [e] punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamen- tais (Art. 5º - grifos meus). EdInc_Rev2.indd 33 9/22/09 4:58:05 PM 36 com base na lei, isto é, ele pode ser usado como justificativa pelas escolas para recu- sar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer suspender (Lei no 7.853/89) a matrí- cula do(a) aluno(a) com deficiência, uma vez que há “falta de preparo dos docentes” e “inexistência de recursos” para educar esses estudantes, como ainda acontece com frequência no país. O termo preferencialmente permite às escolas afirmarem que é “preferível” que este(a) educando(a) estude em uma escola segregada apropriada “para ele(a)”! Tanto o termo como o procedimento ferem o princípio democrático da inclusão, porque violam o direito de as pessoas com deficiência estudarem – como todos! – nas mesmas escolas que seus irmãos, colegas, vizinhos. No Brasil, reconhecendo a crise de qualidade que afeta o sistema educacional e que gera fracasso e evasão escolar, o Plano Nacional de Educação – PNE (BRA- SIL, 2001d, 2004) assume o compromisso de responder educacionalmente por uma ampla gama de grupos vulneráveis e de reduzir as desigualdades no que diz respeito ao acesso, à permanência na escola e ao sucesso escolar. A Secretaria de Educação Especial10 do MEC tem o papel de elaborar, implementar, coordenar e acompanhar a política nacional de inclusão de pessoas com deficiência nas escolas da rede de ensino e de elaborar e aperfeiçoar os instrumentos de coleta de dados utilizados nas pesquisas oficiais realizadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Edu- caionais Anísio Teixeira (Inep).11 Não se pode negar o fato de que no sistema educacional brasileiro ainda há lacunas sólidas de recursos materiais (ex.: salas de recursos, materiais e equipa- mentos) e recursos humanos, como profissionais especializados na área de educação especial e professores(as) com um entendimento claro do que seja inclusão na sala de aula e capazes de ensinar usando metodologias de ensino que são inclusivas.12 Todavia, também não se pode ignorar o fato de que nos últimos cinco anos o nú- mero de matrículas na rede de ensino de alunos com deficiência tem aumentado sistematicamente. Vale destacar que nesse mesmo contexto aumentou o acesso das famílias e das próprias pessoas com deficiência aos dispositivos legais existentes, acesso este que as torna gradualmente melhor preparadas para lutar pelos seus direi- tos à educação. A história abaixo ilustra uma das muitas manifestações de defesa do direito de pessoas com deficiência à educação; ela reflete experiências acontecidas em todas as regiões brasileiras: 10 Seesp. Disponível em: <www.mec.gov.br/seesp>. 11 Inep. Disponível em: <www/mec.gov.br/inep>. 12 A Secretaria de Educação Especial lançou em 2005 o Projeto Nacional Educar na Diversidade, que tem como objetivo formar docentes usando metodologias de ensino inclusivas na sala de aula regular de forma a garantir a participação efetiva de todos os educandos(as), incluindo aqueles com necessidades educacionais especiais, nas atividades realizadas na classe. Para maiores informações: <www.mec.gov. br/seesp>. Para acessar o material de formação Educar na Diversidade: <http://portal.mec.gov.br/seesp/ arquivos/pdf/educar%20na%20diversidade.pdf>. EdInc_Rev2.indd 36 9/22/09 4:58:05 PM 37 Em uma cidade no sul do país, a mãe de um menino cego de nove anos que nunca tinha estudado decide matricular seu filho na escola. A escola, por sua vez, não aceita a matrícula, justificando que não estão preparados para ensinar um aluno cego: nenhum professor conhece Braille e a escola não possui os recursos necessários. Segura de seus direitos, a mãe procurou um Procurador da República que, junto com a mãe, procurou a Secretaria de Educação do município. A Secretaria esclareceu que, infelizmente, na cidade não tinha nenhum aluno cego na rede e ninguém que soubesse Braille, assim, não havia como atender àquele aluno. A solução encontrada em conjunto para garantir o direito daquele aluno foi que durante seis meses a prefeitura asseguraria o transporte do aluno a uma escola da cidade mais próxima e, durante aquele período, a Secretaria realizaria a formação de professores(as) em Braille para que o aluno pudesse finalmente ser matriculado em uma escola de sua cidade. O resultado da iniciativa da mãe foi que, no ano seguinte, havia na cidade dez professores capacitados para ensinar Braille e ensinar em Braille e outras nove crianças e jovens cegos se matricularam na rede de ensino daquela cidade. Experiências como esta são fundamentais para serem disseminadas, servirem de modelo e mostrarem que a discriminação contra crianças e jovens alunos com deficiência não pode mais ser aceita como uma prática legítima nas escolas brasi- leiras. Além disso, a experiência acima ilumina como as parcerias entre prefeituras (ou estados), escolas, famílias e os diversos setores da sociedade civil constituem elemento-chave para colaborativamente encontrar alternativas viáveis que garantam os direitos desses estudantes. diretrizes nACionAis pArA A eduCAção espeCiAl nA eduCAção básiCA – Cne nº 02/2001 Respondendo ao Capítulo V da LDB, as Diretrizes têm como objetivo orien- tar os sistemas educacionais acerca da educação de alunos(as) com necessidades educacionais especiais na sala comum das escolas da rede regular e oferecer sub- sídios para a constituição das diversas modalidades de atendimento (especializado, hospitalar e domiciliar) ao estudante com deficiência. Em seu Art. 2º, as Diretrizes (BRASIL, 2001c) estabelecem que EdInc_Rev2.indd 37 9/22/09 4:58:05 PM 38 Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos (grifo meu). Este documento define os estudantes que têm necessidades educacionais especiais13 como aqueles com dificuldades acentuadas de aprendizagem, associadas ou não à deficiência; os que têm dificuldades de comunicação e expressão; e aqueles com grande facilidade de aprendizagem (altas habilidades/superdotação), garantindo a todos o direito à matrícula em classes comuns da educação regular e o direito ao atendimento educacional especializado. lei de ACessibilidAde (lei nº 10.098/2004) Esta lei atende a uma demanda histórica dos movimentos sociais que defen- dem os direitos das pessoas com deficiência: trata da acessibilidade ao meio físi- co (edifícios, vias públicas, mobiliário, equipamentos urbanos etc.), aos sistemas de transporte, de comunicação e informação e de ajudas técnicas. Tal lei representa um passo decisivo para a inclusão de crianças, jovens, adultos e idosos com deficiência ou mobilidade reduzida nas várias esferas da vida humana, incluindo escola, serviços de saúde, mercado de trabalho, lazer, turismo e acesso à cultura. O avanço na legislação deveria representar um avanço também na inclusão de pessoas com deficiência nos sistemas educacionais, assim como – se considerados os textos legais – o acesso, a permanência e o sucesso escolar de alunos e alunas com deficiência deveriam estar representados no panorama educacional atual. Todavia, apesar de todo o arsenal legislativo, a realidade e os dados disponíveis (SCS, 2003; FERREIRA et al., 2002; BANCO MUNDIAL, 2003; BIELER, 2004) revelam que, para a grande maioria da população, as leis e os procedimentos legais não são conhecidos e, consequentemente, os direitos das pessoas com deficiência continu- am sendo violados de inúmeras formas (BANCO MUNDIAL, 2003; FERREIRA, 2003, 2006b). 13 Na mesma linha, o Censo Escolar 2005 define alunos com “necessidades educacionais especiais” como aqueles que apresentam, durante o processo educacional, dificuldades acentuadas de aprendizagem, que podem não estar vinculadas a uma causa orgânica específica ou relacionadas a condições, disfunções, li- mitações ou deficiências, abrangendo dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, bem como altas habilidades/superdotação. EdInc_Rev2.indd 38 9/22/09 4:58:05 PM 41 e procedemos a uma nova série de entrevistas a fim de levantar dados mais consis- tentes sobre as experiências vividas por esses estudantes. Os achados do estudo mostraram que a violação ao direito à educação, co- mum na rede escolar, possui inúmeras facetas perversas para a criança e o jovem com deficiência e sua família, influenciando sobremaneira o modo como as pessoas ou as organizações entendem e respondem a elas, conforme pode ser observado a seguir: • as escolas e os(as) professores(as) não estão e não se sentem preparados para receber crianças com deficiência em suas classes regulares; assim, uma das práticas mais comuns nas escolas é a recusa da matrícula ou a tentativa de ver se a criança se adapta; • as crianças e os jovens que são aceitos nas escolas da rede pública de ensino tendem a abandoná-las, pois elas não respondem às suas necessidades; com isso, perdem oportunidades de conviver com seus pares e de encontrar mais oportunidades para o seu desenvolvimento; • as famílias que retiram seus filhos das escolas públicas, mas não desistem de sua escolarização, inclinam-se a buscar escolas especiais ou escolas particu- lares, isto quando a sua situação financeira permite; • com frequencia, um número significativo de crianças que estudam em escolas especiais posteriormente integradas a escolas regulares tendem a ser reencaminhadas às escolas especiais por seus responsáveis considerá-las menos discriminatórias e menos arriscadas para os seus filhos; • algumas mães consideram que as escolas especiais não são ambientes segu- ros para os seus filhos em função de duas razões: - facilidade para os filhos e as filhas deixarem o prédio da escola sem nenhum tipo de controle por parte dos funcionários; - possibilidade de as filhas ou os filhos serem agredidos por crianças maiores; • nas escolas privadas há a tendência para a não aceitação das crianças com deficiências sob a alegação de que a escola não está preparada para recebê-las; entretanto, aquelas que matriculam esses(as) alunos(as) podem acrescentar uma taxa extra à mensalidade, justificada pela assistência extra que a criança deve requerer. Contudo, a referida taxa não assegura a prometida assistência; EdInc_Rev2.indd 41 9/22/09 4:58:05 PM 42 • a educação oferecida para esses estudantes é, em geral, pobre em qualidade educacional e mantém-se no âmbito das atividades oferecidas na educação infantil, isto é, atividades lúdicas, artísticas e esportivas, o que contribui para a perpetuação da crença em suas incapacidades e na falta de oportuni- dades para se desenvolverem. Além dos achados acima apresentados, foram identificadas quatro categorias que abrangem as formas de violação19 dos direitos de crianças e jovens com defici- ência no contexto educacional escolar, consideradas pela equipe de pesquisa como as mais representativas das experiências vividas, quais sejam: a) despreparo da escola e dos(as) professores(as); b) preconceito por parte de pais e educadores(as) de crianças sem deficiência; c) situações de agressão verbal e de desrespeito; e d) submissão dos pais em situações de discriminação. A) desprepAro dA esColA e dos(As) proFessores(As) O estudo detectou que as escolas e os professores se consideram desprepa- rados para receber alunos(as) com deficiência, para inseri-los no contexto e nas atividades escolares e para integrá-los na classe e com os colegas. Os professores parecem acreditar que se dispuserem de seu tempo na classe para apoiar este(a) educando(a), envolvê-lo(a) nas atividades propostas para a turma ou integrá-lo(a) às atividades com os colegas, isto se dará em detrimento dos outros estudantes. Na mesma linha, os pais de alunos(as) com deficiência também consideram que os(as) professores(as) não estão preparados para ensinar seus filhos. As histórias a seguir ilustram algumas situações de discriminação sofridas por esses estudantes em suas turmas, particularmente em relação à não participação nas atividades pedagógicas e ao isolamento da classe como um todo. A gente tentou muitas vezes matricular nosso filho numa escola regular, mas não tivemos sucesso… sempre ouvíamos NÃO dos diretores e, a justificativa era de que não estavam preparados para lidar com este tipo de aluno e de que ele precisa é de uma escola especializada. (Mãe de Paulo, que tem dez anos e deficiência intelectual) Ricardo tem três anos e visão subnormal. Está estudando numa creche (em sala de aula comum), mas a professora o deixa isolado, de forma que seus coleguinhas não possam se aproximar dele. Ela 19 As histórias de respeito não são abordadas neste artigo, por ser nosso foco a experiência de discriminação. EdInc_Rev2.indd 42 9/22/09 4:58:05 PM 43 disse que não tem condições e nem tempo para trabalhar com ele, por isso, evita que as outras crianças se aproximem dele. (Profissional) Eu estudei no instituto dos cegos. Pra mim foi uma vitória estudar na melhor escola do Nordeste. Com 15 anos fui para a escola regular. Os professores e meus colegas não me respeitavam. Uma vez minha professora disse: – Não sei pra que cego estuda nesse colégio. Eles dão muito trabalho e deveriam estudar numa escola especial só para eles. Na rua, às vezes as pessoas me dão esmolas, como se tivessem pena de mim… (Fernando, 18 anos) Recusar matrícula, matricular e isolar na sala de aula, impedir o contato com os colegas configuram-se atos discriminatórios e violações graves do direito de qualquer estudante à educação e à convivência em condição de igualdade, conforme já discutido na legislação. O mesmo vale, portanto, para a pessoa com deficiência. Então, a crença no “despreparo da escola e do(a) educador(a)” – já cristalizada no discurso e na cultura das escolas – não se justifica mais, pois “se” as escolas estão despreparadas, seus(suas) gestores(as) deveriam buscar efetivar a preparação docen- te necessária para “também” escolarizar esses estudantes. Se os(as) educadores(as), contudo, ainda não se sentem confiantes quanto ao seu repertório pedagógico para ensinar estudantes com deficiência, precisam buscar apoio nos colegas docentes, nos próprios estudantes com deficiência e nas suas famílias e também nos outros educandos, para juntos construírem um novo fazer pedagógico que inclua todos(as) nas atividades e na vida escolar. Além disso, os docentes devem exigir da gestão da escola o desencadeamento de ações, em parceria com as secretarias de educação e as organizações do terceiro setor, que contemplem as necessidades docentes, assim como aconteceu com o aluno cego na cidade do sul do Brasil, citado neste artigo. b) preConCeito por pArte de pAis e eduCAdores(As) de CriAnçAs sem deFiCiênCiA O estudo revela que educadores(as) e pais de estudantes sem deficiência – os habitualmente denominados normais – expressam claramente seu preconceito quanto à convivência entre seus filhos e os colegas com deficiência e revelam igno- rância acerca dos benefícios de tal convivência. Preconceitos geram inevitavelmente EdInc_Rev2.indd 43 9/22/09 4:58:06 PM 46 Rótulos e comentários desagradáveis sobre altura, peso, inteligência, tipo de roupa etc. constituem parte da vida em relação. Nas escolas não é diferente. Todavia, quando as brincadeiras sem importância passam a se caracterizar como situações de discriminação que criam prejuízos e vitimizam as pessoas, isto significa que algo precisa ser feito pela escola e pelo(a) educador(a). É da inteira responsabilidade dos(as) gestores(as) escolares o modo como tais experiências são tratadas. No caso de Breno, Marcia, Fabiana, Paulo e Marcelo não há dúvidas acerca dos prejuízos causados (os depoimentos falam por si só!), os quais deveriam ser identificados pela gestão da escola como uma questão a ser solucionada a fim de evitar que esses estudantes sejam vulnerabilizados e empurrados para as margens da vida escolar e da escolarização. Experiências negativas devem servir de base aos(às) gestores(as) e docentes para que criem estratégias de conscientização da comunidade escolar – tanto sobre as ocorrências em si como no que diz respeito à riqueza de se conviver com as di- ferenças no espaço escolar. As famílias de estudantes com deficiência, impotentes diante da indiferença da escola, acabam por se submeter à discriminação. d) submissão dos pAis em situAções de disCriminAção Os dados revelam que os pais tendem a ser subjulgados pelas pressões oriundas das relações sociais desrespeitosas, discriminatórias e pela falta de apoio da escola aos seus filhos. As histórias abaixo atestam como as pressões sociais são ocorrências comuns na vida escolar: Francisca estudava na escola regular. Eu cheguei lá e uma mãe disse: – Olha, é a mãe da “doidinha!”. Eu então tirei minha filha daquela escola. Quando fui falar com a diretora, tive que ouvir: – Eu não vou perder alunos por causa de sua filha… Como esta não era a primeira vez que esse tipo de situação acontecia, eu decidi que não quero mais minha filha na escola regular. Agora ela está estudando na escolinha do centro de reabilitação da cidade (Mãe de Francisca, que tem 8 anos e deficiência física). Eu não vou permitir que a professora discrimine Ricardo só porque ele tem visão subnormal e eu sou cega! (Mãe de Ricardo, com 10 anos). Minha filha tem 11 anos e está numa escola especial. O meu marido não quer que ela frequente a escola regular, porque ela frequentou por um ano e nós vimos que ela ficava isolada das EdInc_Rev2.indd 46 9/22/09 4:58:06 PM 47 outras pessoas, não aprendia nada e as outras crianças não en- tendiam o que ela falava. Minha filha sempre chegava triste da escola; por isso, o pai dela não quer que ela estude com crianças normais (Mãe de Cássia, que tem deficiência intelectual). A professora [da escola particular] discriminava meu filho e o isolava dos outros colegas na sala de aula. Os meninos batiam nele e o chamavam de doidinho. Eu procurei a diretora que me ignorou. Então, sem o apoio da escola e diante da situação, resolvi retirá-lo da escola (Mãe de Paulino, que é filho adotivo, tem 16 anos e deficiência intelectual). Eu me recuso a colocar meu filho, que tem deficiência intelec- tual, na escola regular, pois ele não fala e vai ser maltratado pe- los outros alunos. Eu não confio em deixar o meu filho sozinho num ambiente estranho (Mãe de Augusto, com cinco anos). Os depoimentos revelam que o medo das pressões reais, imaginadas ou previstas faz parte da vida e das experiências de pais e mães de pessoas com deficiência no contexto da escola. Na minha perspectiva, o ponto-chave do medo em face de tais pressões tem origem no fato de que – como fica bastante evidente nas falas – a gestão escolar tende a não se posicionar na defesa desses(as) alunos(as). Obviamente, a experiência contínua de falta de compromisso com a educação efetiva de seus(suas) filhos(as), associada à falta de apoio por parte de gestores(as) e docentes, gera sentimento de impotência em pais e mães e, consequentemente, a sua submissão diante do ato discriminatório. Parece natural, portanto, que pais e mães considerem melhor retirar seus filhos das escolas para protegê-los de situações adversas, pois estas podem, inclusive, envolver risco físico. Embora a decisão de mudar de escola seja compreensível, retirar dela o(a) aluno(a) com deficiência após a vivência de situações adversas apenas contribui para que a escola perpetue suas práticas discriminatórias e para que sejam fortalecidas as barreiras à inclusão e às oportunidades iguais na escolarização desses estudantes. ConClusão A discriminação é prática corrente na sociedade, nos relacionamentos huma- nos e reflete a relação de poder e subalternidade que envolve as classes e os grupos sociais. Vítimas de discriminação ao longo da história da humanidade e de suas vi- das, as pessoas com deficiência – diferente do que se acredita – possuem clara visão EdInc_Rev2.indd 47 9/22/09 4:58:06 PM 48 acerca da discriminação, do preconceito e do tratamento desigual que sofrem nas organizações escolares em qualquer nível e modalidade educacional. Evidentemente, as pessoas com deficiência e suas famílias ressentem-se das experiências de discri- minação e, sozinhas, buscam formas para a superação das barreiras que encontram no cotidiano, as quais são geradas, em grande parte, exatamente por aqueles(as) que deveriam protegê-las: pais e mães, gestores(as), educadores(as), docentes, colegas e familiares de seus colegas. A consequência da discriminação, das pressões internas (pessoais) e externas acaba por estabelecer as bases psicológicas para que esses educandos se tornem jo- vens e adultos vulneráveis socialmente, como veremos abaixo através de seus pró- prios depoimentos: O que sempre me chateou foi que as pessoas me viam e me chamavam de ceguinho. Eles tinham preconceito comigo. A partir daí, comecei a beber [...] ficava embriagado quase o dia todo. Minha família tinha um pouco de cuidado, mas não o suficiente para impedir que eu bebesse. Hoje, depois que meus pais me trouxeram para o instituto, eu só estudo e faço esportes. (Anderson, 16 anos) Quando eu comecei a ir à escola, os colegas me olhavam como se eu tivesse uma doença contagiosa, e alguns ainda me chama- vam de aleijada e nem queriam conversar comigo. Quase todos os dias eu chegava em casa chorando. (Karla tem 18 anos e deficiência física) Me sinto discriminada na escola com a falta de respeito […] A coordenação está sempre me colocando dificuldades para os meus trabalhos; quando eu necessito de uma adaptação, mil e uma desculpas são levantadas, principalmente pela professora de matemática. (Morgana tem 17 anos e é cega) A maior dificuldade que eu enfrento é na escola; todos me cha- mam de aleijado por causa das muletas. A professora até que tem a intenção de me ajudar contra a vontade dos meninos, só que muitas vezes até ela mesmo ri de mim. (Irenaldo tem 16 anos) Tais vozes expressam de forma clara – e assustadora – a intensidade com que as experiências de discriminação ocorrem na escola – espaço que, por excelência, deveria se caracterizar como formador dos valores humanos necessários ao desen- volvimento da cidadania. Ao contrário, o presente estudo ilumina que o “lugar da EdInc_Rev2.indd 48 9/22/09 4:58:06 PM 51 reFerênCiAs bibliográFiCAs ALLAN, J. 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EdInc_Rev2.indd 53 9/22/09 4:58:06 PM 57 Proposta do MEC, janeiro 1998 Lei nº 10.712, de 9/1/2001 …há casos muito mais sérios, caracteri- zados por alto grau de comprometimento mental ou por deficiências múltiplas, que exigem atendimento educacional diferen- ciado em instituições especializadas As escolas especiais devem ser enfa- tizadas quando as necessidades dos alunos assim o indicarem Redimensionar as classes especiais e criar salas de recursos, de forma a favo- recer e a apoiar a integração em classes comuns Redimensionar conforme as necessi- dades da clientela, incrementando, se preciso, as classes especiais, salas de recursos e outras alternativas peda- gógicas recomendadas, de forma a favorecer e a apoiar a integração em classes comuns Definir indicadores básicos de qualidade para o funcionamento de instituições mo- delares de educação especial, públicas e privadas Definir, em conjunto com as entidades da área, indicadores básicos de quali- dade para o […] ----------------------- Assegurar a continuidade do apoio técnico e financeiro às instituições privadas sem fins lucrativos […] Quadro 1 – Referências selecionadas sobre a educação especial na proposta original do MEC e no texto final do Plano Nacional de Educação É interessante observar que as alterações na redação desta parte do PNE fo- ram propostas apenas por parlamentares ligados às instituições filantrópicas, como se devesse caber exclusivamente a eles a preocupação com a área. O PNE registrou a meta de aumentar os recursos destinados à educação espe- cial a fim de atingir em 10 anos o mínimo equivalente a 5% dos recursos vinculados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino, meta que, como outras do Plano, não deverá ser cumprida. Entre 1995 e 2003, os valores da subfunção educação especial no Orçamento da União oscilaram em torno de 0,3% (FERREIRA; GLAT, 2003), o que ajuda a entender por que a proposta inicial do MEC falava em aumentar os recursos para atingir de 1 a 5%. Além dessa meta, duas outras foram destacadas na publicação do Inep, Desafios do PNE (BRASIL, 2004), como aquelas de maior impacto financeiro: a de assegurar escolas adaptadas e com padrões mínimos de infraestrutura em cinco anos (o texto do PNE informou que em 1998 apenas 14% das escolas brasileiras tinham banheiros adaptados) e a de assegurar o atendimento de todos os alunos de sete a 14 anos no ensino fundamental em dez anos. EdInc_Rev2.indd 57 9/22/09 4:58:06 PM 58 Esse levantamento do Inep estimou que seria necessário pelo menos triplicar o número de matrículas de alunos com necessidades especiais no ensino fundamental no período de 2003 a 2011, utilizando como base a estimativa de 1,6% de alunos com deficiência nessa faixa etária. Outras estimativas trazem números maiores, dependen- do da base de cálculo e dos níveis de ensino envolvidos: Pinto (2002) estimou que as matrículas globais em educação especial deveriam crescer dez vezes a partir de 2000 para atingir as metas do Plano para 10 anos; o próprio MEC e outras instituições já utilizaram a referência da Organização Mundial da Saúde, de 10% de pessoas com deficiência na população, para calcular a demanda da área, mas é uma referência ina- dequada para a faixa etária da população escolar; outras fontes, usando a exagerada referência de 14,5% do Censo do IBGE de 2000, indicam um déficit maior. De fato, não há dados que permitam calcular quantos alunos com deficiência estão fora da escola, até porque isso depende de como os identificamos e classificamos. Se, com a adoção do conceito de necessidades educacionais especiais, ampliarmos o contingente desses alunos, mudam as perspectivas. De todo modo, sabe-se que, independente da segurança dos dados ou da variação das referências, o atendimento é muito pequeno (20% dos municípios brasileiros, em 2005, não registraram matrículas de alunos com deficiência) e excessivamente concentrado nas séries iniciais do ensino fundamental; revelando a dependência das instituições filantrópicas principalmente para o atendimento na educação infantil e na de jovens e adultos (EJA). Isso pode ser visto na Tabela 1. Tabela 1 – Porcentagem de matrículas em escolas públicas na educação básica e na educação especial (escolas especiais e comuns), segundo o Censo do Inep/2005 Nível/modalidade Educação básica (56.733.865 matrículas) % público Educação especial (640.317 matrículas) % público Creche/Estim.precoce 62,0 24,3 Pré-escola 73,8 40,5 Ensino fundamental 90,0 72,3 Ensino médio 87,8 83,0 EJA 95,5 47,5 Educ. profissional básico ----- 14,0 Educ. profissional técnico 41,7 15,4 Educação especial 60,0 ---- Fonte: Brasil, 2006 EdInc_Rev2.indd 58 9/22/09 4:58:07 PM 59 Percebe-se a reduzida participação da escola pública na educação infantil, na EJA e no ensino profissional. Por outro lado, os dados do ensino médio, que indi- cam alta porcentagem de matrículas na escola pública, devem ser lidos junto com uma outra informação do mesmo Censo, a de que são apenas 10.912 alunos com necessidades especiais em um total de 9.031.302 alunos matriculados nesse nível (BRASIL, 2006). É também interessante observar como os diferentes grupos de alunos com necessidades especiais se distribuem entre os dois segmentos (público e privado), lembrando que o público se refere principalmente a matrículas em classes comuns, com ou sem apoio, e em classes especiais, enquanto o privado compreende, de modo concentrado, as instituições filantrópicas, visto que é muito baixo o número de matrículas de alunos com necessidades especiais em escolas privadas não especializadas. É esta distribuição dos 640 mil alunos ditos da educação especial que aparece na Tabela 2. Tabela 2 – Matrículas da educação especial nas escolas públicas, por tipo de necessidade educacional especial, segundo o Censo do INEP/2005 Categoria Total de alunos % em escolas públicas Baixa visão 55.046 92,4 Cegueira 8.585 71,0 Deficiência auditiva 19.946 81,0 Surdez 46.668 78,5 Surdocegueira 1.127 81,0 Deficiência múltipla 67.191 35,8 Deficiência física 37.330 68,2 Altas habilidades/Superdot. 1.928 93,0 Condutas típicas 79.850 79,6 Autismo 10.053 45,6 Deficiência mental 278.167 51,0 Síndrome de Down 34.726 33,6 Total 640.317 60,0 Fonte: Brasil, 2006 Nesse levantamento não aparece a categoria outros, como em censos ante- riores. Registre-se também o modo precário ou arbitrário como habitualmente as escolas definem os grupos de condutas típicas e de deficiência mental, quando não associados a quadros clínicos reconhecidos ou a síndromes. No fundo, são duas EdInc_Rev2.indd 59 9/22/09 4:58:07 PM 62 De volta ao nosso contexto, duas observações específicas sobre o Fundef e o Fundeb: no final de 2003, o governo federal vetou projeto aprovado pelo Congresso que incluía as instituições filantrópicas de educação especial nos recursos do Fundef e atendia à reivindicação das instituições: serem consideradas entidades públicas de educação especial. O governo anunciou que a questão poderia se resolver de modo mais permanente na discussão do Fundeb e criou o Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiências (Paed), com o repasse anual de R$ 33,50 por aluno para essas instituições (em 2005, cerca de R$ 8 milhões), independente dos apoios concedidos por estados e municípios na forma de cessão de pessoal, material didático, transporte, merenda, construções/reformas e aquisição de equipamentos. Outro registro sobre o Fundef é a diferenciação introduzida a partir de 2005 para os alunos da educação especial, que até então eram enquadrados na faixa dos alunos de 5ª a 8ª séries, sem o valor especificamente diferenciado anunciado quando da criação do fundo. Esses alunos têm agora um custo mínimo assegurado 2% supe- rior ao nível anterior (ou 7% superior ao nível de 1ª a 4ª); o tratamento diferenciado aplica-se também aos alunos matriculados nas classes comuns e não, como antes, apenas àqueles com matrícula em classe ou escola especial. Aqui cabe uma preocu- pação com a definição dos alunos com “necessidades especiais” e com a questão de se a diferenciação se faz independentemente do apoio especializado efetivo. Concluindo, destacamos o problema fundamental do acesso como responsa- bilidade intransferível da escola pública, com os necessários apoios especializados. Se a escola for democrática e de qualidade, ela o será também para o aluno com necessidades especiais, e menos adaptações se farão necessárias (por exemplo, em relação ao número de alunos por classe, à provisão de recursos de informática). A garantia do acesso e da permanência com qualidade de ensino para todos é mais relevante do que a centralidade da discussão nos apoios específicos – ainda que estes sejam indispensáveis – pois a responsabilidade pela educação desses alunos não é da educação especial. A inserção de alunos com deficiência na escola ainda é um desa- fio, principalmente pela crise de nossa escola básica, revelada nos diversos processos de avaliação e reforçada pela ênfase na racionalidade administrativa e na contenção de gastos. Se for fato que a existência de apoios especializados não assegura por si só a qualidade, e que o lugar dos alunos com necessidades especiais é na escola comum, pública, também é problemático atribuir a responsabilidade pelo êxito da educação desses alunos à sensibilidade individual dos professores em face da riqueza da diversidade. Alguns discursos sobre a escola inclusiva parecem conjugar de forma perversa o discurso ética e politicamente correto do direito a uma educação não segregadora com o fascínio da redução de custos. EdInc_Rev2.indd 62 9/22/09 4:58:07 PM 63 reFerênCiAs bibliográFiCAs BRASIL. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa com Deficiência. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília: Corde, 1994. ______. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília: 10 jan. 2001. ______. Ministério da Educação. 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Também a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), inspirada nos princípios de integração e de escolas para todos, contribuiu para construir um consenso mundial em torno do combate à exclusão escolar e da luta para reduzir a taxa de analfabetismo. A Declaração de Salamanca, ao mesmo tempo em que advoga uma escola para todos, menciona a importância de se educarem algumas crianças em escolas especiais e/ou salas especiais em escolas regulares. Esse documento é considerado um marco referencial para as novas tendências educacionais e principalmente para a educação especial. As propostas formuladas mediante tais acordos e documentos constituem, no entanto, respostas3 a múltiplas lutas sociais pelo reconhecimento dos direitos humanos que vêm sendo historicamente travadas em diferentes dimensões e ver- tentes. Junto às lutas sociais no plano eminentemente econômico-político (como os movimentos operários e sindicais, os partidários e aqueles ligados aos bairros, ao consumo, à questão agrária), configuraram-se novos movimentos sociais. São estes que, transversalmente às lutas no plano político e econômico, articulam-se em torno do reconhecimento de suas identidades de caráter étnico (tais como os movimentos dos indígenas, dos afro-brasileiros); de gênero (os de mulheres, os de homosse- xuais); de geração (os de meninos e meninas em situação de risco, os da terceira idade); de diferenças físicas e mentais (como os movimentos de reconhecimento e inclusão social das pessoas portadoras de necessidades especiais, os específicos dos surdos, dos cegos, de pessoas com deficiências físicas e mentais etc.). 3 Rosalba Garcia nota que “as fontes documentais representativas da política educacional expressam o resultado, num tempo e espaço históricos, da disputa e do consenso de ideias travadas por diferentes forças sociais. Tais documentos representam a apropriação, por parte de seus formuladores, de conjunto de pensamentos, políticas, ações vividas pelas distintas populações. Entre aquilo que já está presente na vida social, os formuladores dessa documentação enfatizam, sublinham, focam algumas práticas e pensa- mentos, desqualificam, obscurecem e desprezam outros. Assim, as fontes documentais [...] possibilitam a compreensão da realidade naquilo que está sendo divulgado como um conjunto de conceitos, concepções, princípios que passam a ser considerados como “propostas”, “diretrizes” e “parâmetros” (GARCIA, 2005, p. 1). Entretanto, Victor Valla constata que “muitos programas propostos pelas autoridades não são, na realidade, propostas, mas respostas às ações dos populares” (VALLA, 1986, p. 27). Com isso, o autor res- salta a “atividade” de grupos sociais, tradicionalmente identificados como “passivos” e “inertes”. As normas legais constituem-se, a nosso ver, em dispositivos de normalização resultantes das relações de força entre os diferentes sujeitos e processos sociais (inerentemente contraditórios, paradoxais, em mutação) e, ao mesmo tempo, são úteis como balizas referenciais para mediar conflitos e governar as interações sociais. Entretanto, a vitalidade das relações sociais deriva das fricções entre as múltiplas iniciativas das pessoas e dos grupos em interação, geradoras de tensões e contradições, com o potencial ambivalentemente destruidor e criativo contido (ao mesmo tempo, sustentado, limitado, potencializado) pelos dispositivos reguladores e religadores tanto da interação entre os elementos, quanto entre os contextos (constituídos, cada um, por cadeias retroalimentadas de sequências de ações). EdInc_Rev2.indd 67 9/22/09 4:58:07 PM 68 A emergência desses movimentos sociais constitui o que Stoer (2004) denomina “rebelião das diferenças”. De fato, grupos e indivíduos – cujas identidades têm sido historicamente definidas, descritas e produzidas com base na cidadania constituída pelo Estado-nação – vêm pouco a pouco assumindo suas respectivas singularidades, manifestando-as por meio de suas próprias linguagens e defendendo-as através de suas próprias estratégias. As ações de tais movimentos sociais ultrapassam o âmbito dos direitos de cidadania ditados pela modernidade, assim como a sua moral e a sua política de tolerância que, muitas vezes, se configuram como indiferença e estigmatização do diferente. São movimentos que irrompem no interior das próprias sociedades ocidentais, articulando-se em torno de variadas especificidades humanas e socioculturais como, entre outras, as diferenças identitárias de caráter étnico, de orientações sexuais ou as opções de estilo de vida, de preferências religiosas, de pertenças geracionais ou de limitações físicas de comunicação e locomoção. Esses novos movimentos sociais propõem outras dimensões de soberania, na medida em que reclamam o direito de conduzir a vida pessoal e coletiva segundo padrões próprios de conduta, o direito de educar os filhos de acordo com suas convicções, o direito de cuidar de sua saúde segundo suas tradições de cura etc. As rebeliões das diferenças voltam-se contra o jugo da modernidade oci- dental não apenas do ponto de vista político e cultural, mas também epistemoló- gico. Ao lutarem por seu reconhecimento como sujeitos socioculturais e políticos, tais grupos sociais recusam-se a ser considerados objetos passivos de conhecimento (como os “primitivos” que a antropologia tomava como objetos de suas investiga- ções). Ao mesmo tempo, questionam os ideais normativos a partir dos quais são definidos como subalternos, carentes, deficientes, menores e, com isso, induzidos a se sujeitarem aos padrões de normalidade. Nesse sentido, tais sujeitos socioculturais apresentam-se como sujeitos coletivos que buscam interagir e dialogar com outros sujeitos, lutando por construir condições de equidade de oportunidades e de direi- tos, para se reconhecerem em suas diferenças. deFiCiênCiAs e neCessidAdes espeCiAis: deFinição legAl As lutas por conceituação e definição legal das diferentes categorias de cidadãos e de seus respectivos direitos constituem um importante campo de luta ideológica e de constituição de identidades socioculturais. De modo particular, a educação inclusiva, formulada originalmente como full inclusion (STAINBACK; STAINBACK, 1992), prescreve que todas as crianças EdInc_Rev2.indd 68 9/22/09 4:58:07 PM 69 devem ser incluídas na vida social e educacional da escola e de seu bairro. Esse mo- vimento, iniciado nos países escandinavos, solidificou-se nos Estados Unidos e no Canadá, em particular em Quebec, tendo se tornado presente na maioria dos países da Europa. No Brasil, o princípio da integração vem sendo defendido desde 1970 por um movimento que visa acabar com a segregação, favorecendo a interação entre alunos com deficiência e alunos considerados normais. Segundo a Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 1994), a integração justifica-se como princípio na medida em que se refere aos valores democráticos de igualdade, participação ativa, respeito, direitos e deveres socialmente estabelecidos. Entretanto, Sousa e Silva argumentam que [...] o “princípio da integração”, ao pressupor que todos somos iguais e por isso podemos estar juntos, desconsidera que somos todos diferentes, únicos, singulares. Mesmo defendendo a inserção da pessoa com deficiência no âmbito escolar e social, ignora sua história cultural e é capaz de reforçar uma ideia de deficiência vinculada à doença, à anormalidade. A realidade mostra que esses mesmos estudantes com deficiência, por não conseguirem se adaptar à escola regular, são encaminhados de volta à escola especial, que acaba por segregá-los novamente (SOUSA; SILVA, 2005, p. 10). Já a proposição do conceito de necessidades educacionais especiais4 representa uma das tentativas de reconfigurar as possibilidades de interação e reconhecimento civil das pessoas com deficiência, retirando-se o foco dos diagnósticos de deficiência e colocando-o sobre as necessidades de aprendizagem. No caso da inclusão desses sujeitos na vida escolar, em vez de se destacar a deficiência da pessoa, busca-se enfatizar o ensino e a escola, bem como as formas e as condições de aprendizagem. Em vez de se atribuir ao estudante a origem de um problema, define-se seu tipo de inserção no contexto escolar pelo tipo de resposta educativa e de recursos e apoios que a escola deve proporcionar-lhe para que ob- tenha sucesso escolar. Em vez de esperar que o estudante se ajuste unilateralmente a padrões de normalidade para aprender, interpela-se a própria organização esco- lar, no sentido de que se reestruture para atender à diversidade de seus educandos (BRASIL, 2001b, p. 14). 4 O conceito de necessidades educacionais especiais foi utilizado no Relatório Warnock sobre a educação es- pecial inglesa, publicado em 1978 (CARVALHO, 2000). No Brasil popularizou-se a partir da divulgação da Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) e foi incorporado em legislação recente (BRASIL, 2001a; 2001b). EdInc_Rev2.indd 69 9/22/09 4:58:07 PM 72 de surdos deve ser disponibilizada no ensino regular. Em vez de oferecer o ensino regular da Língua Brasileira de Sinais, assim como as oportunidades para que todos (re)conheçam a cultura surda, apenas se oferece o intérprete de língua de sinais às escolas onde haja surdos matriculados. Tal distância entre o prescrito e o executado em alguns estados brasileiros tem sido motivo de mobilização dos próprios surdos ou de seus familiares, que têm acionado judicialmente o Estado. Estudos indicam também que tal perspectiva economicista e liberal, que atravessa a formulação dos documentos legais, consolida-se na medida em que o modelo epistemológico médico-psicológico se configura como a base de organização dos cursos de formação de professores. As disciplinas e suas respectivas ementas de cursos de pedagogia, particularmente na área de formação de professores para a educação de pessoas com deficiência, revelam, segundo Maria Helena Michels, [...] uma compreensão do fenômeno educacional a partir do enfoque preponderante da biologia e da psicologia. Este enfoque encobre a compreensão segundo a qual os sujeitos se constituem nas e pelas relações sociais, explicando o sujeito em função de suas marcas de deficiência e atribuindo ao indivíduo a responsabilidade pelo seu sucesso ou fracasso escolar e social (MICHELS, 2005, p. 16-17). Verifica-se, pois, nos processos inclusivos uma profunda contradição entre o proposto e requerido pelos diferentes sujeitos socioculturais – identificados como pessoas com deficiência ou com necessidades especiais – e o formulado e viabilizado institucionalmente. Isto fica muito evidente no que diz respeito aos movimentos socioculturais mais organizados, como é o caso do movimento dos surdos, que denuncia a proposta de inclusão de surdos na rede escolar, onde o ensino é ministrado exclusivamente na lín- gua portuguesa para ouvintes (QUADROS, 2005, p. 16). deFiCiênCiAs: diFerençA e/ou disCriminAção pedAgógiCA? No cotidiano escolar, as dificuldades de inclusão na escola de pessoas com necessidades especiais resultam, em grande parte, da estrutura padronizada do co- nhecimento escolar. “Se os alunos chegam de maneira diferente e são tratados de forma igual, as diferenças de rendimento escolar são constituídas nesse processo” (LUNARDI, 2005, p. 6). Dessa maneira – enfatiza a mesma – EdInc_Rev2.indd 72 9/22/09 4:58:08 PM 73 [...] a forma como uma diferença tem sido considerada na escola pode conduzir à desigualdade e até mesmo à exclusão escolar. Desigualdade e exclusão muitas vezes já anteriores e exteriores à escola e que a mesma ajuda a ratificar (LUNARDI, 2005, p. 5). As situações de desvantagem, dificuldade, deficiência, desvio são vistas como se dissessem respeito exclusivamente ao sujeito. Entretanto, uma deficiência ou dificuldade dos estudantes para aprender só pode ser entendida na relação ensino-aprendizagem. Geovana Lunardi (2005), em sua pesquisa com turmas de séries iniciais, verificou que as diferenciações de aprendizagem configuravam-se principalmente em relação a problemas de leitura e escrita, dada a ênfase curricular das séries iniciais no domínio do código linguístico.5 As variações de ritmo e de eficácia na aquisição de conhecimentos vivenciadas pelos estudantes na escola têm relação direta com aquilo que a escola prima por ensinar: a leitura e a escrita. Os obstáculos que surgem nessa área criam mais situações de desvantagem para os estudantes em todas as outras dimensões e relações escolares. Dessa forma, se o ensino-aprendizagem da leitura e da escrita é desenvolvido com base na linguagem oral, torna-se evidente que as crianças surdas – por não te- rem acesso à linguagem oral, mas terem principal ou exclusivamente à língua de si- nais – estão em posição de desvantagem em relação aos colegas ouvintes. O mesmo acontece aos cegos, num contexto em que a comunicação visual é predominante, ou aos estrangeiros ou aos pertencentes a culturas diferentes da hegemônica, ou às pes- soas com deficiências físicas e motoras em ambientes ou atividades não adaptadas. Os processos de sujeição e de exclusão dos sujeitos diferentes constituem- se pela própria dinâmica da prática curricular, que prevê aprendizagem de conhecimentos e habilidades definidas a priori mediante exercitação e fixação. Nesse contexto, a diferença é identificada pelo grau de incômodo produzido pelo desempenho não esperado pelo professor. A diferença que mais incomoda a prática docente – conforme observou Geovana Lunardi [...] é a do estudante que não domina e não acompanha a forma de funcionamento escolar. O aluno que não vê sentido na atividade escolar logo acaba se desinteressando de segui- 5 Lunardi categoriza em três grupos as diferenças dos estudantes constituídas em seu processo de apren- dizagem, tal como reconhecidas pelos professores em uma escola específica: 1. algumas crianças são identificadas como portadoras de “dificuldades de aprendizagem” no que diz respeito ao seu processo de alfabetização, de entendimento da matemática, da leitura e da interpretação de texto, assim como no que se refere às suas capacidades de autonomia; 2. outras ainda por suas dificuldades de adaptação ao tempo e ao espaço da sala de aula e da escola, ou seja, de compreensão do que se espera delas e, consequen- temente, de assunção do comportamento considerado adequado ao espaço escolar; 3. outras ainda são diferenciadas por deficiências legitimadas, isto é, por deficiências evidentes e visivelmente identificadas ou diagnosticadas como tal (LUNARDI, 2005, p. 9). EdInc_Rev2.indd 73 9/22/09 4:58:08 PM 74 la, primeiro, porque não compreende, depois, porque já não se importa mais em acompanhá-la. A escola, ao centrar-se no ensino de “conteúdos” e no treinamento de habilidades sem significado para os educandos, estabelecendo para isso uma relação coercitiva entre professor e aluno, demarca que o sucesso é restrito àqueles que se sujeitam ativamente a essa estrutura (LUNARDI, 2005, p. 12). A mesma autora notou que [...] o grupo de crianças identificado por um diagnóstico de de- ficiência mental leve aparentemente apresentava as mesmas di- ficuldades de alfabetização e de operação da lógica matemática apresentadas pelas outras crianças. Mas o fato de terem recebido diagnóstico de aluno especial parecia justificar um acolhimento diferente. Esses estudantes eram tratados pelos professores com algum tipo de comiseração, sem serem convocados para a inte- ração com seus colegas e para a aprendizagem. Dessa maneira, os professores deixavam de criar atividades que favorecessem tal interação, acabando por serem alijadas do processo educativo. Esses estudantes “não incomodavam”, na medida em que, no contexto da sala de aula, se tornavam completamente invisíveis para os professores. Em função do seu diagnóstico de deficiên- cia, os professores se viam autorizados a não investir esforços para lhes proporcionar aprendizagens, reservando sua dedica- ção apenas aos que apresentavam, do ponto de vista do docente, condições de superar dificuldades (LUNARDI, 2005, p. 13). Tal constatação referenda, a partir do enfoque de um caso, a conclusão de Rosalba Garcia (2005), segundo a qual as políticas de educação inclusiva podem ser interpretadas e assumidas como uma justificativa para adotar um atendimento educacional inferior para os alunos identificados como portadores de necessida- des educacionais especiais. A desqualificação da pessoa com deficiência no processo educativo – interpretada por Garcia como a desistência de garantir “a aprendiza- gem do patrimônio universal de conhecimento” – é explicada por Lunardi como decorrente da renúncia do docente a estabelecer uma interação dialógica, crítica e criativa com pessoas com deficiência, uma vez estigmatizadas como incapazes. Segundo constataram Márcia Muller, Madalena Klein e Kamila Lockman, muitos educadores “não conseguem ainda rever-se e pensar nesse ‘outro’, diferente de si, nos espaços educacionais para além de uma visão centrada na deficiência e na falta” (MULLER et al., 2005, p. 6). EdInc_Rev2.indd 74 9/22/09 4:58:08 PM 77 servador, erigindo-se como sistema interpretativo da realidade, torna-se o modelo do conhecimento (SPERA, 1995, p. 13). Ao tomar esse tipo de olhar como único e verdadeiro modelo de conhecimento, desconsideram-se outras possibilidades de elaboração do saber e de relação com o real calcadas em diferentes formas de per- cepção visual ou não visual. De modo particular, quando o sujeito se relaciona com outros sujeitos exclusivamente a partir de como aparecem em seu campo de visão, necessariamente os transforma em seus objetos e, em contrapartida, sente-se amea- çado de ser transformado em objeto pelo olhar do outro. Estabelece-se um jogo de forças, uma luta de vida ou morte entre os sujeitos, um conflito existencial que está na origem da relação senhor-escravo (HEGEL, 1966, p. 117-121) e que se mani- festa nos processos de submissão e exclusão sociais ou institucionais. A “centralidade do sujeito” e da “visão perspectivista” aparece nas institui- ções disciplinares como fator constitutivo da “vigilância hierárquica” que, articulada com a “sanção normalizadora”, configura a prática do “exame”, recurso estratégico para o bom adestramento, isto é, para formar indivíduos “produtivos” porém “dóceis” (FOUCAULT, 1977, p. 125-214). Nessa estratégia formativa privilegia-se exclusivamente o sentido único do olhar, pois se exerce a observação sobre o outro sem se admitir a reciprocidade, como no Panopticon, de Jeremy Bentham. Prioriza-se a linguagem verbal (sendo que a linguagem oral é em especial usada como meio de emitir comandos, enquanto a escrita é principalmente utilizada como meio de registrar observações e juízos ofi- ciais, tal como nas organizações burocráticas). São relegadas a um plano secundário, ou instrumental, outras dimensões da comunicação corporal que constituem a maior parte do potencial comunicativo humano. Estabelece-se, de forma preponderante, uma estrutura racional e formal de organização: as regras e o gerenciamento do tra- balho coletivo são desvinculados dos contextos relacionais e ambientais. Sentimen- tos, diferenças de pontos de vista e de escolhas, condições objetivas de vida, valores culturais são desconsiderados como fatores essenciais do processo educativo. O “salto de dimensão”, para além das relações disciplinares na educação, consistiria justamente em construir entre sujeitos vínculos de “reciprocidade”, superando a unidirecionalidade da relação disciplinar. Tais vínculos, como interação afetiva e institucional, estabelecem-se através de simultâneos “canais e linguagens corporais” de percepção – não só visual, mas também, auditiva, tátil, palatal, olfativa e mesmo “metassensorial” – que tecem a “trama viva e densa (em geral invisível ao olhar hierárquico) das inter-relações” construídas pelos seres humanos ao enfrentarem os “problemas” da realidade. EdInc_Rev2.indd 77 9/22/09 4:58:08 PM 78 impliCAções dA ComplexidAde e dA interCulturAlidAde pArA A FormAção de eduCAdores O entendimento da educação como um processo interativo, polissêmico, multidimensional, crítico, criativo remete-nos à perspectiva complexa formulada por Gregory Bateson na sua teoria da “mente”. Tal concepção, qual metáfora, pode nos oferecer pistas para entender o processo educativo a partir de novo enfoque. Os eventos e as relações no mundo dos seres vivos são caracterizados pelo que Bateson define por mind (que pode ser traduzido em português por mente ou espírito). Mente é uma estrutura que coliga, um padrão que conecta diferentes seres e processos. Qualquer agregado de fenômenos ou qualquer sistema pode, para Bateson, ser considerado mente caso se verifique simultaneamente seis critérios básicos. Pri- meiro, “mente” é um agregado de componentes ou “partes interagentes”. Segundo, a interação entre os elementos é acionada pela “diferença”. Terceiro, o processo mental requer “energia colateral”. Quarto, o processo mental requer “cadeias de determi- nação circulares” (ou mais complexas). Quinto, no processo mental os efeitos da diferença devem ser encarados como transformações (isto é, “versões codificadas”) da diferença que os precederam. Sexto, a descrição e a classificação desses processos de transformação (codificação) revelam uma “hierarquia de tipos lógicos” inerente aos fenômenos (BATESON, 1986, p. 99-137). A perspectiva da complexidade desenvolvida por Bateson permite-nos enten- der 1) que o processo educativo é constituído por pessoas que interagem; 2) que a interação é acionada pela diferença; 3) esta é produzida pela iniciativa concomitante de múltiplos sujeitos; 4) que a diferença codificada produz novas diferenças; 5) que se dão em cadeias recursivas de informações; 6) e segundo padrões de conjunto que constituem os significados singulares das ações de cada sujeito em relação. A cultura, trama sistêmica de padrões de significados (GEERTZ, 1989) – produzida, susten- tada, constantemente modificada pelas próprias pessoas em interação – configura os sentidos para cada ato, palavra ou informação elaborados pelas pessoas em relação. Através desse ponto de vista, nos processos educacionais que pretendem in- cluir a interação com pessoas que apresentam deficiências, verifica-se que sem a copresença dessas pessoas no ambiente educacional não se realiza a possibilidade de cada um aprender com as diferenças de capacidades e de limitações dos outros. Não é possível compreender a cultura surda sem interagir efetivamente com pessoas surdas. Só é possível compreender uma cultura diferente, e aprender com ela, se fre- quentarmos pessoas e grupos que a cultivem. Entretanto, mesmo sendo necessária, EdInc_Rev2.indd 78 9/22/09 4:58:08 PM 79 a simples convivência de sujeitos diferentes ou com deficiências é insuficiente para que se configure um processo educativo. A interação de aprendizagens depende da constituição das diferenças, que só são produzidas pela confluência de esforços de cada um e de todos os sujeitos em relação. Mas a boa vontade individual, mesmo sendo indispensável, por si só também não basta. O processo educativo só se cria e se mantém mediante a construção e o exercício de “práticas (linguagens e meta- linguagens) dialógicas”, críticas, criativas, que viabilizem a sustentação fluida não só da conflituosidade entre os diferentes sujeitos, mas, sobretudo, da paradoxalidade entre a dimensão de suas singularidades e a dimensão da coesão do contexto que as constitui. A partir desse ponto de vista, destacamos – sem pretender ser exaustivos – al- gumas questões emergentes em estudos apresentados, em 2005, no Grupo de Traba- lho de Educação Especial a respeito principalmente da formação de professores(as) para a educação inclusiva. Conteúdo e diálogo eduCAtivo Geovana Lunardi questiona “a prática curricular que privilegia o ensino com conteúdos sem significado para os alunos” (LUNARDI, 2005, p. 6), uma vez que revela uma concepção de currículo que prioriza a prescrição de conteúdos de apren- dizagem definidos a priori de modo desvinculado das interações efetivas entre as pessoas que convivem realmente no processo educativo. Os conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade, geralmente entendidos como conteúdos de ensino escolar, podem – a nosso ver – referir-se ao conjunto de informações e produções culturais codificadas e registradas nas mais diferentes mídias, as quais constituem os imensos acervos de bibliotecas, museus, eventos culturais, monumentos, instituições científicas, culturais, educacionais, dos diversos povos e nações. Ampliar a acessibilidade a esse patrimônio cultural da hu- manidade implica desde a eliminação de barreiras físicas, psicológicas, sociais, am- bientais e culturais até o desenvolvimento de processos de formação do interesse e da capacitação para o entendimento e a recriação das produções culturais. Entretanto, o conhecimento não se restringe ao acervo de mídias em que os registros culturais se configuram objetivamente. O conhecimento constitui-se e reconstitui-se como processo vivo criado, alimentado ou ressignificado, ou mesmo descontinuado, pela relação entre diferentes sujeitos pessoais e coletivos. O conhe- cimento configura-se como relação viva entre sujeitos em diálogo, conflito e ne- gociação contínua. O patrimônio cultural desenvolvido pela humanidade oferece EdInc_Rev2.indd 79 9/22/09 4:58:08 PM 82 mediações complexas e interculturais, com dispositivos pertinentes às necessidades específicas de cada pessoa, de modo a garantir no processo educacional a equidade de direitos e de oportunidades para todos, assim como o protagonismo de cada um na sustentação do diálogo e da reciprocidade entre educandos-educadores. A formação, a preparação e a conscientização profissionais são fundamentais para ajudar o professor e a professora a enfrentarem o próprio medo, a própria in- segurança e a desestabilização que a presença do novo instaura. Aprender ameaça a identidade. “O novo ameaça a experiência adquirida e supõe esforço do professor e da professora para conduzirem a prática educativa” (DAL-FORNO; OLIVEIRA, 2005, p. 11). Essa é uma prática em que, por ser interativa, os sujeitos nela envol- vidos – educando e educador – são constantemente interpelados a desenvolver, de modo singular e interativo, sua capacidade de autoria e de cooperação. Destarte, no processo educativo é preciso questionar o conceito de aluno “pa- drão”, tomando-se a constituição da diferença como parâmetro da reorganização das escolas (ALMEIDA, 2005, p. 12). As crianças com deficiência trazem para a prática pedagógica a necessidade de explicações sobre seu processo “diferente” de aprender (LUNARDI, 2005, p. 1). Não basta inserir um estudante com deficiência na classe para que o professor saiba como trabalhar com ele: “depende da sua postu- ra, das suas representações, de acreditar no potencial do aluno e no seu de aprender, de aceitar desafios, de criar o novo” (DAL-FORNO; OLIVEIRA, 2005, p. 15). De fato, as pessoas (e não apenas aquelas identificadas por suas deficiências) são sujeitos que não têm uma identidade fixa, permanente, essencial, mas formam singularmen- te “um conjunto diversificado de identidades, diante de um eu que não é sempre o mesmo, seguro e coerente, mas um eu cambiante, com cada um dos quais podemos nos confrontar e nos identificar temporariamente” (MANTOAN, 2002, p. 87). É no contato, na interação entre diferentes sujeitos que estes constroem seus processos de identificação. Por ser relacional, a identidade organiza-se de modo fluido, ambi- valente, múltiplo. Gládis Perlin enfatiza que a presença de professores surdos como facilita- dores da mediação entre as manifestações culturais dos surdos e a aprendizagem da língua de sinais é determinante na constituição das identidades dos estudantes surdos, uma vez que lhes possibilita se “autoidentificarem como diferente e como surdo, ou seja, com determinada identidade cultural” (PERLIN, 2000, p. 24, apud MULLER; KLEIN; LOCKMAN, 2005, p. 10). Já no contexto do acolhimento de pessoas com deficiência pelas empresas, Adriane Silva e Eleanor Palhano en- fatizam a “necessidade de se considerarem as suas capacidades, mas não se igno- rarem as suas especificidades, isto é, as limitações e as possibilidades que lhes são EdInc_Rev2.indd 82 9/22/09 4:58:08 PM 83 próprias” (SILVA; PALHANO, 2005, p. 3). A inclusão no mercado de trabalho será excludente na medida em que se mantiverem critérios de aceitabilidade ou de rejeição independentes de características pessoais, que se priorizem apenas fatores como ausência de anomalias físicas e mentais, competência profissional, eficiência e marketing pessoal. diFerençA, suJeição e subJetivAção Dulce Almeida, entre outros autores, aponta uma contradição em práticas institucionais de inclusão de pessoas com deficiência na escola. De um lado, priori- za-se a aceitação de estudantes, mesmo os(as) que têm deficiência, que sejam capa- zes de acompanhar a prática escolar tradicional. “O esforço basicamente é do aluno, para ser integrado e aceito na escola. Tudo depende dele, que se torna, assim, o único responsável por seu destino educacional” (ALMEIDA, 2005, p. 6). Por outro lado, ao se classificarem os(as) estudantes com necessidades educativas especiais ou- torgando-lhes identidade a priori, eles(elas) são colocados(as) na posição de “objeto” (ALMEIDA, 2005, p. 9). E, na medida em que tal representação enfatiza o déficit e o não saber desses estudantes, desprezam-se “as suas singularidades e o modo como esses sujeitos se apresentam no mundo” (ALVES; NAUJORKS, 2005, p. 10). Prevalece – como nota Geovana Lunardi (2005) [...] uma atitude de condescendência e comiseração para com os sujeitos cujas diferenças são identificadas como deficiências. Tal atitude manifesta-se como indiferença e desconsideração em relação à singularidade e à subjetividade da pessoa “com defici- ência”, à sua capacidade de iniciativa. Mas de fato, a nosso ver, ativa os dispositivos de normalização e sujeição, tornando-os governáveis (LUNARDI, 2005). O ato de comiseração, tal como o de punição, “compara, diferencia, hierarqui- za, homogeneíza, exclui. Em uma palavra, normaliza” (FOUCAULT, 1977, p. 163), inviabilizando a constituição de uma relação de diálogo crítico e de reciprocidade criativa com tais sujeitos. Márcia Alves e Maria Inês Naujorks relatam que professores reconhecem os estudantes com deficiência como “sujeitos de conhecimento e de desejo” ao afirma- rem que é preciso estar “muito atento ao que eles sentem em cada momento”. “Essa atitude demonstra uma aposta no sujeito que, a partir daí, poderá aparecer na sua singularidade” (ALVES; NAUJORKS, 2005, p. 12). EdInc_Rev2.indd 83 9/22/09 4:58:08 PM 84 mediAção e mediAdor eduCACionAl A relação educativa constitui-se como tal na medida em que se desenvol- vem mediações (ações, linguagens, dispositivos, representações) que potencializem a capacidade de iniciativa e de interação das pessoas. Por exemplo, nas brincadeiras, ao representar um objeto por outro, a criança se reapresenta e se reconhece. Ela aprende assim a simbolizar, a dar sentido, a significar. Ao mesmo tempo em que a criança descobre o mundo e a si mesma, ela também descobre e recria esse mundo (ALVES; NAUJORKS, 2005). Para saber como potencializar a autonomia, a criatividade e a comunicação dos estudantes, o(a) educador(a) precisa, por sua vez, tornar-se produtor(a) de seu próprio saber. Muitos professores e professoras acreditam que devem receber a preparação para trabalhar com estudantes com deficiência a partir de uma formação profissional que, vinda de fora (orientações, direção, estado), dê a eles autonomia para atuar. Mas também se verifica que tais processos de formação adquirem sentido na medida em que se articulam com os saberes que os educadores e as educadoras desenvolvem tendo em vista as suas histórias de vida individual, as suas relações com a sociedade, com a instituição escolar, com os outros atores educativos e os lugares de formação. Uma parte importante da formação profissional das professoras e dos professores enraíza-se em suas histórias de vida, pois – como afirmam Josiane Dal- Forno e Valeska Oliveira “a competência individual se confunde com a sedimentação temporal e progressiva de crenças, de representações, de hábitos práticos e de rotinas de ação” (DAL-FORNO; OLIVEIRA, 2005, p. 6). Nesse processo de formação, o “querer aprender” é o que confi- gura um processo autoformativo dotado de sentido. E a inicia- tiva e a autonomia de cada pessoa – educadora-educanda – só se potencializam quando coordenadas em contextos relacionais que lhe configuram significados. Não são as experiências que determinam a consistência da aprendizagem, mas sim o sentido que lhe atribuímos. [...] Só se torna formativo e educativo o processo em que as cadeias de ações pessoais se conectam, a cada elo, com as cadeias de ações de todos os outros parceiros. Dispositivos e estratégias de constante avaliação e planejamento coletivo e pessoal são essenciais para alimentar a conectividade e a interação evolutiva do processo educativo (DAL-FORNO; OLIVEIRA, 2005, p. 12). EdInc_Rev2.indd 84 9/22/09 4:58:08 PM 87 FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977. GARCIA, R. M. C. Formas organizativas do trabalho pedagógico na política educacional brasileira para a educação especial. In: XXVIII REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, Caxambu, 2005. Anais... Caxambu: ANPEd, 2005. Disponível em: <http://www.anped.org.br/28/textos/gt15/gt15671int.rtf>. Acesso em: 12 jul. 2006. GEERTZ, C.. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. HEGEL, G. W. F. Fenomenología del espiritu. México: Fondo de Cultura Economica, 1966. LUNARDI, G. M. As práticas curriculares de sala de aula e a constituição das diferenças dos alunos no processo de ensino e aprendizagem. In: XXVIII REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, Caxambu, 2005. Anais... Caxambu: ANPEd, 2005. 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A eduCAção inClusivA nA espAnhA Pilar Arnaiz Sánchez Após as diversas avaliações da integração escolar na Espanha, ficou clara a necessidade extrema de introduzir mudanças de direção nos objetivos teóricos e práticos que a fundamentam e também ficou constatado que a educação especial trouxe novidades em nosso país. Devido às causas da integração escolar, começaram a ser reproduzidos esquemas de atuação no corpo docente que perpetuam formas de segregação e de exclusão para muitos alunos, assim como a baixa expectativa sobre eles. Desse modo, desde o final do século passado as pessoas com deficiência têm manifestado sentimentos de inferioridade, incapacidade e baixa autoestima. A esco- larização nas denominadas escolas de integração os consideram alunos com neces- sidades educativas especiais, fazendo-os se sentirem segregados e rejeitados por sua maneira de ser e de existir no mundo. Esta situação ampliou-se ainda mais ao serem submetidos a uma atuação escolar pobre, com ausência de estímulo e de desenvolvi- mento das possibilidades de aprendizagem. Autores como Gartner e Lipsky (1989) compararam a situação desses alunos ao equivalente moral do apartheid e da escra- vidão. Por tudo isso, os defensores da inclusão declaram cidadãos de direito todos os alunos, sem distinção de nenhum tipo. Até mesmo os mais extremados acreditam que, abolindo os limites da segregação, os professores das escolas regulares serão forçados 89 EdInc_Rev2.indd 89 9/22/09 4:58:09 PM 92 Em relação às aulas: 1- Distribuir o tempo em função dos ritmos de aprendizagem dos alunos. 2- Agrupar os alunos segundo interesses, ritmos e progressos. 3- Diversificar o trabalho para a sua realização individual ou em grupo (CA- SANOVA, 1998). Um discurso inclusivo requer um modo alternativo de ver as questões refe- rentes à deficiência e de lutar contra as práticas derivadas da ideologia subjacente ao conceito de integração (VLACHOU, 1999). A Declaração de Salamanca manifesta a este respeito que as escolas inclusivas são: O meio mais eficaz de combater as atitudes discriminatórias, criando comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e estendendo a educação para todos; além disso, proporcionam uma educação eficaz à maioria das crianças, melhoram a eficácia e, em última análise, a relação custo- benefício de todo o sistema educativo (UNESCO, 1994, p. ix). Cada vez mais se está avançando no reconhecimento de que a atenção à diversidade deveria ser contemplada como um elemento essencial do processo da educação para todos. Assim, em vez de enfatizar a implantação de serviços adicionais para acomodar os alunos com necessidades educativas especiais (NEE) em um sistema educacional rígido, surge a ideia de reestruturar as escolas para que se respondam às necessidades de todas as crianças. Tal mudança fundamenta-se em uma nova forma de conceituar as dificuldades educativas, e ela se baseia na crença de que as alterações metodológicas e organizacionais que são implementadas para dar resposta às dificuldades experimentadas por alguns alunos provavelmente beneficiarão os demais. O problema está em encontrar formas de organizar as escolas e as aulas de maneira que o total dos alunos possa aprender com êxito. Ainscow (1995b) destaca o importante papel dos professores nesse processo, tornando-se necessário que sejam ajudados a encontrar maneiras de avançar na prática educacional em relação a todos os alunos, incluindo aqueles que apresentam dificulda- des de aprendizagem. Ele considera duas estratégias fundamentais: a oportunidade de considerar novas práticas e o apoio para experimentar e refletir sobre elas. A primeira estratégia está contextualizada em um trabalho de formação do corpo docente em escolas com apoio externo. A partir disso, e em um clima de confiança, estimular-se-á o corpo docente a considerar novas possibilidades de ação EdInc_Rev2.indd 92 9/22/09 4:58:09 PM 93 que facilitem a aprendizagem de seus alunos. Trata-se de uma aprendizagem que se dá mediante uma grande variedade de enfoques ativos que estimulam os professores a considerar a vida na sala de aula através dos olhos dos alunos e, ao mesmo tempo, a relacionar tais experiências com a prática (AINSCOW, 1995a; ECHEITA, 1998; GINÉ, 1994; ARNAIZ SÁNCHEZ et al., 1999). Com esta finalidade, enfatizam- se três fatores que comprovadamente desenvolvem processos de ensino-aprendiza- gem, propiciando ao professor educar sem excluir nenhum aluno 1. plAniFiCAr A ClAsse Como um todo Desde que foi estabelecida, a educação especial tradicional foi planejada de maneira segregadora para o grupo ou a turma e para os alunos com NEE. Dessa forma, foram reforçados para esses últimos os trabalhos individuais, descontextua- lizados daqueles realizados por seus companheiros e geralmente feitos com a ajuda do professor de apoio, que podia estar dentro ou fora da sala de aula, especialmente nas matérias mais instrumentais (língua e matemática). Por sua vez, a educação inclusiva propõe-se a planejar a aula de maneira que seja possível atender às ne- cessidades da classe como um todo, incorporando no plano de aula a planificação individual dos alunos com NEE. 2. ConsiderAr os Alunos Como Fonte nAturAl de reCursos Os próprios alunos são capazes de ajudar o professor a apoiar a aprendizagem, sempre que suas habilidades possam suscitar, organizar e aproveitar a energia do corpo discente. Esta é uma função do professor, que deve considerar o ato de aprender como um processo social, reconhecendo a capacidade dos alunos de colaborar na aprendizagem mútua. Por isso, é necessário ajudar os professores a desenvolverem habilidades de trabalho cooperativo e habilidades de retroalimentação quando as atividades acontecerem. 3. hAbilidAdes pArA modiFiCAr plAnos e AtividAdes que devem oCorrer Consiste em uma improvisação contínua e controlada no que diz respeito aos professores serem capazes de promover a participação ativa de todos os alunos, ao mesmo tempo em que personalizam os processos de ensino-aprendizagem para aqueles que deles precisem. Esta circunstância é cada vez mais reconhecida pelo professor, que percebe que a prática se desenvolve mediante um processo ampla- mente intuitivo diante do qual ele deve se mostrar pronto a adequar sua resposta, EdInc_Rev2.indd 93 9/22/09 4:58:09 PM 94 ajustar seu plano ou modificá-lo em relação às reações de seus alunos. São pequenos ajustes que os professores realizam e acrescentam ao seu repertório de respostas e que os tornam cada vez mais capazes de enfrentar situações similares. É o que Schön (1987) chama de “surpresas” e, à medida que os professores se tornam mais hábeis para responder a elas, refinam sua capacidade de reação em face de circuns- tâncias incomuns, ou seja, ampliam seu repertório. Tornar um professor consciente das estratégias que constituem ou não seu repertório ajuda-o a avançar. A partir dessas considerações, deduz-se a segunda estratégia, que consiste em proporcionar oportunidades que facilitem aos professores experimentar novas estratégias nas aulas. Isto implica que eles trabalhem juntos, em duplas, por exem- plo, de maneira que consigam se ajudar mutuamente para desenvolver e valorizar as atividades realizadas. Essas situações de trabalho, caso ocorram entre professores de uma mesma disciplina e/ou que ensinem a alunos da mesma faixa etária, podem ser altamente úteis, já que permitem que os dois trabalhem de forma colaborativa depois de plani- ficarem a unidade de trabalho a ser desenvolvida, ou possibilitem que enquanto um ensina, o outro observe. Tais formas de atuação dentro da classe são muito eficientes para a prática em sala de aula e questionam o fato de o trabalho de apoio dever ser realizado quase exclusivamente pelos professores auxiliares. Por sua vez, dá segu- rança aos professores regulares, pois os torna cada vez mais capazes de atenderem a todos os seus alunos. Uma organização do horário que respeite tal característica favorecerá esta situação de trabalho sem grandes complicações. Por fim, aqui se propõe um trabalho animado pela ação e pela reflexão, em que as escolas sejam consideradas como organizações racionais que oferecem uma variedade apropriada de oportunidades. Nesse contexto, “adota-se uma visão dos alunos não centrada exclusivamente na ideia de que se apresentarem dificuldades o fato se deveria às suas limitações e desvantagens e requereria uma intervenção especial” (SKRTIC, 1991). Assim, é necessário que o professor desenvolva uma perspectiva crítica diante de suas próprias experiências de trabalho em sala de aula que o anime a recriar e a reinventar novos métodos e materiais de ensino, a melho- rar como docente e a ampliar seu âmbito de trabalho. Em particular, é importante que os professores se lembrem de que os métodos são construções sociais que são criadas e re- fletem as ideologias dominantes que podem impedir a com- preensão das implicações pedagógicas das relações de poder na educação. Como professores, devemos nos recordar que as es- colas, assim como outras instituições sociais, sofrem influências por percepções de status socioeconômico, raça, idioma e sexo (AINSCOW, 1995b, p. 8). EdInc_Rev2.indd 94 9/22/09 4:58:09 PM 97 uma resposta educativa de acordo com as características heterogêneas de seus alunos, é necessário que “reflitam sobre determinados aspectos, como sua organização e seu funcionamento; a existência ou não de coordenação e trabalho colaborativo entre os professores; a cooperação de toda a comunidade educativa; e a utilização dos recursos e das práticas educativas” (ARNAIZ SÁNCHEZ, 2003). Na opinião de Giné (1994), a falta de responsabilidade de alguns professores, os sistemas de ensino pouco flexíveis e centralizados nos conteúdos conceituais constituem barreiras a um processo integrador e inclusivo. São necessários uma cultura de colaboração nas escolas, o entendimento da educação como uma responsabilidade compartilhada por todos e a presença de certa liderança, já que, às vezes, a liderança educativa está ausente e as escolas se encontram, se me permitem a expressão, à deriva, resolvendo o dia-a-dia como melhor podem, ou mesmo sem resolvê-lo. Isto produz angústia por causa da situação interna e, como um todo, pela desvalorização em que está imersa a carreira docente, o que provoca, em muitos professores, a atitude de “ir levando” e de sobreviver. Não basta que os alunos estejam integrados, o que supõe um processo muitas vezes físico e bastante desajustado. Realmente faz falta que os alunos com NEE estejam incluídos na vida da escola, do bairro, que sejam valorizados, reconhecidos e constituam um desafio para a escola em sua resposta educativa. “É preciso outra cultura de integração” (LÓPEZ MELERO, 1990), “o reconhecimento da escola para todos” (GARCÍA PASTOR, 1993; ARNAIZ SÁNCHEZ, 1996), ou seja, uma mudança de valores e atitudes para o que é diferente. Se os professores assumirem algumas estratégias inovadoras, mas a partir de um pensamento centrado no modelo de déficit e sem uma visão reflexiva e intera- tiva da aprendizagem, provavelmente encontraremos enfoques inconscientemente mais benévolos e liberais, mas que não alcançarão nem promoverão mudanças nas escolas. Sair desse cenário implica desenvolver processos de formação que tornem os professores pensadores reflexivos sem medo de experimentar novas propostas práticas concernentes às características de seus alunos e de aprender a confrontá-las com outras alternativas. Dessa forma, uma visão mais reflexiva por parte do corpo docente a res- peito da prática educativa é absolutamente necessária. O sucesso ou o fracasso de uma escola tem relação com a forma como os professores percebem a si mesmos, o seu trabalho e a escola. À medida que uma escola se organizar para melhorar sua resposta educativa para todos os estudantes, ela terá uma visão mais positiva dos alunos com dificuldades de aprendizagem e tratará de buscar soluções conjuntas e não soluções particulares. EdInc_Rev2.indd 97 9/22/09 4:58:09 PM 98 3. estrAtégiAs pArA FAvoreCer A inClusão Em geral, nas escolas, tanto de educação fundamental quanto de ensino mé- dio, as mudanças tornam-se bastante difíceis, pois elas não podem continuar a funcionar da mesma maneira se almejam mudar; “as escolas não devem dar um salto no vazio, e precisam manter suas práticas” (FULLAN, 1991). Em consequência, avançar para práticas inclusivas requer um bom equilíbrio entre o novo e o antigo, e é preciso estabelecer um processo que ajude a escola a se colocar em movimento, a avançar com segurança, mesmo que no início se produza uma situação de conflito. Fundamentando-nos em distintas experiências de trabalho inspiradas na filosofia das escolas eficazes (DAVID; THOMAS, 1992; REYNOLDS; RAMASAUT, 1993; AINSCOW, 1995a, 1995b) e postas em prática em diversos trabalhos de pesquisa na região de Murcia (ARNAIZ SÁNCHEZ, 2000, 2005c; ARNAIZ SÁNCHEZ; RODRÍGUEZ , 1999; ARNAIZ SÁNCHEZ et al., 1999), entre outros lugares, mostraremos estratégias de ação que foram comprovadas e que ajudaram as escolas a se movimentarem, facilitando a mudança: 1- Consolidação do grupo de trabalho: trata-se de criar um ambiente favorável e relaxante nos primeiros momentos de funcionamento, com a finalidade de formar um grupo de trabalho que possa atuar de maneira colaborativa. Como indica Escudero (1990), precisa ficar claro que a dinâmica do tra- balho deve permitir a análise, a revisão, a crítica conjunta e a melhoria dos aspectos organizacionais e curriculares. 2- Diagnóstico da situação, análise e formulação de problemas: trata-se de expor as dificuldades existentes na escola com o objetivo de realizar o diag- nóstico da situação presente naquele centro. 3- Busca de soluções: uma vez delineados os diferentes problemas e analisadas as causas e as situações que os determinam, devem ser procuradas as solu- ções mais adequadas, a curto e a longo prazos, por meio de perguntas como: Que educação queremos?; Quem decide sobre isso?; Que papel corresponde à escola, aos professores e à comunidade educativa em relação ao projeto, à execução e à avaliação? 4- Elaboração do plano de ação, preparação para a sua colocação em prática e o seu desenvolvimento colaborativo: uma vez avaliadas, debatidas e reuni- das as diversas soluções por parte de todo o grupo, será elaborado um plano de ação que contribua para transformar, de maneira progressiva, a prática. EdInc_Rev2.indd 98 9/22/09 4:58:09 PM 99 5- Avaliação da experiência: deve ser realizada ao longo do trabalho mediante um processo de retroalimentação contínua, e ao final da experiência desen- volvida. Para facilitar esse processo de trabalho, Ainscow (1995b) formula seis con- dições: 1- A existência de uma liderança efetiva: ela não é só da responsabilidade da equipe diretiva, mas deveria ser exercida por todos os membros da escola, pois não se trata de um enfoque hierárquico e de controle, e sim de distri- buição e de autorização. Isto significa que o diretor deve ter uma visão clara do projeto pedagógico a ser implantado na escola que, respeitando a indivi- dualidade de cada membro do grupo, se desenvolva através de processos em grupo, em um ambiente de resolução de problemas. Assim, as funções de liderança serão realizadas pelo corpo docente e delas poderá participar um número amplo de pessoas, compartilhando responsabilidades de maneira coletiva. Esse enfoque pretende romper conceitos tradicionais de hierarquia e controle, possibilitando a resolução de problemas de maneira compar- tilhada e consensual. Isto não implica que as individualidades não sejam consideradas e respeitadas. 2- Compromisso de toda a comunidade educativa: inclui professores, pais, outros membros da comunidade educativa e especialmente os alunos. Com este objetivo, os professores organizam suas aulas e desenvolvem o currículo de maneira que todos os alunos participem das tarefas e das atividades propostas, sendo fundamental para isto a elaboração de estratégias metodológicas colaborativas que promovam a participação. Segundo Reynolds e outros (1997), quando as escolas são organizadas levando em conta tais considerações, alcançam um sucesso bastante elevado. 3- Planejamento colaborativo: os professores devem trabalhar de forma cola- borativa para buscar processos de ensino-aprendizagem alternativos, levando em conta a seguinte consideração: o importante não é o plano em si, mas o planejamento e a participação do corpo docente, de maneira que se criem propostas comuns, se resolvam as diferenças, e se estabeleçam as pautas de ação a serem postas em prática. Isto irá desenvolver um nível de entendi- mento compartilhado que ultrapassará o plano em si e gerará a mudança. 4- Estratégias de coordenação: geralmente as escolas são formadas por unidades, ações, processos e indivíduos que tendem a atuar isoladamente, situação esta EdInc_Rev2.indd 99 9/22/09 4:58:09 PM
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