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Guias e Dicas
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A intersecção entre arte, ciência e tecnologia, Notas de estudo de Desenho Industrial

ARTE, CIENCIA E TECNOLOGIA

Tipologia: Notas de estudo

2011

Compartilhado em 29/04/2011

Pele_89
Pele_89 🇧🇷

4.1

(33)

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Baixe A intersecção entre arte, ciência e tecnologia e outras Notas de estudo em PDF para Desenho Industrial, somente na Docsity! 29 2 A INTERSECÇÃO ENTRE ARTE, CIÊNCIA E TECNOLOGIA Os três artistas pesquisados desenvolvem suas proposições artísticas nas fronteiras entre arte, ciência e tecnologia, agregando conceitos, ferramentas e contextos das pesquisas científicas e tecnológicas. Outra semelhança entre os três artistas é que eles atuam como pesquisadores e também na carreira acadêmica, lecionando e desenvolvendo suas pesquisas poéticas em conjunto com as principais universidades do país. Isso acabou se tornando uma característica dos artistas que atuam no segmento de arte e tecnologia no Brasil. Os artistas atualmente assumem posturas e métodos de trabalho semelhantes aos dos cientistas e pesquisadores, e isso se refere com maior intensidade aos artistas envolvidos com arte e tecnologia que trabalham em equipes interdisciplinares ou em laboratórios com o auxílio de diversos profissionais especializados. Esse é o caso de Diana Domingues e do grupo de pesquisa Artecno, no Laboratório de Novas Tecnologias nas Artes Visuais da Universidade de Caxias do Sul, RS (NTAV/UCS), onde Diana Domingues também atua como docente no Departamento de Artes. Gilbertto Prado atua com diversos profissionais na execução de seus projetos poéticos e criou, em 2002, o grupo Poéticas Digitais1 em conjunto com a artista Silvia Laurentiz, no Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP), onde também atuam como docentes, com a intenção de desenvolver um núcleo multidisciplinar para a realização de experimentos e reflexões sobre o impacto das novas tecnologias na arte. Desse grupo participam professores, artistas, pesquisadores e alunos da graduação e da pós-graduação da universidade. A organização para a ação poética da Equipe Interdisciplinar SCIArts se configura como um grupo de artistas com especialidades diversas e independentes de um vínculo institucional. Além da atividade em equipe, todos os integrantes do grupo desenvolvem atividade acadêmica e pesquisas individuais em diversas universidades do Estado de São Paulo, como Milton Sogabe, no Instituto de Artes da 1 A intenção era gerar um núcleo multidisciplinar, promovendo o desenvolvimento de projetos experimentais e a reflexão sobre o impacto das novas tecnologias no campo das artes. O grupo é um desdobramento do projeto wAwRwT, iniciado por Gilbertto Prado em 1995 (GRUPO DE PESQUISA POÉTICAS DIGITAIS – ECA/USP - http://www.cap.eca.usp.br/poeticasdigitais/). 30 Universidade Estadual Paulista (IA-UNESP), Hermes Renato Hildebrand, no Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (IA-UNICAMP), Rosangella Leotte, no Departamento de Arte da Faculdade de Comunicação e Filosofia da PUC-SP, Fernando Fogliano, como docente no SENAC-SP, e os dois novos integrantes, Julia Blumenschein e Gilson Domingues, que atuam como pesquisadores, respectivamente, na PUC-SP e no IA-UNESP. Além disso, a Equipe costuma convidar profissionais especializados para suprir as necessidades específicas de cada projeto. No Brasil, os artistas que atuam em arte e tecnologia desenvolvem suas atividades de pesquisa associados às universidades, muitas vezes integrando conhecimentos de diferentes áreas. A experiência de trabalho da Equipe SCIArts permitiu algumas reflexões a respeito da atuação do artista que atua na interface da arte e tecnologia no país: No Brasil, a maioria dos artistas, que trabalha na interface científico- tecnológica, desenvolve igualmente a atividade teórica acadêmica e principalmente, a pesquisa no seu campo de ação. Dessa maneira, ao mesmo tempo em que produz, o artista constitui-se no analista e crítico do seu trabalho e do seu campo. Isto exige dele que tenha crivo e senso investigativo suficientes para, através de procedimentos empíricos, construir a base conceitual de seu trabalho e da parcela da sua área com a que mais se conecta. Obviamente também, a partir daí, é esperado dele que se posicione quanto aos termos técnicos e classificadores do seu produto artístico. (SOGABE; LEOTE; ZAMPRONHA; HILDEBRAND, 2005, p. 95-106). Os artistas que atuam como pesquisadores têm que alargar suas definições de materiais e contextos para a arte. Eles têm que se tornar curiosos sobre a pesquisa científica e tecnológica, adquirindo habilidades e conhecimentos que lhes permitirão participar significativamente nesses campos. É necessário expandir noções convencionais de como se constitui uma educação artística e desenvolver a habilidade de penetrar sob a superfície da apresentação tecnocientífica para pensar sobre direções de pesquisas ainda não exploradas (WILSON, 2002, p. 39). É importante ressaltar que os artistas que trabalharam com computadores a partir da segunda metade do século XX estavam experimentando o equipamento ao mesmo tempo em que outros desenvolvedores e pesquisadores. Esses artistas não 33 compreender o mundo. São tentativas de compreender como e por que um fenômeno ocorre; um foco no mundo “natural”; uma crença na informação empírica; uma avaliação localizada na objetividade, a qual é vista por meio de especificações detalhadas de operações guiadas pela observação; uma codificação através de leis ou princípios e um contínuo teste e refinamento de hipóteses. O que é tecnologia? No seu mais amplo significado, ela é o processo de inventar e fazer coisas. A tecnologia é vista como o “saber como”, enquanto a ciência é vista como o “saber o por quê”. Engenheiros e tecnólogos são pessoas empenhadas primeiramente em fazer coisas ou refinar processos. Os desenvolvedores de tecnologias geralmente estão focados em objetivos utilitários específicos, enquanto cientistas buscam por algo mais abstrato: o conhecimento. Altas tecnologias freqüentemente se constroem pelo conhecimento gerado pela ciência, mas muitas vezes a tecnologia corre à frente da ciência em campos inexplorados. E o que é arte? No último século, as fronteiras da arte têm sido expandidas para além das mídias, contextos e propostas convencionais. Tipicamente, a arte é comprometida com propostas não utilitárias. Ela usualmente intenciona mover ou provocar o público para propostas estéticas, intelectuais ou espirituais. Os artistas fazem diferentes tipos de descobertas sobre a natureza, de forma diferente da dos físicos ou biólogos, não atuando exatamente como esses pesquisadores. A arte contemporânea inclui freqüentemente elementos de comentário, ironia e crítica, desviando-se do modelo de pesquisa utilizado pela ciência. Isso porque os cientistas e tecnólogos esforçam-se em torno da objetividade. Já os artistas cultivam suas subjetividades como o que eles têm de maior. A pesquisa feita pelos artistas deve trabalhar como a arte sempre fez: movendo o público com o seu poder comunicativo. E, ainda, ela pode simultaneamente usar processos investigativos sistemáticos para desenvolver novas possibilidades tecnológicas ou descobrir novos conhecimentos ou novas perspectivas (WILSON, 2002, p. 48-49). Arte, ciência e tecnologia podem influenciar umas às outras, e resultados interessantes dessa integração somente são possíveis após muitas experimentações. A partir dos anos 90, diversos centros de pesquisa surgiram com o intuito de promover a integração da arte com outros campos, como ciência e tecnologia, 34 buscando explorar novas possibilidades com novas mídias, desenvolvendo esquemas de comunicação para facilitar a compreensão além do lugar, tempo, linguagem e cultura, ou, ainda, incentivando o trabalho em processos abertos interdisciplinares, em que especialistas das artes, ciências e tecnologias combinam suas idéias e metas. Alguns laboratórios de pesquisa que devem ser citados por permitir o desenvolvimento e a pesquisa em arte e tecnologia são Banff New Media Institute/BNMI (Canadá), Daniel Langlois Fondation (Canadá), Experimenta Media Arts (Austrália), ART+COM (Alemanha), MARS – Media Arts Research Studies (Alemanha), V2 Organisation (Holanda), IAMAS – The International Academy of Media Arts and Sciences (Japão), MIT – Massachussets Institute of Technology (EUA) e Mecad (Espanha), entre outros. Além disso, surgiram eventos específicos que incentivaram a mostra da arte envolvida nas fronteiras da ciência e tecnologia. Entre eles se pode citar o Siggraphic, a Ars Eletronica e o ZKM. A arte no século XX gerou uma orgia de experimentações e testes de fronteiras. Os artistas adicionaram novas mídias, novos contextos e novas propostas. O mundo da arte assimilou muito dessas experimentações, como, por exemplo: uma extensão além da representação realística; a incorporação de objetos; movimentos de não-arte e intervenções na vida diária; a live art; o uso de processos, produtos e materiais industriais; a arte conceitual; as performances e os happenings; a arte pública; a exploração de inovações tecnológicas; e a criação de uma arte interativa (WILSON, 2002, p. 16). O fator que foi salientado no desenvolvimento do tema desta pesquisa foi o surgimento de uma arte interativa que está relacionada à dissolução das fronteiras entre o público e os artistas, representada, por exemplo, pelas instalações interativas. Muitos artistas, desde a segunda metade do século XX, passaram a envolver o espectador na leitura e criação da obra. O que se tornou prioridade no processo poético, segundo Frank Popper (1989), foi “o acontecimento que surge das relações entre o espectador e a obra”. Para Roy Ascott (2003 [1964], p. 99), “A obra de arte ocupa um ponto pivô entre dois comportamentos determinados, o do artista e o do espectador”. A partir daí, não só o estatuto de autor sofreu modificações, mas as relações entre autor, obra e espectador modificaram-se, e estes se tornaram conceitos não mais estanques e definidos, e sim conceitos contíguos e oscilantes, que devem ser 35 constantemente repensados. Os próprios termos autor, obra e espectador tornaram- se inadequados. 2.1 As novas relações entre autor, obra e espectador Segundo Couchot, o triângulo delimitado por autor, obra e espectador dá lugar agora a um círculo móvel, onde cada um deles não ocupa mais posições definidas: O triângulo delimitado tradicionalmente pela obra, pelo autor e pelo espectador, vê sua geometria deformada. Para conservar a metáfora, esse triângulo tende a se tornar um círculo. Círculo que para alguns nada mais seria do que um zero: o computador sendo incapaz de produzir efeitos artísticos por causa da redução matemática que ele imporia a toda gestualidade expressiva do corpo. O que é falso, pelo menos em princípio, uma vez que, o modo dialógico introduz no centro do processo computacional as informações diretamente extraídas do mundo real e do corpo, em particular. Ele regenera a combinatória; permite hibridizar o universo do cálculo e o do gesto expressivo, da emoção, da ambigüidade, da hesitação entre o significar e o prazer próprio do gesto. Hibridação que não deixa de abalar – tanto no nível do perceber quanto do fazer – o ato artístico nos seus próprios fundamentos. Sobre esse círculo móvel, a obra, o autor e o espectador não ocupam mais posições estritamente definidas e estanques, mas trocam constantemente essas posições, cruzam-se, confundem-se ou se opõem, contaminam-se. Por isso, de agora em diante, há uma flutuação nos termos. A obra oscilando incessantemente entre o virtual e o real, está em perpétuo estado de incerteza e de regeneração. Cada “leitura” faz dela uma eventualidade singular e única. Constantemente reiterável, ela não é nem acabada, nem inacabada, estados incompatíveis com o tempo ucrônico. (COUCHOT, 2003a, p. 304). 38 2.1.1 Autor = Ativador, Potencializador, Artista coletivo Assim se desvenda o ser total da escritura: um texto é feito de escrituras múltiplas, oriundas de várias culturas e que entram umas com as outras em diálogo, em paródia, em contestação, mas há um lugar onde essa multiplicidade se reúne, e esse lugar não é o autor, como se disse até o presente, é o leitor: o leitor é o espaço mesmo onde se inscrevem, sem que nenhuma se perca, todas as citações de que é feita uma escritura; a unidade de texto não está na sua origem, mas no seu destino [...] o nascimento do leitor deve-se pagar com a morte do autor. (BARTHES 2004, [1964]). O conceito de autor pode ser descrito atualmente nos processos interativos em arte e tecnologia como um ativador ou potencializador de processos poéticos de comunicação. Distante do conceito ideal do artista gênio do romantismo, atualmente, ele age ciente de suas limitações humanas e busca a colaboração ativa das pessoas e a riqueza do diálogo e das relações de troca no processo poético. O autor atual cria as regras do “jogo” e convida as pessoas a participarem dele, a intervirem nele, em suas diversas possibilidades de níveis, ou, em muitos casos, a colaborarem com a própria construção do jogo e a sua autogeração. Renato Hildebrand, integrante do SCIArts, ao definir em entrevista os conceitos de autor, obra e espectador nos processos poéticos interativos, corrobora com a afirmação acima: O autor cria o ambiente de interação, a obra é o ambiente interativo que permite ao espectador interagir com graus variados de possibilidade. Ele não observa mais a obra passivamente. Vai de usuário a interator, isto é, vai de um grau de interação limitado quando o objeto artístico está fechado em alternativas determinadas até um grau de interação profundo onde o próprio espectador torna- se autor, quando acrescenta à obra visões que o autor não previa. Portanto, autor-obra-espectador transformam-se em algo único, permitindo em um ambiente lúdico (similar aos games) um grau de sinergia muito profundo. (HILDEBRAND, 2007). A partir do século XIX, surgem as primeiras manifestações que colocam o conceito de autor e a questão da autoria em xeque, quando o trabalho artístico começa a privilegiar a equipe ou a contribuição de artistas de diversas áreas. Um 39 importante exemplo foi Richard Wagner4, que propôs a criação de uma arte que seria construída a partir da união de várias formas de arte, gerando uma nova forma, dirigida e concebida por um autor-diretor; ou a partir da colaboração criativa de artistas de diversos campos, o que ele chamava de Arte Total – Gesamtkunstwerk (PACKER, 2001). A imagem do artista romântico ou do gênio transcendente permaneceu por muito tempo associada ao conceito de autor, mesmo durante muitas manifestações artísticas do início do século XX. Porém, a desconstrução do conceito mítico do artista e, complementarmente, o conceito de espectador passivo tornaram-se parte central das preocupações das práticas artísticas e da crítica no mesmo século (DRUCKER, 1994, p. 109). O conceito de artista como um gênio, original, inspirado e único foi expandido para incluir a idéia de inventor, como aquele que inicia uma idéia, em vez de produzir um trabalho. Ao mesmo tempo começaram as discussões sobre o conceito do espectador passivo como um receptor de informações ópticas. A representação na arte moderna fazia com que o espectador não mais compreendesse a imagem tal como ela se apresentava. A teoria do artista e do espectador estava integralmente ligada à análise formalista do trabalho artístico como um objeto autônomo e discreto (DRUCKER, 1994, p. 110). Tanto as posições do artista quanto do espectador passaram a depender de uma formulação teórica no papel da representação com respeito à construção física, histórica e social do indivíduo. Marcel Duchamp foi um dos primeiros artistas modernos que começou a desmistificar os dispositivos nos quais a autoria artística estava construída dentro de um quadro crítico e institucional. Duchamp focou suas práticas culturais onde o artista estava conceitualizado e legitimado. Ele utilizou como tema de seu trabalho a desconstrução da categoria cultural do artista. Duchamp construiu em suas obras 4 Em 1849, Richard Wagner introduziu o conceito de Gesamtkunstwerk, ou “Arte Total”, em um ensaio chamado “A obra de arte do futuro”, definindo a síntese das artes na qual a opera serviu como um veículo para a unificação de todas as artes numa mídia singular de expressão artística. A descrição de Gesamtkunstwerk de Wagner é uma das primeiras tentativas na arte moderna de estabelecer um sistema teórico e prático para a integração abrangente das artes. Wagner projetou a união idealizada de todas as artes por meio da “totalização” ou da sintetização. A Arte Total seria construída a partir da união de várias formas de arte, gerando uma nova forma, dirigida e concebida por um autor-diretor; ou a partir da colaboração criativa de artistas de vários campos. Ele estava convencido de que somente mediante essa integração se poderia alcançar o poder expressivo que ele desejou para transformar a música num veículo capaz de afetar a cultura alemã. 40 duas tensões de investigação crítica: primeiro, ele reduziu a marca da mão, o gesto artístico tão essencial ao apreciador e a expressão artística, para sua essência, a assinatura; segundo, não havia traço do artista como produtor nos readymades – o artista tornava-se uma função. O artista no século XX se localizava entre duas fortes tensões: uma como expressão; e outra conceitual. O artista era um corpo com pulsões e direções as quais deixavam sua marca na forma e no material, forçando uma expressão nos traços de um caráter individual; e o artista era um intelecto, pensando através da forma com o mínimo de expressão, anti-subjetiva e anti-romântica (DRUCKER, 1994, p. 121-122). Alguns autores como Walter Benjamin, Michel Foucault e Roland Barthes também discutiram o conceito de autor durante o século XX. Para Barthes, o autor deveria ser pensado como um autor-função (recepção), como aquele que emerge através de um corpo de textos, que dá a eles uma unidade separada de outros textos e que os distingue como pertencentes a um grupo identificado com o nome do autor. Barthes trabalha o papel do leitor/espectador como um produtor ativo, ao invés de receptor passivo (DRUCKER, 1994, p. 127). Para Foucault, no texto “O que é um autor”, o artista ou o autor é meramente um condutor para aquele que existe culturalmente como uma determinação das ações do discurso. O conteúdo e a forma são regulados por regras invisíveis e não escritas de articulação e composição (DRUCKER, 1994, p. 127-128). Benjamin, em seu texto “Autor como Produtor”, de 1934, coloca o artista como totalmente integrado com seu meio cultural. Para Benjamin, a arte era um instrumento de mudança social, ou ao menos para uma mudança de consciência, e o artista unicamente situado para promover a consciência por meio da prática artística (DRUCKER, 1994, p. 127-128). No texto “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, de 1936, Benjamin comemorou a fotografia porque ela tinha o potencial de subverter a “aura” que o original tinha sobre a produção das imagens e da arte. O conceito de originalidade poderia desaparecer através da natureza infinitamente reprodutível da imagem fotográfica. A noção de autenticidade é subvertida mediante a impossibilidade de determinação do status da imagem, entre original e cópia (DRUCKER, 1994, p. 139). 43 que trabalha com programas de geração automática de textos que possibilitam uma criação textual de co-autoria entre sistemas computacionais e agentes humanos (ARANTES, Priscila, 2005, p. 106). Os sistemas colaborativos na arte são caracterizados por um experimentalismo, por se apresentarem em formatos abertos nos quais indivíduos e tecnologias interagem colaborativamente na geração de conhecimento e de proposições subjetivas, ressaltando a característica de rede de linhas interseccionadas (GUASQUE ARAUJO, 2005, p. 209-210). Os sistemas colaborativos atuam num “campo” que é, segundo Sharon Daniel (apud GUASQUE ARAUJO, 2005, p. 210-211), o lugar onde a interação entre dois ou mais sistemas fisicamente separados se dá, sejam eles sistemas de interagentes humanos ou maquínicos, como os algoritmos. Campo, no caso dos sistemas de arte colaborativa, é um ambiente capaz de propiciar um desenvolvimento generativo. Pode ser uma estrutura na qual sistemas e agentes coexistem paralelamente como subestruturas interdependentes ou, ainda, um organismo hospedeiro capaz de abrigar múltiplos sistemas colaborativos (GUASQUE ARAUJO, 2005, p. 210-211). A arte em ambientes interativos cria uma dependência com a ação do espectador na construção efetiva da obra. O artista torna-se o propositor de um processo e delega maior ou menor parcela da responsabilidade da construção da obra para o público. Nos processos interativos e colaborativos, o artista explicita o diálogo no processo de produção artística. Arlindo Machado discute o conceito de autoria em obras de arte e tecnologia, alertando para as múltiplas etapas pelas quais o processo poético é submetido. O processo recebe ações de diversos contribuintes, como o próprio artista, que o projeta, os engenheiros ou máquinas que o executam, os criadores do software, que o tornam possível, e o interator, que contribui na recepção e autogeração do processo. A questão consegue apenas esclarecer que o conceito de autoria está atualmente nebuloso porque o processo poético tornou-se multidisciplinar, e a técnica, muitas vezes, não é totalmente dominada pelo artista, que busca auxílio de profissionais específicos. A recepção é portanto incorporada ao circuito produtivo como um mecanismo de diálogo, responsável pela consistência do produto final em cada uma de suas infinitas manifestações. A ela cabe detonar os processos de transformação que possibilitam à 44 mensagem ocorrer de forma diferenciada a cada vez, ou até mesmo ocorrer numa multiplicidade de perspectivas de uma única vez. Se suas tentativas resultam particularmente felizes, fica a questão: a quem atribuir os resultados? Às máquinas e seus engenheiros? Aos criadores do software? Ao artífice que concebeu o processo? Ao usuário ou receptor que deu forma final ao programa? (MACHADO, 1993, p. 39). A diversidade de informações necessárias para a realização de um projeto em arte e tecnologia fez com que muitos artistas passassem a estudar outras disciplinas ou a atuar em colaboração com diversos profissionais, ou ainda em equipes interdisciplinares com profissionais de áreas diferentes, integrando-as, abordando a ciência, a tecnologia e a arte constantemente. A Figura 2 mostra diversas ações que exerce o artista envolvido com arte e tecnologia. Essas novas ações contribuem para que o conceito de autoria se dilua também na concepção do trabalho, por ser gerado por uma equipe, e entre em choque, mesmo dentro das instituições artísticas. Segundo Couchot, O autor, enfim, continua sendo um autor a partir do momento em que ele delega uma parte maior ou menor de sua responsabilidade? Se admite que uma certa fração da subjetividade do observador se projete no sistema pelo viés das interfaces e se hibridiza aquela do autor. O quanto resta de próprio e de inalterável ao autor originário. Deve-se perguntar a que preço esta subjetividade conservará sua singularidade, o que garantirá a coerência da obra, preservá-la-á da perda de sentido e de seu espalhar-se nas malhas infinitas das redes quando milhares de co-autores são convidados a se associar a ela. (COUCHOT, 1997, p. 142). 45 Figura 2 - O quadro mostra diversas ações do artista envolvido com arte e tecnologia que contribuem para diluir o conceito tradicional de autoria Partindo de uma análise do conceito de autor junto aos artistas pesquisados, é possível encontrar definições utilizadas por eles que podem ser mais bem aplicadas ao conceito de autor atualmente. A Equipe Interdisciplinar SCIArts desenvolve seus projetos com a participação de todas as pessoas envolvidas, podendo-se falar em um “insight coletivo”, e dessa maneira utilizar o termo artista coletivo, uma vez que o projeto e a execução são realizados coletivamente. Artistas, técnicos e cientistas trocam idéias no sentido de explorar as possibilidades tecnológicas e de discutir os conceitos envolvidos no projeto, sem se esquecer de que o objetivo é o poético (SOGABE, 2002, p. 95-104). Sempre que um problema surge, ao mesmo tempo surgem mil soluções dadas pelos técnicos ou cientistas, tornando a escolha uma decisão complexa frente ao conceito do trabalho que se vai construindo no processo. (SOGABE, 2002, p. 95-104). Pensando na condição de “sistema como obra”, o artista pode ser visto também como um produtor de conhecimento integrado e ajustado à rede complexa, por isso mesmo capaz de fazer gerar padrões de emergência; nesse caso, 48 interfaces. Assim, a obra interativa não mais se organiza como um objeto acabado porque o que se privilegia são as relações de troca e de diálogo construídas durante o processo. Pode-se ainda falar de obra quando o que parece ser obra divide-se incessantemente entre estados potenciais e estados reais que fazem cada “leitura” um acontecimento singular e único. Certamente não se vê nunca duas vezes o mesmo quadro, mas, com a imagem interativa, é o próprio quadro que muda no seu existir sensível – aos olhos de todos – e não somente na interpretação do observador. O termo leitura torna-se também inadaptado, pois a leitura provoca um efeito real sobre a imagem. (COUCHOT, 1997, p. 141-142). Buscando novamente referências junto aos artistas pesquisados, é possível observar que o termo processo pode ser um termo adequado para se definirem muitos dos trabalhos interativos em arte e tecnologia. A Equipe Interdisciplinar SCIArts integrou o conceito de processo ao conceito de sistema para definir os processos poéticos que desenvolviam. Analisando a instalação Atrator Poético, o “conceito de processo, agora associado ao de sistema, é também alargado e abrange a parte, antes receptora, hoje co-criadora e o chamado interator ou interagente” (SOGABE; LEOTE; ZAMPRONHA; HILDEBRAND, 2005, p. 95-106). [...] Vemos então o “Atrator Poético” como uma obra, que é processo em si. Assim, não podemos separar os eventos em processo e obra finalizada. Ela continua em construção na presença do interator e no desenvolvimento dos pensamentos ao seu redor. Daí afirmarmos que a obra não é mais algo finalizado e sim, um sistema em processo contínuo de construção na presença do interator-criador, do interator-fruidor e na construção dos pensamentos que se estabelecem ao seu redor. (SOGABE; LEOTE; ZAMPRONHA; HILDEBRAND, 2005, p. 95-106). A Equipe SCIArts também emprega em suas instalações interativas o conceito de sistema, integrando autor, obra e espectador, e produzindo um ambiente onde eventos estão relacionados entre si, interagindo com a presença dos participantes e do meio ambiente. 49 Diana Domingues, em entrevista, prefere definir suas obras como sistemas interativos porque em um sistema as partes não podem ser separadas; autor, obra e espectador fazem parte de um mesmo sistema. A noção de sistema é que o todo é mais do que a soma das partes, porque no todo incluem-se todas as relações das partes envolvidas com o sistema. O espectador ou visitante é parte do sistema e eu não consigo separar obra, espectador e autor. Primeiro porque a obra só existe se houver uma zona intersticial de interação proporcionada pelas interfaces. (DOMINGUES, 2007). Gilbertto Prado define em entrevista a obra como um intervalo, um anteparo ou uma interface de suspensão e experienciação. No caso particular das instalações interativas, as ações já estão potencializadas no projeto. Os caminhos e as experimentações, embora sejam a priori praticamente impossíveis de serem vivenciados um a um (nem pelo próprio autor, e o interesse e nem a proposta é essa), estão dentro de uma matriz pensada e elaborada, dentro de um campo do possível, mas nem por isso menos poético ou surpreendente. (PRADO, 2007c). Gilbertto Prado coloca acima a questão da liberdade de ação do espectador determinada pelo artista na elaboração do processo poético, liberdade esta que pode estar dentro de uma proporção programada determinando maiores ou menores parcelas de abertura e gerando situações em que, a partir da interação do público com o sistema computacional, se abra a possibilidade de gerar novas informações. A interatividade questiona novamente, de forma radical, as tradicionais relações entre autor, obra e espectador. A introdução de uma lógica de autonomia nessas relações torna os conceitos ainda mais complexos e profundos, o que implica colocar o espectador em contato direto com a simulação de seres humanos, organismos imaginários e simples imagens (POPPER, 2007, p. 191). 50 2.1.3 Espectador = Visitante, Interator, Co-autor Para a noção de interatividade, o nível de autonomia do espectador é o mais importante fator em sua determinação. A fase de participação do espectador ou envolvimento do público mudou para um alto nível com o desenvolvimento da autonomia. Somente quando os artistas especificam a liberdade pode realmente o espectador entrar no processo criativo. Esta entrada é dependente de um balanço entre fantasias estéticas e realidades técnicas. (POPPER, 2007, p. 221, tradução nossa). A partir da segunda metade do século XX, o conceito de espectador também sofreu alterações. Os artistas passaram a incluir o espectador na obra, proporcionando processos poéticos que solicitam ao público atitudes físicas ou cognitivas. O processo de inclusão na obra interativa tecnológica também está relacionado com teorias como a Cibernética e com o desenvolvimento de interfaces. Isso pode ser demonstrado ao se percorrer uma breve trajetória por teorias e artistas que permitiram a inclusão do espectador na obra, passando pelas artes participativas até chegar à arte interativa proporcionada por meios digitais. Desde Marcel Duchamp começa a se esboçar uma preocupação com a receptividade da obra, conforme ele mesmo cita: “é o espectador quem faz a obra” (apud PLAZA, 2000). Alguns teóricos e artistas foram marcantes na trajetória da arte interativa envolvendo meios tecnológicos, como pode ser visto nos exemplos a seguir, de trabalhos e teorias que influenciaram os artistas da segunda metade do século XX até os dias atuais. O surgimento e o desenvolvimento do conceito de interface estão intimamente ligados à ampliação de possibilidades de interação entre humano e máquina. Em 1948, a teoria Cibernética5 foi escrita por Norbert Wiener (do grego Κυβερνήτης, que significa condutor, governador, piloto) e se apresenta como o estudo da comunicação e controle de máquinas, seres vivos e grupos sociais. Essa teoria procura entender o tratamento da informação no interior desses processos como codificação e decodificação, retroação (feedback), aprendizagem, etc. 5 O primerio livro de Norbert Wiener sobre a teoria foi “Cybernetics or control and communication in the animal and the machine.” Nova Iorque e Londres: The MIT Press e John Wiley & Sons, 1948. 53 esculturas cinéticas, teatro eletrônico, assim como uma variedade de trabalhos não- categorizáveis (PACKER, 2001). Esses trabalhos incluíam a participação do público na realização de seu processo e podiam ser classificados como pertencentes à arte participacionista, que tinha por objetivo encurtar a distância entre criador e espectador. As experiências desse período e as experiências em arte conceitual provocaram a desmaterialização da obra e tornaram a atividade criativa pluridisciplinar. Pôde-se, então, falar de participação real, e não mais mental. A arte cinética ofereceu numerosos exemplos de obras retroativas e plurissensoriais que incitaram os espectadores à participação. O caso de Lygia Clark explicita claramente esse processo de participação na obra-processo: “No meu trabalho, se o espectador não se propõe a fazer a experiência, a obra não existe” (CLARK apud PLAZA, 2000). A descentralização da autoria, da locação e da narrativa e a imaginação dos membros do público participante prenunciaram as formas não-lineares na mídia digital, as quais fazem uso da tecnologia interativa e da rede para expandir as fronteiras de espaço e tempo. Nos anos 60 também, Nam June Paik adotou a mídia televisiva e tornou-se o fundador da videoarte. Os trabalhos de Paik incluíam a escultura televisiva, a arte por satélite, os dispositivos robóticos e as paredes gigantescas de vídeo com imagens sintetizadas pulsando a partir de feixes de tubos de raios catódicos. Paik sugere que a arte deveria abraçar as tecnologias da sociedade da informação. Ele utiliza em seus trabalhos artefatos de mídia televisiva rejeitados (PACKER, 2001). Desde os anos 60, o artista e teórico Roy Ascott é praticante de uma arte computacional interativa. Dez anos antes de o computador pessoal passar a existir, Ascott viu que a interatividade nas formas de expressão baseadas no computador poderia tornar-se discussões emergentes nas artes. Intrigado pelas possibilidades, ele construiu um quadro de trabalho teórico para abordar trabalhos de arte interativa, o qual trouxe também certas características das vanguardas (Dadá, Surrealismo, Fluxus, Happenings e Pop Art, em particular) e da ciência da Cibernética de Norbert Wiener. A tese de Ascott na visão cibernética das artes, “Behaviourist Art and the Cybernetic Vision”, de 1966, começa com a premissa de que a arte interativa é a mais livre, a partir do ideal moderno de “objeto perfeito”. Como John Cage, ele 54 propõe que o trabalho de arte seja a resposta do espectador. Mas Ascott leva a premissa de Cage ao campo da arte baseada no computador, sugerindo que o “espírito da cibernética” oferece o mais efetivo significado para realizar um caminho duplo de trocas entre a arte e o seu público (PACKER, 2001). O artista e engenheiro Ivan Sutherland, em 1962, desenvolveu um completo sistema interativo de desenho por computador, o Sketchpad. Depois reorientou sua pesquisa inicial nas tecnologias imersivas. Em 1965, escreveu The Ultimate Display, texto no qual ele faz o primeiro avanço em torno da união do computador para o design, e para a construção, navegação e habitação em mundos virtuais. Sutherland previu que os avanços na ciência da computação poderiam eventualmente tornar possíveis experiências virtuais que eram convincentes para os sentidos. Ele acreditou no potencial dos computadores para transformar a natureza abstrata das construções matemáticas em mundos habitáveis, expressivos, no espírito de Alice no País da Maravilhas, de Lewis Carrol (PACKER, 2001). Em 1970, Sutherland criou o Head-Mounted Display (HMD), um aparato em formato de capacete, projetado para mergulhar o espectador num ambiente 3D simulado visualmente. O cientista da computação Myron Krueger, sob a influência dos experimentos de indeterminância e da participação da audiência de John Cage, foi pioneiro na interação entre humano e computador no contexto de ambientes físicos. Em 1969, ele colaborou com colegas artistas e engenheiros para criar trabalhos artísticos que respondessem ao movimento e aos gestos dos espectadores, por meio de um sistema elaborado de pisos sensíveis, mesas gráficas e câmeras de vídeo (PACKER, 2001). A contribuição central de Krueger para a arte computacional interativa foi a noção do artista como um “compositor” de espaços inteligentes mediados por computador em tempo real, ou “ambientes responsivos” (responsive enviroments), como ele os chamava. Em sua instalação Videoplace (1970), os visitantes são colocados num mundo gráfico gerado por computador, habitado por outros participantes humanos e criaturas gráficas e no qual as leis de causa e efeito podem ser compostas de momento para momento. O computador respondia aos gestos do público por interpretação, até mesmo antecipando suas ações (PACKER, 2001). 55 Os membros do público podiam “tocar” as silhuetas geradas pelo vídeo, assim como manipular um agrupamento divertido de objetos gráficos e organismos animados que apareciam na tela, imbuídos com a presença de vida artificial. Lynn Hershman, outra artista de mídia, dividiu seu trabalho em duas categorias: AC (Antes dos Computadores); e DD (Depois do Digital). A linha de demarcação ocorreu em torno de 1980, com as tecnologias interativas, quando os computadores pessoais e CD players tornaram-se comercialmente acessíveis. Em seus primeiros trabalhos de performance e instalações (AC), Hershman explorou temas que focavam as discussões sobre identidade e alienação, e borrou fronteiras entre realidade e ficção (PACKER, 2001). O primeiro de seus trabalhos interativos foi Lorna (1982), um trabalho de vídeo (videodisc) original, uma jornada labiríntica através de paisagens mentais de uma mulher de meia-idade com agorafobia. Em Deep Contact (1984-89), Hershman usa uma interface de tela de toque para sugerir que o espectador pode alcançar, através da superfície de vidro do trabalho, a “quarta dimensão” do computador. Esse tipo de interatividade constituiu uma transgressão da tela, transportando o espectador para a realidade virtual (PACKER, 2001). A partir dos anos 90, diversos artistas passaram a desenvolver projetos interativos em arte e tecnologia apoiados na ampliação de possibilidades de interfaces que permitem variadas formas de interação entre o público e o sistema computacional, como Jeffrey Shaw, Christa Sommerer e Laurent Mignonneau, Paul Garrin, Edmond Couchot, Michel Bret, Marie Hélène Tramus e Char Davies, entre outros. A inclusão do espectador na obra em arte e tecnologia está apoiada também pela ciência. Dentro da visão sistêmica abordada anteriormente no conceito de obra, é possível verificar que, nas instalações interativas, a obra e o público se influenciam mutuamente. A partir do momento em que a física quântica se materializa como um campo avançado para o mapeamento ou representação do universo e coloca o observador como o articulador entre o universo e a construção da realidade, vemos a arte voltada para discutir questões complexas de nossas relações no mundo apoiar-se fundamentalmente na interatividade. Sendo esta última, a estratégia capaz de permitir a articulação de inteligências. [...] Ao considerar o observador como um agente capaz de produzir o colapso de possíveis estados quânticos, vemos [...] o conceito de interatividade ganhar enorme relevância. (SOGABE; FOGLIANO, 2007).
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