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Rock brasileiro dos ano 80 - Apostilas - Sociologia Parte1, Notas de estudo de Sociologia

Apostilas de Sociologia sobre o estudo do Conjunto de representações produzidas sobre o gênero musical classificado como “rock”, identidades e fronteiras simbólicas expressas nos discursos de músicos e críticos.

Tipologia: Notas de estudo

2013

Compartilhado em 06/05/2013

Selecao2010
Selecao2010 🇧🇷

4.4

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Baixe Rock brasileiro dos ano 80 - Apostilas - Sociologia Parte1 e outras Notas de estudo em PDF para Sociologia, somente na Docsity! DE LUGAR NENHUM A BORA BORA: IDENTIDADES E FRONTEIRAS SIMBÓLICAS NAS NARRATIVAS DO “ROCK BRASILEIRO DOS ANOS 80” Júlio Naves Ribeiro 2005 DE LUGAR NENHUM A BORA BORA: IDENTIDADES E FRONTEIRAS SIMBÓLICAS NAS NARRATIVAS DO “ROCK BRASILEIRO DOS ANOS 80” Júlio Naves Ribeiro Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Antropologia. Área de concentração: Antropologia. Orientador: Prof. Dr. José Reginaldo Santos Gonçalves Rio de Janeiro Junho de 2005 À Cláudia, o MDC da minha vida AGRADECIMENTOS Inicio com a extensa lista de agradecimentos aos meus familiares. Cada um, à sua maneira, foi importante para a composição desta dissertação. Minha mãe, Santuza Cambraia Naves, e meu padrasto, Paulo Henriques Britto, estudiosos de áreas afins, extrapolaram suas atribuições afetivas de parentesco e contribuíram também intelectualmente através de sugestões preciosas durante todo o processo de escrita. Ao meu pai, Antônio Carlos Bueno Ribeiro, minha madrasta Nádia Chaves Martins, minha avó, Maria Aparecida Bueno Ribeiro, meu irmão, Felipe Naves Ribeiro, Maria das Dores Bernardes de Lara, Daniel Barbosa Ribeiro e Elisa Barbosa Ribeiro, agradeço o apoio afetivo expresso na companhia sempre próxima e necessária. Não poderia deixar de mencionar meus irmãos menores, Lucas Martins Ribeiro e Luísa Martins Ribeiro, que ainda não sabem o que faço ou deixo de fazer na vida. Diversos amigos contribuíram para a pesquisa. André Alexandre dos Santos, meu principal informante “nativo”, e um dos diversos roqueiros que atuaram nos anos 1980 que seguem “na estrada”, foi de fundamental importância, tanto pelos inúmeros bate-papos sobre o assunto quanto por ter generosamente acompanhado de perto o processo de escrita, com sugestões perspicazes e correções de alguns enganos cometidos pelo escriba. Ao meu caro primo Bruno Freire Naves, outro “nativo” (transita desde os anos 90 com desenvoltura pela “cena de Brasília”), agradeço o interesse e a “pressão” para que este fosse o tema de pesquisa escolhido. Zeca Rodrigues, a quem devo meus parcos conhecimentos de teoria musical, merece créditos pela sua contribuição instrumental, pelas conversas estimulantes sobre música, e também pelo interesse sempre demonstrado. A Christina Osward, também pesquisadora e “nativa” declarada deste tema, agradeço a contribuição intelectual e o interesse. Queria também expressar minha gratidão a Frederico Oliveira Coelho, que me ajudou no início de pesquisa e manteve sua enorme biblioteca particular sempre disponível. A Diogo Fontes Pereira e Rafael Soares de Aquino, com quem tenho a sorte de desfrutar sólida amizade “desde os primórdios até hoje em dia”, e Gustavo Solha, amigo recente, agradeço a compreensão pela ausência em algumas festividades e também a prontidão para a leitura deste texto, ainda que não os interessasse diretamente. Meus amigos do PPGSA fazem parte desta dissertação. Leonardo Carvalho Couto, interlocutor em quase todos meus assuntos de interesse, colega desde o início da graduação, merece menção honrosa também pelas sugestões e disponibilização de material de pesquisa. Também Bruno de Vasconcelos Cardoso, que além da amizade constituída, fez diversas contribuições para o primeiro capítulo, generosamente esquadrinhado. Outros colegas não podem deixar de ser mencionados, pela afeição e pelas sugestões durante o período de aulas – influíram inclusive na escolha do objeto de estudo: Tiago Coutinho, Marisol Valle, Carla Ramos, Alexandre Ribeiro, Raphael Jonathas, Jonas Oliveira, Cristina Pedrosa, Luciana Barbio, Ronald Nunes, Vera Lúcia Regina e Carla Rocha. Outros companheiros de IFCS não poderiam faltar nessa lista: Ivan Stibich, Luciano Senna, Ana Cláudia Melo, Maria Raquel Lima e Frederico Policarpo. Agradeço ao PPGSA pela oportunidade concedida e pela importância fundamental de seu quadro na elaboração deste trabalho, em particular aos professores Elsje Lagrou, Regina Novaes, Peter Fry e Elisa Reis, que através de suas aulas influenciaram diretamente nesta dissertação. Queria agradecer em especial duas pessoas importantes para minha formação como pesquisador: Lúcia Lippi Oliveira, a quem também tenho enorme carinho, pelo aprendizado, entre outras coisas, das principais ferramentas de pesquisa no estágio do CPDOC/FGV; e Ana Maria Galano, professora da graduação, pela inspiração intelectual, amizade e o apoio sempre expresso. Agradeço também a Ricardo Benzaquen de Araújo por ter permitido freqüentar como ouvinte um de seus cursos no IUPERJ – cujo referencial teórico encontra-se representado aqui – e pelos importantes conselhos. Aos professores com quem tive a sorte de contar em minha banca de qualificação, Marco Antonio Gonçalves – com quem aprendo desde os cursos da graduação – e Valter Sinder, manifesto minha imensa gratidão: esta dissertação seria sensivelmente mais pobre sem suas sugestões certeiras. Meu orientador, José Reginaldo Santos Gonçalves, desde o período de graduação – foram diversos os seus cursos que freqüentei – tem sido fonte permanente de aprendizado. Grande parte do que sei de antropologia se deve à sua influência – o que, aliás, acredito que se deixe notar facilmente pelo referencial teórico adotado. Agradeço, em particular, suas sugestões e intervenções na composição desta dissertação. Exponho meu reconhecimento às secretárias da “Pós”, Claudinha e Denise, pela disponibilidade, simpatia e pronta solução de quaisquer problemas burocráticos por mim enfrentados. Não posso esquecer de agradecer o apoio financeiro recebido do CNPq e da FAPERJ, fundamental para a preparação do presente trabalho. Por fim, não poderia deixar de mencionar minha fonte de inspiração diária, Cláudia Valério de Moraes, a quem expresso minha enorme satisfação pelo apoio irrestrito e pela convivência dulcíssima. 3 A “PASSAGEM DRAMÁTICA” NA “CENA ROQUEIRA” E OS CONTORNOS SEMÂNTICOS ADQUIRIDOS PELA CATEGORIA “AUTENTICIDADE” .................................................................................................... 125 3.1 Classe, raça, faixa etária e gênero ............................................................................. 126 3.2 A “cena roqueira” pelos nativos ............................................................................... 130 3.2.1 Período carismático e de communitas: a categoria “autenticidade” como “atitude” neste momento de valorização de um ethos roqueiro ................................. 130 3.2.2 Rotinização do carisma e estrutura: as polêmicas internas sobre a “perda de atitude”, a aproximação com a MPB, e os novos contornos semânticos adquiridos pela categoria “autenticidade” ...................................................................................... 134 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 160 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS …………………………….………………… 164 11 INTRODUÇÃO O objeto deste estudo é o conjunto de representações simbólicas produzidas sobre uma determinada modalidade de gênero musical classificado como “rock”, tal como veio a ser criado e difundido no Brasil na década de 1980. Em termos mais precisos, o foco análise são as identidades e fronteiras simbólicas expressas nos discursos de músicos, críticos, aficionados e demais pessoas ligadas ao meio (tais como produtores e empresários). Esse recorte temporal se justifica – afinal, o rock no Brasil não é uma prerrogativa dos anos 80, tendo iniciado nos anos 50 e perdurado até os dias de hoje – pelo fato das narrativas que se referem a esse período conterem uma carga simbólica que associa a década de 80 no país a diversos mitos ligados ao contexto do rock: particularmente o surgimento – e a grande visibilidade adquirida – no meio cultural e nos principais meios de comunicação, através da música, de uma nova “geração” com atitudes em comum e caracterizada por um comportamento “irreverente” com relação às gerações anteriores. Vejamos o texto do crítico Tárik de Souza para a contracapa de um dos livros que versam sobre o assunto: O rock deu uma blitz na MPB”, trocadilhou Gilberto Gil. Na década de 80, uma virada de mesa radical interrompeu a chamada linha evolutiva da MPB. O BRock [sigla criada pelo jornalista Arthur Dapieve para abarcar o “rock brasileiro” desta década] cresceu, apareceu e amadureceu no espaço de uma década. Em bem mais que os 15 minutos de holofotes profetizados por Andy Warhol, o movimento que instalou Brasília no mapa pop, traduziu para o país do carnaval punks, new waves, góticos e pós-modernos num aggiornamento voraz que bagunçou o coreto dos contentes antecedentes (Tárik de Souza apud DAPIEVE, 2000, contracapa, o trecho entre colchetes é meu). Portanto, a análise das trajetórias e dos trabalhos desses artistas dentro dos limites simbólicos da década de 80 fez parte de uma opção metodológica: desde já sinalizo que não há aí qualquer tipo de depreciação em relação aos trabalhos veiculados por eles posteriormente. 12 Muitos destes artistas seguiram – ou retomaram – suas carreiras até os dias atuais, e é claro que não gostam de ser associados somente a essa época. Optei por analisar as categorias nativas em seus mais diversos contornos semânticos, recorrendo a determinadas fontes da imprensa especializada. Além da pesquisa em periódicos de época, foram consultados alguns livros recentes que abordam o rock produzido no período ou a “cultura jovem dos anos 80” no Brasil. Três deles foram de suma importância pela riqueza em entrevistas e pelo próprio detalhamento da pesquisa empreendida. São eles: Brock: o rock brasileiro dos anos 80 (2000), de Arthur Dapieve, Dias de luta: o rock e o Brasil dos anos 80 (2002), de Ricardo Alexandre, e Quem tem um sonho não dança: cultura jovem brasileira nos anos 80 (2004), de Guilherme Bryan. Estes livros fazem levantamentos gerais e retrospectivos, e analisam alguns discursos, tanto os que já eram sedimentados na época quanto os que surgiram depois – por exemplo, as narrativas que versam sobre o “conflito de gerações” para singularizar a “geração” abordada e as próprias categorias “rock brasileiro dos anos 80”, “BRock” e “Rock Brasil” (as duas últimas são mais recentes). Certos cuidados tiveram que ser efetuados. Como textos jornalísticos, são bastante opinativos, e também por se dirigirem a um “público jovem”, tendem a criar uma relação de cumplicidade com o leitor. Exercem, pois, sem disfarces, um segundo tratamento sobre a “história” contada pelos entrevistados, os recortes de imprensa selecionados e os trabalhos dos artistas. Assim, foi importante para fins metodológicos isolar os dados empíricos trazidos por esses livros do julgamento de seus autores (encarados também como se fossem discursos nativos), empreender uma comparação entre as narrativas desses trabalhos e confrontá-las com os dados coletados em fontes de época e com a produção dos artistas. Portanto, lidei também com os discos – letras, arranjos, instrumentação, capas – como textos repletos de informações veiculadas pelos artistas, de forma consciente ou não. Desse modo, procurei trabalhar as categorias construídas por esses personagens em diversos níveis de análise. 15 influência constante das correntes de pensamento, entendidas como sistemas de signos que nos circundam e competem entre si. Embora concorram por legitimidade em um constante esforço por eliminar ambigüidades, as memórias coletivas nunca atingem esse fim de forma definitiva, pois seu trabalho de construção é precário – porque se fundamenta na linguagem, entendida não apenas no sentido formal, mas também como visões de mundo – e sempre corre o risco de ser sobrepujado por outras memórias coletivas. As memórias dos grupos sociais estudados podem ser vistas como constituídas a partir de quadros sociais, ou seja, pontos de referência que são construídos em um processo permanente e inconsciente de eliminação das incoerências narrativas por parte dos grupos na elaboração de discursos que façam sentido para eles. O trabalho principal desta pesquisa, portanto, foi identificar os principais pontos de vista coletivos presentes nas correntes de pensamento deste campo de forças, tarefa em muito facilitada pela análise das categorias nativas, que também sofrem modificações semânticas no tempo e no espaço. Ao analisar o material empírico coletado, notei que as divergências não podem ser contextualizadas apenas pela posição que assumem os personagens nesse “cenário”: por exemplo, enquanto artistas e críticos, as “vozes” mais presentes no texto. Ao contrário do observado por Santos (2005), quando se refere ao universo da música “caipira” ou “sertaneja” – onde vemos divergências nítidas entre os críticos (que de modo geral valorizam uma pureza desta música como “autenticidade”, o lado “caipira”) e os artistas (que tendem a “atualizar” a música caipira pela incorporação de novas informações adquiridas através dos meios de comunicação de massa, em um hibridismo que resulta na classificação “música sertaneja”) – encontramos no “cenário roqueiro” opiniões as mais diversas, tanto entre músicos quanto entre a crítica especializada, seguindo as lógicas mais variadas, como bairrismos etc. As similitudes encontradas nos discursos também não seguem necessariamente lógicas corporativistas. De fato, havia uma série de discordâncias entre músicos e críticos da época, 16 mas nada que os possa caracterizar claramente em dois grupos com usos simbólicos distintos. Alguns artistas, como Paulo Ricardo, do RPM, e Júlio Barroso, da Gang 90 & As Absurdettes, trabalharam também como críticos, o que já mostra como essas fronteiras espaciais e simbólicas são bastante borradas no universo estudado. Por não ter feito entrevistas também com os aficionados, seus pontos de vista aparecem apenas através de algumas descrições e observações de comportamentos nos shows, ou pela própria verificação se o trabalho de tal artista foi bem recebido ou não em termos de vendas; mas de modo geral já surgem filtrados pelos discursos da crítica e dos músicos. Por esse motivo, fui mais cauteloso nas imputações relacionadas a eles. Um tema recorrente nos discursos nativos é o tipo de relação que estabelecem ao que se convencionou chamar de “MPB” a partir da década de 60. Esta categoria aparece com muita força no “cenário” estudado como a pedra de toque da criação de diferenças, pois os músicos de rock criaram e recriaram suas identidades artísticas por meio de oposições ou alianças a sons e comportamentos que eles associavam à idéia de MPB. Assim, os discursos nativos me levaram a opor analiticamente artistas com trabalhos e trajetórias diferenciadas nos construtos “rock brasileiro dos anos 80” e “MPB”. Não lidei com essas duas concepções como se constituíssem dois sistemas de classificação fechados e estanques; pelo contrário, as classificações que compreendem comportam uma série de ambigüidades e são permanentemente reelaboradas. Por este motivo, são sempre qualificadas no decorrer deste trabalho. Assim, acredito ter percebido, através dessa oposição, os modos como foi usada toda uma série de categorias de pensamento nesse contexto do rock brasileiro – com destaque para a categoria “autenticidade” e os diferentes contornos semânticos que assumiu entre os roqueiros. Como tais categorias estão sempre interligadas umas com as outras nos discursos nativos – as escolhas estéticas nunca estão dissociadas dos planos comportamentais – uma das bases teóricas fundamentais que guiam este trabalho é o conceito de “fato social total” 17 formulado por Marcel Mauss (2003). Esse procedimento exigiu bastante cuidado, pois essas classificações (totais) se revelam extremamente impuras e fluidas; por estarem em permanente processo de construção assumem significados variáveis, de diversos matizes, por vezes conflitantes. Inicio o primeiro capítulo com um histórico do rock no Brasil (e suas principais influências do exterior) e de algumas vertentes do que se convencionou chamar de “música popular brasileira”. Em seguida, mostro como os discursos nativos caracterizam o surgimento de uma “nova geração” no país na década de 80, e sua visibilidade principalmente através do rock. Demonstro que esse discurso é construído com base em uma pretensa solidariedade interna – na afirmação de uma idéia nativa de “cena roqueira”, de laços comunitários estreitos – e por demarcações simbólicas de alteridade (compreendida sob aspectos estéticos e comportamentais) com o que associavam a outras gerações – por exemplo, a importância que conferem à linguagem roqueira adotada, inspirada em bandas estrangeiras e escorada em uma “simplicidade” estética e comportamental. Ao finalizar este capítulo, exponho cuidadosamente as principais divergências com o principal “inimigo” apontado: o que era classificado como MPB, tal construto abarcando inclusive músicos brasileiros de outras gerações que haviam adotado também uma linguagem roqueira. No segundo capítulo, mostro como os discursos nativos problematizam o rock nacional a partir do momento – simbolicamente associado ao primeiro festival Rock in Rio e ao sucesso do RPM, em meados da década – em que este gênero passa a ocupar uma posição central na indústria do disco e na mídia brasileira. Exponho as diversas categorias acusatórias que são empregadas e rebatidas entre eles nesse momento – relacionadas, de uma maneira ou de outra, a questões como perda de “espontaneidade”, o que remete no contexto nativo à categoria “atitude” e, mais genericamente, a discussões sobre “autenticidade”. Argumento também neste capítulo que a aproximação simbólica de muitos roqueiros com a MPB adquire 20 exemplo dos irmãos Campello, a Jovem Guarda – cujas figuras mais representativas são Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Jerry Adriani, Ronnie Von, Carlos Imperial e Wanderléa – foi percebida pelos críticos como um fenômeno de massa simplório, sem características próprias, uma mera derivação de rocks anglo-americanos e italianos. Atualmente reconhece-se que embora estes artistas tenham feito versões de rocks estrangeiros para o português, deixaram como legado também um repertório próprio, em particular os parceiros Roberto Carlos e Erasmo Carlos. Nessas composições foram explorados os mesmos temas “ingênuos” dos rocks anglo-americanos dos anos 50 e início dos 601; distantes, no entanto, da “meiguice infantil” (MEDEIROS, 1984) de Celly Campello: versavam sobre o amor “como sedução marota expressa do ponto de vista do conquistador” (ibid.) e as “pequenas rebeldias juvenis”. Também podemos notar nas músicas da Jovem Guarda uma série de referências a segmentos da “juventude” brasileira deste tempo. Exemplos: a “juventude transviada” paulistana era retratada em canções do naipe de “Rua Augusta” – de Hervé Cordovil, popularizada por Ronnie Cord, em 1964 – (“Subi a Rua Augusta a 120 por hora/ Joguei a turma toda do passeio pra fora/[...]/ Hi, hi, Johnny/ Hi, hi, Alfredo/ Quem é da nossa gangue/ Não tem medo”) e “Parei na contramão” (de Roberto Carlos e Erasmo Carlos) (ROBERTO CARLOS, 1963). Estes roqueiros também ajudaram a disseminar – através das canções e das entrevistas – uma série de gírias, como “broto” e “bicho”. A Jovem Guarda teve impacto considerável sobre a “juventude”, principalmente entre os pertencentes às camadas sociais de menor poder aquisitivo que habitavam os subúrbios das grandes cidades brasileiras, logo acusados, pelos 1 O rock americano dos anos 50 (rock ’n’ roll) – Chuck Berry, Bill Haley, Elvis Presley, Little Richard, Buddy Holly etc. – não foi compreendido no contexto original como algo “ingênuo” ou “inofensivo”, sendo associado à delinqüência juvenil. O que mais preocupava os paladinos da preservação da moral e dos bons costumes norte- americanos era a forte conotação sexual do rock ’n’ roll expressa nas letras de música e nas danças. Esse estilo musical teve grande influência no comportamento dos jovens e foi fundamental – juntamente com filmes como O selvagem (1953), estrelado por Marlon Brando, e Juventude transviada (1955), protagonizado por James Dean – para o surgimento das categorias “juventude transviada” e “rebelde sem causa”. No início dos anos 60, o conjunto inglês The Beatles lidera a “British invasion”, ou seja, o predomínio de novos grupos ingleses no “cenário do rock”. O rock inglês foi chamado no Brasil de iê-iê-iê (a denominação serviu também para designar 21 jovens politizados ligados à MPB, de “alienados” e marionetes do “imperialismo americano” (OSWARD, 1998). O rock brasileiro adquiriu novas características sob a influência do “tropicalismo”, movimento cultural empreendido por, entre outros, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Gal Costa e o maestro Rogério Duprat. Mas antes de explicar o que foi a tropicália é preciso situá-la no quadro geral da “contracultura”. Ela atraíra a atenção dos meios de comunicação pela primeira vez no chamado “verão do amor”, em 1967, quando na região de San Francisco e Berkeley ocorreram as primeiras manifestações públicas dos “hippies” – como foram rotulados os participantes pela imprensa. Seus comportamentos “libertários” e significantes mais visíveis (roupas coloridas, cabelos compridos etc.) difundiram-se para o mundo todo, inclusive o Brasil, principalmente através do conjunto inglês The Beatles, no álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Esse disco, lançado em setembro de 1967 – portanto, ao final do “verão do amor” – assinalou uma virada importante na carreira do quarteto inglês, com a utilização de instrumentos e harmonias orientais, música eletrônica e letras mais complexas. O ponto de partida da “sensibilidade contracultural”, da qual Sgt. Pepper era a expressão paradigmática, foi a reação à guerra do Vietnã, numa época em que o serviço militar ainda era obrigatório nos Estados Unidos. A rejeição à guerra levou uma fração da “juventude” a adotar diferentes versões de pacifismo, várias delas influenciadas por religiões orientais, notadamente o budismo. Uma outra vertente seguiu ideologias radicais de inspiração marxista, ora de tendência maoísta, ora inspirada nos escritos de Herbert Marcuse (pensador egresso da escola de Frankfurt que se tornou uma das grandes referências intelectuais do período). O que todas essas correntes tinham em comum era uma atitude crítica em relação à “sociedade de consumo”, ao moralismo ditado pela tradição religiosa (fundamentalmente calvinista) – freqüentemente expressa como politização da a Jovem Guarda), onomatopéia (surgida na França) inspirada no refrão das primeiras músicas dos Beatles (“She 22 sexualidade, a prática do “amor livre” como transgressão – e a toda uma orientação geral de aceitação “cega” dos valores da sociedade que se impôs durante a Segunda Guerra Mundial e se reafirmou no decorrer dos anos 50. Para a maior parte dessas tendências da “juventude” norte-americana, o rock atuou como uma linguagem comum. É importante destacar esse fato porque havia contradições flagrantes entre as diferentes inclinações que compunham o construto “contracultura”, normalmente associado ao chavão “hippies-drogas-promiscuidade sexual” (MUGGIATI, 1973, p. 38): por exemplo, entre o pacifismo radical de algumas comunidades religiosas e a violência terrorista praticada pelos Weathermen2, a ala mais radical do movimento estudantil; ou entre o uso de drogas por uma parcela considerável da geração e o naturismo extremo de algumas vertentes. Porém, em todas essas tendências, que representavam de uma ou de outra maneira um rompimento com o American way of life, o rock se afirmou como veículo de expressão artística e comportamental (MILLER, 1973; MACIEL, 1987). Quando surgiu, em 1967, a tropicália transportou para o Brasil uma “vertente solar” da “contracultura”. Ainda no clima de relativa liberdade e intensa atividade cultural que marcou a primeira fase do regime militar, o novo movimento adotou uma série de significantes “contraculturais” – as roupas coloridas, os cabelos compridos e, acima de tudo, as guitarras elétricas e outros elementos da linguagem do rock. Desde o início, a presença desses significantes diferenciou de modo mais nítido a proposta tropicalista da mainstream loves you/ Yeah, yeah, yeah”) (BEATLES, 1963). 2 O nome do grupo estudantil é inspirado em verso da música “Subterranean homesick blues” (“You don´t need a weatherman/ To know which way/ The wind blows”) (BOB DYLAN, 1965), de Bob Dylan (MUGGIATI, 1973, p. 14), talvez o mais influente roqueiro da “contracultura”. No início de sua carreira, no despertar dos anos sessenta, Dylan celebrizou-se com canções de protesto no estilo folk norte-americano – “Blowin’ in the wind” (DYLAN, 1963) e “The times they are a-changin’” (DYLAN, 1964) sendo as mais famosas de todas. O disco Another side of Bob Dylan, lançado ao final de 1964, marca uma virada temática na obra do autor, que abandona uma postura de esquerda tradicional em troca de um ponto de vista “contracultural”, fazendo críticas sociais não tão pontuais – como na descrição de tipos marginalizados – e intensificando o uso de uma linguagem lírica, subjetiva, tanto ao abordar temas sociais quanto ao versar sobre o amor. A partir de 1965, aproxima-se do idioma do rock, adotando também ritmos derivados do blues e instrumentação elétrica no disco Bringing it all back home. 25 latino-americana, o que resultou em acaloradas discussões. Mas hoje, quando ouvimos lado a lado os discos tropicalistas e as músicas de protesto contemporâneas do movimento, talvez o contraste mais gritante seja o que há entre o tom adotado pela tropicália – de modo geral positivo, marcado às vezes por uma ironia suave – e a indignação inflamada da canção politizada que eletrizava o público – majoritariamente estudantil – dos festivais da época, como (“O dia vai chegar/ Que o mundo vai saber.../ Quem trabalha é quem tem/ Direito de viver”) – “Terra de ninguém” (Marcos e Paulo Sérgio Valle) (ELIS REGINA & JAIR RODRIGUES, 1965). Havia todo um princípio de aceitação e agoridade nos tropicalistas, um viés fundamentalmente positivo, ainda que crítico, que os diferenciava da postura reativa e utópica da MPB politizada. Daí teria se originado a vertente “solar” da “contracultura brasileira”, exemplificada por diversas canções de Raul Seixas, dos Novos Baianos e dos Mutantes, bem como pela posterior carreira solo de Rita Lee (BRITTO, 2003). O conjunto de rock mais reconhecido do período, os Mutantes, surgiu no contexto da tropicália e da “contracultura”. Apadrinhados pelos tropicalistas Gilberto Gil, Caetano Veloso e Tom Zé, produziam uma música que já incorporava o impacto de Sgt. Pepper. A crítica musical logo observou que as composições dos Mutantes (algumas em parceria com Caetano e Tom Zé) eram formalmente elaboradas, muitas vezes parodísticas, com um tom de crítica social bem distante da ingenuidade da Jovem Guarda; e que os arranjos musicais sofisticados manifestavam nítida influência dos Beatles e do músico erudito Rogério Duprat, arranjador de diversas gravações do tropicalismo. Foi a primeira banda do “rock nacional” a ser levada a sério pela crítica, que até então identificava o gênero apenas como entretenimento juvenil – ainda que jornalistas influentes (os mesmos que se opunham à proposta do tropicalismo) os atacassem com base numa visão “purista” e “nacionalista” da música brasileira. A propósito, é importante mencionar as polêmicas participações do 26 conjunto nos festivais de música de São Paulo e Rio de Janeiro6, que nos seus primeiros anos haviam se constituído em templos da “pureza” da música nacional. Quando Caetano Veloso apresentou “É proibido proibir” no festival da Record, em 1968, acompanhado pelos Mutantes – com sua parafernália elétrica e trajes “psicodélicos” – uma parte expressiva da platéia (basicamente composta de universitários) reagiu indignada ao que lhe pareceu ser uma profanação. Em resposta, Caetano – sempre seguido pelas guitarras do conjunto – fez um discurso contundente contra um pretenso conformismo estético da “juventude”, documentado em gravação (com o título “Ambiente de festival”) que se tornou um manifesto. Com o fim do tropicalismo e o exílio de Caetano e Gil, em 1969, os Mutantes continuariam a lançar discos marcados pelo mesmo espírito de irreverência. Sua regravação francamente debochada de “Chão de estrelas” (de Silvio Caldas e Orestes Barbosa) (MUTANTES, 1970) – em que versos pomposos como “tu pisavas nos astros distraída” tinham como pano de fundo ruídos ásperos e dissonantes, de efeito irônico (pratos quebrando-se, sons de helicóptero, entre outros) – seria entendida como uma provocação ao establishment da MPB. O Ato Institucional no 5, promulgado pelo presidente Arthur da Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968, ao criar uma série de restrições às liberdades políticas e culturais, alterou radicalmente os rumos da MPB. Alguns dos principais músicos da época – Chico Buarque, Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Geraldo Vandré, entre outros – foram presos e exilados ou optaram pelo auto-exílio. O novo clima político, com raras exceções, não admitia contestações políticas ou sociais, em linguagem direta ou cifrada. A repressão ideológica às formas musicais tradicionalmente associadas à MPB politizada dos festivais foi um dos fatores que favoreceram – segundo analistas dessa fase – o desenvolvimento da linguagem do rock, visto pelas autoridades brasileiras como um ritmo associado mais à 6 Os Mutantes acompanharam Gilberto Gil em 1967, Caetano Veloso em 1968 (ambas as vezes em São Paulo) e 27 “rebeldia” comportamental do que à “subversão”. Além disso, a utilização de elementos do rock que haviam sido introduzidos pelos tropicalistas na vertente mais elaborada da música brasileira já começava a se generalizar. Muitos músicos que atuaram na esteira da tropicália intensificaram o uso do idioma roqueiro em suas composições. A virada dos anos 70, portanto, foi uma ocasião em que, para um bom número de artistas da MPB, se tornou moda fazer rock. Como exemplos, podemos citar o álbum Gal a todo vapor (1971), em que Gal Costa adota um modo de cantar mais gritado e se faz acompanhar da guitarra elétrica de Lanny Gordin (expoente da guitarra elétrica no rock brasileiro, fortemente influenciado por Jimi Hendrix); e o primeiro disco de Jards Macalé, intitulado Jards Macalé (1972), em que temos um power trio à maneira da Jimi Hendrix Experience, com o mesmo Lanny e o baterista Tutti Moreno. Neste período, que alguns críticos convencionaram chamar “pós-tropicalista”, ocorreu, porém, um fenômeno interessante: o rock tornou-se uma das formas de expressão – as outras foram o cinema, o teatro, a imprensa independente e a poesia da “geração mimeógrafo” – de uma nova sensibilidade “contracultural”, “maldita”, de natureza muito diferente do clima solar do “desbunde” tropicalista. Como observa BRITTO (2003), os cancionistas do rock pós-AI-5 – Sérgio Sampaio, Jards Macalé, Wally Salomão e Luiz Melodia, entre outros – exprimem em sua música um clima de pessimismo, desencantamento e desespero, que Britto denominou “temática noturna”. Essa temática é marcada por imagens de medo, solidão, loucura e exílio, como em “Labirintos negros”, de Sérgio Sampaio (“Labirintos negros/ Espalham nuvens cinzas /De desesperança /Explodiu a sombra /E eclodiu a festa /Que estranha fossa”) (SÉRGIO SAMPAIO, 1973), “Movimento dos barcos”, de Jards Macalé e Capinan (“Estou cansado /E você também/ Vou sair sem abrir a porta/ E não vou voltar nunca mais/ Desculpe a paz que eu lhe roubei/ E o futuro esperado que não se apresentaram sozinhos no festival do Rio de Janeiro, também em 1968. 30 igrejas do Sul, comercializada e combinada com os formatos da chamada “Tin Pan Alley song” (a canção popular “branca”, dirigida a um grande público) que passa a ser conhecido como soul music nos anos 60. A influência desta corrente se faz sentir no Brasil na virada dos anos 70, quando Tim Maia (que nos primórdios da Jovem Guarda participara de bandas com Erasmo Carlos), recém-chegado de um período de auto-exílio nos Estados Unidos, ganha notoriedade com um rock dançante classificado de “soul-funk-balada” (DOLABELA, 1987). O cantor, assim como Jorge Ben8 e seu “swing-único” (ibid), teve sua música associada à afirmação de um ethos negro. Em meados da década de 70, o “rock progressivo” – tendência em voga nos Estados Unidos e na Europa, em que se valorizava a técnica na execução musical, com músicas longas e de apelo conceitual, e se postulava um status de arte ao rock – se estabeleceu como influência majoritária também no plano do “rock nacional”. Os roqueiros que seguiram esta linha mantiveram distância de segmentos “emepebistas”. Foi o caso também dos Mutantes, que, em uma formação na qual só restava o virtuose Sérgio Dias da banda original (Rita Lee saiu em 72 e Arnaldo Batista em 73), pautou-se por um som progressivo com letras caracterizadas por um “messianismo lisérgico” (CALADO, 1996), muito distante do trabalho mais conhecido de sua primeira fase. Deste “cenário”, podemos citar os grupos Módulo 1000, A Bolha, Som Nosso de Cada Dia, Veludo e Vímana (DOLABELA, 1987) – que teve em sua formação futuros “ícones” da década seguinte, os roqueiros Lobão, Lulu Santos e Ritchie. O conjunto O Terço alcançou prestígio entre a crítica especializada ao mesclar o rock progressivo com o chamado “rock rural” (inspirado nas bandas roqueiras norte-americanas de influência folk, como Crosby, Stills, Nash & Young – no Brasil, o grupo mais famoso dessa 8 Após breve passagem pelo meio da Jovem Guarda, Jorge Ben foi acolhido pela MPB no contexto final e mais plural da bossa nova no início dos anos 60, quando, apesar das reações negativas que suscitou entre o público mais “purista” e “engajado”, fez sucesso com as músicas “Chove chuva” e “Mas que nada” (JORGE BEN, 1963) – logo regravadas por emepebistas e jazzistas norte-americanos. Cortejado anos depois pelos tropicalistas, seguiu sua carreira mesclando informações variadas da “música negra”. 31 tendência foi Sá, Rodrix & Guarabira). Todas as bandas que transitaram pelo caminho “progressivo” venderam muito pouco e tiveram um público bastante pequeno, várias delas permanecendo completamente obscuras. Mas também foi comum, em meados dos anos 70, a junção da linguagem roqueira ou pop com a de músicas regionais. Dois conjuntos se destacaram, obtendo inclusive grande sucesso de público: os Secos & Molhados, que utilizaram elementos visuais andróginos (entre eles o uso de maquiagem) do glitter rock de David Bowie e New York Dolls em um formato pop, flertando também com a música portuguesa; e os Novos Baianos, que, aconselhados pelo bossa-novista João Gilberto, fundiram “sons progressivos com choro, frevo, samba e bossa nova dos 70” (SOUZA, 1988). Em trajetórias solo, Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Zé Ramalho mesclaram música regional nordestina e rock psicodélico. Raul Seixas, atualmente reconhecido “o maior roqueiro do período” (TEIXEIRA, 2004)9, trilhou um caminho próprio, com elementos de rock dos anos 50 e 60 e letras por vezes elaboradas, sem escapar das influências regionais, como a do baião de Luiz Gonzaga. Outra figura marcante dessa época, a ex-Mutante Rita Lee, teria servido de exemplo para muitos roqueiros que apareceram na década seguinte ao atingir grandes vendagens com uma fusão de rock e pop em arranjos “modernos” e linguagem despojada. O crítico Okky de Souza é um dos partidários dessa tese, como já denota o título de sua matéria na revista Veja de 23 de junho de 1982: “Os filhos de Rita Lee: uma nova geração do rock invade as rádios na trilha aberta por sua maior estrela”. 9 Rosana da Câmara Teixeira, em “Krig-há, bandolo! Cuidado, aí vem Raul Seixas” mostra, através de uma minuciosa etnografia com os fã-clubes do roqueiro baiano, de que maneiras o culto à sua figura perdura até os dias atuais. 32 1.2 “O rock brasileiro nos anos 1980”: introdução Terminada a exposição introdutória sobre o rock no Brasil, entremos agora no nosso tema. O universo do “rock brasileiro dos anos 80” comporta uma vasta diversidade de identidades e, concomitantemente, há bastante discordância na interpretação dessa “cena”, como a respeito de quando ela inicia e tem o seu ocaso. Essas divergências tendem a ser ignoradas nos discursos de críticos e jornalistas quando se referem ao período, cada um tecendo sua própria classificação hierárquica dos acontecimentos. Esse tipo de procedimento é condizente com um certo discurso da modernidade cuja estruturação simbólica tende a tratar o passado como realidade factual. Para resumir uma questão complexa, desenvolveu-se a idéia de que a memória seria uma função fisiológica específica, autonomizada, o que a assemelharia a um tesouro guardado (pode-se explicar assim a valorização moderna dos antiquários), cujos vestígios necessitariam ser descobertos e analisados objetivamente por historiadores, que teriam o dever de, entre outras coisas, explicar e eliminar as ambigüidades encontradas. Nesta análise “objetiva”, os documentos e demais “evidências factuais” são elevados ao status de provas, o que não ocorre com as narrativas orais. Esse tipo de discurso da modernidade é problematizado por teóricos das áreas da sociologia, antropologia e história que lidam com a memória como uma categoria culturalmente construída, de contornos semânticos variáveis; tal abordagem leva em conta as mais diversas classificações e visões de mundo existentes, nos níveis sincrônico e diacrônico, e permite surpreender no próprio campo a interação de diversos tipos de representações de memória. Nos modi operandi de Frances Yates (1974) e Maurice Hallbwachs (1990), por exemplo, tanto a narrativa escrita quanto a 35 1.3.1 Uma breve exposição do “contexto artístico jovem” nos anos 1980 A eleição do “rock brasileiro dos anos 80” como principal forma de expressão e visibilidade de toda uma “geração” que despontava no Brasil desde o final dos anos 70 – conhecida como a “geração da abertura” – é o grande leitmotiv11 observado nos discursos de roqueiros e críticos. Diversos depoimentos colhidos em obras jornalísticas sustentam que, através do rock, os “jovens” desta década conseguiram veicular mensagens para seus pares em larga escala, ou seja, utilizando-se dos veículos de massa12. Em outros meios artísticos, como no teatro, na poesia, nas artes plásticas e no cinema, também são notadas manifestações de um novo “espírito jovem”; porém é no cinema, que tal como a música popular se dirige a um “público de massa”, que podemos traçar um paralelo mais próximo. Alguns filmes, de propósitos reconhecidamente “comerciais”, se direcionaram a uma “platéia jovem”, adotaram signos do rock (a partir da inclusão de músicas e personalidades roqueiras nos filmes), e por vezes alcançaram grande bilheteria – os casos de Menino do Rio (1981), de Antonio Calmon, e Bete Balanço (1984), de Lael Rodrigues. Essas películas são não raro consideradas emblemáticas de certos grupos de jovens da época: mostram, em um viés positivo, uma “juventude” hedonista e/ou “romântica”, geralmente descompromissada com tudo o que não fosse relativo à busca de suas felicidades individuais ou de seus grupos afins. Os personagens caracterizados são desde roqueiros “festeiros” e “descolados” até “surfistas” praticantes de uma vida saudável – não é exposto o uso que estes grupos faziam de 11 11 Esse tipo de narrativa é uma construção mitológica comum ao contexto do rock. Roberto Muggiati, por exemplo, afirma: “Assiste-se à elaboração de uma mitologia em torno do rock, estreitamente vinculada a outros mitos, como a ‘explosão jovem’ e o ‘conflito de gerações’.” (MUGGIATI, 1973, p. 15) A banda inglesa The Who tornou-se famosa ao reforçar esse discurso, em meados dos anos 60, com a incisiva letra de “My generation” (“People try to put us d-down (talkin’ ’bout my generation)/ Just because we get around [...]/ Things they do look awful c-c-cold [...]/ I Hope I die before I get old [...]/ This is my generation”) (WHO, 1965). Os Rolling Stones, em “Mother’s little helper”, também evocam esse tema no bordão “What a drag it is getting old” (ROLLING STONES, 1966). 36 drogas como maconha (generalizado) e cocaína (que, embora de consume mais restrito, é especialmente associada aos anos 80). Os realizadores desses filmes são percebidos como pessoas mais velhas, de uma “outra geração” – Lael Rodrigues tinha trinta e poucos anos quando fez Bete Balanço –, e ainda que contassem em seus elencos com artistas que despontavam tanto na música quanto no teatro – Lulu Santos (então com quase trinta anos), Cazuza, Lobão, Léo Jaime, André di Biase, Débora Bloch, Diogo Vilela, entre outros – são comumente acusados de retratarem de modo estereotipado o comportamento dos “jovens”. Roberto Frejat, do Barão Vermelho, participou de Bete Balanço e deu o seguinte depoimento: O filme [Bete Balanço] é relevante no sentido de mostrar que tinha uma geração que estava chegando. Só que acho que o retrato é um pouco patético. Eram adultos caretas fazendo filme para adolescentes. Os atores salvaram-no e me lembro deles tendo grande dificuldade de trabalhar com o diretor, porque ele não tinha o jogo de cintura de saber exatamente do que estava falando (ROBERTO FREJAT apud BRYAN, 2004, p. 204). Em outros meios de expressão, os artistas que surgiam tenderam a trilhar um circuito menos “comercial”. Atendo-nos somente ao Rio de Janeiro, podemos citar alguns deles. Na dramaturgia, criaram o que se convencionou chamar de “teatro besteirol” – o próprio termo, empregado pelo crítico Macksen Luís, era um neologismo criado nas praias cariocas –, em que temas despretensiosos eram veiculados em uma abordagem anárquica, cujo estilo o dramaturgo Mauro Rasi definia como a junção de “chanchadas da Atlântica” com o rock “maldito” de Lou Reed (roqueiro norte-americano cujas letras costumam narrar histórias de tipos marginalizados). Utilizaram uma linguagem quase sem elaboração, que julgavam “espontânea” – ecos da “dicção beat” e da “contracultura norte-americana”. Vejamos o depoimento de Mauro Rasi para o jornalista Guilherme Bryan: 12 Os roqueiros do período fazem questão de afirmar, porém, uma opção reflexiva pela adoção dos meios de comunicação de massa, desvencilhando-se de uma comparação com os artistas da Jovem Guarda nesse sentido e 37 Esse teatro não possuía elaboração, porque estávamos preocupados em viver 24 horas do dia e de maneira inconseqüente. Não havia estabilidade emocional nem social. Por isso era um teatro de sobrevivência, feito rapidamente a fim de arrumar dinheiro para as pessoas, que tinham se envolvido com drogas, amor livre e não se enquadravam nos parâmetros do que era a juventude de esquerda brasileira, conseguirem viver. Mas essa peça tosca, feita nas coxas – seja lá o que se quiser dizer de ruim –, marcava uma busca de liberdade e fuga das rédeas estabelecida. (MAURO RASI apud BRYAN, 2004, pp. 24-25) Na literatura, eram os remanescentes da poesia marginal dos anos 70, como Bernardo Vilhena – parceiro em diversas em letras musicadas por Lobão – e Chacal – que colabora também em algumas letras da Blitz –, que se mantinham afinados e serviam de referência importante aos escritores que apareciam. Ao contrário da nova safra de roqueiros, estes poetas, atores e dramaturgos não estavam preocupados com a comercialização – o auto-sustento, se obtido, já era suficiente –, posição semelhante à dos artistas “udigrúdis”. Mas quando observamos os discursos sobre como se portar perante a vida e a própria arte, nota-se uma semelhança de atitude entre os identificados com a “contracultura” e os “roqueiros dos anos 80”: a aversão à veiculação de mensagens de um engajamento construtivo no plano político13. Esta faceta comportamental dos roqueiros será exposta no decorrer do capítulo. 1.3.2 O “rock brasileiro dos anos 1980” Segundo roqueiros e críticos, o rock foi adotado como principal “manifestação jovem” nos anos 80 devido à influência que a “atitude”14 do-it-yourself, característica do movimento punk anglo-americano de meados dos anos 70 (e de suas derivações, denominadas pós-punk e/ou new wave), exerceu sobre esta “geração”. Em um breve resumo, os grupos punks anglo- aproximando-se do discurso dos artistas tropicalistas. 13 Comportamento que muito se assemelha ao do grupo de adolescentes da Zona Sul do Rio de Janeiro – em meados da década de 70 – estudado por Gilberto Velho (1998). 14 A categoria “atitude”, tradução de attitude dos negros norte-americanos e equivalente por aqui, nesse momento, ao do-it-yourself do movimento punk anglo-americano, remete às noções de sinceridade e espontaneidade. 40 Jobim, músico de formação erudita, construía harmonias com acordes despojados, com o mínimo de notas. A sofisticação de sua música pode ser assinalada, por exemplo, na prosódia (adaptação da música à métrica do texto, e vice-versa) sempre impecável, chegando a adquirir características metalingüísticas em duas canções feitas em parceria com Newton Mendonça: “Desafinado” (aparece na melodia um bemol inesperado quando a sílaba tônica da palavra desafino é pronunciada) e “Samba de uma nota só” (a melodia repete a mesma nota insistentemente, enquanto a letra afirma: “Eis aqui este sambinha/ Feito de uma nota só”, e introduz uma nota diferente no exato instante em que a letra diz que uma outra nota começou a se ouvir). A simplicidade que teria norteado boa parte dos roqueiros no início dos anos 80, inspirada, como vimos, no lema punk do-it-yourself, em vez de se espelhar na elaboração formal nos moldes da bossa nova – até porque muitos dos músicos estavam aprendendo a tocar (eram minoritários os casos de Paralamas do Sucesso, Edgard Scandurra e Lulu Santos, que dominavam seus instrumentos mas optaram pela economia formal) –, tendeu para o elogio de uma rusticidade estilística. Ao enfatizar o uso de uma comunicação “das ruas” como recado direto para o “público jovem”, este discurso roqueiro remete à idéia de simplicidade franciscana que valoriza uma linguagem “baixa”, ou seja, o uso do linguajar humilde do cotidiano para se fazer entender pela gente comum (AUERBACH, 1993). Embora também sejam utilizadas com discrição figuras retóricas como anáforas e antíteses (o que já inviabiliza o tratamento de “naturalidade” que recebe nos discursos nativos), esse vernáculo cotidiano prima por uma poética pobre que valoriza a “mensagem” da letra e a batida – o “pulso” (WISNIK, 1999) – mais do que a melodia: é o que se nota nas letras e acompanhamentos musicais de dois ou três acordes, por vezes “toscos”, da primeira fase do “rock brasileiro dos capaz/ Mudanças no meu comportamento/ Distância louca de mim mesmo/ Vontade se sentir o passado/ Presente pra você”) –, receberam vaias de platéias identificadas com o punk. 41 anos 80”. Portanto, a pobreza formal é destituída neste contexto de um caráter pejorativo, sendo tomada como um valor positivo. Voltemos à exposição. As principais tendências que vingaram por aqui nesse momento são descendentes do punk anglo-americano16 e foram rotuladas, a exemplo do exterior, com os nomes pós-punk e new wave. Esses termos compreendiam uma variedade – mais nas nuances comportamentais do que nas opções musicais – de “tribos” classificadas em sub- gêneros como dark, gótico etc. No Brasil, abrangeram uma maioria que assumiu uma postura pop – ou seja, que optou por uma música mais convencional e comercial – uma minoria que desejava fazer música de “vanguarda” (em São Paulo essa opção foi mais visível) e também grupos que cultivavam uma atitude rebelde, por vezes “niilista” (caso dos góticos e punks do “circuito underground paulistano”17). Mas o pós-punk e a new wave são vistos como derivativos do punk principalmente por seus adeptos – ainda que mais “comportados” e preocupados em fazer algumas experimentações formais e letras mais elaboradas – também enfatizarem uma nova “atitude despojada dos jovens”, agora sob uma aura de (pós) modernidade. É o que diz, por exemplo, a matéria escrita pelo então jornalista Júlio Barroso – um dos agitadores mais citados da nova “cena roqueira” que se instaurava no país e futuro líder da “pioneira” Gang 90 & as Absurdettes, que se tornaria relativamente conhecida em 16 Na forma musical, o punk inglês – o mais influente no Brasil nesse período – pode ser visto como uma atualização (através, entre outras coisas, da recorrência a gêneros como o reggae e o ska, difundidos pelos imigrantes jamaicanos) do rock feito na Inglaterra em meados dos anos 60, que lidava, por sua vez, com o blues e o rhythm ’n’ blues norte-americano (dominante em bandas como The Rolling Stones e John Mayall & The Bluesbreakers, da qual participou Eric Clapton) e com gêneros folclóricos ingleses, como as drinking songs (bastante evidentes nas canções de grupos como The Kinks e The Beatles). Já o punk norte-americano – o conjunto The Ramones é o mais conhecido – incorporou principalmente o rhythm ’n’ blues e informações da música country. 17 Edgard Scandurra, do Ira!, que como vimos tinha o estilo mod como principal influência, exemplifica uma das classificações de “pós-punk” da época ao expor recentemente suas então diferenças com parte do “circuito alternativo paulistano”: “Eu sempre quis ser o número um, falar de amor, ouvir rock dos anos 60, ter uma lambreta. Sempre fui meio romântico, e o pós-punk era um negócio frio, falar de amor era uma ofensa naquele circuito. [...] Num tempo em que o legal era andar com um alfinete na cara, me parecia que comprar um terninho com três botões num brechó e usar sapato bicolor combinando com a calça era tão agressivo quanto. Nossa música começou a mudar, se antes era afirmativa, com a certeza punk, então passou a mostrar um personagem inseguro, existencialista, que buscava a felicidade sem saber onde encontrar, que amava e não era correspondido, que não era totalmente livre mas se sentia bem com a sua turma – uma turma que não existe, na verdade. São seus amigos invisíveis” (EDGARD SCANDURRA apud ALEXANDRE, 2002, p. 179). 42 1981 com a música “Perdidos na selva” (“Eu e minha gata rolando na relva/ Rolava de tudo/ Covil de piratas pirados/ Perdidos na selva”) – na revista Veja de 18 de fevereiro de 1981, sobre a explosão da new wave na Inglaterra e Estados Unidos e seus ecos ainda tímidos no Brasil: Ousar é preciso: uma geração de roqueiros sacode a música internacional e decreta o início de uma nova onda. O clima para as pessoas que se envolveram com a new wave, a mais recente explosão musical americana, é semelhante ao do início dos anos 60: existe no ar uma urgência de renovação, uma aposta política no inusitado, uma certeza de que nada será como antes. Assim como nos anos 60, a música popular é a porta-bandeira da mudança – o veículo que mais fundo penetra no cotidiano cultural das multidões. Mas o movimento que explode atualmente entre os jovens americanos e ingleses, batizado de new wave (nova onda), tem propostas bem diferentes das de vinte anos atrás. Nada de filosofias, como a hippie, e nem de sociedades separatistas ou fugas para o campo. A ordem é encarar a sociedade estabelecida e, utilizando os próprios meios que ela oferece, criar esquemas alternativos de vida. Trabalhar de 9 às 6? Claro. Mas sem abandonar a centelha de inquietação da juventude. A new wave – como dizem os que nela estão envolvidos – é uma questão de ousar estilos. Hoje, além de ressuscitar o rock como manifestação cultural dos jovens, a new wave invade a moda, os costumes, o comportamento e o lazer da garotada americana e da Europa ocidental, ordenando tudo o que é alternativo e inesperado. [...] O movimento conquista espaços caros, como o La Luna, de Milão [...] e mesmo a Paulicéia Desvairada, de São Paulo. Nesses locais, misturam-se dança, música ao vivo, vídeo-arte e fliperamas, numa interminável orgia multimídia. Na new wave, enfim, não existem regras estilísticas ou formais: cada artista contribui com sua própria visão de modernidade. (BARROSO, Veja de 18 fevereiro de 1981) Quem “primeiro” se fez valer desse discurso e irrompeu no cenário nacional foi um conjunto de jovens da Zona Sul carioca, de nítida influência teatral18, denominado Blitz19. A banda, descoberta no verão de 1982 após apresentações no recém-inaugurado Circo Voador – lócus de grande representação simbólica do “rock brasileiro” no período – atingiu enorme popularidade entre a “juventude” e instaurou polêmicas na crítica especializada, tanto por 18 Diversos participantes da Blitz tiveram contato com o teatro. Evandro Mesquita era egresso da trupe Asdrúbal Trouxe o Trombone, que se destacou no final dos anos 70 ao fazer um teatro de esquetes pautado por humor e improvisação, de linguagem – recheada de gírias – coadunada com a principal temática que exploravam, o dia a dia dos grupos de jovens da Zona Sul carioca. Além de ter o Asdrúbal como fonte de inspiração, a Blitz também costumava se apresentar com outro grupo de teatro, os Banduendes por Acaso Estrelados. 19 O nome do conjunto foi sugestão de Lobão – uma referência aos contratempos que os músicos tinham com a polícia –, que largou a banda (era o baterista) quando esta começava a chamar a atenção da mídia, pois se considerava sem o devido espaço criativo. Ainda em 1982, Lobão lançou Cena de cinema (contendo diversas parcerias com o poeta “marginal” Bernardo Vilhena), álbum que o projetou no novo “cenário roqueiro” ao ser tocado na íntegra pela Fluminense FM. 45 influências vanguardistas, tropicalistas, punk, new wave, reggae e funk –, RPM – de balização sonora e cênica no novo pop inglês, mas também com arranjos que lembram o rock progressivo –, Ultraje a Rigor – que tanto por fazer um rock revisionista dos anos sessenta quanto por criar letras de intenso bom humor lembrava mais (fora o sotaque) uma banda carioca –, e Ira! – de ascendências punk e mod ressaltadas nas letras e no vestuário. O “rock de Brasília” – cujos integrantes, observava a imprensa, pertenciam às classes de maior poder aquisitivo – adentrou no mapa um pouco depois, e logo ficou conhecido como um “rock politizado”, de temáticas sociais com nítida influência punk e estilos, salve exceções, marcados pelo pós-punk. Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude foram as formações mais representativas. Em Porto Alegre predominaram grupos mais próximos estilisticamente do punk e do hardcore, exemplo dos Replicantes e do De Falla. O conjunto Nenhum de Nós – que apesar de transitar entre os punks tinha uma proposta musical mais “sofisticada” que a de seus pares, além de flertar também com a música regional gaúcha – alcançou sucesso efêmero em todo o país com as músicas “Camila, Camila” (NENHUM DE NÓS, 1987) e “O astronauta de mármore” (versão de “Starman”, do roqueiro inglês David Bowie) (NENHUM DE NÓS, 1989). A única “banda gaúcha” que sobressaiu em termos nacionais pautou-se, a partir do segundo LP, por um som influenciado pelo rock progressivo dos anos 70, Jovem Guarda e MPB – os Engenheiros do Hawaii. De Salvador despontou apenas o Camisa de Vênus, conjunto de inspiração punk em suas letras anárquicas e iconoclastas e de sonoridade rock ’n’ roll clássico da virada dos anos 60 para os 70. Rio de Janeiro e São Paulo foram, sem dúvida, o centro do “painel roqueiro” que se instaurou no país: as bandas de outros estados, antes de assinarem com qualquer gravadora, engraçado, ser pop e, ao mesmo tempo, quase underground. Não somos armação. Fazíamos o som que 46 tiveram de peregrinar pelas danceterias paulistanas e/ou casas de shows cariocas (Circo Voador, Noites Cariocas etc.), além de enviar fitas demo para rádios desses estados, como a Fluminense FM. Muitos dos “principais discos” foram gravados no estúdio Nas Nuvens24, no Rio de Janeiro, sob a batuta dos produtores Liminha e Pena Schmidt, que ofereciam equipamentos modernos e larga experiência em gravação (Liminha, por exemplo, era multi- instrumentista e exímio baixista – tocou com os Mutantes desde sua fase áurea – e estava sempre atualizado com o pop internacional), influindo decisivamente no som de muitos artistas (Titãs, Ultraje a Rigor, Lulu Santos etc.). Os relatos sobre os primeiros tempos do “rock nacional dos anos 80” enfatizam muito mais um sentimento de fraternidade entre os conjuntos do que as recorrentes desavenças e competições entre eles, o que se apóia na propalada existência de um clima “amadorístico” e cooperativo herdeiro do mote do-it-yourself. Segundo esse discurso, nesse momento existia realmente uma “cena roqueira” instituída, pois os músicos se revezariam nas condições de “artista” e “público” nas diversas apresentações que marcavam tanto uma noitada no Circo Voador como nas danceterias paulistanas, ocorrendo constante convívio, trocas de idéias e de aparelhagens, com alguns participando simultaneamente de várias bandas. Contariam também com estações de rádio de caráter experimental, dispostas a veicular diversos grupos novos. Vejamos dois depoimentos recentes – de Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso, e Roger, do Ultraje a Rigor – relativos ao “clima roqueiro” que teria imperado: Nessa época, tivemos nosso pequeno sabor de contracultura. [...] Quando a coisa começou a explodir no Rio de Janeiro, todo mundo ia para a Lapa, para o Circo Voador, para ver o novo. Era uma comunidade, às vezes assistindo a seis ou sete bandas na mesma noite. Você não estava preocupado com o show da Simone. Você queria era ver os Rapazes da Vida Fácil, o Alinaskyna, descobrir o que neguinho estava tocando, qual era a informação, quais as estávamos a fim e isso acho que incomodava (risos)” (GEORGE ISRAEL apud BRYAN, 2004, p. 224). 24 O Nas Nuvens, localizado no Jardim Botânico, foi criado em 1984 em sociedade por Gilberto Gil, André Midani, Ricardo Garcia, Vítor Farias e Liminha. Dos “principais discos” gravados por lá podemos citar como exemplo: Nós vamos invadir sua praia (1985), do Ultraje a Rigor; Selvagem? (1986), dos Paralamas do Sucesso; e Cabeça dinossauro (1986), dos Titãs. 47 influências. Como pano de fundo disso tudo, havia a Fluminense. A gente costumava ligar pro pessoal do Kid Abelha para comemorar que havíamos tocado num bloco com Elvis Costello e Men at Work – “Uau, beleza, as pessoas vão me ver com coerência” (HERBERT VIANNA apud ALEXANDRE, 2002, p. 110). As pessoas saíam para ir à danceteria. E, uma vez lá, era que você descobria se quem tocava na noite era o Ultraje, os Miquinhos ou o Barão Vermelho. E qualquer coisa seria legal. Você não tinha de sair na qualidade de fã, era uma relação sem compromisso. Ficava lá curtindo, dançando, namorando, bebendo, e ainda vinha uma banda e tocava. Não se gastava com divulgação: as danceterias se autodivulgavam (ROGER apud ALEXANDRE, 2002, p. 183). Boa parte dos primeiros trabalhos lançados no início dessa exploração mercadológica deixaria notar esse pé no diletantismo, o que vemos neste relato do jornalista Arthur Dapieve sobre a produção do primeiro disco do Barão Vermelho: Desacostumada à decupação sonora dos estúdios, a banda teve de gravar primeiro as bases para só então Cazuza botar os vocais nas faixas. Este, muito doido, teve sérios problemas com os andamentos, ora entrava muito lento, ora muito rápido. [...] O disco de Cazuza, Frejat, Maurício, Dé e Guto era mal gravado à beça, mas tinha qualidades aos montes. A maior: espontaneidade. Num gênero tão vulnerável ao poseurismo quanto o rock, “Barão Vermelho” é comovente. São cinco jovens aproximando sua música de seus companheiros de faixa etária (DAPIEVE, 2000, pp. 67-68). Esse “clima amadorístico”, aliado ao uso de uma “linguagem coloquial” e de um idioma musical “simples”, teria logo encontrado grande respaldo junto ao público, como era a intenção da maioria dos roqueiros que estavam ascendendo. As platéias teriam passado a adotar um comportamento mais “corporal” e menos “cerebral” nos shows, dialogando mais com os artistas, e estabelecendo uma articulação entre arte e vida semelhante à exposta por Clifford Geertz (2001), em “A arte como um sistema cultural”. Geertz afirma que a arte está – em qualquer sociedade – profundamente vinculada a outros aspectos da cultura. Critica o postulado da autonomia da arte, o qual, segundo ele, só poderia ter sido desenvolvido na moderna sociedade ocidental. Argumenta que a arte não é funcional, tampouco uma representação de uma essência a priori – visões sedimentadas em certas tradições 50 iconoclásticos; pelos que queriam veicular algum tipo de mensagem política ou apenas de teor comportamental. 1.4 Roqueiros vs. MPB O essencial não é saber se a gente tem ou não razão. Não tem importância nenhuma... O que é preciso é fazer com que as pessoas não se metam com a gente... O resto é asneira. L. F. CÉLINE, Morte a crédito, 1982, p.193 Depois eu posso ser parceiro do Caetano, quando eu estiver octogenário. Por enquanto, tem que ser porrada. “Carmem Miranda?” Não. “Viva a banda?” O caralho. “Linhagem”? Vá tomar no cu. Vá para Santo Amaro da Purificação olhar para seu umbigo. Tem de ter uma certa arrogância, saudável. Ouve meu disco, cara. É preciso movimentar, o movimento é fruto do atrito. LOBÃO apud ALEXANDRE, 2002, p.181 Não vou, porque não [paródia do estribilho “eu vou, por que não?”, da música “Alegria, alegria” (VELOSO, 1968)/ Não vou, porque não/ Não vou, porque não/ Não!/ Me disseram que sem lenço era grande solução/ Joguei fora os documentos e acordei num camburão /[...]/ Já peguei no pé do Gil/ Eu quero que o Caetano... /[verso excluído da gravação]/ O Gismonti é um chato/ Tô cansado de saber/ E o Chico era um velho/ Antes mesmo de nascer/[...]/ O samba me dá asma/ Bossa nova é de foder/ Prefiro tocar bronha/ E punkar até morrer. REPLICANTES, “Porque não” in O futuro é vórtex, 1986 Embora as bandas com notadas influências do “rock progressivo”, Engenheiros do Hawaii25 e RPM26, tenham sido malhadas por grande número de roqueiros e jornalistas – não somente por este motivo, como veremos nos demais capítulos –, o principal alvo de ataque no início da “cena” que se instaurou, como já pôde ser apreendido em alguns depoimentos acima, 25 Influência notada a partir do segundo disco, A revolta dos dândis (1987), marcado pela saída do baixista Marcelo Pitz – antenado com a new wave e o reggae – e a entrada do guitarrista Augusto Licks, afeito aos solos característicos do hard rock progressivo. Humberto Gessinger passou da guitarra para o baixo, continuando nos vocais. 26 Ambas as bandas obtiveram, aliás, enormes vendagens: a marca que o RPM atingiu com Rádio pirata ao vivo (1986), – 2.200.000 cópias (DAPIEVE, 2000) – nunca foi igualada no mercado fonográfico brasileiro. Embora esses grupos não sejam classificados como “rock progressivo”, o sucesso deles e de bandas estrangeiras associadas a esse estilo – Gênesis, Yes e Pink Floyd, por exemplo – contradiz os discursos nativos apresentados aqui, proferidos por roqueiros e críticos, de que o “rock progressivo não venderia por ser muito hermético”. 51 foi a MPB, e não o rock progressivo. Aliás, notamos também sinais emepebistas nas trajetórias tanto de Engenheiros do Hawaii (nos constantes jogos de palavras – aliterações, aforismas – e na preocupação métrica do letrista Humberto Gessinger; nos arranjos por vezes esmerados) quanto na do RPM (gravaram “London, London”, de Caetano Veloso, “Flores astrais”, hit dos Secos & Molhados nos anos 70, e tiveram shows dirigidos por Ney Matogrosso) (RPM, 1986), o que pode ter contribuído para a demonização desses grupos no universo roqueiro27. Assim, se no começo deste horizonte roqueiro os estilos adotados foram variados, derivando do punk rock, de tendências new wave, do reggae, do ska e do blues, valorizava-se, de modo geral, uma predisposição comum: o afastamento das informações da MPB. Vimos acima que, na sua gênese, “MPB” é um conceito criado pelos músicos populares dos anos 60 de extração universitária, de classe média e profundamente envolvidos com o projeto nacional-popular. Dos anos 60 até os dias atuais, porém, a percepção deste construto passa por mudanças. Émile Durkheim e Marcel Mauss (1987) já apontavam o caráter impuro das categorias sociais (as denominações MPB e “rock brasileiro dos anos 80” podem ser tratadas como tais) ao enfatizarem que elas são criadas, transformadas e abandonadas historicamente a partir das relações cotidianas presentes na vida social, pois seriam expressões delas. Sigo, portanto, a ótica desses autores sobre o caráter ambíguo e móvel das categorias ao contextualizá-las com vistas a apreender o sentido que assumem em diferentes épocas e em distintos grupos sociais. Quando o rock desabrocha no país em meados dos anos 80, um sentimento recorrente (conforme observado no discurso de críticos do período e mesmo em entrevistas com as personalidades roqueiras) era o de que a MPB estava “estagnada”, “anódina”, somente 27 Umas das críticas correntes na época aos emepebistas e roqueiros progressivos era a postura de “estrelas” que assumiriam em relação ao público. O baterista do Engenheiros, Carlos Maltz, rechaçou este tipo de atitude em 52 “diluindo velhas fórmulas”, tornando-se “conformista” em termos estéticos e comportamentais. Seus mais notórios representantes – incluindo agora os tropicalistas e diversos outros artistas – eram vistos como pessoas deslocadas do “mundo real”, tanto pelas temáticas que abordavam então (ecologia, misticismo, etc.) quanto por assumirem uma postura de “estrelas” frente ao público, mídia e gravadora. A jornalista Ana Maria Bahiana, na revista Som Três de janeiro de 1982, quis captar este sentimento ao “traduzir” o ponto de vista dos componentes da banda Acidente: Olha, foda-se a MPB, nós gostamos mesmo é de rock ’n’ roll, nós só ouvimos rock ’n’ roll a vida toda, então é isso que nós sabemos e queremos fazer (...) a gente tá é puto da vida com o jeito que as coisas estão, com a hipocrisia, com a safadeza, com as empulhações e tá é louco para falar uma porrada de coisas a respeito, desse modo aí que a gente gosta (ANA MARIA BAHIANA apud DAPIEVE, 2000, p. 28). As análises “nativas” dos críticos Arthur Dapieve e Ricardo Alexandre caminham no mesmo sentido: Tal como o rock lá fora, a MPB se aburguesara, autocomplacente e autofágica – estéril. Sustentar esse gênero hipertrofiado saía caro para as gravadoras – mas isso elas só iriam perceber quando lhes fosse esfregado na cara. O disco do tronco principal da MPB tinha um intérprete caro, que cantava um repertório caro (em direitos autorais) sustentado por músicos e produtores caros, sem falar em eventuais participações especiais ou gravações no exterior. E, apesar de todo esse aparato, nem vendia muito. Trinta ou quarenta mil cópias eram comemoradas efusivamente (DAPIEVE, 2000, p. 23). O establishment era representado, com gosto, pelos mesmos agitadores que fundaram o tropicalismo em 1967. Depois deles (ou por causa deles), a impressão, na boca da década de 80, era de que toda renovação surgida e saudada nos dez anos anteriores já se encontrava enfraquecida e anulada. [...] Simone se tornara o símbolo máximo do abismo entre a música brasileira e os anseios populares, com seu sucesso radiofônico “Cordilheira” (“Eu quero ter a sensação das cordilheiras/ Desabando sobre as flores inocentes e rasteiras”) [SIMONE 1979] (ALEXANDRE, 2002, p. 15, o trecho entre colchetes é meu). entrevista ao Jornal do Brasil de 16 de julho de 1988, ao afirmar um lema próprio do do-it-yourself: “Se criarem um pedestal pra gente, a gente chuta o pedestal” (CARLOS MALTZ apud DAPIEVE, 2000, p. 146). 55 Com o passar dos anos [...] deixaram de representar algo novo. Então, esse mainstream começou a baixar, e os novos não conseguiam subir – foi um grande período de entressafra. [...] Tanto a Cor do Som quanto o 14 Bis eram grupos de músicos fantásticos, mas eram o rabo de uma geração, e não a vanguarda de outra. Isso fez uma diferença fundamental. Claro que prenunciavam uma nova atitude, que veio a se esclarecer com o rock brasileiro – mas o rock brasileiro se prenunciava havia muitos anos, desde a própria tropicália. Estávamos buscando agora o surgimento de uma nova geração, mesmo. O 14 Bis e a Cor do Som apenas trabalhavam, roqueiramente, em cima de coisas já estabelecidas. (ANDRÉ MIDANI apud ALEXANDRE, 2002, pp. 31-32) Portanto, na ocasião da “explosão do rock nacional nos anos 80”, operou-se um esquecimento, no sentido qualificado por Harald Weinreich (2001), de negar uma série de noções que estavam relacionadas com o construto MPB. O autor lida com a idéia de que o esquecimento é seletivo, ou seja, não é um processo natural, mas altamente regrado a partir de uma configuração de relações em um sistema de trocas, sejam elas totais ou fragmentadas. A não incorporação de elementos oriundos da MPB que caracteriza o início da afirmação do “rock brasileiro dos anos 80” pode ser pensada, pois, como um esquecimento proposital do que estava sendo feito até então. Renato Russo é um exemplo paradigmático: no processo de formação da Legião Urbana excluiu o guitarrista Eduardo Paraná do conjunto argumentando que ele tocava bem demais e solava em excesso, não se adequando à postura estético- comportamental que o restante da banda adotava – um posicionamento distante tanto do rock progressivo quanto da MPB. Russo declarou ao crítico Arthur Dapieve sobre o início daquela cena roqueira: “Era um corte proposital em relação à MPB, era a valorização da juventude nos anos 80” (RENATO RUSSO apud DAPIEVE, 2000, contracapa). Em texto escrito no ano de 1983 para um jornal de Brasília, Renato esclarece de que forma pensava esse corte com a MPB ao construir letras de música: Realmente não precisamos entrar nessa de masturbação intelectual, vocabulário hermético e citações de autores desconhecidos para provar qualquer coisa sobre nosso país. Isto é insegurança de uma geração mais velha, frustrada, porque não teve permissão para abrir a boca. Não precisamos disto. [...] Por que não falar o que você sente, sem gramática correta, sem preocupações políticas? (RENATO RUSSO apud BRYAN, 2004, p.138). 56 Diversos roqueiros deram depoimentos semelhantes. Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso, relata: Havia uma intenção de contrapor a uma música que não falasse das coisas da rua [...] Agora, você podia tocar três acordes e se comunicar. Podia também não ser poeta e escrever coisas rápidas e simples sobre o que estava acontecendo – e isso foi fogo no palheiro mesmo. Pegamos a música brasileira no contrapé (HERBERT VIANNA apud ALEXANDRE, 2002, p.126). Outro exemplo: Marcelo Nova, “líder” da banda Camisa de Vênus, assumiu no início da carreira um discurso de enfrentamento dirigido aos segmentos ligados à MPB. Fazia reverência apenas a alguns músicos “malditos” – roqueiros ou que adotaram o rock nas décadas de 60 e 70 – que tinham uma visão crítica dos rumos da MPB do período, como Raul Seixas (de quem gravou diversas canções e com quem fez parceria no disco A panela do diabo, em 1989), Jards Macalé (gravou “Gotham City” e “Farinha do desprezo”, músicas da fase roqueira do compositor carioca) e Walter Franco (de quem gravou “Canalha”) (CAMISA DE VÊNUS, 1984, 1987). Marcelo dava declarações do tipo: Esse negócio de adoração, de idolatria, não é a minha praia. Outro dia, chegou um fã e, sem mais nem menos, simplesmente se jogou aos meus pés. Depois do susto, eu disse: “Sai pra lá, meu filho, eu sou baiano mas não sou o Caetano” (retirado do site oficial do artista, cons. 19/05/05). Não conseguia me identificar com o mar, o barquinho, o arco-íris e outras imagens paradisíacas da música baiana. [...] Jogava bola no paralelepípedo. Detestava o calor, tive uma desidratação horrível em 1980. Odiava a celebração, não cantava parabéns nem no meu aniversário. Meus amigos negros não tinham dentes, não tinham onde defecar. Não via essa magia cantada em verso e prosa (MARCELO NOVA apud ALEXANDRE, 2002, p. 66). Ele polemizou com os principais meios de comunicação da Bahia ao assumir uma atitude punk iconoclasta direcionada contra os defensores de uma visão emepebista, o que é 57 evidenciado na música “Passamos por isto” (CAMISA DE VÊNUS, 1983) (que termina, em tom de paródia, com um solo canhestro do tradicional choro “Brasileirinho”, seguido de risadas), do primeiro álbum de sua banda, Camisa de Vênus (1983): O ambiente é tão sério Não há lugar para ação “Vê se conserva suas raízes”, eles disseram “Camisa de Vênus é alienação” “Vocês vão obedecer”, eles disseram “Vocês vão entender”, eles disseram “Vocês vão aprender, a curtir MPB!” E me falaram dos perigos Que eu encontraria aqui Enquanto os mestres do bom gosto Botavam samba pra eu ouvir “Vocês vão obedecer” “Vocês vão entender” “Vocês vão aprender, a curtir MPB!” [solo] Eles têm medo do que não entendem Eles gritaram: “Isto não é música, é barulho Vocês não vão a lugar nenhum com isso.” Hmhmhmhmhm, seus otários! Nós atropelamos vocês! Nós passamos por isso Quiseram mudar nosso nome Deixar tudo arrumadinho Nos deram até a liberdade De tocar Brasileirinho “Vocês vão obedecer” “Vocês vão entender” “Vocês vão aprender, a curtir MPB!” Vá curtir MPB, e vá curtir MPB e vá curtir MPB. VÁ CURTIR!
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