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prescricao e decadencia agnelo amorim - revisado pela carmela apos scaner, Notas de estudo de Administração Empresarial

Prescrição e Decadência - Agnelo Amorim

Tipologia: Notas de estudo

2011

Compartilhado em 26/01/2011

luiz-eduardo-dutra-4
luiz-eduardo-dutra-4 🇧🇷

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Baixe prescricao e decadencia agnelo amorim - revisado pela carmela apos scaner e outras Notas de estudo em PDF para Administração Empresarial, somente na Docsity! Doutrina CRITÉRIO CIENTÍFICO PARA DISTINGUIR A PRESCRIÇÃO DA DECADÊNCIA E PARA IDENTIFICAR AS AÇÕES IMPRESCRITÍVEIS. (1) AGNELO AMORIM FILHO (Professor da Faculdade de Direito da Universidade da Paraíba.) SUMÁRIO; I — O problema em face da doutrina e da lei. II — Critérios que têm sido apresentados para distinguir e prescrição da decadência. III — A moderna classificação dos direitos e os direitos potestativos. IV — Críticas feitas à existência dos direitos potestativos. V – Formas de exercício dos direitos potestativos. VI — Moderna classificação das ações. VII — Ações constitutivas. VIII — Fundamentos e efeitos da prescrição. IX — Fundamentos e efeitos da decadência. X - Casos especiais de ações constitutivas encontradas no art. 178, do Código Civil. XI — Ações declaratórias. XII — Ações aparentemente declaratórias. XIII — O problema da imprescritibilidade. das ações. XIV - Alcance dos arts. 177 e 179 do Código Civil. XV — Conclusões. I — O PROBLEMA EM FACE DA DOUTRINA E DA LEI. A questão referente à distinção entre prescrição e decadência — tão velha quanto os dois velhos institutos de profundas raízes romanas — continua a desafiar a argúcia dos juristas. As dúvidas são tantas, e vêm se acumulando de tal forma através dos séculos, que, ao lado de autores que acentuam a complexidade da matéria, outros, mais pessimistas, chegam até a negar — é certo que com indiscutível exagêro — a existência de qualquer diferença entre as duas principais espécies de prazos extintivos. É o que informa De Ruggiero (Instituições de Direito Civil, vol. 1º, pág. 335, da trad. port.). Já Baudry-Lacantinerie e Albert Tissier declaram que são falíveis, ou imprestáveis, os vários critérios propostos para distinguir os dois institutos. Acentuam, ainda, que não se pode, “a priori”, estabelecer diferença entre prescrição e decadência, e sim examinar caso por caso, para dizer, “a posteriori”, se o mesmo é de prescrição ou de decadência. Clóvis Bevilaqua, por sua vez, afirma que “a doutrina ainda não é firme e clara neste domínio” (Teoria Geral, pág. 367 da 2 ed.). Para Amilcar de Castro, é “uma das mais difíceis e obscuras questões de Direito essa de distinguir a prescrição da decadência” (Rev. dos Tribs., vol. 156/323). Giorgi diz que a ciência ainda não encontrou um critério seguro para distinguir a prescrição das caducidades (Teoria de las obligaciones, vol. 99, pág. 217). E Câmara Leal, inegavelmente o autor brasileiro que mais se dedicou ao estudo do assunto, chegando mesmo a elaborar um método prático para se fazer a distinção entre os dois institutos, diz que êste é “um dos problemas mais árduos da teoria geral do Direito Civil” (“Da prescrição e da decadência”, pág. 133, 1ª ed.). É incontestável, porém, que as investigações doutrinárias, confirmadas pela grande maioria da jurisprudência, já conseguiram, pelo menos, chegar a uma conclusão: a de que os dois institutos se distinguem. Dêste modo, falta apenas encontrar uma regra, um critério seguro, com base científica, para se fundamentar tal distinção, de modo a se tornar possível identificar, a priori , os prazos prescricionais e os decadenciais, o que, sem dúvida, não constituí empreendimento fácil. No Direito brasileiro a questão ainda se torna mais complexa e eriçada de obstáculos, pois o nosso Código Civil engloba indiscriminadamente, sob uma mesma denominação e subordinados a um mesmo capítulo, os prazos de prescrição e os prazos de decadência, dando-lhes, conseqüentemente, tratamento igual. Por vêzes, ainda, o mesmo Código faz uso de terminologia absolutamente inadequada em face dos pronunciamentos da jurisprudência e da doutrina: é quando se refere à “prescrição do direito” (arts. 166. 167 e 174; n. 1), embora prevaleça o ponto de vista segundo o qual é a ação, e não o direito, que prescreve. Este último está sujeito é a decadência, cujos efeitos atingem a ação apenas por via reflexa. A explicação para aquêle injustificável êrro do nosso Código é a seguinte, segundo observação de Costa Manso: No projeto primitivo, organizado por Clóvis Bevilaqua, os prazos de decadência se achavam dispersos pelo Código, nos lugares apropriados, e assim foram mantidos pela comissão revisora extra-parlamentar, pela “Comissão dos XXI” da Câmara dos Deputados, e pela própria Câmara, nas três discussões regimentais. Na redação final, entretanto, a respectiva comissão, supondo melhorar o projeto, metodizando-o, transferiu para a Parte Geral todos às prazos de decadência, colocando-os ao lado dos prazos prescricionais propriamente ditos. E isso passou despercebido, não foi objeto de debate, resultando, daí, ao invés do planejado melhoramento, um êrro manifesto de classificação (Rev. dos Tribs., vol. 85/257). Aquela indiscriminação, que resultou de uma lamentável inadvertência, força os aplicadores do Código a decidirem contra seu texto expresso, distinguindo onde êle não distingue, infringindo-se, assim, multissecular 1 Tema debatido no Seminário de Direito Privado organizado pela Faculdade de Direito da Universidade da Paraíba. pelo Diretório Acadêmico “Epitácio Pessoa” e pela Seção da Ordem dos Advogados da Paraíba. regra do hermenêutica. É certo porém que, ou se adota essa atitude de franca rebeldia contra o texto legal, ou ter-se-á que chegar a conclusão ainda mais absurda, isto é, admitir que certos prazos classificados pelo Código como sendo de prescrição (mas que são, indiscutivelmente, de decadência), podem ser objeto de suspensão, de interrupção e de renúncia. Como exemplo entre muitos, citemos o prazo que tem o marido para anular o casamento contraído com mulher já deflorada (art. 178, § 1º). Ninguém admite, doutrinamente, a possibilidade de ser tal prazo objeto de interrupção, suspensão, ou renúncia, mas, por outro lado, ninguém pode negar que, em face do texto do Código Civil, o mesmo prazo é suscetível de renúncia, interrupção, ou suspensão. Como situar-se o intérprete diante dessa alternativa tão paradoxal? Atentar contra a letra da lei, ou atentar contra o bom senso jurídico? A única solução é seguir aquêle conselho de Carpenter: em artigos de lei, o êrro, quando é demasiado grande, não prejudica, pois pode ser ladeado (Da prescrição, pág. 357, 1ª, ed.). Dêste modo, apesar do texto expresso do Código, doutrina e jurisprudência, embora divergindo as opiniões com referência a alguns casos, classificam como sendo de decadência os prazos previstos no art. 178, §§ 1º, 2º, 3º e 4º, ns. I e II; § 5º, ns. I, II, III e IV; § 6º, ns. I, III, IV, V, XI, XII e XIII; § 7º ns. I, VI e VII; § 8º; § 9º, ns. I, “a” e “b” II, III, IV, V e VI; e §10, n.. VIII. Há também um outro problema de capital Importância, intimamente relacionado com aquêle da distinção entre prescrição e decadência, e ao qual não se tem dispensado a necessária, atenção. É o que diz respeito às denominadas ações imprescritíveis. Como identificar tais ações? Ou — reunindo os dois problemas — como saber se determinada ação está subordinada a um prazo de prescrição, a um prazo de decadência (por via indireta), ou se ela é imprescritível? II — CRITÉRIOS QUE TÊM SIDO APRESENTADOS PARA DISTINGUIR A PRESCRIÇAO DA DECADÊNCIA. O critério mais divulgado para se fazer a distinção entre os dois institutos é aquêle segundo o qual a prescrição extingue a ação, e a decadência extingue o direito entretanto, tal critério, além de carecer de base científica, é absolutamente falho e inadequado, pois pretende fazer a distinção pelos efeitos ou conseqüências, se bem que aquêles sejam, realmente, os principais efeitos dos dois institutos. O critério apontado apresenta-se, assim, com uma manifesta petição de princípio, pois o que se deseja saber, precisamente, é quando o prazo extintivo atinge a ação ou o direito. O que se procura é a causa e não o efeito. Processo distintivo indiscutivelmente mais vantajoso do que aquêle é o sugerido por Câmara Leal, assim resumido pelo seu autor: “É de decadência o prazo estabelecido pela lei, ou pela vontade unilateral ou bilateral, quando prefixada ao exercício do direito pelo seu titular. E é de prescrição, quando fixado, não para o exercício do direito, mas para o exercício da ação que o protege. Quando, porém, o direito deve ser exercido por meio da ação, originando-se ambos do mesmo fato, de modo que o exercício da ação representa o próprio exercício do direito, o prazo estabelecido para ação deve ser tido como prefixado ao exercício do direito, sendo, portanto, de decadência embora aparentemente se afigure de prescrição” (Câmara Leal, “Da prescrição e da decadência”, 1ª ed., págs. 133 e 184). Todavia, o critério proposto por Câmara Leal, embora agito útil na prática, se ressente de dupla falha: Em primeiro lugar, é critério empírico, carecedor de base científica, e isto é reconhecido pelo próprio Câmara Leal, pois ele fala em discriminação prática dos prazos de decadência das ações (obra citada, pag. 434). Com efeito, adotando-se o referido critério, é fácil verificar, praticamente, na maioria dos casos, se determinado prazo extintivo é prescricional ou decadencial, mas o autor não fixou, em bases científicas, uma norma para identificar aquelas situações em que o direito nasce, ou não, concomitantemente com a ação, pois é êste o seu ponto de partida para a distinção entre os dois institutos. Em segundo lugar, o critério em exame não fornece elementos para se identificar, direta ou mesmo indiretamente (isto é, por exclusão), as denominadas ações imprescritíveis. Faz-se necessário, assim, intensificar a procura de um outro critério, e temos a impressão que, tomando- se como ponto de partida a moderna classificação dos direitos desenvolvida por Chiovenda e, particularmente, a categoria dos direitos potestativos, chegar-se-á, indubitavelmente, àquele critério ideal, isto é, a um critério dotado de bases científicas e que permite, simultânea e seguramente, distinguir, “a priori”, a prescrição da decadência, e identificar as denominadas ações imprescrítiveis. É o que nos propomos demonstrar com o presente trabalho. III — A MODERNA CLASSIFICAÇAO DOS DIREITOS E OS DIREITOS POTESTATIVOS. Segundo Chiovenda (instituições, 1/35. e segs.), os direitos subjetivos se dividem em duas grandes categorias: A primeira compreende aquêles direitos que têm por finalidade um bem da vida, a conseguir-se mediante uma prestação, positiva ou negativa, de outrem, isto é, do sujeito passivo. Recebem êles, de Chiovenda, a denominação de “direitos a uma prestação”, e como exemplos poderíamos citar todos aquêles que compõem as duas numerosas classes dos direitos reais e pessoais. Nessas duas classes há sempre um aquêle que sofre a sujeição concordar com tal forma de exercício. Se não houver concordância, o titular do direito potestativo pode recorrer à via judicial para exercitá-lo Tal via funciona, aí, apenas subsidiariamente. Exemplos: o direito que tem o condômino de dividir a coisa comum; o direito que tem o sócio de promover a dissolução da sociedade por tempo indeterminado, antes de expirado o respectivo prazo (art. 1.408 do Código Civil); o direito que tem o doador de revogar a doação; o direito que tem o filha de desobrigar os imóveis de sua propriedade alienados ou gravados pelo pai fora dos casos expressos em lei; o direito que tem o cônjuge, ou seus herdeiros necessários, para anular a doação feita pelo cônjuge adúltero ao seu cúmplice; o direito que tem o vendedor para resgatar o imóvel vendido com cláusula de retrovenda. Finalmente, há uma terceira categoria de direitos potestativos que só podem ser exercidos por meio de ação. A ação, aqui, já não tem caráter simplesmente subsidiário, ou facultativo, mas obrigatório, como forma de exercício do direito. Consequentemente, nessa terceira categoria não se dispensa a propositura da ação nem mesmo quando todos os interessados, inclusive aquêles que sofrem a sujeição, estão de acôrdo em que o direito seja exercitado por outra forma. É por êsse motivo que Calamandrei dá, a tais procedimentos judiciais, a denominação de ações necessárias, e a elas faz referência em várias passagens dos seus “Estudios sobre el proceso civil” (págs. 37, 152, 233, 238, 239 e 240 da tradução castelhana). O que tem em vista a lei, ao eleger a via judicial como forma especial e exclusiva de exercício dos direitos potestativos dessa terceira categoria, é conceder maior segurança para determinadas situações jurídicas, cuja alteração tem reflexos acentuados na ordem pública. Nessa categoria Eduardo Couture inclui, de modo geral, aquêles direitos potestativos que dizem respeito ao estado civil das pessoas (Fundamentos del derecho procesal civil, pág, 221). Exemplos — o direito que tem o marido de promover a anulação do casamento contraído com mulher já deflorada, e todos aquêles direitos de invalidar os casamentos nulos ou anuláveis; o direito que tem o pai de contestar a legitimidade do filho de sua mulher; o direito que tem o filho ilegítimo de pleitear o reconhecimento de sua paternidade, quando o pai não o reconheceu voluntariamente; o direito que têm determinadas pessoas de requererem a interdição de outras etc. etc. Corolário da natureza especial destas ações constitutivas necessárias é a impossibilidade de ser aplicado, a elas o princípio da confissão ficta, consubstanciado no art. 209 do Código de Processo Civil. Ao propor uma daquelas ações por meio das quais são exercícios os direitos potestativos da segunda e da terceira categorias, o respectivo autor não pleiteia do réu qualquer prestação, seja prestação de dar, de fazer, de não-fazer, de abster-se, ou de outra espécie. O a que êle visa caiu a propositura da ação é, apenas, criar, extinguir, ou modificar determinada situação jurídica, e dependentemente da vontade, ou mesmo contra a vontade da pessoa ou pessoas que ficam sujeitas aos efeitos do ato. Assim, o réu da ação, embora não fique obrigado; uma prestação, sofre uma sujeição. É o que ocorre, por exemplo, com a ação proposta pelo cônjuge coacto para anular o casamento. Julgada procedente a ação, o efeito da sentença não é a condenação do outro cônjuge a uma prestação, e sim a anulação do casamento. A tal efeito o outro cônjuge fica sujeito, mesmo contra sua vontade. Como se verifica fácil e prontamente, há uma nítida diferença de conteúdo entre tais ações e aquelas outras que caracterizam a atividade jurisdicional e que são propostas exatamente com o objetivo de compelir o réu a uma prestação. VI — MODERNA CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES. A concepção dos direitos potestativos induziu a substituição da tradicional classificação das ações, oriunda do Direito Romano, e que levava em conta a natureza do direito cuja defesa se pretendia com o exercício da ação (ações reais, pessoais, mistas e prejudiciais), por uma outra classificação que tivesse em vista a natureza pronunciamento judicial pleiteado. “Classificação segundo a carga de eficácia”, conforme a conceituou Pontes de Miranda (“Tratado de Direito Privado”, 5/488). De acôrdo com essa orientação, Chiovenda, classificou as ações em três grupos principais: condenatórias, constitutivas e declaratórias (“instituições”, 1/67). Lança-se mão da ação condenatória quando se pretende obter do réu uma determinada prestação (positiva ou negativa), pois, “correlativo ao conceito de condenação é o conceito de prestação”. Dêste modo, um dos pressupostos da ação de condenação é “a existência de uma vontade de lei que garanta um bem a alguém impondo ao réu a obrigação de uma prestação. Por consequência, não podem jamais dar lugar a sentença de condenação os direitos potestativos” (Chiovenda. Ob. cit., 1/267) Já a ação constitutiva (positiva ou negativa) cabe quando se procura obter, não uma prestação do réu, mas a criação de um estado jurídico, ou a modificação, ou a extinção de um estado jurídico anterior. Por aí se verifica, de pronto, que as duas mencionadas espécies de ação correspondem exatamente, com rigorosa precisão, àqueles dois grandes grupos nos quais Chiovenda divide os direitos: as ações condenatórias são meio de proteção daqueles direitos suscetíveis de violação (direitos a uma prestação); e as ações constitutivas são o meio de exercício daqueles direitos insuscetíveis de violação (direitos potestativos). Quanto às ações declaratórias, têm elas por objetivo conseguir uma “certeza jurídica”. Ou, segundo a conceituação de Chiovenda: “e... verificar qual seja a vontade concreta da lei, quer dizer, certificar a existência do direito (Já direito a uma prestação, já direito potestativo), sem o fim de preparar a consecução de qualquer bem, a não ser a certeza jurídica” O autor que requer uma sentença declaratória não pretende conseguir atualmente um bem da vida que lhe seja, garantido por vontade da lei, seja que o bem consista numa prestação do obrigado, seja que consista na modificação do estado jurídico atual; quer, tão-somente, saber que seu direito existe ou quer excluir que exista o direito do adversário; pleiteia, no processo, a certeza jurídica e nada mais (instituições, 1º vol, págs. 265 e 303). Por enquanto, deve ficar bem fixada esta noção, que tem importância capital no desenvolvimento de alguns aspectos do presente estudo: o objetivo da ação declaratória é a obtenção de uma “certeza jurídica”, e nada mais. Nas declaratórias, conseqüentemente, o autor “não colima a realização do direito” (Chiovenda, obra citada, 1/302). Convém acentuar, porém, que as sentenças condenatórias e as constitutivas também têm certo conteúdo declaratório, ao lado do conteúdo condenatório ou constitutivo, pois tôda sentença deve conter, necessariamente, a declaração da existência da relação jurídica sôbre a qual versa. O que as distingue das declaratórias própriamente ditas é que, nestas, tal conteúdo é total, ao passo que nas outras duas espécies é parcial. Em outras palavras: as sentenças declaratórias são puramente declaratórias, ao passo que as condenatórias são, simultâneamente, declaratórias e condenatórias. O mesmo se pode dizer com referência às constitutivas: são, simultaneamente, declaratórias e constitutivas (Calamandrei, “Estudios sobre el proceso civil”, pág. 282; Luiz Machado Guimarães, “in” Rev. Forense, vol. 101/8; Lopes de. Costa, “Direito Processual Civil Brasileiro”, 1/84, 1ª ed.; Alfredo Buzaid, “Ação declaratória”, pág. 95; e Torquato Castro, “Ação declaratória”, pág. 19). Ainda a respeito da classificação das ações faz-se necessário registrar que alguns autores admitem outras categorias além daquelas três já referidas, como, por exemplo, as ações executórias, as ações determinativas, as ações mandamentais etc. Todavia, Eduardo Couture acentua, com muita propriedade, que a classificação tricotômica abarca tôdas essas ações, as quais, de resto, nem sequer chegam a formar categorias particulares (citação feita por Nelson Carneiro na “Rev. Forense”, vol. 136/51). VII — AÇÕES CONSTITUTIVAS. A natureza do presente estudo exige que, a esta altura, nos detenhamos um pouco na análise das ações constitutivas. Têm elas por objetivo o exercício de duas categorias de direitos potestativos: a) aquêles que, por medida de segurança dos negócios jurídicos, a lei não permite sejam exercidos mediante simples declaração de vontade, nem mesmo quando estão de acôrdo todos os interessados, inclusive aquêle que sofre a “sujeição” (ações constitutivas necessárias, segundo a terminologia adotada por Calamandrei). Ex.: as ações anulatórias de casamento; e b) aquêles direitos potestativos que são exercidos por meio de ação apenas subsidiariamente, isto é, quando os outros interessados não concordam em que êles sejam exercidos mediante simples declaração de vontade. Ex.: a ação de divisão. Pelo que foi dito acima já se pode concluir que as ações constitutivas têm as seguintes características: a) não pressupõem a existência de lesão a um direito, como ocorre nas ações condenatórias; b) por meio delas não se exige uma prestação do réu, mas apenas se pleiteia a formação, modificação, ou extinção de um estado jurídico: c) não são meio para se restaurar um direito lesado mas meio pelo qual se exercitam duas classes de direitos potestativos; d) não têm por objetivo a satisfação de uma pretensão, se se entender como tal “o poder de exigir de outrem uma prestação”, pois os direitos potestativos são, por definição, “direitos sem pretensão” (quando multo há, nas ações constitutivas, uma pretensão de natureza especial, isto é, uma pretensão dirigida contra o Estado, ou uma pretensão à tutela jurídica, ou “pretensão à prestação jurisdicional”, como quer Pontes de Miranda, mas êle mesmo acentua que não se deve confundir “pretensão de direito material” com “pretensão à tutela jurídica” — Comentários ao Código de Processo Civil, 1ª ed, 1º vol., pág. 19); finalmente: e) as sentenças proferidas nas ações constitutivas (positivas ou negativas) não são suscetíveis, e nem carecem de execução, pois o conteúdo de tais ações se esgota com o provimento judicial que determina a criação, modificação, ou extinção do estado jurídico. (Somente quando a ação constitutiva se encontra cumulada com uma ação condenatória é que se pode cogitar de execução, mau aí a execução diz respeito a essa última. Ex.: a ação para rescindir o contrato de compra. e venda de coisa recebida com vício rebiditório, e reaver o preço pago, mais perdas e danos — art. 178, § 2º, e § 5º, n. IV Convém acentuar, finalmente, que embora as sentenças proferidas nas ações constitutivas produzam normalmente, efeitos “ex nunc”, não é contrária à sua natureza, e é até mesmo freqüente, a produção do efeitos “ex tunc”, conforme ensinam Chiovenda (“instituições”, 1/286), Pontes de Miranda (“Comentários ao Código de Processo Civil”, Vol. 2º, pág. 468, da 1ª ed.), Goldschmidt (“Derecho procesal”, pág. 112), e Prieto Castro (“Derecho Procesal Civil”, tomo I, pág. 65). VIII — FUNDAMENTOS E EFEITOS DA PRESCRIÇÃO. Acentua Savigny que, durante muito tempo, a prescrição foi um instituto completamente estranho ao Direito Romano, mas, ao surgir o Direito Pretoriano, passou a constituir uma exceção à antiga regra da duração perpétua das ações. Por último, a exceção se converteu em regra geral (“Sistema deI derecho romano”, tomo IV, págs. 181 e 185 da. trad. cast.) Tendo ainda em vista o Direito Romano, diz o mesmo autor que o principal fundamento da prescrição é a necessidade de serem fixadas as relações jurídicas incertas, suscetíveis de dúvidas e controvérsias, encerrando-se dita incerteza em um lapso determinado de tempo (ob. e vol. cits., pág. 178). Por sua vez, ensina Pontes de Miranda que o instituto da prescrição “serve à segurança e à paz públicas”, e é êste, precisamente, o ponto de vista que, de modo geral, prevalece, a respeito do assunto, na doutrina e na jurisprudência, embora ainda haja quem procure apresentar, como fundamento do mesmo instituto, o castigo à negligência, a aplicação do princípio “dormientibus non sucurrit ius”. Mas há um ponto que deve ficar bem ressaltado, porque interessa fundamentalmente às conclusões do presente estudo: os vários autores que se dedicaram à análise do têrmo inicial da prescrição fixam, êsse têrmo, sem discrepância, no nascimento da ação (“actio nata”), determinado, tal nascimento, pela violação de um direito. Savigny, por exemplo, no capítulo da sua monumental obra dedicado ao estudo das condições da prescrição, inclui em primeiro lugar, a “actio nata”, e acentua que esta se caracteriza por dois elementos: a) existência de um direito atual, suscetível de ser reclamado em Juízo; e b) violação dêsse direito (obra citada, tomo IV, pág. 186). Também Câmara Leal afirma, peremptoriamente: “Sem exigibilidade do direito, quando ameaçado ou violado, ou não satisfeita sua obrigação correlata, não há ação a ser exercitada; e, sem o nascimento desta, pela necessidade de garantia e proteção ao direito, não pode haver prescrição, porque esta tem por condição primária a existência da ação. Duas condições exige a ação, para se considerar nascida (“nata”), segundo a expressão romana: a) um direito atual atribuído ao seu titular; b) uma violação dêsse direito, à qual tem ela por fim remover. O momento de início do curso da prescrição, ou seja, o momento inicial do prazo, é determinado pelo nascimento da ação — “actioni nondum natae non praescribitur”. Desde que o direito está normalmente exercido, ou não sofra qualquer obstáculo, por parte de outrem, não há ação exercitável. Mas, se o direito é desrespeitado, violado, ou ameaçado, ao titular incumbe protegê-lo e, para isso, dispõe da ação...” (Câmara Leal; “Da prescrição e da decadência”, págs. 19, 82 e 256). Opinando no mesmo sentido, poderão ser citados vários outros autores, todos mencionando aquelas duas circunstâncias que devem ficar bem acentuadas (o nascimento da ação como têrmo inicial da prescrição, e a lesão ou violação de um direito como fato gerador da ação): De Ruggiero, “Instituições de Direito Civil”, vol. 1º, págs. 324 e 325; Carpenter, “Da prescrição”, pág. 269 da 1ª ed.; Von Tuhr, “Derecho Civil”, vol. 3º, tomo 2º, pág. 202, da trad. cast.; Ennecerus-Kipp e Wolf, “Tratado de Derecho Civil”, tomo 1º, vol. 2º, pág. 510 da trad. cast.; Ebert Chamoun, “Instituições de Direito Romano”, pág. 68; Pontes de Miranda, “Tratado de Direito Privado”, vol. VI, pág. 114; Lehmann, “Tratado de Derecho Civil”, vol. 1º, pág. 510, da trad. castelhana. Sancionando aquêle entendimento, que remonta ao Direito Romano, o Código Civil alemão, depois de definir a pretensão, no seu § 194, como “o direito de exigir de outrem uma ação ou uma omissão (prestação)”, acrescenta (1198) que “a prescrição começa com o nascimento da pretensão”. Dêste modo, também no Direito positivo alemão não são tôdas as ações que dão origem à prescrição, mas apenas aquelas ações nascidas da lesão de um direito. Compreende-se facilmente o motivo da escolha da lesão do direito como têrmo inicial do prazo de prescrição: é que a lesão dá origem a uma ação, e a possibilidade de propositura desta, com o fim de reclamar uma prestação destinada a restaurar o direito, é que concorre para criar aquele estado de intranqüilidade social que o instituto da prescrição procura evitar. Assim, com a prescrição, limita-se o prazo para exercício da ação. Esgotado o prazo, extingue-se a ação, mas sômente a ação, pois o direito correspondente continua a subsistir, se bem que em estado latente, podendo até, em alguns casos, voltar a atuar. A sobrevivência do direito violado (em estado latente) por si só não causa intranqüilidade social. O que causa tal intranqüilidade é a ação, isto é, a possibilidade de ser ela proposta a qualquer momento. Dêste modo, não se faz necessário extinguir o direito para fazer cessar a intranqüilidade — basta extinguir a ação. E por isso que se diz comumente, e com procedência, que a prescrição extingue a ação e não o direito. Exemplos: o crédito correspondente a uma ação executiva é cambiária prescrita pode ser cobrado por meio de ação ordinária; o proprietário que deixou prescrever a ação reivindicatória que tinha contra determinada pessoa, ainda pode exercer sua pretensão reivindicatória contra outra pessoa, se a coisa passou, depois, para a posse desta última e ela não pode invocar, em seu favor, a prescrição consumada. Nos exemplos citados houve extinção da ação, mas não do direito. Dêste modo, fixada a noção de que a violação do direito e o início do prazo prescricional são fatos correlatos, que se correspondem como causa e efeito, e articulando-se tal noção com aquela classificação dos direitos formulada por Chiovenda, concluir-se-á, fácil e irretorquivelmente, que só os direitos da primeira categoria isto é, os “direitos a uma prestação”), conduzem à prescrição, pois somente êles são suscetíveis de lesão ou de violação, conforme ficou amplamente demonstrado. Por outro lado, os da segunda categoria, isto é, os direitos potestativos (que são, por definição, “direitos sem pretensão”, ou “direitos sem prestação”, e O primeiro caso que pode oferecer alguma dificuldade na aplicação das duas regras fixadas acima é aquêle a que se referem o § 2º e o § 5º, n. IV, do art. 178; prazo para o comprador propor ação destinada a haver abatimento do preço de coisa (móvel ou imóvel) recebida com vício redibitório, ou rescindir o contrato e reaver o preço pago, mais perdas e danos. Como se verifica dos textos indicados, o comprador tem, à sua disposição, ações de natureza diversa (condenatórias e constitutivas), das quais pode fazer uso alternativamente: a) pode êle propor uma ação para haver abatimento do preço (ação condenatória), ou, b) pode propor uma ação para rescindir o contrato (ação constitutiva), cumulada com uma ação para reaver o preço pago, mais perdas e danos (ação condenatória). Como aplicar, na hipótese, o critério distintivo proposto acima, desde que estão presentes os dois tipos de ações, que servem de base à distinção? O prazo é de prescrição ou de decadência? Só há uma maneira de solucionar o impasse, desde que não é possível admitir que o prazo seja, simultaneamente, de prescrição e de decadência: é verificar qual dos dois interesses deve prevalecer — o protegido pela prescrição, ou o protegido pela decadência. Ora, basta atentar para as circunstâncias de que os prazos de decadência são insuscetiveis de renúncia, de interrupção, e de suspensão, e que o seu esgotamento deve ser reconhecido de ofício pelo juiz, para se concluir que tais prazos têm um conteúdo de interêsse público muito mais relevante que os prazos prescricionais. Dêste modo, os prazos estabelecidos no art. 178, § 2º, e § 5º, n. IV, são prazos de decadência, e é esta, realmente, a classificação dada a tais prazos por Pontes de Miranda (“Tratado de Direito Privado”, vol. 6º, págs. 140, 340 e 341); Câmara Leal (“Da prescrição e da decadência”, págs. 145 e 146; Orlando Gomos (“Introdução ao Direito Civil”, pág. 393) e Carlos Maximiliano (“Hermenêutica e Aplicação do. Direito”, pag. 352). Outro prazo que merece referência especial é o do art. 178; § 6º, n. XI, do Código Civil: a ação do proprietário do prédio desfalcado contra o do prédio aumentado pela avulsão, é ação condenatória ou constitutiva? O prazo é de prescrição da ação, ou de decadência do direito a que ela corresponde? A primeira vista parece tratar-se de ação condenatória, pois afigura-se que, ao propor a ação, o autor pretende do réu uma prestação, isto é, a entrega da parte acrescida ao seu imóvel pela avulsão. Ocorre, porém, que a avulsão não resulta de ato do proprietário do imóvel beneficiado, contrário ao direito do outro proprietário, e sim de fato da natureza que tem como efeito jurídico a constituição de um direito de propriedade em favor do proprietário do imóvel beneficiado (art. 536), se não houver reclamação do outro proprietário dentro do prazo de um ano (arte. 541 e 542). Dêste modo, a ação em análise não tem efeito condenatório, e sim efeito constitutivo negativo: visa, a evitar que se crie um novo direito de propriedade sôbre a porção de terra objeto da avulsão, ou que se crie êsse novo direito independentemente de indenização (arts. 541 e 542). Trata-se, pois, de ação constitutiva, e conseqüentemente o prazo é de decadência. Êste entendimento coincide com o de Pontes de Miranda (“Tratado de Direito Privado”, vol. VI, págs. 358 e 359); Carlos Maximiliano (“Hermenêutica e Aplicação do Direito”, pág. 351 da 5ª ed.); e Câmara Leal (“Da Prescrição e da Decadência”, pág. 146 da 1ª ed.) XI — AÇÕES DECLARATÓRIAS Quando expusemos a classificação das ações adotada por Chiovenda, verificamos que, ao lado das ações condenatórias (ligadas ao instituto da prescrição), e das ações constitutivas (ligadas, indiretamente, ao instituto da decadência), existe uma terceira categoria, a das ações declaratórias. Qual a posição destas últimas em face dos institutos? Estão ligadas a êles, ou a algum dêles? Conceituando as ações declaratórias e, simultaneamente, distinguindo-as das condenatórias e das constitutivas, diz Chiovenda.: “O autor que requer uma sentença declaratória não pretende conseguir atualmente um bem da vida que lhe seja garantido por vontade da lei, seja que o bem consista numa prestação do obrigado, seja que consista na modificação do estado jurídico atual; quer, tão-somente, saber que seu direito existe ou quer excluir que exista o direito do adversário; pleiteia no processo a certeza jurídica e nada inala” (Instituições, 1/302 e 303). A obtenção dessa “certeza jurídica” é, no dizer do mesmo autor, a mais autônoma e a mais elevada função do processo (ob. e pág. Cits.) A certeza jurídica surge, assim, como efeito, não apenas imediato, mas também único, das ações e sentenças declaratórias, e é precisamente o que acentua Chiovenda quando afirma que a sentença declaratória “.... não ensarta outro efeito que não o de fazer cessar a incerteza do direito.. .” (obra citada, 1º vol., pág. 286. Realmente, a noção de obtenção da “certeza jurídica” está sempre ligada ao conceito de ação declaratória: Chiovenda (“Instituições”, 1º vol., págs. 286, 321, e 324; “Ensaios de derecho procesal civil”, 1º vol., pág. 32 da trad. cast.); e Torquato Castra (“Ação declaratória”, págs. 27 e 88). Por conseguinte, pode-se dizer que as sentenças declaratórias não dão, não tiram, não proíbem, não permitem, não extinguem e nem modificam nada. Em resumo: não impõem prestações, nem sujeições, nem alteram, por qualquer forma, o mundo jurídico. Por fôrça de uma sentença declaratória, no mundo jurídico nada entra, nada se altera, e dêle nada sai. As sentenças desta natureza, pura e simplesmente, proclamam a “certeza” a respeito do que já existe, ou não existe, no mundo jurídico. É exatamente o princípio consagrado no nosso Código de Processo Civil quando trata de tais ações: “O interesse do autor poderá limitar-se à declaração da existência, ou inexistência de relação jurídica ou à declaração da autenticidade ou falsidade de documento” (art. 2º, parágrafo único). Fixado o conceito, pergunta-se: as ações declaratórias estão ligadas à prescrição ou à decadência? Parece-nos que nem a uma coisa nem a outra, conforme se passa a demonstrar. Já vimos, anteriormente, que todo prazo prescricional está ligado, necessária e indissoluvelmente, à lesão de um direito, do modo que, se não há lesão do direito, não há como cogitar de prescrição da ação. Já vimos, igualmente, que fato semelhante ocorre com o instituto da decadência: todo prazo decadencial está ligado, também necessária e indissoluvelmente, ao exercício de um direito, de modo que só sofrem os efeitos (indiretos) da decadência aquelas ações que são meio de exercício de alguns direitos pertencentes a uma categoria especial. Ora, as ações declaratórias nem são meio de proteção ou restauração de direitos lesados, nem são, tampouco, meio de exercício de quaisquer direitos (criação, modificação ou extinção de um estado jurídico). Quando se propõe uma ação declaratória, o que se tem em vista, exclusivamente, é a obtenção da “certeza jurídica”.. isto é, a proclamação judicial da existência ou inexistência de determinada relação jurídica, ou da falsidade ou autenticidade de um documento. Daí é fácil concluir que o conceito de ação declaratória é visceralmente inconciliável com os institutos da prescrição e da decadência: as ações desta espécie não estão, e nem podem estar, ligadas a prazos prescricionais ou decadenciais. Realmente, como já vimos, o objetivo da prescrição é liberar o sujeito passivo de uma prestação, e o da decadência, o de liberá-lo da possibilidade de sofrer uma sujeição. Ora, se as ações declaratórias não têm o efeito de realizar uma prestação, nem tampouco o de criar um estado de sujeição, como ligar essas ações a qualquer dos dois institutos em análise? Se o único efeito de tais ações é a declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica, ou da autenticidade ou faIsidade de um documento, qual a finalidade da fixação de um prazo para o seu exercício? E quais seriam as conseqüências do decurso do prazo sem proposituta da ação? A relação inexistente passaria a existir? E a existente deixaria de existir? O documento falso passaria a autêntico? E o autêntico passaria a falso? Mesmo admitindo-se, para argumentar, a possibilidade de conseqüências tão absurdas, a ação não seria, nestes casos, declaratória, e sim constitutiva. Para ficar ainda mais acentuada a incompatibilidade entre as ações declaratórias e os institutos da prescrição e da decadência, basta atentar para o seguinte: Diz Chiovenda que as sentenças declaratórias podem ter por objeto qualquer direito, inclusive de natureza potestativa (“Instituições”, 1/331, e “Ensayos de derecho procesal civil”, pág. 127). Daí pode-se concluir que os direitos objeto das ações declaratórias são, também, objeto de uma das outras duas categorias de ações (condenatórias ou constitutivas), e tal conclusão dá origem a mais um argumento favorável ao ponto de vista que sustentamos. Realmente, desde que as situações jurídicas que se colocam no campo de atuação das ações declaratórias já são tuteladas por um dos outros dois tipos da ações cuja finalidade precípua é a realização do direito (condenatórias ou constitutivas) e se estas, por sua vez, já se encontram ligadas a um prazo extintivo (prescricional ou decadencial), seria absurdo admitir outro prazo de igual natureza para a ação declaratória que tivesse por objetivo a mesma situação jurídica. Se se entender de outra forma, qual dos dois prazos deve prevalecer? O da ação declaratória ou o outro? Levando em consideração o ponto assinalado, acentuam Chiovenda (Ensayos de derecho procesal civil”, 1/129 da trad. cast.) e Ferrara (“A simulação dos negócios jurídicos”, pág. 458 da trad. port.), que quando a ação condenatória está prescrita não é razão para se considerar também prescrita a correspondente ação declaratória, e sim para se considerar que falta o interêsse de ação para a declaração da certeza. E se se levar em conta que a prescrição e a decadência têm uma finalidade comum, que é a paz social, ainda ficará mais evidenciada a desnecessidade de se fixar prazo extintivo para as ações declaratórias, pois, não produzindo elas (e as respectivas sentenças), como de fato não produzem, qualquer modificação no mundo jurídico (mas apenas a proclamação da certeza jurídica), o seu exercício, ou falta de exercício, não afetam, direta ou indiretamente, a paz social. E tanto é exata a conclusão que, entre os vários prazos extintivos encontrados no art. 178 do Código Civil, não há um só que se refira a ações declaratórias propriamente ditas. Além do mais, se se quisesse fixar um prazo extintivo para as ações declaratórias, de que natureza seria êste prazo? Prescricional ou decadencial? O legislador que pretendesse fazer uma escolha se depararia com um obstáculo intransponível como as ações declaratórias não têm por finalidade a restauração, nem tampouco o exercício de direitos, elas não podem ser atreladas nem ao instituto da prescrição nem ao da decadência. Diante de tudo isso, a conclusão que se impõe é a seguinte: as ações declaratórias devem ser classificadas como ações imprescritíveis. E é esta, realmente, a classificação dada pela maioria dos doutrinadores. Entre muitos outros: Chiovenda (“Instituições”, 1/62; “Ensayos”, 1/32); Pontes de Miranda (“Tratado de Direito Privado”, vol. 6º págs. 129, 130 e 285) e Ferrara (“Da simulação dos negócios jurídicos”, pág. 458). XII - AÇÕES APARENTEMENTE DECLARATÓRIAS. Problema intimamente ligado ao das ações declaratórias, e que merece exame mais detido, é o daquelas ações que poderiam receber a denominação de “aparentemente declaratórias”, em virtude de serem geralmente classificadas como declaratórias, embora sejam, na realidade, constitutivas. Em primeiro lugar examinaremos as denominadas “ações de nulidade”, isto é, aquelas ações que têm por objetivo a invalidação dos atos nulos. São tradicionalmente classificadas como declaratórias, enquanto que aquelas outras que têm por finalidade a invalidação dos atos anuláveis são classificadas como constitutivas. Todavia, Pontes de Miranda, usando argumentos que nos parecem irretorquíveis, demonstra que as ações de nulidade (do mesmo modo que as de anulação), são constitutivas negativas. Começa êle acentuando que, classificar as ações de nulidade como declaratórias equivale a equiparar os atos nulos aos atos inexistentes, o que representa “romanismo escusado” ou “resíduo romanístico” não tolerado pelo Direito moderno. Realmente, no Direito Romano, os conceitos de ato nulo e ato juridicamente inexistente se equivaliam, e por isso a sentença que proclamava uma nulidade era de natureza puramente declaratória: limitava-se a registrar um fato (a inexistência jurídica do ato), sem produzir qualquer modificação de natureza jurídica, pois o ato nulo, que já se encontrava fora do mundo jurídico antes da sentença, lá se conservava, de vez que não era considerado ato jurídico. Hoje, porém, a conceituação é diferente, conforme acentua o mesmo autor: “ato nulo” difere de “ato juridicamente inexistente”. O ato nulo é um ato que, embora defeituosamente, penetra no mundo jurídico, tanto que recebe a denominação de “ato jurídico” (Código Civil, art. 145). “Nulo” é negação de validade no mundo jurídico, e não negação de existência no mesmo mundo. Dêste modo, a decisão que pronuncia uma nulidade não tem efeito apenas declaratório, e sim, também, efeito constitutivo, pois desloca o ato do mundo jurídico para o mundo tático. O ato que teve sua nulidade pronunciada por sentença, sai do mundo jurídico, por fôrça desta sentença, e passa a ser apenas ato do mundo fático, isto é, ato juridicamente inexistente. O efeito da sentença é, pois, o de ocasionar uma modificação: transforma um ato jurídico nulo em ato juridicamente inexistente. Não ocorreu aí, apenas, a proclamação de uma “certeza jurídica”, e por isso a ação é constitutiva, e não simplesmente declaratória. Por conseguinte, a nulidade é “decretável” e não “declarável” (Pontes de Miranda, “Tratado de Direito Privado, vol. 4º, págs. 7, 9, 11 a 14, 17, 19, 20, 28, 29, 33, 75, 77, 79, 80 e 209; (Tratado de Direito de Família, 1º vol., pág. 304 da 3ª ed. “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, págs. 464 e 467 da 1ª ed.). Aliás, a distinção entre atos nulos e atos juridicamente inexistentes, estranha ao Direito Romano (v. Savigny, Sistema, tomo 3º, pág. 351, da, trad. cast.), surgiu por ocasião da elaboração do Código Civil francês (Josserand, “Derecho Civil”, tomo 1º, vol. 1º, pág. 137). Para reforçar aquelas conclusões de Pontes de Miranda, convém atentar para uma circunstância que não se concilia, de modo algum, com a pretendida equiparação dos atos nulos aos atos juridicamente inexistentes, nem com a natureza simplesmente declaratória que se quer atribuir às ações de nulidade: é que há atos nulos que produzem efeitos permanentes, e alguns chegam mesmo a convalidar por completo. Exemplos: o casamento putativo (art. 221); o casamento contraído perante autoridade incompetente, depois de decorrido o prazo de dois anos dentro do qual a nulidade deve ser alegada (art. 208); a partilha nula, depois de decorrido o prazo de decadência fixado no art. 178, § 6º, n. V, do Código Civil; o parentesco por afinidade em linha reta sobrevive a casamento nulo (art. 335). Entendemos, assim, que as ações de nulidade devem ser classificadas como constitutivas negativas. Outras ações aparetemente declaratórias são as denominadas ações de estado, também geralmente classificadas como declaratórias, mas na realidade são constitutivas, embora com uma grande carga de declaratividade. Pelo menos elas não podem ser consideradas declaratórias dentro da concepção moderna dêsse tipo de ações, isto é, aquelas ações por meio das quais se procura, exclusivamente, obter uma certeza jurídica. É o que procuraremos demonstrar. Da conceituação da ação declaratória se infere, naturalmente, que uma das suas principais características é a facultatividade ou voluntariedade: ela é utilizada quando alguém quer, apenas, estabelecer a certeza jurídica a respeito da existência ou inexistência de determinada relação jurídica, mas ninguém é obrigado a propô-la para que desta relação decorram efeitos jurídicos. A relação jurídica existe (ou inexiste), e seus efeitos se produzem (ou não se produzem), independentemênte de sua declaração judicial. Em resumo: pode-se dizer que não há ações declaratórias “obrigatórias” ou “necessárias”, como não há na classe das constitutivas. Assim, por exemplo, se não há dúvidas a respeito da existência de determinada relação jurídica, isto é, se coincidem as vontades de todos os possíveis interessados, no sentido de reconhecerem a existência da relação; ou, em outras palavras, se não há incerteza a respeito da existência da mesma relação, a ação declaratória se torna desnecessária. E mesmo havendo incerteza, ou incoincidência das vontades dos interessados, não é indispensável a propositura da declaratória para que a relação jurídica exista e produza seus efeitos, pois, como já vimos, a finalidade única das ações declaratória é a obtenção da “certeza jurídica”, e não a produção de quaisquer outros efeitos. O interessado na declaração pode até achar preferível aguardar-se para tutelar seu direito por um meio mais enérgico, que não seja apenas o declaratório. O que é certo, porém, e deve ficar bem ressaltado, é que, com ou sem ação declaratória, os efeitos jurídicos da relação se produzem da mesma forma. instrumento particular, apesar de serem atos nulos (art. 145), passariam a produzir todos os seus efeitos, como se válidos fôssem, e não poderiam mais ter sua nulidade decretada, após o decurso do prazo geral de prescrição, e depois de atravessados, com referência aos incapazes, os obstáculos legais que se opõem à fluência dos prazos prescricionais (art. 169, n. I). Outro exemplo: O casamento que um pai contraísse com sua própria filha, apesar de ser ato nulo (art. 207), passaria a produzir efeitos como se válido fôsse, e também não poderia mais ter sua nulidade decretada, depois que se consumasse o prazo prescricional geral. Ora, ninguém pode admitir conclusões tão estapafúrdias, nem mesmo invocando o texto legal. Assim, apesar do que dispõem de modo expresso os arts. 177 e 179 do Código, forçoso é concluir, desde já, no sentido da existência de, pelo menos, algumas ações imprescritíveis: aquelas ações de nulidade mencionadas nos exemplos citados. E se se admite que há alguma ações imprescritíveis, já fica aberta uma brecha no sistema que, aparentemente, resulta da letra dos mencionados dispositivos. Por aí, então, poderão ser admitidas outras ações igualmente imprescritíveis, pois outras existem. E quais são elas? Como identificá-las “a priori”? Qual o critério a adotar? São as perguntas que nos propomos responder a seguir. Antes, porém, torna-se mister examinar um assunto de natureza terminológica, que deve ser analisado antes de qualquer outro, para que o problema que temos em vista fique bem equacionado. É o que diz respeito à manifesta impropriedade da expressão “ações imprescritíveis”, pois tal expressão não corresponde com exatidão, ao sentido em que ela é utilizada comumente. Costuma-se usar tal expressão com o objetivo de designar aquelas ações que não estão sujeitas, direta ou indiretamente, a qualquer prazo extintivo (prescricional ou decadencial). Este objetivo não corresponde todavia, a compreensão lógica e gramatical da expressão. Imprescritível significa “que não prescreve” ou não sujeito a prescrição. Deste modo, lógica e gramaticalmente, a expressão abrange, não só a) as ações não sujeitas nem a prescrição nem a decadência, como também b) as ações sujeitas a decadência (indiretamente, por fôrça da extinção do direito a elas correspondente), pois estas últimas também são ações que “não prescrevem”. A expressão em foco tem, por conseguinte, uma compreensão mais ampla do que o sentido em que á utilizada pois abrange uma categoria de ações (aquelas sujeitas a decadência) que não se tem em mente abranger quando se faz uso dela. Talvez a anomalia decorra da confusão que muitos fazem entre os institutos da prescrição e da decadência, ou da dificuldade que há em distingui-los. Mas, como a precisão dos conceitos é fundamental nos domínios do Direito, há necessidade de ser substituída a expressão “ações imprescritíveis” por uma outra que corresponda com exatidão à idéia que, se pretende exprimir, e concilie a realidade com a lógica. Para êsse fim não vemos outra melhor do que a expressão “ações perpétuas”, que submetemos, neste momento, à apreciação dos dentes. Aliás, no Direito Romano, essa expressão designava “inicialmente, aquela ações que não estavam sujeitas a qualquer prazo extintivo e depois quando tôdas as ações ficaram subordinadas a prazos, passou a designar aquelas ações sujeitas ao prazo mais longo” (Savigny, “Sistema”, tomo IV) pág.. 185). O problema da identificação das denominadas “ações imprescritíveis” tem sua solução grandemente facilitada com a fixação daquelas duas regras, já deduzidas acima, destinadas a identificar as ações sujeitas a prescrição ou a decadência, Sendo a imprescritibilidade um conceito negativo, pode ser definido por exclusão, estabelecendo-se como regra que: são perpétuas (imprescritíveis) tôdas aquelas ações que não estão sujeitas nem a prescrição nem, indiretamente, a decadência. Por aí se verifica facilmente que são perpétuas (imprescritíveis): a) tôdas as ações meramente declaratórias; e b) algumas ações constitutivas (aquelas que não têm prazo especial de exercício fixado em lei). Quanto às ações condenatórias, não há, entre elas, ações perpétuas (imprescritíveis), pois tôdas são atingidas, ou por um dos prazos especiais do art. 178, ou por um dos prazos gerais do art. 177. Com efeito, já vimos anteriormente que não há qualquer razão para o legislador subordinar as ações declaratórias a prazos extintivos, pois o seu uso, ou não-uso, não afeta, direta ou indiretamente, a paz social, uma vez que elas nada criam e nada modificam — apenas declaram a certeza jurídica. Já vimos, também, que há até mesmo uma impossibilidade lógica em filiar as ações declaratória aos institutos da prescrição ou da decadência, uma vez que elas não são meio de restauração de direitos lesados, nem meio de exercício de direitos potestativos. Um fato confirma plenamente as duas observações feitas acima: entre os vários prazos estabelecidos no art. 178 do Código Civil, não há um só que se refira à ação declaratória. Quanto às ações constitutivas, a lei só fixou prazo para a propositura de algumas delas: são aquelas que se encontram enumeradas no art. 178, ao lado de várias ações condenatórias. As demais ações constitutivas, não estando, como não estão, sujeitas a qualquer prazo extintivo, devem ser classificadas como imprescritíveis, (ou perpétuas, segundo a denominação que propusemos). Com relação aos direitos exercidos por meio destas ações constitutivas não incluida no art. 178, fica prevalecendo o princípio geral da perpetuidade dos direitos. Convém acentuar que não existe, com referência às ações declaratórias e às constitutivas, qualquer dispositivo fixado prazo geral de extinção para aquelas não atingidas por prazos especiais, de vez que os arts. 177 e 179, conforme já acentuamos e será demonstrado mais desenvolvidamente, só se aplicam às ações condenatórias. Já temos, assim, elementos para fixar a terceira e última regra: São perpétuas (ou imprescritíveis) tôdas as ações declaratórias, e também aquelas ações constitutivas para as quais a lei não fixa prazo especial de exercício. Os resultados da aplicação da regra deduzida acima coincidem com a opinião generalizada a respeito da imprescritibilidade das ações declaratórias, da ação de divisão, de várias ações de estado, inclusive a investigatória de paternidade; da ação de demarcação, e de quase tôdas as ações de nulidade. Com a mesma regra ficam, pois, eliminadas aquelas discussões irredutíveis a respeito da prescritibilidade da ação investigatória de paternidade: ela é imprescritivel porque é constitutiva e não tem prazo especial fixado em lei para o seu exercício. XIV — ALCANCE DOS ARTS. 177 e 179 DO CÓDIGO CIVIL. Depois da confusão que o Código Civil fêz, no art. 178, dos prazos de prescrição com os de decadência, talvez a inexplicável existência do art. 179 seja o fator que mais haja concorrido para dificultar, entre nós, a distinção entre os dois institutos e a identificação das ações perpétuas (imprescritíveis). Diz o mencionado art. 179 que: “Os casos de prescrição não previstos neste Código serão regulados; quanto ao prazo, pelo art. 177.” Por sua vez, o art. 177 dispõe que: “As ações pessoais prescrevem ordinarmente em vinte anos, as reais em dez, entre presentes e, entre ausentes, em quinze, contados da data em que poderiam ter sido propostas.” Nestas condições, faz-se necessário, em primeiro lugar fixar os limites do campo de incidência do art. 177, e não há dúvida que êle só pode se aplicar às ações condenatórias (ou “ações de prestação” ou “ações de pretensão”), pois somente elas comportam a subdivisão em ações reais e ações pessoais, Não se pode cogitar de ações reais e ações pessoais nas classes das constitutivas e das declaratórias, de vez que estas são, por definição, “ações sem pretensão de Direito material”. Não há ações constitutivas reais ou pessoais, do mesmo modo que não há declaratórias nas mesmas condições. Não é possível pleitear, por meio de ação constitutiva ou declaratória, qualquer prestação, pessoal ou real. Aliás, Pontes de Miranda acentua êsse aspecto do problema em uma síntese feliz: “As categorias “ações reais, ações pessoais” pertencem ao Direito material, Compreende-se perfeitamente o que o Código Civil, no art. 177, quis exprimir quando disse que as ações pessoais prescrevem ordinariamente em trinta anos, as reais em dez entre presentes e, entre ausentes, em vinte, contados da data em que poderiam ter sido propostas. Os conceitos e as qualificações, aí contidos, pertencem ao Direito material. “Ação” está, em tal texto, em lugar de “pretensão” (“Comentários ao Código de Processo Civil”). Ferrara, por sua vez, depois de concluir que as ações declaratórias são imprescritíveis, observa, a respeito da incidência do dispositivo do antigo Código Civil italiano, equivalente ao art. 177 do nosso Código: “Nem pode constituir obstáculo para esta dedução lógica o art. 2.135, segundo o qual tôdas as ações, quer reais, quer pessoais, prescrevem em trinta anos, pois é certo que faz-se aqui alusão às ações de prestação.. . “ (A, simulação dos negócios jurídicos”, págs. 458 e 459 da trad. port.). Diante das considerações feitas acima, cabe a perguntar e qual o alcance, ou campo de incidência, do art. 179 do Código? A primeira vista parece que o art. 179 manda aplicar o art. 177 a tôdas as ações não abrangidas pelo mesmo art. 177. Assim, afigura-se, também à primeira vista, que, por força do art. 179, o art. 177 do Código Civil seria aplicável às ações constitutivas e às declaratórias. Todavia, tal conclusão, por vários motivos, não pode ser admitida. Note-se, em primeiro lugar, que o mencionado art. 179 sala em “casos de prescrição”, o que induz, desde logo, a conclusão de que sômente os casos que podem ser submetidos à prescrição é que são atingidos pelo dispositivo.. Ora, as ações constitutivas, exatamente porque não são “ações de prestação”, e nem estão ligadas a um direito suscetível de lesão, não podem ficar subordinadas a um prazo prescricional, pois, conforme já ficou acentuado, prescrição e lesão do direito são conceitos correlatos e inseparáveis, que se correspondem como causa e efeito. Quando o legislador quer subordinar uma ação constitutiva a prazo extintivo, tal prazo só pode ser de decadência, isto é, decadência do direito potestativo exercido por meio da ação: extinto o direito, extingue-se também, por via de consequência, a ação constitutiva. correspondente, Quanto as ações declaratórias, elas não podem ser subordinadas nem a prazo prescricional nem a prazo decadencial, pois não são meio de restauração de direitos lesados (direitos a uma prestação”), nem, tampouco são meio de exercício de determinados direitos que podem ser exercitados por via de ação (direitos potestativos). O legislador nem sequer pode cogitar de submeter as ações declaratórias a prazos extintivos, pois não há como filiá-las, lógica e juridicamente, nem ao instituto da prescrição, nem ao da decadência. Por conseguinte, as ações constitutivas e as declaratórias não estão — e nem podem ser incluídas pelo legislador — entre aqueles casos de prescrição” a que alude o art. 179. Mas, se, contrariando o bom senso e a lógica jurídica, se pretendesse aplicar o art. 179 às ações constitutivas e às declaratórias, ter-se-ia também que admitir, necessariamente, uma outra conclusão que já foi repelida por absurda: a inexistência de açoes perpétuas (imprescritíveis), no Direito brasileiro, pois os arts. 177, 178 e 179 passariam a abarcar tôdas as classes de ações (condenatórias, constitutivas e declaratórias). Ter-se-iam, então, que admitir, igualmente, aquelas conseqüências extravagantes da adoção de tal ponto de vista, já assinaladas antes: as ações de nulidade estariam sujeitas a prazos extintivos e, por conseguinte, os contratos firmados por menores de qualquer idade, ou por loucos, e os casamentos celebrados entre pais e filhas passariam a ter validade após o decurso do prazo extintivo. Por mais êste motivo, isto é, por conduzir a resultados absurdos, deve ser repelida a interpretação em foco. E se examinarmos o problema sob outro ângulo, verificaremos que não só jurídica, como também lógicamente, é impossível fazer o art. 177 incidir, por força do art. 179, sôbre outras ações que não as condenatórias. Com efeito, o mencionado art. 177 estabelece duas espécies diferentes de prazos, um para as ações pessoais, e outro para as ações reais, variável, êste último, conforme os interessados estejam presentes ou ausentes. Se se pretender aplicar o mesmo dispositivo às ações constitutivas e declaratórias, e levando-se em conta que tais ações não comportam a subdivisão em ações reais e ações pessoais, qual daqueles prazos deve ser observado? O das ações reais ou o das ações pessoais? O Código não fornece elementos para se fixar um critério de escolha, e nem seria possível fazer-se, no caso, uma escolha arbitrária. As três situações focalizadas acima conduzem, inevitavelmente, a esta conclusão: os arts. 177 e 179 não se aplicam às ações constitutivas nem às declaratórias. Segue-se daí que o art. 179 é um dispositivo completamente inerte e ineficaz — sua presença não altera, do mesmo modo que sua ausência não alteraria, o campo de incidência do Código Civil. É precisamente a conclusão a que chega Pontes de Miranda: o art, 179 nada mais é do que uma explicação do art. 177, perfeitamente riscável da letra do Código Civil, porque está contido na generalidade conceitual do mesmo art. 177 (“Tratado de Direito Privado” 6/285). É certo que há um princípio de hermenêutica, segundo qual as leis não contêm palavras ou dispositivos inúteis, mas é igualmente certo que existe um outro princípio, muito mais importante, segundo o qual a interpretação dos textos legais não deve conduzir a consequências absurdas. Se há conflito, é óbvio que deve prevalecer o princípio mais importante. XV — CONCLUSÕES. Reunindo-se as três regras deduzidas acima, tem-se um critério dotado de bases científicas, extremamente simples e de fácil aplicação, que permite, com absoluta segurança, identificar, “a priori”, as ações sujeitas a prescrição ou a decadência, e as ações perpétuas (imprescritíveis). Assim: 1ª — Estão sujeitas a prescrição: tôdas as ações condenatórias e sômente elas (arts. 177 e 178 do Código Civil); 2ª — Estão sujeitas a decadência (indiretamente, isto é, em virtude da decadência do direito a que correspondem): as ações constitutivas que têm prazo especial de exercício fixado em lei; 3ª — São perpétuas (imprescritíveis): a) as ações constitutivas que não têm prazo especial de exercício fixado em lei; e b) tôdas as ações declaratórias Várias inferências imediatas podem ser extraídas daquelas três proposições. Assim: a) não há ações condenatórias perpétua (imprescritíveis), nem sujeitas a decadência; b) não há ações constitutivas sujeitas a prescrição; e c) não há ações declaratórias sujeitas a prescrição ou a decadência. Aplicando-se aquede critério, conclui-se que são de decadência os seguintes prazos especiais fixados no art. 178 do Código Civil: § 1º, § 2º § 3º, § 4º, ns. I e II, § 5º, ns. I a IV, § 6º ns. I, III, IV, V, XI, XII e XIII, § 7º, ns. I, VI e VII, § 8º, § 9º, ns. I, “a.” e “b”, II, “a” e “b”, III, IV, V e VI, e § 10, n. VIII, Tais prazos correspondem exatamente àqueles que Câmara Leal — utilizando-se de um critério prático, mais complexo, e de mais difícil aplicação — também classificou como prazos de decadência. Uma grande vantagem do critério aqui sugerido é que, tendo como um dos pontos de partida, para sua dedução, a categoria dos direitos potestativos, pode, contudo, ser acolhido e utilizado até mesmo por aquêles que não reconhecem essa categoria, desde que admitam a existência de ações, constitutivas, pois as duas situações são perfeitamente conciliáveis, conforme acentua Carnelutti (“Sistema de derecho procesal civil”, 2/172). Aí fica, pois, exposto o critério que, como contribuição das mais modestas para a solução do tormentoso problema, apresentamos ao exame e à crítica dos outros.
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