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Guias e Dicas
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o aproveitamento da energia eólica, Notas de estudo de Engenharia Ambiental

Energia Eólica

Tipologia: Notas de estudo

2011

Compartilhado em 15/01/2011

aline-dias-17
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Baixe o aproveitamento da energia eólica e outras Notas de estudo em PDF para Engenharia Ambiental, somente na Docsity! Revista Brasileira de Ensino de F́ısica, v. 30, n. 1, 1304 (2008) www.sbfisica.org.br O aproveitamento da energia eólica (The wind energy resource) F.R. Martins1, R.A. Guarnieri e E.B. Pereira Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos, São José dos Campos, SP, Brasil Recebido em 16/8/2007; Revisado em 11/10/2007; Aceito em 17/10/2007 Diversos estudos realizados nos últimos anos têm apontado as implicações e impactos sócio-ambientais do consumo de energia. As fontes renováveis de energia são apresentadas como a principal alternativa para atender as demandas da sociedade com relação à qualidade e segurança do atendimento da demanda de eletricidade com a redução dos danos ambientais decorrentes do consumo de energia. Este artigo apresenta uma revisão dos conceitos f́ısicos relacionados ao emprego da energia cinética dos ventos na geração de eletricidade. Inicialmente, o artigo descreve a evolução do aproveitamento da energia eólica, incluindo dados e informações sobre a situação atual do uso desse recurso para geração de energia elétrica. O artigo apresenta uma descrição dos aspectos dinâmicos dos ventos e circulação atmosférica na Terra, incluindo a descrição dos fatores que influenciam a velocidade e direção dos ventos nas proximidades da superf́ıcie de nosso planeta. A modelagem e previsão dos ventos são discutidas apresentando os principais resultados obtidos com as metodologias empregadas no Brasil. Os aspectos relacionados à estimativa e previsão da potência eólica são abordados ressaltando a importância de uma base de dados de vento de qualidade para a determinação da confiabilidade dos resultados fornecidos pelos modelos numéricos. Palavras-chave: energia eólica, circulação atmosférica, modelos numéricos, modelagem atmosférica. Several studies have been pointed out the energy consumption implications and impacts on environment and human society. Renewable sources of energy were identified as the major alternative to assure the confidence and the quality required to fulfill the energy demands from human society by reducing the environmental impacts. This paper presents a short review of knowledge and technological evolution related to conversion of wind energy into electricity. First of all, the paper describes the time evolution and the present status of the wind energy deployment. After that, a brief discussion on atmospheric circulation is presented including the main factors that affect the wind velocity and direction near the surface. The wind energy assessment methodologies adopted in Brazil that uses regional climate models and wind data acquired in ground sites spread throughout the Brazilian territory were discussed. Finally, the issues related to the wind power are depicted and special attention is given to the importance of database reliability to the wind power plant design and management. Keywords: wind energy, climate models, atmospheric circulation. 1. Introdução A questão energética é um dos tópicos de maior im- portância na atualidade. A qualidade de vida de uma sociedade está intimamente ligada ao seu consumo de energia. O crescimento da demanda energética mundial em razão da melhoria dos padrões de vida nos páıses em desenvolvimento traz a preocupação com alguns aspec- tos essenciais para a poĺıtica e planejamento energético de todas as economias emergentes. Dentre eles, po- demos citar a segurança no suprimento de energia ne- cessária para o desenvolvimento social e econômico de um páıs e os custos ambientais para atender a esse au- mento no consumo de energia [1]. Nas últimas décadas a segurança no suprimento de energia está associada às perspectivas de esgotamento das reservas de petróleo nas próximas décadas [2, 3] e a elevação dos preços de mercado dos combust́ıveis fósseis em conseqüência de problemas poĺıticos e so- ciais nas principais regiões produtoras. Fatores am- bientais também podem reduzir a segurança energética como, por exemplo, a ocorrência de longos peŕıodos de estiagem que afetam a produtividade da biomassa e a geração hidroelétrica. A inserção de recursos com- plementares na matriz energética de um páıs, com a adoção de fontes renováveis, deve minimizar os impac- tos causados por crises internacionais que afetam o mer- cado de combust́ıveis fósseis ou por instabilidades na 1E-mail: fernando@dge.inpe.br. Copyright by the Sociedade Brasileira de F́ısica. Printed in Brazil. 1304-2 Martins et al. geração hidroelétrica em épocas de estiagem [4-6]. Em razão dos fatos expostos acima, a pesquisa cient́ıfica e o desenvolvimento tecnológico vêm rece- bendo grande incentivo em todo o mundo, principal- mente após o último relatório do IPCC (Painel Inter- Governamental para mudanças Climáticas) divulgado em fevereiro de 2007 [7]. Dentre as fontes energéticas “limpas” – fontes de energia que não acarretam a emissão de gases do efeito estufa (GEE) – a energia mecânica contida no vento vem se destacando e de- monstra potencial para contribuir significativamente no atendimento dos requisitos necessários quanto aos cus- tos de produção, segurança de fornecimento e sustenta- bilidade ambiental [8]. A experiência dos páıses ĺıderes do setor de geração eólica mostra que o rápido desenvolvimento da tecno- logia e do mercado têm grandes implicações sócio- econômicas. A formação de recursos humanos e a pes- quisa cient́ıfica receberam incentivos com a finalidade de dar o suporte necessário para a indústria de energia eólica em formação. Na atualidade, diversos estudos apontam a geração de emprego e o domı́nio da tecnolo- gia como fatores tão importantes quanto à preservação ambiental e a segurança energética dos páıses da comu- nidade européia para a continuidade dos investimentos no aproveitamento da energia eólica [9, 10]. No Brasil, a capacidade instalada ainda é muito pe- quena quando comparada aos páıses ĺıderes em geração eólica. No entanto, poĺıticas de incentivos estão começando a produzir os primeiros resultados e espera- se um crescimento da exploração deste recurso nos próximos anos. Para dar suporte a esse crescimento, torna-se necessário a formação de recursos humanos e o desenvolvimento de pesquisas cient́ıficas de âmbito nacional com o intuito de produzir e disponibilizar in- formações confiáveis sobre a os recursos eólicos no ter- ritório brasileiro. Dentre os esforços mais recentes e dispońıveis publicamente, pode-se citar o Atlas do Po- tencial Eólico Brasileiro [11] e a base de dados do pro- jeto SONDA (www.cptec.inpe.br/sonda). Os resulta- dos e produtos dessas pesquisas demonstram o poten- cial energético e a viabilidade econômica de projetos de aproveitamento desse recurso renovável no páıs. Este artigo tem como objetivo descrever como os conceitos f́ısicos relativos à dinâmica da atmosfera são empregados para a avaliação da disponibilidade do re- curso energético eólico. O texto apresenta, inicial- mente, um breve histórico da evolução da tecnologia empregada para aproveitamento da energia eólica e o status atual dessa fonte de energia no cenário mun- dial. O artigo discute, em seguida, os conceitos f́ısicos envolvidos na descrição dos movimentos atmosféricos, na modelagem e previsão de ventos. O texto aborda, sucintamente, as bases de dados dispońıveis para ava- liação da confiabilidade dos modelos numéricos e para determinação do potencial energético dispońıvel para exploração comercial. Os produtos e resultados das pesquisas em desenvolvimento no Brasil são discutidos brevemente com o intuito de ilustrar a aplicação prática dos conceitos discutidos no transcorrer do artigo. 2. Breve histórico da energia eólica no mundo A conversão da energia cinética dos ventos em ener- gia mecânica vem sendo utilizada pela humanidade há mais de 3000 anos. Os moinhos de vento utilizados para moagem de grãos e bombeamento de água em ativida- des agŕıcolas foram as primeiras aplicações da energia eólica. O desenvolvimento da navegação e o peŕıodo das grandes descobertas de novos continentes foram propi- ciados em grande parte pelo emprego da energia dos ventos. Uma aplicação que vem se tornando mais import- ante a cada dia é o aproveitamento da energia eólica como fonte alternativa de energia para produção de ele- tricidade. Em seu livro, Gasch e Twele [12] detalham a evolução da tecnologia da energia eólica desde seu em- prego em moinhos de vento a partir de 1700 a.C. até os modernos aerogeradores de eletricidade. Estudos para conversão da energia cinética dos ventos em eletrici- dade vêm sendo desenvolvidos a cerca de 150 anos [13] e, nos dias de hoje, a energia eólica vem sendo apon- tada como a fonte de energia renovável mais promis- sora para a produção de eletricidade, em curto prazo, considerando aspectos de segurança energética, custo sócio-ambiental e viabilidade econômica [14]. O grande desenvolvimento da aplicação da energia eólica para geração de eletricidade iniciou-se na Dina- marca em 1980 quando as primeiras turbinas foram fabricadas por pequenas companhias de equipamen- tos agŕıcolas. Estas turbinas possúıam capacidade de geração (30-55 kW) bastante reduzida quando compa- rada com valores atuais. Poĺıticas internas favoreceram o crescimento do setor, de maneira que, atualmente, a Dinamarca é o páıs que apresenta a maior contribuição de energia eólica em sua matriz energética e é o maior fabricante mundial de turbinas eólicas [13]. A evolução da capacidade instalada de geração eólica de eletricidade no mundo e a evolução tecnológica dos aerogeradores entre 1980 e 2002 podem ser ob- servadas nas Figs. 1a e 1b, respectivamente. Desde o ińıcio da década de 1990 o setor de energia eólica vem apresentando um crescimento acelerado em todo o mundo. A capacidade instalada total mundial de aerogeradores voltados à produção de energia elétrica atingiu 74223 MW ao final de 2006, apresentando um crescimento de mais de 20% em relação a 2005. Se- gundo o Global Wind Energy Council [15], esse cres- cimento de capacidade instalada ao longo de 2006 re- presenta o maior acréscimo observado ao longo de um ano. Ainda segundo o GWEC [15], o Brasil totalizou a inserção de 208 MW ao longo de 2006, fechando o ano com 237 MW de capacidade instalada. Esse acréscimo O aproveitamento da energia eólica 1304-5 Em resumo, o vento surge basicamente pela ação da força do gradiente de pressão. Apenas após ini- ciado o movimento, as forças de atrito e de Coriolis passam a atuar, mas somente para modificar o movi- mento, e não para produzi-lo, sendo o vento contro- lado pela combinação dessas forças. A origem das di- ferenças de pressão está no aquecimento diferencial da superf́ıcie terrestre e do ar atmosférico pela radiação solar, de maneira que a energia contida no vento é, na realidade, uma forma secundária da energia solar. A pressão atmosférica e suas variações estão intimamente relacionadas com a temperatura do ar e as trocas de calor na atmosfera. Se a Terra não girasse (Ω = 0) e não houvesse atrito (Fr = 0), o ar escoaria diretamente de áreas de maior pressão para áreas de pressão mais baixas. A força de Coriolis não possui capacidade de alterar o módulo da aceleração ou da velocidade do ar, mas apenas a direção, uma vez que a sua atuação ocorre sempre per- pendicularmente ao movimento. Dessa forma, verifi- camos que a existência de vento zonal acarreta uma aceleração na direção meridional e vice-versa. A força de Coriolis promove a curvatura de trajetórias para a direita no Hemisfério Norte e para a esquerda no He- misfério Sul. A sua intensidade é proporcional à velo- cidade, e é também função da latitude (f = 2Ωsenφ), sendo tanto mais intensa quanto maior for a latitude e sendo nula sobre o Equador (φ = 0). A Eq. (9) é uma das equações básicas emprega- das na modelagem matemática dos movimentos de ar atmosférico, representando a conservação de momento. Duas outras equações, representando a conservação de massa e de energia são utilizadas adicionalmente pe- los modelos meteorológicos. A conservação de ener- gia é expressa em temos da equação de energia termo- dinâmica, que leva em conta as transformações de ener- gia que ocorrem na atmosfera, incluindo o aquecimento pela radiação solar e as mudanças de fase da água. A forma mais usual da equação de energia termodinâmica é apresentada na equação cv DT Dt + p Dα Dt = J, (12) em que cv é o calor espećıfico a volume constante para o ar seco, T é a temperatura do ar, α é o volume espećıfico do ar e J é a taxa de aquecimento por unidade de massa devido a radiação, condução e liberação de calor latente. A conservação de massa é expressa em termos da equação da continuidade, apresentada na Eq. (13), e re- laciona a taxa de acúmulo de massa com a divergência da velocidade do fluido 1 ρ Dρ Dt + ∇ · U = 0. (13) 3.2. Vento em altos ńıveis A atmosfera da Terra é comumente dividida em ca- madas: troposfera, estratosfera, mesosfera e exosfera. Destas camadas, a troposfera é a que se encontra mais próxima à superf́ıcie e estende-se até alturas que va- riam de 8 km nos pólos até 17 km próximo ao Equador. A região de transição entre a troposfera e a estratos- fera chama-se tropopausa, e atua como uma fronteira aproximadamente ŕıgida para o ar troposférico. É na troposfera que ocorrem praticamente todos os proces- sos relacionados com os fenômenos meteorológicos e as mudanças do tempo, sendo, portanto, o alvo de estudo da Meteorologia. Assim, ao longo deste artigo, ao se utilizar as expressões “ńıveis atmosféricos elevados” ou “movimentos em altos ńıveis”, refere-se às alturas cor- respondentes ao topo da troposfera terrestre. Em ńıveis atmosféricos afastados da superf́ıcie ter- restre, o atrito pode ser desprezado e o vento pode ser descrito pelo equiĺıbrio entre a força de Coriolis e do gradiente de pressão, sendo essa aproximação cha- mada de aproximação geostrófica. As parcelas de ar inicialmente em repouso e sujeitas a um gradiente de pressão, começam a acelerar-se em direção à pressão mais baixa. A força de Coriolis cresce à medida que a velocidade aumenta fazendo com que as parcelas de ar sejam gradativamente defletidas até que, eventual- mente, as duas forças entrem em equiĺıbrio e as par- celas passam a mover-se perpendicularmente ao gradi- ente de pressão e paralelamente às isóbaras (isolinhas de pressão constante), com velocidade constante e em trajetórias retiĺıneas, como mostradas na Fig. 3. Como a força de Coriolis desvia as trajetórias de ar para a direita no Hemisfério Norte e para a esquerda no He- misfério Sul, o vento em equiĺıbrio resultante, para uma mesma distribuição de pressão, possui sentidos opostos em cada hemisfério. Esse movimento não-acelerado e retiĺıneo das parcelas de ar possui intensidade propor- cional à intensidade dos gradientes de pressão, e é de- nominado vento geostrófico. Figura 3 - O vento geostrófico é resultado do equiĺıbrio entre a força de Coriolis (FCO) e a força do gradiente de pressão at- mosférica (FP ) em ńıveis atmosféricos elevados. Vale enfatizar que o vento geostrófico é um mo- delo idealizado que apenas aproxima o comportamento verdadeiro do escoamento de ar em altos ńıveis (onde as forças de atrito não são significativas) em latitudes médias e altas (uma vez que nas proximidades do Equa- dor a força de Coriolis é praticamente nula). Contudo, na linguagem técnica da energia eólica, o vento acima de 1304-6 Martins et al. alguns poucos quilômetros da superf́ıcie, que não sofre influência do atrito da superf́ıcie, é comumente referido como sendo vento geostrófico. Apesar de que na atmosfera real os ventos nunca serem puramente geostróficos, o vento geostrófico idea- lizado fornece uma aproximação útil dos ventos reais em altos ńıveis. Os maiores desvios do vento em relação ao vento geostrófico ocorrem quando as massas de ar per- correm trajetórias de grande curvatura. Ao observar-se um mapa meteorológico de pressão num ńıvel vertical fixo, verifica-se que geralmente as isóbaras não são re- tas, mas formam curvas e ocasionalmente se conectam formando células aproximadamente circulares de alta ou baixa pressão. Nestes locais, o vento geostrófico é modificado, passando a ser denominado vento gra- diente. O vento gradiente também é paralelo às isóbaras curviĺıneas, à custa de um desequiĺıbrio entre as forças de Coriolis e do gradiente de pressão, que resulta em uma aceleração centŕıpeta, responsável pela curvatura das parcelas de ar em torno das células de alta e baixa pressão. Isso é exemplificado na Fig. 4 para o He- misfério Sul, onde o vento escoa no sentido horário em torno das baixas pressões e em sentido anti-horário em torno das altas pressões (o oposto ocorre no Hemisfério Norte). As baixas pressões são comumente denomina- das ciclones, enquanto altas pressões são denominadas anticiclones. Figura 4 - Vento gradiente no Hemisfério Sul em torno de cen- tros de baixa pressão (B) e de alta pressão (A). FCO É a força Coriolis e FP a força do gradiente de pressão. 3.3. Vento nas proximidades da superf́ıcie Nos ńıveis atmosféricos mais baixos, as aproximações de vento geostrófico e de vento gradiente não podem mais ser aplicadas, devido a modificações no equiĺıbrio de forças promovidas pelo atrito oferecido pela superf́ıcie. O relevo e a presença de obstáculos moldam o esco- amento do ar sobre a superf́ıcie terrestre, bem como geram turbulências no fluxo. A rugosidade da superf́ıcie é a propriedade f́ısica que descreve a ação da superf́ıcie terrestre na redução do momento e na absorção do im- pacto dos ventos. Define-se a camada limite atmosférica como a região compreendida entre a superf́ıcie e uma altura variável entre 100 e 3000 m de altura e que apre- senta um comportamento diferente do restante da at- mosfera devido às interações superf́ıcie-atmosfera [17]. A influência da superf́ıcie é especialmente dominante numa camada chamada camada superficial, compreen- dendo os primeiros 50-100 m da atmosfera [18], onde ocorrem os intercâmbios de momento, calor e umidade entre a superf́ıcie e o ar atmosférico. A rugosidade da superf́ıcie ocasiona a redução da velocidade do ar e, portanto, da intensidade da força de Coriolis, já que esta é proporcional ao módulo da velocidade. Conseqüentemente, o vento deixa de es- coar paralelamente às isóbaras, como descrito anterior- mente para o escoamento em altos ńıveis. Nas proximi- dades da superf́ıcie, o vento apresenta uma componente no sentido da força do gradiente de pressão. Dessa forma, o escoamento ciclônico converge em direção à baixa pressão, enquanto nos anticiclones o ar diverge, afastando-se do centro de alta pressão (Fig. 5). A con- vergência de ar provoca movimentos ascendentes sobre os centros de baixa pressão, ocasionando instabilidades e possibilitando formação de nuvens e chuva. Nos cen- tros de alta pressão ocorrem movimentos descendentes de ar, e normalmente o tempo é bom e estável.  Figura 5 - Circulação atmosférica nas proximidades de centros de baixa pressão (B) e alta pressão (A) no Hemisfério Sul sob a influência do atrito da superf́ıcie.  Além do comportamento turbulento devido às in- terações superf́ıcie-atmosfera, outro aspecto importante a ser considerado é o cisalhamento do vento. A velo- cidade do vento é nula a alturas próximas à superf́ıcie e aproximadamente geostrófica na atmosfera livre. Na camada superficial observa-se um perfil vertical apro- O aproveitamento da energia eólica 1304-7 ximadamente logaŕıtmico do módulo da velocidade do vento, como apresentado graficamente na Fig. 6. Prandtl desenvolveu a seguinte expressão lo- gaŕıtmica emṕırica para a variação da velocidade do vento na vertical em uma camada limite turbulenta [12] v(z) = v∗ κ ln ( z z0 ) , (14) onde a variação da velocidade com a altura vertical z, é dada em função da velocidade de fricção (v∗), da constante de von Karmán (κ), e do comprimento de rugosidade (z0). O comprimento de rugosidade corres- ponde à altura em que o vento, próximo à superf́ıcie, assume valor zero, e depende do relevo e obstáculos da superf́ıcie. Contudo, o perfil real de velocidades na ver- tical depende também da estratificação de temperatura e pressão na atmosfera. Figura 6 - Perfil vertical da velocidade do vento desde a superf́ıcie até a altura do vento geostrófico. O comprimento da rugosidade (z0) é a altura onde a velocidade é nula. 3.4. Circulação Geral da Atmosfera e ventos predominantes Os movimentos atmosféricos e os sistemas meteo- rológicos aos quais estão relacionados possuem diferen- tes padrões de circulação, com diferentes dimensões es- paciais e tempos de vida, de maneira que o seu estudo, na Meteorologia, é realizado através da subdivisão em escalas. Segundo Lutgens e Tarbuck [20], os movimen- tos atmosféricos são enquadrados nas seguintes escalas de tempo e espaço: • Microescala: dimensões de menos de 1 km e tem- pos de vida de segundos a minutos; • Mesoescala: dimensões de 1 a 100 km e tempos de vida de minutos a dias; • Escala sinótica: dimensões de 100-5000 km e tem- pos de vida de dias a semana; • Escala planetária: dimensões de 1000-40000 km e duração de semanas a anos. Os movimentos de escala planetária são primariamente causados pelo aquecimento diferencial da superf́ıcie ter- restre, em que a irradiação solar incide com maior in- tensidade nas regiões próximas ao Equador. Os movi- mentos que surgem a partir de então agem para pro- mover uma redistribuição de calor (transporte de ar quente para os pólos e ar frio para o Equador, dimi- nuindo as desigualdades térmicas). Além disso, deve- se ter em mente, que devido ao movimento de rotação da Terra, a circulação atmosférica planetária é influ- enciada pela conservação do momento do sistema Terra- Atmosfera. A Fig. 7 apresenta um modelo conceitual de circulação atmosférica planetária chamado de mo- delo de três células. Neste modelo, a circulação em cada hemisfério é descrita por três células meridionais de cir- culação, cada qual apresentando direções de vento pre- dominantes à superf́ıcie. Apesar de algumas limitações, este modelo é considerado o melhor modelo simples da circulação global atmosférica. Ao aquecer-se próximo à superf́ıcie, o ar das vi- zinhanças do Equador torna-se mais leve, ascende, resfria-se, e sua umidade condensa e precipita em forma de chuva. Chegando ao topo da troposfera terrestre, o ar, agora frio e seco, desloca-se na direção de ambos os pólos forçado pelas parcelas de ar que continuamente ascendem a partir da superf́ıcie. Nas latitudes entre 20◦ e 35◦ Norte e Sul, o ar descende até a superf́ıcie e parte do ar descendente dirige-se para o Equador em baixos ńıveis, fechando, assim, células de circulação chamadas células de Hadley. Nas células de Hadley, as correntes de ar dirigidas para o Equador na superf́ıcie, são defleti- das pela força de Coriolis. Assim, os ventos resultantes possuem uma componente de leste para oeste e uma componente dos trópicos para o Equador. Esses ven- tos predominantes em baixos ńıveis, na região tropical, são chamados de aĺıseos. Nas regiões extra-tropicais, entre 30 e 60◦ de latitude, a circulação atmosférica re- sulta em outra célula meridional de circulação em cada hemisfério: a célula de Ferrel. Nesta célula, parte do ar descendente entre 20◦ e 35◦ de latitude escoa em direção aos pólos nas proximidades da superf́ıcie, até ser forçado a subir ao encontrar o ar mais frio e denso da região polar. Essa ascensão ocorre em torno de 60◦ de latitude, acompanhada de condensação de umidade, precipitação e divergência do ar em altos ńıveis. Os ventos próximos à superf́ıcie são predominantemente de oeste para leste em conseqüência da ação da força de Coriolis. Existem ainda as células polares, em que par- celas do ar, após ascender nas latitudes próximas a 60◦, deslocam-se para os pólos, descendem exatamente so- bre eles e retornam em direção ao Equador, sendo que o vento em superf́ıcie, defletido pela força de Coriolis, é aproximadamente de leste para oeste. Este vento po- lar, frio e seco, eventualmente encontra os ventos de oeste mais quentes das latitudes médias, constituindo uma região chamada frente polar, onde em geral ocor- rem tempestades. 1304-10 Martins et al. mento e de transmissão de dados; e à representatividade espacial, temporal e climática dos dados. 5.3. Base de dados em escala global Dados climáticos em escala global são gerados em pro- jetos de re-análise de dados meteorológicos. Essas ba- ses de dados contemplam um conjunto homogêneo de dados de vento para o intervalo de uma década ou mais e são preparadas com o uso de modelos numéricos de previsão do tempo alimentados com dados coleta- dos em estações sinóticas, bóias oceânicas, radiosondas, satélites, embarcações, etc. Os dados meteorológicos assimilados nos modelos passam por um ŕıgido controle de qualidade e são manipulados para alimentar cada um dos pontos de grade do modelo numérico. As ba- ses dados de re-análise permitem uma visão geral da climatologia global dos ventos e podem ser utilizados como estimativas para regiões onde a quantidade de dados coletados em superf́ıcie é muito pequena. Ou- tro aspecto importante é que as bases de dados de re- análise não apresentam falhas, isto é, os dados de vento estão dispońıveis em todo o peŕıodo de tempo englo- bado pelo projeto. No entanto, a sua principal des- vantagem é a baixa resolução espacial uma vez que a malha da grade apresenta dimensões grandes para re- duzir a demanda computacional dos modelos que ro- dam em escala global. Projetos de re-análise são de- senvolvidos pelo National Centers for Environmental Prediction e National Center for Atmospheric Research (www.cdc.noaa.gov/cdc/reanalysis/) e pelo Euro- pean Centre for Medium Range Weather Forecasting (www.ecmwf.int/research/era/). 5.4. Modelagem e previsão numérica do vento A modelagem atmosférica e a previsão do vento aplica- das ao setor energético possuem dois enfoques princi- pais: a estimativa dos ventos médios levando em conta dados climatológicos; e a previsão de vento para instan- tes futuros em curto e médio prazos. O primeiro enfo- que tem como finalidade a seleção de locais que apre- sentam melhores condições de suportar geração eólica e prover os dados necessários para avaliar a viabilidade econômica e estabelecer os parâmetros a serem adota- dos no desenvolvimento de projetos de unidades gera- doras e fazendas eólicas. As previsões de curto e médio prazo visam facilitar o planejamento da operação de fazendas eólicas e unida- des geradoras. As estimativas de curto prazo são parti- cularmente úteis na identificação de peŕıodos de maior ocorrência de vento, bem como a ocorrência de ven- tos nocivos ao sistema. A previsão de vento em médio prazo também é útil no gerenciamento dos recursos de energia elétrica, visando suprir as deficiências na oferta de geração eólica por energia elétrica proveniente de ou- tras fontes. A confiabilidade destas bases de dados está sujeita a procedimentos de validação quando as estima- tivas fornecidas pelos modelos devem ser comparadas com medidas locais e dados coletados em uma rede de estações de superf́ıcie. 5.4.1. Modelagem do vento para o setor de energia eólica A previsão de vento para fins de geração eólica para qualquer localidade pode ser realizada com o uso de dados disponibilizados por modelos numéricos regio- nais ou globais. Os modelos simulam o escoamento atmosférico em vários ńıveis verticais, representando razoavelmente bem a circulação geral da atmosfera e fenômenos de escala sinótica. Modelos numéricos de mesoescala são largamente utilizados para modelagem regional das condições meteorológicas em áreas limi- tadas, abrangendo desde centenas de quilômetros até continentes inteiros [22, 23]. Por motivos relaciona- dos com a limitação de recursos computacionais para produção de previsões em tempo hábil para os usuários, as variáveis meteorológicas são previstas para pontos re- presentativos de uma área chamados pontos de grade. As informações de superf́ıcie e relevo empregadas para cada ponto de grade apresentam baixa resolução espa- cial, da ordem de dezenas de quilômetros. A ausência de informações refinadas da rugosidade, obstáculos e de- talhamento do relevo local acarretam erros intŕınsecos na estimativa do vento na altura de geradores eólicos, não atendendo plenamente o setor de geração eólica de energia. Um aumento da confiabilidade das estimativas pode ser conseguido por meio de um refinamento, ou downs- caling (do inglês), que pode ser baseado em um método f́ısico ou um método estat́ıstico. No refinamento estat́ıstico as informações de previsão, dispostas em pontos de grade vizinhos à localidade, são utilizadas em equações emṕıricas ajustadas com base num conjunto de medidas locais de vento, fazendo-se uso de métodos estat́ısticos avançados [24-27]. No refinamento f́ısico, o vento geostrófico fornecido pelos modelos numéricos alimenta um modelo dinâmico com maior resolução espacial para simulação de esco- amento sobre relevo complexo e que leva em conta as relações f́ısicas de camada limite para ajuste do perfil de vento, e as condições fisiográficas locais. O refinamento f́ısico pode também ser realizado através de modelos meteorológicos configurados para resoluções maiores do que aquelas utilizadas opera- cionalmente na previsão de tempo [11, 28]. Embora exijam recursos e tempo computacional maiores, es- tes modelos utilizam o conjunto completo de equações dinâmicas (equação de momento, continuidade e ener- gia termodinâmica) descritas nos tópicos anteriores e possuem parametrizações que permitem a simulação de vários processos f́ısicos, que influem nos movimentos atmosféricos. O aproveitamento da energia eólica 1304-11 6. Resultados e produtos de pesquisas desenvolvidas no Brasil No Brasil, o CPTEC/INPE opera e gerencia uma rede de coleta de dados de vento e dados ambientais voltada para atender a demanda por informações do setor energético – Rede SONDA. O objetivo princi- pal da rede SONDA e disponibilizar informações que permitam o aperfeiçoamento e validação de modelos numéricos para estimativa de potencial energético de fontes renováveis. A Fig. 9 apresenta a localização das estações de coleta de dados eólicos com anemômetros e termômetros instalados a 25 m e 50 m do solo. Maio- res detalhes sobre a Rede SONDA, bem como acesso livre a toda a base de dados coletados podem ser obti- dos em www.cptec.inpe.br/sonda. O CPTEC/INPE também disponibiliza acesso à base de dados coletados em estações automáticas (não direcionados especifica- mente ao setor de energia). Figura 9 - Mapa de localização das estações da Rede SONDA. Além das Torres Eólicas, as Estações de Referência possuem sen- sores para coleta de dados eólicos. Outro importante resultado de trabalho desenvol- vido por pesquisadores brasileiro é o Atlas do Poten- cial Eólico Brasileiro [11]. As informações do vento geostrófico contidas nesta base de dados foram gera- das a partir da simulação da circulação atmosférica de grande escala por um modelo de mesoescala chamado MASS (Mesoscale Atmospheric Simulation System). A partir desses dados de vento geostrófico, foi empregado o refinamento f́ısico com o código WindMap para esti- mar os dados de vento na altura t́ıpica dos aerogera- dores (50 m). A Fig. 10 apresenta o mapeamento da média anual do fluxo de potência eólica e da velocidade do vento. Os valores apresentados neste mapeamento foram validados utilizando dados de vento coletados na superf́ıcie e o desvio-padrão observado para a diferença entre a velocidade estimada e a velocidade medida foi da ordem de 7,5%. Segundo o Atlas do Potencial Eólico Brasileiro, mais de 71.000 km2 do território nacional possui velocidades de vento superior a 7 m/s ao ńıvel de 50 m, o que propicia um potencial eólico da ordem de 272 TWh/ano de energia elétrica. Essa é uma cifra ba- stante significativa considerando que o consumo nacio- nal de energia elétrica é de 424 TWh/ano. A maior parte desse potencial está na costa dos estados nordes- tinos, como conseqüência dos ventos aĺısios. Figura 10 - Mapeamento dos recursos eólicos no território brasi- leiro apresentado no Atlas do Potencial Eólico Brasileiro [11]. O levantamento dos recursos de energia eólica no Brasil foi uma das metas do projeto SWERA (So- lar and Wind Energy Resources Assessment) desenvol- vido sob a coordenação da Divisão de Clima e Meio Ambiente do Centro de Previsão do Tempo e Estu- dos Climáticos (DMA/CPTEC) e financiamento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). A metodologia empregada no mapeamento dos recursos eólicos adotou o modelo numérico Eta uti- lizado rotineiramente para a previsão de tempo e estu- dos climáticos pelo CPTEC/INPE [28]. O modelo foi alimentado com dados de topografia e de cobertura do solo com resolução de 1 km e a base de dados de re-análises do NCEP/NCAR foi utilizada para prover as informações nas fronteiras das regiões estabelecidas para o mapeamento. Os resultados obtidos foram com- parados e validados com dados de vento coletados em aeroportos brasileiros, e em estações meteorológicas au- tomáticas e torres eólicas da rede SONDA. A Fig. 11 mostra os valores médios anuais para a velocidade do vento obtidos para as regiões Nordeste e Sul. O mapeamento produzido com o modelo Eta apre- senta boa concordância com os resultados apresentados no Atlas Eólico Brasileiro [11], sendo que as maiores discrepâncias são observadas ao sul do estado da Ba- hia e na divisa entre Bahia e Piaúı. No entanto, de- 1304-12 Martins et al. vido à escassez de dados de campo nas regiões de maior discrepância entre as duas metodologias, ainda não se pode afirmar qual apresenta a maior confiabilidade. In- formações mais detalhadas sobre o mapeamento dos re- cursos eólicos no Brasil realizadas durante o projeto SWERA estão apresentadas por Pereira [28] ou podem ser acessadas no portal http://swera.unep.net/swera/ e no website da rede SONDA (www.cptec.inpe.br/ sonda).  Figura 11 - Mapeamento dos recursos eólicos nas regiões Nordeste e Sul do Brasil obtido no CPTEC/INPE com o emprego do modelo Eta [28].  7. Considerações finais Este artigo tem como objetivo atender uma demanda de informações da comunidade acadêmica e do público em geral sobre o aproveitamento da energia eólica cons- tatada por meio dos inúmeros contatos recebidos pela Divisão de Clima e Meio Ambiente (DMA) do CP- TEC/INPE após o ińıcio do projeto SWERA (Solar and Wind Energy Resource Assessment). A preocupação ambiental e a necessidade de otimização de custos e aumento da segurança energética de muitas áreas de atividade econômica são responsáveis pelo crescimento do interesse pela compreensão dos aspectos técnicos e cient́ıficos associados com o aproveitamento das fontes renováveis de energia. O CPTEC/INPE vem desenvolvendo, com apoio de instituições de nacionais e internacionais, diversos pro- jetos com o intuito de atender essa demanda de in- formações técnico-cient́ıficas confiáveis por meio do de- senvolvimento de metodologias para levantamento de recursos energéticos com o uso de dados obtidos por meio de sensoriamento remoto (satélites e estações de superf́ıcie) e modelos numéricos. Os projetos SWERA e a rede SONDA são exemplos dessa atuação e toda a base de dados gerada está dispońıvel para acesso gra- tuito no śıtio www.cptec.inpe.br. Essas bases de da- dos são extremamente úteis para a definição de poĺıticas energéticas e para o desenvolvimento de projetos de aproveitamento de recursos energéticos. Os resulta- dos obtidos até o momento demonstram o potencial do páıs tanto com relação à disponibilidade de recursos re- nováveis quanto à capacidade de recursos humanos qua- lificados para o desenvolvimento e a continuidade das atividades de pesquisa nessa área. No entanto, ainda existe a necessidade de implementação de coleta sis- temática de dados de vento na região Sul e em áreas de região Nordeste, (como por exemplo, ao sul da Bahia) com o intuito de permitir um aperfeiçoamento maior dos modelos numéricos utilizados no mapeamento dos recursos eólicos e uma avaliação mais adequada da con- fiabilidade das informações por eles fornecidas.
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