Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Álgebra Abstrata 2, Notas de estudo de Matemática

Português

Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010

Compartilhado em 23/02/2008

Birinha90
Birinha90 🇧🇷

4.6

(200)

299 documentos

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Álgebra Abstrata 2 e outras Notas de estudo em PDF para Matemática, somente na Docsity! CURSO DE ÁLGEBRA VOLUME II (Versão Preliminar) Abramo Hefez 12 de novembro de 2002 2 SUMÁRIO 5 NOTAÇÕES Anel = Anel comutativo com unidade N = {1, 2, 3, . . .} = Conjunto dos números naturais Z = {. . . ,−2,−1, 0, 1, 2, . . .} = Anel dos números inteiros Z+ = {0, 1, 2, 3, . . .} = Subconjunto dos números inteiros não negativos Q = Corpo dos números racionais R = Corpo dos números reais C = Corpo dos números complexos Y X = Conjunto da funções de X em Y A∗ = Conjunto dos elementos invert́ıveis do anel A Kern ϕ = nùcleo do homomorfismo ϕ 6 SUMÁRIO Caṕıtulo 1 POLINÔMIOS Neste Caṕıtulo iniciaremos o estudo das propriedades algébricas básicas dos polinômios com coeficientes num anel comutativo com unidade. Nas disciplinas de Cálculo os polinômios são vistos como funções particu- lares de variável real e como tal são estudados. A necessidade de se distinguir os polinômios das funções polinomiais surge pela consideração de polinômios com coeficientes em corpos finitos, de uso cada vez mais freqüente por causa de suas inúmeras aplicações práticas. Muito do estudo das propriedades dos polinômios em uma indeterminada está relacionado com o desenvolvimento da Teoria das Equações Algébricas à qual estão associados os nomes de Tartaglia, Lagrange, Ruffini, Gauss, Abel, culminando com as contribuições fundamentais de Abel e Galois. As propriedades dos polinômios em várias indeterminadas foram pesqui- sadas inicialmente por suas conexões com a Geometria Anaĺıtica, evoluindo no que hoje se chama Geometria Algébrica. Atualmente os polinômios desempenham papel relevante em muitas par- tes da Matemática. 1.1 Séries de Potências e Polinômios Seja A um anel, considerado, uma vez por todas, comutativo com unidade, e seja X uma indeterminada sobre A. Uma série de potências f(X) com coeficientes em A é uma soma formal infinita do tipo: f(X) = ∞∑ i=0 aiX i = a0X 0 + a1X 1 + a2X 2 + · · · 7 10 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS PROPOSIÇÃO 1.2. A[X] é um subanel de A[[X]]. DEMONSTRAÇÃO: Basta, de acordo com I-7, Proposição 1, mostrar que 1 ∈ A[X], o que é óbvio; e que se p(X)q(X) ∈ A[X], então p(X) − q(X) ∈ A[X] e p(X) · q(X) ∈ A[X]. De fato, se p(X) = ∑n i=0 aiX i e q(X) = ∑n i=0 biX i, então p(X)− q(X) = max{n,m}∑ i=0 (ai − bi)X i ∈ A[X] e p(X) · q(X) = n+m∑ j=0 cjX j ∈ A[X] onde cj = ∑ i+k=j ai · bk. Dado um polinômio p(X) = a0 + a1X + · · ·anXn ∈ A[X]−{0}, define-se grau de p(X) como sendo o inteiro gr(p(X)) = max{i ∈ Z+; ai 6= 0}. Note que o polinômio nulo é o único polinômio que não possui grau e que gr(p(X)) > 0 se, e somente se, p(X) ∈ A[X]− A. O coeficiente do têrmo de grau igual ao gr(p(X)) é chamado de coeficiente ĺıder de p(X). Um polinômio cujo coeficiente ĺıder é igual a 1 é chamado de polinômio mônico. Um polinômio nulo ou de grau zero será chamado de polinômio constante. Vejamos agora como a hipótese sobre A de ser domı́nio se reflete sobre A[X]. PROPOSIÇÃO 1.3. Seja A um domı́nio. Se p(X), q(X) ∈ A[X] − {0}, então p(X) · q(X) 6= 0 e gr(p(X) · q(X)) = gr(p(X)) + gr(q(X)). DEMONSTRAÇÃO: Considere os polinômios p(X), q(X) ∈ A[X] dados por p(X) = a0 + a1X + · · ·+ anXn e q(X) = b0 + b1X + · · ·+ bmXm onde an 6= 0 e bm 6= 0. Então, p(X) · q(X) = a0 · b0 + (a0 · b1 + a1 · b0)X + · · ·+ an · bmXn+m. Como A é domı́nio, segue que an · bm 6= 0, logo p(X) · q(X) 6= 0 e gr(p(X) · q(X)) = n+m = gr(p(X) + q(X)). 1.1. SÉRIES DE POTÊNCIAS E POLINÔMIOS 11 COROLÁRIO 1.1. Se A é um domı́nio, então A[X] é domı́nio. Em particular, se K é um corpo então K[X] é um domı́nio. COROLÁRIO 1.2. Seja A um domı́nio. Se p(X), q(X) ∈ A[X]− {0} são tais que t(X) divide p(X), então gr(t(X)) ≤ gr(p(X)). DEMONSTRAÇÃO: Existe por hipótese, um polinômio não nulo q(X) em A[X] tal que t(X) · q(X) = p(X) . Logo pela Proposição 3, segue que gr(p(X))− gr(t(X)) = gr(q(X)) ≥ 0 . Dáı segue a desigualdade desejada. COROLÁRIO 1.3. Seja A um domı́nio. Um elemento p(X) ∈ A[X] é invert́ıvel se, e somente se, p(X) ∈ A e é invert́ıvel em A. Em śımbolos, (A[X])∗ = A∗. DEMONSTRAÇÃO: Se p(X) ∈ A[X] é invert́ıvel, então p(X) 6= 0 e existe q(X) ∈ A[X]−{0} tal que p(X) · q(X) = 1. Tomando graus e usando a Proposição 3 temos que gr(p(X)) + gr(q(X)) = 0 . Logo gr(p(X)) = gr(q(X)) = 0 e, portanto p(X), q(X) ∈ A e p(X) é invert́ıvel em A. A rećıproca é imediata. Um fato que merece ser evidenciado é a diferençaa existente entre po- linômios e funções polinomiais, dois conceitos que freqüentemente são inde- vidamente confundidos. A um polinômio p(X) ∈ A[X] associa-se uma função p ∈ AA chamada funçao polinomial, definida por p : A −→ A a 7−→ p(a) = a0 + a1 · a + · · ·+ an · an. O elemento p(a) de A é chamado de valor de p(X) em a. É evidente que a dois polinômios iguais são associadas duas funções polinomiais iguais. Em contrapartida, dois polinômios distintos podem dar origem a duas funçoes po- linomiais iguais. Por exemplo, p(X) = X2−X e q(X) = 0, como polinômios de Z2[X] são distintos, porém, as funções polinomiais a eles associadas são iguais. Mais geralmente, se p é um número primo positivo, decorre do Pe- queno Teorema de Fermat (I-6, Problema 1.10) que os polinômios Xp − X 12 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS e 0̄ de Zp[X] determinam a mesma função polinomial. Veremos na próxima seção 2, Corolário 4 do Teorema 1, que se A é infinito tal fato não ocorre. Uma técnica muito útil ao lidarmos com polinômios é o chamado método dos coeficientes a determinar que utiliza basicamente as definições da igual- dade e das operações no anel de polinômios. Ilustraremos o método com alguns exemplos. EXEMPLO 1 : Mostraremos neste exemplo que X4 + 4 pode ser escrito como produto do dois polinômios de segundo grau com coeficientes inteiros. De fato, escreva, X4 + 4 = (aX2 + bX + c) · (a′X2 + b′X + c′). Efetuando o produto, tem-se que X4+4 = a·a′X4+(a·b′+a′ ·b)X3+(a·c′+b·b′+c·a′)X2+(b·c′+c·b′)X+c·c′. Pela igualdade de polinômios acima, obtém-se o sistema de equações:    a · a′ = 1 a · b′ + a′ · b = 0 a · c′ + b · b′ + c · a′ = 0 b · c′ + c ·+c · b′ = 0 c · c′ = 4 Procuremos as soluções inteiras deste sistema de equações. Da primeira equação, obtém-se que a = a′ = ±1. Da segunda, segue que b + b′ e da quarta, b · (c′ − c) = 0, logo b = 0 ou c = c′. Caso 1: b = 0. Da terceira equação tem-se que c+ c′ = 0, donde c′ = −c. Substituindo na quinta equação tem-se c2 = −4, o que é imposśıvel. Caso 2: c = c′. Da quinta equação tem-se que c = c′ = ±2. Da segunda, segue que b+ b′ = 0, logo da terceira obtém-se b · b′ = −2a · c = −4 . Donde b = −b′ = ±2. Testando os valores obtidos temos que X4 +4 = (X2−2X+2) · (X2 +2X+2) = (−X2 +2X−2) · (−X2−2X−2). EXEMPLO 2 : Determinaremos a e b em Z7 de modo que X 4 + 4̄X3 + aX2 − 4̄X + b ∈ Z7[X] seja o quadrado de um polinômio de Z7[X] . Da igualdade, X4 + 4̄X3 + aX2 − 4̄X + b = (X2 + cX + d)2 = X4 + 2̄cX3 + (2̄d+ c2)X2 + 2̄cdX + d2 1.2. DIVISÃO DE POLINÔMIOS 15 (b) Mostre que K[[X ]] é um domı́nio principal. Conclua que K[[X ]] é um domı́nio de fatoração única (DFU). Sugestão: Veja I-Teorema 2, Caṕıtulo 4. (c) Descreva o corpo de frações de K[[X ]]. 11. Sejam fi(X) ∈ A[[X ]], i ∈ Z+, tais que ord(fi(X)) ≥ i. Mostre que ∑ ∞ i=0 fiX i é bem definido como elemento de A[[X ]]. Mostre que se f(X), g(X) ∈ A[[X ]] com f(X) = ∑ ∞ i=0 aiX i, então ∞∑ i=0 aiX i · g(X) = f(X) · g(X). 12. Suponha que B seja um subanel de A. Mostre que B[[X ]] e B[X ] são respectiva- mente subaneis de A[[X ]] e de A[X ]. 1.2 Divisão de Polinômios Mostraremos nesta seção que sob certas condições, à semelhança dos in- teiros, é posśıvel efetuar a divisão com resto ”pequeno”de um polinômio por outro. TEOREMA 1.1. (ALGORÍTMO DA DIVISÃO) Seja A um anel e sejam p(X) e t(X) polinômios em A[X]. Se t(X) 6= 0 possui coeficiente ĺıder invert́ıvel, então existem q(X) e r(X) em A[X] tais que p(X) = t(X) · q(X) + r(X), com r(X) = 0 ou gr(r(X)) < gr(t(X)). Além disso, q(X) e r(X) são univocamente determinados por estas condições. DEMONSTRAÇÃO : Sejam p(X) = a0 + a1X + · · ·+ anXn e t(X) = b0 + b1X + · · ·+ bmXm, com an 6= 0 e bm invert́ıvel. Existência: Se p(X) = 0 ou n < m, faça q(X) = 0 e r(X) = p(X). Suponha agora p(X) 6= 0 e n ≥ m. Tomando q1(X) = b−1m anXn−m ∈ A[X] tem-se que p(X)− q1(X) · t(X) = r1(X), (1.1) 16 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS com r1(X) = 0 ou gr(r1(X)) < gr(p(X)). Se r1(X) = 0 ou se gr(r1(X)) < gr(t(X)), o problema fica resolvido tomando r(X) = r1(X) e q(X) = b −1 m anX n−m . Se gr(r1(X)) ≥ gr(t(X)), repete-se o procedimento acima com r1(X) no lugar de p(X), obtendo r1(X)− q2(X) · t(X) = r2(X), (1.2) com r2(X) = 0 ou gr(r2(X)) < gr(r1(X)). Se r2(X) = 0 ou se gr(r2(X)) < gr(t(X)), o problema fica resolvido pois p(X) = (q1(X) + q2(X)) · t(X) + r2(X). Se gr(r2(X)) ≥ gr(t(X)), repete-se o procedimento acima com r2(X) no lugar de r1(X), obtendo r2(X)− q3(X) · t(X) = r3(X), (1.3) com r3(X) = 0 ou gr(r3(X)) < gr(r2(X)). E assim sucessivamente, obtendo r1(X), r2(X), r3(X), . . . tais que gr(r1(X)) > gr(r2(X)) > gr(r3(X)) > · · · Segue então que para certo s ∈ N, tem-se rs(X) = 0 ou gr(rs(X)) < gr(t(X)). Levando em conta (1), (2), (3), . . . temos que p(X) = (q1(X) + q2(X) + · · ·+ qs(X)) · t(X) + rs(X) bastando então tomar q(X) = q1(X))+q2(X)+ · · ·+qs(X)) e r(X) = rs(X). Unicidade: Suponha que t(X) · q(X) + r(X) = t(X) · q1(X) + r1(X) com r(X) = 0 ou gr(r(X)) < gr(t(X)) e r1(X) = 0 ou gr(r1(X)) < gr(t(X)). Da igualdade acima, obtemos que t(X)[q(X)− q1(X)] = r1(X)− r(X) (1.4) Pelas condições impostas a r(X) e r1(X) temos que r1(X)− r(X) = 0 ou gr(r1(X)) < gr(t(X)). 1.2. DIVISÃO DE POLINÔMIOS 17 Se r1(X)− r(X) 6= 0, segue de (1.4) e do Problema 1.1 (b) que gr(r1(X)− r(X)) ≥ gr(t(X)), o que é uma contradição. Portanto r1(X) = r(X) e conseqüentemente de (1.4) temos que q1(X) = q(X). OBSERVAÇÃO 1: Seguindo os passos da demonstração do Teorema, obtemos o algoritmo da divisão longa de dois polinômios: anX n + an−1X n−1 + · · · · · · · · ·+ a0 bmXm + · · ·+ b0 −anXn − b−1m bm−1anXn−1 − · · · − b−1m b0anXn−m b−1m anXn−m + · · · r1(X) ... OBSERVAÇÃO 2: Se A é um corpo então é sempre posśıvel efetuar a divisão por qualquer polinômio t(X) 6= 0. OBSERVAÇÃO 3: Suponha que p(X), t(X) ∈ B[X] onde B é um su- banel de A e o coeficiente ĺıder de t(X) é invert́ıvel em B. Então q(X) e r(X) calculados pelo algoritmo da divisão em A[X] terão necessàriamente coeficientes em B. OBSERVAÇÃO 4: Os polinômios p(X), t(X), q(X) e r(X) no algoritmo da divisão são chamados respectivamente de dividendo, divisor, quociente e resto. EXEMPLO 1 : É posśıvel efetuar a divisão de 3X5 + 2X3 +X2− 5X + 7 por 2X3 + 3X + 1 em Q[X] mas não é posśıvel fazê-lo em Z[X] . 20 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS Usando o exerćıcio 1.4 é fácil verificar que ϕ é um homomorfismo de anéis. O Corolário 4 mostra que se A é um domı́nio infinito, então N(ϕ) = {0}. DEFINIÇÃO 1.2. Dizemos que um corpo K é algebricamente fechado se todo polinômio não constante de K[X] tem pelo menos uma raiz em K. COROLÁRIO 1.8. Seja K um corpo algebricamente fechado e seja ainda p(X) ∈ K[X] um polinômio não constante. Se gr(p(X)) = n, então existem elementos α1, α2, . . . , αn ∈ K e a ∈ K tais que p(X) = a · (X − α1) · (X − α2) · · · (X − αn) DEMONSTRAÇÃO : A prova pode ser feita por indução sobre n e a dei- xamos a cargo do leitor. PROPOSIÇÃO 1.4. Se K é um corpo algebricamente fechado, então K é infinito. DEMONSTRAÇÃO : Suponha por absurdo que K seja finito, digamos que K = {a0, a1, . . . , an−1} onde a0 = 0 e a1 = 1. Considere o polinômio p(X) = (X − a0) · (X − a1) · · · · · · · (X − an−1) + a1. Verifica-se diretamente que p(X) não tem ráızes em K o que é uma con- tradição, pois p(X) é não constante e K é algebricamente fechado. Nem todo corpo é algebricamente fechado, por exemplo, se p é um número primo positivo, o corpo Zp não é algebricamente fechado por ser finito. O corpo R , apesar de infinito, não é algebricamente fechado pois o polinômio não constante X2 + 1 ∈ R[X] não possui ráızes em R. O famoso Teorema Fundamental da Álgebra garante que C é algebrica- mente fechado. Este Teorema possui uma longa história e muitas demons- trações, nenhuma delas porém se faz com métodos puramente algébricos, devendo-se sempre usar métodos da análise. Vamos ao longo do texto admi- tir este resultado cuja demonstração encontra-se no Apêndice 1. 1.2. DIVISÃO DE POLINÔMIOS 21 EXEMPLO 3 : O polinômio p(X) = 2X4 − 7X3 − 2X2 + 13X + 6 é di- viśıvel pelo polinômio X2 − 5X + 6 em Z[X]. De fato, tem-se que X2−5X+6 = (X−2)·(X−3). Como p(2) = 0, temos que p(X) = (X − 2) · q(X) com q(X) ∈ Z[X]. Por outro lado, p(3) = 0, logo q(3) = 0 e portanto q(X) = (X − 3) · q1(X) com q1(X) ∈ Z[X]. Conclui-se que p(X) = (X − 2) · (X − 3) · q1(X). Pede-se ao leitor generalizar a argumentação acima mostrando que se A é um domı́nio, p(X) ∈ A[X] e α1, α2, . . . , αn são elementos distintos de A tais que p(αi) = 0, i = 1, 2, . . . , n, então (X − α1) · (X − α2) · · · · · (X − αn) divide p(X). EXEMPLO 4 : O polinômio p(X) = X3k+2+X3m+1+X3n com n,m, k ∈ N é diviśıvel por X2 +X + 1 em Z[X]. De fato, podemos escrever X2 + X + 1 = (X − w) · (X − w2) em C[X] onde w é uma raiz cúbica primitiva de 1. Temos também que p(w) = w3k+2 + w3m+1 + w3n = w2 + w + 1 = 0 e p(w2) = w6k+4 + w6m+2 + w6n = w + w2 + 1 = 0 Portanto pela argumentação acima, temos que (X2 +X+1) | p(X) em C[X], logo p(X) = (X2+X+1) ·q1(X) para algum q1(X) ∈ C[X]. Pela Observação 3 temos que q1(X) ∈ Z[X], provando assim a nossa afirmação. EXEMPLO 5 : Seja ξ = cos 2π n + i sen 2π n . Vamos provar a identidade 1 +X +X2 + · · ·+Xn−1 = (X − ξ) · (X − ξ2) · · · · · (X − ξn−1). De fato, sendo p(X) = 1+X+X2+· · ·+Xn−1 e ξ uma raiz n-ésima primitiva da unidade, temos que ξ, ξ2, . . . , ξn−1 são distintos e p(ξ) = p(ξ2) = · · · = p(ξn−1) = 0. Logo p(X) é diviśıvel por (X − ξ) · (X − ξ2) · · · · · (X − ξn−1). Por serem do mesmo grau p(X) e este último polinômio, segue que existe a ∈ C− {0} tal que p(X) = a · (X − ξ) · (X − ξ2) · · · · · (X − ξn−1). 22 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS Comparando os coeficientes dos termos de mais alto grau dos polinômios acima, conclui-se que a = 1, provando assim a identidade. PROPOSIÇÃO 1.5. (POLINÔMIO DE INTERPOLAÇÃO DE LAGRANGE). Seja K um corpo. Sejam ai, bi ∈ K, i = 1, 2, . . . , n, com os ai dois a dois distintos e os bi não todos nulos. Considere os polinômios pi(X) = bi (X − a1) · · · (X − ai−1) · (X − ai+1) · · · (X − an) (ai − a1) · · · (ai − ai−1) · (ai − ai+1) · · · (ai − an) , para i = 1, 2, . . . , n. Então o polinômio p(X) = n∑ i=1 pi(X) é o único polinômio de grau menor do que n tal que p(ai) = bi, para todos i = 1, 2, . . . , n. DEMONSTRAÇÃO : O polinômio p(X) é de grau menor do que n e é tal que p(ai) = bi, ∀ i = 1, 2, . . . , n, pois pi(aj) = { 0 se i 6= j bj se i = j Agora só falta provar a unicidade de p(X). Suponha que q(X) seja um polinômio que satisfaz as mesmas condições que p(X) satisfaz. Segue então que p(X) − q(X) é um polinômio de grau menor do que n com n ráızes a1, a2, . . . , an, logo, pelo Corolário 3 do Teorema 1, tem-se que p(X) = q(X). O polinômio p(X) acima é chamado Polinômio de Interpolação de La- grange e desempenha papel importante na apresentação de Galois da sua Teoria das Equações. PROBLEMAS 1.2. 1. Ache q(X) e r(X) nas seguintes situações: (a) p(X) = 3X2 + 5X + 7, t(X) = X3 + 7X2 + 9 em Z[X]. (b) p(X) = X4 +X3 +X2 +X + 1, t(X) = X4 −X3 +X2 −X + 1 em Z[X]. 1.3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES EM CORPOS 25 (a) Na igualdade acima, fazendo X = 1 e tomando os módulos em ambos os lados, mostre a seguinte identidade trigonométrica: sen π n · sen 2π n · · · · · sen (n− 1)π n = n 2n−1 Sugestão: Use a identidade sen θ = 1−cos 2θ 2 . (b) Se p > 2 é um número primo, mostre que (X − 1) · (X2 − 1) · · · · · (Xp−1 − 1)− p é diviśıvel por 1 +X + · · ·+Xp−1. 1.3 Polinômios com Coeficientes em Corpos No que segue estudaremos propriedades espećıficas do anel de polinômios com coeficientes num corpo K. Neste caso, o Teorema 1 nos garante que a divisão com resto pode ser efetuada, tendo como dividendo um polinômio qualquer e como divisor um polinômio não nulo arbitrário. Note também que, neste caso, de acordo com o Corolário 3 da Proposição 2, u(X) ∈ K[X] é invert́ıvel se, e somente se, u(X) ∈ K − {0}, ou seja gr(u(X)) = 0. Por- tanto, dois polinômios p(X) e q(X) são associados se, e somente se, existe c ∈ K − {0} = K∗ tal que q(X) = cp(X). Segue disto que todo polinômio não nulo de K[X] é associado a um único polinômio mônico. TEOREMA 1.2. Todo ideal I de K[X] é principal. Se I 6= 0 então I é gerado por qualquer um dos seus elementos de menor grau. DEMONSTRAÇÃO : Se I = {0}, nada temos a provar. Suponha que I 6= {0} e seja p(X) 6= 0 um polinômio em I de grau mı́nimo. Como p(X) ∈ I segue que I(p(X)) ⊂ I. Por outro lado, se g(X) ∈ I, pelo al- goritmo da divisão, existem polinômios q(X) e r(X) em K[X] com r(X) = 0 ou gr(r(X)) < gr(p(X)) tais que g(X) = p(X) · q(X) + r(X). Segue dáı que r(X) ∈ I e como p(X) tem grau mı́nimo em I, conclui-se que r(X) = 0 e portanto g(X) ∈ I(p(X)). Isto acaba de mostrar que I = I(p(X)). 26 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS O fato que K[X] é um anel principal tem vários corolários que passamos a enunciar. COROLÁRIO 1.9. Sejam dados os polinômios p1(X), . . . , ps(X) ∈ K[X]. Então existe um MDC destes elementos. Além disso, todo MDC deles é da forma p1(X) · q1(X) + · · ·+ ps(X) · qs(X) para elementos q1(X), . . . , qs(X) ∈ K[X]. DEMONSTRAÇÃO : Isto decorre do Teorema 2 e de I-4, Corolário 1 da Proposição 6. Como todo associado de um MDC de dados elementos é um MDC destes elementos (cf. I-4, Corolário da Proposição 4), segue que dados elementos p1(X), . . . , ps(X) ∈ K[X] não todos nulos, estes elementos possuem um único MDC mônico que será chamado de o MDC destes elementos e denotado por (p1(X), . . . , ps(X)). Do fato de K[X] ser principal segue também que existe MMC de ele- mentos quaisquer de K[X] (Veja I-4, Problema 2.8) COROLÁRIO 1.10. Os polinômios p1(X) e p2(X) em K[X] são primos entre si, se e somente se, existem q1(X), q2(X) ∈ K[X], tais que p1(X) · q1(X) + p2(X) · q2(X) = 1. DEMONSTRAÇÃO : Como p1(X) E p2(X) são primos entre si, se, e so- mente se, (p1(X), p2(X)) = 1, a relação entre p1(X), p2(X) e 1 segue do Corolário 1. COROLÁRIO 1.11. Em K[X] um elemento é primo se e somente se ele é irredut́ıvel. DEMONSTRAÇÃO : Isto decorre do Teorema 2 e de I-4, Proposições 8 e 9. COROLÁRIO 1.12. K[X] é um domı́nio de fatoração única. DEMONSTRAÇÃO : Isto decorre do Teorema 2 e de I-4, Teorema 2. 1.3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES EM CORPOS 27 COROLÁRIO 1.13. Todo elemento p(X) ∈ K[X]−K pode ser escrito de modo único, a menos da ordem dos fatores, sob a forma p(X) = c · (p1(X))α1 · · · (pr(X))αr onde c ∈ K − {0} e p1(X), . . . , pr(X) são polinômios mônicos irredut́ıveis distintos em K[X] e αi ∈ N, para i = 1, 2, . . . , r. Observe que o Corolário 5 não é construtivo, pois garante a existência da fatoração de um polinômio em polinômios irredut́ıveis sem entretanto indi- car como obtê-la. O problema de determinar algoŕıtmos rápidos para fatorar polinômios é importante e atual. Tal como no caso dos inteiros, pelo fato de existir em K[X] um algo- ritmo para efetuar divisões com resto pequeno, pode-se calcular efetivamente o MDC de dois polinômios usando o algoritmo de Euclides. EXEMPLO 1 : Determinaremos o MDC em Q[X] dos polinômios 2X5 + 2X4 +X3 − 2X2 −X − 4 e X3 − 2X2 +X − 2. Efetuando o algoritmo de Euclides, temos 2X5 + 2X4 +X3 − 2X2 −X − 4 = = (X3 − 2X2 +X − 2) · (2X2 + 6X + 11) + 18X2 + 18 X3 − 2X2 +X − 2 = ( 18X2 + 18 ) · ( 1 18 X − 1 9 ) + 0. Logo um MDC destes polinômios é 18X2 + 18 e portanto MDC ( 2X5 + 2X4 +X3 − 2X2 −X − 4, X3 − 2X2 +X − 2 ) = X2 + 1 Sejam K e F corpos tais que K é um subcorpo de F . Sejam p1(X), p2(X) em K[X]. Em prinćıpio, o MDC destes elementos em F [X] tem coeficientes em F . Seguindo porém, através do algoritmo de Euclides, o cálculo do MDC destes elementos, é fácil convencer-se que tal MDC está em K[X]. Segue desta observação que dois polinômios de K[X] têm um fator comum não constante em F [X] se, e somente se, eles têm um fator comum não constante em K[X]. 30 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS As ráızes de p(X) são os α1, . . . , αr e o inteiro ni, i = 1, . . . , r, é chamado de multiplicidade da raiz αi. Como gr(p(X)) = n1 + · · ·+nr, segue que todo polinômio em C[X] de grau n tem exatamente n ráızes, desde que contadas com suas multiplicidades. Seja p(X) = a0 + a1X + · · · + anXn ∈ C[X]. Define-se o polinômio conjugado de p(X) como sendo p̄(X) = ā0 + ā1X + · · · ānXn ∈ C[X] onde āi é o conjugado de ai, i = 0, 1, . . . , n. A conjugação de polinômios goza das seguintes propriedades, cujas veri- ficações deixamos a cargo do leitor. 1. Se p(X) = p1(X) + p2(X) então p̄(X) = p1(X) + p2(X). 2. Se p(X) = p1(X) · p2(X) então p̄(X) = p1(X) · p2(X). 3. p̄(X) = p(X) se, e somente se, p(X) ∈ R[X]. 4. Se a ∈ C[X] então p̄(ā) = p(a) Da propriedade (4) acima deduz-se facilmente que α é raiz p(X) se, e somente se, ᾱ é raiz de p̄(X). PROPOSIÇÃO 1.6. Seja p(X) ∈ R[X]. Se α ∈ C é raiz de multiplicidade m de p(X). então, ᾱ é raiz de multiplicidade m de p(X). DEMONSTRAÇÃO : Se α ∈ C é raiz de multiplicidade m de p(X) então p(X) = (X −α)m · q(X), com q(X) ∈ C[X] e q(α) 6= 0. Como p(X) ∈ R[X], temos que p(X) = p̄(X) = (X− ᾱ)m · q̄(X). Note agora que q̄(ᾱ) = q(α) 6= 0 e portanto ᾱ é raiz de multiplicidade m de p(X). COROLÁRIO 1.14. Todo polinômio de grau ı́mpar com coeficientes reais tem pelo menos uma raiz real. DEMONSTRAÇÃO : As ráızes complexas aparecem aos pares e como o polinômio é de grau ı́mpar, o resultado segue. 1.4. POLINÔMIOS SOBRE C E SOBRE R 31 PROPOSIÇÃO 1.7. i) aX+b com a, b ∈ R e a 6= 0 é irredut́ıvel em R[X]. ii) aX2 + bX + c com a, b, c ∈ R e a 6= 0 é irredut́ıvel em R[X] se, e somente se, ∆ = b2 − 4ac < 0. iii) Todo polinômio de grau maior do que 2 é redut́ıvel em R[X]. DEMONSTRAÇÃO : i) É evidente e vale em qualquer corpo. ii) aX2 + bX + c é irredut́ıvel se, e somente se, não possui fatores do 10 grau em R[X] e isto equivale a dizer que aX2 + bX+ c não possui ráızes em R que por sua vez é equivalente ao fato que ∆ < 0. iii) Seja p(X) um polinômio em R[X] de grau maior do que 2. Seja α ∈ C uma raiz de p(X). Se α ∈ R, então p(X) é diviśıvel em R[X] por (X−α), portanto ele é redut́ıvel. Se α ∈ C−R, então ᾱ é raiz de p(X), logo (X−α) ·(X−ᾱ) = X2 − 2Re(α)X + |α|2 está em R[X] e divide p(X) em R[X] com quociente não constante, portanto p(X) é redut́ıvel. COROLÁRIO 1.15. Todo polinômio p(X) ∈ R[X] − {0} se escreve de modo único, a menos da ordem dos fatores como p(X) = a(X − α1) · · · (X − αr)(X2 + b1X + c1) · · · (X2 + bsX + cs) com a, α1, . . . , αr, b1, . . . , bs, c1, . . . , cs reais e bi 2 − 4ci < 0, i = 1, . . . , s. PROBLEMAS 1.4. 1. Sejam p(X) = a0 + a1X + · · ·+ anXn e q(X) = b0 + b1X + · · ·+ bnXn polinômios em C[X]. Suponha que eles tenham mesmas ráızes com mesmas multiplicidades. Prove que existe a ∈ C− {0} tal que aj = a · bj , j = 1, . . . , n. 2. Uma raiz de X4 + 3X3 − 30X2 + 366X − 340 é 3 + 5i, ache as demais ráızes. 3. 1 + i é raiz múltipla de X6 − 3X5 + 5X4 − 4X3 + 4X2 − 4X + 4 = 0. Ache a multiplicidade desta raiz e as demais ráızes. 4. Fatore em R[X] os seguintes polinômios a) X4 + 4X2 + 3 b) X4 + 4X2 + 4 c) X4 −X2 + 1 d) X4 + pX2 + q com p, q ∈ R 32 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS 5. Mostre que se n ∈ N, então (a) X2n − 1 = (X − 1)(X + 1) · ∏n−1 k=1 ( X2 − 2X cos kπ n + 1 ) . (b) X2n+1 − 1 = (X − 1) ·∏n−1k=1 ( X2 − 2X cos 2kπ 2n+1 + 1 ) . 6. Fatore em R[X] os seguintes polinômios a) X24 − 1 b) X12 − 1 c) X13 − 1. 1.5 Polinômios em Várias Indeterminadas Seja A[X1] o anel dos polinômios a coeficientes em A na indeterminada X1. Se X2 é uma indeterminada sobre o anel A[X1], define-se: A[X1, X2] = (A[X1]) [X2]. Pode-se então definir recorrentemente, A[X1, X2, . . . , Xn] = (A[X1, X2, . . . , Xn−1]) [Xn]. Se A é um domı́nio de integridade, pelo Corolário 1 da Proposição 3, temos que A[X1] também é um domı́nio de integridade. Usando o mesmo argumento iteradamente, conclui-se que A[X1, X2, . . . , Xn] é um domı́nio de integridade. Todo elemento p(X1, . . . , Xn) ∈ A[X1, . . . , Xn] pode ser escrito na forma p(X1, . . . , Xn) = ∑ ai1...inX i1 1 · · ·X inn , 0≤i1≤r1 ... 0≤in≤rn onde r1, . . . , rn ∈ Z+ e ai1,...,in ∈ A e é chamado polinômio em n indetermi- nadas. Cada termo da forma ai1,...,inX i1 1 · · ·X inn é chamado monômio e o seu grau é definido como sendo i1 + i2 + · · ·+ in. Dois monômios são semelhantes se eles têm o mesmo grau. O grau de um polinômio em n indeterminadas é o maior dos graus de seus monômios não nulos. Um polinômio é chamado 1.5. POLINÔMIOS EM VÁRIAS INDETERMINADAS 35 Seja A um domı́nio de integridade. O corpo de frações (cf. I-2) do domı́nio A[X1, . . . , Xn] é o corpo A(X1, . . . , Xn) = { p(X1, . . . , Xn) q(X1, . . . , Xn) | p(X1, . . . , Xn), q(X1, . . . , Xn) ∈ A[X1, . . . , Xn] e q(X1, . . . , Xn) 6= 0 } É fácil ver que se K é o corpo de frações de A, então A(X1, . . . , Xn) = K(X1, . . . , Xn). Dado um polinômio p(X1, . . . , Xn) = ∑ ai1...inX i1 1 · · ·X inn ∈ A[X1, . . . , Xn], 0≤i1≤r1 ... 0≤in≤rn podemos definir a função polinomial: p : An −→ A (α1, . . . , αn) 7−→ ∑ ai1,...,inα i1 1 · · ·αinn = p(α1, . . . αn). 0≤i1≤r1 ... 0≤in≤rn Dois polinômios iguais determinam a mesma função polinomial, mas dois polinômios distintos podem definir a mesma função polinomial. Isto nova- mente não ocorre se A é um domı́nio infinito, como veremos adiante. PROPOSIÇÃO 1.9. Sejam A é um domı́nio infinito e p(X1, . . .Xn) um polinômio em A[X1, . . . , Xn]−{0}. Então existem infinitos (α1, . . . , αn) ∈ An tais que p(α1, . . . , αn) 6= 0. DEMONSTRAÇÃO : Vamos provar por indução em n. Se n = 1, o resul- tado segue do Corolário 3 do Teorema 1. Suponha o resultado válido para n− 1 e seja p(X1, . . . , Xn) = ∑ ai1...inX i1 1 · · ·X inn = 0≤i1≤r1 ... 0≤in≤rn 36 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS = ∑ ∑ (ai1...inX i1 1 · · ·X in−1 n−1 )Xn in . 0≤in≤rn 0≤i1≤r1 ... 0≤in−1≤rn−1 Como p(X1, . . . , Xn) 6= 0, para algum in temos que, ∑ ai1...inX i1 1 · · ·X in−1 n−1 6= 0, 0≤i1≤r1 ... 0≤in−1≤rn−1 logo, pela hipótese de indução, existem α1, . . . αn−1 ∈ A tais que, ∑ ai1...inα i1 1 · · ·α in−1 n−1 6= 0, 0≤i1≤r1 ... 0≤in−1≤rn−1 logo o polinômio p(α1, . . . , αn−1, Xn) = = ∑ ∑ ( ai1...inα i1 1 · · ·α in−1 n−1 ) X inn ∈ A[Xn] 0≤in≤rn 0≤i1≤r1 ... 0≤in≤rn é não nulo e logo possui um número finito de ráızes. Para infinitos valores de αn ∈ A (os elementos de A que não são ráızes de p(α1, . . . , αn−1, Xn)) temos que p(α1, . . . , αn) 6= 0, o que prova o resultado. COROLÁRIO 1.16. Seja A um domı́nio infinito. Sejam ainda os po- linômios p(X1, . . . , Xn) e q(X1, . . . , Xn) em A[X1, . . .Xn] tais que p(α1, . . . , αn) = q(α1, . . . , αn) ∀ (α1, . . . , αn) ∈ An. Então p(X1, . . . , Xn) = q(X1, . . . , Xn). 1.5. POLINÔMIOS EM VÁRIAS INDETERMINADAS 37 DEMONSTRAÇÃO : Suponha por absurdo que p(X1, . . . , Xn)− q(X1, . . . , Xn) 6= 0, logo pela proposição 9, existem (α1, . . . , αn) ∈ An tais que p(α1, . . . , αn)− q(α1, . . . , αn) 6= 0. Mas, pela proposição, existem α1, . . . , αn ∈ A tais que p1(α1, . . . , αn)− p2(α1, . . . , αn) 6= 0, o que é uma contradição. PROPOSIÇÃO 1.10. Seja K um corpo algebricamente fechado e seja f(X1, . . . , Xn) ∈ K[X1, . . . , Xn]−K com n ≥ 2. Então o conjunto VK(f) = {(α1, . . . , αn) ∈ Kn | f(α1, . . . , αn) = 0} é infinito. DEMONSTRAÇÃO : Como f(X1, . . . , Xn) não está em K, então pelo menos uma das indeterminadas figura em f(X1, . . . , Xn). Sem perda de ge- neralidade, podemos supor que seja Xn. Escrevemos f(X1, . . . , Xn) = f0(X1, . . . , Xn−1) + f1(X1, . . . , Xn−1)Xn + · · ·+ fd(X1, . . . , Xn−1)Xdn como polinômio em (K[X1, . . . , Xn−1])[Xn], com fd(X1, . . . , Xn−1) 6= 0 e d ≥ 1. Pela Proposição 9, existem infinitos elementos (α1, . . . , αn) ∈ Kn−1 tais que fd(α1, . . . , αn−1) 6= 0 e para cada escolha de tais (α1, . . . , αn−1) existe αn ∈ Kn−1 raiz da equação f(α1, . . . , αn−1, Xn) = 0, pois K é algebricamente fechado, o que prova a asserção. 40 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS Caṕıtulo 2 DERIVAÇÃO E MULTIPLICIDADE 2.1 Derivada Primeira Seja K um corpo. Define-se o operador DX 1 em K[[X]] (i.e. D1X é uma aplicação de K[[X]] em si próprio) como segue D1X : K[[X]] −→ K[[X]] f(X) = ∑∞ i=0 aiX i 7−→ D1Xf(X) = ∑∞ i=0 iaiX i−1 Este é chamado operador de derivação de ordem 1 e tem propriedades notáveis que o tornam muito útil. A série de potências D1X é chamada deri- vada primeira ou simplesmente derivada de f(X). Usa-se também a notação D1X = f ′(X). Segue claramente da definição que D1X(K[X]) ⊂ k[X]. PROPOSIÇÃO 2.1. Sejam f(X), g(X) ∈ K[X], a ∈ K e m ∈ N. Temos que 1. D1X(f(X) + ag(X)) = f ′(X) + ag′(X). 2. D1X(f(X) · g(X)) = f ′(X) · g(X) + f(X) · g′(X). 3. D1X((f(X)) m = m(f(X))m−1 · f ′(X) . Demonstração: 41 42 CAPÍTULO 2. DERIVAÇÃO E MULTIPLICIDADE 1. A demonstração deste item segue diretamente da definição. 2. Em virtude do Problema 1.4 do Caṕıtulo 1, basta provar a fórmula para produtos da forma Xng(X). Seja g(X) = ∑∞ i=0 biX i, temos que D1X(X ng(X)) = D1X ( ∞∑ i=0 biX n+i ) = ∞∑ i=0 (n + i)biX n+i−1 = = nXn−1 ∞∑ i=0 biX i +Xn ∞∑ i=0 ibiX i = ( D1XX n ) g(X) +XnD1Xg(X) 3. A demonstração pode ser feita por indução sobre m e a deixamos a cargo do leitor. O próximo resultado vai caracterizar aquelas séries de potências que têm derivada nula. PROPOSIÇÃO 2.2. 1. Se car(K) = 0 então, D1Xf(X) = 0 se, e so- mente se, f(X) ∈ K. 2. Suponha car(K) = p > 0. Então D1Xf(X) = 0 se, e somente se, f(X) = b0 + b1X p + b2X 2p + · · · , com bi ∈ K, ∀i ∈ Z+ Demonstração: Seja f(X) = ∑∞ i=0 aiX i ∈ K[[X]]. D1Xf(X) = 0 se, e somente se, iai = 0 para todo i ∈ Z+. Por I-7, Problema 3.1, esta última condição é equivalente a i ≡ 0 mod car(K) ou ai = 0. 1. Se car (K) = 0, isto é equivalente a 0 = a1 = a2 = · · · , isto é, f(X) = a0 ∈ K. 2. Se car (K) = p > 0, isto é equivalente a i ≡ 0 mod p se ai 6= 0. Assim, D1Xf(X) = 0 se, e somente se, f(X) = a0 + apX p + a2pX 2p + · · · . O resultado segue definindo bj = ajp, ∀ j ∈ Z+. Se um polinômio p(X) é diviśıvel por (X − α)m, onde α ∈ K e m ∈ N, e não é diviśıvel por (X − α)m+1, dizemos que α é raiz de multiplicidade m de p(X). Se m ≥ 2, dizemos que α é raiz múltipla de p(X). Note que se (X−α)l divide p(X), então α é raiz de multiplicidade pelo menos l de p(X). Damos a seguir uma caracterização daqueles polinômios que têm ráızes múltiplas em termos de derivadas. 2.1. DERIVADA PRIMEIRA 45 e assim sucessivamente até concluirmos que α é raiz de multiplicidade m de p(X). Exemplo 1 : A derivação permite obter algumas fórmulas interessantes. Por exemplo, derivando ambos os membros a identidade: (X + 1)n = ( n 0 ) Xn + ( n 1 ) Xn−1 + · · ·+ ( n n− 1 ) X + ( n n ) , e fazendo X = 1 obtemos a igualdade n · 2n−1 = n ( n 0 ) + (n− 1) ( n 1 ) + · · ·+ ( n n− 1 ) . Exemplo 2 : Na Proposição 5, Caṕıtulo 1, demos a fórmula de interpolação de Lagrange. Recordando, é o único polinômio de grau menor do que n que assume o valor bi quando avaliado em ai onde os ai ′s são dois a dois distintos e os b′is não são todos nulos, i = 1, . . . , n é o polinômio p(X) = n∑ i=1 bi (X − a1) . . . (X − ai−1) · (X − ai+1) · · · (X − an) (ai − a1) · · · (ai − ai−1) · (ai − ai+1) · · · (ai − an) Podemos reescrever esta fórmula, usando derivadas, do seguinte modo mais sintético: p(X) = n∑ i=1 f(X) (X − ai) · bi f ′(ai) , onde f(X) = (X − a1) · · · (X − an). PROBLEMAS 2.1. 1. Ache a multiplicidade da raiz 1 do polinômio X5 − 3X4 + 5X3 − 7X2 + 6X − 2. Determine as demais ráızes. 2. Ache as ráızes da equação X3−(3+ √ 2)X2+(1+2 √ 2)X+(1+ √ 2) = 0, sabendo-se que esta tem uma raiz dupla. 46 CAPÍTULO 2. DERIVAÇÃO E MULTIPLICIDADE 3. Mostre que o polinômio X(Xn−1 − nan−1) + an(n − 1) é diviśıvel por (X − a)2, mas não é diviśıvel por (X − a)3, onde a 6= 0 e n ≥ 2. 4. Mostre que se n ≥ 3, então (1−X)3 divide o polinômio (1−Xn)(1 +X)− 2nXn(1−X)− n2Xn(1−X)2 5. Determine os posśıveis valores de m, p e q em C de modo que o po- linômio X6 +mX4 + 10X3 + pX + q tenha uma raiz quádrupla em C. Determine, neste caso, as ráızes do polinômio. 6. Seja ξ 6= 1 uma raiz n-ésima da unidade e seja p(X) = Xn−1 +Xn−2 + · · ·+X + 1. Mostre que: (a) p′(ξ) = n ξ(ξ−1) . (b) ξ + 2ξ2 + · · ·+ (n− 1)ξn−1 = n ξ−1 . 7. (a) Mostre que o resto da divisão de um polinômio p(X) ∈ K[X] por t((X) = (X − x1) · (X − xn), onde x1, . . . , xn ∈ K são dois a dois distintos, é n∑ i=1 t(X) (X − xi) p(xi) t′(xi) (Sugestão: Use a fórmula do Exemplo 2) (b) Ache o resto da divisão de X9+3X7+4X6+X4−X3+2X2−X+1 por X(X + 1)(X − 1) 8. Dê um contraexemplo para o Corolário 1 quando K = R. 9. Dê um contraexemplo para a Proposição 4 quando car(K) > 0. 10. (a) Mostre que (X i)(n) = { 0, se i < n i(i− 1) · · · (i− n+ 1)X i−n, se i ≥ n. (b) Mostre que se n ≥ car(K), então (p(X))(n) = 0 ∀ p(X) ∈ K[X]. (c) Conclua que se car(K) = 2, então (p(X))(n) = 0 ∀ p(X) ∈ K[X], ∀ n ≥ 2. 2.2. DIVISÃO POR X − A 47 2.2 Divisão por X − a Freqüentemente dividiremos polinômios por X − a, por isso desenvolve- mos um método prático para efetuar tais divisões. Seja p(X) = a0 + a1X + · · · + anXn ∈ A[X], vamos usar o método dos coeficientes a determinar para achar q(X) = b)+b1X+· · ·+bn−1Xn−1 ∈ A[X] e r ∈ A tais que p(X) = (X − a) · (b0 + b1X + · · ·+ bn−1Xn−1) + r = bn−1X n + (bn−2 − a · bn−1)Xn−1 + (bn−3 − a · bn−2)Xn−2 + · · ·+ + (b0 − a · b1)X + r − a · b0 Igualando os coeficientes correspondentes, obtém-se bn−1 = an bn−2 = an−1 + a · bn−1 bn−3 = an−2 + a · bn−2 ... b0 = a1 + a · b1 r = a0 + a · b0 Destas igualdades, deduz-se o seguinte dispositivo prático: an an−1 an−2 · · · a1 a0 a an an−1 + a · bn−1 an−2 + a · bn−2 · · · a1 + a · b1 a0 + a · b0 ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ bn−1 bn−2 bn−3 · · · b0 r = p(a) Exemplo 1 : Dividamos p(X) = 8X6 − 7X5 + 4X4 + X3 − 3X2 + 1 por X + 2 8 −7 4 1 −3 0 1 −2 8 −23 50 −99 195 −390 781 50 CAPÍTULO 2. DERIVAÇÃO E MULTIPLICIDADE 1 4 7 −3 1 −2 1 −2 1 2 3 −9 17 −36 73 −2 1 0 3 −15 47 −130 −2 1 −2 7 −29 105 −2 1 −4 15 10 −2 1 −6 27 −2 1 −8 1 Assim, p(X) = 73− 130(X + 2) + 105(X + 2)2 − 59(X + 2)3+ +27(X + 2)4 − (X + 2)5 + (X + 2)6. Sejam K um corpo, p(X) ∈ K[X] e a ∈ K. Derivando sucessivamente a igualdade p(X) = r0 + r1 · (X − a) + r2 · (X − a)2 + · · · rn−1 · (X − a)n−1 + rn · (X − a)n. temos que, p′(X) = r1 + 2r2(X − a) + 3r3(X − a)2 + · · ·+ nrn−1(X − a)n−1 p′′(X) = 2r2 + 3 · 2r3(X − a) + 4 · 3r4(X − a)2 + · · · ... pi(X) = i! ri + (i+ 1) · i! ri+1(X − a) + · · · ... p(n)(X) = n! rn Avaliando este polinômios em a, obtemos que r0 = p(a), r1 = p ′(a), r2 = 1 2! p′′(a), ... ri = 1 i! p(i)(a), ... rn = 1 n! p(n)(a). Portanto se car(K) = 0 ou car(K) > n, temos a fórmula de Taylor, 2.2. DIVISÃO POR X − A 51 p(X) = p(a) + p′(a) · (X − a) + p ′′(a) 2! · (X − a)2 + · · ·+ p (n)(a) n! (X − a)n. Observe também que as derivadas sucessivas p(a), p′(a), . . . , p(n)(a) po- dem ser calculadas a partir de r0, r1, . . . , rn mediante divisões sucessivas por (X − a). Exemplo 6 : Seja p(X) = X6 + 4X5 + 7X4− 3X3 +X2− 2X + 1 ∈ Q[X]. Pela discussão acima e pelos cálculos do Exemplo 5, temos que p(−2) = 73, p′(−2) = −130, p′′(−2) = 1 2! · 105105 2 , p′′′(−2) = 1 3! · (−59) = −59 6 , p(4)(−2) = 1 4! · 27 = 9 8 , p(5)(−2) = 1 5! · (−8) = −1 15 p(6)(−2) = 1 6! = 1 720 . PROBLEMAS 2.2. 1. Divida: (a) −X4 + 7X3 − 4X2 por X + 3, (b) X4 + 5X3 + 7X − 1 por X − 3, (c) 10X3 − 2X2 + 3X − 1 por 2X − 3, (d) X4 +X3 −X2 + 1 por 3X + 2. 2. Seja n ∈ N. Ache o quociente e o resto da divisão de (a) nXn+1 − (n+ 1)Xn + 1 por (X − 1)2, (b) nXn+2 − (n+ 2)Xn+1 + (n+ 2)X − n por (X − 1)3. 3. Resolva a equação 2X3 + 3X2 − 4X − 6 = 0, sabendo-se que ela tem uma raiz α = −3 2 . 4. Resolva a equação 2X4 + 5X3 + 5X2 − 2 = 0 sabendo-se que ela tem uma α = −1 e outra raiz β = 1 2 . 5. Seja p(X) = X7 + 2̄X6 + X5 + 3̄X4 − X3 + 4̄X2 − 2̄X + 5̄ ∈ Z13[X]. Desenvolva p(X) segundo as potências crescentes de X − 1̄. Calcule p(i)(1̄) para i = 0, 1, 2, . . . , 7. 52 CAPÍTULO 2. DERIVAÇÃO E MULTIPLICIDADE 2.3 Derivadas de ordem superior Seja K um corpo e seja f(X) ∈ K[[X]]. Se Y é uma indeterminada sobre K[[X]], podemos considerar f(X + Y ) como elemento de K[[X]][[Y ]] e como tal tem uma expressão única da forma f(X + Y ) = f0(X) + f1(X)Y + f2(X)Y 2 + · · ·+ fm(X)Y m + · · · , com f0(X), f1(X), f2(X), . . . ,∈ K[[X]]. Definimos uma famı́lia infinita de operadores em K[[X]] como segue, ∀ m ∈ Z+: DmX : K[[X]] −→ K[[X]] f(X) 7−→ DmX f(X) = fm(X) PROPOSIÇÃO 2.5. DmXX n = ( n m ) Xn−m ∀ m,n ∈ Z+. Se f(X) = ∑∞ i=0 aiX i ∈ K[[X]], então DmXf(X) = ∑∞ i=0 aiD m XX i. Demonstração: Pela fórmula do binômio de Newton temos que (X + Y )n = n∑ m=0 ( n m ) Xn−mY m, de onde segue a primeira afirmação. A segunda afirmação segue da ob- servação que o coeficiente de Y m em f(X + Y ) = ∑∞ i=0 ai(X + Y ) i é a soma, ∀ i ∈ Z+, dos coeficientes de Y m em ai(X + Y )i (que é igual a ai vezes o coeficiente de Y m em (X + Y )i). Segue imediatamente da Proposição 5 que DmX(K[X]) ⊂ K[X] ∀ m ∈ Z+. TEOREMA 2.1. Sejam f(X), g(X) ∈ K[[X]] e c ∈ K. A famı́lia de operadores (DmX )m∈Z+ possui as seguintes propriedades: 1. D0X = Id; D 1 X = derivação de ordem 1; D m Xc = 0 ∀ m ∈ N. 2. DmX(f(X) + cg(X)) = D m Xf(X) + cD m Xg(X) ∀ m ∈ Z+. 3. DmX(f(X) · cg(X)) = ∑m i=0D i Xf(X) ·Dm−iX g(X) ∀ m ∈ Z+. 2.3. DERIVADAS DE ORDEM SUPERIOR 55 Demonstração: Se 0 ≤ 1 < p e r ∈ Z, temos que (DprX )l = l! Dlp r X . Isto segue do Teorema 1 (4), indução sobre l e a congruência ( ips ps ) ≡ i mod p (cf. I-6, Problema 1.16). Agora usando argumentos semelhantes temos que Dmip i X ◦D m0+m1p+···+mi−1pi−1 X = = ( m0 + · · ·mipi m0 + · · ·+mi−1pi−1 ) D m0+···+mi−1pi−1 X = D m0+···+mipi X . Dáı segue que (Dp s X ) ms ◦ · · · ◦ (D1X)m0 = m0! · · ·ms! Dmsp s+···+m0 X = m0! · · ·ms!DmX , o que prova o resultado. O Teorema 2 em particular nos mostra que os operadores DmX são gerados por composições dos operadores D1X , D p X , D p2 X , . . . , D ps X , . . . No cálculo diferencial em caracteŕıstica p é fundamental compararmos os desenvolvimentos p-ádicos de dois inteiros. Sejam m = m0 +m1p 1 + · · ·+msps, 0 ≤ mi < p, i = 0, 1, . . . , s e n = n0 + n1p 1 + · · ·+ nsps, 0 ≤ ni < p, i = 0, 1, . . . , s Dizemos que n é p-adicamente maior ou igual do que m , escrevendo, n≥pm, se, e somente se, ni ≥ mi, ∀ i = 0, 1, . . . , s. Da congruência fundamental (I-6, Problema 1.16) sabemos que ( n m ) ≡ ( n0 m0 ) · · · ( ns ms ) mod p, e, portanto, ( n m ) 6= 0 mod p ⇔ n≥pm. Os operadores DmX foram introduzidos por H. Hasse em 1936, sendo fun- damentais no desenvolvimento da Geometria Algébrica em caracteŕıstica po- sitiva. Estes operadores, nesta mesma década, foram extensivamente usa- dos por F. K. Schmidt na sua teoria de pontos de Weierstrass para curvas algébricas definidas sobre corpos de caracteŕıstica positiva e por isto são usu- alemnte chamados de operadores diferenciais de Hasse-Schmidt. Fato curioso 56 CAPÍTULO 2. DERIVAÇÃO E MULTIPLICIDADE é que estes operadores tenham sido independentemente redescobertos entre 1948 e 1950 por J. Dieudonné que os chamou de semi-derivações. PROBLEMAS 2.3. 1. Sejam m,n ∈ Z+. Mostre que DmXXn 6= 0 ⇔ n≥pm. 2. Sejam f(X) ∈ K[X] com car(K) = p > 0 e m,n ∈ Z+. Mostre que se m≥pn e DnXf(X) = 0 então DmXf(X) = 0. 3. Seja car(K) = p e seja s ∈ Z+, determine Ker (Dp s X ) = {f(X) ∈ K[X] | Dp s X f(X) = 0}. 4. Seja f(X) ∈ K[T ] com car(K) = p > 0 e seja q uma potência de p. Mostre que DnXf(X q) =    (DjTf(T )(X q)), se n = jq 0, se n 6= 0 mod q onde (DjTf(T ))(X q) é o polinômio que se obtém substuindo T por Xq no polinômio DjTf(T ). Caṕıtulo 3 POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU Decidir se um polinômio é irredut́ıvel ou não em Q[X] é bem mais com- plicado do que decidir se é ou não irredut́ıvel em C[X] ou em R[X]. Mostra- remos ainda neste caṕıtulo que existem polinômios irredut́ıveis de todos os graus em Q[X]. Um primeiro passo no sentido de estudar a irredutibilidade de um polinômio em Q[X] será de tentar determinar as suas ráızes em Q. Como esta teoria se desenvolve naturalmente em situação mais geral, é neste contexto que nos colocamos. Em todo este caṕıtulo D será um D.F.U. e K o seu corpo de frações. 3.1 Ráızes em K de polinômios em D[X ] TEOREMA 3.1. Sejam D um D.F.U. e K o seu corpo de frações. Sejam ainda p(X) = a0 + a1X + · · ·anXn ∈ D[X] e r, s ∈ D primos entre si com s 6= 0. Se r s é uma raiz de p(X), então r | a0 e s | an. Demonstração: Sendo r s raiz de p(X), tem-se que a0 + a1 r s + · · ·+ an−1 rn−1 sn−1 + an rn sn = 0. Multiplicando ambos os membros desta igualdade por sn segue que sna0 + s n−1ra1 + · · · srn−1an−1 + rnan = 0. 57 60 CAPÍTULO 3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU ±1, ±2, ±4, ±8, ±16, ±3, ±6, ±12, ±24, ±48. Calculemos p(1) e p(−1): 1 −1 −13 16 −48 1 1 0 −13 3 −45 = p(1) −1 1 −2 −11 27 −75 = p(−1) ±1 devem ser exclúıdos pois não são ráızes. Se α fosse raiz, deveŕıamos ter (1 − α) | p(1) e (−1 − α) | p(1). Isto nos permite excluir os seguintes valores: ±8, ±16, ±3, ±6, ±12, ±24, ±48. Resta somente testar os seguintes candidatos: ±2, ±4. Calculemos os valores p(2) e p(−2): 1 −1 −13 16 −48 2 1 2 −11 −6 −60 = p(2) −2 1 −3 −7 30 −108 = p(−2) ±2 devem ser exclúıdos pois não são ráızes. Se α fosse raiz, deveŕıamos ter (2 − α) | p(2) e (−2 − α) | p(2). Isto não nos permite excluir nenhum outro candidato. Resta então verificar se ±4 são ráızes de p(X). De fato, 1 −1 −13 16 −48 4 1 3 −1 12 0 −4 1 −1 3 0 Portanto 4 e −4 são ráızes de p(X). Temos que p(X) = (X − 4)(X + 4)(X2 −X + 3). Isto nos permite achar todas as ráızes de p(X) que são 4, −4, 1 2 + √ 11 2 i e 1 2 − √ 11 2 i. 3.1. RAÍZES EM K DE POLINÔMIOS EM D[X] 61 Exemplo 3 : Sejam an ∈ N tais que a não é potência n-ésima de um número natural. Vamos mostrar que n √ a não é um número racional. De fato, pondo b = n √ a, temos que b é raiz do polinômio Xn−a. Se b fosse raci- onal, pelo Corolário do Teorema 1, b seria inteiro e portanto a seria potência n-ésima do número natural b, o que é uma contradição. Exemplo 4 : Seja p(X) = X5 + 4X4 + 2X3 − 13X2 − 19X − 5. Vamos determinar, se existirem, as ráızes em Z[i]. Pelo Teorema 1, tais ráızes são divisores de 5 em Z[i], que são ±1, ±(1 ± 2i) e ±(1 ± 2i). Dentre estes elementos basta verificar se são ráızes os números ±1, 1+2i, −1−2i, −2+ i e 2 − i pois os outros são conjugados destes (lembre-se que p(α) = 0 se, e somente se p(ᾱ) = 0). Testando estes valores, verifica-se que: p(±1) 6= 0, p(1 + 2i) 6= 0, p(−1− 2i) 6= 0, p(−2 + i) = 0 e p(2− i) = 0. Logo as ráızes de p(X) em Z[i] são −2 + i e −2− i. PROBLEMAS 3.1. 1. Ache as ráızes racionais dos seguintes polinômios: a) X4 −X3 −X2 + 19X − 42 b) X3 − 9X2 + 22X − 24 c) 2X3 −X2 + 1 d) 10X3 + 19X2 − 30X + 9 e) 6X5 +X4 − 14X3 + 4X2 + 5X − 2 2. Determine se é redut́ıvel ou não em Q[X] cada polinômio abaixo: a) 2X2 − 3X + 1 b) X2 − 2 c) X2 +X + 1 d) 4X3 + 3X2 + 3X − 1 e) X3 + 5X2 + 4X + 1 f) X3 + 6X2 + 8X − 1 3. (a) Mostre que α = √ 2 + √ 3 é raiz do polinômio X4 − 10X2 + 1 e prove que α é irracional. (b) Mostre que √ 5 + √ 7 é irracional. (c) Mostre que 3 √ 2− √ 3 é irracional. 4. (a) Mostre que cos20◦ satisfaz a equação 8X3 − 6X − 1 = 0. (Sugestão: Veja I-9, Problema 3.5). 62 CAPÍTULO 3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU (b) Prove que cos20◦ é irracional. 5. Determine os inteiros t para os quais a equação X4 − 3X3 + tX2 − 4X + t− 1 = 0 tenha uma raiz racional. 6. (a) Seja p(X) ∈ Z[X], a, b ∈ Z e m ∈ N. Mostre que se a ≡ b mod m então p(a) ≡ p(b) mod m. (b) Seja {r1, r2, . . . , rm} um sistema completo de reśıduos módulo m. Mostre que, se p(X) tem uma raiz em Z, então pelo menos um dos seguintes números é diviśıvel por m: p(r1), p(r2), . . . , p(rm). (c) Prove que se p(X) ∈ Z[X] e se p(0) e p(1) são ı́mpares, então p(X) não tem ráızes inteiras. (d) Mostre que se p(X) ∈ Z[X] e se nenhum dos números inteiros p(−1), p(0) e p(1) é diviśıvel por 3, então p(X) não tem ráızes inteiras. 3.2 O Teorema de Gauss Seja D um domı́nio de fatoração única e seja X uma indeterminada sobre D. Seja p(X) ∈ D[X]. Um conteúdo de p(X) é um máximo divisor comum dos seus coeficientes. O polinômio p(X) ∈ D[X] será chamado primitivo se os seus coeficientes são primos entre si, ou seja, se ele possui um conteúdo invert́ıvel. LEMA 3.1. Seja D um D.F.U. e K o seu corpo de frações. Dado um polinômio p(X) ∈ D[X], existem a ∈ K − {0} e q(X) ∈ D[X] primitivo, únicos, a menos de fatores invert́ıveis em D, tais que p(X) = aq(X). Demonstração: Multiplicando p(X) por um elemento d ∈ D − {0} con- veniente, de modo a eliminar os denominadores dos seus coeficientes, temos que d · p(X) ∈ D[X]− {0}. Pondo em evidência um máximo divisor comum c dos coeficientes de c · p(X), obtemos p(X) = 1 d · d · p(X) = c d · q(X), 3.2. O TEOREMA DE GAUSS 65 D. Como K[X] é um D.F.U. (Corolário 2 do Teorema 2, Caṕıtulo 1), pode- mos escrever q(X) = t1(X) · · · ts(X), onde t1(X), . . . , ts(X) são irredut́ıveis em K[X]. Pelo Lema 1, podemos escrever q(X) = b1 · · · bs · q1(X) · · · qs(X) onde b1, . . . , bs ∈ K − {0} e q1(X), . . . , qs(X) ∈ D[X] − D são primitivos (Lema 2), logo irredut́ıveis (Lema 3). Como q(X) ∈ D[X] é primitivo, e q1(X) · · · qs(X) é primitivo (Lema 2), então da igualdade acima e da unici- dade garantida pelo Lema 1, segue que b1, . . . , bs ∈ D∗. Temos então que p(X) = a1 · · ·ar · (b1 · · · bs) · q1(X) · · · qs(X) é uma decomposição de p(X) em fatores irredut́ıveis em D[X]. Vamos agora demonstrar a unicidade de tal fatoração. Suponha que a1 · · ·ar · q1(X) · · · qs(X) = c1 · · · cl · g1(X) · · · gm(X) onde os elementos de a1, . . . , ar, c1, . . . , cl de D são irredut́ıveis em D e os po- linômios q1(X), . . . , qs(X), g1(X), . . . , gm(X) são irredut́ıveis em D[X] (por- tanto primitivos). Usando o Lema 1, temos que a1 · · ·ar e c1 · · · cl são asso- ciados, e como D é um D.F.U., temos que r = l e cada ai é associado a um cj e reciprocamente. Por outro lado, pela unicidade da fatoração em K[X], sabe-se que cada qµ(X) é associado em K[X] a um qλ(X) e reciprocamente. Como estes polinômios são primitivos eles diferem por um elemento invert́ıvel de D. Dáı segue a unicidade da fatoração em D[X]. COROLÁRIO 3.3. Z[X] é um D.F.U. COROLÁRIO 3.4. Se D é um D.F.U. e X1, . . .Xn são indeterminadas sobre D, então D[X1, . . .Xn] é um D.F.U. Demonstração: Pelo Teorema, D[X1] é um D.F.U. , logo novamente pelo Teorema, D[X1, X2] = (D[X1])[X2] é um D.F.U. etc. COROLÁRIO 3.5. Se K é um corpo e X1, . . . , Xn são indeterminadas sobre K, então K[X1, . . . , Xn] é um D.F.U. PROBLEMAS 3.2. 1. Quais dos seguintes polinômios em Z[X] são primitivos? 66 CAPÍTULO 3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU (a) 2 + 3X + p(X) onde p(X) ∈ Z[X], gr(p(X)) > 1. (b) (3 + 5X + 7X2 + 5X3)54. (c) 2 + 4X + 6X2 + 14X3. 2. Quais dos seguintes polinômios de Z[X] são irredut́ıveis? a) 2 + 2X b) X3 +X2 +X + 1 c) X3 − 2 d) X4 + 6X2 + 9 3. SejaD umD.F.U. com corpo de fraçõesK. Mostre que se p(X) ∈ D[X] tem uma raiz em K então p(X) é redut́ıvel em D[x]. 4. Determine um M.D.C. em Z[X] para cada par de polinômios abaixo (a) 2X + 4 e 6X2 + 4X + 2 (b) 4X + 12 e 2X4 + 12X2 + 18 (c) 3X3 − 3 e 2X2 + 2X + 2 3.3 Método de Kronecker para fatoração em Z[X ] Na seção anterior vimos que Z[X] é um D.F.U. Nada porém dissemos sobre fatorar um polinômio p(X) em Z[X] nos seus fatores irredut́ıveis. Des- creveremos abaixo um método devido a Kronecker para realizar esta tarefa. Tal método apesar de conceitualmente simples, na prática é muito trabalhoso e, portanto nada eficiente. Existe atualmente um algoritmo muito eficiente, mas não totalmente determińıstico envolvendo uma parte probabiĺıstica. Seja um polinômio com coeficientes inteiros. Para decompor p(X) em fatores ir- redut́ıveis basta supor p(X) primitivo e determinar um divisor seu de menor grau, em seguida aplica-se o método ao polinômio quociente de p(X) por tal divisor. a) Procura dos divisores do primeiro grau. Suponha que aX + b ∈ Z[X] seja um fator de p(X). Portanto existe q(X) ∈ Z[X] tal que p(X) = (aX + b)q(X) (3.6) 3.3. MÉTODO DE KRONECKER PARA FATORAÇÃO EM Z[X] 67 Seja α um número inteiro qualquer. Então p(α) = (aα + b) · q(α) (3.7) e portanto (aα + b) | p(α). O problema é determinar a e b de modo que (10) seja verificado. Portanto basta procurar a e b entre os inteiros para os quais aα + b divide p(α) para α arbitrariamente escolhido em Z. Pode-se então determinar posśıveis valores de a e b escolhendo dois inteiros α e β com α 6= β, tais que p(α) 6= 0 e p(β) 6= 0 e em seguida resolvendo todos os sistemas de equações { aα + b = d1 aβ + b = d2 variando d1 (respectivamente d2 ) dentre os divisores de p(α) (respective- mente de p(β)). Assim obtemos todos os posśıveis candidatos a divisores lineares aX + b de p(X). A escolha de α e β acima deve ser feita com certa astúcia pois quanto menores forem os números dos divisores de p(α) e de p(β), menor será o número de sistemas de equações que teremos que resolver. b) Procura dos divisores do segundo grau. Para determinar os divisores quadráticos aX2 + bX+ c de p(X) em Z[X], escolha três inteiros α, β e γ, dois a dois distintos, e tais que nenhum deles seja raiz de p(X). Se aX2 + bX + c é um divisor de p(X) em Z[X], devemos ter,    aα2 + bα + c = d1 aβ2 + bβ + c = d2 aγ2 + bγ + c = d3 onde d1 é um divisor de p(α), d2 é um divisor de p(β) e d3 é um divisor de p(γ). A resolução deste número finito de sistemas de três equações lineares nas três incógnitas a, b e c, nos fornecem os posśıveis candidatos a divisores quadráticos aX2 + bX + c de p(X). Aqui também vale a recomendação da escolha astuciosa de α, β e γ. c) Para a determinação dos divisores de grau maior do que 2 procede-se de modo inteiramente análogo ao que foi feito nos casos a) e b). 70 CAPÍTULO 3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU outro caso é análogo). Como p | a1, a1 = c1 · b0 + c0 · b1 e p | b0, segue que p | c0 · b1 mas p não divide c0, logo p | b1. Como p | a2, a2 = c2 · b0 + c1 · b1 + c0 · b2, p | b0 e p | b1, segue que p | c0 · b2 mas p não divide c0, logo p | b2. Assim sucessivamente, até chegarmos à conclusão que p | bi para cada i = 0, . . . , r. Isto é uma contradição pois q1(X) é primitivo, logo q(X) é irredut́ıvel em Q[X]. Exemplo 1 : X4 +4X2+8X−2 é irredut́ıvel em Q[X] pois 2 | (−2), 2 | 8, 2 | 4, 2 | 0 , 2 não divide 1 e 4 = 22 não divide (−2). Exemplo 2 : O polinômio Xn − p, onde p é um número inteiro primo, é irredut́ıvel em Q[X] pois p | (−p), p não divide 1 e p2 não divide (−p). Este exemplo nos mostra que em Q[X] há polinômios irredut́ıveis de to- dos os graus. Algumas vezes o critério de Einsenstein não se aplica diretamente, por exemplo, se q(X) = X4 +X3 +X2 +X + 1 , não exite nenhum primo p que satisfaça as hipóteses do Teorema. No entanto, considere o polinômio q(X+1) = (X+1)4+(X+1)3+(X+1)2+(X+1)+1 = X4+5X3+10X2+5X+5 Trata-se de um polinômio irredut́ıvel. Para concluir que q(X) é irredut́ıvel nos baseamos na seguinte observação cuja demonstração deixamos a cargo do leitor. Observação: Sejam q(X) ∈ Z[X] e a ∈ Z. Tem-se que q(X) é irredut́ıvel em Z[X] se, e somente se, q(X + a) é irredut́ıvel em Z[X]. Exemplo 3 : Se p é um número primo, então o polinômio q(X) = Xp−1 +Xp−2 + · · ·+X + 1 é irredut́ıvel. 3.4. CRITÉRIOS DE DIVISIBILIDADE EM Q[X] 71 De fato, temos que q(X) = X p−1 X−1 , logo q(X + 1) = (X+1) p−1 X = Xp−1 + ( p 1 ) Xp−2 + · · ·+ ( p p− 2 ) X + ( p p− 1 ) . Sendo p primo, é fácil ver que p divide ( p i ) para todo i = 1, . . . , p−1 (Veja Cap 3 - Problema...). Logo o critério de Einsenstein nos mostra que q(X+1) é irredut́ıvel e pela observação acima podemos concluir que q(X) é irredut́ıvel. Além do critério de Einsenstein temos um outro critério de irredutibi- lidade para polinômios em Z[X]. Este critério faz uso das classes residuais módulo um número primo p. Seja q(X) = a0+a1X+· · ·+anXn. Considere o polinômio, q̄(X) = ā0 + ā1X+ · · ·+ ānXn ∈ Zp[X] onde āi é a classe residual módulo p de ai, i = 0, . . . , n. Esta passagem de um polinômio q(X) ∈ Z[X] ao polinômio q̄(X) ∈ Zp[X] goza das seguintes propriedades fáceis de serem verificadas: a) Se q(X) = q1(X) + q2(X) então q̄(X) = q̄1(X) + q̄2(X). b) Se q(X) = q1(X) · q2(X) então q̄(X) = q̄1(X) · q̄2(X). TEOREMA 3.4. Sejam q(X) = a0+a1X+· · ·+anXn ∈ Z[X] e um número primo p que não divide an. Se q̄(X) é irredut́ıvel em Zp[X], então q(X) é irredut́ıvel em Q[X]. Demonstração: Podemos supor sem perda de generalidade que q(X) é um polinômio primitivo. Suponha, por contradição, que q(X) seja redut́ıvel em Q[X], logo existem dois polinômios q1(X) = b0 + b1X + · · · + brXr e q2(X) = c0 + c1X + · · · + csXs em Z[X] tais que q(X) = q1(X) · q2(X). Passando esta igualdade módulo p obtemos q̄(X) = q̄1(X) · q̄2(X) e como an = br · cs e p não divide an, segue que p não divide br e p não divide cs, conseqüentemente b̄r 6= 0 e c̄s 6= 0 e portanto q̄(X) é redut́ıvel em Zp[X], o que contradiz a hipótese. Exemplo 4 : Seja q̄(X) = X4 + X3 + 3X2 + 18X + 2. Reduzindo q(X) módulo 3 temos q̄(X) = X4 + X3 + 2̄. Observe que q̄[X] não se anula em Z3[X] e portanto não possui fatores lineares em Z3[X]. Vamos verificar que q̄(X) também não possui fatores quadráticos. 72 CAPÍTULO 3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU Suponha q̄(X) = (X2 + aX + b)(X2 + cX + d) com a, b, c, d ∈ Z3 . Então teŕıamos:    a + c = 1̄ b+ d+ a · c = 0̄ a · d+ b · c = 0̄ b · d = 2̄ Da primeira e da quarta equações acima, obteŕıamos os seguintes posśıveis valores para a, b, c, d que organizamos na tabela abaixo: b d a c 1̄ 1̄ 1̄ 0̄ 1̄ 1̄ 0̄ 1̄ 1̄ 1̄ 2̄ 2̄ 2̄ 2̄ 1̄ 0̄ 2̄ 2̄ 0̄ 1̄ 2̄ 2̄ 2̄ 2̄ Nenhum desses valores acima é compat́ıvel com as demais equações. Con- clúımos assim que q̄(X) é irredut́ıvel em Z3[X] e conseqüentemente q(X) é irredut́ıvel em Q[X]. PROBLEMAS 3.4. 1. Mostre que os seguintes polinômios são irredut́ıveis em Q[X] : a) X2 − 2X + 6 b) X4 − 2X3 + 6X2 + 8X − 14 c) Xn − 12, n ∈ N d) X3 + 9X2 + 3X + 9 2. Mostre que para todo n ∈ Z, os seguintes polinômios são irredut́ıveis em Q[X]: a) X4 + 4n+ 1 b) X4 + 4nX + 1 3.5. A RESULTANTE 75 com an 6= 0 e bm 6= 0. Então p(X) e q(X) têm um fator comum não constante se, e somente se, é nulo o determinante seguinte: an an−1 · · · a2 a1 a0 0 0 · · · 0 0 0 an · · · a2 a1 a0 0 · · · 0 0 ... ... ... ... ... 0 0 · · · 0 an an−1 ... ... 0 0 . . . 0 0 an an−1 · · · · · · · · · a0 R = bn bm−1 · · · b2 b1 b0 0 0 · · · 0 0 bm · · · ... b2 b1 b0 0 · · · 0 ... ... ... ... ... 0 0 · · · bm bm−1 · · · b1 b0 0 0 0 · · · bm bm−1 · · · b1 b0 Demonstração: Pelo corolário da proposição 1, p(X) e q(X) têm um fator não constante em comum se, e somente se, existem ϕ(X) = u1 + u2X + · · ·+ unXn−1 e ψ(X) = v1 + v2X + · · ·+ vmXm−1, com pelo menos algum ui 6= 0 e algum vj 6= 0, tais que ψ(X) · p(X) + ϕ(X) · q(X) = 0 Igualando a zero os coeficientes do polinômio do lado lado esquerdo da igualdade acima, obtemos o seguinte sistema:    anvm +bmun = 0 an−1vm + anvm−1+ +bm−1un+ bmun−1 = 0 ... ... a0v1 +b0u1 = 0 A existência de ϕ(X) e ψ(X) não nulos é equivalente ao fato de que o sistema das n +m equações lineares homogêneas acima nas n +m variáveis vm, . . . , v1, un, . . . , u1 tem uma solução não trivial. Isto por sua vez é equiva- lente ao fato que o determinante da matriz associada ao sistema é nulo, logo 76 CAPÍTULO 3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU equivalente a R = 0 (a matriz acima é a transposta da matriz associada ao sistema e, portanto possui o mesmo determinante). DEFINIÇÃO 3.1. O determinante R que aparece no teorema 1 é chamado resultante dos polinômios p(X) e q(X). A resultante de p(X) e p′(X) é chamada discriminante de p(X). COROLÁRIO 3.7. Seja K um corpo algebricamente fechado. Os po- linômios p(X), q(X) ∈ K[X] têm raizes comuns em K se, e somente se, a resultante de p(X) e q(X) é nula. Demonstração: p(X) e q(X) têm ráızes comuns em K se, e somente se, p(X) e q(X) têm um fator comum não constante em K[X] se, e somente se, a resultante de p(X) e q(X) é nula. COROLÁRIO 3.8. Seja K um corpo algebricamente fechado. p(X) ∈ K[X] tem ráızes múltiplas em K se , e somente se, o discriminante de p(X) é nulo. Demonstração: p(X) tem ráızes múltiplas se, esomente se, p(X) e p′(X) têm fator comum não constante se, e somente se, o discriminante de p(X) é nulo. Exemplo 1 : Seja p(X) = aX2 + bX + c. Então p′(X) = 2aX + b e o discriminante de p(X) é a b c D = 2a b 0 = −a(b2 − 4ac) 0 2a b Note que D = −a∆, onde ∆ = b2 − 4ac, e portanto o discriminante não é mais ∆ = b2 − 4ac. Exemplo 2 : Seja p(X) = X3+aX2+bX+c. Então p′(X) = 3X2+2aX+b e o discriminante de p(X) é 1 a b c 0 0 1 a b c D = 3 2a b 0 0 = − (18abc− 4a3c + a2b2 − 4b3 − 27c2) 0 3 2a b 0 0 0 3 2a b 3.5. A RESULTANTE 77 Exemplo 3 : Seja f(X) = X3 + pX + q. Então f ′(X) = 3X2 + p e o discriminante de f(X) é 1 0 p q 0 0 1 0 p q D = 3 0 p 0 0 = 108 ( q2 4 + p 3 27 ) 0 3 0 p 0 0 0 3 0 p Exemplo 4 : Os resultados que obtivemos sobre resultantes nos permitem também resolver certos problemas de geometria anaĺıtica como por exemplo, achar os pontos de intersecção de duas curvas algébricas planas. Suponha que se queira achar os pontos de intersecção das curvas X2+Y 2+4X−2Y +3 = 0 e X2−Y 2 +4XY +10Y −9 = 0. Considerando X como parâmetro, as nossas equações, vistas como equações na indeterminada Y , se tornam: Y 2 − 2Y + (X2 + 4X + 3) = 0 e − Y 2 + (4X + 10)Y + +(X2 − 9) = 0. Para achar os pontos de intersecção das duas curvas, determinamos inicial- mente os valores deX, para os quais as equações acima tenham ráızes comuns como polinômios em Y . Consideremos a resultante destes dois polinômios: 1 −2 (X + 1)(X + 3) 0 R = 0 1 −2 (X + 1)(X + 3) = −1 4X + 10 (X + 3)(X − 3) 0 0 −1 4X + 10 (X + 3)(X − 3) 1 −2 (X + 1)(X + 3) 0 = 0 1 −2 (X + 1)(X + 3) = 0 4X + 8 (X + 3)(2X − 2) 0 0 −1 4X + 10 (X + 3)(X − 3) = 2(X + 3)2(X − 1)(X − 3) + 8(X + 2)(2X + 5)(X + 1)(X + 3) + + 2(X + 32)(X + 1)(X − 1) + 8(X + 2)(X + 3)(X − 3) = = 4(X + 3)(5X3 + 25X2 + 31X + 11) = 4(X + 3)(X + 1)(5X2 + 20X + 11). 80 CAPÍTULO 3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU Caṕıtulo 4 AS EQUAÇÕES DE GRAU ≤ 4 Neste caṕıtulo iniciaremos o estudo das equações algébricas propriamente ditas. A resolução das equações do primeiro grau se confunde com a divisão e era conhecida desde a antigüidade. Os babilônios sabiam extrair algumas ráızes quadradas e, portanto sabiam resolver algumas equações particulares do segundo grau. A fórmula resolvente da equação do segundo grau já era conhecida pelos matemáticos hindus do século 2. Passaram-se muitos séculos até que se conseguissem resolver as equações do terceiro e do quarto grau, o que foi realizado pelos matemáticos de Bolonha - Itália, no século 16. O problema da resolubilidade das equações de grau maior ou igual a cinco se constituiu desde então num dos problemas centrais da Matemática até ser totalmente elucidado pela Teoria de Galois na primeira metade do século 19. Neste Caṕıtulo discutiremos apenas a resolubilidade das equações de grau até quatro, deixando o restante da discussão para os próximos caṕıtulos. 4.1 A Equação do Segundo Grau Considere a equação aX2 + bX+ c = 0 com coeficientes em C e a 6= 0 . A fórmula que fornece as ráızes desta equação em função dos seus coeficientes 81 82 CAPÍTULO 4. AS EQUAÇÕES DE GRAU ≤ 4 costuma ser deduzida completando quadrados como segue: aX2 + bX + c = a ( X2 + b a X ) + c = a ( X2 + 2 b 2a X + b 2 4a2 ) + c− b2 4a = a ( X + b 2a )2 + c− b2 4a Portanto, α é raiz da equação se, e somente se, a ( X + b 2a )2 + c− b 2 4a = 0, o que nos fornece por extração de raiz quadrada α = −b± √ b2 − 4ac 2a , onde √ b2 − 4ac é uma das ráızes quadradas do número complexo ∆ = b2−4ac, chamado discriminante da equação. Observe que este discrimi- nante difere do discriminante D do polinômio aX2 +bX+c como foi definido no Caṕıtulo 3, seção 5. A relação existente entre D e ∆ é dada da seguinte forma: D = ∣∣∣∣∣∣ a b c 2a b 0 0 2a b ∣∣∣∣∣∣ = −a(b2 − 4ac) = −a∆ O anulamento de ∆ (ou o que é o mesmo de D) nos fornece portanto a condição necessária e suficiente para que a equação do segundo grau tenha uma raiz dupla (igual a − b 2a ). Observe também que todo o desenvolvimento vale num corpo K algebri- camente fechado com carK 6= 2 no lugar de C Se os coeficientes a, b e c da equação aX2 + bX + c = 0 são reais, então pela fórmula resolvente temos o seguinte resultado: 1. ∆ > 0 se, e somente se, a equação tem duas ráızes reais distintas. 2. ∆ = 0 se, e somente se, a equação tem duas ráızes reais iguais. 4.2. A EQUAÇÃO DO TERCEIRO GRAU 85 Podemos então escrever u3 = z1 e v 3 = z2. Escolhendo uma das ráızes cúbicas de z1 e denotando-a por 3 √ z1, segue que as soluções de u3 = z1 são 3 √ z1, w · 3 √ z1, e w 2 · 3√z1, onde w = −1+i √ 3 2 é uma raiz cúbica da unidade. Denotando por 3 √ z2 a raiz cúbica de z2 tal que tal que 3 √ z1 · 3 √ z2 = −p3 , (cf. a segunda equação do sistema acima), o referido sistema admite as seguintes soluções: u1 = 3 √ z1, v1 = 3 √ z2 u2 = w · 3 √ z1, v2 = w 2 · 3√z2 u3 = w 2 · 3√z1, v3 = w · 3 √ z2 Segue então que a equação (14) possui as seguintes soluções: y1 = u1 + v1 = 3 √ − q 2 + √ q2 4 + p 3 27 + 3 √ − q 2 − √ q2 4 + p 3 27 , y2 = u2 + v2 = w · 3 √ − q 2 + √ q2 4 + p 3 27 + w2 · 3 √ − q 2 − √ q2 4 + p 3 27 e y3 = u3 + v3 = w 2 · 3 √ − q 2 + √ q2 4 + p 3 27 + w · 3 √ − q 2 − √ q2 4 + p 3 27 chamadas fórmulas de Cardan. As fórmulas resolventes da equação (12) podem ser obtidas pelas fórmulas de Cardan mediante as substituições em (13). Observe que o método que utilizamos é válido em qualquer corpo algebricamente fechado K tal que carK 6= 2, 3. Exemplo 2 : Resolvamos a equação X3 − 3X + 1 = 0 . Esta equação já é desprovida do seu termo do segundo grau, logo podemos usar diretamente 86 CAPÍTULO 4. AS EQUAÇÕES DE GRAU ≤ 4 as fórmulas de Cardan. Temos então que x1 = 3 √ −1 2 + √ 3 2 i + 3 √ −1 2 − √ 3 2 i, x2 = w · 3 √ −1 2 + √ 3 2 i+ w2 · 3 √ −1 2 − √ 3 2 i e x3 = w 2 · 3 √ −1 2 + √ 3 2 i+ w · 3 √ −1 2 − √ 3 2 i. Note que 3 √ −1 2 + √ 3 2 i = 3 √ w pode ser escolhido como sendo cos 2π 9 + i sen 2π 9 , portanto, 3 √ −1 2 − √ 3 2 i = 3 √ w̄ deve ser escolhido como sendo cos 2π 9 − i sen 2π 9 pois devemos ter 3 √ w · 3 √ w̄ = −p 3 = 1. Como w = cos 2π 3 + i sin 2π 3 , segue que x1 = ( cos 2π 9 + i sen 2π 9 ) + ( cos 2π 9 + i sen 2π 9 ) = 2 cos 2π 3 , x2 = w · ( cos 2π 9 + i sen 2π 9 ) + w · ( cos 2π 9 + i sen 2π 9 ) = 2 cos 8π 9 , e x3 = w · ( cos 2π 9 + i sen 2π 9 ) + w · ( cos 2π 9 + i sen 2π 9 ) = 2 cos 4π 9 . No exemplo acima temos que os coeficientes da equação e as ráızes são números reais. As fórmulas de Cardan nos expressam as ráızes sob forma algébrica, porém envolvendo números complexos. Muitas tentativas foram feitas para exprimir as ráızes de tais equações em termos de radicais reais, todas fracassando. As equações do do terceiro grau com coeficientes racio- nais, irredut́ıveis em Q[X] e possuindo todas as ráızes reais, são chamadas de caso irredut́ıvel. Foi somente no século 19 que tal mistério foi esclarecido, demonstrando-se através da Teoria de Galois que no caso irredut́ıvel é im- posśıvel exprimir as ráızes da equação em termos de radicais reais apenas. Voltaremos a este assunto no último Caṕıtulo. Exemplo 3 : Resolvamos a equação X3 + 3X − 4 = 0. Pelas fórmulas de 4.2. A EQUAÇÃO DO TERCEIRO GRAU 87 Cardan, esta equação possui as seguintes ráızes: x1 = 3 √ 2 + √ 5 + 3 √ 2− √ 5, x2 = −12 ( 3 √ 2 + √ 5 + 3 √ 2− √ 5 ) + i √ 3 2 ( 3 √ 2 + √ 5− 3 √ 2− √ 5 ) e x3 = −12 ( 3 √ 2 + √ 5 + 3 √ 2− √ 5 ) − i √ 3 2 ( 3 √ 2 + √ 5− 3 √ 2− √ 5 ) A equação tem portanto uma raiz real e duas ráızes complexas (conjugadas). Por inspeção vê-se que 1 é raiz da equação, dáı extráımos a seguinte igual- dade curiosa: 1 = 3 √ 2 + √ 5 + 3 √ 2− √ 5. Exemplo 4 : Resolvamos a equação X3 − 6X2 + 21X − 18 = 0. Para eliminar o termo do segundo grau, efetuuamos a substituição X = Y + 2 e obtemos a equação Y 3 + 9Y + 8 = 0, cujas ráızes são: y1 = 3 √ −4 + √ 43 + 3 √ −4− √ 43, y2 = w · 3 √ −4 + √ 43 + w2 · 3 √ −4− √ 43 e y3 = w 2 · 3 √ −4 + √ 43 + w · 3 √ −4− √ 43 Portanto, as ráızes da equação original são: x1 = y1 + 2, x2 = y2 + 2 e x3 = y3 + 2. Observação 1: O polinômio X3 + a2X 2 + a1X + a0 tem discriminante D = ∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣ 1 a2 a1 a0 0 0 1 a2 a1 a0 3 2a2 a1 0 0 0 3 2a2 a1 0 0 0 3 2a2 a1 ∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣ = −18a2a1a0 + 4a32a0 − a22 + 4a31 + 27a20. Este polinômio desembaraçado do seu termo do segundo grau é Y 3 + pY + q, com X = Y − a2 3 , p = a1− a 2 2 3 e q = 2a32 27 − a1a2 3 +a0. O discriminante deste 90 CAPÍTULO 4. AS EQUAÇÕES DE GRAU ≤ 4 caso contrário, deveria ter a conjugada com mesma multiplicidade. (2) Se D > 0, como −D é um quadrado, alguma das diferenças (xj − xi) deve ser não real. Logo pelo menos uma raiz é não real. Neste caso, só poderemos ter duas ráızes complexas conjugadas e a outra real. Recipro- camente, se uma das ráızes é α ∈ C − R, então as outras ráızes são ᾱ e β com β ∈ R. Tem-se que: D = −(α − ᾱ)2(α − β)2(ᾱ − β)2. Como (ᾱ− β)2 é o conjugado de (α − β)2, tem-se que o produto (α− β)2(ᾱ − β)2 é um número real positivo. Portanto o sinal de D é o mesmo sinal de −(α− ᾱ)2 = (2 i Im(α))2 = 4(Im(α))2 que é positivo. (3) Este caso decorre dos anteriores por exclusão. A história da resolução da equação do terceiro grau apresenta alguns lan- ces pitorescos. Conta-se que foi Scipio Del Ferro quem primeiro resolveu a equação do terceiro grau sem nunca publicar o seu resultado, limitando-se apenas a contar o seu feito a alguns amigos. Em 1535, Tartaglia redescobriu a resolução destas equações, mantendo o seu método em segredo para com ele coroar um tratado de Álgebra de sua autoria. Tartaglia revelou o seu segredo a Jerônimo Cardan sob juramento de não divulgá-lo. Cardan, não honrando o seu compromisso, publicou em 1545 o livro Ars Magna contendo o método de resolução da equação do terceiro grau dando, entretanto o devido crédito ao seu autor. Por terem sido publicadas pela primeira vez por Cardan, estas fórmulas levam o seu nome. O livro de Cardan contém também a resolução da equação do quarto grau devida ao seu disćıpulo Ludovico Ferrari e que será o assunto da próxima seção. O método que utilizamos para deduzir as fórmulas de Cardan é devido a Hudde e data de 1658. As fórmulas de Car- dan têm mais interesse teórico e histórico do que prático. Para calcular boas aproximações de ráızes de equações algébricas dispõe-se de métodos muito mais eficientes. 4.2. A EQUAÇÃO DO TERCEIRO GRAU 91 PROBLEMAS 4.2. 1. Usando as fórmulas de Cardan, resolva as seguintes equações: a) X3 + 9X − 6 = 0 b) X3 − 9X − 12 = 0 c) X3 − 3X + 2 = 0 d) X3 − 9X2 − 9X − 15 = 0 e) X3 − 5X + 2 = 0 f) X3 − 6X2 − 6X − 14 = 0 g) X3 + 12X − 30 = 0 h) X3 − 3X + i−3 2 = 0 2. Mostre que a) 3 √ 7 + √ 50 + 3 √ 7− √ 50 = 2 b) 3 √√ 108 + 10− 3 √√ 108− 10 = 2 c) 3 √√ 243 + √ 242− 3 √√ 243− √ 242 = 2 √ 2 3. Discuta, sem resolver, as ráızes das seguintes equações: a) X3 − 1 = 0 b) 2X3 − 5X + 7 = 0 c) X3 − 10X + 1 = 0 d) 2X3 + 3X2 + 6X − 12 = 0 e) X3 − 3X + 2 = 0 f) X3 − 3X2 + 3 ( 1 + 3 √ 2 ) X − 3 · 3 √ 2 4. Em cada caso abaixo, construa e determine as outras ráızes de uma equação do 30 grau com coeficientes racionais tendo o número indicado como raiz. a) 3 √ 3− 3 √ 9 b) 3 √ 2 + √ 3 + 3 √ 2− √ 3 5. Mostre que a parábola Y = X2 e a hipérbole XY + 8X + 4Y + 3 = 0 possuem somente um ponto de intersecção com ambas as coordenadas reais. 6. Seja f(X) = X3 + 3aX + 2 ∈ R[X]. (a) Determine os valores reais de a para os quais a função polinomial real y = f(X) tenha tres ráızes reais distintas. (b) Determine o valor real de a para o qual esta função tenha uma raiz múltipla e encontre, neste caso, as suas ráızes. 92 CAPÍTULO 4. AS EQUAÇÕES DE GRAU ≤ 4 (c) Determine os valores reais de a para os quais esta função tenha duas ráızes complexas (conjugadas). (d) Esboce o gráfico em cada caso um dos casos (a), (b) e (c). 7. Considere o poliômio p(X) = X3 + a2X 2 + a1X + a0, com a2, a1, a0 números reais. Discuta o sinal de p(X) para valores reais de X segundo o sinal de D e da posição de X relativamente às ráızes reais. 8. Considere a igualdade a3X 3 + a2X 2 + a1X + a0 = a3(X − x1)(X − x2)(X − x3) onde x1, x2 e x3 são as ráızes do polinômio do lado esquerdo da igual- dade. Usando o método dos coeficientes a determinar, mostre que a) x1 + x2 + x3 = −a2a3 b) x1 · x2 + x1 · x3 + x2 · x3 = a1a3 c) x1 · x2 · x3 = −a0a3 9. Sejam y1, y2 e y3 as ráızes da equação Y 3 + pY + q = 0. Observando que a fórmulas de Cardan se expressam como y1 = u1 + v1, y2 = wu1 + w 2v1, e y3 = w 2u1 + wv1. Mostre que y1 + wy2 + w 2y3 = 3v1, y1 + wy3 + w 2y2 = 3u1. Conclua que valem as seguintes relações: (y1 + wy2 + w 2y3) · (y1 + wy3 + w2y2 = −3p (y1 + wy2 + w 2y3) 3 + (y1 + wy3 + w 2y2) 3 = −27q 10. Sejam x1, x2 e x3 as ráızes da equação X 3 + a2X 2 + a1X + a0 = 0. Mostre que valem as igualdades (x1 + wx2 + w 2x3) · (x1 + wx3 + w2x2 = −3a1 + a22 (x1 + wx2 + w 2x3) 3 + (x1 + wx3 + w 2x2) 3 = −2a32 + 9a1a2 − 27a0. (Sugestão: Use o Problema 2.8 e as relações entre x1, x2, x3, a0, a1, a2 e y1, y2, y3, p, q). Caṕıtulo 5 O GRUPO SIMÉTRICO Num trabalho publicado em 1771 cêrca de dois séculos após os traba- lhos dos algebristas bolonheses que estudamos no Caṕıtulo 4, Joseph Louis Lagrange (ou Giuseppe Luigi Lagrangia como reivindicam os italianos), apro- fundou o estudo das relações entre coeficientes e as ráızes de um polinômio, mediante a introdução dos grupos simétricos e de suas propriedades. Este estudo conduziu-o a achar um método unificado para atacar a resolução das equações algébricas de qualquer grau. O método funcionou maravilhosa- mente no caso das equações do terceiro e quarto graus, como veremos no próximo caṕıtulo, mas apresentou dificuldades na tentativa de resolver a equação do quinto grau. Apesar de Lagrange não ter conseguido resolver os problemas da Teoria das Equações Algébricas, os seus trabalhos criaram instrumentos para que P. Ruffini e N. H. Abel, numa série de trabalhos realizados entre 1799 e 1824, demonstrassem a impossibilidade de resolver a equação geral do quinto grau. Posteriormente, Evariste Galois, retornando às idéias de Lagrange, escreveu uma das mais belas e importantes páginas da Matemática, a Teoria de Galois. 5.1 Relações Entre Coeficientes e Ráızes O nosso objetivo nesta seção é determinar as relações existentes entre os coeficientes e as ráızes das equações algébricas. 95 96 CAPÍTULO 5. O GRUPO SIMÉTRICO Seja K um corpo e X1, X2, . . . , Xn indeterminadas sobre K. Considere o polinômio: (X +X1)(X +X2) · · · (X +Xn) ∈ K[X,X1, X2, . . . , Xn]. Queremos escrever este polinômio como elemento de K[X1, . . . , Xn][X]. Para este efeito, introduziremos os seguintes polinômios de K[X1, . . . , Xn] : s1(X1, . . . , Xn) = ∑ i Xi = X1 + · · ·+Xn s2(X1, . . . , Xn) = ∑ i1<i2 Xi1Xi2 = X1X2 +X1X3 + · · ·+Xn−1Xn s3(X1, . . . , Xn) = ∑ i1<i2<i3 Xi1Xi2Xi3 = X1X2X3 +X1X2X4 + · · ·+Xn−2Xn−1Xn ... sn−1(X1, . . . , Xn) = ∑ i1<i2<···<in−1 Xi1Xi2 · · ·Xin−1 = X1X2 · · ·Xn−1 + · · ·+X2X3 + · · ·+Xn sn(X1, . . . , Xn) = X1X2 · · ·Xn Pede-se ao leitor verificar as seguintes relações, válidas para todo n, s1(X1, . . . , Xn) = s1(X1, . . . , Xn−1) +Xn s2(X1, . . . , Xn) = s2(X1, . . . , Xn−1) +Xns1(X1, . . . , Xn−1) s3(X1, . . . , Xn) = s3(X1, . . . , Xn−1) +Xns2(X1, . . . , Xn−1) ... sn−1(X1, . . . , Xn) = sn−1(X1, . . . , Xn−1) +Xnsn−2(X1, . . . , Xn−1) sn(X1, . . . , Xn) = Xnsn−1(X1, . . . , Xn−1) LEMA 5.1. Temos a seguinte relação: (X −X1)(X −X2) · · · (X −Xn) = = Xn − s1(X1, . . . , Xn)Xn−1 + · · ·+ (−1)n−1sn−1(X1, . . . , Xn)X+ +(−1)nsn(X1, . . . , Xn). 5.1. RELAÇÕES ENTRE COEFICIENTES E RAÍZES 97 Demonstração: A demonstração será feita por indução sobre n ≥ 2. Para n = 1, o resultado é óbvio. Vamos supor que a fórmula vale para n e provar que vale para n + 1. Multiplicando por (X − Xn+1) ambos os lados da igualdade no enunciado do Lema, obtém-se: (X −X1)(X −X2) · · · (X −Xn)(X −Xn+1) = = [Xn − s1(X1, . . . , Xn)Xn−1 + · · ·+ (−1)nsn(X1, . . . , Xn)](X −Xn+1) = = Xn+1 − [s1(X1, . . . , Xn) +Xn+1]Xn+ +[s2(X1, . . . , Xn)X n−1 +Xn+1s1(X1, . . . , Xn)]X n−1 + · · ·+ +(−1)n[sn(X1, . . . , Xn) +Xn+1sn−1(X1, . . . , Xn)]X+ +(−1)n+1Xn+1sn(X1, . . . , Xn) = = Xn+1 − s1(X1, . . . , Xn)Xn + · · ·+ (−1)nsn(X1, . . . , Xn)X+ +(−1)n+1sn+1(X1, . . . , Xn). PROPOSIÇÃO 5.1. Se x1, x2, . . . xn são as ráızes de a0 + a1X + · · · + anX n = 0, então s1(x1, . . . , xn) = −an−1an s2(x1, . . . , xn) = −an−2an ... si(x1, . . . , xn) = (−1)i an−ian ... sn(x1, . . . , xn) = (−1)n a0an Demonstração: Sendo x1, . . . , xn as ráızes da equação a0 + a1X + · · ·+ anXn = 0, temos pelo Lema 1 que a0 + a1X + · · ·+ anXn = an(X − x1) · · · (X − xn) = = an[Xn − s1(x1, . . . , xn)Xn−1 + · · ·+ (−1)n−1sn−1(x1, . . . , xn)X+ +(−1)nsn(x1, . . . , xn). Igualando os coeficientes dos termos de mesmo grau, obtém-se o resultado. As igualdades na Proposição acima são chamadas relações entre coefici- entes e ráızes da equação dada. Estas relações nos dão um sistema de n equações (não lineares) nas n incógnitas x1, x2, . . . , xn. É natural pensar em resolver o sistema para obter as ráızes x1, x2, . . . , xn. Vejamos num exemplo
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved