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Guias e Dicas
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Morfologia e sintaxe, Notas de estudo de Engenharia Biológica

resumo de lingua portuguesa

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 26/11/2010

ailton-pereira-goncalves-12
ailton-pereira-goncalves-12 🇧🇷

3.7

(3)

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Baixe Morfologia e sintaxe e outras Notas de estudo em PDF para Engenharia Biológica, somente na Docsity! Morfologia e sintaxe Morfologia e Sintaxe Tradicionalmente morfologia e a sintaxe são respectivamente os domínios da palavra e da frase. A noção de palavra que, como veremos, escapa a qualquer definição formal unitária, está no centro dos estudos da linguagem desde a antiguidade. Veja-se essa definição do discurso (oratio), pelo gramático latino Diomedo1: ‘Oratio est compositio dictionum consumans sententiam remque perfectam significans ... Oratio est ore missa et per dictiones ordinata pronuntiatio’ (O discurso é uma composição de palavras que completa um pensamento e significa uma realidade completa .... O discurso é produzido pela boca e a pronuncia é organizada em palavras). Para Diomedo, a palavra é uma vox articulata cum aliqua significatione, “um som articulado com alguma significação”. As gramáticas escolares modernas retomam essa definição quase literalmente. Cunha (1972:54), por exemplo, afirma que ‘uma PALAVRA é constituída de elementos materiais (vogais, consoantes, semivogais, sílabas, acento tônico) a que se dá um sentido e que se presta a uma classificação.’ Como exemplo, o autor cita a palavra ‘boi’, designativo de ‘um quadrúpede ruminante que serve para os trabalhos de carga e para a alimentação’, definido-a como ‘um substantivo comum, concreto, primitivo, simples, masculino, singular; monossílabo, tônico, formado da consoante /b/ seguida do ditongo decrescente /oi/’. Em Abaurre, M. L. et al (2003:156) encontramos a seguinte definição de palavra: ‘Palavra é uma unidade lingüística de som e significado que entra na composição dos enunciados da língua’. Já a noção de frase, fazendo referência a uma seqüência de palavras sintaticamente organizadas, é uma noção moderna. Como vimos acima, o termo Oratio (logos em grego – tradicionalmente traduzido pelo termo Discurso ) remete à expressão de um pensamento completo, noção impossível de definir de maneira precisa. É 1 Apud Charpin (1980), p. 26. 1 Morfologia e sintaxe interessante notar que as definições de Frase nos manuais escolares também fazem referência à completude do sentido. Cunha (1972:85) define frases como ‘enunciações de sentido completo, as verdadeiras unidades da fala e das quais nos servimos quando expressamos nossos pensamentos e sentimentos’. Para Abaurre, M. L. et al (2003:156), a frase é definida como ‘um enunciado lingüístico que, independente de sua estrutura ou extensão, traduz um sentido completo em uma situação de comunicação. Outra característica da frase é que adotamos uma entoação específica que marca seu início e seu fim.’ Para definir frase, Cegalla (1998) também recorre ao sentido: ‘frase é todo enunciado capaz de transmitir, a quem nos ouve ou lê, tudo o que pensamos, queremos ou sentimos. Pode revestir as mais variadas formas, desde a simples palavra até o período complexo, elaborado segundo os padrões sintáticos do idioma.’ A lingüística moderna, de maneira mais ou menos explícita, retoma essa caracterização operacional. O que diferencia as teorias é a relação que se estabelece na descrição e explicação dos fenômenos entre a forma da frase e o seu sentido, em particular no que diz respeito à sua inserção numa dada situação de comunicação. Na abordagem funcionalista, essa relação é determinante, e a sintaxe é vista como o reflexo das funções comunicativas veiculadas pela frase. Desse ponto de vista, forma e uso são indissociáveis na explicação dos fenômenos sintáticos. Na abordagem da Teoria da Gramática Gerativa, ao contrário, a sintaxe é um componente autônomo, com princípios próprios que independem do uso. Escolhemos organizar este capítulo não pela apresentação dos diversos modelos, mas em torno das grandes questões levantadas pelo estudo da linguagem. Na Seção I, veremos como a linguística moderna formula as questões levantadas pela definição tradicional da frase. Na seção II, definiremos gramática à luz da dicotomia Lingua- Interna/Língua-Externa, apresentada com base na comparação entre o Português europeu e o Português brasileiro. Os universais da linguagem e os parâmetros de variação entre as 2 Morfologia e sintaxe informação velha. Informação velha e nova são noções que remetem ao contexto discursivo no qual os enunciados são produzidos, e vemos claramente que a sintaxe do português codifica essas noções. De fato todas as línguas têm recursos para codificar essas noções.3 A questão que divide as teorias é assim a centralidade ou marginalidade desse efeito do discurso sobre a forma dos enunciados no modelo de sintaxe que se constrói. Nas palavras de Givón, as diversas construções sintáticas não são senão a codificação das funções pragmático-discursivas: Construções ou tipos de oração são então instrumentos de codificação gramatical que sinalizam funções discursivo-pragmáticas. (op. cit. p. 19). Do ponto de vista da Teoria da Gramática Gerativa, essa idéia da gramática codificando as funções discursivo-pragmáticas é inaceitável porque o componente gramatical é autônomo em relação ao componente pragmático que, para Chomsky, faz parte dos sistemas de desempenho. Na última versão da teoria, o Programa Minimalista, a gramática é representada como um sistema gerativo que constrói objetos lingüísticos interpretados como instruções para os sistemas de desempenho: A língua está encaixada em sistemas de performance que permitem que as suas expressões sejam usadas para articular, interpretar, referir, perguntar, refletir, e exercer 3 Note-se que não são forçosamente recursos sintáticos. A marcação fonológica existe em muitas línguas, inclusive no português, onde uma frase como (4) pode ser parafraseada por i): i) ‘O gato comeu o RATO (e não a lagartixa)’. Onde as maiúsculas em i) representam um acento de intensidade na palavra “rato”. Em certas línguas, o foco não é marcado apenas sintaticamente, mas também morfologicamente e fonologicamente. O exemplo ii) é um exemplo de marcação morfológica, sintática e fonológica em hindi- urdu (cf Kidwai, 1999). Em i), o elemento ‘Ram’ é focalizado sintaticamente, através da ocupação da posição pré-verbal, morfologicamente, pela focalização in situ via cliticização do elemento hi a este elemento, e fonologicamente, através do acento contrastivo que ‘Ram’ porta. Nenhuma destas estratégias de focalização se encontra em distribuição complementar em hindi-urdu, uma vez que todas as três podem ser utilizadas em uma única sentença. ii) kitaab Ram-hii laayegaa (siitaa nahii). livro Ram-Emph trará Sita não ‘Ram trará o livro, não Sita.’ 5 Morfologia e sintaxe outras ações. Podemos considerar que cada DE4 é um complexo de instruções para estes sistemas de performance, fornecendo informação relevante para o seu funcionamento. (Chomsky (1995), p. 168, tradução de Eduardo Raposo, p. 244). Desse ponto de vista, a relação sintaxe/contexto discursivo é inversa àquela encontrada na concepção funcionalista da linguagem. No modelo chomskiano, a sintaxe vem primeiro, obedece a princípios próprios, e gera estruturas que funcionam como instruções para os sistemas de desempenho. Contudo, Chomsky não nega, sobretudo nos seus últimos textos, uma relação mais orgânica entre forma e função da linguagem: Se bem que a idéia de que a linguagem é “desenhada com vista ao uso” ou “bem adaptada às suas funções" não tenha um sentido claro, esperamos encontrar conexões entre as propriedades da linguagem e a maneira como é usada. (Op.cit., p. tradução de Eduardo Raposo, p. 244) O lugar exato dessa conexão é que continua em debate na teoria. Por outro lado, autores como Givón não negam que a linguagem comporta uma grande parte de arbitrariedade, ou seja, que nem tudo na língua pode ser explicado pela função desempenhada no discurso – o que ele chama de aspecto icônico da gramática: “A iconicidade da linguagem não é absoluta, mas antes uma questão de grau. Na maior parte das construções gramaticais, recursos (ou princípios) mais icônicos são mesclados com recursos (ou regras) simbólicos convencionais mais arbitrários. (op. cit. p. 34) Nas próximas seções, mostraremos, por um lado, como o estudo de diversos fenômenos dá uma justificação empírica à distinção entre níveis diferentes, articulados entre si, porém, de natureza diferente. Definiremos uma gramática de frase5 , regida por 4 “DE” significa “Descrição estrutural” 5 Cabe aqui uma observação sobre a tradução do termo inglês “phrase”. O equivalente em português não é propriamente “frase”, mas “sintagma”. Nesse sentido, seria mais adequado falar em “gramática sintagmática”. Porém, uma vez que esse termo não é de uso corrente, continuaremos a usar o termo 6 Morfologia e sintaxe princípios próprios, em interface com uma gramática de discurso, regida por outros princípios. Mostraremos como a primeira é logicamente anterior à segunda, uma vez que ela fecha opções. Mostraremos também que as línguas diferem entre si em relação àquilo que faz parte da gramática de frase, apontando para a necessidade de distinguir claramente dois níveis para dar conta de maneira satisfatória da diferença entre as línguas. 2. Dois níveis de interpretação semântica A distinção entre a gramática de frase e gramática de discurso na gramática gerativa tem sua origem no modelo de interpretação semântica proposto por Chomsky no seu livro Reflexions on Language. Nesse livro, Chomsky retoma sua polêmica com os proponentes da Semântica Gerativa, que propunham que toda a interpretação semântica das frases fosse codificada na estrutura profunda a elas associada6. Um bom exemplo dessa teoria se encontra na questão da interpretação dos pronomes. Na Semântica gerativa, um enunciado ambíguo como: 5) João sabe que ele é inteligente. tem duas derivações diferentes conforme a interpretação do pronome. Na interpretação em que ele refere a uma pessoa previamente mencionada no discurso, distinta de João, a estrutura profunda já contem o pronome, ficando igual à estrutura superficial. Mas na interpretação em que ele refere a João, a estrutura profunda contem duas ocorrências de João: João sabe que João é inteligente. Uma regra de ‘gramática de frase’. 6 Os detalhes do debate se encontram nos ensaios reunidos em Studies on Semantics in Generative Grammar. 7 Morfologia e sintaxe configurações possíveis nas quais dois elementos da estrutura entram numa determinada relação. Ele também desempenha um papel central na interpretação dos pronomes, e das expressões nominais em geral, entrando na definição de ligação (em inglês “binding”). Uma determinada expressão nominal A liga outra expressão nominal B quando, além de haver co-referência entre A e B, A c-comanda B. Nesse caso, se configura uma dependência referencial de B em relação a A. No caso de 6), uma vez que ele c-comanda João, se ele e João são co-referentes, ele “liga” João, ou seja, João depende referencialmente de ele. Isso viola um dos princípios de ligação que diz que os nomes – tendo uma referência intrínseca - não podem ser ligados12. Em 7), ele não c-comanda João, e, portanto, não está em situação de ligar João. É o que permite, de maneira um tanto paradoxal, que ele e João sejam co-referentes. De fato, a correferência por si só não é uma noção gramatical, mas mais bem uma noção discursiva. Saber se ele e João são a mesma pessoa em 7) não depende da gramática. O que a gramática diz é que podem ser a mesma pessoa. Já em 6), isso não é possível porque, se fossem co-referentes, a relação estrutural em que se encontram definiria uma relação de dependência referencial que viola os princípios de ligação. Esse bloqueio da interpretação de identidade referencial entre o pronome e o nome aponta para a precedência da gramática sobre o discurso. 3. Gramática de frase e gramática de discurso Vimos acima que a frase é de fato o âmbito de dois tipos de regras de interpretação semântica. As que são regidas por princípios internos, sensíveis à estrutura, e outras que são de natureza diferente, e remetem ao contexto discursivo. 12 Os princípios de ligação são três: - O princípio A, que diz respeito às anáforas (pronomes reflexivos e recíprocos), diz que uma anáfora tem que ser ligada na oração que a contem imediatamente; - O princípio B, que diz respeito aos pronomes pessoais, diz que um pronome pessoal não pode ser ligado na oração que o contem imediatamente; - O Princípio C, que diz respeito aos nomes, diz que um nome não pode ser ligado nunca. 10 Morfologia e sintaxe Vejamos outros exemplos dessa distinção, que dizem respeito, de novo, à interpretação dos pronomes. Os princípios de ligação bloqueiam também a interpretação de ele como Pedro na frase seguinte: 8) *O Pedroi viu elei Já em 9), essa interpretação é lícita, apesar de não obrigatória: 9) O Pedro sabe que a Maria viu ele. Isso se deve ao fato de que o princípio de ligação que diz respeito aos pronomes é sensível a um outro aspecto típico da gramática: a localidade. Um pronome não pode ser ligado por outra expressão nominal na oração que o contem, mas o pode fora dela. A diferença entre 8) e 9) é que em 8) o Pedro e ele estão na mesma oração, mas não em 9). Consideremos agora a interpretação do pronome ele nas frases 10) e 11): 10) O Zé, o Pedro viu ele. 11) O Zé, o Pedro sabe que a Maria viu ele. Tanto em 10) quanto em 11), a única interpretação possível para ele é Zé. Pelo que vimos até agora, isso não decorre imediatamente dos princípios de ligação. Com efeito, esses têm como efeito impedir ou tornar possível uma relação de correferência. Mas nunca a tornam obrigatória. Por outro lado, pelos princípios de ligação, ele não poderia ser interpretado como referindo a Pedro em 10), mas poderia em 11). Ora essa interpretação é bloqueada nos dois casos. O que está em jogo aqui é claramente um outro princípio. O sintagma nominal O Zé é, nos dois casos, o tópico discursivo do qual as orações o Pedro viu ele e o Pedro sabe que a Maria viu ele são o comentário. Isso 11 Morfologia e sintaxe implica que haja nessas orações uma posição ocupada por uma expressão nominal referindo a Zé. O pronome desempenha essa função. Esse é um princípio de natureza discursiva que pode ser derivado de um princípio maior de coerência discursiva. A comparação entre 8) e 9) por um lado, e 10) e 11) pelo outro, faz aparecer uma outra diferença entre os fenômenos de frase e os fenômenos de discurso. No primeiro caso, existe a sensibilidade já apontada para a localidade da relação. Faz diferença o pronome estar ou não estar na mesma oração que o nome. Já em 10) e 11), isso claramente não interfere. É porque a relação do tópico com o pronome não é direta, mas mediatizada pela sentença interpretada como comentário. Essa relação está fora do escopo dos princípios de ligação. Ela é de mesma natureza que a que se estabelece entre duas frases sucessivas: 12) O Zé não pode vir amanhã. Ele tem um compromisso importante em São Paulo. Em 12), é um princípio de coerência discursiva que nos leva a interpretar o pronome sujeito da segunda sentença como sendo Zé. Obviamente, nesse caso, a gramática de frase não tem nenhuma incidência, uma vez que o nome e o pronome não estão na mesma frase. Isso nos leva a pensar que o tópico em 10) e 11) também está de alguma maneira externo à frase. Isso explicaria um fenômeno ilustrado pelo seguinte contraste do português europeu apresentado por Inês Duarte na sua tese de doutorado sobre o tópico em português europeu: 13) O João, imagina que o amigo dividiu com ele os direitos de autor 14) *Imagina que o João, o amigo dividiu com ele os direitos de autor! 12 Morfologia e sintaxe primeira a apontar para essa característica foi Eunice Pontes, num trabalho que deu início a uma linha de pesquisa muito frutífera.13 Com base nos estudos tipológicos de Li e Thompson (1976), Pontes mostrou que o PB tinha um funcionamento sintático de “língua orientada para o tópico”, aproximando-se nisso de línguas geneticamente muito distintas como o chinês. Essas línguas têm como particularidade privilegiar a relação tópico/comentário na frase. Voltaremos a essa característica do PB na seção II, ao discutir a noção de “Língua-Interna”. Antes disso, faremos uma breve apresentação da arquitetura da gramática, ou seja, da maneira como os seus diversos componentes se relacionam no modelo de Princípios e Parâmetros14 da Teoria da Gramática Gerativa. 4. A arquitetura da gramática No modelo de Princípios e Parâmetros a gramática pode ser representada da seguinte maneira: Léxico → Estrutura-D | Estrutura-S / \ Forma Lógica (LF) Forma Fonológica (PF) O léxico é o ponto de partida de toda a derivação. Nele, os itens lexicais estão listados não só com os seus traços semânticos e fonológicos, mas também com as suas propriedades de “seleção”. A seleção pode ser unicamente sintática, quando envolve categorias que não têm propriedades semânticas, mas pode ser também de natureza 13 Cf. Galves (1998) e os ensaios sobre o PB, reunidos em Galves (2001), e Negrão (1999), entre outros. 14 O lugar da morfologia será mais sistematicamente tratado na seção V. Para uma introdução em português ao Modelo de Princípios e Parâmetros da Teoria da Gramática Gerativa, ver Raposo (1992), e Mioto et al. (2004). O livro de Lúcia Lobato é mais antigo, mas apresenta uma interessante retrospectiva da Teoria Gerativa, além de uma história mais geral da reflexão grammatical. 15 Morfologia e sintaxe semântica. Nesse caso, se fala em “estrutura argumental”. A noção de estrutura argumental tem uma relevância particular para os verbos, que é a categoria com mais diversidade na definição de elementos selecionados15. A tradicional questão de classes de verbos pode ser traduzida em termos de estrutura argumental. Um verbo transitivo, por exemplo, tem dois argumentos, seu complemento, ou argumento interno, e seu sujeito, ou argumento externo16. Os verbos bitransitivos têm três argumentos, dos quais dois são argumentos internos, os intransitivos só têm argumento externo. Faz parte da competência lexical dos falantes associarem a cada verbo sua estrutura de argumentos. A estrutura-D (do inglês Deep Structure, ou Estrutura profunda) é a projeção direta da estrutura argumental. Nesse nível, os argumentos estão na posição definida pelo léxico. Mas essa posição não é forçosamente aquela que aparece visivelmente na estrutura. Veremos vários casos dessa não correspondência da posição sintática dos elementos da frase e da sua interpretação mais abaixo. Nas orações passivas, por exemplo, o que é interpretado como o complemento do verbo está na posição sintática de sujeito. As orações interrogativas também costumam ter argumentos deslocados no início da frase, independentemente da posição onde estão interpretados. O deslocamento é uma propriedade das línguas humanas. Por isso, existe um nível adicional de representação, relacionado com a Estrutura-D pela operação de movimento: a Estutura-S (ou Estrutura Superficial)17. A Estrutura-D e a Estrutura-S estão relacionadas uma a outra pelas operações de movimento18. 15 A noção de argumento é emprestada da lógica clássica, onde predicados são saturados por argumentos. 16 Para argumentos de que os complementos são mais internos do que os sujeitos, cf. Mioto et al.., Cap. III. 17 A superficialidade da Estrutura-S é obviamente muito mais relativa do que no Modelo Padrão da Gramática Gerativa. A rigor, a estrutura superficial nesse modelo é a forma fonológica. 18 Note-se que não são só os argumentos que se movem, mas também outros elementos, como os verbos que se deslocam do sintagma verbal para se juntarem aos seus elementos de flexão. Isso é parametrizado nas línguas. Há evidências de deslocamento do verbo em línguas onde certos elementos, como a negação e certos advérbios, sempre seguem o verbo, por oposição a outras, onde esses elementos sempre precedem o 16 Morfologia e sintaxe Nesse modelo, a estrutura-S é o nível de representação sobre o qual incidem tanto as regras de interpretação fonológica, quanto as regras de interpretação semântica. Os dois níveis Forma Lógica19 (ou LF, do inglês Logical Form) e Forma fonológica (ou PF, do inglês Phonological Form) são a representação, respectivamente, do som e do sentido da frase, tal como são definidos pela gramática. São esses dois níveis que estão em interface com os módulos de desempenho. No que diz respeito à interpretação semântica, as regras IS1 de Reflexion on Language são as regras que associam a Estrutura-S à Forma Lógica. As regras IS-2 são todas aquelas que remetem à coerência discursiva, ao conhecimento do mundo, ao sistema de crenças, que compõem o que Chomsky, mais recentemente, chamou de Módulo Conceptual-Intencional. Paralelamente ao módulo Conceptual-Intencional que interpreta a Forma Lógica gerada pela gramática, temos o módulo articulatório perceptual que interpreta a Forma Fonológica. Nos dois casos, para dar conta dos fenômenos de linguagem, o modelo chomskiano define um espaço interno à gramática, e um espaço externo a ela, porém, em articulação com ela20. II. Língua interna/Língua externa O que é uma língua? Em Knowledge of Language, Chomsky distingue duas definições: língua como Língua-Interna (Língua-I) e língua como Língua-Externa verbo. Cf. o contraste entre o francês e o inglês representados respectivamente em (i) e (ii): (i) Jean voit souvent Marie. (ii) John often sees Mary. 19 O termo Forma Lógica se deve ao uso de recursos de notação da lógica clássica para a representação de certas relações semânticas. 20 Cf.a citação de Chomsky (1995) na Seção I.1. 17 Morfologia e sintaxe Na estrutura, temos elementos que não são visíveis no enunciado, porque não têm realização morfológica, mas que são interpretados pelos falantes. Representamos esses elementos por cv, categoria vazia. Aqui, podemos dizer que se trata de um nome nulo. Além disso, usamos o recurso da co-indexação para marcar a identidade referencial entre as posições: a cv interpretada como João em a’ é o objeto, mas em b’ é o sujeito. Se ficarmos na superficialidade do enunciado, não vemos nenhuma diferença entre o enunciado brasileiro e o enunciado português. A seqüência morfossintática é a mesma. Se passarmos para a estrutura, que representa a interpretação, e, por isso, contem elementos abstratos, percebemos que os falantes de PB e de PE não tratam o enunciado da mesma maneira. Crucialmente, os primeiros têm a sua disposição uma estrutura a mais para associar ao enunciado. Isso mostra que o “sistema subjacente de regras dominado pelo locutor-ouvinte” brasileiro, para retomar os termos de Chomsky, é diferente do “sistema subjacente de regras dominado pelo locutor-ouvinte” brasileiro. Ou seja, que suas gramáticas – ou Línguas-I – são diferentes. São muitos os outros casos na língua que nos levam à mesma conclusão. Apresentarei mais um, que ilustra o mesmo ponto de maneira um pouco diferente. Considere-se a seguinte frase: 22) O relógio quebrou o ponteiro. Em PB, essa frase é sinônima de: 23) Quebrou o ponteiro do relógio. 20 Morfologia e sintaxe Para os locutores de PE, essa interpretação é impossível. A frase fica, portanto, inaceitável, a não ser no contexto de um mundo de fantasia no qual o relógio tem a possibilidade de quebrar seu próprio ponteiro. Isso significa que a única interpretação disponível para os falantes portugueses é aquela em que o sujeito de quebrar é interpretado como agente da quebra, como em: 24) O João quebrou o vaso de flores. Note-se que essa interpretação também é possível para os falantes brasileiros, mas ela é normalmente obliterada por razões discursivas: a não ser nos filmes de Walt Disney, um relógio não pode ser agente. Se distinguirmos bem esses dois planos, o discursivo e o sintático, percebemos que, de novo, a Língua-I dos locutores brasileiros possibilita duas interpretações onde a Língua-I dos locutores portugueses só disponibiliza uma. Temos, portanto, razões de pensar que são diferentes. Para representar a interpretação de 22) pelos locutores brasileiros, temos de recorrer de novo a categorias vazias co-indexadas, que mostram as relações percebidas pelos falantes, apesar da ausência de elementos morfológicos visíveis expressando essa relação. A estrutura (22’) representa a interpretação de relógio em 22) como complemento de ponteiro: 22’) O relógioi quebrou [o ponteiro cv i] A impossibilidade para um locutor de PE associar essa mesma interpretação ao enunciado mostra que essa estrutura não é disponível na sua língua-I. Podemos dizer que essa estrutura não é gramatical em PE. Vale ressaltar então que o que é ou não é gramatical não é um enunciado, mas uma estrutura abstrata associada a um enunciado. 21 Morfologia e sintaxe Quanto ao enunciado, será aceitável ou não. Vimos acima que a sua aceitabilidade pode depender de considerações discursivas (por exemplo, da determinação de mundos possíveis). As noções de “aceitabilidade” e “agramaticalidade” devem, portanto, ser distinguidas. “Aceitabilidade” é uma noção que remete à Língua-Externa e ao uso. “Gramaticalidade” remete à estrutura, portanto à Língua-Interna e à competência. Os fenômenos que apresentamos até agora não são isolados, o que é de se esperar se eles são produzidos por diferenças gramaticais. É uma característica do PB, por oposição ao PE, ter em posição inicial da oração um sintagma nominal que é interpretado em relação com uma outra posição: 25) Essa bolsa cabe muitas coisas. “Cabe muitas coisas nessa bolsa.” 26) O João operou. “Alguém operou o João.” 27) A revista xerocou “Alguém xerocou a revista.” Note-se também que as frases 26) e 27) poderiam ser parafraseadas por uma passiva21: 28) O João foi operado. 29) A revista foi xerocada. 21 Note-se, contudo, que o agente está mais presente na interpretação da passiva. Assim, pode-se dizer (i) mas não (ii): (i) A revista foi xerocada para ganhar tempo. (ii) *A revista xerocou para ganhar tempo. 22 Morfologia e sintaxe Toda a argumentação acima foi no sentido de mostrar que duas línguas aparentemente muito parecidas podem corresponder a gramáticas distintas. Mas é possível inverter o paradoxo e mostrar que duas línguas aparentemente muito diferentes não o são tanto assim e compartilham propriedades fundamentais. A Teoria de Princípios e Parâmetros (Chomsky 1981, 1985, 1995) procura formular, por um lado, os princípios gerais da Gramática Universal, supostamente compartilhada por todas as línguas naturais, e, por outro lado, os parâmetros de variação que explicam as diferenças entre elas. Segundo Baker (2001): “Um parâmetro é simplesmente um ponto de escolha na receita geral das línguas humanas. Um parâmetro é um ingrediente que pode ser acrescentado para fazer um tipo de língua, ou deixado de lado para fazer um outro tipo. Um parâmetro pode também ser um procedimento de combinação que pode ser feito de duas ou três maneiras para dar dois ou três tipos de línguas diferentes. Se você toma os ingredientes genéricos da linguagem, acrescenta o tempero B e chacoalha, você obtem o inglês. Se você toma os mesmos ingredientes básicos, mas em lugar do tempero B, você acrescenta o aditivo D e E e agita, você obtem o navajo. As Linguas-I são receitas e os parâmetros, os poucos passos básicos nessas receitas onde as diferenças entre as línguas podem ser criadas.” (op. cit. p. 57) Os princípios constituem assim a receita geral das línguas humanas, com que cada criança vem equipada ao nascer. Algumas escolhas, porém, ficam em aberto, que no processo de aquisição, expostas a uma realização particular da linguagem humana, as crianças terão que fazer. Quais são os ingredientes básicos da linguagem? Mencionamos, de maneira genérica, os princípios da gramática universal. Mas precisamos especificar primeiro os objetos sobre os quais esses princípios operam. As categorias como Nome, Verbo, Adjetivo, etc.22 podem ser consideradas como primitivos da linguagem. Desde os primórdios da tradição gramatical, tentou-se propôr uma lista exaustiva daquilo que se 22 Para Diomedo, as partes do discurso são oito: nome, pronome, verbo, particípio, advérbio, conjunção, preposição, interjeição. Os leitores curiosos poderão facilmente perceber que essa lista ainda está muito atual nas gramáticas escolares. 25 Morfologia e sintaxe costumava chamar as “partes do discurso”. A lingüística moderna retomou muito da tradição, inovando, porém, num aspecto. Na tradição gramatical que nos vem dos antigos, partes do discurso correspondem a palavras, uma vez que, como vimos na introdução, “o discurso é uma composição de palavras”. Diomedo também define a palavra (dictio) como um som articulado provido de sentido. Ora, o estruturalismo apontou para o fato que a menor unidade correspondendo a essa definição não era a palavra, mas o morfema. Este é o assunto da seção V, mas é importante, desde já, apontar para o fato de que os primitivos da gramática não correspondem forçosamente a palavras. O fato de uma determinada categoria poder ser realizada ou não como uma palavra independente - ou seja, como morfema “livre” – é, aliás, uma das importantes diferenças entre as línguas. O artigo, por exemplo, que é expresso por um morfema livre em português, é incorporado ao nome, como uma marca flexional, em outras línguas. Em línguas de morfologia muito rica, como as línguas chamadas polissintéticas, uma frase inteira pode ser expressa por uma única palavra, composta de uma grande quantidade de morfemas expressando todas as relações envolvidas na frase23. Essas categorias, freqüentemente realizadas como morfemas presos, passaram a ser alvo de atenção especial na Teoria da Gramática Gerativa nos anos 80, ao serem consideradas como essenciais na geração das orações e o locus essencial das diferenças entre línguas. Passou-se assim a distinguir as categorias “lexicais”, como Nome e Verbo, das categorias “funcionais”, como Tempo, Concordância, Determinante, Complementador e outras que chegaram a ser definidas na literatura. As primeiras correspondem a listas grandes e abertas, sujeitas a permanentes inovações, de itens lexicais portadores de traços semânticos complexos. As segundas, ao contrário, são expressas por conjuntos limitados de itens lexicais, resistentes a inovações, e, geralmente, caracterizáveis por traços binários (+/-). O sufixo ‘-ar’ do português, por exemplo, pode ser caracterizado correspondendo à categoria Tempo, com o traço [-finito] . Novos verbos do português podem ser criados acrescentando à raiz verbal esse sufixo. 23 Cf. Sândalo (2001) e Seção V. 26 Morfologia e sintaxe Vejam-se, por exemplo, os neologismos “bitnetar” ou “lular”, nascidos nos anos 90 no Brasil, e já em desuso. Nenhuma inovação lexical, contudo, consiste em substituir o sufixo ‘-ar’ por outra realização morfológica. Esses elementos são extremamente resistentes a mudanças, e quando essas acontecem, elas envolvem profundas alterações na gramática como um todo.24 Apesar de terem propriedades claramente distintas, as categorias funcionais e lexicais obedecem aos mesmos princípios de construção, ou projeção, da frase. Da mesma maneira que um nome projeta obrigatoriamente um sintagma nominal (ou NP, do inglês Noun Phrase) e um verbo um sintagma verbal (ou VP, do inglês Verb Phrase) quando entram numa derivação sintática, a categoria Tempo projeta um TP (do inglês Tense Phrase), a categoria Concordância, um AgrP (do inglês Agreement Phrase), a categoria Determinante, um DP (do inglês Determiner Phrase), a categoria Complementador, um CP (do inglês Complementizer Phrase), etc.... Além disso, a estrutura interna dos NPs, VPs, TPs, DPs, e CPs, é regida pelos mesmos princípios. Em particular, pelo Princípio de Endocentricidade que diz que todo sintagma deve ter um núcleo de mesma categoria. Assim como todo NP tem um núcleo N, todo TP tem núcleo T. É visto no sentido oposto, o correlato da projeção referida acima: todo núcleo X0 projeta XP, e todo XP tem X0 como núcleo. Assim se pode dizer que XP é a projeção máxima de X0 25. Adicialmente, as relações definidas estruturalmente no interior dos sintagmas são as mesmas para todas as categorias e podem ser representadas da seguinte maneira: 31) [ XP Especificador [ X’ X Complemento ] ] 24 Temos um exemplo de mudança na morfologia de tempo na história do inglês, onde o sufixo de infinitivo do inglês antigo foi substituído pela preposição to. Sabemos que essa mudança se acompanhou numa grande reorganização da sintaxe do verbo na língua. 25 O conjunto de princípios que rege o formato dos sintagmas é conhecido como Teoria X’ (leia-se Teoria X-barra), para uma apresentação mais detalhada e formal, ver Raposo (1992) e Mioto et al. (2004), Cap. II. 27 Morfologia e sintaxe propriedade faz parte da receita geral. A maneira como esse caso é expresso é o ingrediente que produz a diferença entre as duas línguas. Em latim, a expressão é morfológica, em português, é configuracional. Línguas como o português requerem configurações estruturais nas quais os atribuidores de caso regem o sintagma nominal que recebe o caso. Como já repetimos várias vezes, regência envolve c-comando. Ou seja, uma categoria A rege uma categoria B se, e somente se, A c-comanda B. Mas não é suficiente. Uma outra propriedade das línguas naturais, presente na teoria da ligação, também emerge na noção de regência: a localidade. Como também já vimos anteriormente, as relações sintáticas são locais, ou seja, elas se dão num determinado domínio. A localidade também afeta o movimento. Por exemplo, não se pode mover uma palavra interrogativa de dentro de orações também interrogativas. É a razão pela qual, na frase 36), quando não pode ser interpretado como quando Maria foi embora, mas somente como quando João disse. 36) Quando que o João disse por que a Maria foi embora? Admitindo que o deslocamento de quando deixa uma categoria vazia, a representação da interpretação impossível da frase seria: 36’) Quandoi que o João disse porquej a Maria foi embora cvi? 36) contrasta com a frase 37) na qual quando pode ser interpretado tanto como modificando pensou, quanto modificando foi embora. 37) Quandoi que o João pensou que a Maria iria embora cvi? 30 Morfologia e sintaxe A diferença entre 36) e 37) é que, na primeira, existe um elemento interrogativo na oração subordinada que cria um domínio para a interpretação da categoria vazia. Já em 37), na ausência de tal elemento, a frase fica ambígua.27 Vale notar que esse fenômeno se encontra inclusive nas línguas que não tem movimento aparente dos sintagmas interrogativos, como o chinês. Em chinês, a ordem linear do equivalente de 36) é 38): 38) O João disse por que a Maria foi embora quando? O fato de essa frase ser mal formada em chinês, apesar de quando estar na posição em que seria interpretado, pode ser explicado se postularmos que a diferença entre o chinês e o português está na visibilidade do movimento do elemento interrogativo. Desse ponto de vista, os interrogativos se movem em todas as línguas para a posição inicial da frase (possivelmente porque o traço interrogativo que domina a frase como um todo provoca esse movimento) e em todas as línguas a interpretação envolve uma categoria vazia. Mas a diferença entre as línguas é que, em algumas, esse movimento é visível e em outras não é28. Uma última propriedade universal das línguas que vale mencionar é que quando um item lexical é projetado numa derivação sintática, as categorias que ele seleciona semanticamente ou sintaticamente devem ser projetadas também. No caso da seleção semântica, e em particular em relação aos verbos, falaremos de estrutura argumental. Esse princípio geral explica porque frases como 39) e 40) em inglês são mal formadas: 39) * John put on the table yesterday. 27 O fato de uma frase ser ambígua não impede que uma das interpretações seja preferida pelos falantes, por razões que têm a ver com o processamento. Assim, fora de contexto, 37) será mais facilmente interpretada com “quando” modificando “pensou”. 28 Uma maneira de dar conta dessa diferença é postular dois lugares diferentes para o movimento na gramática, tal como é representada pelo modelo em T. Se ele se dá antes da Estrutura-S, ele é acessível à interpretação fonológica e, portanto, visível. Se ele se dá depois da Estrutura-S, no componente que associa a Estrutura-S à Forma Lógica, ele não é acessível à interpretação fonológica e, portanto, invisível. 31 Morfologia e sintaxe John pôs na mesa ontem. 40) * Put the book on the table yesterday. Pôs o livro na mesa ontem. O verbo to put é um verbo transitivo, que seleciona dois argumentos, um argumento externo, seu sujeito, e um argumento interno, seu objeto. As frases do inglês são mal formadas porque, em 39), o objeto está ausente e, em 40), o sujeito está ausente. O leitor atento terá notado que as traduções para o português correspondem a frases bem formadas. O português é uma língua na qual tanto o sujeito quanto o objeto podem ser omitidos. A propriedade do sujeito nulo se encontra em muitas línguas do mundo. Um exemplo bastante estudado são as línguas românicas, menos o francês. A propriedade do objeto nulo parece menos frequente. Nas línguas românicas, o português - tanto PE quanto PB - é a única onde 39) é aceitável. Mas o PE e o PB diferem na extensão do fenômeno (cf. Galves 2001, cap. 8). Em relação a esse fenômeno, o PB se parece de novo muito com o chinês, que permite tanto sujeito, quanto objeto nulo. Assumindo o raciocínio desenvolvido acima a respeito dos lugares de diferença das línguas, podemos pensar que o que difere entre o PB e o inglês não é a aplicação do princípio de projeção dos argumentos na sintaxe, mas antes, a gramaticalidade de uma estrutura em que a posição sujeito e objeto são ocupadas por uma categoria vazia como representado em 39’ e 40’: 39’ John pôs cvi na mesa ontem 40’ cvi pôs o livro na mesa ontem Essas duas estruturas respeitam o princípio universal da projeção, uma vez que as posições sujeito e objeto existem - apesar de não serem visíveis. O que diferencia a gramática do PB da gramática do inglês, é que ela permite a identificação referencial das 32 Morfologia e sintaxe nosso objeto de estudo à Língua-I, ela fica excluída dos estudos de cunho gerativista. É efetivamente o que ocorreu na área durante muito tempo. Porém, nos anos 90, com o desenvolvimento dos estudos diacrônicos, a questão da variação e da mudança voltou a integrar a pauta dos estudos gerativistas e, com ela, a relação na mudança da Língua-I e da Língua-E. Essa relação é de mão dupla. Por um lado, para retomar as palavras de Pintzuck, Soulas e Warner (2000), o desafio é “interpretar a Língua-E dos textos históricos em relação à Lingua-I dos seus falantes (op. cit. p. ). Por outro lado, temos o desafio colocado por Givón: “Todas as pressões funcional-adaptativas que dão forma à estrutura sincrônica – idealizada - da linguagem são exercidas durante o efetivo desempenho. É onde a linguagem é adquirida e onde a gramática emerge e muda. É onde a forma se ajusta – criativamente e sob a impulsão da construção oportunística momentânea do contexto – a novas funções e sentidos extendidos. É também onde variação e indeterminação são os ingredientes necessários do mecanismo efetivo que modela e remodela a competência.”(op. cit. p. 6) É importante notar que, neste trecho, o funcionalista Givón põe em relação aquisição e mudança, que, para os gerativistas, são termos intimamente associados, já que do seu ponto de vista, a gramática muda na aquisição quando crianças de uma determinada geração escolhem uma gramática diferente da geração anterior. O modelo é claro. A questão de difícil elucidação, porém, é como se dá o ajuste entre os dados, variáveis e indeterminados, e a modelagem da competência. Essa questão tem sido recentemente posta na agenda dos gerativistas (cf. Kroch 2001 e Lightfoot 1991, 1999, entre outros). Remetemos o leitor interessado ao capítulo sobre mudança lingüística para mais detalhes. Uma última questão, essencial, resta ser elucidada. Se a gramática é determinística, qual é a origem da variação? A resposta é dupla. Por um lado, as gramáticas produzem variação de natureza sintática. Uma língua de sujeito nulo, ou de objeto nulo, por exemplo, também pode ter sujeito ou objeto pronominal expresso. Uma 35 Morfologia e sintaxe língua de ordem Sujeito-Verbo pode produzir, de maneira mais ou menos abrangente, a ordem Verbo-Sujeito dependendo da construção ou do próprio verbo. Uma língua de ordem Objeto-Verbo permite a ordem Verbo-Objeto em construções de extraposição do objeto. Uma língua V2, em que o verbo aparece normalmente na segunda posição, pode produzir, ainda que de maneira restritiva, ordens V3. A lista é longa e dificilmente exaustiva. Por outro lado, as comunidades lingüísticas não são forçosamente homogêneas do ponto de vista gramatical. Isso é particularmente verdadeiro em períodos de contato entre populações, por razões externas à própria língua: contatos, imigrações, invasões, etc... Esses períodos são geralmente geradores de mudança lingüística e podem ser traduzidos lingüisticamente em termos de competição de gramáticas (cf. Kroch 2001). Deve se notar também que um tipo particular de competição de gramáticas é gerador nos dados de uma quantidade importante de variação: a competição entre a gramática do vernacular e a gramática, ou gramáticas, ou fragmentos de gramáticas veiculados pela norma. Esta tem dois importantes veículos nas sociedades modernas: a língua escrita e a escola. Essa competição é claramente visível numa língua como o português brasileiro, onde a norma veiculada pela escola ainda contem muitos resquícios dos estágios passados da língua. Um caso que chama particularmente a atenção é o da utilização e colocação dos pronomes clíticos. O clítico de terceira pessoa e a colocação enclítica são claramente adquiridos na escola (cf. Correa 1992), eles são também objeto de sistemática revisão nos livros e jornais. A sua utilização na língua falada tende a desaparecer hoje, mas esse processo não se completou e ele é afetado por fatores de natureza sócio-cultural. Do ponto de vista da gramática gerativa, essa variação deve ser distinguida da outra. Cabe ao lingüista fazer essa distinção, tarefa nem sempre fácil. O ponto que é essencial enfatizar é que ambas são compatíveis com uma concepção de linguagem em que a gramática é um objeto determinístico. 36 Morfologia e sintaxe V. De volta à palavra Como já foi mencionado no início deste capítulo, a ‘palavra’ há muito vem sendo abordada como tema central por estudiosos da linguagem, seja através da tentativa de exprimir uma definição para ela, seja através da tentativa de uma descrição de sua composição estrutural. Mas quando se toma como objeto de estudo lingüístico ‘a palavra’ em uma dada língua, defini-la parece não ser uma tarefa tão simples. Retomando os conceitos de palavra advindos da gramática tradicional e apresentados no início deste capítulo, temos as seguintes definições: ‘uma PALAVRA é constituída de elementos materiais (vogais, consoantes, semivogais, sílabas, acento tônico) a que se dá um sentido e que se presta a uma classificação’; ‘palavra é uma unidade lingüística de som e significado que entra na composição dos enunciados da língua’. De posse destas definições de palavra, em português, é possível classificarmos tanto ‘amaremos’ como ‘-re’ ou ‘-mos’ como palavras. Isto porque tanto ‘amaremos’ quanto ‘-re’ ou ‘-mos’ são sons constituídos de elementos materiais como consoantes e vogais, carregam um sentido ou significado (‘amaremos’ = primeira pessoa do plural do futuro do presente do verbo ‘amar’ que, por sua vez, carrega o sentido de ‘ter o sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de outrem’; ‘-re’ = carrega o significado de tempo futuro do presente; ‘-mos’ = carrega o significado de concordância de primeira pessoa do plural) e entram na composição dos enunciados da língua. Todavia, pelo nosso conhecimento de falantes de português, sabemos que ‘amaremos’ é uma palavra e ‘-re’ e ‘-mos’, assim como ‘am-’ (raiz verbal) e ‘-a-’(vogal temática), são 37 Morfologia e sintaxe o significado de ‘tempo futuro’ e de concordância de ‘primeira pessoa do plural’ no interior de ‘amaremos’ e não isoladamente no enunciado mencionado. Dado que a palavra é formada por morfemas, resta-nos ainda saber onde e como se dá a formação das palavras, ou seja, onde e como se dá a união dos morfemas na formação das palavras na arquitetura da gramática das línguas. Nas seções anteriores deste capítulo, foi discutida a gramática da frase (domínio do componente sintático) na abordagem gerativista. Assumindo que a morfologia é o componente da gramática que trata da palavra e de seus componentes (os morfemas), podemos nos perguntar onde está a morfologia na arquitetura da gramática. Se adotarmos o modelo em T de arquitetura de gramática (cf. seção I.4 deste capítulo), podemos pensar que a morfologia está no léxico, onde haveria operações morfológicas sendo realizadas independentemente dos diversos componentes da gramática, conforme a representação a seguir. Este tipo de arquitetura de gramática, que é assumido pelas teorias gerativas das décadas de 70 e 80, pressupõe que cada componente da gramática deve corresponder a um módulo independente, governado por seus princípios particulares. Portanto, cada componente da gramática (fonologia, sintaxe, semântica) é tratado de modo independente dos outros componentes. O componente fonológico é dividido em dois níveis: a Fonologia Lexical (processada no léxico) e a Fonologia Pós-Lexical (processada após a derivação sintática). Uma vez que a Morfologia apresenta uma forte relação com a Fonologia, a Morfologia é parte da Fonologia Lexical (localizada no léxico). Eis a representação da arquitetura da gramática que descrevemos: 40 Morfologia e sintaxe Neste tipo de arquitetura, o léxico é constituído de substratos onde os morfemas são adicionados uns aos outros na formação das palavras e onde as regras fonológicas são aplicadas depois da adição de cada morfema. No primeiro substrato estão as representações lexicais subjacentes, como lista de morfemas, condições de estrutura morfológica e formas irregulares. O segundo substrato lexical (extrato lexical I) é responsável pela aplicação de regras de formação de palavras por derivação, pela adição dos morfemas derivacionais. Os morfemas derivacionais possuem a característica de alterar a categoria gramatical de uma palavra, não são produtivos, ou seja, não é qualquer morfema derivacional que pode ser adicionado a qualquer raiz e há muitas restrições de co-ocorrência operando sobre eles. Um exemplo de morfema derivacional é o morfema ‘izar’ que transforma substantivos em verbos em português: 41 Morfologia e sintaxe 41) hospital → hospitalizar; Nota-se que enquanto o morfema ‘izar’ é adicionado após o substantivo hospital, o mesmo morfema não pode ser adicionado após o substantivo hóspede (*hospedizar). Deve-se dizer hospedar e é preciso memorizar que é possível a produção de hospitalizar, mas não de *hospedizar. Este tipo de argumento é utilizado para reforçar a idéia de que o léxico é um local de armazenamento de irregularidades. Já o terceiro substrato (extrato lexical II) também é responsável pela aplicação de regras de formação de palavras, porém, não por derivação como no extrato lexical I, mas por flexão, através do acréscimo dos morfemas flexionais, como por exemplo, acréscimo dos morfemas de plural aos nomes e dos morfemas de flexão de tempo e pessoa aos verbos. Os morfemas flexionais não alteram categorias de palavras como os morfemas derivacionais, mas estabelecem relações entre as palavras, como relações de concordância. Eles são produtivos: por exemplo, qualquer verbo pode ser marcado por um morfema indicando primeira pessoa do plural (em português: cantaremos, leremos, iremos) e qualquer artigo pode ser pluralizado (em português: as, os, uns, umas). Exceções são mais raras no paradigma flexional e mais freqüentes no paradigma derivacional. Como ilustração de formação de palavras por flexão, trazemos a formação da primeira pessoa do plural no futuro do presente do verbo ‘cantar’ em português: 42) cant (raiz verbal) + a (vogal temática) + re (sufixo de tempo futuro do presente) + mos (sufixo de concordância de pessoa: primeira pessoa do plural) = cantaremos (primeira pessoa do plural do verbo cantar no futuro do presente) 42 Morfologia e sintaxe Os morfemas de flexão verbal, por sua vez, trazem evidência de que a Sintaxe não pode ser cega às operações morfológicas. No exemplo (42), os morfemas ‘-re’ e ‘-mos’ do verbo cantaremos, são, respectivamente, morfemas flexionais de tempo (futuro do presente) e pessoa (primeira pessoa do plural) em português. Em línguas como o português, que apresentam flexão verbal, os morfemas flexionais presentes nos verbos são alojados em projeções sintáticas específicas na derivação do componente sintático como projeções de tempo e concordância (respectivamente, T e Agr), conforme o que foi apresentado a respeito da projeção das categorias funcionais na seção III deste mesmo capítulo. Uma conseqüência imediata para estas línguas é a operação sintática de movimento do verbo para estas projeções, o que ilustra o fato de que a Sintaxe não pode ser cega à Morfologia.33 Outro exemplo da forte interação entre a Morfologia e os outros componentes da gramática é encontrado em Baker (1988). Baker mostra que na língua chichewa o morfema aplicativo ‘-ir’ que se afixa ao verbo no léxico, uma vez que não pode aparecer como constituinte independente em qualquer nível sintático, pode aparecer na realização fonética como ‘-ir’ ou ‘-er’, dependendo do contexto fonológico. O que determina a distribuição destas duas formas é uma regra geral de harmonia vocálica. Segundo esta regra, a vogal tensa /i/ aparece depois de radicais verbais cuja última vogal é tensa (/i/, /u/ ou /a/); por sua vez, a vogal não-tensa /e/ aparece depois de radicais verbais cuja última vogal é não tensa (/e/ ou /o/): 33 No entanto, cabe notar que, assumindo uma perspectiva gerativa minimalista, ainda é possível considerar um sistema gramatical no qual as palavras são formadas no léxico e as operações sintáticas se dão por motivos de checagem dos traços morfológicos (cf. Chomsky, 1995). Assumindo esta perspectiva, no exemplo em português, o verbo cantaremos é alçado para T e Agr para checar traços de tempo e concordância . Neste tipo de abordagem a Sintaxe também não seria cega à Morfologia. 45 Morfologia e sintaxe 45) Msangalatsi a- ku- yend- er- a ndodo. artista sp-pres.-andar-aplic.-asp bastão. ‘O artista anda com um bastão.’ 46) Mbalame zi- ma- uluk- ir- a mapiko. pássaros sp- hab- voar- aplic.- asp asas. ‘Os pássaros voam com (usando) asas’. O morfema aplicativo ‘ir/er’ expressa a função ‘instrumental’, função esta que, em muitas línguas, é expressa por um advérbio ou um adjunto adverbial realizado por um sintagma preposicional. Nas respectivas traduções dos exemplos em chichewa para o português, a função de instrumental expressada pelo morfema ‘ir/er’ naquela língua, é expressa, em português, através dos sintagmas preposicionais ‘com um bastão’ e ‘com asas’. Baker afirma que o mesmo princípio morfofonológico que determina os modelos de combinações formados no léxico, determina também os modelos de combinações formadas na Sintaxe . Assim como os exemplos do morfema de caso no latim e dos morfemas de flexão verbal de tempo e pessoa em português, o exemplo do morfema aplicativo ‘-ir’ em chichewa parece nos revelar a dificuldade em conceber um sistema no qual a Morfologia aparece exclusivamente no léxico e atuando de maneira completamente independente dos outros componentes da gramática. Portanto, uma vez que a Morfologia não pode estar única e independentemente associada ao léxico, ainda nos resta saber a resposta da questão colocada no início desta seção: Onde estaria a Morfologia na arquitetura da gramática? 46 Morfologia e sintaxe Levando em conta todas as considerações já feitas, as possíveis alternativas para a abordagem do componente morfológico no sistema gramatical gerativo podem ser, entre outras: (i) considerar um sistema gramatical no qual a morfologia é uma subteoria que perpassa todo o sistema e que atua segundo um conjunto de princípios de boa-formação de palavras e; (ii) considerar que um único sistema gramatical gerativo é capaz de gerar tanto frases quanto palavras e no qual a morfologia se encontra ‘distribuída’ nos diversos componentes da gramática. Estas duas abordagens são encontradas respectivamente em Baker (1988) e na Morfologia Distribuída (doravante MD). Baker constrói um modelo no qual a morfologia não é um componente da gramática, mas uma subteoria, ou seja, um sistema de princípios, como a Teoria da Ligação, ou a Teoria X’. Segundo ele, a ‘teoria morfológica’ pode ser caracterizada como uma teoria que se aplica quando uma estrutura complexa de forma [Z°X + Y] é criada, ou seja, uma teoria que se aplica quando estruturas são formadas no nível nuclear. Para Baker, o mais importante efeito da teoria morfológica na Sintaxe é filtrar certas formações impossíveis nas línguas. Por exemplo, restrições morfológicas bloqueiam sintagmas no interior de uma palavra. Desta maneira, em português, se um dado sintagma complemento, como a bola, for inserido no interior de um verbo, como pegou, o resultado é uma formação agramatical como: *pegabolaou. Esta condição morfológica de boa-formação, que bloqueia a criação de componentes impossíveis no léxico, também impedirá algumas estruturas de serem formadas na Sintaxe. Isto explica por que, na Sintaxe, adjunções a um elemento nuclear são possíveis para outros elementos nucleares, mas não para projeções máximas. 47 Morfologia e sintaxe fonológico ‘∅’ ao morfema abstrato de plural no contexto de presença da raiz mouse (rato): 47) plural de dog = dog[z]; plural de ox = oxen plural de mouse = mice. A terceira e última lista acessada na derivação é a enciclopédia. Ela é uma lista que contém informações semânticas que devem ser listadas como uma propriedade de uma raiz ou de um objeto construído sintaticamente, como as expressões idiomáticas. Por exemplo, na enciclopédia, há a informação semântica de que, em português, a expressão idiomática quebrar o galho significa ajudar. A enciclopédia é acessada posteriormente à saída da forma fonológica (PF) e da forma lógica (LF), ou seja, na interpretação. Eis a representação do acesso às listas na derivação da gramática: Acesso aos  Derivação Sintática Terminais sintáticos  Estrutura-S34 Acesso ao  Vocabulário   PF LF Acesso à Enciclopédia  (Interpretação) 34 Na morfologia distribuida, que se baseia na arquitetura da gramática proposta no âmbito do Programa Minimalista (cf. Chomsky, 1995), não há propriamente Estrutura-S, mas uma operação chamada Spell-out (literalmente “pronuncia”). Contrariamente à Estrutura-S, Spell-Out não é um nível de representação mas uma operação que efetua a ligação da estrutura derivada até esse ponto com o componente PF. 50 Morfologia e sintaxe Nesse modelo, portanto, além da morfologia interagir fortemente com os outros componentes da gramática, uma vez que as operações morfológicas se aplicam de maneira ‘distribuída’ no sistema gramatical, palavras e sintagmas são gerados por um único sistema gerativo. Ou seja, o mesmo sistema gerativo que produz frases é responsável pela realização sintática (formação dos sintagmas e movimentos destes) e morfológica (formação de palavras) destas frases. Por exemplo, em uma frase como Pedro chutou a bola, o mesmo sistema gramatical gerativo é responsável: (i) pela formação do sintagma DP Pedro, bem como pelo seu movimento sintático para o especificador de TP e pelo acesso à raiz ; (ii) pela formação do sintagma VP chutou, pelo acesso à raiz e ao morfema abstrato que contém o traço de tempo passado, pela inserção de material fonológico ‘ou’ a este morfema e pela operação de movimento que agrega o morfema ‘-ou’ à raiz e ainda; (iii) pela formação do sintagma DP ‘a bola’, pelo acesso à raiz e ao morfema abstrato que contém os traços [+definido], [+feminino] e [+singular] no nó D, assim como pela inserção do material fonológico ‘a’ a este morfema. Isso aproxima fortemente as noções de palavra e frase, dado que tanto uma palavra quanto uma frase são geradas de maneira semelhante por um único sistema gerativo. VI. Considerações finais 51 Morfologia e sintaxe O nosso ponto de partida neste capítulo foram as definições tradicionais associadas a palavra e frase, em termos da relação entre forma e sentido. Procuramos mostrar como esta relação é problematizada na lingüística moderna. Argumentamos que para dar conta da interpretação semântica da frase, convem definir dois níveis de regras, as que pertencem à gramática de frase e as que pertencem ao discurso. Os princípios que regem as primeiras são os mesmos que regem processos sintáticos. Crucialmente, esses princípios são sensíveis à estrutura. Além disso, eles podem fechar certas opções, apontando para a precedência lógica da gramática sobre o discurso. Mostramos também a relevância de se distinguir Língua-Interna e Língua-Externa como dois objetos distintos. A primeira é um objeto abstrato, uma representação da competência dos falantes nativos. Argumentamos que só nesse nível é que se pode discutir a semelhança ou diferença do PB e do PE de um ponto de vista genuinamente lingüístico. Enfatizamos a necessidade de postular elementos abstratos nas representações das sentenças, que têm uma interpretação semântica, mas carecem de realização morfológica: as chamadas “categorias vazias”. Discutimos o lugar da diferença entre as línguas numa teoria que postula que os princípios gerais da gramática são universais. Grande parte da discussão do capítulo foi dedicada à questão da relação entre os diversos componentes e níveis de representação na gramática. Apontamos para a relação privilegiada entre o léxico e a sintaxe e tematizamos o lugar da morfologia na arquitetura geral da gramática. Voltando ao fim à questão inicial da palavra e da frase, fechamos o capítulo apresentando teorias recentes que aproximam ao máximo essas duas noções pré- teóricas, ao afirmar a identidade dos processos de construção de uma e de outra. 52 Morfologia e sintaxe Galves, C. (1987) “A sintaxe do português brasileiro”, Ensaios de Linguística, 13, Belo Horizonte, pp. 31-50. _________ (1988) "Objeto nulo e predicação : hipóteses para uma caracterização do português brasileiro", D.E.L.T.A. , 4.2, São Paulo,1988, pp.273-290 _________ (1998a) “A gramática do português brasileiro”, Línguas e instrumentos lingüísticos, 1, pp. 79-96. _________(1998b) “Tópicos, sujeitos, pronomes e concordância no português brasileiro”, Cadernos de Estudos Lingüísticos, 34, pp. 7-21. __________(2001) Ensaios sobre as gramáticas do português, Editora da Unicamp. Givón, T. (2001) Syntax, John Benjamins. Greenberg, J. (1963) Universals of Language, Cambridge: MIT Press. Halle, M. e Maranz, A. 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