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Guias e Dicas
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Revista - biotecnologia ed 10, Notas de estudo de Química

REVISTA - BIOTECNOLOGIA ED 10

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 25/11/2010

Boto92
Boto92 🇧🇷

4.6

(82)

106 documentos

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Baixe Revista - biotecnologia ed 10 e outras Notas de estudo em PDF para Química, somente na Docsity! R$ 5,00 ESPECIAL www.biotecnologia.com.br ano II • número 10 • setembro/outubro de 1999 Biodegradação de Herbicidas Metabólitos Secundários Biotecnologia e Resistência a Patógenos Escape Gênico Tuberculose Uvas sem sementes Uso da biotecnologia para o desenvolvimento de uma vacina de DNA que previne e cura a doença i t l i l i t i i 2 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento BIOTECNOLOGIA/KL3 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 5 BC&D - O que é a Coodetec, quando ela foi criada e quantos filiados tem no País? Ivo Carraro - A Coodetec é uma coopera- tiva central, criada em 1995, composta por outras cooperativas. É importante explicar que ela é originária do desmembramento do departamento de pesquisa da OCEPAR, que existia desde 1974, e que constituiu a base de formação da Coodetec. Toda a infra-estrutura física de instalações, labora- tórios, recursos humanos e material gené- tico (germoplasma) foi repassada para a Coodetec, que apesar de ter cinco anos de existência, na prática, acumula experiên- cia de mais de vinte e cinco. A Coodetec tem, hoje, trinta e quatro cooperativas agropecuárias associadas, e essas coope- rativas mais de cem mil agricultores filiados no País. BC&D - Em quais estados ela está pre- sente e qual a sua missão principal? Ivo Carraro - Do ponto de vista de asso- ciação de cooperativas, pelo seu estatuto, a Coodetec pode ter associadas em qual- quer estado brasileiro. Como ela nasceu no Paraná, a maioria dessas trinta e quatro cooperativas são deste estado. Mas já te- mos sócios em Santa Catarina, Goiás, e estamos recebendo proposta de associa- ção de cooperativas do Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e São Paulo. Em termos de mercado, a Coodetec está presente, de forma significativa, com seus produtos, no Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais. Nossa mis- são é pesquisar, gerar e colocar no merca- do tecnologias competitivas, em forma de novas cultivares, já que trabalhamos basi- camente no setor de melhoramento gené- tico de plantas. BC&D - Quais os principais produtos que a Coodetec pesquisa? Ivo Carraro - Nós trabalhamos com qua- tro espécies de plantas, dentro dessa ótica de criação de novas cultivares: trigo, soja, milho e algodão. A Coodetec procura ser bem pontual com essas quatro espécies, sempre tendo como foco de atuação o melhoramento genético e a criação de novas cultivares, se preocupando também com o estabelecimento de um adequado sistema de cultivo para cada material.. BC&D - Como se dá a transferência do conhecimento que a Cooperativa gera para as suas associadas ? Ivo Carraro - A prioridade de transferên- cia do conhecimento gerado é direcionada para as cooperativas associadas, através das sementes básicas, ou de outras classes de sementes que colocamos à disposição da nossa clientela. Através das sementes, transferimos também outros conhecimen- tos gerados em torno das variedades, para que elas tenham recomendação adequada de época de plantio, correção de solos etc. Produzimos um pacote tecnológico de cada variedade para proporcionar a competitividade no mercado. Entretanto, a Coodetec não transfere tecnologia só para seus associados. Ela vai também ao merca- do que não é cooperativado. Dessa forma, outras empresas também têm acesso às nossas tecnologias. E, assim, já tivemos a oportunidade de enviar nossos produtos para o exterior, registrá-los e protegê-los, no Paraguai e Bolívia. E estamos trabalhan- do no momento com a possibilidade de fazer o mesmo na Argentina. A Coodetec já rompeu as fronteiras brasileiras e está presente no Mercosul. BC&D - A Coodetec desenvolve alguma atividade com controle biológico? Ivo Carraro - Sim, trabalhamos em parce- ria com a Embrapa Soja, localizada em Londrina - PR, há muito tempo, desde que a Coodetec era OCEPAR, com o Baculovirus anticarsia, que é um inseticida biológico de controle da lagarta da soja. No início do lançamento do Baculovírus, a Coodetec auxiliava muito a Embrapa no processo de difusão dessa tecnologia. Quando o pro- duto passou a ser explorado comercial- mente pela Embrapa, de forma industriali- zada, a Coodetec foi a primeira empresa a assinar um contrato para ser multiplicadora em escala comercial, utilizando toda a sua estrutura de venda nos estados. E, hoje, somos a empresa que tem o maior volume de Baculovírus no mercado, com o nome comercial Coopervirus p.m. . Neste ano de 1999, estamos atingindo cerca de 700.000 ha de área plantada de soja com o Baculovírus produzido pela Coodetec, com base em contrato firmado com a Embrapa. Este é um produto que temos muito inte- resse, porque ele tem ligação direta com o cultivo da soja no combate de uma de suas piores pragas. O Coopervirus tem acompa- nhado a expansão da nossa cooperativa em outros estados e regiões. BC&D - E a Coodetec pesquisa algum produto transgênico? Ivo Carraro - O forte da Coodetec é o germoplasma. E não poderia ser diferente. Durante vinte e cinco anos, a Cooperativa desenvolveu o germoplasma convencio- nal, sem pensar em transgênico. Começa- mos a pensar nos transgênicos, nos últi- mos quatro anos, quando esses produtos foram lançados no mercado externo. As- sim, os transgênicos para a Coodetec são agregadores de valor às culturas. Não temos a pesquisa básica de transgênicos e nem pretendemos investir, a médio prazo, em laboratório de transformação e prospecção de genes. A Coodetec oferece o seu germoplasma como vetor para que os genes cheguem ao campo. O gene transgênico sozinho pode ter um grande valor agregado para os produtos, mas se não estiver acoplado a este vetor, que é uma variedade adaptada com potencial de difusão para utilização em grandes áreas, não vai produzir os efeitos econômicos desejados. A Coodetec possui o vetor e coloca esse vetor à disposição de possíveis parceiros. Pode ser a Embrapa, universida- des, empresas multinacionais etc., enfim, alguém que tenha algum gene e queira utilizar o vetor que a Coodetec oferece, pode ser nosso parceiro. Estarão à dispo- sição nossas cultivares mais todo o nosso potencial, estrutura de parceiros, multiplicadores, mercados e difusão junto às cooperativas. O que a gente oferece aos parceiros é todo esse pacote de facilida- des. É importante acrescentar que a Coodetec está capacitada para fazer a introgressão de genes - em plantas - em todo o seu material genético, através de projetos específicos. Por exemplo, se fizer- mos um convênio específico com a Monsanto, definimos um grupo de linha- gens para trabalhar e metas de lançamen- tos de variedades com esses novos genes. Este exemplo vale para qualquer institui- ção que queira trabalhar em parceria com a Coodetec no desenvolvimento de transgênicos. BC&D - Concretamente, hoje, a Coodetec está trabalhando na introgressão de genes em algum pro- duto? Ivo Carraro - Hoje, estamos trabalhando com soja resistente ao herbicida Roundup Ready (RR), em parceria com a Monsanto. E estamos iniciando um outro trabalho de parceria com a Agrevo, de soja resistente ao herbicida glufosinato de amônio (Liberty- Link), além de estarmos em negociação com outras empresas. A intenção é ter um 6 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento portfólio de produtos com o máximo pos- sível de opções, já que as cooperativas, pela sua natureza, sempre trabalharam com diversos fornecedores. E essa filosofia se aplica à Coodetec. A Coodetec jamais vai poder ser uma empresa exclusiva de A, B ou C; ela sempre vai procurar adminis- trar parcerias, do mesmo jeito que suas associadas atuam, para proporcionar o atendimento dos anseios de cada produtor filiado. Se existe um grupo de produtores que prefere determinado tipo de produto, é obrigação da cooperativa ir buscar esse produto no mercado. Estamos ainda traba- lhando com o algodão transgênico, em cooperação com o CIRAD (Instituto de pesquisa da França), que é nosso parceiro desde o início do programa do algodão, em 1990, visando à introdução de genes de resistência a insetos. Ainda estamos no início deste trabalho. Trabalhar com tole- rância a inseto é um pouco mais complica- do, pois requer uma estrutura de criatório de insetos, que ainda está sendo prepara- da, para dar suporte a esta atividade de pesquisa, que poderá ser para combater o bicudo e algumas lagartas do algodão. A Coodetec está buscando ainda mais algu- mas parcerias para o algodão. Contudo, o produto transgênico que está mais avança- do em termos de parceria é a soja; o algodão vem em segundo lugar, depois o milho; por último o trigo. Não existe muito interesse pelo mercado de trigo transgênico no Brasil. Existe trigo transgênico no mun- do, mas o mercado brasileiro é muito pequeno, e as empresas que têm esses genes não se interessam pelo mercado do nosso País. Se surgir alguma alternativa de trigo transgênico dentro do Brasil, as nego- ciações ficarão mais fáceis. BC&D - Quais são as vantagens compa- rativas da utilização de material transgênico na agricultura em relação ao convencional? Ivo Carraro - A biotecnologia abriu um novo horizonte para o melhoramento ge- nético de plantas. Em algumas espécies, já estávamos quase chegando no limite da exploração da variabilidade genética, com dificuldades de ganhos. Com a biotecnologia demos um grande salto nas possibilidades de interação entre diferen- tes espécies de características que antes não estavam disponíveis para serem traba- lhadas no melhoramento genético. É o caso da soja transgênica resistente a herbicida, por exemplo. Para o melhora- mento genético, os transgênicos abrem um grande campo de exploração em áreas que antes sequer eram imaginadas como pos- síveis, tanto na parte de resistência a doen- ças e pragas, principalmente insetos, e com a possibilidade muito grande de redu- zir o emprego dos produtos químicos. Na parte de manejo da cultura, podemos tra- balhar certas características que são de- mandadas pelos agricultores, como tole- rância a geadas e secas, a estresses ambientais, que tanto prejuízos causam às lavouras. Assim, acredito que a biotecnologia vai fornecer as ferramentas necessárias para a solução destes proble- mas. Por enquanto, estamos só no começo com alguns produtos tolerantes a insetos e herbicidas, o que facilita o manejo da cultura. De um modo geral, a expectativa do produtor rural é muito grande em relação aos transgênicos, não só pela parte financeira, mas, principalmente pela faci- lidade do manejo da cultura, e também pela expectativa da redução da aplicação de defensivos, já que o agricultor está muito consciente dos riscos de aplicação de veneno no campo, com os conseqüen- tes custos financeiro e ambiental. Assim, os agricultores têm visto os produtos transgênicos, que hoje estão na berlinda, como uma ferramenta muito boa para reduzir os custos financeiros e os riscos à saúde - deles e dos seus funcionários - e ao meio ambiente. BC&D - A Argentina, terceiro produtor mundial de soja depois dos EUA e Bra- sil, já vem cultivando soja transgênica desde 94/95. Como o senhor avalia a questão do nosso País estar demoran- do um pouco mais para liberar o culti- vo de transgênicos, em relação ao seu maior concorrente no Mercosul? Ivo Carraro - O Brasil, tradicionalmente, sempre foi muito conservador em relação à entrada de novas tecnologias e, mais ainda, recentemente com os transgênicos. Nossa legislação sempre veio na esteira da legislação de outros países, como é o caso da biossegurança, patentes e proteção de cultivares. Mas sempre recebemos um “cas- tigo” por essa demora. A competitividade brasileira acaba ficando prejudicada. Nos- sa soja se tornou muito competitiva, prin- cipalmente depois que ela foi para a região dos cerrados, que tem produtividade mai- or, e permitiu competição na entressafra americana. Produzimos soja no Hemisfé- rio Sul, como a Argentina, mas ela pode perder essa competitividade, se não tiver o mesmo nível tecnológico dos principais concorrentes. E com os transgênicos esse hiato tecnológico aumentou. Na Argenti- na, eles têm a vantagem do custo menor de produção, fertilidade melhor, o embarque nos portos é mais barato que o nosso, e temos ainda todo o chamado custo Brasil embutido: transporte dispendioso, estra- das ruins, juros altos, custo elevado de embarque nos portos etc. E agora vamos ter que suportar uma diferença do custo de produção da soja, se comparado com o alto percentual de cultivo da transgênica nos EUA e na Argentina, nossos dois principais competidores. Podemos ter uma diferença de custo de produção que gira em torno de 10 a 12%, o que dá entre US$ 30 a US$ 40 dólares por hectare. Assim, vamos ter que compensar essa diferença vendendo soja não-transgênica mais cara, ou reduzindo custos em outros itens, se- não não vamos ser competitivos. Essa é a minha preocupação principal, já que os argentinos foram mais rápidos que nós, pois fizeram uma Lei de Biossegurança mais simples e foram mais ágeis na intro- dução da tecnologia. Prefiro a nossa lei de biossegurança que é mais complexa, e espero que ela seja respeitada integral- mente por todos; porém defendo uma maior agilidade após o parecer favorável da CTNBio. BC&D - A imprensa tem denunciado o cultivo ilegal de soja transgênica, no Sul do País, trazida da Argentina. Como o senhor analisa esta questão? Ivo Carraro - Esta é mais uma questão de desobediência civil. O Brasil tem muitas leis, mas poucas são obedecidas. A soja transgênica clandestina vinda da Argenti- na fere, no mínimo a lei de biossegurança, proteção de cultivares e fitossanidade. Há três anos, quando foram introduzidas clan- destinamente as primeiras sementes de variedades argentinas, no Rio Grande do Sul, a ABRASEM e a BRASPOV denuncia- ram veementemente à CTNBio, ao Minis- tério da Agricultura, o que acabou até na Polícia Federal e na imprensa. Infelizmen- te, apesar de todos os esforços, não houve interrupção desse processo clandestino até hoje. A importação e o comércio ilegal de sementes transgênicas compromete a qualidade dos produtos, além de possibi- litar a entrada de patógenos não existentes no País, e fere também a questão da biossegurança. Podemos até dizer que a soja transgênica já vem sendo cultivada ilegalmente há três safras. Recentemente ela obteve parecer favorável da CTNBio para seu cultivo em escala comercial no Brasil, o que indica que não oferece riscos. "Para o melhoramento genético, os transgênicos abrem um grande campo de exploração em áreas que antes sequer eram imaginadas como possíveis, tanto na parte de resistência a doenças e pragas, quanto na possibilidade de reduzir produtos químicos" Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 7 Mas acontece que o cultivo ilegal vem sendo feito e esse cultivo é prejudicial ao Brasil. Prejudica quem está investindo em pesquisa de transgênico, os produto- res de sementes, que vão deixar de comercializar as suas sementes, porque as sementes clandestinas vão ocupar o seu lugar, e uma série de problemas que também podem prejudicar a nossa competitividade e põem em questão a nossa capacidade de fiscalização, já que o Rio Grande do Sul deve plantar cerca de 700.000 a 1.000.000 de ha de soja transgênica ilegal na próxima safra de 1999/2000. É fácil estimar esse número, a partir da venda do herbicida (glifosato) na região, que tem uma correlação direta com a área de cultivo da soja. Estamos tendo um Brasil paralelo - ilegal - e isso não é positivo. Afinal, quem está pesquisando e desenvolvendo transgênicos quer que a produção seja feita dentro das leis vigentes. BC&D - Ainda no contexto da biossegurança, o senhor vê a possibi- lidade de algum risco dos transgênicos em relação à saúde hu- mana e ao meio ambiente? Ivo Carraro - Quem pode dizer isso, não sou eu, é a CTNBio que está preparada e tem competência para a avaliação dos riscos dos diferentes eventos transgênicos a ela submetidos . Ela tem tanto compe- tência técnico-científica como legal, por- que é o órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, criado pela Lei 8.974/95, de Biossegurança, para proceder às análises de risco, através de parecer técnico de especialistas das áreas de saúde, agricul- tura e meio ambiente. Se a CTNBio produz um parecer ao final das análises, a população precisa acreditar nesse pare- cer. Precisamos ter um órgão competen- te e confiável para dar esse parecer e a CTNBio tem essa competência, em nível mundial, pois conta com pesquisadores, cientistas e representantes de outros se- tores altamente qualificados, que anali- sam os processos com isenção e neutra- lidade. A CTNBio analisa cada evento individualmente, tanto na fase do perío- do de pesquisa em contenção , quanto depois do pedido de liberação comercial - desregulamentação do produto -, que é a passagem para o mercado, depois de analisados todos os quesitos de biossegurnça. A Coodetec confia nos pareceres e liberações da CTNBio. BC&D - Como o senhor analisa a ques- tão da moratória dos transgênicos que é reivindicada por determinados segmentos da sociedade? Ivo Carraro O conhecimento humano é formado por pequenos avanços que são agregados. Uma ciência começa às ve- zes na cabeça de um cientista com um experimento de laboratório, através do qual ele chega a conclusões, comprova hipóteses e publica trabalhos. Depois vem outro pesquisador lê os trabalhos, tem uma idéia adicional, testa de novo, e assim, vamos formando a nossa cons- ciência e o cabedal científico de qual- quer área do conhecimento. Não existe uma pessoa que tenha desenvolvido sozinha toda uma tecnologia; sempre existe uma soma de conhecimentos. E esse conhecimento nunca se apaga. Se esse conhecimento é bom ou ruim, se vai ser usado para o bem ou para o mal, é uma questão de consciência humana. O que é a proposta da moratória: parar de trabalhar com os transgênicos - a mais radical -, durante cinco anos. Se pararmos por cinco anos, ficaremos cinco anos mais atrasados, enquanto os outros vão ficar esse tempo à frente. Se decretarmos a moratória, seja ela de dois, três ou cinco anos, de forma genérica, para os produtos transgênicos, estaremos cometendo um grande erro. Cada produto transgênico tem um mo- mento em que é concebido, um perío- do de pesquisa agregador de conheci- mentos científicos, testes de segurança, busca de motivação comercial e de utilidade para o ser humano, principal- mente. Este para mim já é o período de moratória para este evento. Se pegar- mos como exemplo um produto no primeiro ano da moratória de cinco, que já tenha cinco anos de pesquisa, talvez mais um ano de pesquisa seja suficiente para ele ir para o mercado. Agora, se considerarmos um produto que começa a surgir no quarto ano da moratória, mais um ano só não é sufici- ente. A tese que eu defendo é a de que a moratória já existe. O que é a morató- ria hoje? É o período em que o produto fica na fase de pesquisa e contenção definidos pela CTNBio, para que ele receba parecer conclusivo para libera- ção. Isso já é uma moratória por evento. O processo é muito semelhante ao lan- çamento de uma variedade comum, que pode levar até dez anos para chegar ao mercado. BC&D - A que o senhor atribui então essa polêmica em relação aos transgênicos? Ivo Carraro - Eu acho muito interessan- te esse debate dos transgênicos. É com- preensível. Existe um medo natural das pessoas quando se fala em modificação genética. A televisão brasileira, há al- guns anos, satirizava a transformação genética de plantas com quadros de humor como o Dr. Sardinha.. Mas, ago- ra, estamos diante da realidade do cres- cimento da biologia como ciência, nos últimos vinte anos, principalmente quan- do se descobriu a possibilidade concreta de manipular o DNA das células. O que faltou foi debater com a sociedade, de maneira mais cuidadosa, no início desse processo, os conceitos da biossegurança. O que está sendo feito, na verdade, é uma atividade muito intensa dos grupos ambientalistas, que de forma ideológica, se posicionaram rapidamente contrários aos transgênicos, aumentando esse medo na população. Não que não deva existir esse cuidado. Eu acho até que o movi- mento contrário aos transgênicos tem tido um efeito positivo, no sentido de que os cientistas devam ser mais cuida- dosos. Mas a postura radical contrária, colocando um medo sem sentido na população, é condenável. Isso não leva a nada. É preciso informar corretamente a sociedade. Até porque existem mi- lhões de pessoas que já estão se alimen- tando com produtos transgênicos libera- dos em seus países, há anos. Os primei- ros surgiram nos EUA há dez anos, e até agora não se tem registro de nenhum malefício que tenha sido causado. São afirmativas emocionais, sem base cientí- fica, e em ciência, tudo tem que ser comprovado. Vamos supor que daqui a cinco anos se chegue à conclusão de que a soja transgênica (RR) por exem- plo, é totalmente segura e que o Brasil ficou parado, os europeus estão aceitan- do normalmente, e não existe mais dife- rença de preço em relação à convenci- onal. Onde estaríamos, nós, com a nossa produção de soja? Estaríamos com um custo que nos tiraria do mercado. E quem vai pagar esse prejuízo e se res- ponsabilizar pela retirada do Brasil do mercado? Nós temos que oferecer para o agricultor e consumidores,opções, e deixá-los bem informados para decidir. O mercado é que vai definir se vamos consumir transgênicos, desde que cada produto tenha parecer favorável da CTNBio "Se pararmos por cinco anos, ficaremos cinco anos mais atrasados, enquanto os outros vão ficar esse tempo à frente. Se decretarmos a moratória, de forma genéri- ca, para os produtos transgênicos, estaremos cometendo um grande erro." 10 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento s sistemas biológicos têm a habilidade de crescer e multiplicar com maior ou menor intensidade de- pendendo das suas ca- racterísticas inerentes e das condições impostas pelo ambiente. A produção de alimentos se dá por meio da prática da agricultura e da pecuária e o rendimento desta produção enfrenta a concorrência de outros sistemas biológi- cos vegetais, animais, microbianos ou parasitários. Desta forma, o processo de modernizacão da agricultura, nos anos 60, introduziu o emprego de novas vari- edades mais produtivas e dependentes de adubos químicos, uso intensivo de herbicidas, bactericidas, fungicidas, aca- ricidas, parasiticidas, inseticidas, enfim pesticidas e máquinas agrícolas a fim de se aumentar os índices de produtividade. O emprego destes agentes químicos re- sultou em aumento da produtividade, mas por outro lado trouxe conseqüências adversas ao homem, visto serem estes agentes nocivos ao homem e ao ambien- te. O mercado mundial de agroquímicos movimenta atualmente US$ 30 bilhões e de fertilizantes US$ 50 bilhões. O Brasil é o 5º maior consumidor de pesticidas e movimenta US$ 2,5 bilhões. Os her- bicidas representam a maior parcela tanto em âmbito mundial como no Brasil. Calcula-se que so- mente cerca de 0.1% atin- ge o alvo específico en- quanto os restantes 99.9% da aplicação tem poten- cial para se mover em diferentes compartimen- tos ambientais tais como o solo e águas residuais e subterrâneas. A prática mundial do uso de agroquímicos por longos períodos, muitas vezes indiscriminada e abusiva, vem trazendo preocupações à autori- dades públicas e aos envolvidos com saúde pública e sustentabilida- de dos recursos naturais, em conseqüência da con- taminação ambiental. O Brasil tem uma diversi- dade imensa de sistemas ecológicos únicos e sensíveis, alguns dos quais submetidos à agricultura in- tensiva. Os resultados de inúmeros traba- lhos têm revelado a presença de níveis alarmantes de agroquímicos e seus pro- dutos de degradação em solos e águas superficiais e subterrâneas. Os relatos iniciaram-se nos anos 70 e desde então, com o aprimoramento das técnicas ana- líticas com maior acuidade e sensibili- dade, mostraram por exemplo que em 1988, mais da metade dos estados ame- ricanos possuíam águas subterrâneas contaminadas (PARSONS & WITT, 1989). O uso indiscriminado de agroquímicos levou à contaminação dos solos onde índices acima de 5000 ppm de atrazina, 3000 ppm de clorpirifos, 3900 ppm de diuron, e 1900ppm de parathion foram descritos na literatura (WINTERLIN et al, 1989.). A detecção de contaminação ambi- ental por agroquímicos exige o estabe- lecimento de políticas ambientais seve- ras que controlem o uso indiscriminado e abusivo destes agentes, o desenvolvi- mento de técnicas de descontaminação dos sítios contaminados e o emprego de Biodegradação de Herbicidas e Biorremediação Microrganismos degradadores do herbicida Atrazina MEIO-AMBIENTE Julieta Ueta Newton Lindolfo Pereira Ilda Kazumi Shuhama Depto. Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto – USP. Antonio Luiz Cerdeira CNPMA/EMBRAPA, Jaguariúna, SP. Fotos cedidas pelos autores Figura 1- Microbacia do Espraiado- as cores definem os diferentes tipos de solo Figura 2- Aqüífero Botucatu ou Guarani Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 11 técnicas alternativas de plantio. O HERBICIDA ATRAZINA Os herbicidas triazínicos vem sendo empregados na agricultura para o controle de ervas daninhas, devido a capacidade destes com- postos orgânicos em inibir a fotos- síntese. Dentre eles destacam-se a atrazina, simazina, propazina e ametrina. A atrazina em uso há mais de 30 anos, representa 12% (mais de 40 000 toneladas/ano) de todos os pesticidas empregados nos Estados Unidos em culturas de milho, sorgo, cana e abacaxi, como também é largamente empregada nos Estados centrais e moderada- mente em Estados do leste. O Bra- sil, com as culturas da cana e milho na liderança, emprega também ele- vadas quantidades de herbicidas triazínicos. Das 150.000 toneladas/ ano dos pesticidas consumidos, cerca de 33%, são herbicidas; so- mente a cultura de cana de açúcar, vem consumindo acima de 20.000 toneladas, que representa em tor- no de 13% do total de pesticidas. A atrazina é um contaminante potencial da água em virtude de suas características: alto potencial de escoamento, elevada persistên- cia em solos, hidrólise lenta, baixa pressão de vapor, solubilidade baixa para moderada em água, absorção moderada à matéria or- gânica e argila. De fato, a presença de atrazina em águas subterrâneas americanas é cerca de 10 a 20 vezes mais freqüente do que o contaminante segundo na lista (HALLBERG, G.R. - 1989). No Canadá, os estudos constataram a presença de atrazina em poços, sendo que alguns apresentam índices da ordem de 10 ug/L de atrazina e um produto de degradação, também fitotóxico ( BELLU- CK et al,1991). A MICROBACIA DO ESPRAIADO E O AQÜÍFERO BOTUCATU OU GUARANI Estudos geológicos coordenados pela EMBRAPA/CNPMA revelaram uma área na região de Ribeirão Preto, SP, com cerca de 4.000 hectares, definida como microbacia do Espraiado, com alto risco de contaminação por agroquímicos (fi- gura 1). Esta região está localizada em uma área de recarga do aqüífero Botuca- tu ou Guarani. Este aqüífero está abriga- do na bacia sedimentar do Paraná, ocu- pando uma extensão de 1 150.000 km2 (figura 2). A maior parte encontra-se em território brasileiro (840.000 km2), no entanto uma considerável porção locali- za-se na Argentina, Paraguai e Uruguai. O aqüífero, que possui água de excelente qualidade e é extraída de poços semi- artesianos, abastece centenas de cidades de pequeno e médio porte, atingindo 60% das cidades urbanas do Estado de São Paulo. Na região de Ribeirão Preto, com mais de 2 milhões de habitantes, praticamente 100% das cidades são abas- tecidas exclusivamente com água subter- rânea. As áreas de recarga (150.000 km2) se localizam nas bordas leste e oeste do aqüífero em faixas alongadas do pacote sedimentar que afloram à superfície. Nes- tas áreas, as águas de chuva alimentam o aqüífero, confluindo para a calha da bacia. As áreas de recarga se constituem nas regiões onde o aqüífero é mais vulnerá- vel. O mau uso destas terras pode, em longo prazo, comprometer a qualidade do recurso natural mais precioso para a humanidade, a água. A BIODEGRADAÇÃO DE ATRAZINA A maioria dos compostos orgânicos, xenobióticos, tais como agroquímicos em geral, não se perpetuam no ambiente pois podem ser biodegradados pela ação de organismos vivos presentes na nature- za, que atacam a estrutura molecular destes compostos orgânicos. Os micror- ganismos, pela sua capacidade degrada- dora, participam de forma significativa na eliminação ou redução acentuada dos níveis de pesticidas empregados na agro- pecuária. No entanto, dependendo da natureza qualitativa e quantitativa do com- posto empregado e das características gerais do solo, ocorre o acúmulo a índi- Figura 3- Biodegradação da atrazina 12 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ces considerados tóxicos. A molécula de atrazina, formada por um anel aromático heterocíclico clorado e N-alquilado, não é facilmente biodegra- dada. Alguns microrganismos tem de- monstrado habilidade de biodegradar par- cial ou totalmente a molécula, levando a formação de NH3 e CO2 (figura 3). A degradação parcial da molécula de atrazina por fungos tais como Aspergillus fumigatus e Rhizopus stolonifer foram relatados, embora a maioria das ações microbianas relatadas, recaem sobre bac- térias do gênero Rhodococcus, Nocardia, Bacillus e principalmente Pseudomonas, um gênero bastante versátil também com habilidade para degradar 2,4-D (BEHKI & KHAN, 1986; BEHKI et al, 1993; LEVA- NON, 1993). A mineralização completa da atrazina por um único microrganismo não é comum, mas consórcios empre- gando 2 ou mais espécies diferentes são capazes de mineralizar atrazina (RASO- DEVICH et al, 1995). Os achados de KORPRADITSKUL et al, 1993, mostraram que amostras de solos do Japão e da Tailândia contém uma população eleva- da de degradadores de atrazina. Esta população não foi capaz de, no solo, degradar com eficiência a atrazina pre- sente. Pode-se concluir que, espécies do mesmo gênero e mesmo subespécies, podem apresentar capacidade metabóli- ca distinta que traduzem em habilidade de degradar compostos orgânicos dos mais diversos. Os isolamentos a partir de amostras de solo de locais diferentes, tem conduzido à diversidade de isolados, resultados, às vezes, concordantes e, ou- tras, discordantes, embora sempre resul- tados que acrescentam aos achados ante- riores. SELEÇÃO DE MICRORGANISMOS BIODEGRADADORES DE ATRAZINA O isolamento e seleção de linhagens microbianas capazes de biodegradar atrazina, é um trabalho bastante atraente e de interesse nacional quando se utiliza solos tropicais submeti- dos à agricultura intensiva. Em nossos trabalhos micro- biológicos, decidimos trabalhar com amostras de solo coletadas da região da microbacia do Es- praiado. Os pontos de coleta das amostras foram definidos através da superposição de di- versos mapas geológicos e de acordo com as características e propriedades do solo da re- gião, com cobertura de cana de açúcar (CERDEIRA et al, 1998). Partindo de 9 pontos, as amostras foram coletadas a 2 profundidades diferentes: 0-20 e 80-90 cm. e submetendo estas amostras ao tratamento com atrazina (1mg/mL em suspensão de solo). Após tratamento, as suspensões foram plaque- adas revelando populações diversas de microrganismos como as da figura 4. Os microrganismos isolados foram testados em sua habilidade para metabolizar atra- zina. Para monitorar a degradação de atrazina, os microrganismos foram incu- bados em meio líquido, contendo como única fonte de carbono ou carbono e nitrogênio, a atrazina na concentração de 10ug/mL. Após um período de incubação variado, as amostras foram analisadas em seu conteúdo residual de atrazina por CLAE (cromatografia líquida de alta efici- ência). A figura 5 ilustra a biodegradação do herbicida com os cromatogramas de 2 amostras designadas 4 e 5, onde pode-se observar a degradação parcial (amostra 4) e total (amostra 5) de atrazina após 26 dias de incubação. BIORREMEDIAÇÃO A descontaminação de sítios já sujei- tos à contaminação podem ser obtidos por técnicas de remediação e restaura- ção. Usualmente, estas técnicas conso- mem montantes astronômicos, como os 7 bilhões gastos devido à contaminação por metais pesados. Tecnologias avança- das tais como o uso de sistemas biológi- cos de tratamento, para reduzir ou des- truir resíduos perigosos, são vistas como uma opção para a tecnologia de descon- taminação. Um dos campos mais promis- sores da biotecnologia que visa o empre- Figura 5 - Cromatograma de CLAE (Cromatografia líquida de Alta Eficiência) de amostra de solo: coluna RP-18 (250x4,6 mm); fase móvel - MeOH:H 2 O (70:30, v/v); detector UV - 220 nm; fluxo 1mL/min. A - Amostra 4 - 0h B - Amostra 4 - 26 dias de incubação C - Amostra 5 - 0h D - Amostra 5 - 26 dias de incubação Figura 4 - População microbiana de amostra de solo incubada com atrazina (1,66 g/L) por 14 dias Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 15 BAYER 16 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento PESQUISA PESQUISA BÁSICA PARA ESTUDO DE COMPORTAMENTO DE CUPINS SUBTERRÂNEOS CUPINS: TRIPLA MARCAÇÃO E RECAPTURA Alim da Costa Bicalho Engº. Agrº., Pós-Graduado em Entomologia - UFLA. Lavras (MG) Eurípedes B. Menezes Engº. Agrº. - Prof. Titular da UFRRJ. PhD. em Entomologia. Seropédica (RJ) Elen de Lima Aguiar Menezes Engª. Agrª., MSc. em Entomologia. - Pesquisadora da EMBRAPA AGROBIOLOGIA. Seropédica (RJ) Fotos cedidas pelos autores Operárias e soldados de Coptotermes formosanus criados em laboratório na Universidade da Flórida - Fort Lauderdale (FL) Cupins ou Térmitas Trata-se de uma Ordem de insetos tipicamente social, onde existe uma per- feita divisão de trabalho entre as castas. Reconhece-se indivíduos férteis, o rei e a rainha, e os indivíduos estéreis, que são os machos e as fêmeas, conhecidos como operárias. Essas atacam todo e qualquer material de origem vegetal, principal- mente madeira, morta ou viva, em virtu- de do seu alimento principal ser a celu- lose. Essa substância proporciona aos cupins, energia necessária ao seu meta- bolismo. Além disso, fornece também as proteínas e os sais minerais essenciais ao desenvolvimento do inseto. Desse modo, madeiras inteiras ou até mesmo pedaços encontrados no solo, proporcionam aos cupins, alimento suficiente para manter sua colônia por vários anos, favorecendo seu aumento populacional. Algumas es- pécies alimentam-se também de tecido vegetal vivo, atacando por exemplo: raí- zes, troncos, galhos, como também ou- tras partes da planta viva. Os cupins subterrâneos, na ausência de alimento no subsolo próximo à colô- nia, sai em busca deste em áreas mais distantes. Esse comportamento peculiar permite, que as operárias construam tú- neis ou galerias em locais diversos, no interior de casas e prédios. Os túneis são construídos em baixo dos pisos, no inte- rior das paredes, atrás do rodapés, azule- jos e lambris, nas juntas de dilatação, nas colunas, nas aberturas de condutores hidráulicos e até mesmo no interior dos conduítes de cabos elétricos e fios telefô- nicos. É importante salientar que esses túneis, são raramente expostos e, sempre que for possível, serão construídos de maneira sutil e de difícil acesso. A busca de alimento é o objetivo principal da colônia, não importando onde quer que ele esteja. As operárias são capazes de atravessar todo e qualquer material resis- tente, até mesmo concreto. Geralmente, o ninho, vulgarmente conhecido como termiteiro ou cupin- zeiro, é encontrado no interior do subso- lo; todavia, podem ocorrer exceções. É possível que, esse tipo de moradia venha a ser construída no madeiramento do telhado ou em caixões abandonados das edificações. Segundo Cancello et al. (1998), os termos usados para definir os diferentes indivíduos que fazem parte de uma casta, fogem à regra da terminologia usada na Entomologia. Segundo os autores, os termos “larvas” e “ninfas” foram consa- grados entre os termitólogos. Assim sen- do, “larva” é um termo usado para desig- nar os imaturos que além de não serem pigmentados, não possuem tecas alares e não têm característica de soldado. O termo “ninfa” ou “ninfa de alado” é usado para designar imaturos sem característi- cas de soldado, que apresentam tecas alares e que sejam pouco pigmentados. “Pré-soldados” ou “soldados brancos” referem-se aos imaturos pouco pigmen- tados e esclerotizados; todavia, já com características de soldado. Os soldados, castas morfologicamen- te bem diferentes das operárias, são res- ponsáveis pela defesa da colônia. Os soldados, além da defesa da mesma, não têm capa- cidade de alimentação própria, cabendo às ope- rárias, essa tarefa. As operárias (ou ope- rários) são de morfologia bastante uniforme dentro de cada grupo e, como o próprio nome indica, são responsáveis por todo o trabalho da colônia. Cabe-nos ressaltar que o termo “larva” em outras Ordens de Insetos, refere- se aos grupos que possu- em metamorfose comple- ta (Diptera, Hymenopte- ra, Coleoptera, etc.), e o termo “ninfa” aos grupos que possuem metamorfo- se incompleta (Orthoptera, Hemiptera, Mantodea, Blattaria, etc.). Periodicamente, as formas aladas (machos e fêmeas) que são férteis e sexualmente ativas, executam revoadas com o objetivo de acasalamento e funda- ção de novas colônias, que resultarão na construção de novos ninhos. As revoadas costumam acontecer nos períodos mais Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 17 quentes e chuvosos do ano. Neste período,os alados voam, atraídos pela luz (são fototrópicos positivos), em quanti- dades surpreendentes. São vulgarmente conhecidos por “aleluias” ou “siriris”. Faz parte da ordem ISOPTERA, a família Rhinotermitidae, cujas espécies são consideradas inferiores, uma vez que para obter os nutrientes da celulose, utilizam-se da simbiose com protozoári- os. Atualmente, duas espécies destacam- se como pragas dos grandes centros urbanos: Coptotermes formosanus - Embo- ra essencialmente tropical, essa espécie é tida como adaptada às regiões de climas frios e mesmo sendo de origem asiática, encontra-se estabelecida, em quase todas as regiões do planeta. Sua presença já foi detectada na África do Sul, Estados Uni- dos da América, Japão, sudeste da China, Ceilão, Ilhas do Pacífico, Sudeste da Áfri- ca e Havaí. Coptotermes havilandi - É de ori- gem asiática e, pouco se sabe a respeito do comportamento e biologia dessa es- pécie tido como exótica na Ilhas Maurí- cius, Ilhas Marquesas, Ilhas Reunion, Ilhas Barbados, Jamaica e Brasil. Segundo Menezes et al. (1991), essa praga ataca cabos de alta e baixa tensão quando estes são predispostos à mesma. De acordo com Araújo (1958), Costa Lima foi um dos primeiros entomologis- tas a identificá-la em nosso país; todavia, como Coptotermes vastator; entretanto, estudos mais recentes, demonstram que a mesma já tinha sido introduzida em nosso país muito antes de 1936. Possivel- mente, a introdução desta praga exótica ocorreu na cidade do Rio de Janeiro e na cidade de Santos (SP), ainda nas décadas de 20/30. Os prejuízos causados por C. havi- landi, nunca foram mensurados, sequer cogitados e, muito menos avaliados; en- tretanto, depois da destruição de um cabo de alta tensão no Aeroporto Interna- cional do Rio de Janeiro, em 1985, fez com que técnicos do CEPEL (Centro de Pesquisa da Eletrobrás) entrassem em contato com pesquisadores da UFRRJ (Menezes e Sens, 1989). Após a introdução de C. formosanus em Miami em 1982, Dr. Nan-Yao Su, pesquisador da Universidade da Flórida, intensificou os estudos de biologia, com- portamento e controle dessa praga. (ver Su et al., 1996). Recentemente constatou- se que C. havilandi também tinha sido introduzido em North Miami, no Sul da Flórida (Su et al., 1997). No Brasil, vários trabalhos, conduzidos por Menezes e colaboradores, têm permitido saber mais a respeito do controle de C. havilandi (Bicalho et al., 1998; Xavier et al. 1998; Ferreira et al. 1998; Soares et al. 1998; Lage et al., 1998; Araújo et al. 1998; Rojas- Cortéz, et al., 1998; Jacintho et al., 1998; Baeta Neves et al., 1998). Atualmente, encontra-se em andamento na UFRRJ uma pesquisa de pós-graduação que tem como objetivo, estudar o comportamento dessa praga e o tamanho de sua área de forrageamento. Desenvolvendo mensurações: Estudando o comportamento de cu- pins, pesquisadores desenvolveram ao longo dos anos, a tecnologia de “iscas atrativas” (La Fage at al., 1973; Tamashiro et al., 1973). Essas têm também auxiliado no monitoramento e controle das popu- lações de cupins. No entanto, um dos obstáculos encontrados para o desenvol- vimento do sistema de “iscas” tem sido a incapacidade de se determinar a mortali- dade dos indivíduos. Usando-se barreiras químicas no solo, o controle é medido em função do número de anos, em que os blocos de madeiras, usados nos testes, permanecem não danificados. Todavia, como demonstrar que o sistema de con- trole por “iscas” foi letal à colônia? Sabe- se que os cupins podem deixar a isca sozinha e, forragear outros pontos. Isso nos fornece uma interpretação dúbia quanto a eficácia da isca; será que a mesma funcionou apenas como repelen- te, ou como uma fonte de alimento inadequado? Medir mortalidade de cu- pins subterrâneos é extremamente com- plicado porque não podem ser observa- dos diretamente, sem que suas colônias, venham a ser perturbadas. A solução foi usar as chamadas “esta- ções de monitoramento” e a técnica de “marcação e recaptura”, as quais determi- nam o território da colônia, o tamanho de sua população, como também medem a atividade e os padrões de alimentação (Su & Scheffrahn, 1986). A “estação de monitoramento” utilizada em testes na Universidade da Flórida é a versão mais moderna do método preconizado por Tamashiro et al. (1973). Se a área de alimentação da colônia pode ser defini- da, por meio do uso de “estações de monitoramento” e de indivíduos marca- dos, então, o decréscimo em número de atividade dessa colônia, certamente po- derá ser medido. Todavia, medir o terri- tório de forrageamento de uma colônia e sua atividade diária, não é nada fácil! Os cupins são bem apropriados para se determinar a estimativa de sua popu- lação por meio da marcação e recaptura, já que cada colônia é uma unidade fecha- da, não tendo indivíduos que mudam ou movem-se entre colônias. Além disso, as populações não aumentam, nem decres- cem rapidamente. Outro fato importante é que as populações de algumas colôni- as, são grandes e proporcionam estimati- vas desafiantes. Para aumentar a exatidão de uma estimativa populacional, a técni- ca de marcação-recaptura tripla proposta por Begon (1979), foi usada por Su et al. (1991) trabalhando com uma isca para o controle de cupins. Essa técnica envolve captura, marcação, contagem e liberação de um número considerável de operárias de cupins, durante três ciclos em um local determinado. O segundo e o terceiro grupo, constituído de indivíduos marca- dos e recapturados e de indivíduos não- marcados, servirão para se obter a esti- mativa populacional. A tripla marcação e recaptura desen- volvida em outros países (Begon,1979; Su et al.,1991) é um dos objetivos da tese de mestrado do primeiro autor deste artigo. O procedimento de captura dos indi- víduos de uma determinada colônia no campo, requer mais conhecimentos da mesma e, isto é feito por meio do proces- so de estaqueamento de determinados pontos. Em seguida, “estações de moni- toramento” (tubos de PVC com 25 cm de diâmetro) contendo isca apropriada, subs- tituem as estacas que foram atacadas pelas operárias daquela colônia em estu- do. Depois de algum tempo, as iscas infestadas são transferidas para o labora- tório, onde se procede a triagem e limpe- za do material coletado (operárias, solda- dos, imaturos). Após esse procedimento, a população obtida é acondicionada em recipiente próprio e alimentada com o material desejado (papel de filtro conten- do o marcador escolhido; isto é, azul do Nilo, vermelho Sudão 7B, Preto Sudão B, fuchsina, bengal rosa, etc.). Depois de alguns dias, a população devidamente alimentada com o marcador específico é devolvida ao seu local de origem. A presença de indivíduos marcados em estações vizinhas, sugere que sejam per- tencentes a uma mesma colônia. Um outro objetivo da técnica de tripla marcação e recaptura é determinar a área de forrageamento de uma colônia. Se- gundo Su et al. (1991), em um complexo de apartamentos estudado, seis colônias (individuais) de cupins subterrâneos, es- tavam ativas e aumentando suas popula- ções. Para se fazer estudos com iscas, é necessário conhecer profundamente a área de forrageamento de uma colônia de modo que, a redução de sua atividade (em virtude da metodologia empregada), possa ser medida com exatidão. A técnica tripla de marcação-recaptura permite 20 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento Artefato pré-colombiano Antes de Cristóvão Colombo chegar à América, em 1492, a borracha já era utiliza- da pelos povos indígenas deste novo con- tinente, há muitos anos. Eles realizavam a sangria nas árvores de seringueiras e seca- vam o látex no calor das fogueiras. Presu- me-se que Colombo e seus auxiliares foram os primeiros europeus a conhe- cerem a borracha, quando en- contraram nativos do Haiti brin- cando com bolas de borracha e levaram amostras para a Euro- pa. Dois séculos e meio mais tarde, o cientista francês Fran- çois Fresnau fabricou um par de botas de borracha para Frederi- co o Grande, que era pegajoso no calor e quebradiço no frio. A borracha utilizada por Fresnau foi obtida de látex de Hevea da Guiana Francesa, a primeira des- crita pelos exploradores. Ainda nesse período, o ci- entista Joseph Priestley, famoso químico inglês, produziu a pri- meira borracha para apagar ris- cos de lápis no papel. Em 1772, cubos de borracha eram vendi- dos em Londres como apagado- res para estudantes. Em 1823, foi feito o primeiro tecido a prova d’água, sendo patentea- do pelo escocês Macintosh, que colocou uma camada de borra- cha entre duas de tecido. Em Glasgow é fundada a primeira fábrica que usava borracha como matéria prima em tecidos impermeáveis. No mesmo ano, foi inventada a tira elástica pelo fabri- cante de carruagens londrino Thomas Han- cock. Entre 1839-1842, o americano Charles Goodyear e o inglês Thomas Hancock des- cobriram que o enxofre e o calor poderiam fazer com que a borracha não alterasse seu estado com a variação da temperatura, desenvolvendo a técnica da vulcanização. Outra invenção importante foi o emprego da borracha como isolante elétrico. Em 1846, tiras de borracha sólidas foram empre- gadas por Hancock na carruagem da Rainha Vitória. Em 1888, o escocês John Dunlop pro- duziu o primeiro pneu de borracha, na Inglaterra, inaugurando a era dos pneumá- ticos para bicicletas, carruagens e veículos automotores. A invenção foi patenteada em 1888, e, em 1890, em parceria com W. H. Du Cros, começou a produção comercial. A partir de 1920, chega a era dos automóveis e o látex da seringueira se consolida na fabricação de pneus no mundo moderno. Biopirataria A expansão do extrativismo do látex da seringueira na região amazônica, no final do século XIX, se deu em decorrência do lucrativo ciclo econômico da borracha, e tornou Manaus - capital do estado do Ama- zonas - conhecida como a “Paris dos Trópi- cos”, pois ela era o principal centro comer- cial do país na época e ocupava lugar de destaque na economia mundial. O teatro de Manaus é uma das construções-símbolo dessa época do apogeu econômico e cultu- ral da Região Norte. Mas, nesse período, quando a produção de borracha da Amazônia atingia o seu esplendor em termos de produção e gera- ção de renda para o país, o inglês Henry Wickhan, em 1876, contrabandeou, o que atual- mente se chamaria “biopirata- ria”, para os jardins reais de Kew, em Londres, mais de 70 mil sementes de seringueira. Passados 30 anos, o cultivo da seringueira se expandiu nos países do sudeste Asiático, pa- trocinado pelos ingleses, e hou- ve a quebra do monopólio da produção da Amazônia. Com a elevada produção e produtividade da borracha cul- tivada, no Sudeste Asiático, o extrativismo da Amazônia en- tra em declínio, em razão desse ato de biopirataria de material genético brasileiro, que se tor- nou histórico, e que ainda sub- siste até hoje com vários outros recursos genéticos brasileiros. No início da década de 20, os seringais do Oriente produ- ziam mais de 1,5 milhão de toneladas, enquanto que a Amazônia apenas 20 mil tone- ladas. Por volta de 1962, o Bra- sil começava a importar do Su- deste Asiático espécies de seringueira gene- ticamente melhoradas e mais produtivas, e a produção da seringueira cultivada se expandiu por vários estados brasileiros. Produção e mercado O Brasil produz hoje pouco mais de 60.000 t/ano de borracha natural e consome por volta de 160.000 t/ano, ou seja, a produção interna atende a aproximada- mente um terço do consumo. Em nível mundial, a produção de borracha natural A SERINGUEIRA NO BRASILREPORTAGEM A SERINGUEIRA NO BRASIL E O CONTROLE BIOLÓGICO DO Microcyclus ulei Lucas Tadeu Ferreira Fotos: Sueli Corrêa Marques de Mello e Embrapa Rondônia Seringueira na fase de sangria A - Colônia de M. ulei B - Colônia de D. pulvinata Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 21 chega a mais de 6.000.000 t/ano. Os princi- pais produtores são os países do Sudeste Asiático. No início da década de 70, no Brasil, um quilo de borracha natural valia o equiva- lente a R$ 3,50, e hoje vale em torno de R$ 1,00. No mercado internacional o preço pode chegar a mais de R$ 1,20. Hoje, a área tradicional de cultivo da seringueira no Brasil abrange a Amazônia Tropical Úmida, Mato Grosso e Bahia. Em áreas não-tradicionais, a seringueira é cultiva- da nos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Maranhão, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Paraná, São Paulo e Minas Gerais. No Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba estão concentradas as maiores plantações do esta- do de Minas Gerais, alcançando produtivida- de de aproximadamente 1.500 kg de borra- cha seca/ha/ano. Do ponto de vista social, a heveicultura é muito importante, principalmente na fixação do homem no campo, tanto em seringal nativo quanto em cultivado, pois produz o ano todo. Em contrapartida, o extrativismo do látex da Região Amazônica tem pouca ex- pressão hoje, considerando o volume total de borracha natural produzido no país e no exterior. Em seringal nativo, na Região Ama- zônica, um homem obtém, por ano, de 500 a 600kg de látex; e, em seringal cultivado a produção pode passar de 20 t/ano. Como se vê, a preferência dos produtores pelas áreas de escape e por seringais cultivados é óbvia. Uma árvore de seringueira, durante a sua vida útil, que pode chegar a 30 anos, produz cerca de 100kg de látex, com uma média de 3,5kg/ ano. Setenta por cento da borracha natural consumida no mundo hoje são empregados na fabricação de pneus para grandes cami- nhões e aviões, os quais precisam de elastici- dade para suportar o imenso peso das cargas, e do impacto das aeronaves durante pousos e decolagens, além de inúmeras outras apli- cações industriais do látex, como na produ- ção de preservativos e luvas médicas, por exemplo. Mal-das-folhas A seringueira é suscetível à várias doen- ças. A mais grave, sem dúvida, é o mal-das- folhas, causada pelo fungo Microcyclus ulei, que provoca a queima das folhas e pode levar as plantas à morte. O M. ulei é originário da Amazônia e só ocorre no continente america- no, não havendo registro de sua presença no Oriente e Sudeste Asiático. Este fungo causa prejuízos somente a espécies do gênero He- vea, sendo as mais resistentes a H. nitida, a H. pauciflora, a H. benthamiana, a H. guianen- sis e a H. spruceana, que devem ser preferen- cialmente utilizadas como controle preventi- vo. Um eficiente método de controle do mal- das-folhas é o chamado cultivo em áreas de escape. Geralmente, uma área de escape é caracterizada por possuir condições ambien- tais adversas das que o fungo (patógeno) necessita para manter o seu ciclo de vida. Contudo, ela tem que ser necessariamente apropriada ao cultivo da seringueira. Para o caso do controle do M. ulei, o tempo mínimo que o folíolo deve permanecer molhado para causar infecção é de oito horas. Numa região em que esse período for inferior a esse tempo permitirá o convívio endêmico da planta com a doença, sem danos à cultura e sem prejudicar a produção do látex. Mesmo cultivando a seringueira nas chamadas áreas de escape é aconselhá- vel selecionar material genético que apre- sente maior resistência e tolerância ao pató- geno. Outras doenças de menor expressão que atacam a seringueira são a Mancha- areolada, a Podridão-do-caule na região de enxertia e a Antracnose. Contudo, o Mal-das-folhas da seringuei- ra é a mais grave patologia desta cultura, além de ser o pior fator limitante da produ- ção do látex natural e da expansão da heveicultura no Brasil, e em outros países latino-americanos também. Esta doença é ainda um dos principais fatores que vem prejudicando o mercado de borracha natu- ral no Brasil. O Microcyclus ulei ataca preferencial- mente as folhas com até 15 dias de idade, provocando-lhes um fenômeno parecido com a queima das folhas e a sua conseqüen- te queda, o que prejudica totalmente o processo de fotossíntese e provoca perdas que podem inviabilizar o cultivo. Nos vivei- ros e estufas, em condições climáticas favo- ráveis, este fungo pode ocasionar perdas de até 100% nas mudas de seringueiras susce- tíveis, através de infecções, reinfecções e desfolhamentos sucessivos. Além disso, em plantas adultas, o fungo provoca o secamento dos galhos, deixando a planta totalmente debilitada e vulnerável à várias outras doenças secundárias, o que pre- judica sobremaneira a produção de látex. Para se ter uma idéia, no nosso País, essa doença é apontada como a principal responsável pelo fracasso dos projetos de fomento da seringuei- ra executados nas décadas de 70 e 80, nos municípios de Belterra e Fordlândia, no estado Pará, através dos Programas de Desenvolvi- mento da Borracha, do Governo Federal (Pro- bor I, II e III), os quais atingiram quase 100.000 ha de plantio e não lograram êxito. Ainda hoje, o acervo dos conhecimentos científicos e tecnológicos disponíveis tem sido insuficiente para eliminar ou mesmo controlar essa doença, devido principalmente ao porte elevado das seringueiras, alta variabilidade genética do patógeno causador da doença e a inexistência, até o momento, de clones gene- ticamente resistentes e de alta produtividade. Felizmente, o M. ulei não chegou ainda ao Sudeste Asiático, pois se tal fato ocorrer haverá um verdadeiro colapso na produção de pneus para aviões e caminhões, em nível mundial Controle biológico Assim, no momento, entre as medidas de fitossanidade que representam maior potenci- al de combate ao mal-das-folhas destaca-se o controle biológico, através do emprego de inimigos naturais, como é caso do fungo Dicyma pulvinata (Berk & M.A. Curtis) Arx (syn. Hansfordia pulvinata) que é antagônico ao M. ulei. Colonizando as lesões de M. ulei, D. pulvinata impede a esporulação, ou seja, a reprodução do patógeno, por mecanismos ainda desconhecidos, reduzindo assim o des- folhamento das plantas e a taxa de contamina- ção e reinfecções. Nos últimos anos, seringalistas da região de São José do Rio Claro, MT, vêm utilizando este fungo antagônico para controle do Mal- das-folhas com relativo sucesso. Entretanto, o processo de produção e utilização ainda é artesanal e incipiente, o que torna necessário a realização de estudos básicos da biologia, epidemiologia, diversidade genética e meca- nismos envolvidos na interação entre a doen- ça e o seu agente de biocontrole. Neste sentido, pesquisas de controle bio- lógico estão sendo desenvolvidas na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, localiza- da em Brasília, sob a responsabilidade da pesquisadora Sueli Corrêa Marques de Mello, através de um projeto financiado pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente – FNMA. A fina- lidade destas pesquisas é a de obter todos os subsídios necessários à identificação de isola- dos de fungos antagônicos com alta virulência e adaptados às principais regiões produtoras de borracha do país, além de estabelecer um sistema de produção em quantidade adequa- da desses micoparasitas antagônicos. O projeto está sendo conduzido principal- mente nas instalações da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e conta com o apoio de outros Centros da Embrapa, como a Embrapa Cerrados - localizada em Brasília Lesões de Microcyclus ulei colonizadas pelo Dicyma pulvinata 22 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento (DF), a Embrapa Acre - localizada em Rio Branco (AC), a Embrapa Rondônia - locali- zada em Porto Velho (RO), a Embrapa Amazônia Ocidental - localizada em Ma- naus (AM), e a Embrapa Amazônia Oriental - localizada em Belém (PA), além da Comis- são Executiva do Plano da Lavoura Cacau- eira - CEPLAC - localizada em Itabuna - BA, e da empresa MICHELIN, localizada em Ituberá (BA) e Rondonópolis (MT). Para tanto, já foram realizadas viagens às principais regiões produtoras de serin- gueira nos estados do Pará, Amazonas, Acre, Rondônia, Mato Grosso, Bahia e Espí- rito Santo, onde foram coletadas folhas de seringueira contendo M. ulei parasitados com D. pulvinata, e para obtenção dos isolados de M. ulei, visando à determinação da virulência em populações do micopara- sita, foram também coletadas folhas jovens contendo a fase inicial de reprodução do patógeno, que são os conídios. De acordo com a pesquisadora Sueli Corrêa, os trabalhos de pesquisa da Embra- pa Recursos Genéticos e Biotecnologia pros- seguem normalmente; várias estirpes dos fungos D. pulvinata e M. ulei foram isola- das, identificadas e preservadas, através de técnicas específicas. A caracterização mor- fológica, molecular e patogênica dos isola- dos de D. pulvinata está em andamento, e permitirá, dentro de pouco tempo, conhe- cer a variabilidade do fungo na natureza, tornando possível a seleção de isolados adequados para as regiões geográficas dis- tintas. Para estudar os mecanismos de intera- ção entre D. pulvinata e M. ulei por micros- copia eletrônica de varredura, foram prepa- rados fragmentos de tecidos das folhas oriundos de amostras do patógeno coloni- zado pelo seu fungo antagonista coletado no campo. Outros sistemas estão sendo avaliados para estudar o modo de ação do antagonista sobre o patógeno. Deste modo, através de pareamento - inoculando-se os dois lado a lado -, e de sobreposição - inoculando-se o antagonista sobre o pató- geno - de culturas em meios apropriados, está sendo investigado o envolvimento de enzimas degradadoras da célula do patóge- no e a produção de substâncias tóxicas que inibem o crescimento do M. ulei. Conhecer estes mecanismos é muito importante, pois permite intervir no processo de antagonis- mo, aumentando sua eficiência. Quanto à avaliação da virulência e da agressividade dos isolados de D. Pulvinata, bioensaios estão sendo instalados em casa de vegetação, onde plantas de seringueira en- contram-se estabelecidas. Preparações contendo es- poros de cada isolado são aplicadas diretamente so- bre lesões foliares conten- do estromas (estruturas que contém a fase sexual do M. ulei) ou conídios de M. ulei desenvolvidas a partir de inoculações artificiais das plantas com o patógeno. A etapa seguinte do projeto será o desenvol- vimento de técnicas de produção de inócu- los - como se fossem sementes - do fungo antagônico para produção em larga escala. Na fase mais avançada da doença são produzidos os esporos sexuais, que além de possibilitarem maior variabilidade genética do fungo, são mais resistentes às adversida- des do ambiente, como temperatura e umi- dade. Os conídios, ao contrário, são estru- turas multiplicativas de origem não sexual, produzidas sem recombinação genética, por isso, detendo pouca variabilidade - menor variabilidade, menor capacidade de adapta- ção e de sobrevivência do organismo. As- sim, conclui-se que qualquer medida de controle do M. ulei deve, preferencialmen- te, impedir a formação dos esporos sexuais, para com isso impedir o processo reprodu- tivo e o ciclo de vida do patógeno. Contudo, somente a partir da obtenção dos clones de seringueira adequados por meio de técnicas de enxertia e do estabele- cimento do Mal-das-folhas em casa de vege- tação foi possível realizar bioensaios com os fungos. A maior dificuldade enfrentada pelo projeto até o momento foi o estabelecimen- to do M. ulei em plantas, sob condições controladas, ressalta Sueli. Segundo a pesquisadora, a despeito des- te fungo causador do Mal-das-folhas de- monstrar alta agressividade com a cultura da seringueira, ele é extremamente exigente de umidade, temperatura, concentração de inó- culo etc., para desenvolver a doença em casa de vegetação. Também sua produção em laboratório é bastante difícil e dependente dos isolados. Raramente um isolado muito infectivo desenvolve-se em meios artificiais, exigindo sua produção in vivo. Entretanto, essas dificuldades foram su- peradas, já que o patógeno encontra-se bem estabelecido em casa de vegetação na Em- brapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, e várias plantas de seringueira vêm apresen- tando níveis adequados de doença, condi- ção indispensável para a realização das pesquisas, conclui Sueli. Assim, em breve, espera-se que este projeto comece a apresentar os primeiros resultados viáveis do controle biológico do Mal-das-folhas e que ele contribua, pelo menos, para atenuar este mal terrível da seringueira em nosso país. Planta jovem de seringueira atacada pelo Microcyclus ulei Lesões de Microcyclus ulei infectadas pelo Dicyma pulvinata, em folhas de seringueira Placa 1 - Colônia de Microcyclus ulei Placa 2 - Colônia de Microcyclus ulei colonizada por Dicyma pulvinata Aspecto de estroma de Microcyclus ulei colonizado por Dicyma pulvinata em tecido de seringueira, observado por Microscopia Eletrônica de Varredura Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 25 cular, segundo uma abordagem de en- genharia de vias metabólicas. O presen- te artigo enfoca algumas estratégias fre- quentemente adotadas quando se busca a otimização da produção de metabóli- tos secundários em sistemas de culturas de células vegetais. Manipulação epigenética Provavelmente, a primeira estratégia utilizada para otimizar a produção de metabólitos secundários em cultivos ce- lulares vegetais foi a manipulação epige- nética. Tal estratégia considera a identi- ficação e seleção de linhagens celulares de maior potencial produtivo, otimiza- ção do meio de cultura, manipulação de fatores de ambiente (intensidade lumi- nosa, fotoperíodo, temperatura, CO 2 , O 2 , e.g.), a influência do nível de dife- renciação celular, a adição de inibidores ou precursores ao meio de cultura e a elicitação. Identificação, seleção clonal e otimi- zação do meio de cultura: Ao longo das últimas décadas, vários relatos têm sido feitos na literatura mostrando incremen- tos na produção de metabólitos secun- dários através da identificação e seleção de linhagens celulares com maior poten- cial de biossíntese/acúmulo de metabó- litos secundários. A seleção de clones celulares pode ser feita através da adição de compostos tóxicos (ácido nicotínico, e.g.) ou seletivos ao meio de cultura, os quais atuam de modo a permitir apenas a sobrevivência de células com maior capacidade de metabolização do inter- mediário, ou ainda através de alterações nos fatores ambientais. Todavia, com relativa frequência e de modo espontâ- neo, observa-se a expressão de variação genética em linhagens selecionadas, de modo que o potencial de biossíntese do(s) composto(s) de interesse é uma característica instável. As razões que determinam tal fato não são claramente conhecidas até o presente momento. A hipótese baseada na variação genética e seleção celular (2) tem sido proposta com o intuito de explicar a heterogenei- dade/instabilidade observada em cultu- ras de células vegetais quanto à produ- ção de metabólitos secundários. Bus- cando superar tal problema, a identifica- ção de clones de maior produtividade tem sido feita através do cultivo de protoplastos (single cell), ou de peque- nos agregados celulares (cell nursery culture) em programas de longa dura- ção. Os resultados indicam que para algumas espécies esta abordagem possi- bilitou a obtenção de linhagens com alto potencial produtivo e estáveis, como no caso de berberina e antocianina em cultivos celulares de Coptis, Thalictrum e Euphorbia, respectivamente. A supe- ração da instabilidade neste sistema é atribuída à redução da heterogeneidade genética nos cultivos ao longo dos su- cessivos subcultivos. A otimização da composição do meio de cultura se mos- tra como uma estratégia efetiva para a obtenção de incrementos de produtivi- dade de metabólitos secundários in vi- tro. A literatura disponível ilustra este aspecto enfocando a utilização de cons- tituintes de natureza orgânica ou inorgâ- nica. Contudo, um meio de cultura que ofereça condições ótimas ao incremento da biomassa celular é, via de regra, antagônico à síntese do(s) composto(s) de interesse. Em função disto, o estabe- lecimento de um meio de cultura ade- quado simultaneamente ao crescimento celular e à produção é bastante difícil. Um sistema de produção envolvendo dois estágios tem sido proposto (3) como estratégia para superar a condição de antagonismo entre o crescimento celular/biossíntese metabólitos secun- dários. Este sistema consiste no cultivo celular em meio de crescimento,inicialmente, de modo a fa- vorecer o máximo acúmulo de biomas- sa, seguido pela transferência para o meio de produção, onde a biossíntese do(s) metabólito(s) de interesse é favo- recida. Incrementos de produtividade de 84% e 47% para o triterpenóide velutinol A e seu derivado glicosilado MV8612 foram obtidos em cultivos celu- lares de Mandevilla velutina (4) com a utilização deste sistema. Entretanto, como regra geral, esta abordagem somente funciona se um nível basal do composto de interesse estiver presente no cultivo celular. Se as células não sintetizam o composto, como no caso de morfina, hiosciamina e vinblastina, tal estratégia, de fato, não poderá ser utilizada. Adição de precursores : Em diversos cultivos celulares a produção de meta- bólitos secundários pode ser positiva- mente afetada pela adição de intermedi- ários da via biossintética. Como exem- plo disto, culturas de células de Catha- ranthus roseus suplementadas com se- cologanina mostraram elevação nos teo- res de estrictosidina, o precursor comum na biossíntese de alcalóides indólicos monoterpenoídicos (5). Resultados si- milares foram encontrados com a adição de L-Triptofano, com uma resposta tem- po-dependente, enquanto a produção de ajmalicina não foi afetada. É interes- sante mencionar três aspectos básicos ao se considerar esta metodologia como estratégia para a obtenção de incremen- Figura 2. Estruturas de fitoanticipi- nas constitutivas encontradas em células de (a) Sorghum bicolor e (b) Cicer arietinum. As antocianinas pelargonidina e cianidina têm ação protetora contra radiação UV, en- quanto as isoflavonas formononetina (FGM) e biochanina A (BGM) são inibidores de infecção fúngica (Lo & Nicholson, 1998 e Barz & Macken- brock, 1994) (A) (B) Figura 3. Estrutura química de fito- alexinas produzidas por células de (a) Brassica, (b) Oryza e (c) Cole- ostephus como resposta à infecção por microrganismos (Keen, 1990). (A) Brassilexina (B) Orizalexina A (C) Micosinol 26 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento tos de produtividade de metabólitos de interesse: a) a concentração do substra- to; b) o metabólito de interesse é (ou não) um produto final da via biossinté- tica; c) a capacidade celular de acúmulo do composto. No primeiro caso, a adi- ção de precursor(es) pode induzir au- mentos de produção do composto bio- ativo, na medida em que permite supe- rar a pequena disponibilidade de subs- trato no meio de reação, especialmente quando a arquitetura da via biossintética é linear, como no caso da maioria das vias de biossíntese de metabólitos se- cundários conhecidas. Em segundo lu- gar, se o metabólito alvo não é um produto final da via biossintética, a taxa de seu catabolismo pode tornar inefetiva a adição de precursor(es). Neste contex- to, tem sido demonstrado que a taxa de síntese e de degradação de ajmalicina são similares em culturas celulares de Catharanthus roseus, de modo que não foi observado acúmulo deste alcalóide em cultivos suplementados com precur- sor. A curta meia-vida de compostos na planta, como observado para nicotina (22 horas) e morfina (7,5 horas) reforça a importância deste aspecto. A capacida- de celular de acúmulo de metabólitos secundários não tem sido estudada em profundidade até o presente momento. Contudo, é esperado haver um limite de acúmulo destes compostos, o que influ- encia a produtividade dos cultivos. Como exemplo, a produção de antocianinas em cultivos celulares de Catharanthus roseus é dependente da percentagem de células produtoras, quando todas as cé- lulas têm similar conteúdo daquele com- posto. Células diferenciadas: Como regra geral, em plantas há uma grande corre- lação entre citodiferenciação e metabo- lismo secundário, Um aumento de 4-6 vezes no teor de alcalóides (voafilina, aparicina, and 3S-hidroxi-voacangina), concomitante a um incremento no nível de diferenciação celular foi observado em culturas celulares de Tabernaemon- tana pandacaqui (6). A ocorrência de estruturas compacto-globulares (agre- gados celulares exibindo um alto grau de diferenciação) foi observada em cul- tivos de Tabernaemontana and Cincho- na, os quais produziram quantidades bastante superiores dos alcalóides aspi- dospermatanos valesamina e O-acetilva- lesamina e de quinina, respectivamente, em relação ao controle. Ao longo da última década, o cultivo de meristemas e raízes recebeu grande atenção quanto ao seu potencial como sistema produtor de compostos bioativos. Os resultados têm demonstrado valores de produtivi- dade nos cultivos semelhantes aqueles observados na planta ex vitro, ou mesmo valores mais elevados, via manipulação epigenética. Uma metodologia que tem despertado grande interesse neste con- texto é a transformação genética de plantas com Agrobacterium rhizogenes, uma bactéria de solo capaz de infectar células vegetais, causando a prolifera- ção do crescimento radicular (hairy roots). O cultivo de raízes (ou pêlos radicula- res) transformados pode ser realizado em meio de cultura desprovido de regu- ladores de crescimento, apresentando estabilidade genética e bioquímica, e produção similar àquela observada em raízes não-transformadas (3). No entan- to, este sistema requer a utilização de biorreatores com características específi- cas (biorreatores com nebulização, e.g.), dificultando a produção de biomassa em larga escala, com um consequente au- mento nos custos de produção. Elicitação : Elicitores bióticos são compostos que induzem respostas de defesa em células vegetais contra infec- ções microbianas, em particular a pro- dução de fitoalexinas, ou ainda induzem aumentos no nível de fitoanticipinas constitutivas (Fig. 2) Fitoalexinas são compostos com atividade antibiótica, de baixo peso molecular, formados e acu- mulados em células vegetais em respos- ta à infecções por microrganismos (Fig. 3). Elicitores de natureza abiótica (radi- ação UV e íons de metais pesados) também têm sido utilizados neste con- texto. Este princípio tem sido aplicado em estudos de biossíntese de fitoalexi- nas, como também para aumentar a produtividade de metabólitos secundá- rios em cultivos celulares vegetais. Em geral, a elicitação de uma cultura celular resulta na síntese de novo de compostos, algumas vezes não encontrados na plan- ta intacta (dihidropiranocumarina, e.g.), ou no aumento da produção de metabó- litos secundários nos cultivos in vitro (antraquinonas, e.g.). Todavia, a eficiên- cia do tratamento com um dado elicitor, no que concerne à indução de produti- vidade de um composto, depende de vários fatores, sendo a resposta de indu- ção restrita a certas vias biossintéticas. Em função disto, a escolha correta do elicitor é fundamental, não havendo regras indicadoras de uma combinação adequada para o sistema célula/elicitor. Além disto, a concentração do elicitor, a densidade de inóculo, o momento de adição do elicitor, o período de contato entre as células e o agente de elicitação e o teor de nutrientes do meio de cultura são fatores importantes a se considerar, quando se busca a otimização da produ- ção de biofármacos através desta abor- dagem. Na prática, poli/oligossacaríde- os (oligossacarinas – Fig. 4) de parede celular de plantas ou microrganismos, enzimas (celulases, hemicelulases e pec- tinases, e.g.), peptídeos, glicopeptídeos e lipídios têm sido usados como elicito- res. Da mesma forma, compostos sinali- zadores envolvidos em vias de transdu- ção, como o ácido jasmônico e seu metil éster, ou ainda o ergosterol (Fig. 5) podem induzir respostas de estresse celular, levando ao aumento da síntese/ acúmulo de metabólitos secundários. Provavelmente, cada espécie vegetal tem uma classe de compostos que são sinte- tizados após o estímulo causado pelo Figura 4. Estrutura de oligossaca- rídeos elicitores isolados de pare- de celular de (a) plantas e fungos (b, c, e d). O grau de polimeriza- ção (n) varia de 11 a 14 (Hahn et al., 1992) (A) (B) Figura 5. Aspectos estruturais de moléculas sinalizadoras em células vegetais: [A] ergosterol e [B] ácido jasmônico (R = H), ou seu metil éster (metil jasmonato, R = CH 3 ) Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 27 elicitor, os quais não são encontrados na planta na ausência deste estímulo. As- sim, muitos compostos de interesse, constitutivamen- te formados na planta, não são passíveis de indução por elicitores em cultivos celulares, como observado para quinina, morfina e vin- blastina. Por outro lado, compostos outros como ácidos fenólicos (Catharan- thus roseus), triterpenos (Tabernaemontana divari- cata), velutinol A e seu derivado glicosilado (Man- devilla velutina – Fig. 6) tiveram suas concentrações aumentadas em culturas de células. Metabólitos cuja bi- ossíntese é induzida são usualmente produzidos em altos níveis, podendo al- cançar valores de 3 a 10%, com base em peso seco. A utilização desta estratégia possibilita a indução de in- cremento de produtivida- de em momento específico do processo produtivo. No entanto, o maior problema verificado até o presente momento reside no número limitado de compostos que tem sua biossíntese aumentada, os quais, em alguns casos, não são o produto final de interesse. Engenharia Metabólica A introdução de genes em plantas ou células vegetais através de técnicas de engenharia genética (sistema Agrobac- terium e o bombardeamento com partí- culas metálicas coloidais, e.g.) permite a alteração da expressão de genes envol- vidos em vias biossintéticas de interesse e assim modificar a produção de meta- bólitos secundários. Agrobacterium tu- mefaciens tem sido amplamente utiliza- da para a transformação de plantas, apresentando como maior restrição o número limitado de hospedeiros, princi- palmente dicotiledôneas, ainda que nem todas as espécies deste grupo. O bom- bardeamento com partículas é, em prin- cípio, aplicável a qualquer espécie, mas ainda que a transformação seja viável, a regeneração da planta a partir da célula transformada tem se mostrado uma tare- fa difícil. Além disso, a reduzida disponi- bilidade de genes e promotores especí- ficos ao objetivo em tela, o pouco co- nhecimento sobre a estabilidade genéti- ca de células transformadas e também sobre os mecanismos de regulação de vias biossintéticas de metabólitos secun- dários são fatores limitantes nesta abor- dagem. Entretanto, os progressos que têm sido alcançados na tecnologia gêni- ca permitirão um aumento no número de genes clonados, bem como um maior entendimento das vias biossintéticas em seus aspectos estruturais e regulatórios, de modo que perspectivas interessantes de aplicação da engenharia metabólica surgem no que se refere à otimização da produção de compostos de interesse. Num contexto mais amplo, a engenharia metabólica objetiva o incremento do fluxo de carbono em direção ao produto final de interesse. Neste sentido, diver- sas estratégias têm sido utilizadas bus- cando superar o(s) evento(s) limitante(s), bloqueando vias metabólicas competiti- vas ou do catabolismo pela utilização de genes com transcrição no sentido inver- so (anti-sense), ou ainda pelo uso de anticorpos. O aumento da atividade de uma determinada enzima poderá ser conseguido com a clonagem de seu(s) gene(s), o(s) qual(is) poderá(ão) ser oriundo(s) da planta em si, de outra espécie vegetal, ou ainda de outro organismo (bacté- ria, e.g.). Independente do objetivo, a engenharia me- tabólica tem como pressu- posto básico o conhecimen- to de todos os passos cons- tituintes da via biossintética do metabólito de interesse, aspecto que limita a aplica- ção desta abordagem, visto que a maioria destas vias são conhecidas apenas a nível de seus intermediári- os. Com o conhecimento da via biossintética a nível dos intermediários envolvi- dos, o passo seguinte é a identificação das enzimas envolvidas e a determina- ção de quais destas apre- sentam função regulatória. Além disto, é importante considerar outros aspectos intrínsecos ao processo de síntese, como a arquitetura da via biossintética, a exis- tência de etapas regulatóri- as, o transporte do produto final e a compartimentalização. A arquitetura da via biossintética poderá ser linear, ou mesmo apresentar-se como uma rede complexa. No primeiro caso, a situação é mais simples no que concerne à sua manipulação, contudo, em sendo o per- fil da via biossintética uma rede comple- xa de etapas (terpenóides, e.g.), a pos- sibilidade de manipulação no contexto da engenharia metabólica é tarefa que encontrará maior grau de dificuldade. A existência de mecanismos de regulação a nível enzimático é bastante comum (retro-inibição), como observado na bi- ossíntese de triptofano em culturas de células de C. roseus. Nesta via, a super- expressão da antranilato sintetase (AS) não apresentou efeito positivo, porque a mesma é inibida pelo produto final da via biossintética (7). Adicionalmente, é importante considerar o efeito que a compartimentalização exerce sobre a biossíntese de metabólitos secundários, indicando que o transporte do produto final e/ou de intermediários da via bios- sintética atuam como agentes de regula- ção desta. A biossíntese de alcalóides indólicos terpenoídicos requer no míni- mo três compartimentos : os plastídios [produção de triptofano e a porção ter- penoídica do produto final], o citosol [descarboxilação do triptofano] e o va- ⇒ Velutinol A [(15R, 16R, 20S)-14,16:15,20:16,21-triepoxi-15-16- seco-14β,17α-pregn-5-ene-3β,15-diol] (Bento et al., 1995). Figura 6. Mandevilla velutina (Apocynaceae), planta nativa de ecossistemas de restinga e cerrado no Brasil, fonte de velutinol A, um antagonista de bradicinina (BK) 30 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento CIMENTOS DE FOSFATOS DE CÁLCIONovas Tecnologias Uma nova alternativa para remodelação e reconstrução óssea Rául García Carrodeguas Chefe do Departamento de Cerâmicas e Compósitos, Centro de Biomateriais da Univer- sidade de Havana, Cuba. Sussette Padilla Mondéjar Pesquisadora do Departamento de Cerâmicas e Compósitos, Centro de Biomateriais da Univer- sidade de Havana, Cuba. Luís Alberto dos Santos Doutorando do Departamento de Engenharia de Materiais da Faculdade de Engenharia Mecânica, UNICAMP, Brasil. Eliana Cristina da Silva Rigo Doutoranda do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos, Brasil. Anselmo Ortega Boschi Professor Adjunto do Departamento de Enge- nharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos, Brasil daob@power.ufscar.br Foto cedida pelos autores esde seu surgimento no mer- cado, no início dos anos 80, as cerâmicas de fosfato de cálcio, especialmente a hi- droxiapatita, foram conside- radas os materiais por excelência para a remodelação e reconstrução de defeitos ósseos. Essa preferência se deve princi- palmente por suas inigualáveis proprie- dades de biocompatibilidade, bioativida- de e osteocondutividade, o que significa que ao serem implantadas no sítio ósseo, não induzem resposta imunológica; são capazes de ligar-se diretamente ao tecido ósseo e permitem o crescimento do osso ao longo de sua superfície (LeGeros, 1991). Após duas décadas do início de sua aplicação clínica, surgiram registros de algumas desvantagens das cerâmicas de fosfato de cálcio. Elas podem ser encon- tradas nas formas de blocos ou granula- dos; os blocos são fabricados com formas pré determinadas e normalizadas, os gra- nulados apresentam o risco de migrarem além do sítio de implantação podendo alcançar o tecido mole e provocar reações granulomatosas e até mesmo sua expul- são para fora do organismo (Driessens et al., 1997). Essas desvantagens estariam ausentes se um material tivesse composição similar a das cerâmicas de fosfato de cálcio, e portanto, exibissem propriedades de bio- compatibilidade, bioatividade e osteo- condutividade, e que por sua vez fosse moldável na forma e dimensões do defei- to ósseo que se pretendesse corrigir. Estas possibilidades e outras de interesse são apresentadas nos Cimentos de Fosfatos de Cálcio (CFC), recentemente apresenta- do no mercado especializado. O que são os CFC? Os CFC são materiais constituídos por um pó e um líquido, os quais, ao serem misturados formam uma pasta que endu- rece espontaneamente à temperatura am- biente ou corporal como resultado da precipitação de um ou vários fosfatos de cálcio (Driessens et al., 1998). O pó pode estar composto por um ou vários fosfatos de cálcio, outros sais de cálcio e certos aditivos orgânicos. Por sua vez, o líquido pode ser água ou soluções aquosas de compostos de cálcio ou fosfa- to, que também podem conter certos aditivos orgânicos (Chow, 1998). Ao obter a mistura dos componentes sólido e líquido de um CFC, inicia-se a dissolução dos compostos presentes no pó e a precipitação de novos compostos. Esse novo precipitado composto por cris- tais microscópicos forma um emaranhado que proporciona resistência mecânica ao sistema. Na figura 1 pode-se observar a foto obtida por microscopia eletrônica de varredura mostrando a disposição crista- lina de um CFC baseado no sistema α- fosfato tricálcico/hidrogeno fosfato de sódio/água, cujo produto de reação é hidroxiapatita (Carrodeguas et al., 1999). Conceitualmente, os CFC foram apre- sentados pela primeira vez como possí- veis materiais de restauração dentária em 1982 (LeGeros et al., 1982), mas apenas em 1987 foi desenvolvido o primeiro CFC baseado em fosfato tetracálcico (TTCP) e fosfato dicálcico dihidratado ou anidro (DCPD, DCPA) (Brown and Chow, 1987). Desde então, existem mais de 130 artigos científicos publicados sobre CFC e siste- mas relacionados, e um número ainda maior de resumos apresentados em con- gressos especializados (Chow, 1998). As características que determinam os CFC em biomateriais atrativos para a re- construção ou remodelação óssea são: facilidade de manipulação e moldagem, sem ter que dar forma prévia ao implante, adaptando-se totalmente à forma da cavi- dade óssea obtendo um íntimo contato entre o osso e o cimento desde os primei- ros estágios da implantação, além disso os CFC diferenciam-se dos outros cimentos ósseos não aquecendo durante o proces- so de endurecimento, evitando assim a necrose tecidual no sítio de implantação (Driessens et al., 1997). Principais tipos de CFC São sete os diferentes tipos de CFC, de acordo com a quantidade de fosfatos de cálcio precipitados conforme o sistema ternário Ca(OH) 2 -H 3 PO 4 -H 2 O (Driessens et al., 1997). Do ponto de vista clínico existem certos requisitos que um cimento ósseo deve cumprir, o que reduz ainda mais os tipos de CFC de interesse clínico. Esses requisitos são: curar e endurecer in vivo em um tempo razoável, possuir uma resistência mecânica apropriada durante o período requerido, pH neutro (6,5-8,5) durante e depois da cura para evitar efeitos citotóxicos, fácil manipulação, au- Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 31 Figura 1: Microscopia eletrônica de varredura (MEV) da superfície de fratura de um CFC do sistema α-fosfato tricálcico/ hidrogeno fosfato de sódio/água, cujo produto de reação é hidroxiapatita (após 24 horas em fluído plasmático simulado a 37oC) sência de toxicidade, perfeita adesão ao tecido ósseo e ausência de características alergênicas e cancerígenas (Lemaitre et al., 1987; Driessens et al., 1997). Os CFC desenvolvidos até o momento e que por sua vez cumprem os requisitos anteriores podem se classificar de acordo com o composto formado durante a cura em cimentos de hidroxiapatita e ci- mentos de fosfato dicálcico dihidrata- do. A seguir, será dada uma breve discus- são dos resultados encontrados em litera- tura para estes tipos de CFC. CFC de hidroxiapatita Esse tipo de cimento foi desenvolvido por Brown e Chow na metade da década de 80 (Brown and Chow, 1985). Misturas de fosfato tetracálcico (TTCP) e hidroge- no fosfato de cálcio, dihidratado e anidro (DCPD e DCPA, respectivamente), em proporção molar 1:1, reagem ao adicio- nar-se água para formar hidroxiapatita (HA), como um único produto da reação. Esse cimento endurece em torno de 30 min., seu pH varia de 7,5 a 8,5 e desenvol- ve uma resistência a compressão de 60MPa em 24 horas (Chow et al., 1991). Estudos posteriores têm melhorado consideravelmente as propriedades des- tes cimentos e facilitado o seu uso clínico. A adição de Na 2 HPO 4 à parte líquida do cimento provoca a diminuição do tempo necessário para o seu endurecimento para 5 min. contra os 30 min. necessários no cimento convencional (Chow et al., 1994). A adição de aproximada- mente 2% de hidroxipro- pil metilcelulose, alginato de sódio e outros agentes gelificantes à parte líquida melhora a coesão da pasta tornando-a mais resisten- te à desintegração em meio aquoso ou corpóreo no sítio de implantação ime- diatamente após a mistu- ra. Alguns destes aditivos aumentam o tempo de cura, o que pode ser com- pensado mediante o uso de uma solução de fosfato como parte do líquido (Cherng et al., 1995; Ishi- kawa et al., 1995). Outros cimentos cujo produto de cura seja hi- droxiapatita (HA), são os que têm como componente principal α- fosfato tricálcico (α-TCP). Entre eles des- tacam-se o cimento desenvolvido por Ginebra (Ginebra et al., 1997), constituí- do por α-TCP e β-TCP (17%), HA (2%) e uma dissolução de Na 2 HPO 4 a 2,5% , outro constituído por α-TCP, DCPA, CaCO 3 (CC) e HA (Driessen et al., 1997),este cimento endurece aos 17 min. e apresenta uma resistência a compressão de 35 Mpa. Ambos os cimentos obtiveram bons resul- tados nas avaliações in vivo (Driessen et al., 1997; Ginebra et al., 1995). Um outro cimento de α-TCP desen- volvido é o constituído por α-TCP, CC e dihidrogeno fosfato de cálcio monohidra- tado (MCPM) (Morgan et al., 1997). Este cimento após 24 horas desenvolve uma resistência a compressão de 55 MPa. Constantz e colaboradores (Constantz et al., 1991) desenvolveram um cimento de HA misturando quantidades apropria- das de H 3 PO 4 ou MCPM com TTCP. O tempo de cura ficou na faixa de 6 a 11 minutos e a resistência mecânica entre 15 e 92 MPa. Mirtchi e colaboradores (Mirtchi et al., 1990) prepararam um cimento de HA a partir do sistema formado por β-TCP, DCPD e CC com água como líquido de mistura. A cura deste sistema foi muito lenta, o que tentaram diminuir por meio da adição de pequenas quantidades de HA e a utilização de uma dissolução de HA e DCPD a qual ainda adicionou-se NaF e MCPM (Mirtchi et al., 1991). Cimentos de fosfato dicálcico dihidratado Dentro deste grupo encontram-se dois tipos de cimentos. O primeiro formado pelo sistema β-TCP, MCPM e água como parte líquida (Mirtchi et al., 1989). Este cimento tem uma cura relativamente rápi- da, porém com a adição de sulfato de cálcio hemihidratado (SCH) e pirofosfato de cálcio pode-se aumentar o tempo de cura para até 10 min, assim como a resistência mecânica do cimento, sendo que, a resistência a tração diametral é de 3MPa (Mirtchi et al., 1989a). Um segundo sistema constituído por β-TCP e uma solução de H 3 PO 4 como líquido, apresenta melhores proprieda- des físico-mecânicas que o sistema ante- riormente citado (Bohner and Lemaitre, 1993). Este sistema também endurece rapidamente. Com estudos posteriores observou-se que, o tempo de cura e a resistência mecânica do cimento poderi- am ser ajustadas adicionando-se peque- nas quantidades de íons sulfato, citrato e pirofosfato no líquido de mistura (Bohner et al., 1996). CFC comerciais Até o momento é conhecido no mer- cado três marcas de CFC comerciais, todas recentemente lançadas: Norian Skeletal Repair System (Norian Corp., Cupertino, CA, USA), Cementek (Teknimed S.A., Vic en Bigorre, França) e Biocement D (Merck Biomaterial, Darmstadt, Alemania). Em estudos comparativos recentes de algu- mas propriedades desses cimentos, ob- serva-se que, o Biocement D tem propri- edades superiores (ver Tabela 1), seguido do Norian SRS e pelo Cementek, nessa ordem (Driessens et al., 1998). Comportamento in vivo O comportamento bio- lógico in vivo dos CFC tem sido exaustivamente estuda- do em diversos modelos animais (Fujikawa et al., 1995; Yoshimine et al., 1993; Hori- oglu et al., 1995; Lemaitre et al., 1992; Ohura et al., 1996; Munting et al., 1993). Genericamente, os CFC comportam-se in vivo de maneira semelhante as bio- cerâmicas de β-fosfato tricál- cico, ou seja, são reabsorvi- dos devido a atividade oste- oclástica, formando ao mes- mo tempo novo tecido ós- seo na interface osso-implan- te. Desta forma os CFC não atuam como substitutos permanentes do osso, apenas temporários, sendo lenta- mente substituídos por tecido ósseo de nova formação. Este comportamento típi- co tem sido denominado de osteotrans- dutividade. A velocidade em que esse fenômeno ocorre depende fortemente do 32 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento Tabela 2: Aplicações clínicas dos CFC Especialidade clínica Traumatologia Ortopedia Cirurgia plástica Ortodontia Parodontologia Implantologia oral Odontologia protética Aplicação Fraturas Fixação de endopróteses metálicas Fixação de parafusos ósseos Preenchimento de cavidades císticas e tumorais Correção do pálato Correção de defeitos crânio-faciais Reparação de fraturas do arco zigomático Fechamento do canal apical Preenchimento de defeitos periodontais Fixação de implantes orais Preenchimento de cavidades alveolares Remodelação do rebordo alveolar E + + + + + + + C + + + + + E: fase experimental em modelos animais; C: fase clínica em humanos CFC Biocement D Norian SRS Cementek Composição do pó α-TCP, DCPA, CaCO3, HA α-TCP, CaCO3 TTCP, α-TCP Composição após a cura HA, DCPA, CaCO3 HA, CaCO3 HA I(%) 94 83 81 tI 20º (min) 9,5 22 36 tF 20º (min) 19 37 64 tF 37º (min) 7,5 8,5 17 C (MPa) 48 33 8 tI 37º (min) 2,75 6,5 9,5 α-TCP: α-fosfato tricálcico; DCPA: hidrogeno fosfato de cálcio anidro; HA: hidroxiapatita; TTCP: fosfato tetracálcico; I: injetabilidade; tI: tempo de cura inicial; tF :tempo de cura final Tabela 1: Algumas propriedades de CFC comerciais (Driessens et al., 1998) tipo de CFC, do sítio de implantação e da idade do indivíduo receptor, entre outros fatores (Driessens et al., 1998). Aplicações clínicas A experiência clínica com o uso dos CFC é ainda relativamente escassa, devido a sua recente aparição. Na Tabela 2 estão listados os diferentes usos clínicos dos CFC (Driessens, 1998). Tendências futuras O emprego dos CFC como matrizes portadoras para liberação in situ de diver- sos princípios ativos é uma das perspecti- vas para experimentação clínica nos próxi- mos anos. Tem sido desenhado e estudado in vitro e em modelos animais sistemas baseados em CFC para a liberação in situ de proteína óssea morfogenética (Kamegai et al., 1994), agentes anticancerígenos (Ot- suka et al., 1994; Otsuka et al., 1995), antibióticos (Otsuka et al., 1990; Yu et al., 1992; Tung, 1995; Bohner et al., 1997), polipeptídios (Otsuka et al., 1994a) e anti- inflamatórios (Otsuka et al., 1994b; Ot- suka et al., 1994c). O desenvolvimento de CFC com ele- vada resistência mecânica é outro campo de investigação no qual deve-se obter resultados interessantes nos próximos anos. A otimização da microestrutura (Ishi- kawa and Asaoka, 1995; Fernández et al., 1998), reforço com fibras (Santos et al., 1999) e os CFC de dupla pega (Santos et al., 1999a; Carrodéguas et al., 1999) são vias que estão sendo recentemente explo- radas para atingir esse objetivo. Comentários finais Nos últimos tempos os CFC começa- ram a competir no mercado de biomateri- ais para remodelação ou reconstrução óssea em decorrência de certas vantagens por eles apresentados com relação aos biomateriais tradicionais. Além da facili- dade de manipulação, injetabilidade e adaptação ao defeito ósseo, alguns dos CFC desenvolvem resistências à compres- são similares ou até mesmo superiores ao do osso esponjoso (~30MPa). Seu com- portamento in vivo pode ser descrito com um termo de recente criação: osteotrans- dutividade. A osteotransdução implica em biodegradação e substituição por novo osso, de forma simultânea. A velocidade da osteotransdução dos CFC é fortemente influenciada pelo local de implantação, idade do indivíduo receptor e o tipo de CFC. Espera-se para um futuro próximo o aumento do uso clínico dos cimentos comerciais já existentes e o surgimento de novos CFC com melhores propriedades e novas aplicações. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a FAPESP pe- los Projetos 98/11691-2 e 98/00563-3, ao Projeto TWAS JRP18/95 e ao Projeto CYTED VIII.6 “Obtenção e Caracterização de Materiais Compostos com Carga de Hidroxiapatita”. A referência completa pode ser encontra- da na Internet no endereço da revista: www.biotecnologia.com.br Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 35 a patógenos. Na interação in- compatível, a velocidade de ativação da resposta local e sistêmica, é maior do que na interação compatível. Dessa maneira, a eficiência na pro- dução da resposta de resistên- cia no primeiro caso, é supe- rior ao segundo caso. 1 - Reconhecimento genético entre a planta e o patógeno A diferença básica entre a interação compatível e incom- patível, está relacionada à pre- sença ou ausência de um gene de resistência na planta e de um gene de avirulência no patógeno (Tabela I). Na inte- ração incompatível, é fundamental uma interação gene a gene entre a planta e o patógeno (Flor, 1947), para ocorrer ativa- ção rápida do mecanismo de defesa e resistência da planta. Este mecanismo é específico, o que significa dizer que, uma mesma planta pode reconhecer um deter- minado patógeno A e não reconhecer o patógeno B. Existe especificidade entre diferentes gêneros, espécies, subespécies, cepas e raças de patógenos. Porém, tam- bém pode ocorrer que, o mesmo produto do gene de resistência reconheça diferen- tes proteínas de aviru- lência (Grant et al, 1995). Os patógenos são classificados em dois ti- pos: patógenos virulen- tos e avirulentos. Os pa- tógenos virulentos não possuem gene avr, cujo produto gênico é reco- nhecido por uma prote- ína de resistência da planta. Desta forma, o patógeno esquiva-se da ativação rápida do me- canismo de defesa, po- dendo se multiplicar e produzir doença. Já os patógenos avirulentos, possuem gene avr, cujo produto é reconhecido por uma proteína de re- sistência da planta. Este reconhecimento permi- te a ativação rápida do processo de defesa. A especificidade e a com- plexidade genética deste mecanismo é grande, e já foi relacionada com àquela do complexo maior de histocompatibilidade (MHC) nos animais (Dangl, 1992). A ativação do mecanismo de defesa é semelhante em todos os sistemas vegetais. Na interação incompatível, a ativação do mecanismo de defesa e resistência propi- cia a planta uma imunidade temporária a outros patógenos, não relacionados aque- le que desencadeou o processo. Esta resis- tência é chamada de resis- tência sistêmica adquirida (SAR) (Chester, 1933; Ward et al, 1991; Ryals et al, 1994; Staskawicz et al, 1995; Ryals et al, 1996). O estudo dos mecanismos, que são indu- zidos nesta situação, nos re- porta ao mecanismo de de- fesa vegetal como um siste- ma imunológico. Este meca- nismo é diferente do encon- trado em animais, mas sua existência demonstra a rele- vância de um sistema de proteção a agentes patogê- nicos para a sobrevivência dos seres vivos (Kuc, 1982). O produto do gene de avirulência (proteína Avr), pode ser um indutor direto e específico, que vai interagir com o produto do gene de resistência (proteína R). Este ainda, pode ser modificado no metabolis- mo bacteriano e/ou vegetal. O produto desta modificação (indutor indireto) é que irá interagir com a proteína de resistência. O mecanismo de indução e amplificação da resposta de defesa em plantas, é chama- do de eliciação. As moléculas que indu- zem, ou amplificam, são chamadas de eliciadoras, e podem ser de origem protéi- ca, lipídica ou polissacarídica (Anderson, 1988). O estudo destas moléculas é utiliza- do, atualmente, como uma das ferramentas para au- mentar a resistência de plantas (Mourgues et al, 1998). Atualmente, cerca de 30 genes avr já foram ca- racterizados. O produto do gene avr está relaciona- do, não só ao mecanismo de ativação da resistência, como também a especifi- cidade por uma cultivar. Apesar dos genes caracte- rizados, nada se sabe a respeito de sua função no mecanismo de ação, in- duzindo resposta de defe- sa. Os genes caracteriza- dos codificam proteínas hidrofílicas de 20-100 kDa de peso molecular (Lum- merzheim, 1996). Além do produto do gene avr, os patógenos avirulentos, também sin- tetizam produtos a partir de genes chama- dos hrp, que estão relacionados com a hipersensibilidade e patogenicidade. Exis- tem genes altamente conservados entre patógenos de animais e vegetais. As prote- ínas Hrp estudadas, estão relacionadas Esquema I – Principais passos da resposta de defesa de plantas à patógenos (baseado em Mourgues et al, 1998 e Dangl, 1998). PV– patógeno virulento e PA - patógeno avirulento Esquema II – Desenho esquemático mostrando os principais mecanis- mos da transdução de sinal em plantas após o estímulo da invasão do patógeno (baseado em Somssich & Hahlbrock, 1998) 36 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento com quimiotaxia, transporte de moléculas da planta para a bactéria, síntese e expor- tação de fatores de virulência, eliciação e sistema de secreção tipo III de bactérias fitopatogênicas (Van Gijsegem et al, 1993, 1995; Alfano, & Collmer, 1996; Baker et al, 1997). Um dos objetivos do estudo da intera- ção planta-patógeno, visa a compreensão do mecanismo específico de reconheci- mento genético, entre a planta e o patóge- no e suas consequências. Tendo em vista esta abordagem, vários genes de resistên- cia foram isolados e caracterizados, corres- pondentes a genes avr em patógenos (Godiard et al, 1994; Dangl, 1995; Kunkel et al, 1993; Baker et al, 1997). Os principais genes de resistência clonados e caracteri- zados, com seus respectivos genes avr, estão resumidos na Tabela II. A maior parte apresenta um domínio do tipo repetições ricas em leucina (LRR) em sua estrutura, podendo conter outros domínios comuns tais como: o zíper de leucina (LZ), o domínio de reconhecimento proteína-pro- teína homólogo ao encontrado nas prote- ínas Toll de Drosophila e no receptor de interleucina 1 (IL-1) (TIR), o transmembra- na (DT), o sítio de acoplamento à membra- na (N-miristilação), o sítio de ligação à nucleotídeo (NBS) ou o domínio com função catalítica (CAT - quinase). Como mostrado na Tabela II, os genes de resistência possuem domínios comuns na estrutura da proteína codificada. Dessa maneira, é possível classificar estes genes em classes. A primeira corresponde àquela dos genes cujas proteínas codificadas, pos- suem os domínios do tipo LRR e NBS com ou sem LZ (L 6 , N, M, I 2 RPP5, M i , Prf, Rpm1, Rps2, Rps 5, pib). Estas proteínas parecem ter função citoplasmática, pois não apre- sentam domínio transmembrana. Porém, foi observado que o gene de resistência Rpm1, de A. thaliana constitui uma prote- ína de membrana plasmática, apesar de não apresentar o domínio transmembrana (Boyes et al, 1998). Os genes L 6 , N, M, RPP5, apresentam também um domínio relacionado com o reconhecimento prote- ína-proteína, homólogo a proteína Toll de Drosophila e ao receptor da interleucina 1 (IL-1). Na segunda classe, incluem-se os genes que codificam as proteínas CF9, CF2 e o produto do gene HSppro1. Estas proteí- nas apresentam o domínio transmembra- na, possibilitando sua localização. O gene Hm1, que codifica a proteína HM1 de milho, pertence a terceira classe. Dentre todas, esta diferencia-se das demais pois é constituída de uma enzima chamada toxi- na redutase. E finalmente, a última seria a das proteínas codificadas pelos genes Pto, Xa21, Fen, as quais apresentam um sítio catalítico (quinase) na porção C-terminal. Este sítio, possivelmente está envolvido na fosforilação de proteínas durante a trans- dução de sinal do meio extracelular para o meio intracelular. O gene Xa21, é um representante de uma família gênica que possui domínio LRR. Modificações neste domínio, produzem especificidade à dife- rentes patógenos (Song et al, 1997; Wang et al, 1998). A proteína codificada pelo gene Fen, apesar de não ser uma proteína de resistência a patógeno, propicia resis- tência a inseticida e é extremamente ho- móloga à proteína codificada pelo gene Pto (Ying-Tsu et al, 1995). As proteínas de resistência, que apre- sentam capacidade de ligação à membra- na plasmática, fortalecem a hipótese, ain- da em vigor, de que os genes de resistência codificam para proteínas receptoras. Estas seriam responsáveis pela especificidade do mecanismo de reconhecimento entre a planta e o patógeno, gerando a transdução de sinal inicial e induzindo a resposta de defesa e resistência sistêmica. Estas prote- ínas, caracterizadas até o momento, guar- dam similaridade com proteínas recepto- ras do tipo quinase (RPK), encontradas em plantas e animais. As proteínas RPK em animais, são reconhecidas como tendo função relacionada com a intercomunica- ção celular presentes nos eventos de dife- renciação e ação de hormônios. Nestas proteínas receptoras, três domínios princi- pais podem ser distinguidos: o domínio extracelular (caracterizado LRR, LZ, entre outros), relacionado com a função de reconhecimento ou interação proteína-pro- teína; o domínio transmembrana (de natu- reza hidrofóbica), relacionado com a liga- ção à membrana plasmática e finalmente, o domínio intracelular, que é caracterizado por ter função catalítica (quinásica). Em plantas, proteínas relacionadas com o sis- tema de reconhecimento do pólen em flores (proteínas receptoras tipo quinases - RLK) (Walker, 1990, 1993, 1994), possuem as mesmas características das proteínas RPK. Os genes de resistência , Pto e Fen, são os que possuem maior semelhança funcional com estas proteínas, pois tam- bém apresentam os domínios de reconhe- cimento, transmembrana e catalítico. 2 - Processo de transdução de sinal A transdução de sinal ocorre nos pri- meiros momentos da interação do patóge- no com a planta. Esta fase representa a fase oxidativa da resposta local, caracterizada por evento precoce. As proteínas RPK, em animais, sofrem um processo de autofosforilação após a ligação da molécula eliciadora em seu domínio extracelular. Uma dimerização na molécula é originada ocorrendo assim o início da cascata de transdução de sinal (Heldin, 1995). Em plantas, já foi demons- trado que ocorre interação dos genes de resistência Pto e Prf, sendo a fosforilação o processo básico da transdução de sinal que ocorre neste caso (Zhou et al, 1995; Rathjen et al, 1999) (Esquema II). A transdução de sinal caracteriza-se, inicialmente, por um influxo de íons, além de um processo oxidativo. Este, envolve o acúmulo citoplasmático de peróxido de hidrogênio (H2O2) (Mehdy, 1994; Levine et al, 1994; Shirasu et al, 1996), que tem sido apontado como fator importante no mecanismo de transdução de sinal. A trans- dução de sinal, além de aumentar a perme- abilidade a íons tais como H+ e cálcio, Tabela I - Possíveis interações entre planta e patógeno (Baseado em Staskavicz et al, 1995). TIPO DE PLANTAS/ TIPO DE PATÓGENOS Plantas COM gene de RESISTÊNCIA Plantas SEM gene de RESISTÊNCIA PATÓGENOS VIRULENTOS (ausência do gene avr) Ativação lenta do mecanismo de defesa DOENÇA (Interação Compatível) Ativação lenta do mecanismo de defesa DOENÇA (Interação Compatível) PATÓGENOS AVIRULENTOS (presença do gene avr) Ativação RÁPIDA do mecanismo de defesa SOBREVIVÊNCIA DA PLANTA (Interação Incompatível) Ativação lenta do mecanismo de defesa DOENÇA (Interação Compatível) Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 37 aumenta também a concentração de radi- cais livres e intermediários reativos do oxigênio, como superóxido, um dos pri- meiros compostos que se formam, e óxido nítrico (NO). A enzima óxido nítrico sinta- se é ativada em plantas resistentes e a sua atividade não foi observada em plantas susceptíveis (Dangl, 1998). A reação oxi- dativa gerada na primeira fase da resposta de defesa da planta, por meio da NADP (nicotinamida adenina dinucleotídeo fos- fato) oxidase, permite uma reação cruzada na parede celular, antes de serem ativadas defesas dependentes de transcrição (Lamb & Dixon, 1997). A transdução de sinal progride até a ativação de genes, síntese de proteínas novas e também, envolve o processo de fosforilação e defosforilação de proteínas. Proteínas, tais como fosfoli- pases, são induzidas permitindo a forma- ção de ácido linolênico a partir da quebra de ácidos graxos não saturados da mem- brana. Este, por sua vez, é precursor do ácido jasmônico e metil jasmonato. O ácido jasmônico é um regulador de cresci- mento vegetal, relacionado com a indução de resposta de sistêmica. O início da sina- lização para a biossíntese do ácido jasmô- nico, é realizado por meio da ligação de um peptídeo de 18 aminoácidos chamado sistemina, a um receptor na membrana plasmática (Ryan & Pearce, 1998). Esta, além de estar envolvida na síntese de ácido jasmônico, é também um dos sinalizadores da resposta sistêmica (Creelman & Mullet, 1997). Além do ácido jasmônico, dois outros reguladores de crescimento vegetal estão envolvidos na resposta de defesa : o ácido salicílico e o etileno. O estímulo para a biossíntese de ambos, ocorre também na etapa da transdução de sinal. Embora o mecanismo da transdução de sinal em plantas ainda esteja pouco conhecido, sabemos que já existem vários tipos de proteínas quinases descritos. Po- demos citar por exemplo: proteína G, proteínas AMPc (adenosina monofosfato cíclico) ou GMPc (guanidina monofosfato cíclico) dependentes, proteína quinase C, proteínas quinases Ca ++ /calmodulina de- pendentes, proteínas do tipo MAP (prote- ínas de ativação mitogênica) quinases, entre outras (Stone & Walker, 1995). Estas diferentes quinases, possivelmente estão envolvidas no mecanismo de defesa de plantas. 3 - Ativação de genes A ativação de genes é o processo que ocorre após a transdução de sinal. Dois grupos de genes podem estar envolvidos nesta fase da interação da planta com o patógeno: os genes que são ativados pre- cocemente e os ativados tardiamente. Por exemplo, os genes que codificam para as enzimas fenilalanina amônia liase (PAL), chalcona sintase (CHS), oxigenase, centri- na e proteína quinase (Ap4.3A), são genes precocemente ativados na resposta de defesa (Lawton & Lamb, 1987; Fritzemeier et al, 1987; Sanz et al, 1998; Cordeiro et al, 1998). Existe a hipótese de que, genes ativados precocemente, possam estar rela- cionados com a regulação e atividade dos genes ativados de forma tardia. Se esta hipótese é verdadeira, o conhecimento destes genes é importante, podendo ser uma via para aumentar o conhecimento do mecanismo de SAR e a manipulação a nível genético da resposta de defesa de plantas. Em última análise, a manipulação genética dos genes reguladores da respos- ta de defesa, permitiria maiores esclareci- mentos sobre os mecanismos da resistên- cia. Contudo, ainda não foram caracteriza- dos genes com tal atividade. As enzimas PAL e CHS, são relaciona- das com a síntese de compostos secundá- rios. A indução dos compostos secundári- os, por exemplo as fitoalexinas, é rápida conduzindo ao processo de defesa relaci- onado com a inibição do patógeno, já que as fitoalexinas têm propriedades antimi- crobianas (Dixon, 1986). Estes compostos têm sido alvos de vários estudos sobre mecanismo de defesa de plantas (Somssi- ck & Hahlbrock, 1998). Entre os genes que são ativados tardi- amente, podemos citar os genes que codi- ficam para produtos já bem conhecidos e que estão relacionados com os mecanis- mos de defesa vegetal. Estes produtos são: lignina e calose (Ride et al, 1983; Kauss, 1987), que são depositadas na parede celular fortalecendo-a e evitando a pene- tração de outros patógenos; enzimas hi- drolíticas, tais como leucina aminopepti- dases, quitinases e glucanases (Bowles, 1990; Paulot et al, 1993; Collinge et al, 1993). Estas neutralizam peptídeos pato- gênicos ativos; síntese de proteínas relaci- onadas com infecção de patógenos (PR) (Linthorst, 1991), tais como, as GRPs (pro- teínas ricas em glicina), PRPs (proteínas ricas em prolina), HRGPs (glicoproteínas ricas em hidroxiprolina), algumas destas com funções ainda desconhecidas. Entre outros genes ativados, destaca- mos também aqueles que codificam para os inibidores de proteinases e as tioninas (Bowles, 1990). 4 - Ativação dos mecanismos de resistência. Os mecanismos de resistência relacio- nados com a interação incompatível en- volvem, impreterivelmente, dois proces- sos: A) Resposta de hipersensibilidade (HR): A HR é geralmente definida como uma resposta rápida, induzida no vegetal onde ocorre morte celular, localizada na área de infecção do patógeno avirulento. Desta maneira, acredita-se que a planta impede a multiplicação do patógeno nas células infestadas, limitando e interrompendo o processo da disseminação da infecção. Morfologicamente, a resposta de hi- persensibilidade é reconhecida como uma clorose localizada, que aparece 24h após a infecção, progredindo para uma lesão necrótica. O mecanismo da ativação da HR em plantas, é comparável ao mecanismo da morte celular programada nas células animais (Wang et al, 1996). Existem estudos, relacionando genes envolvidos no mecanismo de morte celu- lar programada e na resposta de hipersen- sibilidade, por exemplo genes acd1, acd2 (Greenberg & Ausubel, 1993; Greenberg, et al, 1994). O mecanismo de morte celular programada ocorre em diferentes proces- sos, durante o desenvolvimento, senes- cência ou durante a HR. Os mecanismos regulatórios deste processo não são total- mente conhecidos. A peroxidação lipídi- ca, o acúmulo de oxigênio ativo e o influxo citoplasmático de cálcio, parecem estar presentes nas etapas iniciais deste proces- so. A degradação do DNA é também, uma característica marcante. Diferentes mode- los, como mutantes que produzem lesões espontâneas, similares à resposta de hiper- sensibilidade, vêm sendo estudados na tentativa de melhor compreender este pro- cesso (Wang et al, 1996; Levine et al, 1996). Além dos mutantes acd, também fo- ram caracterizados genes chamados de lsd. Existem, pelo menos, quatro loci gêni- cos para este gene e seis tipos de mutantes foram estudados. Produção de lesões es- pontâneas do tipo HR, também é observa- da nestes mutantes (Dietrich et al, 1994). Reação de hipersensibilidade em folhas de Arabidopsis thaliana induzida pela bactéria Xanthomonas campestris pv. campestris (Cepa 147) 40 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento FUNDAÇÃO GIACOMETTI Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 41 EMBRAPA 42 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento TUBERCULOSE SAÚDE Uso da biotecnologia para o desenvolvimento de uma vacina de DNA que previne e cura a doença Célio Lopes Silva Professor Titular de Imunologia Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo Clsilva@fmrp.usp.br a sua marcha desafiado- ra a tuberculose atingiu, nos tempos atuais, 10 mi- lhões de casos novos e 3 milhões de mortes por ano, sendo 18,5% de to- das as mortes em adultos entre 15/59 anos - a fase mais produtiva da popula- ção mundial. Cerca de metade dos do- entes nunca tiveram tratamento. Segun- do a Organização Mundial da Saúde (OMS), 32% da população mundial está infectada com o bacilo de Koch (Myco- bacterium tuberculosis) e, portanto, com maior risco de adoecer por reativação e, também, por infecção exógena. Entre 1850 e 1950 um bilhão de pessoas morreram de tuberculose. Na corrente década, 1990-1999, 300 milhões de no- vas pessoas estão sendo infectadas, 90 milhões de novos casos da doença estão aparecendo e 30 milhões morrendo. Mais pessoas morreram de tuberculose em 1996 do que em qualquer ano da história. Devido à gravidade da situação e a facilidade da proliferação, já que o baci- lo contamina pelo ar, a OMS decretou, em abril de 1993, Emergência Global contra a Tuberculose, e desde então vem desenvolvendo políticas para con- ter o crescimento de casos. De acordo com o relatório publicado, que também criticou a falta de estratégias para o controle da doença, mais da metade dos novos casos registrados em 1997 ocor- reu em países do sul da Ásia, África e América Latina. Apesar de haver drogas eficientes para o combate à tuberculose, a vacina- ção representa ainda a melhor alternati- va para a proteção dos indivíduos contra essa doença. A vacina BCG (Bacilo Cal- mette-Guérin), uma vacina viva baseada em Mycobacterium bovis atenuada foi introduzida para uso humano em 1921. Embora venha sendo amplamente utili- zada, sua eficácia permanece controver- sa. Tem sido demonstrado, por meio de estudos clínicos, que o nível de proteção alcançado em diferentes populações va- ria de 0 a 75%; além disso, a utilização de uma importante ferramenta de diagnósti- co, o teste de hipersensibilidade cutânea, é dificultado em indivíduos que foram vacinados com BCG. No que concerne à segurança do BCG existe uma preocupa- ção crescente do uso de organismos vivos em indivíduos imunocomprometi- dos, fato especialmente agravante se con- siderarmos que no caso da tuberculose a co-infecção pelo HIV têm se tornado cada vez mais comum. Por todos os motivos acima expostos, a procura por uma alternativa de imunização mais se- gura e eficaz têm nos levado a investir no desenvolvimento de nova vacina contra tuberculose Felizmente, na última década, os avan- ços na tecnologia de desenvolvimento de vacinas permitiu a introdução de novas estratégias para a obtenção e produção de antígenos, assim como foram otimiza- das novas maneiras de se administrar e apresentar esses antígenos para as célu- las do sistema imunológico. Estas estraté- gias abriram caminho para inovações, particularmente no contexto do desen- volvimento de vacinas mais seguras, efi- cazes e polivalentes. Entre estas estão as vacinas gênicas ou de DNA, consideradas de terceira geração (Silva 1997, Silva 1998, Silva e Lima 1998). A vacina de DNA, que está revoluci- onando o campo, é baseada num pedaço do código genético do agente causador da doença. Aplicado por meio de injeção intramuscular, esse DNA cria condições para a produção da proteína antigênica pelas próprias células do indivíduo vaci- nado. Essa vacina é hoje a maior esperan- ça para o combate a doenças infecciosas para as quais ainda não se tem prevenção segura, como herpes, Aids, malária, he- Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 45 única dose, estimula amplamente a res- posta imunológica, tem efeito protetor duradouro e pode contribuir significati- vamente para a diminuição da incidên- cia da tuberculose. Além disso, o custo de produção em larga escala é baixo e são estáveis à tempe- ratura ambiente. To- dos esses fatores faci- litam o transporte, a distribuição e o esta- belecimento de am- plos programas de imunizações em regi- ões de difícil acesso e absolutamente dese- jáveis no âmbito da realidade brasileira. A vacina de DNA, administrada por via intramuscular, leva a mensagem genética para o interior da cé- lula, e lá dentro ocor- re a síntese do antíge- no como se fossem proteínas virais. Os antígenos sintetiza- dos dentro das células são processados por várias enzimas e os fragmentos resultantes, normalmente pedaços de proteínas com 9 a 15 aminoácidos, são levados para a superfície dessas células, denominadas apre- sentadoras de antíge- nos, para serem reco- nhecidos por linfóci- tos T CD4, T CD8 e linfócitos B. Portanto, a vacina de DNA pode estimular tanto a res- posta imunológica ce- lular (linfócitos T), que tem a propriedade de eliminar os patógenos intracelulares, quanto a humoral (linfócitos B) para a produção de anticorpos (figura 4) (Silva 1995). Os linfó- citos T são fundamen- tais para o controle da tuberculose. As análises imunológicas mostraram que, dentre todas as células estimuladas pela vacina de DNA, os linfócitos T CD8 exercem papel preponderante no con- trole da infecção (Bonato et al., 1998). Esses linfócitos T CD8 estimulados pela vacina gênica, são preferencialmente do tipo citotóxicos, isto é, têm tanto a capacidade de destruir as células que albergam o bacilo da tuberculose em seu interior, como secretam grânulos enzimáticos que ajudam na eliminação dos mesmos (figura 5). Além disso, tanto os linfócitos T CD8 como os T CD4 secretam, em altas concentrações, as subs- tâncias estimuladoras do sistema imuno- lógico (interleucinas), como a IL-2, IL-12 e interferon gama. As interleucinas aju- dam a manter ativados os sistemas micro- bicidas dos macrófagos, que também são usados para matar as micobactérias. Além disso, a imunidade adquirida pela inocu- lação da vacina de DNA persiste por longo período de tempo, devido tanto à constante produção do antígeno dentro da célula hospedeira como à capacidade destes estimularem linfócitos de memó- ria imunológica e, com isso, sendo des- necessárias as revacinações (Silva et al.,1999). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Bonato V.L.D., Lima V.M.F., Tascon R.E., Lowrie D.B., Silva C.L. Identification and characteriazation of protective T ce- lls in hsp65 DNA-vaccinated and Myco- bacterium tuberculosis-infected mice. Infection and Immunity. 66(1):169-175, 1998. 2. Lowrie DB, Tascon RE, Colston MJ, Silva CL. Towards a DNA vaccine against tuberculosis. Vaccine 12: 1537-1540, 1994. 3.Lowrie DB, Tascon RE, Silva CL. Vacci- nation against Tubercu- losis. International Ar- chives of Allergy and Im- munology 108: 309-312, 1995. 4.Lowrie DB, Silva CL, Colston MJ, Ragno S, Tascon RE. Protection against tuberculosis by plasmid DNA. 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Parabéns pela excelência do material científico divulgado e pelo alto padrão gráfico. Francisco M. Salzano UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul Sou estudante do Curso Técnico em Biotecnologia da Escola Técnica da Uni- versidade Federal do Rio Grande do Sul e gostaria de expor que as empresas privadas não dão apoio nenhum aos estudantes deste curso, pois não aceitam e nem se interessam por estagiários. Garanto que a Universidade está prepa- rando muito bem para o mercado de trabalho, assim como para qualquer área, então solicito à revista uma divulgação dos estudantes técnicos de Biotecnologia em todo o Brasil, até mesmo para inte- resse de outros estudantes, sendo estes atualmente poucos no Brasil. Muito Obrigado, Laize Fraga Espindula – Porto Alegre. Prezada Laize, Não temos espaço para todos os nomes, no entanto, estamos publicando sua mensagem para conhecimento geral. Visitei a home-page da Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvi- mento para encontrar a referência bibli- ográfica (volume, número, ano) de um artigo que esta revista publicou sobre Bactérias Lácticas. Gostaria de identifi- car de que volume, número, etc era a revista. Vocês poderiam me ajudar? Obrigada pela atenção. Irene Câmera – Bibliotecária Embrapa Suinos e Aves Prezada Irene, O artigo Bactérias Lácticas é do ano II, edição nº8, maio/junho de 1999. Caros amigos, hoje também fiquei sa- bendo que algumas pessoas que estão na lista de cadastros que enviei a vocês, já receberam também a confirmação da assinatura via e-mail. Esperamos que as edições cheguem o mais rápido possível, para que possamos desfrutar de tantas informações valiosas para nosso curso. Novamente, agradeço em nome de todos da minha turma que fizeram o pedido. Muito obrigado. Luís Gustavo Rampazo Agradecemos o e-mail, esperamos que a publicação venha a ser uma valiosa fonte de pesquisa. Sou aluno da ESALQ/USP na qual inte- gro o grupo PET/CAPES-Biotecnologia Agricola. Entre inúmeras atividades, re- alizamos anualmente o CAB-Curso de Atualização em Biotecnologia, este será nosso oitavo CAB que contará com vários palestrantes discorrendo sobre Vacinas Gênicas, Projeto Genoma, Biodiversidade e outros assuntos que envolvem a Biotecnologia. Gostaria de saber da possibilidade de divulgação do evento, que se realizará dia 05 de novembro de 1999, pela Revista Biotecnologia, reconhecendo sua grande expressão no meio. Agra- decido. Rodrigo Mendes Pet-Biotecnologia Agrícola Prezado Rodrigo, Envie pequeno trecho sobre o evento contendo: data, tel. e e-mail para infor- mações, para que público é destinado e um trecho pequeno contendo informa- ções gerais. Envie tudo para o mesmo e- mail e A/C da Seção de Eventos. Estou fazendo um trabalho sobre biotecnologia, e achei uma matéria mui- to interessante sobre Transgene Ani- mal, na revista nº 4, onde posso achar essa revista?, teria como eu comprá-la pela internet? Por favor me respondam o mais rápido possível, pois tenho pres- sa. Obrigada JÔ Infelizmente a edição que deseja está es- gotada, estando disponível apenas em nossa home-page www.biotecnologia.com.br Bem...sou aluno de graduação do curso de Medicina Veterinária na UFPR e tenho uma linha de pesquisa concernente ao artigo publicado no encarte especial desta revis- ta e foi assinada pelos Drs. Osvaldo Vilela Filho e Cláudio F. Corrêa, UFG e USP, respectivamente. A minha pesquisa é anestesia através de ondas cerebrais e gostaria de permutar conhecimentos, en- tão, caso seja possível poderem informar os e-mails ou o modo pelo qual eu poderia contatá-los, ficaria agradecido! Luiz Fernando Sabadine Enviamos o endereço eletrônico para seu e –mail. Sou leitor da Revista Biotecnologia e pre- tendo assinar a revista, mas, como minha área de maior interesse é a de assuntos relacionados à tecnologia farmacêutica, gostaria de sugerir um maior número de artigos nessa área. Cordialmente, Daniel Diniz de Carvalho. Prezado Daniel, Sua sugestão foi encaminhada. Prezados Srs., Como poderíamos adquirir os vídeos “Mos- ca-Branca” e “Biotecnologia”, temos inte- resse principalmente no último, bem como gostaríamos de assinar a revista. Como fazer? Márcia Andrade Prezada Márcia, O vídeo sobre a praga da Mosca Branca acompanhou a edição nº4 da Revista, mas infelizmente já está esgotada. O vídeo “Biotecnologia” acompanhou a edição nº9. Para assinar a revista basta enviar nome e endereço completo com o cep. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 47 AGROCERES
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