Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Expansão e Controvérsias da Previdência Social no Brasil: Universalização e Reformas, Notas de estudo de Cultura

Este texto discute as alterações significativas na previdência social brasileira, que passou a ser mais abrangente e universal, incluindo categorias sociais sem cobertura originalmente. No entanto, o autor observa que essas mudanças são meramente complementares, pois recentemente houve alterações no regime próprio de previdência dos servidores públicos. O artigo também aborda as tentativas de reformas estruturais no sistema de previdência social no contexto global, como a reforma do sistema chileno, e argumenta pela necessidade de manter a previdência social pública.

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 13/10/2010

fabiana-silva-41
fabiana-silva-41 🇧🇷

4.8

(69)

370 documentos

1 / 62

Documentos relacionados


Pré-visualização parcial do texto

Baixe Expansão e Controvérsias da Previdência Social no Brasil: Universalização e Reformas e outras Notas de estudo em PDF para Cultura, somente na Docsity! AN AÓNaio ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL OS MAGISTRADOS FEDERAIS Ra RR a a TESESJETANTIMESES) | 2 OS MAGISTRADOS FEDERAIS E A REFORMA DA PREVIDÊNCIA Teses e Antíteses 5 6 APRESENTAÇÃO No início de 2003 foi formada pela AJUFE uma Comissão para atuar como assessoria técnica da Entidade nas questões envolvendo a reforma da Previdência Social. Essa Comissão foi composta pelos Juízes Federais Marcus Orione, Alexandre Laranjeira, Luis Fernando Cavalheiro, Edilson Nobre e Marcelo Tavares, sendo auxiliada pelos Juízes Federais Jorge Maurique, Secretário- Geral, e Luiz Praxedes, Diretor Coordenador de Comissões da AJUFE. Já após a primeira reunião, iniciou-se a participação da AJUFE nos grupos de trabalho do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Governo Lula, onde se chegou a diversas propostas destinadas a integrar a reforma da previdência. A despeito das várias intervenções dos componentes da Comissão em defesa dos interesses dos Magistrados Federais e da Sociedade - e do acolhimento de várias das propostas formuladas - o governo praticamente desconsiderou os trabalhos ali realizados, enviando projeto completamente divorciado dos esforços dos trabalhos do próprio Conselho. Enviada a desastrosa PEC 40/03 ao Congresso, a Comissão debruçou-se sobre o texto, sendo que de seus esforços surgiu documento, enviado a todos os associados, alertando para as perdas decorrentes do projeto. Ainda, as entidades nacionais representativas da magistratura (AJUFE, ANAMATRA, AMB) e do Ministério Público (ANPR e CONAMP) formaram comissões conjuntas para acompanhar a reforma e apresentar nossas reivindicações ao Congresso Nacional. Dentre os textos produzidos pela Comissão de Previdência da AJUFE situa-se o primeiro trabalho deste volume, em que se justifica a necessidade de preservação de um regime próprio para a magistratura. Ainda, o Conselho da Justiça Federal constituiu Comissão de Altos Estudos destinada a apresentar propostas para diversos temas atuais que se relacionam com o Estado Democrático de Direito. Um deles, a reforma da previdência. As conclusões alcançadas por essa Comissão, relatadas pelo Juiz Federal Jorge Maurique, compõem o segundo texto desse volume. A Magistratura Federal não é contra uma reforma da previdência. A previdência precisa ser sustentável a longo prazo e ver corrigidas distorções que a afligem. Contudo, é responsabilidade da AJUFE alertar a Sociedade e os Poderes para as conseqüências de se tratar a previdência da Magistratura a partir de dados parciais, que não correspondem à realidade, e deles extrair um discurso de conotação populista tão fácil quanto incorreto. Queremos, a partir desta publicação, contribuir para o debate e demonstrar a imperiosa necessidade de se atentar para a necessidade e a viabilidade de um regime próprio de previdência para a Magistratura. Brasília, junho de 2002 Paulo Sérgio Domingues Presidente da AJUFE 7 10 Presidente Clinton está preparando projeto de reforço desta garantia. Ou seja: enquanto nós estamos aqui discutindo essa bobagem da privatização da previdência social, como se isso fosse possível, os Estados Unidos estão estatizando a previdência complementar, os fundos de pensão. No Brasil como sabemos, a razão principal dos problemas previdenciários não está propriamente na previdência social, está sobretudo na inflação e na economia como um todo”. ( 5) Frisamos, diante de todo o exposto, que a realidade nacional não comporta a privatização efetiva do sistema, como alguns preconizam. RESSALTE-SE QUE VÁRIOS ECONOMISTAS CONSIDERAM QUE A PASSAGEM PARA UM SISTEMA PRIVADO IMPLICARIA UM CUSTO DE CERCA DE DUAS VEZES O PIB BRASILEIRO - MESMO PORQUE HAVERIA APENAS DESPESAS COM AS APOSENTADORIAS, PENSÕES E DEMAIS BENEFÍCIOS CONCEDIDOS, SEM A CONTRAPARTIDA, HOJE EXISTENTE, DA RECEITA, QUE PASSARIA PARA OS COFRES DAS ENTIDADES PRIVADAS. DIANTE DA PERSPECTIVA ATUAL, SEQUER SERIA POSSÍVEL ESTA MUDANÇA - DUVIDA- SE QUE ELA SEJA CONCRETIZÁVEL ATÉ MESMO DE FORMA PARCIAL, COM O ABANDONO DE UM REGIME PRÓPRIO PARA O SETOR PÚBLICO E A ADOÇÃO, COMO VEM SENDO DEFENDIDO, DE UM REGIME ÚNICO PARA OS TRABALHADORES PÚBLICOS E PRIVADOS. Urge frisar que a importância do regime público vem respaldada pela experiência extremamente eficiente de alguns países desenvolvidos como o Japão. Analisemos, ainda que de forma perfunctória, este sistema, para constatar que é inviável conceber-se um sistema de segurança social entregue apenas ao mercado. No Brasil, “a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (art. 194 da Constituição Federal). Assim, encontram-se bem diferenciados os sistema de previdência social (este regido pelos arts. 201 e 202 da Constituição Federal e, infraconstitucionalmente, pelas leis nos. 8.212/91 e 8.213/91) e de saúde (sendo esta regida pelos arts. 196 a 200 da Constituição Federal e, no plano infraconstitucional, pela Lei no. 8.080 de setembro de 1990). No Japão, a previdência social não se dissocia da saúde, o que faz com a que contribuição se dê para ambas, sem possibilidade de isenção em relação a nenhuma delas. Por outro lado, há que registrar, neste país, as elevadas contribuições para ambos os casos: para o seguro de saúde, há a incidência de uma contribuição de 8,5% do salário-mensal (metade a cargo do empregado e metade por conta do empregador) e, para o seguro de pensão dos assalariados, há a incidência do montante de 17,35% sobre o salário-mensal do trabalhador (devendo o trabalhador arcar com a metade).3 No caso de seguro de saúde nacional, administrado pelas “prefeituras” e aplicável aos demais segurados não assalariados, a contribuição é de 5% do valor da renda mensal a cargo do trabalhador. Assim, mesmo países de economia extremamente avançada, como o Japão, não se entregaram a aventuras de colocar à mercê do mercado o seu sistema previdenciário. Frise-se que, salvo raras hipóteses, mesmo os países desenvolvidos mantém, ainda que com parâmetros diversos, a proteção previdenciária na esfera pública. A importância da previdência pública é revelada 5 LEITE, Celso Barroso. Atualidade e perspectivas da Previdência Social. Revista da Previdência Social, São Paulo, n. 172, p. 173 e 174, março 1995. 11 pelas experiências européias em geral (França, Alemanha, Inglaterra) e mesmo pelo próprio Estados Unidos (que mantém um mínimo da previdência social na esfera de atuação do poder público). NÃO HÁ SEQUER, À LUZ DAS LEGISLAÇÕES COMPARADAS, MOTIVOS PARA SE ABORTAR UM SISTEMA PÚBLICO DE PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA, DEVENDO ESTE SE DAR A PARTIR, COMO OCORRE EM OUTROS PAÍSES, DE PATAMARES DIGNOS PARA A SOBREVIVÊNCIA NAS INTEMPÉRIES. Com efeito, todas as grandes nações do mundo mantêm regimes públicos de previdência, inclusive aquelas detentoras dos três maiores PIB’s do planeta: EUA, Japão e Alemanha. Além disso, o financiamento da seguridade social no Brasil é perfeitamente equacionável desde que se adotem medidas destinadas a retirar da economia informal (leia-se: ilegalidade econômica) toda uma gama de contribuintes, quer sejam pessoas físicas, quer sejam pessoas jurídicas. A esse respeito, aliás, há dados oficiais no sentido de que 56 % da força de trabalho do País não está integrada ao regime geral da previdência social. Noutras palavras, a arrecadação das contribuições deveria focar o consumo, retirando da folha de pagamentos os pesados encargos que tanto estimulam o emprego informal, viabilizando o ingresso no sistema de milhões de possíveis contribuintes. Em última instância, percebe-se que a polêmica promovida, atualmente, pelo Governo Federal exclui qualquer valoração acerca do valor ético e social da seguridade e, em especial, da previdência. Esquece-se freqüentemente que a criação do orçamento da Seguridade Social foi uma das grandes conquistas obtidas por meio da Carta de 1988, a qual possibilitou, por meio dos benefícios assistenciais (em favor dos idosos, dos incapacitados e dos trabalhadores rurais), a inclusão social de populações absolutamente marginalizadas e entregues a uma situação de penúria. O sistema de seguridade não deve e não pode ser encarado, portanto, apenas como um problema financeiro, dadas as suas extraordinárias repercussões no âmbito da sociedade brasileira. II) Em defesa de um regime próprio para os Juízes Federais II.1) Razões institucionais para a preservação do regime próprio para os juízes De ninguém é desconhecido que o Estado de direito é aquele que sobrevive do império das normas. Ao Estado de direito, expressão mais importante em determinados momentos da história da humanidade, foi incorporado, com o passar dos anos, o adjetivo democrático. O Estado poderia ser autoritário ou democrático. O Estado de Direito (do império das normas), portanto, poderia ser ou não democrático. Com a inclusão da adjetivação acima, nas Constituições modernas, pretendeu- se dar fim a esta possibilidade, extremamente nefasta. Lembremos, acompanhando José Afonso da Silva, que “o Estado Democrático de Direito reúne os princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito, não como simples reunião formal dos respectivos elementos, porque, em verdade, revela um conceito novo que os supera, na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo”6 . Este processo de transformação, por sua vez, é concebido no contexto de uma sociedade livre, justa e 6 Curso de direito constitucional positivo. 8a. ed. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 1990, p. 99. 12 solidária. A partir desta ótica, pode-se dizer que, para a perfeição deste modelo de Estado, se faz necessária a preservação de direitos sociais, indispensáveis a que se alcancem os objetivos postos no art. 3º da nossa Constituição Federal. Assim, extremamente interessante conceber-se que o Estado democrático encontra na Constituição o meio mais eficaz de sua inserção no modelo de Estado legitimamente desejado. E, por seu turno, estando o Estado democrático atado à idéia da liberdade positiva, a sua plenitude somente se dá com a elaboração de programas de ação, em especial de natureza social. Assim, percebe-se que, no Estado democrático de direito, que tem a sua concretização máxima na constitucionalização dos ideais de democracia, os direitos sociais devem ser vistos como alicerce, já que, sem o mínimo de garantia social, é impossível a concepção de uma sociedade justa e que caminhe na busca da erradicação da pobreza e da marginalização, com a redução das desigualdades sociais existentes (objetivos insculpidos, no caso do nosso ordenamento jurídico, no art. 3º, incisos I e III da Constituição Federal). POR OUTRO LADO, DESTACADO PELA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO, HÁ QUE SE RESSALTAR O PAPEL DA ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO NA CONSTRUÇÃO DESTE ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. Detectada a instabilidade ocasionada no Estado democrático de direito decorrente da depreciação dos direitos em geral, e dos sociais em particular, indaga-se: quais seriam os meios possíveis de se obter, novamente, a estabilização, a partir do resgate do ideário do Estado democrático posto na própria Constituição Federal? No caso específico da esfera jurídica, uma das manifestações mais viscerais da cidadania encontra-se no exercício do poder constitucional de ação (art. 5º, inciso XXXV), com o correlato prestígio que assume, na correção das distorções do Estado democrático de Direito, da atuação jurisdicional. Norberto Bobbio lembra que: “Todas as declarações recentes dos direitos do homem compreendem, além dos direitos individuais tradicionais, que consistem em liberdades, também os chamados direitos sociais, que consistem em poderes. Os primeiros exigem da parte dos outros (incluídos aqui os órgãos públicos) obrigações puramente negativas, que implicam abstenção de determinados comportamentos; os segundos só podem ser realizados se for imposto a outros (incluídos aqui os órgãos públicos) um certo número de obrigações positivas”7 . Assim, o conceito constitucional de ação integra o rol das liberdades públicas8 , com o que o Judiciário passa a ser guardião destas, sem se olvidar, no entanto, da relevância social de sua atuação . Não é de se estranhar, portanto, a sua colocação no art. 5o., inciso XXXV, da Constituição Federal, situado exatamente no título dos direitos e garantias fundamentais. Segundo este dispositivo, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Somente o exercício – ou possibilidade de exercício - da ação restabelece o império das leis, já que a sentença, na forma tradicionalmente concebida, dita, para a controvérsia, a lei. Portanto, 7 A era dos direitos. Rio de Janeiro : Campus, 1992, p 21. 8 Como acentua Canotilho, “a defesa dos direitos e o acesso aos tribunais não pode divorciar-se das várias dimensões reconhecidas pela Constituição ao catálogo do direitos fundamentais. O sentido global resultante da combinação das dimensões objectiva e subjectiva dos direitos fundamentais é o de que o cidadão, em princípio, tem assegurada uma posição jurídica subjectiva, cuja violação lhe permite exigir a proteção jurídica” (in Direito Constitucional. Coimbra : Livraria Almedina, 1993, p. 387). 15 II - Razões financeiras para a preservação de um regime próprio para os magistrados federais Primeiramente, urge frisar que, diversamente do que se postula, a previdência social no país é superavitária. O diagnóstico produzido pelo Governo Federal, no sentido de que a previdência social apresenta déficits crescentes, não se revela consistente, como se percebe dos dados abaixo analisados. Em síntese, urge ressaltar que a Constituição Federal de 1988 prevê regimes previdenciários distintos para os trabalhadores em geral e para os servidores públicos. Estabelece para os primeiros um regime geral, disciplinado no artigo 201 da CF/88; para os servidores públicos, prevê um regime próprio, sujeito às regras inscritas no artigo 40 do texto constitucional. No dizer do Governo Federal, ambos os regimes são deficitários, afetam negativamente as contas públicas e constituem-se em verdadeiros entraves ao desenvolvimento nacional. Conforme estimativas apresentadas pelo Governo Federal, o rombo nas contas da previdência, considerados o regime geral e os regimes próprios mantidos pela União, Estados e Municípios para seus servidores civis e militares, atinge a astronômica cifra de R$ 70 bilhões ao ano. Tais conclusões, no entanto, incorrem em graves equívocos, tanto sob o aspecto jurídico quanto sob o ponto de vista matemático- contábil. Consideradas as diferenças inerentes aos dois sistemas, inclusive no que diz respeito às regras de filiação, de custeio e de benefícios, impõe-se examiná-los separadamente. a) O Regime Geral da Previdência Social (RGPS) O regime geral da previdência social é público, de filiação obrigatória e de caráter contributivo, destinado à proteção dos trabalhadores do setor privado. Está estruturado em um modelo financeiro de repartição simples, isto é, as contribuições cobradas dos segurados são utilizadas para cobrir os gastos do sistema com os inativos. Contudo, não há - nem nunca houve - qualquer preocupação com a aplicação dos superávits verificados ao longo dos anos. Pior: com o passar do tempo, embora os resultados anuais apontassem um declínio dos superávits gerados pelo sistema, jamais se cogitou da formação de um fundo de reserva destinado ao pagamento de benefícios futuros. Ao contrário, sempre foram constantes as denúncias de malversação da arrecadação previdenciária, seja através do desvio de recursos para outras finalidades alheias à previdência social, seja em razão de um alto grau de sonegação e de fraudes milionárias praticadas contra o sistema. Apesar disso, conforme dados oficiais do Ministério da Previdência e Assistência Social, até 1994 a arrecadação líquida do RGPS sempre superou as despesas com os benefícios pagos pelo INSS. Ainda de acordo com esses dados, somente a partir de 1995 o quadro se inverteu. Entretanto, isso não significa, como pretende o governo, que a previdência brasileira tenha-se tornado insolvente. Primeiro, porque o financiamento da previdência não se limita às contribuições incidentes sobre a folha de salários, recolhidas pelas empresas, e às contribuições pagas pelos segurados. A Constituição Federal prevê que a seguridade social seja financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, incluindo recursos orçamentários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 195, caput), além de contribuições sociais exigidas dos empregadores - incidentes sobre a folha de salários (art. 195, I, a), sobre o faturamento (art. 195, I, b) e sobre o lucro (art. 195, I, c) - e dos trabalhadores (art. 195, II). Além dessas, há outra contribuição, incidente sobre a 16 receita de loterias (art. 195, III) e a possibilidade de instituição, mediante lei complementar, de outras fontes destinadas à manutenção ou expansão da seguridade social (art. 195, §4º). Portanto, é incorreto imaginar que o custeio do regime geral da previdência social se esgote na contribuição incidente sobre a folha de salários, recolhida pelas empresas, e na contribuição paga pelos trabalhadores. Segundo, porque ainda que se admitisse tal restrição, não haveria o déficit apontado pelo Governo Federal. De acordo com os dados que têm sido apresentados à sociedade, em 2002 o regime geral da previdência social apurou um déficit correspondente a R$ 17 bilhões, valor que se estima atingirá R$ 19 bilhões neste ano, ou seja, 1,4% do PIB. Outra vez, o resultado decorre da incorreta manipulação de dados. Para obter essa conclusão, o Governo Federal compara o gasto total com o pagamento de benefícios de prestação continuada mantidos pelo INSS com a arrecadação total da contribuição previdenciária incidente sobre a folha de pagamentos e da contribuição paga pelos segurados. Todavia, na despesa são incluídos os benefícios pagos aos trabalhadores rurais e benefícios assistenciais, que, sabidamente, não dependem de contribuição específica individual e, muito menos, da contribuição recolhida pelas empresas e trabalhadores urbanos ativos. Evidente, portanto, a necessidade de ajuste técnico, excluindo-se da despesa o montante gasto com o pagamento de benefícios que não guardam relação direta com a contribuição incidente sobre a folha de salários e com a contribuição recolhida pelos trabalhadores urbanos. Efetuado o ajuste, verificar-se-á, novamente, um superávit nas contas previdenciárias. Portanto, no chamado “déficit da previdência”, o Governo está incluindo as despesas incorridas com todo o sistema da seguridade social, que, conforme já mencionado, não abrange apenas a previdência stricto sensu, mas abarca os gastos com a saúde pública e com a assistência social prestada à população carente. Ademais, conforme sistematicamente tem alertado a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social - ANFIP, o Governo tem desviado recursos do orçamento da seguridade social para o orçamento fiscal da União, seja através do Fundo Social de Emergência - FSE, posteriormente denominado de Fundo de Estabilização Fiscal - FEF, seja através da chamada Desvinculação de Recursos da União - DRU. Ainda de acordo com os dados consolidados pela ANFIP, extraídos de fontes oficiais, a seguridade social brasileira é superavitária. Segundo a fonte citada, as receitas da seguridade social em 2002 corresponderam a uma arrecadação total de R$ 136,9 bilhões, mas o gasto incorrido com o pagamento de benefícios do regime geral da previdência e de benefícios assistenciais, acrescido das despesas com a saúde e dos custos administrativos de gestão de todo o sistema, atingiu R$ 105,4 bilhões, tudo a evidenciar um superávit de aproximadamente R$ 31,5 bilhões naquele exercício. Argumenta-se, ainda, que, em breve, a situação será ainda mais crítica, porque tem-se observado ao longo dos últimos anos um severo aumento no número de benefícios concedidos em relação ao número de contribuintes do sistema. Dessa forma, mantido esse ritmo, e considerado o regime de repartição (solidariedade) adotado na previdência pública, em pouco tempo cada trabalhador em atividade teria de sustentar um aposentado ou pensionista, tudo a demonstrar a inviabilidade do sistema. Mais uma vez, as projeções governamentais estão equivocadas. O crescimento vertiginoso do sistema decorreu de significativas alterações adotadas desde a criação do regime geral da previdência social, que passou a ser muito mais abrangente, incluindo em seu espectro protetivo categorias sociais que não gozavam originalmente de qualquer tipo de seguro social. Cumpre salientar que, embora a expansão do sistema previdenciário brasileiro tenha ocorrido desde a sua criação, na década de 30, foi a partir de 1966, em pleno regime militar, que tal 17 processo se acentuou. A incorporação de autônomos, empregados domésticos e de trabalhadores rurais era conseqüência lógica do grande projeto de integração nacional existente na época. Seria razoável esperar, portanto, que, exatamente na década de 90, começassem a surgir os primeiros problemas, decorrentes de um significativo aumento do número de benefícios. Antes disso, evidentemente, a relação contribuintes/beneficiários era extremamente alta. Tanto assim que as alíquotas eram muito inferiores às atuais. Mais tarde, outros grupos populacionais foram abrangidos pela proteção estatal: as pessoas atendidas pela assistência social, isto é, os deficientes físicos e os idosos. Tal processo de universalização da cobertura social, todavia, está concluído, não havendo, atualmente, a previsão de novos ingressos extraordinários na previdência pública, sendo razoável esperar, por isso, apenas o crescimento vegetativo do sistema. Em outras palavras, há uma certa estabilidade no perfil dos segurados (contribuintes e beneficiários) abrangidos pelo regime geral da previdência social e pela assistência social, permitindo, assim, sejam feitas previsões mais adequadas quanto ao comportamento futuro de todo o sistema. Sob o ponto de vista demográfico, também não há razões para pessimismo. Ao contrário, até 2020 a previsão é de que ocorra um aumento relativo da população adulta, justamente aquela considerada em idade produtiva. Importa ressaltar, finalmente, que, sob o ponto de vista do custeio do sistema, os principais fatores que impedem o crescimento do número de segurados-contribuintes são o aumento do desemprego e do mercado informal de trabalho. Segundo dados do IBGE, em 1995 havia cerca de 40 milhões de brasileiros atuando na economia informal, o que representava 54% da população economicamente ativa. Se esse contingente passasse a integrar o mercado formal de trabalho, recebendo apenas um salário mínimo, haveria um incremento na folha de salários da ordem de R$ 62,4 bilhões, representando um acréscimo na contribuição previdenciária equivalente a R$ 18,7 bilhões, o que corresponderia a 5 (cinco) meses do gasto total do INSS com o pagamento de benefícios e pensões1 0. Os dados são, efetivamente, assustadores, especialmente se considerarmos que estas pessoas, em razão de não integrarem a previdência social stricto sensu, pois não recolhem contribuição individual, no futuro necessitarão ser amparadas pela assistência social, ou seja, em última análise, pelo Tesouro Nacional. Como se vê, a solução efetiva para a seguridade social, inclusive no que tange à previdência stricto sensu, é a adoção de medidas que permitam a retomada do crescimento econômico e a geração de empregos formais. Isso não significa dizer que inexistem distorções no sistema. Existem, sim. São exemplos disso a inexistência de idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição, a contagem de tempo de serviço sem recolhimento de contribuições (trabalhadores rurais, alunos de escolas técnicas, etc.), a relativa facilidade na obtenção de aposentadorias especiais, etc. Todavia, o aperfeiçoamento do regime geral de previdência social tem caráter meramente complementar. A verdadeira solução para a previdência social brasileira depende, necessariamente, de reformas na estrutura produtiva do país, única alternativa capaz de garantir o êxito futuro de todo o sistema de seguridade. Caso contrário, as medidas adotadas serão apenas perfunctórias, servindo tão-somente para reduzir injustamente direitos sociais das gerações de trabalhadores que, no passado, ingressaram, compulsoriamente, em um sistema que até hoje sustentaram. 10 Cfe. Nôvo, Miguel Arcanjo Simas. Problemas do mercado de trabalho. Efeitos na Previdência Social. 20 “Apenas para exemplificar, um funcionário público que perceba R$ 8.000,000 recolherá para o chamado PPS, a importância de R$ 880,00, ao passo que um executivo da iniciativa privada, que perceba o mesmo valor como remuneração, recolherá para o INSS o valor de R$ 171,77 (11% de R$ 1.561,56). Cabe ressaltar que se esse mesmo executivo exercer mais uma, ou duas, atividades remuneradas, continuará recolhendo esse mesmo valor, pois, de acordo com o sistema atual ele já recolhe pelo teto em uma de suas atividades. Portanto, dentro do quadro apresentado, não há como justificar a unificação dos dois regimes de trabalho; o estudo não pode ser efetuado apenas sob a ótica do regime de previdência, deixando para trás as peculiaridades e limitações inerentes ao ocupante de cargo público. Por outro lado, sob a ótica do financiamento dos dois sistemas, é sabido que a geração atual financia os benefícios da geração passada, e que a geração futura beneficiará a atual no momento oportuno. Pois bem, promovida a unificação dos regimes e passando o fun- cionário público a contribuir de forma equivalente ao trabalhador da iniciativa privada, não se estaria comprometendo o financiamento entre as gerações?” Feitas as considerações anteriores, é forçoso admitir, da mesma forma, que o regime de previdência dos juízes federais não vem sofrendo qualquer debilidade, decorrente de eventual déficit. II.3) A Emenda Constitucional no. 20 de 1998 já teria dado ensejo às perdas possíveis para a magistratura nacional em relação à questão previdenciária. Com a Emenda no. 20 de dezembro de 1999, emergiu uma nova modalidade de aposen- tadoria no direito brasileiro. Trata-se da aposentadoria por tempo de contribuição. Se partirmos da lógica da existência de um risco futuro que merece a ser acobertado por esta aposentadoria, a questão a se resolver será bastante complexa, na medida em que não se considera, pelo menos a princípio, um risco concreto do segurado para a obtenção do benefício (na aposentadoria por idade teríamos a velhice como risco; na aposentadoria por tempo de serviço teríamos o desgaste provocado pela realização do labor como risco) - o risco é muito mais do sistema, que se não for custeado, irá à falência, do que do segurado. Em relação ao setor público, de forma bastante clara, a aposentadoria passa a se dar somente após o segurado atender cumulativamente aos seguintes requisitos: um mínimo de contribuição e uma certa idade - distinta para homem e mulher. Assim, na nova redação dada pela Emenda 20 ao art. 40 da Constituição, tem-se que o servidor somente poderá se aposentar, nesta modalidade observadas, de forma conjugada, as seguintes condições: a) tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público; b) cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria; c) no mínimo, sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuições, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuições se mulher. A cumulatividade de todos os requisitos anteriores é patente da redação do art. 40, inciso III, letras “a” e “b” da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda no. 20. 21 No caso da aposentadoria compulsória no setor público, também será observada a pro- porcionalidade ao tempo de contribuição, o mesmo se dando em relação à aposentadoria por invalidez, “exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei” (art. 40, inciso I, da Constituição Federal). Prevê-se ainda o aproveitamento do tempo de contribuição federal, estadual ou municipal (observada aqui é claro a lei de compensação, no. - ver o no.), não se admitindo o estabelecimento de qualquer forma “de contagem de tempo de contribuição fictício” (par. 10 do mesmo art. 40). Por fim, foram estabelecidas, quer para o setor público, quer para o setor privado, as regras de transição - a fim de se obter, pelos que já estavam no sistema, o tempo de serviço já prestado anteriormente. Somente assim, crê o legislador constituinte, haveria perfeita preservação do direito adquirido. No caso o servidor público, este, para se aposentar de forma integral pela regra de transição, deverá cumulativamente, como reza o art. 8o. da Emenda Constitucional no. 20: a) ter cinqüenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito, se mulher; b) fazer incidir sobre o tempo que faltaria para se aposentar o percentual de vinte por cento para efeitos de contribuição. Assim, por exemplo, se faltava um ano para certo homem se aposentar, deverá contribuir mais vinte por cento sobre um ano (um ano mais vinte por cento de um ano e contar com, no mínimo, cinqüenta e três anos). No caso de servidor público que desejar aposentar-se proporcionalmente ao tempo de contribuição a diferença será o acréscimo do percentual de 40% sobre o tempo restante. Como se constata das regras acima, a maioria delas aplicáveis aos juízes federais em sua inteireza, já houve concessões feitas para que a correção de eventuais distorções do sistema - não se tolerando outras perdas que redundem, como já visto, na instabilidade da própria garantia institucional do exercício da judicatura. Assim, segundo a redação original do artigo 93, VI, da CF/88, a aposentadoria dos magistrados “com proventos integrais é compulsória por invalidez ou aos setenta anos de idade, e facultativa aos trinta anos de serviço, após cinco anos de exercício efetivo na judicatura”. A Emenda Constitucional nº. 20/98 introduziu modificação de duvidosa constitucionalidade, passando o dispositivo antes mencionado a ter a seguinte redação: “a aposentadoria dos magistrados e a pensão de seus dependentes observarão o disposto no art. 40”. Na prática, a modificação elevou o tempo de serviço necessário para a aposentadoria voluntária, passou a exigir o cumprimento de tempo mínimo no serviço público, estipulou uma idade mínima para a jubilação, equiparando a magistratura aos demais servidores públicos civis, enfraquecendo, com isso, a garantia constitucional originalmente prevista. III - Conclusão Vinha o Governo Federal acenando com a retirada ou redução de outras garantias, tais como a integralidade dos proventos, sua paridade em relação à remuneração paga aos magistrados da ativa, a redução no valor das pensões, etc. Tais propostas não podem ser admitidas sob qualquer hipótese. 22 Primeiro, porque, tais alterações afetam garantias institucionais (vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos) conferidas à magistratura, enfraquecendo a noção de independência funcional, indispensável ao exercício da judicatura, e, por conseguinte, mitigando a cláusula pétrea da separação dos Poderes. Segundo, porque como mencionado anteriormente, os resultados obtidos com as alterações já produzidas no texto constitucional indicam a possibilidade de equilíbrio das contas públicas em médio e longo prazo. E isso sem considerar o superávit existente no orçamento da seguridade social, segundo os cálculos elaborados pela ANFIP. Finalmente, ainda que assim não se entendesse, importa observar que o regime previdenciário da magistratura federal é altamente superavitário, apresentando uma elevada relação entre o número de contribuintes e de beneficiários, a faixa etária média dos magistrados em atividade é inferior a 40 anos, e o tempo de serviço acumulado é bastante reduzido, tudo a evidenciar a desnecessidade de novos ajustes financeiros ou de redução de benefícios. Impõe-se concluir, portanto, que propostas de alteração na forma de cálculo das aposen- tadorias e pensões da magistratura, bem assim de eliminação da paridade em relação aos subsídios pagos aos magistrados em atividade, implicam ofensa às garantias constitucionais previstas no artigo 95 da Constituição Federal, não podendo ser admitidas sob pena de flagrante inconstitucionalidade. Conforme mencionado anteriormente, a análise da previdência social dos servidores públicos não deve ser feito sob o enfoque atuarial, visto que, tecnicamente, está muito mais vinculada a questões orçamentárias do que contributivas. Entretanto, as pressões internas e externas exercidas para o ajuste das contas públicas têm compelido o Governo Federal a examinar a questão sob esse prisma. Dessa forma, embora não concordemos com a adoção desse critério, o regime de previdência da magistratura federal resistiria a qualquer estudo atuarial. Com efeito, circunstâncias históricas e atuais favorecem a magistratura federal. Primeiro, porque a Justiça Federal somente voltou a ser instalada no Brasil em 1967 e, até a Constituição Federal de 1988, seus quadros de juízes sempre foram muito reduzidos. Portanto, é pequeno o número de juízes aposentados e de pensionistas. Segundo, porque atualmente o perfil dos juízes federais revela um quadro muito jovem (faixa etária média inferior a 40 anos) e com um baixo tempo de serviço acumulado (no âmbito da 4a. Região, que abrange o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e o Paraná, o tempo de serviço total averbado é inferior a 10 anos, sendo o tempo de exercício na magistratura inferior a 5 anos). Evidente, pois, que os atuais juízes contribuirão para o sistema, na condição de magistrados, durante praticamente toda a sua vida laborativa, o que se constitui em um dado extremamente significante sob o ponto de vista atuarial. Finalmente cumpre salientar que, considerada a relevância da matéria de competência da justiça federal, é razoável projetar-se um incremento cada vez maior no número de varas e de juízes, tudo a favorecer, em médio e longo prazo, o equilíbrio financeiro e atuarial de um regime de previdência próprio da magistratura federal. A seguir, a título de ilustração, transcrevemos alguns dados relativos à magistratura federal da 4a. Região, confirmam inteiramente as afirmativas anteriores: 25 V - eqüidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento A Organização Internacional do Trabalho, através da Convenção 102, assim estabeleceu o conceito de seguridade: Seguridade social é a proteção que a sociedade proporciona a seus membros mediante uma série de medidas públicas contra as privações econômicas e sociais que de outra derivariam no desaparecimento ou em forte redução de sua subsistência como conseqüência de enfermidade profissional, desemprego, invalidez, velhice e morte e também a proteção em forma de assistência médica e de ajuda às famílias com filhos. Esse conceito não foi adotado completamente pela Constituição Federal, mas ressalto que o atual texto é o que mais aprofundou o conceito de seguridade social. Portanto, se a seguridade social busca a proteção social, a Previdência Social não pode ser dissociada do conceito de proteção social que deve ser acionado nas situações onde seja necessária ou onde exista a previsão legal para o gozo de determinado benefício. Na feliz dicção de Castro e Lazzari, A Previdência Social é, portanto, o ramo da atuação estatal que visa à proteção de todo indivíduo ocupado numa atividade laborativa remunerada, para proteção dos riscos decorrentes da perda ou redução, permanente ou temporária, das condições de obter seu próprio sustento. Eis a razão pela qual se dá o nome de seguro social ao vínculo estabelecido entre o segurado da Previdência e o ente segurados estatal.2 O histórico da Previdência Social aponta para os movimentos sociais que foram se organizando, juntamente com a expansão do capitalismo industrial e encetando grandes lutas para a obtenção de um trabalho minimamente decente. As primeiras leis que reconheceram algum direito de proteção ao trabalhador (e que considero, portanto, o marco inicial da Previdência Social) surgem na Alemanha, no final do Século XIX e sobre elas nos fala Maria Lúcia Rocha Lopes, como segue: Mesmo de forma diluída e pontual, vão surgindo os primeiros elementos, as primeiras iniciativas, que mais tarde vão dar forma a um sistema mínimo de proteção ao trabalhador e seus dependentes. Os primeiros passos foram dados na Alemanha, quando o Parlamento aprovou em 1883 a Lei do Seguro Doença e, em seguida, a Lei do Seguro Acidente (1884) e a Lei do Seguro de Invalidez e Velhice (1889).3 Outros países foram gradativamente incorporando aos seus ordenamentos jurídicos o reconhecimento de direitos sociais, entre os quais alguns benefícios que podemos afirmar serem de previdência social. No Brasil, o marco inicial sempre foi referido como sendo a Lei Eloy Chaves, que criou a Caixa de Aposentadoria e Pensões nas empresas das estradas de ferro, embora já houvesse legislação esparsa reconhecendo determinados direitos que podemos considerar de previdência social.4 2 Castro, Carlos Alberto Pereira de / Manual de Direito Previdenciário / Carlos Alberto Pereira de Castro, João Batista Lazzari. – 2a. ed. – São Paulo: LTr, 2001, p. 39. 3 Silva, Maria Lúcia Lopes da / Previdência Social um direito conquistado: resgate histórico, quadro atual e propostas de mudanças / Maria Lúcia Lopes da Silva. – 2a. ed. rev. ampliada e atualizada – Brasília : Ed. do autor, 1997, p. 29. 4 É interessante que se remeta aos trabalhos de Castro e Lazzari e Maria Lúcia Lopes da Silva, já citados acima, que apresentam um abreviado histórico da Previdência Social em seus primórdios, sendo também elucidativo o trabalho de J. R. Feijó Coimbra, Direito Previdenciário Brasileiro, que contém importantes referências históricas. 26 Com a queda da República Velha começam a surgir uma série de institutos de acordo com a categoria profissional (IAPETC, IPASE, IAPM, etc), até que em 1945, pelo Decreto-lei nº 7.526 foi criado o Instituto dos Seguros Sociais do Brasil, que absorveu todas as entidades previdenciárias e institutos assistenciais já existentes, embora ficasse sem qualquer aplicação prática, posto que não foi efetuada qualquer regulamentação. Somente em 1960 é editada a Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, que embora não unificando os organismos de previdência social, criou contudo normas uniformes para o amparo a segurados e dependentes dos vários institutos, sendo que somente em 1967 foram unificados os vários institutos de assistência e previdência no Instituto Nacional de Previdência Social – INPS. Em 1977 altera-se a organização da Previdência Social, com a criação do SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social, com a criação de vários órgãos para funções específicas (INAMPS, IAPAS, INPS, LBA, FUNABEM), ficando à margem do sistema o IPASE, que foi extinto, ficando, no entanto, os servidores públicos regidos pela Lei 1.712/52 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União). Um novo marco se dá com a Constituição Federal de 1988, com o estabelecimento do conceito de seguridade social, bastante ampliado do que se tinha até então, ficando os trabalhadores da iniciativa privada albergados no art. 2015 , ficando excluídos do Regime Geral da Previdência Social os servidores públicos civis, os militares, os magistrados e membros do Ministério Público e os membros do Tribunal de Contas da União, todos por possuírem regime próprio. 5 A atual redação do art. 201 é a seguinte: “Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º. § 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar. § 2º Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo. § 3º Todos os salários de contribuição considerados para o cálculo de benefício serão devidamente atualizados, na forma da lei. § 4º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei. § 5º É vedada a filiação ao regime geral de previdência social, na qualidade de segurado facultativo, de pessoa participante de regime próprio de previdência. § 6º A gratificação natalina dos aposentados e pensionistas terá por base o valor dos proventos do mês de dezembro de cada ano. § 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher; II - sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. § 8º Os requisitos a que se refere o inciso I do parágrafo anterior serão reduzidos em cinco anos, para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio. 27 Finalmente, em 1990 foi criado o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS – autarquia destinada a substituir o INPS e o IAPAS, sendo em 1991 editada a Lei 8.212/91, destinada a regular o custeio da seguridade social e a Lei 8.213/91, destinada a regular os benefícios da previdência social, sendo extinto o INAMPS em 1993, ficando as ações da saúde a cargo do Sistema Único de Saúde - SUS. Seguiram-se várias alterações na legislação entre os anos de 1993 a 1997, entre as quais merece relevância a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, que regulamentou o benefício assistencial de que trata o art. 203 da Constituição Federal e por fim a Emenda Constitucional nº 20, que modificou substancialmente a Previdência Social, passando as aposentadorias a não mais ser concedida por tempo de serviço, mas sim por tempo de contribuição (35/30 anos), fixando idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho (16 anos) e combinada com essa alteração constitucional seguiu-se a Lei 9.876/99, que instituiu o fator previdenciário, que pretendia combinar o sistema de repartição com o sistema de contribuição, pelo qual o trabalhador se aposentaria pela média dos proventos auferidos, conjugado com a expectativa de sobrevida, ou seja, quanto mais tardasse a aposentadoria, maior seria o benefício e vice-versa. Adotou-se, então, uma forma de cálculo de aposentadoria que pode ser dita de “capitalização escritural”. Deve ser dito que todas as alterações efetuadas na legislação da Previdência Social tinham por finalidade aproximá-la de cálculos atuariais, pois, segundo especialistas, tal como até então existente, a Previdência Social brasileira não sobreviveria por muito tempo. Isso significa que precisamos ingressar numa pequena digressão sobre a crise dos sistemas de previdência. A CRISE DA PREVIDÊNCIA A crise da Previdência Social aconteceu, penso, fruto de um grande processo de mudanças no cenário político nacional e internacional. Mas antes de analisar a crise da Previdência Social implica que primeiro se faça uma análise rápida dos sistemas contributivos. A previdência social é baseada em contribuições (no Brasil, as contribuições para a seguridade social encontram seu lastro no art. 195 da Constituição Federal), sendo que basicamente existem três sistemas contributivos, conhecidos como sistema contributivo de repartição, de capitalização ou misto. No regime de capitalização, cada indivíduo ou grupo de indivíduo contribui e esse valor de contribuição será “capitalizado”, isto é, apropriado para uma conta individualizada em nome do poupador. O benefício será, em tese, o valor daquela poupança efetuada, isto é, as contribuições serão “capitalizadas” em favor do contribuinte, sendo mínima a participação do Estado. O regime de capitalização está baseado na idéia de poupança individual, sendo seu exemplo o Chile. § 9º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei. § 10. Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado. § 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei 30 gerar o crescimento econômico necessário para incorporar as novas massas de mão-de-obra ao mercado de trabalho. De outro lado, a dívida externa cresce sem a geração de novos empréstimos, o que obriga a dispender cada vez maiores parcelas do PIB para pagar as dívidas já contraídas. Os credores passam a exigir, além de aumento das taxas de juros, garantias do pagamento da dívida, que somente podem ser dadas a partir da compressão das políticas públicas, com a diminuição de recursos para as políticas redistributivas. Surge, então, como fórmula mágica, a adoção de sistemas de capitalização para a previdência social, que de um lado teria o condão de diminuir os gastos públicos com a previdência e de outro lado, poderia gerar a poupança interna necessária para retomar o ciclo virtuoso do crescimento econômico. Esta é, em síntese apertada as justificativas teóricas da necessidade de Reforma da Previdência, surgida muito mais como um fenômeno decorrente da mundialização do capital e fragilidade das economias dependentes dos países em desenvolvimento do que uma preocupação sincera dos organismos internacionais com o futuro dos países em desenvolvimento e suas populações idosas. A REFORMA DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL O Ministério da Previdência Social – MPAS – de longa data está comprometido com reformas do sistema de previdência social, fruto e conseqüência da visão política dos governantes brasileiros a partir da última década do século passado. Com efeito, tem feito grandes estudos nesse sentido8 , sempre com vistas a defesa da reforma do sistema, com vistas a redução de benefícios ou aumento da idade mínima para o gozo de benefícios. O ponto culminante nesse sentido é o DIAGNÓSTICO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO, que pode ser visto no site do MPAS. Nesse diagnóstico, é apontado o crescimento da longevidade da população, a deterioração das relações formais de trabalho entre 1990 a 2002 e que avançamos de uma situação de praticamente igualdade entre o montante de receitas previdenciárias no ano de 1995 (com um déficit de apenas 400 milhões de reais) para um déficit de 17 bilhões de reais em 2002. Na realidade, esta avaliação pode ser contestada com relativa facilidade. Ocorre que nesse resultado não estão consideradas as contribuições da seguridade social (PIS, COFINS, CSLL, CPMF), além do que não são computadas as renúncias fiscais, que foram estimadas em mais de dez bilhões de reais apenas no ano de 2002. Por outro lado, os excedentes gerados até o ano de 1995 foram apropriados pelo Tesouro Nacional, principalmente para o pagamento de juros , sem que ocorresse qualquer retorno desses valores aos cofres da Previdência Social. Por outro lado, a Constituição de 1988 assegurou aos trabalhadores rurais a garantia de aposentadoria de um salário mínimo, sem a necessidade de contribuição , sendo que a Lei 8.213/ 8 A coleção da Previdência Social, que pode ser encontrada no site do MPAS tem desenvolvido estudos nesse sentido, sendo vasta a bibliografia nesse caminho, bem como vários os seminários e encontros nesse sentido. 31 91 ampliou a cobertura aos segurados rurais (através do conceito de núcleo familiar rural). Ainda, a contribuição do meio rural é calculada sobre um percentual da produção com o que tem-se um quadro que os benefícios rurais terminam por gerar um déficit apenas nessa área de quase quinze bilhões de reais apenas no ano de 2002. No entanto, não se pode analisar a Previdência Social apenas sobre o ponto de vista da arrecadação versus benefícios pagos. Com efeito, a Previdência Social tem um importante papel no sentido de redistribuição de renda, do qual o melhor exemplo são os trabalhadores rurais, que embora deficitários apenas sobre o ponto de vista atuarial, na realidade sua importância na manutenção da sociedade brasileira dispensa maiores comentários, até mesmo tendo em vista que a agricultura tem gerado a cada ano mais divisas externas para o Brasil. Portanto, a Previdência Social tem a cada dia mais um papel importante no sentido de uma política de incentivo de superação da pobreza. O MPAS no já citado “ Diagnóstico...”, tendo como fonte o PNAD de 1999, assevera que em 1999, 34% dos brasileiros viviam abaixo da linha de pobreza e se não fosse a Previdência, esse percentual seria de 45,3%, o que significa que a Previdência foi responsável por uma redução de 11,3 pontos percentuais no nível de pobreza, implicando que graças aos benefícios provenciários 18,1 milhões de pessoas deixaram de ser pobres. Outrossim, o pagamento de benefícios previdenciários significa para a grande maioria dos municípios importâncias maiores do que os próprios retornos do FPM. A partir da constatação de que a Previdência Social possui um importante papel redistributivo e na erradicação da pobreza, resta a necessidade de afirmar a necessidade que a Previdência Social deve continuar pública, afastando-se as tendências privatizantes e apontando para a otimização do sistema de previdência pública, afastando os modelos de outros países que adotaram a capitalização, pois isso significa a entrega de parcelas duramente poupadas pela população para entidades privadas que somente tem em mente o lucro de tal atividade de gestão. Isso porque a reforma do sistema de previdência social abandonando o sistema de repartição para o sistema de capitalização implica uma série de custos de transição que estudos apontam que custariam ao Brasil mais de 2 PIB’s, parcela que evidentemente não há condições de ser custeada pela sociedade, para a simples entrega dos recursos da poupança a ser gerada para entidades privadas que cobrarão custos de gestão acima do que atualmente custa ao País pela gestão do INSS. Por exemplo, no Chile o custo pela gestão pelas AFP é de cerca de 1,8% do salário do trabalhador, o que significaria um custo de aproximadamente mais de 15% da importância retida para contribuição previdenciária, ou seja, do aporte seria entregue em mãos de um administrador privado na suposição (e mera suposição, sem qualquer base empírica concreta, pois a história nos mostra uma série de falências e gestões fraudulentas de fundos pelo mundo afora) que seria melhor administrada que os fundos públicos. Para exemplificar o custo desses fundos, tomamos o exemplo da Argentina, através da palavra de Elsa Rodrigues Romero9 , Assessora do Secretário de Seguridade Social do Ministério do Trabalho – Argentina, que assim se referiu? 9 Brasil. Ministério da Previdência e Assistência Social. Seminário Regional sobre Reformas dos Sistemas de Pensão na América Latina. Brasília, MPAS, 2001, Coleção Previdência Social, p. 51. 32 Na Argentina, o custo do regime de capitalização é de 3,5% do salário, mas, de qualquer forma, dito desta maneira não representa a verdade. Na realidade é 35% do aporte, o que significa uma carga um pouco diferente, pois é preciso levar em conta que a contribuição é de 11%, 7,5% se capitalizam e 3,5% são cobrados como comissão pela FJP. Agora, fazendo os cálculos de outra maneira, se considerarmos que a FJP está administrando 7 dólares e 50 centavos e para isso cobra 3 dólares e 50 centavos, são 46% do montante que está administrando. Essas considerações remetem as seguintes conclusões: 1) não há garantia alguma que seja possível adoção, pelo Brasil, do regime de capitalização, tal como efetuado no Chile, até pelo elevado custo de transição do sistema, que implica mais de dois PIB’s para a efetiva consolidação do sistema como custo de transição, recursos esses inexistentes ante o atual cenário de compressão da atividade econômica mundial e a impossibilidade de endividamento a esse montante (pois, até pelo contrário, o Brasil se comprometeu com o FMI com metas elevadas de superávit primário, que impossibilita a assunção de tal dívida); 2) a adoção de regime de capitalização em momento algum garante que haverá a desejada poupança interna capaz de tornar o Brasil menos dependente de empréstimos externos; 3) nada garante que a gestão privada dos recursos previdenciários seja melhor que a gestão pública , pois inclusive funciona com custos maiores (os custos do INSS, segundo estudos da ANFIP, são em torno de 7% do total das receitas administradas pela autarquia); 4) pela importância redistributiva e como fator de erradicação da pobreza, é aconselhável que os recursos da Previdência Social continuem sendo geridos de forma pública; 5) é um verdadeiro mito que a capitalização reduz o gasto público com a previdência, podendo inclusive ocorrer o contrário. É nesse sentido a lição de Nicholas Barr10 : As previdências privadas podem possibilitar a solução do gasto estadual com previdência a longo prazo, quando os novos planos estiverem maduros. No entanto, não há uma solução a curto prazo. Se as contribuições dos trabalhadores forem para contas individuais capitalizadas, elas não podem ser usadas para pagar as pensões das pessoas mais velhas. A menos que o governo se recuse a pagar as pensões das gerações mais antigas, ele precisa financiá-las através da tributação eou dívida pública. Conseqüentemente, a necessidade de financiar a transição para um novo regime de previdência geralmente aumenta o gasto público com previdência a curto e médio prazo. Nas palavras de um estudo do FMI: “... os custos financeiros de fazer tal mudança [para um plano totalmente capitalizado] podem ser muito altos, e... arcar com tais custos pode demandar, em muitos casos, uma quantidade de ajuste fiscal que é substancialmente mais elevado do que seria necessário para sanar o sistema de repartição simples” (Chand e Jaeger, 1996, páginas 32-3). Além do mais, os custos de privatizar um sistema de repartição simples inflado são maiores do que os custos para privatizar um sistema sustentável. Isso resulta em uma importante conclusão: a privatização não é a solução para os problemas fiscais. Se o problema for de um plano estatal que não é sustentável, a única solução é torná-lo sustentável aumentando as contribuições, cortando benefícios ou uma combinação dos dois. Assim, uma mudança para a capitalização, qualquer que seja seu mérito, não deve ser feita por motivos de restrição de despesas a curto prazo. Colocadas essas premissas, passo a analisar mudanças possíveis no RGPS no sentido de torná-lo mais eficiente e otimizado. 10 Barr, Nicholas, Reformas das Previdências: Mitos, Verdades e Escolhas Políticas, , no já citado A Economia Política da Reforma da Previdência 35 Desta forma, para combater tal prática, além da contratação de mais fiscais11 (tanto do trabalho como da Previdência Social) implica o desenvolvimento de programas de inteligência e constante treinamento dos fiscais. Ao lado disso, um maior partilhamento de informações entre a Receita Federal e INSS no tocante à empresas fiscalizadas certamente contribuirá para a redução da sonegação por essa via podendo-se apresentar várias possibilidades, como por exemplo as seguintes hipóteses: Identificado pelo fiscal da Receita Federal a existência de caixa dois, imediatamente seria comunicado tal fato à fiscalização da Previdência Social, que tentará identificar se do montante de recursos existentes na referida contabilidade paralela não há comprovantes de pagamentos de salários “por fora”. O contrário também deve ocorrer, ou seja, identificado pela fiscalização do INSS a existência de pagamentos “por fora”, imediatamente é acionada a Receita Federal para verificação da origem dos recursos por onde foram efetuados tais pagamentos. Quanto a não-assinatura de carteira de trabalho, isso pode ser combatida com equipes integradas de fiscais do Ministério do Trabalho e MPAS que, identificando o problema, passem rapidamente à autuação para posterior inscrição em dívida ativa. No tocante ao não-recolhimento de contribuições declaradas, torna-se necessária a agilização das inscrições em dívida ativa e ajuizamento das ações. Essas campanhas maciças de erradição da sonegação fiscal na área da Previdência Social devem ser acompanhadas de ampla publicidade de casos emblemáticos da responsabilização criminal dos autores, como a divulgação de condenações de empresários por sonegação à Previdência Social. Tais divulgações tem um apurado efeito intimidatório nos potenciais sonegadores. Isso implica em reforçar a Justiça Federal e a Procuradoria da República com varas criminais especializadas e órgãos de acusação em número suficiente, de modo a fornecer uma rede de detecção de fraudes eficiente e ágil, capaz de desestimular a ocorrência de tais delitos. Mas efetivamente que o combate à sonegação requer muito mais. Necessário que haja efetivamente uma Polícia Federal com equipes especializadas em detecção de fraudes e que os inquéritos não se percam em escaninhos e diligências inúteis ou desnecessárias. Para isso, propõe-se medidas de custos quase zero e com resultados imediatos. A qualificação das pessoas encarregadas na repressão à sonegação pressupõe treinamento e foco nos objetivos maiores de suas atividades. Desta forma, podem ser realizados cursos de qualificação, a serem ministrados por e para magistrados, membros do Ministério Público, policiais e agentes de fiscalização nos próprios locais de trabalho, que implica em custos zero de deslo- camento e pouco dispêndio. É importante mencionar que a ANFIP tem feito ciclos de estudos e seminários nesse sentido por vários locais do Brasil, que inclusive resultaram numa série de publicações, de grande utilidade prática12 e que servem como um excelente componente motivacional dos envolvimentos da persecução penal de tais delitos. 11 A Revista da ANFIP nº 72, ano XII, tem um interessante estudo sobre a insuficiência do quadro de fiscais e necessidade de aprimoramento, como pode ser visto no artigo “Sonegadores demais, auditores fiscais de menos”. 12 Ciclos de Estudos Sonegação, Fraude e Evasão Fiscal, que redundaram em oito volumes publicados e que são resultado dos seminários realizados em sete capitais do Brasil. 36 Também é possível estudar-se a possibilidade de, nos casos de sonegação de contribuições previdenciárias, a autarquia lesada, o INSS, figurar como assistente de acusação, subsidiando com suas informações o Ministério Público e a Polícia Federal, efetuando-se, se necessário, a alteração na legislação penal e processual penal. Por fim, não há sentido que a representação fiscal para fins penais fique condicionada ao término do processo administrativo, que pode inclusive se arrastar por meses ou anos e o sonegador, e nesse período, poderá inclusive dissipar os bens de seu patrimônio. Desta forma, o que se propõe é que tão logo identificada prática delitiva, tenha a fiscalização oportunidade de efetuar a comunicação ao Ministério Público, que poderá ajuizar as medidas assecuratórias necessárias para o ingresso dos recursos desviados aos cofres da Previdência Social (arresto/seqüestro previstos no Código de Processo Penal), até porque não se pode falar em representação tecnicamente, já que se trata de ações penais públicas incondicionadas. Também é necessário campanhas de esclarecimento à população dos nefastos efeitos sobre a economia nacional (em especial para a Previdência Social) da sonegação das contribuições previdenciárias. Com efeito, é visto que o sonegador de tributos em geral é visto pela sociedade ou como um empresário bem ou mal sucedido. Na realidade, há uma certa permissividade da sociedade com o sonegador. É necessário que se altere essa visão, no sentido de que estamos a falar de um crime, de extensa lesividade social, e que lesa não o patrimônio de um, mas de todos. É necessário apontar aos empresários que aqueles que sonegam estão a competir de maneira desleal, pois desenvolvem suas atividades a um custo mais baixo, afetando a competitividade entre as empresas e acirrando o problema social. É necessário o envolvimento dos trabalhadores, por suas entidades, nesse combate, criando-se uma espécie de selo de qualidade e responsabilidade previdenciária, a ser atribuído aos empresários que corretamente se mantém em dia com suas obrigações. Para isso, é imperioso que se altere a forma de gerência das informações sobre o enorme patrimônio público que é a Previdência Social. Voltarei a esse ponto quanto me referir à gerência. O combate efetivo à sonegação, em especial na área de sonegação de contribuições previdenciárias terá extraordinário impulso com a ampliação da Justiça Federal, sendo imperioso que se aprove o PL 5756/01 que cria novas varas e amplia a estrutura da Justiça Federal. Mas também é necessário que se aponte com firmeza que não mais serão toleradas novas anistias, suspensões de processo via diplomas legislativos e instrumentos equivalentes. Ou seja, o sonegador deve ter a certeza que uma vez que assumiu o caminho de praticar a conduta ilícita, deverá se sujeitar à respectiva sanção, sem qualquer perspectiva de impunidade, repondo assim a lógica da conduta ilícita corresponder a uma sanção correspondente. ENTIDADES FILANTRÓPICAS No que se refere às entidades filantrópicas, o já referido “Diagnóstico da Previdência Social” aponta uma renúncia fiscal na sua tributação de quase dois bilhões de reais no ano passado e cuja estimativa para o ano de 2003 é de 2,18 bilhões de reais. São recursos vultuosos, decorrentes do não-recolhimento da contribuição patronal sobre a folha de salários. Estudos indicam que um percentual de ditas entidades filantrópicas são mera “fachada” de pessoas jurídicas, verdadeiras empresas, que concorrem em igualdade de condições no mercado, 37 principalmente educacional, com as verdadeiras entidades dedicadas a filantropia. É necessário que exista um maior controle sobre a concessão de tais renúncias (até porque quem confere o caráter de entidade filantrópica é o CNAS), para que abusos sejam evitados. Outrossim, é necessário que se estude com profundidade a real necessidade de continuar com o reconhecimento de tal prática, pois estudos indicam que essa renúncia fiscal, arcada por toda a sociedade e principalmente pelos trabalhadores, muitas vezes terminam por beneficiar a parcela menos necessitada da população, pois se concedida a colégios particulares, que abrigam aqueles que podem pagar pelo ensino, termina por prejudicar a parcela da população que não pode pagar as mensalidades dos colégios particulares, e que, exatamente por estudar em colégios públicos, termina tendo menores chances de ter seus filhos ingressando nas universidades públicas, pois as vagas são majoritariamente ocupadas pelos egressos de instituições particulares de ensino. Desta forma, se propõe em relação às entidades filantrópicas que: a) sofram constantes fiscalizações, para ver se continua o enquadramento que autoriza que tenham o benefício fiscal da renúncia de receitas de Seguridade Social; b) se façam estudos no sentido da validade ou não, para os fins sociais que se destinam, da renúncia fiscal que gozam as entidades filantrópicas, principalmente as educacionais; c) que o controle sobre o gozo de tais privilégios, no que se refere ao não-recolhimento de contribuições da Previdência Social, fique a cargo de uma comissão quatripartite, integrada por membros do Poder Executivo, empregadores, empregados e aposentados, integrando tal comissão a estrutura do MPAS e que seja efetuada por Estado da federação e não concentrada em Brasília e 4) um estudo da Lei 9.732/98, cujos artigos na parte que regulava a isenção da contribuição previdenciária da ditas entidades filantrópicas foram suspensos, por força da ADIn 2.028, retornando ao previsto na Lei 8.212/91, no sentido de superar as inconstitucionalidades apontadas pelo Supremo Tribunal Federal, a fim de adequá-la ao espírito do legislador que norteou a edição de dita norma, sendo necessário, se for o caso, a edição de Lei Complementar de sentido equivalente, pois mais consentânea ao regramento constitucional que determina que “a seguridade social será financiada por toda a sociedade”, como expresso no art. 195 da Constituição Federal. SEGURO DE ACIDENTES DO TRABALHO O Brasil é um dos países onde mais ocorrem acidentes de trabalho. Em trabalho apresentado por Baldur Schubert13 , é apontado que no ano de 1997 tivemos 140 óbitos para 1.000.000 de pessoas seguradas, enquanto nos EUA, no mesmo período, a taxa foi de apenas 5, o que resulta em um grande número de benefícios pois além das pensões por morte acidentária, existem as aposentadorias por invalidez, o auxílio-doença e os auxílios-acidente. O número total de acidentes de trabalho com mortes contabilizado no ano de 2001 foi de 2.55714 , e o que é mais grave, as vítimas são quase sempre jovens trabalhadores. Segundo Vinicius Carvalho Pinheiro, no já referido Seminário Internacional “Sistemas de Seguro...”, a cada mês são pagos pela Previdência Social 660.442 benefícios acidentários (dados 13 O Seguro Contra Acidente do Trabalho no Brasil: Evolução Histórica, Situação Atual e Apresentação da Proposta do Projeto de Lei, no Seminário Internacional “Sistemas de Seguro Contra Acidentes do Trabalho nas Américas, que resultou no vol. 5 da Coleção Previdência Social. 14 Manifestação do Sr. Diretor do Departamento de Segurança e Saúde do Ministério do Trabalho e Emprego realizada em 25/09/2002 em Brasília, DF, disponível em www.mte.gov.br 40 começaram a circular, notadamente a partir de 1998, com relação a que entendo não deva ser aceita qualquer proposta nesse sentido. Com efeito, como já visto antes, o custo de entidades privadas no gerenciamento de verbas previdenciárias é muito mais alto do que se geridas pelo setor público. Outro motivo que tais enti- dades terão todo o interesse em descaracterizar qualquer acidente de trabalho, para não ter que arcar com tais custos, e jogá-los para a conta de benefícios previdenciários. O terceiro motivo é que os custos de acidente de trabalho não se esgotam no pagamento dos benefícios em si, mas também nas despesas de reabilitação, a cargo da autarquia ancilar e despesas médicas, às custas do SUS, que notoriamente não consegue recuperar as despesas efetuadas na rede pública dos segurados de planos de seguro privado e por fim, não há nenhum indicativo sério e seguro que a atividade privada gerenciaria melhor tais recursos, com a finalidade social que se destinam, que é evitar a ocorrência de acidentes, através da prevenção e impor as sanções cabíveis, nos casos de culpa. Portanto, a idéia de eventual privatização do Seguro de Acidentes do Trabalho está baseada mais no mito que privatizar é melhor e menos dispendioso, o que é uma verdadeira falácia, perfeitamente contestada pelos resultados que obtivemos em grande parte do programa de privatização, cujos exemplos não precisam ser citados. EXECUÇÃO FISCAL DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS Um dos problemas mais graves no tocante ao recebimento dos créditos previdenciários é o relativo às Execuções Fiscais. Com efeito, é baixíssimo o índice de recuperação de créditos e penoso o caminho para o credor, no caso, o INSS e quando se chega a arrematar alguma coisa, grande parte, senão toda a receita auferida com o leilão do bem, já está comprometido com o pagamento de dívidas trabalhistas, que possuem preferência de crédito. Portanto, há na execução fiscal uma série de problemas e tive oportunidade de abordá-los quando do II Seminário Nacional Sobre Execução Fiscal, realizado em Brasília, DF, no ano de 2002, onde apresentei algumas propostas. Primeiramente, seria importante que o fiscal do INSS, ao efetuar o lançamento, já fizesse uma descrição do rol de bens do executado, para que se pudesse, futuramente, postular essa penhora, pois um dos problemas mais graves encontrados na execução fiscal é exatamente o fato de que não são encontrados bens. Embora entenda que tal providência implicará um maior trabalho dos fiscais, que já são em número insuficiente, é providência necessária, de fácil implementação, pois a responsabilidade pela arrecadação deve ser de todos os agentes públicos e de nada ou pouco adianta o fiscal efetuar a notificação se não houver uma garantia que o valor encontrado realmente ingressará nos cofres da Previdência Social. Outra medida importante é que o INSS aceite o arrolamento de bens como condição para recorrer na esfera administrativa, no lugar da multa de 30%. É que muitas vezes o arrolamento de bens, que servirão para garantir o aparelhamento da execução pela penhora, é medida muito mais eficiente, já que engloba ou poderá englobar a totalidade do crédito, que o mero depósito. Uma outra sugestão é a adoção de bancos de dados comuns a ser partilhado entre as diversas procuradorias públicas e sobre ela assim me referi na palestra antes citada: 41 “Outra sugestão que eu gostaria de apresentar aqui, pensando resolver esse problema da penhora, é a adoção de bancos de dados comuns entre as diversas procuradorias públicas, alimentando os dados referentes aos executados e aos bens penhorados em cada processo. Qual é o objetivo dessa proposta? Primeiro, que as diversas procuradorias tenham o conhecimento de quais são os bens que estão penhorados nesse ou naquele processo, de tal maneira que saiba onde postular o gravame e onde não vale a pena postular. Eu tenho conhecimento de bens que tem 15 penhoras do INSS, da Fazenda, do INSS mais uma vez, da Fazenda, aí vem a Fazenda Estadual, vem o banco tal e como se resolve isso? Resolve-se, claro que vocês vão me dizer, se resolve no concurso de preferência, mas não é esta questão. Eu pergunto, aquele que tem 15 penhoras que vale 100, mas ele está servindo como garantia de 15 execuções dos quais 12 da Fazenda Pública, que individualmente cada uma delas soma 50, mas que no seu conjunto supera e muito o valor do bem penhorado. Pergunto: há garantia do juiz capaz de justificar o ajuizamento dos embargos do devedor? Me parece que não. E bem, essa é uma proposta que me parece que também não tem nada de inconstitucional e se resolve com alguma facilidade, por quê, porque a Lei Complementar 104 diz, “ é possível a cooperação entre os vários entes da administração inclusive federais, estaduais e municipais”. Essa proposta não implica em quebra do sigilo fiscal, pois essas informações vão estar sujeito a sigilo fiscal, mas simplesmente serão consultadas na hipótese de necessidade de ajuizamento da execução fiscal ou da medida cautelar fiscal, ou seja, não vejo problema ou inconveniente nenhum em que se adote na prática essa medida de adoção de bancos comuns, basta que se queira.” No tocante à arrematação, é necessário que ela seja efetiva e traga resultados concretos, Na realidade, a arrematação tem que ser efetiva, porque é com a venda do bem que se realiza a possibilidade do credor receber o que é seu. Em se garantindo que efetivamente as vendas processuais, nas praças e arrematação, aconteçam efetivamente, podemos verificar um outro fenômeno: aqueles que historicamente não se preocupam se os bens que entregou em penhora vão para a arrematação, porque sabem que não serão vendidos, a partir do momento que efetivamente ocorrem as vendas judiciais, essas pessoas começam a se preocupar com seus débitos junto ao fisco e de um jeito ou de outro pagam ou parcelam seus débitos. Proponho ainda, para facilitar a venda do bem, que realizado o primeiro leilão, negativo, o resultado for negativo, realizado o segundo leilão, por qualquer valor ainda que abaixo da avaliação desde que não seja vil, sendo este negativo, que o leiloeiro designado pelo juiz , dispõe de um prazo de 30 dias pra apresentar proposta concreta de alienação do bem para um particular, proposta escrita de alguém que não foi lá no leilão mas que está interessado em comprar o bem. Esta prática, caso adotada, não traz prejuízo algum, nenhum gravame ao executado e já tem sido adotada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região de Santa Catarina, que assim disciplinou essa possibilidade: “A venda dos bens mediante proposta particular é admissível quando resultarem negativos os leilões, condicionados ao consentimento expresso ou tácito de parte do exeqüente e do executado”. Então, se observando a ressalva efetuada pelo artigo 670 do Código de Processo Civil, essa venda direta, que não é nenhuma novidade e que não precisa de nenhuma alteração substancial na legislação (podendo até mesmo ser autorizada através de provimentos dos Tribunais) poderá significar uma maior procura pelos bens que estão para ser leiloados e que conseqüentemente implicará uma maior recuperação de créditos da Previdência Social. 42 Então, são essas medidas concretas que podem fazer com que a) se encontrem bens capazes de dar origem à penhoras, no momento adequado e b) garantir a eficiência na venda dos bens leiloados pelo Poder Judiciário. Além dessas medidas, existem outras que são capazes de melhorar a eficiência e resultado nos executivos fiscais. O Brasil possui um extenso contingente de aposentados, tanto da área pública como da área privada. Esse enorme contingente de pessoas poderia ser utilizado, mediante pequena remuneração por trabalho realizado e dependente do resultado desse trabalho, na localização de devedores da Previdência Social e localização de seus devedores, posto que além de estarem a desenvolver uma atividade com alguma remuneração, estarão defendendo um patrimônio que é de todo o povo brasileiro, e são eles, os aposentados, os interessados diretos e imediatos de que exista uma Previdência Social forte e economicamente viável. O cadastramento das pessoas interessadas em realizar tal trabalho poderia se dar via sindicatos e centrais sindicais, o que implica em ampliar a responsabilidade pela recuperação dos créditos. Por último, no caso dos créditos previdenciários, podemos utilizar regras aceitas no mercado financeiro no que toca a sua recuperação. Com efeito, no estoque de dívida existem aqueles que são irrecuperáveis, mas que continuam simplesmente engordando errôneas cifras sobre o percentual de créditos em cobrança (hoje os créditos previdenciários em cobrança ou em vias de cobrança já atingem a totalidade de cem bilhões de reais, sem que haja a mínima separação entre recuperáveis e irrecuperáveis). É necessário uma separação dos créditos, a fim de que a Procuradoria do INSS possa se concentrar na parte “boa” dos créditos, ou seja, os recuperáveis, economizando tempo e dinheiro dos contribuintes com ações de execução que levam a lugar algum. Uma ótima providência adotada pelo INSS e que merece ser fortalecida é a gerência de grandes devedores, onde há concentração de esforços na recuperação de créditos passíveis de cobrança e de grande volume. Com isso, há uma concentração de esforços e otimização dos resultados. Por fim, é de se notar que as instituições financeiras acompanham a evolução patrimonial de seus devedores, ou seja, gerenciam a possibilidade de pagamento, ao passo que o Poder Público nada faz nesse sentido. Penso que é possível o desenvolvimento de programas para o acompanhamento da evolução do patrimônio do devedor, até mesmo para o ajuizamento de ações cautelares assecuratórias do recebimento dos créditos do INSS, como faz a iniciativa privada, o que pode ser efetuado com o acompanhamento periódico da fiscalização/procuradorias. Mas o mais imprescindível para quaisquer medidas que importem em melhoria na recuperação de créditos é que haja interação entre fiscalização e as várias Procuradorias do INSS, para que a fiscalização oriente, por exemplo, sobre a existência de patrimônio e a Procuradoria oriente a fiscalização sobre qual o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre as autuações, evitando com isso, que eventualmente venha o INSS a ser sucumbente em embargos, pois então há imposição de ônus da sucumbência, que impõe mais dispêndios aos cofres da Previdência Social. 45 gasto muito tempo e recursos do INSS (com o envolvimento de uma gama de funcionários) para a preparação necessária para o julgamento dos recursos, quando, estatisticamente, o índice de reforma é baixo. Por outro lado, não há necessidade de esgotamento da via administrativa para o ajuizamento da ação judicial, como está sendo reiteradamente decidido pelo Tribunais pátrios e com a adoção dos Juizados Especiais Federais, o julgamento é célere e poderá ser realizado em muito menos tempo que o reexame da decisão administrativa de primeiro grau pelo próprio INSS. Desta forma, em caso de extinção dos CRPS, haverá a possibilidade de um grande número de funcionários, muito bem treinados, vir a integrar a administração previdenciária no tocante a concessão de benefícios, qualificando e expandindo suas experiências para um gama enorme de funcionários. Por fim, é importante que se tenha em mente que o fundamental, quando se trata de Previdência Social, que se alterem os paradigmas até hoje vigentes, como se a organização e gestão previdenciárias dissessem respeito única e exclusivamente ao Poder Executivo. Acredito que a Previdência Social é muito mais que apenas um seguro, na realidade ela é fruto e expressão das lutas dos trabalhadores, tendo sido construída paulatinamente ao longo do desenvolvimento da sociedade. Desta forma é que deve ser entendida, ou seja, como patrimônio de todos os brasileiros e, portanto, tudo que se refere à Previdência deve ser assim tratado, ou seja, qualquer debate sobre a reforma da Previdência Social que se trave deve partir da consideração da necessidade de preservação desse patrimônio, a expansão da seguridade e a maior integração social possível. Por isso, deve se caminhar para uma gestão quatripartite da Previdência Social, com a participação efetiva de todos os atores sociais envolvidos nesse debate, buscando-se que a gestão seja efetivamente compartilhada entre os contribuintes (trabalhadores e empregadores), os maiores interessados no presente (os aposentados e pensionistas) e o Poder Executivo. Assim, essa gestão quatripartite, rompendo o monopólio hoje existente na gestão, que é exclusiva do Poder Executivo, a ser feita pelos representantes dos empregados, dos empregadores, dos aposentados e pensionistas e do Poder Executivo é a [única maneira de se buscar valores que são fundamentais na gestão da coisa pública, que é a transparência, democracia e eficiência. Somente uma gestão da Previdência Social estabelecida nesses moldes, ou seja, realmente democrática e comprometida com a existência efetiva de uma seguridade social ampla e não puramente econômica poderá fazer surgir e se solidificar uma “consciência previdenciária”, no sentido de que a Previdência Social é de todos e não de ninguém, de modo que a sociedade como um todo possa combater efetivamente os desperdícios, as fraudes, as exonerações tributárias injustificadas (renúncias fiscais) e propiciar a segurança de que a seguridade social subsistirá, pois ela é necessária para a existência de qualquer projeto de nação. REFORMA DO REGIME PÚBLICO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL O Regime Público da Previdência Social (RPPS) organiza tanto a previdência dos atuais servidores públicos como a dos atuais servidores inativos (aposentados) e pensionistas, cujos benefícios estejam sendo pagos por algum ente estatal. Mas é importante observar que os servidores públicos atualmente estão divididos em três categorias: os empregados públicos, os servidores temporários e os servidores de cargo efetivo. Embora todos sejam servidores públicos, apenas os 46 servidores de cargo efetivo é que estão atingidos pelo Regime Público da Previdência Social (também tidos como Regimes Próprios da Previdência Social) e englobam os servidores públicos da União, dos Estados e dos municípios, cabendo aqui uma advertência: caso os Estados e municípios não instituírem RPPS’s, todos os seus servidores, mesmo que de cargo efetivo, são enquadrados no RGPS. É o debate desse regime o que mais suscita críticas, paixões, incompreensões e desinformação, pois a discussão é efetuada a partir de dogmas, noções de senso comum e desapego à história. Com efeito, a mídia, quase sempre abastecida por noções de senso comum, afirma que os servidores públicos são privilegiados, pois seus benefícios são bem diversos do RGPS, atingindo valores mais altos e que são esses os causadores do déficit público que impede o crescimento do Brasil. Discutir tais afirmações ou rebater tais argumentos é tarefa difícil e muitas vezes inglória, mas necessária para qualquer proposta séria para que se tenha de um regime de Previdência Social para os servidores públicos. Para isso, é necessário que se faça uma pequena retrospectiva histórica e para isso mais uma vez me valho do trabalho de Maria Lúcia Lopes da Silva17 , que assim escreveu: “Desde o Brasil colônia, o cargo público foi tratado como propriedade dos detentores de mandatos executivos, de forma que o preenchimento dos cargos no Serviço Público ocorria de acordo com a vontade do soberano ou por acertos políticos entre as oligarquias dominantes. A maioria da população sempre esteve excluída da participação na gestão pública e dos seus benefícios. A relação entre o Estado e seus servidores foi marcada pela conveniência pessoal e pela submissão. As primeiras iniciativas para profissionalizar e significar a função pública, ocorreu no Governo Vargas. Naquela época, graças a ação organizada do setor, em articulação com os demais trabalhadores, foi instituído o concurso público e assegurada uma melhor remuneração. Na Constituição de 1934, foi incluído pela primeira vez um capítulo sobre os servidores públicos, instituindo-se o concurso público, o plano de carreira, a aposentadoria integral e o direito à organização em associação. Em 1939 surge o primeiro Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União que incorporou o Plano de Cargos e Carreira da Lei 284/36. A partir de então, passaram a coexistir dois regimes de trabalho: Extranumerários (contratados) e Estatutários. (...) O segundo Estatuto foi promulgado em 1952, abrindo a possibilidade de um Plano de Cargos e Carreira, que só foi sancionado no Governo Juscelino, em 1960. No regime militar foram adotadas medidas no sentido de ajustar a Administração Pública aos interesses dominantes, decorrendo daí dois novos regimes: CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e Estatuto dos Servidores Públicos. Como fruto das lutas sindicais, fortalecidas pela conquista do direito de sindicalização na Constituição Federal de 1988, no ano de 1990, foi instituído o Regime Jurídico Único, através da Lei 8.112, de 12 de dezembro, estabelecendo direitos comuns aos servidores públicos civis da União, autarquias e fundações.” Colhe-se da lição que a profissionalização do exercício de funções públicas no Estado Brasileiro é relativamente recente e foi ditada pela necessidade de formação de quadros próprios aptos a gerenciar a máquina pública com eficiência, desapegados de eventuais interesses particulares de pessoas ou grupos políticos ou econômicos na condução dos negócios de Estado. Foi no Governo Vargas chamado Estado Novo que foram implementadas três diretrizes básicas para o serviço público do que se chamavam os servidores estatutários: a) critérios profissionais para o ingresso no serviço público (concurso); b) desenvolvimento de carreiras e 17 Previdência Social, um direito conquistado, obra já citada, fls. 120/121. 47 c) regras de promoção baseadas no mérito, sendo criado um órgão, o Departamento de Administração do Serviço Público (DASP) encarregado de implementar essas diretrizes, superviosionar a Administração Pública e formar os recursos humanos para os altos escalões do serviço público, buscando, assim, a eficiência e racionalidade no serviço público, pretendendo que o recrutamento do funcionalismo fosse baseado na capacidade técnica e no mérito, substituindo a lógica da filiação partidária ou indicação política, sobrepondo à ilógica do interesse a lógica da formação profissional. Portanto, a criação de quadros profissionalizados no serviço público se deu no interesse do próprio Estado, que pretendia afastar aqueles que lhes prestavam serviço da insegurança das conveniências políticas, onde o interesse predominante nunca era (ou o era apenas tangencialmente) da nação. É, portanto, dentro dessa visão, que o servidor público deveria prestar seus serviços apenas ao Estado, que surgiu o conceito de aposentadoria paga pelo Tesouro, como direito do servidor e reconhecimento do Estado à sua dedicação exclusiva ao serviço público. Portanto, ao contrário do hoje afirmado senso comum, a aposentadoria do servidor público não tinha, como ainda não tem, qualquer tipo de paternalismo, mas sim distinções próprias de suas funções e finalidades, que implicava no reconhecimento destas especificidades no tocante ao regime previdenciário. Desta forma, os direitos previdenciários dos servidores públicos, ao terem suas aposentadorias custeadas pelo Tesouro, tinham por objetivo assegurar competitividade, atratividade e retenção de pessoal qualificado para garantir um Estado capaz de garantir funcionalidade aos serviços públicos, superando o amadorismo e o clientelismo até então reinante no serviço público. Por outro lado, a partir de 1938 o servidor público passou a contribuir com uma parcela de seus vencimentos para o custeio de determinados benefícios. Com efeito, por meio do Decreto-lei nº 288, foi criado o IPASE – Instituto de Previdência e Assistência Social dos Servidores do Estado, uma autarquia encarregada de gerir os recursos oriundos das contribuições dos servidores e da União, destinadas ao custeio de diversos benefícios, como pensão vitalícia (para o cônjuge) e temporária (para os filhos), pecúlio, seguro de renda e seguro de morte. Ficava assim delineado o seguinte quadro: as aposentadorias dos servidores públicos federais seriam custeadas por recursos oriundos do orçamento da União, enquanto que as pensões e outros benefícios seriam custeadas pelas contribuições dos servidores e geridas pelo IPASE18 . O IPASE teve regular funcionamento até 1977, quando foi incorporado ao SINPAS, mas quando de sua incorporação não foi efetuado nenhum levantamento de todo seu patrimônio e nem estimativa de capitalização de seus eventuais superávits. As reservas do IPASE simplesmente foram incorporadas pela União e utilizadas para gastos correntes do orçamento fiscal. Posteriormente, ocorreu a incorporação, por força de determinação constitucional (Constituição Federal de 1988) dos antigos servidores celetistas ao Regime Jurídico Único por força da Lei 8.112/90 e a Lei nº 8.688/93 estabeleceu que a contribuição social dos servidores civis da União, destinadas ao custeio das aposentadorias e pensões seria em percentuais (segundo a 18 Esse modelo ainda é seguido por muitos entes políticos da federação, onde os institutos de previdência dos Estados e municípios apenas se responsabilizam pelas pensões, enquanto as aposentadorias são custeadas pelos cofres públicos, muitas vezes com pequena ou nenhuma contrapartida do servidor. 50 Portanto, chega-se a conclusão de que a necessidade das reformas no tocante ao servidor público (fim da aposentadoria e pensão integral, como ponto principal) não estão em discussão as questões relativas ao custo financeiro, mas sim questões como o tipo de Estado que desejamos. Mas é importante que se tenha presente que o aumento do número de aposentados e pensionistas, bem como a redução do montante de contribuição em seus valores relativos em relação ao montante de benefícios pagos não teve qualquer participação dos servidores públicos. Com efeito, veja-se o que consta no já mencionado “Livro Branco da Previdência Socia20 ”. “No passado, a aposentadoria importava para o servidor uma promoção, de modo que até mesmo a remuneração bruta era aumentada. Muitos servidores que se aposentaram logo após a instituição do Regime Jurídico Único, definido pela Constituição Federal de 1988, eram empregados públicos, portanto, contribuintes do RGPS, com contribuição limitada ao teto de benefícios daquele Regime. Poucos contribuíram para o regime de previdência que o aposentou, mesmo considerando- se a contribuição financeira do INSS como esse regime.” Chegamos a seguinte conclusão: um grande número de servidores da União eram contratados pelo regime da CLT (havendo estimativas que aproximadamente 80% eram contratados por tal regime) e passaram ao RPPS por determinação constitucional e legal (a Lei 8.112/90), sem que os servidores tivessem qualquer responsabilidade por isso. Ainda, a Constituição Federal de 1988 determinou que aqueles que estivessem prestando serviço à Administração Pública, como empregados, sem terem efetuado concurso, eram efetivados no cargo que estivessem ocupando. Desta forma, ingressaram nos quadros de servidores públicos estatutários um enorme contingente de pessoas que não foram contratados na forma prevista pela lei (concurso público), e que posteriormente, em decorrência do RJU, passaram a se tornar elegíveis para a obtenção de benefícios previdenciários como servidores públicos. Isso ocasionou, sem dúvida alguma, um enorme aumento do número de funcionários públicos e, conseqüentemente, implicou a curto e médio prazo, no aumento de benefícios previdenciários (pensões e aposentadorias) suportados pelo RPPS. Por outro lado, por conta da visão política implementada a partir de 1989, com a eleição de Fernando Collor, o padrão de contratação no serviço público foi a terceirização, com a conseqüente a fragilização dos direitos dos servidores públicos. Desta forma, verificou-se a diminuição do número de servidores públicos, seja em decorrente da não contratação de novos servidores, seja através da diminuição do número de servidores em atividade devido à aposentadorias, exonerações e falecimento, como também por conta de uma política de pessoal de arrocho salarial, não corrigindo- se as perdas salariais. Isso significou que o número de servidores contribuindo para a Previdência Social diminuiu, aumentando o número de servidores inativos e pensionistas, bem como com a diminuição de seus vencimentos/remunerações, em decorrência de uma política de arrocho salarial, ocasionou uma menor contribuição para o RPPS. Portanto, o propalado déficit do RPPS também decorre de uma série de políticas governa- mentais equivocadas de desestímulo ao serviço público, como a diminuição do número de servidores, a não reposição do nível remuneratório vigente quando da contratação, decorrentes da praticamente inexistência de aumentos aos servidores públicos (com exceção de determinadas carreiras), o 20 P. 103 51 aproveitamento no quadro de servidores públicos de contratados via CLT e que passaram a estatutários, a efetivação indiscriminada ocorrida pela CF de 1988, entre outros fatores. Por fim, deve ser dito que também, por conta de revisão de equívocos históricos ou pagamento de dívidas políticas, também ocorreu um aumento do número de aposentados e pensionistas, sem qualquer contribuição anterior21 , concedendo-se benefícios previdenciários, suportados pelos cofres da União, para uma extensa gama de pessoas que de alguma forma deveriam ter o reconhecimento da nação, como os “soldados da borracha”, os ex-combatentes da For;a Expedicionária Brasileira que lutaram na 2a. Guerra Mundial (os pracinhas da FEB) e os perseguidos ou presos políticos do Regime Militar de 1964, que foram anistiados, com a anulação dos atos exoneratórios do serviço público dos que eram servidores públicos na época e que, portanto, puderam se aposentar pelo RPPS, com os cofres públicos arcando com tais benefícios. O FUTURO DO REGIME PÚBLICO DA PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES A partir do avanço da mundialização financeira, os Estados nacionais terminaram por se adequar ao novo papel que os entes públicos deveriam passar a ocupar no cenário político, institucional e econômico, que é cada vez mais periférico, ausente das grandes formulações de desenvolvimento, substituídos que foram nessas atividades por organismos multilaterais como Banco Mundial, FMI, União Européia, ALCA, etc. Na esteira de tais formulações, está a idéia de menor intervenção dos Estados na economia, o que pressupõe uma desestatização crescente e praticamente ilimitada. É nesse sentido que a criação de “agências reguladoras” busca, através de órgãos colegiados (onde o Poder Executivo sofre uma série de amarras e condicionantes) minimizar o desenvolvimento de políticas públicas, uma maior desestatização no desenvolvimento de atividades que até então ficavam condicionadas apenas aos interesses e programas políticos que se colocavam a escolha dos eleitores nas urnas. Essa redução do papel do Estado via agências deve ser complementada por outra série de políticas, como o desenvolvimento de atividades públicas por terceiros (sejam elas econômicas, culturais, assistenciais, etc) como naquelas atividades que o Estado ainda formalmente continua desenvolvendo atividades há uma busca maior para que o exercício de tais atividades sejam efetuadas com escassa mão-de-obra de funcionários públicos, através da tercei- rização, buscando com isso a redução do número de servidores públicos22 . Nesse sentido que foram introduzidas uma série de diplomas legislativos, inclusive em nível constitucional, buscando a alteração do perfil do funcionalismo público, visando a redução do número de funcionários sujeitos ao Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos. Assim, a Lei 9.717/98 de 27/11/98 estabeleceu normas sobre a organização e o funciona- mento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos municípios, bem como dos militares dos Estados e do Distrito Federal (os militares federais estão fora de tal legislação, por conta da Emenda Constitucional nº 18). Segue- se a Emenda Constitucional nº 19, conhecida como Reforma Administrativa. Posteriormente, a 21 Essa observação não significa uma crítica ao reconhecimento de direitos efetuada, mas sim uma constatação fática, até porque concordo com o tratamento dado aos anistiados políticos. 22 É sintoma dessa tendência as projeções do “Livro Branco”, que indica para o ano de 2049 menos de 100.000 servidores públicos federais, como pode ser visto na página 142. 52 Emenda Constitucional nº 20 modificou o sistema de previdência social e estabeleceu normas de transição e culminou com a Lei Complementar nº 101, chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabeleceu limites para os gastos com remuneração de funcionários públicos (sejam ativos ou inativos). O professor Francisco Queirós assim se refere sobre a Reforma Administrativa: “Dentro do vasto elenco de normas alteradas, poder-se-ia destacar pelo relevo que têm: A atenuação da estabilidade (...) A quebra dos regimes jurídicos uniformes, para cada pessoa política. A fixação da proporcionalidade em relação à remuneração da disponibilidade. A fixação de teto mais preciso para a remuneração dos Agentes Públicos, com a criação do regime de subsídio. O estabelecimento de regras mais rigorosas em relação aos limites de comprometimento de receita dos entes públicos com despesas de pessoal. O desaparecimento de permissivo de vinculações de remunerações, além das contempladas na própria Constituição. A previsão de adequação de quaisquer excessos de remunerações ou de proventos aos limites da emenda.” 23 A Emenda Constitucional nº 20 estabeleceu que o regime previdenciário dos servidores públicos será de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio atuarial, buscando romper o paradigma que as despesas com a inativação é despesa do Tesouro. Buscou-se, assim, desestimular tanto a contratação dos servidores públicos como a manutenção de servidores efetivamente prestando um serviço público. No entanto, toda reforma tem o seu preço e esse preço pago atualmente é encontrarmos um serviço público defasado tanto em seu aspecto quantitativo como qualitativo no ponto de vista de recursos humanos, como ocasionou um aumento do número de servidores na inatividade, pois antes obter um benefício, por mínimo que seja, do que correr riscos de, no futuro, não ter benefício algum, o que ocasionou, por exemplo, o completo sucateamento das universidades e hospitais públicos, ante o grande número de inativação. Mas ainda que identificado tal fenômeno, o que se observa é uma redução do número de aposentadorias concedidas, pois se no ano de 1991 tivemos 46.196 aposentadorias concedidas (muitas aos ex-celetistas), verificou-se uma redução ano a ano (em 1993 foram 14.153 aposen- tadorias), que aumentou para 33.848 em 1995 (ocasionada, principalmente, pela assunção de um novo governo, com a promessa de “reformar” o Estado, isto é, reduzir os benefícios dos funcionários) sendo que no ano de 1999, em virtude das novas regras, tivemos apenas 8.786 aposentadorias e a média de aposentadorias nos anos seguintes ficou bem abaixo desse patamar. Verifica-se que se tínhamos 700.000 funcionários públicos federais em atividade em 1988, em 2002 esse número apontava para 459.000 servidores, uma redução de 35% em doze anos. De outro banda, é evidente que o número de aposentados aumentou, sendo que hoje há praticamente um aposentado para cada servidor em atividade. Mas (o que parece contraditório) em relação ao PIB constata-se uma redução no tocante à dispêndio com pessoal, inclusive inativos, pois se em 1995 se gastava 5,68 do PIB, em 2002 a previsão é de 5,55% do PIB (aí incluídas as despesas com militares). Assim, a tendência da despesa do RPPS é manter-se por algum tempo constante em relação ao PIB, mas declinante do total geral do orçamento da União, sendo que a longo prazo haverá uma 23 Considerações sobre o novo regime previdenciário dos servidores públicos (pós E. C. nº 20/98), Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti. 55 No entanto, como se afigura difícil a realização de tal reunião (que, em mais de quatro anos, nunca existiu ou se chegou a um consenso sobre o valor), é necessário que exista a vontade política para se chegar a tal fixação que tem o mérito, acima de tudo, de ser moralizadora do serviço público. SITUAÇÃO DOS MILITARES FEDERAIS O Poder Executivo pretende uma equalização melhor do plano de previdência dos militares, embora reconheça que (como o fizeram todos os países latino-americanos que reformaram suas previdências, com exceção da Bolívia) os militares possuem especificidades que implica que terá necessariamente a participação de recursos fiscais no regime de previdência dos militares. Isso implica que embora na atualidade o propalado “déficit”do Tesouro Nacional tenha um grande componente da necessidade de aporte de recursos para o pagamento das aposentadorias e pensões dos militares, isso é um reconhecimento que os militares exercem funções típicas de carreiras de Estado. ALTERAÇÃO DO LIMITE DE IDADE PARA APOSENTADORIA DAS MULHERES Na atualidade, as mulheres se aposentam com cinco anos menos de contribuição e com uma exigência de idade mínima inferior em cinco anos à dos servidores homens. É proposto que sejam igualados os tempos de contribuição/idade para homens e mulheres. Na realidade, o tratamento dedicado às mulheres nada mais é do que o reconhecimento de uma discriminação positiva, pois estudos desenvolvidos comprovam que as mulheres necessitam de mais anos de estudo (em média, cinco anos) do que os homens para se inserirem no mercado de trabalho, além do quê se integram ao mercado de trabalho bem mais tarde do que os homens e ocupam, via de regra, cargos subalternos na hierarquia. O tratamento dedicado às mulheres se justificam pelo fato de estarem elas sujeitas a uma tripla jornada de trabalho, e é fator de reconhecimento social de sua especificidade, sendo indicado que continue a diferenciação ou que se criem outras regras de reconhecimento da mulher enquanto trabalhadora, capaz de distingui-la do homem. O PROVENTO DE APOSENTADORIA SERÁ CALCULADO PELO SEU VALOR LÍQUIDO, DESCONTADA A CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA Na realidade, é uma forma disfarçada de exigir, mais uma vez, a contribuição previdenciária do servidor aposentado. A contribuição do aposentado de contribuição previdenciária já foi rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal, haja vista que ele já contribuiu, quando em atividade, para a sua aposentadoria. A lição é antiga e vem relembrada por Wagner Balera24 , como segue: “Muitos servidores públicos honraram o contrato por trinta e cinco anos ou mais e é de justiça que percebam, a seu tempo, a contraprestação que, de iure próprio, lhes é devida. Seria incompatível com a certeza e segurança jurídicas que o Estado, no momento em que deve contraprestar a sua parte, crie cláusula adicional impositiva de nova exigência que nunca figurou no contrato. O aposentado e o pensionista não se enquadram no conceito constitucional de trabalhadores. Nem mesmo uma emenda constitucional pode modificar a natureza das coisas. 24 Wagner Balera, “Contribuição do inativo”, Jornal do 16º Congresso Brasileiro de Previdência Social, 24/25 de março de 2003, p. 28. 56 Recordemos, para finalizar, esta enumeração parcial de argumentos, a conhecida lição de nosso tribuno maior: “O cidadão, que a lei aposentou, jubilou ou reformou, assim como o a que ela conferiu uma pensão, não recebe esse benefício, a paga de serviços que esteja prestando, mas a retribuição de serviços que já prestou, e cujas contas se liquidaram e encerraram com um saldo a seu favor, saldo reconhecido pelo Estado com a estipulação legal de lho amortizar mediante uma renda vitalícia, na pensão, na reforma, na jubilação, ou na aposentadoria. O aposentado, o jubilado, o pensionista do Tesouro são credores da Nação, por títulos definitivos, perenes e irretratáveis. Sob um regime, que afiança os direitos adquiridos, santifica os contratos, submete ao cânon da sua inviolabilidade o Poder Público, e, em garantia deles, adstringe as leis à norma tutelar da irretroatividade, não há consideração de natureza alguma, juridicamente aceitável, moralmente honesta, socialmente digna, logicamente sensata, pela qual se possa autorizar o Estado a não honrar a dívida, que com esses credores contraiu, obrigações para com eles firmou”. (Rui Barbosa, Obras Seletas – X – Trabalhos Jurídicos, p. 10 e segs. ). Força concluir: é incompatível com o regime constitucional da seguridade social a instituição de contribuição incidente sobre proventos pagos a aposentados ou pensionistas do serviço público. Portanto, a proposta de pagar o aposentado pelo líquido é inconstitucional, já tendo sido rejeitada várias vezes pelos Tribunais pátrios propostas com idênticos propósitos, como a unânime doutrina se inclina no mesmo sentido, como podemos ver na lição de Dallari25 , que segue: “Segundo entendo, nem mesmo por via de emenda constitucional o direito do servidor à aposentadoria com vencimentos integrais poderá ser reduzido ou eliminado. Nos termos do artigo 60, parágrafo 4o , inciso IV, a Constituição proíbe a deliberação sobre proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. O direito à aposentadoria com vencimentos integrais, previsto na Constituição e que o servidor adquire ao ingressar no serviço público, é direito individual que se incorpora ao seu patrimônio. Assim, pois, nem através de emenda constitucional ele poderá ser abolido, o que reforça a conclusão de que é inconstitucional a lei complementar ou ordinária que pretenda aboli-lo.” Ademais, essa proposta também implica em ferir o contido na Lei 9.717/98, que determina que o empregador contribua com uma porção equivalente a duas vezes ao recolhido pelo servidor, pois, dessa forma, haverá a retenção sem o correspondente pagamento da quota parte que o empregador é, por lei, obrigado a recolher. REDUÇÃO DO VALOR DAS PENSÕES PARA 70% DO BENEFÍCIO A idéia é que, com o falecimento do instituidor da pensão, haverá menos dispêndios na manutenção do núcleo familiar, pela saída de um membro. Na realidade essa proposta tem em conta a realidade de outros países, como a França, onde a pensão é calculada em um percentual médio de 75% do valor que percebia o servidor em atividade. No entanto, essa não é a realidade em nosso país onde os serviços públicos de saúde e assistência são cada vez mais precários e onde não se pode deixar o núcleo familiar ao desabrigo ou ao desamparo, diminuindo o padrão de vida que ostentavam quando o servidor era vivo. 25 Dalmo Dallari, artigo “Previdência e Dignidade Humana”, no livro Previdência e Imprevidência?/ AJURIS; org. de Maria Isabel Pereira da Costa. – Porto Alegre: AJURIS, 2001, p. 21. 57 A FIXAÇÃO DO QUE SEJAM CARREIRAS TÍPICAS DE ESTADO Ao longo das discussões travadas sobre a Reforma da Previdência, em momento algum foi proposta pelo Poder Executivo a definição do que sejam carreiras típicas de Estado, o que é indispensável para qualquer debate, num país como o Brasil, para que se tenha um norte, uma visão de que tipo de país está se construindo para o futuro. O atual governo não dá nenhum indicativo do que considera carreiras indispensáveis para a existência de um projeto e existência de nação. Essa discussão é indispensável e necessária, pois é a partir dessa conceituação que poderemos desenvolver uma ampla discussão sobre quais os rumos do Brasil. Portanto, concluo que o grande defeito que possui a atual discussão sobre a Reforma da Previdência é que a primeira questão, o conceito básico sobre o qual deveria se pautar o debate é quais as carreiras que devem ser mantidas como prioritárias pelo Estado, como, aliás, fez a Argentina em deixar, quando da Reforma da Previdência que por lá houve, os militares e os magistrados de fora do regime geral, vinculando-os a um regime próprio. Penso que carreiras ligadas à segurança tanto pública como institucional devem ser tidas como carreiras típicas de Estado, devendo ser submetidas a um regime próprio e diferenciado de previdência. Assim, os policiais (civis e militares) os militares da União, a magistratura e Ministério Público, a advocacia pública, as atividades que envolvam a fiscalização de tributos e pessoas e aplicação de recursos (fiscais da Receita Federal, INSS, do Ministério do Trabalho) e a diplomacia, entre outras, pelo seu caráter de indispensabilidade para qualquer nação, devam receber especial proteção, não se justificando qualquer críticas que a eles se façam como privilegiados, já que suas atividades somente podem ser desenvolvidas no Estado e para o Estado, não havendo similar na atividade privada. A PREVIDÊNCIA DOS MAGISTRADOS Em primeiro lugar, é importante que se traga a lume uma importante e primordial questão. Os magistrados gozam das garantias da inamovibilidade, da irredutibilidade de vencimentos e da vitaliciedade como garantias do cidadão, e não como privilégios. Foi com a primeira Constituição Republicana que ficaram plasmadas tais garantias, como necessárias para que, num país cuja consciência republicana ainda era tênue, os juízes fossem efetivamente independentes, já que, no Estado Democrático de Direito, cumpre ao Poder Judiciário a importante e indeclinável missão de proteção e garantia dos direitos fundamentais previstos na Lei Fundamental, sejam eles considerados em quaisquer dimensões (individual, coletiva, econômica ou social). Ao Poder Judiciário foi atribuída a árdua tarefa de solucionar os conflitos, podendo inclusive apreciar e julgar atos dos demais poderes da República. Assim, as garantias constitucionais dos magistrados, tal como plasmadas no art. 95 da Constituição Federal, foram consideradas fundamentais e necessárias para a independência funcional e institucional da magistratura. De outro lado, contrapondo tais garantias, são impostas aos magistrados severas restrições aos magistrados, num amplo elenco de proibições, tudo com a finalidade de resguardá-los de pressões externas. Assim, o juiz não pode exercer outra atividade remunerada, salvo uma função de professor, 60 Como se pode ver, há no ano de 2002 uma relação de mais de seis servidores em atividade para cada um na inatividade. Isso permite que se faça uma afirmação sem qualquer risco de imprecisão, que é que a Justiça Federal é superavitária, pois o número de servidores em atividade superam em muito a relação que se pode chamar de ótima para a manutenção, num regime de repartição, dos servidores inativos e pensionistas. Com relação aos magistrados federais essa relação é ainda mais favorável. De um total de 1098 magistrados federais de 1º Grau (dados de janeiro de 2003, obtidos junto ao Conselho da Justiça Federal e englobando as cinco regiões), temos um total de apenas 130 aposentados . Essa relação de mais de sete magistrados em atividade para cada aposentado revela, do ponto de vista atuarial, que os magistrados federais, no que tange às aposentadorias e pensões, não geram qualquer déficit ao Tesouro, ao contrário, geram um grande resultado financeiro e econômico. Outro dado que deve ser analisado, do ponto de vista unicamente atuarial (e que, como se denota de todo o exposto anteriormente, é absolutamente equivocado quando se trata da magis- tratura), os magistrados federais ingressam na carreira ainda muito jovens, e que contribuirão por muitos anos para a Previdência Social antes de se tornarem elegíveis para qualquer tipo de benefício. Com efeito, a idade média da magistratura federal de primeiro grau é de 34 anos de idade, o que indica que o ingresso na magistratura é com baixa idade e que os magistrados, de maneira geral, continuarão contribuindo por muito tempo antes de se tornarem aptos ao gozo do benefício da aposentadoria. Por último e não menos importante, é que a Justiça Federal, face a sua relevância e impor- tância no cenário nacional, bem como tendo em vista os bons resultados até hoje colhidos do ponto de vista da eficiência e segurança na prestação jurisdicional, está em constante expansão, o que per- mite inferir que haverá cada vez mais ingresso de jovens magistrados, que contribuirão por muito tempo para o Plano de Seguridade Social antes da inativação (lembremos, a idade mínima para aposentadoria é 55/60 anos), com o que, o equilíbrio financeiro e atuarial de um regime próprio da magistratura federal, ainda que adotada uma capitalização apenas da categoria profissional, adicionada dos valores já vertidos para a União e acrescentada a contribuição obrigatória da União (2X1, nos termos da Lei 9.717/98) produzirá constantes superávits, tanto hoje como no futuro. Logo, não há razão alguma, salvo razões ideológicas ou preconceito puro, para pretender- se uma alteração no atual regime de aposentadorias e pensões dos magistrados federais. INATIVOS INCLUÍDOS NA FOLHA UNIDADES SERVIDORES JUÍZES TOTAL TRF 1ª REGIÃO 65 10 75 TRF 2ª REGIÃO 78 8 86 TRF 3ª REGIÃO 151 16 167 TRF 4ª REGIÃO 91 17 108 TRF 5ª REGIÃO Total 1ª a 4ª 385 51 436 SOF 1ª REGIÃO 762 47 809 SOF 2ª REGIÃO 525 10 535 SOF 3ª REGIÃO 431 37 468 SOF 4ª REGIÃO 281 15 296 SOF 5ª REGIÃO Total 1ª a 4ª 1.999 109 2.108 TOTAL GERAL 2.384 160 2.544 61 Anotações Im pr es sã o: G rá fic a S an ta C la ra ( 61 ) 34 4- 13 11 gr af ic a@ st cl ar a. co m .b r NpÓjSio ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL SRTVS - Quadra 701 - Bloco H - Ed, Record - 4º Andar - Tel.: (61) 321-8482 - Fax: (61) 224-7361 Brasília-DF - CEP 70.340-910 - www.ajufe.org.br
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved