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Análise da Natureza Jurídica dos Direitos Autorais e suas Aplicações na Internet, Notas de estudo de Direitos Autorais

Este documento analisa a natureza jurídica dos direitos autorais e sua integração no sistema de direito civil, com foco em obras disponíveis na internet. Fornece uma análise dos direitos morais e patrimoniais do autor, e critica o sistema legal latino em comparação com o alemão em relação à cessão total de obras protegidas por direitos autorais. Além disso, aborda as limitações aos direitos autorais e a teoria do fair use.

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 22/09/2010

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Baixe Análise da Natureza Jurídica dos Direitos Autorais e suas Aplicações na Internet e outras Notas de estudo em PDF para Direitos Autorais, somente na Docsity! DIREITOS AUTORAIS NA INTERNET E O USO DE OBRAS ALHEIAS Para meus pais, Sérgio e Luci, que me deram sempre a liberdade de escolher o caminho a trilhar sem o ônus de percorrê-lo sozinho. Agradecimentos Tanto há a agradecer, tantos foram aqueles que de alguma forma contribuíram para que este trabalho fosse concluído. Inicialmente, agradeço à generosidade da Professora Dra. Maria Celina Bodin de Moraes em aceitar meu convite para orientar-me nesta dissertação, em meio a todas as tarefas que desempenha em suas atividades cotidianas. Aos professores do Mestrado em Direito Civil da UERJ, Drs. Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Gomes Barboza, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Alexandre Ferreira de Assumpção Alves, Luís Roberto Barroso e Bethânia Assy, pela dedicação e exemplo. Aos meus colegas da turma de Mestrado, em especial à Maria Theresa Werneck Mello, grande amiga e compa- nheira de todas as disciplinas, além de conselheira para assuntos aleatórios. Preciso agradecer particularmente ao carinho e à ami- zade dos professores Teresa Negreiros, Bruno Lewicki, Carlos Nélson Konder, Gisela Sampaio, Ronaldo Lemos, Carlos Affonso Pereira de Souza, Bruno Magrani, Pedro de Paranaguá Moniz, Pablo de Camargo Cerdeira e Marcelo Thompson Mello Guimarães, por terem me auxiliado e orientado, alguns antes mesmo das provas de ingresso no Mestrado, bem como na escolha e condução das matérias durante o curso e, sobretudo, no desenvolvimento desta dissertação. Aos meus colegas e amigos no ITI – Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, Bruno Sátiro Palmeira Ramos e Renata Cedraz Ramos Felzemburg, pelos debates diários e opiniões valiosas. Sumário xi da web 2.0, como exemplos claros de tal fenômeno. Tudo aponta para a necessidade de se repensar e se adaptar o arcabouço lógico-dogmá- tico a este novo mundo. Como fazê-lo é então a terceira parte do pro- blema enfrentado por Sérgio. São três as opções aqui analisadas, duas com menos extensão, uma mais profundamente. A primeira opção para adaptar o arcabouço legal à nova realidade tecnológica foca a interpretação judicial, o cami- nho norte-americano, onde através do topos “fair use” o legislativo cria um sistema normativo aberto a ser completado pelo caso concreto, baseado na interpretação discricionária do juiz. Esta opção tem múlti- plas dificuldades. Além de não ser intensivo da cultura jurídica brasi- leira, embora possa vir a se tornar, é fragmentário e difuso, criando uma multiplicidade de caminhos e não-caminhos os quais dificilmente redundariam em padrões jurídicos consolidados no timing necessário pela volátil e sempre mutante vida social de hoje. A segunda opção seria a elaboração de nova legislação. Sur- preendentemente, os próprios Estados Unidos tendem agora a preferir novas leis em detrimento do caminho da jurisprudência para o equacio- namento de conflitos. É, por exemplo, o que se depreende da reforma do currículo da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, quando expressamente a Professora Martha Minow afirmou que regu- lações e leis na maioria das vezes têm um papel mais importante na criação e elaboração do direito do que as decisões das cortes (Harvard Law Today, Harvard Law School, December 2006, Cambridge, p. 5). As dificuldades de se criar uma nova legislação são enormes. Toda mudança gera oposição. A principal delas é a oposição dos interesses econômicos estabelecidos e protegidos pela atual legislação. Interesses econômicos fortes, e que, em vez de convergir para novos modelos de negócios mais competitivos sob novas leis, preferem mumificar modelos de negócios não mais competitivos, como no caso da indústria fonográ- fica, às custas de campanhas publicitárias intimidadoras, propagação da desinformação e repressão policial. Desenvolvem uma estratégia do medo com base em ações judiciais (A indústria fonográfica e o marke- ting do medo, Joaquim Falcão, Correio Braziliense, 19.10.2006). Nos EUA, chama-se tal ação de propagação de FUD – fear, uncer- tainty and doubt – medo, incerteza e dúvida. Em vez de sentarem-se à mesa e pensar o futuro do direito autoral, com outros parceiros e novos atores políticos, preferem a solidão, numa oração monocórdica em lou- vor de um passado que não mais voltará. Parecem se esquecer de que, em suas origens, a proteção do direito autoral era apenas acessório Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias xv para a comercialização de aparelhos para a execução de discos, mos- trando-se viável em economia de escala somente décadas depois. Steve Jobs soube ocupar os espaços nesse admirável mundo novo e com certeza não encontrou as criaturas monstruosas narradas nas campanhas antipirataria que circulam por todo o globo. E será possível, nos dias de hoje, sob uma Constituição democrá- tica, decididamente a favor do desenvolvimento tecnológico, do acesso à cultura, da mais ampla liberdade de expressão, e da inclusão social, defender uma lei de direito autoral que dificulta o acesso à cultura, o acesso à educação, o desenvolvimento tecnológico, a liberdade de expressão e a inclusão? Quais valores estão invertidos, e por quem? Será que somos tão pobres em invenção jurídico-institucional que não somos capazes de imaginar novas compensações ao direito auto- ral sem que tenhamos de pagar o preço de processar o aluno que tirou fotocópias de um livro para estudar; livro cujo preço calculado em padrões internacionais é inacessível a eles? Será possível que não podemos conciliar um novo arcabouço lógico-dogmático com um direi- to autoral mais democrático? A terceira opção então explorada por Sérgio Branco tenta reconci- liar um direito de propriedade clássico, através da liberdade que têm as partes contratantes na formulação de seus direitos e obrigações, com objetivos sociais além daqueles diretamente ligados aos contraen- tes. Sérgio enfatiza então os contratos de licença, em especial os conhecidos como Creative Commons – contratos atípicos extremamen- te úteis para harmonizar um direito autoral ainda centrado no indivíduo com a difusão social de sua criação, sem a qual civilização não há. Sérgio utiliza a internet para propor uma reimaginação do direito autoral que, seja através da jurisprudência, seja através de nova legis- lação, seja através de contratos de licenciamento, atenda aos novos anseios da sociedade. Este é o tema, e possível solução do problema, deste livro. Sérgio Vieira Branco Júnior xvi Introdução Quando chegam à China, os estrangeiros logo pensam em escrever grandes tratados. Chegam cheios de idéias. No final de um ano, já não conse- guem escrever mais que umas poucas linhas. A reali- dade é muito mais complexa do que parece. Bernardo Carvalho Mongólia Um jovem insere, em seu próprio website, foto publicada, naquele mesmo dia, em endereço eletrônico de periódico de grande circulação nacional. Uma aluna universitária digitaliza, na íntegra, livro técnico com edição esgotada, para estudar em casa e o encaminha a uma amiga por e-mail. Finalmente, alguém copia para seu computador, por meio de download, exclusivamente com o intuito de assisti-lo em casa, filme que não existe disponível em nenhuma locadora de vídeos de seu país. Diante dos termos estritos da lei brasileira de direitos autorais, não resta dúvida: todas as condutas acima descritas potencialmente violam direitos autorais alheios. A lei brasileira de direitos autorais, Lei 9.610/98 (doravante designada LDA), é tida pelos especialistas no assunto como uma das mais restritivas de todo o mundo e mesmo con- dutas que se afiguram corriqueiras no mundo contemporâneo são, a rigor, contrárias à lei. Na verdade, todo o sistema de proteção dos direitos autorais se funda na defesa do autor e na não utilização de sua obra, exceto mediante expressa autorização legal ou com seu consentimento.1 O fundamento principal é a importância de fornecer ao autor mecanismos de proteção à sua obra de modo a permitir que seja o autor devidamen- 1 1 O Brasil se filia ao sistema continental de direitos autorais. Este se diferencia do sistema anglo-americano do direito autoral porque “[o] common law manteve-se dentro da visão dos privilégios de impressão; não foi basicamente afectado pela Revolução Francesa. Isso conduziu a uma certa materialização do direito de autor. A base do direito era a obra copiável; a faculdade paradigmática era a da reprodução (copyright). O copyright assen- ta assim principalmente na realização de cópias, de maneira que a utilidade económica da cópia passa a ser mais relevante que a criatividade da obra a ser copiada”. ASCEN- SÃO, José de Oliveira. Direito do Autor e Desenvolvimento Tecnológico: Controvérsias e Estratégias. Revista de Direito Autoral – Ano I – Número I, agosto de 2004. Rio de Janeiro: Lumen Juris. por parte de terceiros nem tampouco desestímulo ao desenvolvimen- to social.10 Muito pelo contrário. O que se verifica é a possibilidade de difusão da cultura, do acesso ao conhecimento, do aumento da produção intelec- tual e até a divulgação das obras de terceiros, podendo haver mesmo um incremento em suas vendas, e necessariamente não uma diminuição. É lógico que todas essas questões devem ser (serão) tratadas com extremo cuidado, analisando casuisticamente as situações apresenta- das, diante das peculiaridades abrangidas pelo tema. Além do problema legal in abstracto, muito importante também é a reflexão sobre a adequação dos mecanismos protetivos das obras protegidas por direitos autorais diante das novas tecnologias e as necessidades de se promover o desenvolvimento cultural, em um mundo irremediavelmente globalizado. Nesse sentido, assim se manifesta Manoel Joaquim Pereira dos Santos:11 O desenvolvimento das técnicas e meios de comunicação ao longo do século XX, sobretudo com o surgimento da tecnologia da informação e da Internet, trouxe alguns dos mais difíceis desafios para o Direito Autoral. O processo de reprodução da obra intelec- tual tornou-se extremamente fácil, rápido e eficiente, permitindo a geração de cópias que em nada se distinguem do chamado “origi- nal”. Além disso, a circulação das criações intelectuais pode ser feita atualmente a custo insignificante, sem limitação de fronteiras e praticamente sem barreiras técnicas. Por essa razão, afirmou-se que a tecnologia da informação e a Internet modificaram o núcleo central da proteção autoral, que teria deixado de ser o direito de reprodução e o direito de comuni- cação pública, para se converter no direito de utilização da obra. Muito se discutiu a permanência do Direito Autoral nesse novo ambiente, havendo até quem sugerisse que esse sistema de pro- teção não sobreviveria a todas essas dificuldades. Sérgio Vieira Branco Júnior 4 10 Sobre a importância da análise da função econômico-social da propriedade intelectual e do direito autoral em particular, discorreremos no item 2.1 abaixo. 11 SANTOS, Manoel J. Pereira dos. O Futuro do Uso Privado no Direito Autoral. Revista de Direito Autoral – Ano I – Número II, fevereiro de 2005. Rio de Janeiro: Lumen Juris. pp. 43-44. Diante da discrepância entre o disposto na LDA e as práticas de uso da internet, algumas reflexões são necessárias, o que fazemos em retrospecto aos argumentos até o momento apresentados: a) a LDA tem como um de seus princípios proteger a criação intelectual a fim de evitar a reprodução indevida de obras protegidas por direitos autorais. Como se sabe, o privilégio temporário12 que a LDA cria em favor do autor tem como um dos objetivos permitir que o autor se remunere a partir da exploração comercial de suas obras e possa financiar novas investidas intelectuais; b) o desenvolvimento da cultura se auto-alimenta, na medida em que os autores se valem do repositório cultural comum para efetivar suas criações particulares e, nessa medida, haveria uma verdadeira “dívida moral” dos autores com o resto da sociedade, já que foi a partir do legado social dispo- nível que ao autor foi permitido criar sua obra. Assim, quanto mais restrito for o acesso à cultura disponível (quanto mais rigorosa for a proteção às obras intelectuais), mais restrito será o âmbito de sua reutilização e, conseqüentemente, menor o desenvolvimento cultural; c) a tecnologia permite, como nunca antes fora possível, a repro- dução fiel de obras intelectuais, sobretudo literárias, fotográfi- cas e audiovisuais, sem que se possa, em muitos casos, iden- tificar o “original” e a “cópia”. Da mesma forma, a tecnologia e a internet permitem que, numa abrangência jamais imagina- da, a qualquer pessoa conectada à rede mundial de computa- dores seja possível criar uma obra intelectual original, protegí- vel por direitos autorais, a partir da criação de terceiros – que, como visto no item anterior, é a regra e não a exceção; d) muitas vezes, a utilização de obras de terceiros protegidas por direitos autorais não significa uma diminuição no patrimônio do autor nem caracteriza enriquecimento indevido por parte de terceiros ou lucros cessantes para o autor – pelo contrário, pode significar difusão da obra protegida e significar, em últi- ma análise, incremento nos proventos auferidos pelo autor; Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 5 12 ABRÃO, Eliane Y.. Direitos de Autor e Direitos Conexos. Cit., p. 145. e) embora a LDA preveja hipóteses em que os direitos autorais são limitados, tais situações não são suficientes para abarcar todas as condutas sociais em que o aproveitamento de obras alheias deve ser tolerado, sendo muitas delas já socialmente aceitas embora estejam, a rigor, ferindo o disposto na LDA; f) em razão dessa discrepância entre a LDA e as condutas sociais, faz-se necessário aprofundar o estudo de alternativas para tornar legítimo o uso de obras de terceiros na internet sem que haja violação de direitos autorais. Algumas alternativas se nos afiguram possíveis para acertar esse descompasso. Mesmo sendo a solução juridicamente mais segura, sabe-se, intuitivamente, que obter autorização dos titulares de direitos autorais para cada utilização da obra seria absurdo por impossível. Dessa forma, a primeira alternativa realmente passível de corrigir este descompasso seria por meio de reforma legislativa apta a abran- ger, de maneira positiva, as condutas socialmente aceitáveis como não violadoras de direitos autorais. No entanto, a concepção de novo texto legal envolve o estudo de políticas legislativas, a análise de experiên- cias estrangeiras, a contraposição de interesses os mais diversos pos- síveis e, portanto, seria pouco científica para os propósitos intentados com este trabalho. Além disso, seria medida que só a médio ou longo prazo supriria a necessidade premente de encontrarmos soluções prá- ticas para os problemas sob análise. Outra possibilidade seria, em exercício de hermenêutica, interpre- tar a lei atual de modo a acomodar, no bojo de seus próprios dispositi- vos legais, a permissão para que condutas que, numa interpretação literal, seriam contrárias à lei, estejam de acordo com princípios cons- titucionais hierarquicamente superiores à LDA e que, por isso, deve- riam ser observados. Assim, desta possibilidade trataremos brevemen- te no Capítulo 3. Finalmente, numa análise menos ambiciosa, pode-se tentar dis- correr sobre soluções que já hoje estão disponíveis em nosso ordena- mento jurídico, a partir da análise do contrato de direitos autorais, especialmente das licenças públicas. Assim é que esta dissertação será dividida em três partes, confor- me segue. No primeiro capítulo, tratar-se-á brevemente da nossa atual siste- mática legal dos direitos autorais e sua aplicação à internet. Após bre- víssimo panorama histórico e apresentação das bases constitucionais Sérgio Vieira Branco Júnior 6 Capítulo 1 A Lei Brasileira de Direitos Autorais e a Internet A literatura, como toda a arte, é uma confissão de que a vida não basta. Fernando Pessoa O estudo, ainda que breve, da história trilhada pelos direitos auto- rais desde os tempos remotos até os dias atuais é de suma importância para este trabalho. Não se trata – ainda que à primeira vista assim possa parecer – de curiosidade histórica nem do cumprimento de forma- lidade metodológica normalmente seguida em trabalhos acadêmicos. O sistema jurídico em que atualmente se ampara o direito autoral, não só no Brasil, mas em todo o mundo, foi erigido principalmente no fim do século XIX,1 tendo-se em vista sobretudo a proteção das obras escritas, quer fossem literárias, artísticas ou científicas. Entretanto, o século XX foi testemunha dos mais revolucionários avanços tecnológi- cos promovidos pelo ser humano. E é inevitável: “se analisarmos aten- tamente a história, verificaremos que sempre que ocorreram grandes e significativas transformações científicas e tecnológicas, estas, de certa forma, geraram efeitos, repercutindo nas relações sociais”.2 E, conse- qüentemente, podemos concluir, nas relações jurídicas. Esse sistema secular resistiu com poucas modificações às investi- das tecnológicas do século passado e encontra-se, atualmente, a pro- teger de maneira nem sempre adequada todo tipo de criação humana passível de acolhida pelos direitos autorais.3 9 1 “O direito da propriedade intelectual é um bom exemplo dessa relação entre a manuten- ção da dogmática jurídica e a transformação da realidade. Apesar do desenvolvimento tecnológico que fez surgir, por exemplo, a tecnologia digital e a internet, as principais instituições do direito de propriedade intelectual, forjadas no século XIX com base em uma realidade social completamente distinta da que hoje presenciamos, permanecem praticamente inalteradas”. LEMOS, Ronaldo. Direito, Tecnologia e Cultura. Rio de Janeiro: ed. FGV, 2005. p. 8. 2 LEITE, Eduardo Lycurgo. A História do Direito de Autor no Ocidente e os Tipos Móveis de Gutenberg. Revista de Direito Autoral, São Paulo, Ano I, n. II, fevereiro de 2005. p. 108. 3 Guilherme C. Carboni critica a lei brasileira de direitos autorais ao afirmar, com relação a ela, que “já nasceu defasada com relação à realidade tecnológica atual, pois tentou São precisas as palavras de Fernando Carbajo Cascón a respeito do tema:4 La legislación sobre propriedad intelectual se encuentra aún claramente imbuida de la tradición, en el sentido de que piensa preferentemente en la explotación comercial de una obra protegi- da mediante su publicación, entendiendo por tal la reproducción masiva de una obra en múltiples ejemplares (mayormente en forma de libro, folleto, periódico o revista) para su distribución entre el público mediante fórmulas negociales convencionales como son la compraventa o el alquiler, permitiendo su disfrute individualizado por cada miembro del público consumidor mediante la posesión permanente o temporal del suporte material donde aparece plasmada la obra. Sabe-se, entretanto, mesmo intuitivamente – ou seja, sem que se necessite de formação jurídica para tanto –, que as obras criadas no âmbito da internet, ou nela disponíveis, apresentam características muito peculiares, que as distinguem substancialmente das demais obras intelectuais. Assim, é de se indagar, inicialmente, se os princípios protetivos dos direitos autorais, erigidos e consolidados mais de cem anos atrás, devem ser os mesmos a se aplicarem às obras disponíveis na rede mundial de computadores. Mais: indagamos se isso é possível. Por tal motivo, iniciamos este trabalho com a necessária digressão histórica a respeito dos princípios fundantes da proteção aos direitos autorais no mundo e sua incorporação pelo direito brasileiro. Apenas assim poderemos compreender, de maneira ampla, por que é tão difícil aplicar às obras disponíveis na internet os mecanismos desenvolvidos ao curso da história a fim de resguardar os direitos dos autores. Em seqüência, teceremos comentários a respeito das bases cons- titucionais dos direitos autorais e sua interpretação sistemática com os demais princípios constitucionalmente protegidos, o que será funda- mental para o desenvolvimento do terceiro capítulo deste trabalho. Sérgio Vieira Branco Júnior 10 transportar para as obras digitais os mesmos princípios que até hoje foram válidos e efi- cazes para as obras analógicas, quando, na verdade, tais princípios são incompatíveis (...)”.CARBONI, Guilherme C. O Direito de Autor na Multimídia. Cit., p. 51. 4 CASCÓN, Fernando Carbajo. Publicaciones Electrónicas y Propriedad Intelectual. Madrid: Colex, 2002, p. 19. Nos itens que se seguem, analisaremos a natureza jurídica dos di- reitos autorais, fundamental para compreendermos os aspectos patrimo- niais e morais envolvidos nas intrincadas questões que nos propomos enfrentar. Em seguida, trataremos de alguns aspectos da lei brasileira de direitos autorais, sobretudo no que diz respeito à licença para uso de obras alheias e as limitações previstas legalmente para o uso de obras de terceiros independentemente de autorização do titular do direito. Finalmente, após trilharmos estes passos iniciais, nos voltaremos especificamente à área da internet para tentarmos responder à indaga- ção a que nos propusemos desde logo: devem as obras criadas no âmbito da internet, ou em seu espectro disponíveis, receber o mesmo tratamento das demais obras protegidas por direitos autorais? 1.1. Antecedentes históricos e bases constitucionais 1.1.1. No Mundo A antigüidade não conheceu o sistema de direitos autorais como ele é concebido contemporaneamente. De fato, “das monumentais civi- lizações antigas que floresceram, anterior ou contemporaneamente à formação dos estados gregos, pouco nos revela a ciência a respeito das possibilidades de existência dos direitos de autor”.5 Os antigos impérios grego e romano, como é notoriamente sabido, foram o berço em que nasceu a cultura ocidental em virtude do espeta- cular florescimento das mais variadas formas de expressão artística, principalmente nos campos do teatro, da literatura e das artes plásticas. Era comum a organização de concursos teatrais e de poesia em que os vencedores eram aclamados e coroados em praça pública, sendo a eles também destinados alguns cargos administrativos de relevo. No entanto, verifica-se, nas civilizações grega e romana, a inexis- tência dos direitos de autor como atualmente conhecidos, protegendo as diversas manifestações da obra, tais como sua reprodução, publica- ção, representação e execução. Concebia-se, nesse época, que o homem que criasse intelectualmente não deveria ‘descer à condição de comerciante os produtos de sua inteligência’.6 Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 11 5 LEITE, Eduardo Lycurgo. A História do Direito de Autor no Ocidente e os Tipos Móveis de Gutenberg. Cit., p 115. 6 LEITE, Eduardo Lycurgo. A História do Direito de Autor no Ocidente e os Tipos Móveis de Gutenberg. Cit., p. 116. Naturalmente, o temor da igreja quanto a idéias perigosamente hereges e da monarquia quanto a motins políticos acarretou, em pouco tempo, represálias de natureza política.15 Eduardo Lycurgo Leite aponta outra conseqüência, extremamente relevante, atrelada ao surgimento da prensa no século XV:16 A partir dos tipos móveis, tornou-se mais fácil fazer a afirma- ção de que um determinado texto seria a representação estrita do espírito e propriedade de uma só pessoa, sendo que, através da idéia de fixação, a associação da obra como uma fonte particular de criação, a qual, através de associação virtual, poderia reivindicar a propriedade daquela obra, passou a ser mais facilmente realizada. Essa associação, aliada ao crescimento do mercado de obras intelectuais, em especial, das obras literárias, fez surgir dentre os autores a visão de que os mesmo poderiam ser reconhecidos e suas obras valoradas dependendo da fama que obtivessem. Com isso, os autores, em razão da fama que buscavam e da valorização de suas criações intelectuais, passam a exigir que a autoria de suas obras seja apontada e sua propriedade reconheci- da. Nasce assim, para os Autores, o sentimento que podemos cha- mar de individualismo possessivo e o qual representa o desejo de se elevar e prestigiar o trabalho intelectual. (grifo do autor) Dessa forma, os autores passam a se interessar pela aposição de seus nomes nos trabalhos escritos com a finalidade de ser atribuída a eles a fama e a notoriedade a que fariam jus. Já nesse primeiro momento, surgem práticas de concorrência des- leal. Os livreiros normalmente arcavam com custos altíssimos para a edição das obras escritas. Além disso, faziam incluir, nas obras, gravu- Sérgio Vieira Branco Júnior 14 15 “Em 1585, por força de um decreto do rei, passou-se a impor o licenciamento e autoriza- ção obrigatórios de todo livro, e a se proibir a impressão, por quem quer que fosse, de qualquer livro, trabalho ou cópia contrária, na forma ou no conteúdo, a qualquer restri- ção contida nos estatutos ou leis do reino, ou ainda, em qualquer proibição feita pela rai- nha, ou seu Conselho Particular; ou contra a verdadeira intenção e significado de qual- quer carta patente, comissão, ou proibição contida em documento que contivesse o selo real, ou contrária à permissão conferida à Stationers’Company e que interferisse com os negócios desta”. LEITE, Eduardo Lycurgo. A História do Direito de Autor no Ocidente e os Tipos Móveis de Gutenberg. Cit., p 143-144. 16 LEITE, Eduardo Lycurgo. A História do Direito de Autor no Ocidente e os Tipos Móveis de Gutenberg. Cit., p 130-131. ras e informações adicionais ao texto original. Não era raro, entretanto, que tais obras fossem copiadas por terceiros, que as reproduziam e imprimiam sem terem todos os cuidados necessários e sem precisarem arcar com os custos da edição original.17 Por isso, também os livreiros passaram a se preocupar com sua atuação no mercado, e decidiram pressionar as classes dominantes de modo a terem seus direitos resguardados. Com o passar do tempo, os livreiros começaram a obter lucro com sua atividade, enquanto remuneravam os autores de maneira exígua. E também os autores passaram a entender ser detentores de direitos que mereciam ser protegidos. É nesse cenário de temor por parte das classes dominantes em razão das idéias que poderiam vir a ser veiculadas, de insatisfação por conta dos livreiros que viam suas obras copiadas sem licença e tam- bém de insatisfação dos autores quanto à remuneração recebida que surgem os primeiros privilégios. Vê-se, com clareza, que o alvorecer do direito autoral nada mais é que a composição de interesses econômicos e políticos. Não se queria, então, proteger prioritariamente a “obra” em si, mas sim os lucros que dela podem advir. É evidente que ao autor interessava também ter a obra protegida em razão da fama e da notoriedade de que poderia vir a desfrutar, mas essa preocupação vinha, sem dúvida, por via transversa. No século XVI começam a ser atribuídas licenças aos livreiros para que publiquem determinados livros.18 Do mesmo modo, exige-se do livreiro que tenha autorização do autor para publicar sua obra. Conforme menciona José Carlos Costa Netto, “a primeira iniciati- va organizada respeitante à tutela jurídica dos direitos de autor não Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 15 17 Vê-se, assim, que a chamada “pirataria” não é prática exclusivamente contemporânea. É evidente que o avanço da tecnologia permite que a contrafação seja prática difundida e lucrativa, já que a cópia de obra alheia resulta em exemplares muitas vezes idênticos ao original e a custo muito reduzido, prejudicando-se, portanto, a qualidade da obra bem como o investimento dispendido em sua concepção, manufatura e distribuição. 18 Informa Eduardo Lycurgo Leite: “O Estado poderia conceder uma licença de impressão para que uma determinada tipografia (gráfica) publicasse um determinado assunto, tal como a Bíblia e poderia conceder a outra Imprensa o direito de impressão sobre outro assunto, tal como gramáticas latinas. A segmentação do mercado permitiu uma maior regulamentação deste, porém, normalmente, as licenças de impressão (privilégios de impressão) não eram concedidas àqueles que tivessem criado as obras intelectuais a serem impressas, isto é, aos autores ou criadores, mas sim àqueles que as imprimiam ou publicavam, ou seja, à Imprensa”. LEITE, Eduardo Lycurgo. A História do Direito de Autor no Ocidente e os Tipos Móveis de Gutenberg. Cit., p 139. nasceu de seus titulares originários – os autores –, mas sim de interme- diários: comerciantes interessados na exploração econômica das obras intelectuais”.19 A crescente insatisfação dos autores e o desenvolvimento da indústria editorial acabam por enfraquecer o sistema de censura legal. Assim, na Inglaterra, a censura acaba em 1694 e, com ela, o monopó- lio. Os livreiros ficam enfraquecidos e decidem mudar sua estratégia: começam a pleitear proteção não mais para eles próprios, mas sim para os autores, de quem esperavam a cessão dos direitos sobre as obras.20 Assim é que, em 1710, foi publicado o notório Statute of Anne (Estatuto da Rainha Ana), que concedia aos editores o direito de cópia de determinada obra pelo período de 21 (vinte e um) anos. Ainda que incipiente, trata-se de evidente avanço na regulamentação dos direitos de edição, por consistir em regras de caráter genérico e aplicável a todos, e não mais privilégios específicos garantidos a livreiros indivi- dualmente. Na França, logo após a Revolução Francesa, um decreto-lei regu- lou, de maneira inédita, direitos relativos à propriedade de autores de obras literárias, de obras musicais e de obras de artes plásticas como pinturas e desenhos. A despeito desses esforços iniciais, a verdade é que, até a primei- ra metade do século XIX, havia um verdadeiro “direito à contrafação” reinante na Europa – mesmo que informalmente, como é óbvio. Maristela Basso leciona:21 A contrafação integrava a indústria nacional e até os monar- cas favoreciam a sua prática, nos seus Estados. Em cada país se praticava a contrafação estrangeira, em alguns mais, em outros menos. O que, de uma certa forma, contemporizava a prática da contrafação, em alguns países, era a censura. Na Holanda se podia publicar o que na França, às vezes, a censura real não permitia e isso acontecia também em outros países. Nos países divididos em várias províncias, como Holanda, Itália e Alemanha, os autores sofriam ainda maiores constrangimentos. Uma obra impressa em Roma ou em Florença poderia ser reimpressa em Turim, Nápoles Sérgio Vieira Branco Júnior 16 19 NETTO, José Carlos Costa. Direito Autoral no Brasil. Cit., p. 33. 20 ABRÃO, Eliane Y.. Direitos de Autor e Direitos Conexos. Cit., p. 29. 21 BASSO, Maristela. O Direito Internacional da Propriedade Intelectual. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2000. pp. 86-87. O que de fato impressiona é que ainda que com as constantes adaptações em razão das revisões de seu texto,28 a Convenção de Berna continua, mais de 110 anos após sua elaboração, a servir de matriz para a confecção de leis nacionais (dentre as quais a brasileira) que irão, dentro do âmbito de seus Estados signatários, regular a maté- ria atinente aos direitos autorais. Inclusive no que diz respeito a obras disponíveis na internet. 1.1.2. No Brasil Antônio Chaves divide a história do direito de autor no Brasil em três fases: de 1827 a 1916; de 1916 a 1973 e deste ano aos nossos dias.29 Dessa forma, o primeiro diploma que contém uma referência à matéria é dos mais nobres e reverenciados: a própria lei de 11 de agos- to de 1827, que “crêa dous Cursos de sciencias jurídicas e sociaes, um na cidade de São Paulo e outro na cidade de Olinda”.30 Disserta Antônio Chaves:31 Depois de especificar as matérias a serem ensinadas “no espaço de cinco anos, e em nove cadeiras”, de determinar que para a regência das mesmas nomeasse o Governo “nove Lentes proprietários”, com o ordenado que tivessem os Desembargadores das Relações, e gozassem das mesmas honras, e cinco substitu- tos, vencendo o ordenado anual de 800$000, consignava: Art. 7º: Os Lentes farão a escolha dos compêndios da sua pro- fissão, ou os arranjarão, não existindo já feitos, com tanto que as doutrinas estejam de accordo com o systema jurado pela nação. Estes compêndios, depois de aprovados pela Congregação, servirão interinamente; submettendo-se porém a approvação da Assembléia Geral, e o Governo fará imprimir e fornecer às escolas, competindo aos seus autores o privilégio exclusivo da obra por dez anos. Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 19 28 A Convenção de Berna foi revista em oito ocasiões: em 1896 (em Paris), 1908 (em Berlim), 1914 (em Berna), 1928 (em Roma), 1948 (em Bruxelas), 1967 (Estocolmo), 1971 (em Paris) e 1979 (quando foi emendada). 29 CHAVES, Antônio. Direito de Autor - Princípios Fundamentais. Cit., p. 27. 30 CHAVES, Antônio. Direito de Autor - Princípios Fundamentais. Cit., p. 28. 31 CHAVES, Antônio. Direito de Autor - Princípios Fundamentais. Cit., p. 28. Embora o Código Criminal de 1830 previsse o crime de violação de direitos autorais,32 a primeira lei brasileira voltada especificamente para a proteção autoral foi a Lei 496/1898, também chamada Medeiros e Albuquerque, em homenagem a seu autor. Até o advento dessa lei, no Brasil, a obra intelectual era terra de ninguém.33 Tanto era assim que Pinheiro Chagas, escritor português, reclamava de ter no Rio de Janeiro um “ladrão habitual” que teve ainda a audácia de lhe escrever dizendo: “Tudo que V. Exª publica é admirá- vel! Faço o que posso para o tornar conhecido no Brasil, reimprimindo tudo!” O que ocorria é que, nessa época, era comum pensar-se que a obra estrangeira, ainda mais do que a nacional, podia ser copiada indiscriminadamente.34 A Lei 496/1898 foi, entretanto, logo revogada pelo Código Civil de 1916, que classificou o direito de autor como bem móvel, fixou o prazo prescricional da ação civil por ofensa a direitos autorais em 5 (cinco) anos e regulou alguns aspectos da matéria nos capítulos “Da Proprie- dade Literária, Artística e Científica”, “Da Edição” e “Da Represen- tação Dramática”. Desde a edição de Lei Medeiros de Albuquerque até o advento da lei de direitos autorais, em 1973, o Brasil viu surgirem diversos diplomas legais que visavam a regular não só os direitos autorais bem como temas correlatos. Assim é que, exemplificativamente, o Decreto 4.790 de 1924 definiu os direitos autorais, o Decreto 5.492 de 1928 regulou a organiza- ção das empresas de diversão e a locação de serviços teatrais, o Decreto- Lei 21.111, de 1932, deu normatividade à execução de serviços de radio- comunicação em todo o território nacional.35 A lista é extensa. Foi apenas em 1973 que o Brasil viu publicado um estatuto único e abrangente que regulasse o direito de autor. “Não correspondendo mais os dispositivos do CC, promulgados no começo do século, sem Sérgio Vieira Branco Júnior 20 32 “Art. 261. Imprimir, gravar, lithographar ou introduzir quaisquer escriptos ou estampas, que tiverem sido feitos, compostos ou traduzidos por cidadãos brazileiros, em quanto estes viverem, e dez annos depois de sua morte, se deixarem herdeiros. Penas. Perda de todos os exemplares para o autor ou traductor, ou seus herdeiros, ou, na falta d’eles, do seu valor e outro, e de multa igual ao tresdobro do valor dos exemplares. Se os escriptos ou estampas pertencerem a corporações, a prohibição de imprimir, gravar, lithographar ou introduzir durará somente por espaço de dez annos”. Cf. CHAVES, Antônio. Direito de Autor - Princípios Fundamentais. Cit., p. 28. 33 ROCHA, Daniel. Direito de Autor. Cit., p. 23. 34 ROCHA, Daniel. Direito de Autor. Cit., p. 23. 35 CHAVES, Antônio. Direito de Autor - Princípios Fundamentais. Cit., p. 30. embargo de sua atualização através de numerosas leis e decretos que sempre colocaram nossa legislação entre as mais progressistas, às imposições decorrentes dos modernos meios de comunicação, foi sen- tida a necessidade de facilitar seu manuseio de um único texto”.36 A Lei 5.988, de 14 de dezembro de 1973, vigorou até a aprovação, pelo Congresso Nacional, da Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, atual lei regulamentadora, em nosso território nacional da proteção aos direi- tos autorais. 1.1.3. Bases Constitucionais e Perspectiva Civil- Constitucional Technology lawyers and especially intellectual property law- yers have discovered the Constitution. They are filing suits to inva- lidate statutes and interposing constitutional defenses to intellec- tual property claims at an unprecedented rate.37 Como informa Denis Borges Barbosa, “não é em todo sistema constitucional que a propriedade intelectual tem o prestígio de ser incorporada literalmente no texto básico. Cartas de teor mais político não chegam a pormenorizar o estatuto das patentes, do direito autoral e das marcas; nenhuma, aparentemente, além da brasileira, abre-se para a proteção de outros direitos”.38 Em um sistema integrativo de normas civil-constitucional, a evo- cação direta de princípios constitucionais na defesa dos direitos auto- rais é possível e torna-se mais efetiva na medida em que a Constituição preveja, explicitamente, a proteção a tais direitos. Na definição dos direitos fundamentais, a Constituição Federal brasileira de 1988 determina, em seu art. 5º: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qual- quer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 21 36 CHAVES, Antônio. Direito de Autor - Princípios Fundamentais. Cit., p. 32. 37 Mark Lemley, Berkeley technology Law Journal. Citado por BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 87. 38 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. Cit., p. 87. mente civilísticos quanto naqueles de relevância publicista é desempenhado de maneira cada vez mais incisiva pelo Texto Constitucional. Não obstante o declínio da centralidade do Código Civil e o surgi- mento de microssistemas reguladores de matérias específicas, sabe-se que o sistema jurídico é unitário,44 e sob essa perspectiva deve ser compreendido. Conforme esclarece Maria Celina Bodin de Moraes:45 A unidade do ordenamento é característica reconhecidamen- te essencial (rectius, lógica) da estrutura e da função do sistema jurídico. Ela decorre da existência (pressuposta) da norma funda- mental (Grundnorm), fator determinador da validade de toda a ordem jurídica, e abrange a intolerabilidade de antinomias entre as múltiplas proposições normativas (constituindo-se, assim, em um sistema). A relação entre a norma fundamental e a Constitui- ção, quanto à questão de fundamento de validade do ordenamen- to, é também lógica, configurável através do mecanismo do silo- gismo jurídico; possibilita que se considere o documento constitu- cional como conjunto de normas objetivamente válidas e, conco- mitantemente, coloca-o como a instância a que foi dada a legitimi- dade para “revalidar” a ordem jurídica. Acolher a construção da unidade (hierarquicamente sistema- tizada) do ordenamento jurídico significa sustentar que seus prin- cípios superiores, isto é, os valores propugnados pela Consti- tuição, estão presentes em todos os recantos do tecido normativo, resultando, em conseqüência, inaceitável a rígida contraposição direito público-direito privado. Os princípios e valores constitucio- nais devem se estender a todas as normas do ordenamento, sob pena de se admitir a concepção de um “mondo in frammenti”, logi- camente incompatível com a idéia de sistema unitário. Sérgio Vieira Branco Júnior 24 44 Afirma Pietro Perlingieri: “A questão da aplicabilidade simultânea de leis inspiradas em valores diversos (...) resolve-se somente tendo consciência de que o ordenamento jurídi- co é unitário. A solução para cada controvérsia não pode mais ser encontrada levando em conta simplesmente o artigo de lei que parece contê-la e resolvê-la, mas, antes, à luz do inteiro ordenamento jurídico, e, em particular, de seus princípios fundamentais, con- siderados como opções de base que o caracterizam”. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2002. p. 5. 45 MORAES, Maria Celina Bodin de. A Caminho de um Direito Civil Constitucional. Cit., p. 24. Por isso é que nenhum tópico pode ser contemporaneamente estu- dado alheio ao todo. Não existe mais autonomia absoluta entre as ma- térias jurídicas (se é que alguma vez tal autonomia existiu), e mesmo a bipartição direito público-direito privado vem há muito sendo contesta- da.46 Assim, o estudo a que este trabalho se propõe não estaria comple- to se não enfrentássemos as questões que a interdisciplinariedade nos impõe. A respeito do assunto – a análise dos direitos autorais dentro do ordenamento jurídico brasileiro, notadamente diante das normas cons- titucionais – remetemos o leitor para o capítulo terceiro deste trabalho. 1.2. Natureza jurídica dos direitos autorais Pode-se entender por natureza jurídica a categorização, dentro do ordenamento jurídico, que levará à regulação de determinado bem ou direito por algumas regras jurídicas e não outras. Nesse sentido, a afe- rição da natureza jurídica é fundamental para a aplicação das regras jurídicas concretamente. Sobre a importância da categorização esclarece Teresa Negreiros:47 De fato, o saber jurídico, através da dogmática, especializa-se na formulação de classificações e sistematizações que, no entan- to, muito além de servirem como orientação didática baseada em mecanismos de pura lógica, constituem um eficaz instrumento para a resolução de casos concretos. Nos meandros dos labirintos classificatórios, ao invés do rigor lógico, se encontra em seu lugar o fundamento ideológico que dá origem à tipologia em causa (...). Mais adiante, conclui:48 Assim é que a classificação dos contratos (...) e a classifica- ção dos bens (...) constituem ambas um importante recurso a ser- viço da legitimação de decisões concretas. (...) Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 25 46 Ver, por todos, GIOGIANNI, Michele. O Direito Privado e suas Atuais Fronteiras. Revista dos Tribunais, n. 747. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, janeiro, 1998. 47 NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato – Novos Paradigmas. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2002. pp. 339-340. 48 NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato – Novos Paradigmas. Cit., pp. 340-342. (...) as classificações jurídicas, se, por um lado, pecam por ten- tar reduzir a categorias abstratas fenômenos complexos, por outro lado, têm a importante função de sistematizar o conhecimento jurí- dico e, como se tentará explorar adiante, podem inclusive apoiar importantes reformulações no tratamento dogmático dos institutos e na sua aplicabilidade concreta. Assim, juntamente com Ruggiero, entendemos que o esforço classificatório nunca é vão. Da mesma forma, Pietro Perlingieri argumenta a respeito da neces- sidade de interpretação a partir de categorização:49 A natureza diversa do objeto deve incidir sobre a técnica da interpretação, e isso equivale a dizer que interpretação e qualifica- ção devem proceder sem distinções dos momentos lógicos ou cro- nológicos. A qualificação, de resto, pelo menos no campo do direi- to, não tem um fim teórico, mas, sim, prático, isto é, aquele de indi- viduar a normativa adequada. A fim de perquirir a natureza jurídica dos direitos autorais, obser- vamos, preliminarmente, que a disciplina jurídica do aproveitamento das obras intelectuais sempre foi resultado da escolha legislativa entre dois interesses contrapostos: (i) a utilização imediata pela coletividade das obras criadas, com a finalidade de promoção e desenvolvimento social e (ii) a manutenção, por parte do autor, da possibilidade de apro- veitamento econômico de sua obra. Assim, das mais controvertidas – e das mais úteis – é a questão da definição da natureza jurídica dos direitos autorais. Controvertida certamente porque os múltiplos aspectos peculia- res dos direitos autorais, que os aproximam mas igualmente os afastam dos direitos de propriedade bem como dos direitos da personalidade, sem nunca se enquadrarem com precisão em qualquer das categorias. Por outro lado, extremamente útil essa análise, talvez na justa razão da controvérsia que dela se origina. Afinal, é apenas a partir das categorias pré-ordenadas que será possível definir as regras jurídicas aplicáveis ao caso concreto. Enquanto não se define a natureza jurídi- ca do direito autoral, não é possível se lhe atribuir os efeitos jurídicos adequados. Sérgio Vieira Branco Júnior 26 49 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Cit., p. 102. obra, de índole especial, própria ou sui generis, a justificar a re- gência específica que recebem nos ordenamentos jurídicos do mundo atual. Assim é que podemos afirmar que os direitos autorais são com- postos, a bem da verdade, por duas parcelas distintas que devem ser levadas em conta: uma, que trata dos direitos morais do autor e que pode ser enquadrada dentro dos direitos de personalidade; outra, que abrange os direitos patrimoniais do autor e que consiste num direito de propriedade com características especiais.57 Os direitos morais do autor58 podem ser definidos como “os vín- culos perenes que unem o criador à sua obra, para a realização da defesa de sua personalidade”.59 Uma vez que se inserem dentro dos direitos da personalidade,60 revestem-se das características típicas Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 29 57 “A propriedade intelectual – à vista do disposto no artigo 2 [da lei espanhola] e concor- dantes da LPI e à diferença do quanto ocorre com a propriedade ordinária – está integra- da (...) por faculdades de índole moral – inédito, paternidade, integridade, arrependimen- to, que se somam às propriedades patrimoniais – reprodução, distribuição, comunicação pública e transformação – sem confundir-se com elas. É mais, pois, que a propriedade ordinária mas, por outra parte, é menos do que ela, dado que a ordinária é tendencial- mente perpétua, enquanto a intelectual é temporária (...)”.VIDE, Carlos Rogel e DRUM- MOND, Victor. Manual de Direito Autoral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 8. 58 Art. 24 da LDA. São direitos morais do autor: I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra; III - o de conservar a obra inédita; IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra; V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada; VI - o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem; VII - o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitima- mente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou asseme- lhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconvenien- te possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou pre- juízo que lhe seja causado. 59 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. Cit., p.47. 60 Com o advento da Lei 10.406/02 (Código Civil), os direitos da personalidade passaram a ser regulados em esfera infraconstitucional pelos artigos 11 a 21 do referido diploma legal no que diz respeito aos direitos de personalidade da pessoa humana e pelo artigo 52 quanto à possibilidade de aplicação às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção aos direitos da personalidade. Nenhum dos artigos, entretanto, tratou especificamente- desses direitos, sendo inalienáveis, irrenunciáveis,61 imprescritíveis, impenhoráveis. Quanto aos direitos patrimoniais,62 “são aqueles referentes à utili- zação econômica da obra, por todos os processos técnicos possíveis. Consistem em um conjunto de prerrogativas de cunho pecuniário que, nascidas também com a criação da obra, manifestam-se, em concreto, com a sua comunicação ao público”.63 Eliane Y. Abrão define os direitos patrimoniais como sendo “direi- tos exclusivos, porque dependem de prévia e expressa aprovação do autor e só dele, ou de quem o represente, para que possam ser reproduzidos, Sérgio Vieira Branco Júnior 30 dos direitos morais do autor, embora a doutrina seja unânime em incluir tais direitos entre aqueles integrantes da personalidade. 61 Art. 27 da LDA: Os direitos morais são inalienáveis e irrenunciáveis. 62 Art. 29 da LDA: Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: I - a reprodução parcial ou integral; II - a edição; III - a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações; IV - a tradução para qualquer idioma; V - a inclusão em fonograma ou produção audiovisual; VI - a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com tercei- ros para uso ou exploração da obra; VII - a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário; VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante: a) representação, recitação ou declamação; b) execução musical; c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos; d) radiodifusão sonora ou televisiva; e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva; f) sonorização ambiental; g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado; h) emprego de satélites artificiais; i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados; j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas; IX - a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilma- gem e as demais formas de arquivamento do gênero; X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas. 63 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. Cit., p. 49. exibidos, expostos publicamente, transmitidos por meios mecânicos, eletrônicos ou digitais, armazenados, etc”.64 (grifamos) Embora tenham caráter real,65 os direitos patrimoniais consti- tuem, no mínimo, tipo especial de propriedade. Inserindo-se entre os direitos de propriedade intelectual,66 apresentam diversas característi- cas atribuídas à propriedade: são alienáveis, penhoráveis, prescrití- veis. No entanto, e ao contrário do que normalmente ocorre com a pro- priedade, não podem ser perpétuos, já que a LDA fixa prazo máximo para seu titular e sucessores67 usufruírem patrimonialmente dos direi- tos decorrentes da criação intelectual.68 Assim, Eliane Y. Abrão remata:69 Direitos patrimoniais não podem ser cedidos “em perpetuida- de” porque a proteção às obras extingue-se no tempo. Entretanto, a associação entre autor e cessionário ou licenciado de uma deter- minada edição ou reprodução da obra existirá fisicamente enquan- to resistir ao tempo um exemplar dela. Dessa forma, a natureza híbrida dos direitos autorais, conforme aco- lhida pela doutrina ao optar-se pela teoria dualista, abrange, necessaria- mente, os direitos morais atinentes à personalidade do autor e os direi- tos patrimoniais segundo os quais o criador intelectual se remunera. Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 31 64 ABRÃO, Eliane Y. Direitos de Autor e Direitos Conexos. Cit., p. 80. 65 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. Cit., p. 50. 66 A doutrina divide a propriedade intelectual em dois ramos distintos: direitos autorais e conexos de um lado e direitos de propriedade industrial de outro. O objeto de estudo da propriedade industrial abrange, nos termos da Lei 9.279/96, de 14 de maio de 1996, invenções e modelos de utilidade, desenhos industriais, marcas, indicações geográficas e concorrência desleal. Internacionalmente, a matéria foi pioneiramente tratada pela Convenção da União de Paris – CUP, de 1883, incorporada em nosso direito por meio do decreto 75.572, de 08 de abril de 1975. 67 Eduardo Pimenta comenta a respeito da origem da transmissão dos direitos autorais aos sucessores, inclusive no que tange ao direito de seqüência: “O exemplo de desigualda- de é narrado por diversos doutrinadores e estudiosos dos direitos autorais, fatos da época, em que os filhos de criadores intelectuais mendigavam, dando origem inclusive a direitos específicos como o direito de seqüência – droit de suite. E destes fatos destaca- mos o vivido pela filha de Strauss, que agonizava em conseqüência de um edema provo- cado pela fome, enquanto uma opereta, calcada nos motivos das obras de seu pai (adap- tação), rendia milhões a alguns exploradores. PIMENTA, Eduardo. Os Direitos Autorais do Trabalhador. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 4. 68 Art. 41 da LDA: Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessó- ria da lei civil. 69 ABRÃO, Eliane Y. Direitos de Autor e Direitos Conexos. Cit., p. 81. tese segundo a qual seria a consciência universal a estabelecer os direitos humanos e os direitos da personalidade, cabendo ao orde- namento jurídico apenas reconhecê-los. Em resumo, pode-se afirmar que, em consonância com a tese defendida por Gustavo Tepedino, os direitos da personalidade são fruto do ordenamento jurídico e não emanação do direito natural, ainda que – podemos afirmar – haja uma tendência natural, pelo ser humano, a se dedicar à criação intelectual. Por todo o exposto, e por qualquer das duas perspectivas analisa- das, entende-se que não haveria propriamente um direito natural aos direitos intelectuais. Antes, seria necessária a previsão legal para sur- gir, a partir daí, sua adequada proteção. 1.3. O sistema de direitos autorais brasileiro e o contrato de direitos autorais: cessão e licença O contrato de direitos autorais é disciplinado na LDA a partir do artigo 49,75 no capítulo denominado “Da Transferência dos Direitos de Autor”. A celebração de contratos envolvendo os bens protegidos por direitos autorais é essencial para a disseminação da obra criada por seu autor. Afinal, ainda que possa o próprio autor proceder diretamen- te à exploração de sua obra, quando esta for destinada ao consumo de massas, não será isso que acontecerá. Nesses casos, o autor terá que, Sérgio Vieira Branco Júnior 34 75 Art. 49 da LDA. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a ter- ceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitações: I - a transmissão total compreende todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei; II - somente se admitirá transmissão total e definitiva dos direitos mediante estipu- lação contratual escrita; III - na hipótese de não haver estipulação contratual escrita, o prazo máximo será de cinco anos; IV - a cessão será válida unicamente para o país em que se firmou o contrato, salvo estipulação em contrário; V - a cessão só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato; VI - não havendo especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entendendo-se como limitada apenas a uma que seja aque- la indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato. quase sempre, recorrer a terceiros para que estes pratiquem os atos de utilização da obra e se façam pagar por meio deles.76 Antes, entretanto, de procedermos à análise das peculiaridades dos contratos de direitos autorais, faz-se necessário incursionarmos pelos princípios que a própria LDA aponta como norteadores de toda a sistemática protetiva dos direitos autorais no Brasil e que, conseqüen- temente, devem se aplicar aos negócios jurídicos envolvendo bens pro- tegidos por direitos autorais. O art. 3º da LDA determina que os direitos autorais reputam-se, para efeitos legais, bens móveis. Em conformidade com o Código Civil brasileiro, art. 82, são considerados bens móveis aqueles suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social. É de se notar, entretanto, que a obra intelectual não deve ser con- fundida com o suporte material que a encerra.77 A este é costume cha- mar-se corpus mechanicum, enquanto que à obra, nele materializada, dá-se o nome de corpus misticum. Dessa forma, sobre o corpus mechanicum legitimamente adquiri- do se exerce direito de propriedade, como qualquer outro e sujeito às mesmas limitações. Assim, será aplicado, sobre o bem material em que se materializa o bem intelectual, o dispositivo do art. 1.226 do Código Civil, que determina que “os direitos reais sobre coisas móveis, quan- do constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição”. A tradição do corpus mechanicum,78 entretanto, não induz a aqui- sição, por parte do adquirente, de qualquer direito autoral sobre o cor- pus misticum protegido pela lei. Ao proprietário do bem material serão conferidas, com relação à obra intelectual, apenas as faculdades legal- mente previstas, dentro de cujo (estreito) limite poderá atuar. A LDA determina, ainda, que os negócios jurídicos sobre os direi- tos autorais devem ser interpretados restritivamente.79 Dessa forma, “tudo que não estiver expressamente previsto no contrato, ou no negó- cio, entende-se como não autorizado. Não há possibilidade de se dar Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 35 76 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1997. p. 359. 77 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit., p. 31 78 O ato abarca, conforme se pode imaginar, a aquisição de livros, CDs, DVDs, CD-Roms e de qualquer outro meio físico onde a produção intelectual poderá estar materializada. Podemos incluir, embora não haja propriamente a transferência de meio tangível, a aqui- sição de bem protegido por direito autoral por meio de transferência eletrônica, como o download de arquivos da internet, por meio de legítima aquisição por parte do usuário. 79 Art. 4º.: Interpretam-se restritivamente os negócios jurídicos sobre os direitos autorais. efeito extensivo a nenhuma cláusula do contrato, e muito menos a de o contratado transmitir os direitos recebidos do autor a terceiro, sem o seu expresso consentimento nesse sentido”.80 Quanto à disciplina específica dos direitos autorais, dispõe o arti- go 49 da LDA, caput: Art. 49: Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmen- te transferidos a terceiros,81 por ele ou por seus sucessores, a títu- lo universal ou singular, pessoalmente ou por meio de represen- tantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, conces- são, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitações: (...) Conforme se depreende da leitura do caput do art. 49 da LDA, os direitos de autor podem ser transferidos,82 por quem de direito, a ter- ceiros, em sua integralidade ou apenas parcialmente. A transferência pode se dar a título universal ou singular e será efetivada sobretudo por meio de licença ou cessão. Caracteriza-se a cessão pela transferência de titularidade da obra intelectual, com exclusividade para o(s) cessionário(s). Já a licença repre- senta uma autorização por parte do autor para que terceiro se valha da obra, com exclusividade ou não, nos termos da autorização concedida. Quanto à cessão, assim se manifesta José de Oliveira Ascensão:83 A transmissão do direito de autor só se verifica verdadeira- mente no caso a que a lei chama de transmissão total; também se fala em cessão global. Dá-se esta quando as várias faculdades que Sérgio Vieira Branco Júnior 36 80 ABRÃO, Eliane Y.. Direitos de Autor e Direitos Conexos. Cit., p. 37. 81 Por meio de interessante construção hermenêutica, Eduardo Pimenta defende que os direi- tos autorais decorrentes de relação de trabalho não poderiam ser cedidos diante dos ter- mos da Lei 6.533/78. Dispõe o autor: “Em suma, pelo citado art. 13 da Lei nº 6.533/78, os direitos autorais (os direitos de autor e os que lhe são conexos) não podem ser objeto de cessão, quando a criação decorrer de prestação de serviços profissionais, ou seja da rela- ção de trabalho”. PIMENTA, Eduardo. Os Direitos Autorais do Trabalhador. Cit., p. 93. 82 Os direitos patrimoniais apenas poderão ser objeto de negócio jurídico enquanto a obra estiver dentro do prazo legal de proteção. Uma vez que venha a cair em domínio públi- co, no prazo estipulado no art. 41 da LDA, os titulares dos direitos autorais incidentes deixam de sê-lo, perdendo, portanto, a faculdade de poder negociar o uso da obra por parte de terceiros. 83 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit., p. 293. autor consentir que diversos licenciados explorem pelo tempo con- vencionado diversos aspectos da mesma obra, simultaneamente ou não, e não abdicando de seus direitos em favor do licenciado. O que distingue a cessão de direitos, parcial ou integral, e licenças exclusivas, das licenças não exclusivas é a oponibilidade erga omnes das primeiras. No Brasil, exclusividade é condição prevista em lei somente para o contrato de edição. Dessa forma, vê-se que as licenças constituem uma das modalida- des previstas em lei92 para se efetivar a transferência de direitos auto- rais a terceiros e que por meio delas não há transferência de direitos, mas tão-somente uma autorização de uso, que manteria a integralida- de dos direitos autorais com o titular destes. De fato, podem ser definidas como autorização de uso por parte do titular dos direitos autorais, a título gratuito ou oneroso. Podem ser con- feridas com ou sem cláusula de exclusividade,93 sendo que quanto ao contrato de edição a lei obriga a exclusividade. Assim é que os diversos contratos tipicamente relacionados aos direitos autorais, tais como os contratos de edição,94 de gravação, de tradução, de adaptação etc., serão instrumentalizados por meio da celebração de instrumentos contratuais que preverão, em sua essên- cia, a cessão ou a licença de uso de direitos autorais alheios. Dessa forma, um autor que queira publicar seu livro celebrará con- trato de edição pelo qual cederá ou licenciará – a depender dos termos da negociação – seus direitos autorais sobre a obra criada.95 Convém observar que, no caso de contrato de edição, a exclusividade será con- cedida ao editor – independentemente de se tratar de cessão ou de licença – por força do disposto no art. 53, caput, da LDA.96 Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 39 92 Art. 49, caput, da LDA. 93 Como visto, a cláusula de exclusividade acarretaria o surgimento de um direito oponível erga omnes, que aproximaria a licença da cessão. 94 O contrato de edição é o único que a LDA prevê em seu texto. Assim é que este tipo con- tratual será considerado o contrato base para negociações envolvendo direitos autorais. 95 Comenta, nesse particular, Eliane Y. Abrão: “É possível contratar a edição sem a trans- ferência ou cessão dos direitos de reprodução, ou de quaisquer outros direitos patrimo- niais. Entretanto o legislador, misturando os conceitos, tratou da edição como uma ver- dadeira cessão (...)”.ABRÃO, Eliane Y.. Direitos de Autor e Direitos Conexos. Cit., p. 135. 96 Prevê o art. 53, caput, da LDA: “Mediante contrato de edição, o editor,obrigando-se a repro- duzir e a divulgar a obra literária, artística ou científica, fica autorizado, em caráter de exclu- sividade, a publicá-la e a explorá-la pelo prazo e nas condições pactuadas com o autor”. Convém anotar, finalmente, que a cessão, total ou parcial, deverá se fazer sempre por escrito e presume-se onerosa.97 Já a licença pode- rá ser convencionada oralmente e sobre ela não recai presunção legal de onerosidade. O mecanismo das licenças, seu uso, seus limites e sua aplicação como modo de solução de problemas envolvendo bens protegidos por direitos autorais serão objeto específico do capítulo terceiro deste tra- balho. 1.4. Aplicação dos direitos autorais no âmbito da internet A história é conhecida de todos: a internet surgiu, embrionaria- mente, em 1969 como parte de um projeto de interesse militar. Denis Borges Barbosa e Nélida Jessen comentam a respeito dos primeiros anos de existência da internet:98 De seu início militar, a rede migrou para um sistema de inter- comunicação de interesse da pesquisa científica, permitindo aces- so a grandes computadores por todos os participantes de seu sis- tema. Na época, como agora, uma rede local de uma universidade se ligava muitas vezes por linha telefônica dedicada, mas também pela comum, a outras redes de outras universidades na mesma região ou não, e o acesso à informação se dava por qualquer dos caminhos da teia. Assim, uma mensagem entre duas cidades con- tíguas pode circular por regiões distantes, até mesmo pelo outro lado do mundo, em questões de segundos. Mesmo partes de men- sagens, que são separadas em pequenos pacotes, podem circular por caminhos diversos, sendo reunidas no destino, conforme haja congestionamento nas rotas do fluxo. Da rede original (ARPANET) criaram-se outras similares (BIT- NET, USENET etc.) que terminaram por unir-se todas umas às outras. Esta pluralidade, e a natureza autônoma da rede em seu conceito básico, resultou em que não haja um dono ou administra- dor da Internet. Centenas de milhares de operadores mantêm suas Sérgio Vieira Branco Júnior 40 97 LDA, art. 50, caput. 98 BARBOSA, Denis Borges e JESSEN, Nelida Jabik. O Uso Livre de Música Encontrada na Internet. Revista de Direito Autoral, São Paulo, Ano I, n. II, fevereiro de 2005. p. 156. próprias redes elementares de forma independente, tendo entre si apenas protocolos comuns de comunicação e informação. Não há uma central de armazenamento de informações, nem ponto de controle, nem canal de comunicação próprio para a Internet, e não há viabilidade técnica para criar tal central. As dimensões a que a rede foi capaz de chegar são de todos co- nhecidas. Prosseguem os autores:99 A Internet não é um local físico: como uma rede gigante que conecta grupos inumeráveis de computadores interligados, é uma rede de redes, constituindo um lugar virtual sem fronteiras físicas nem correlação com o espaço geográfico. Seu tamanho varia a cada momento, e enquanto em 1980 ele compunha-se de 300 com- putadores, nove anos depois tinha 90.000; em 1993, um milhão; em 1996, 9.400.000; em 1999 estima-se que duzentos milhões de pes- soas venham a ter acesso à rede.100 A internet talvez seja o símbolo maior da globalização, no sentido de que foi capaz de abolir as fronteiras e de unificar o meio de comuni- cação entre os povos. A bem da verdade, a globalização pode ser enca- rada como um fato ou, mais sintomaticamente, como uma fatalidade.101 Também a partir da disseminação da internet foi possível cunhar-se o termo que hoje se nos afigura tão representativo de “sociedade da infor- mação”. Assim se manifesta sobre o tema José de Oliveira Ascensão:102 Concentremo-nos agora na sociedade da informação, que tem como instrumento nuclear a Internet. Esta última foi objeto de pro- funda e rápida metamorfose: nascida militar, passou a rede cientí- fica desinteressada, depois a meio de comunicação de massas, Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 41 99 BARBOSA, Denis Borges e JESSEN, Nelida Jabik. O Uso Livre de Música Encontrada na Internet. Cit., pp. 155-156. 100 A estimativa, hoje, é de que haja quase 1 bilhão de usuários da internet no mundo. Informação disponível em http://www.internetworldstats.com/stats.htm. Acesso em 02 de novembro de 2005. 101 ASCENSÃO, José de Oliveira. Sociedade da Informação e Mundo Globalizado. Propriedade Intelectual & Internet. WACHOWICZ, Marcos (coord.). Curitiba: Juruá Editora, 2004. 102 ASCENSÃO, José de Oliveira. Sociedade da Informação e Mundo Globalizado. Cit., pp. 22-23. tem pouca ou nenhuma importância, exceto para se produzir prova de sua criação ou de sua anterioridade, já que não se exige a exterioriza- ção da obra em determinado meio específico para que a partir daí nasça o direito autoral. Este existe uma vez que a obra tenha sido exte- riorizada, independentemente do meio. A doutrina indica os requisitos para que uma obra seja protegida no âmbito da LDA. São eles: a) Pertencer ao domínio das letras, das artes ou das ciências, conforme prescreve o inciso I do art. 7º, que determina, exem- plificativamente, serem obras intelectuais protegidas os tex- tos de obras literárias, artísticas e científicas. b) Originalidade: este requisito não deve ser entendido como “novidade” absoluta, mas sim como elemento capaz de dife- rençar a obra daquele autor das demais.107 Aqui, há que se ressaltar que não se leva em consideração o respectivo valor ou mérito da obra. Dessa forma, “mesmo as obras de mínimo valor intelectual encontram abrigo no plano autoral, desde que revelem criatividade,108 inclusive se o uso se não inserir no contexto das artes, ciências ou literatura (...). A criativida- de é, pois, elemento ínsito nessa qualificação: a obra deve resultar de esforço intelectual, ou seja, de atividade criadora do autor, com a qual introduz na realidade fática manifesta- ção intelectual estética não-existente (o plus que acresce ao acervo comum)”.109 Sérgio Vieira Branco Júnior 44 de que trata a lei, as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais. 107 Neste aspecto, o direito de autor se assemelha ao direito marcário, que tem como um de seus postulados de proteção a novidade relativa – e não absoluta – da marca que se pre- tende registrar. 108 Eliane Y. Abrão indaga: “Deveria a lei autoral tratar diferentemente o artista ou autor genial, criador de tendência, daquele outro que, igualmente criativo, a segue?”, e res- ponde: “Positivamente não, porque protege a lei qualquer obra que contenha elementos criativos, e não uma obra mais criativa que outra, ou autor mais criativo que outro. Portanto, é a criação fixada a condição de proteção e não a originalidade em relação ao universo das obras criativas, porque todas são dotadas de originalidade relativa”. ABRÃO, Eliane Y.. Direitos de Autor e Direitos Conexos. Cit., p. 96. 109 BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. Cit., p.22. c) Exteriorização, por qualquer meio, conforme visto anterior- mente, obedecendo-se, assim, ao mandamento legal previsto no art.7º, caput, da LDA. d) Achar-se no período de proteção fixado pela lei110 Uma vez atendidos a estes requisitos, a obra gozará de proteção autoral. Não se exige que a obra que se pretende proteger seja neces- sariamente classificada entre os treze incisos do artigo 7º, já que a dou- trina é unânime em dizer que o caput deste artigo enumera as espécies de obra exemplificativamente. Por outro lado, é necessário que a obra não se encontre entre as hipóteses previstas no artigo 8º111 da LDA, que indica o que a lei con- sidera como não sendo objeto de proteção por direitos autorais. Sabe-se que a internet não é um lugar físico:112 Na verdade, muito mais preciso é dizer-se que a internet é um meio pelo qual podem ser Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 45 110 NETTO, José Carlos Costa, Direito Autoral no Brasil. Cit., p. 56. O prazo de proteção dos direitos patrimoniais é de 70 (setenta) anos contados de 1º de janeiro do ano subseqüen- te ao seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil, nos exatos termos do art. 41 da LDA. 111 Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei: I - as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais; II - os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios; III - os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informa- ção, científica ou não, e suas instruções; IV - os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais; V - as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas; VI - os nomes e títulos isolados; VII - o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras. 112 A tarefa de classificar a internet é difícil e as soluções são controversas. Demócrito Ramos, ao tratar da matéria, afirma que há aqueles que defendem que a internet deve ser tratada como um lugar. Assim esclarece: “Por esta razão, sustentam os defensores dessa corrente, o cyberspace deve ser tratado para fins legais como um lugar, separado do mundo tangível, o qual se alcança toda vez em que a pessoa se conecta à rede mun- dial de comunicação. Não se deve entendê-lo como simples meio de transmissão que faci- lita a troca de mensagens de uma localidade para outra. Aplicar leis de eficácia espacial (territorial) limitada às transações na Internet, ou mesmo tentar analisar as conseqüên- cias legais delas como se fossem relações ocorridas em algum ponto geográfico em par- ticular, é totalmente insatisfatório. As comunicações eletrônicas deixam registros (e mesmo simultaneamente) através de diferentes jurisdições territoriais, não se podendo avaliar qual delas teria legitimidade para resolver os conflitos decorrentes e aplicar suas próprias leis. Com esse sentir, defendem que os problemas surgidos com a comunicação eletrônica, além das fronteiras territoriais podem ser resolvidos através de um princípio tornadas disponíveis obras intelectuais em formato digital. Por isso mesmo que as regras vigentes no “mundo real” devem ser aplicáveis também às obras tornadas disponíveis na internet. Sendo assim, entendemos que tais obras devem se sujeitar aos princípios e regras adotados pela LDA e receberão proteção na medida em que preencham os requisitos legais. Sérgio Vieira Branco Júnior 46 simples: concebendo o cyberspace como um lugar distinto do mundo real. Por meio dessa convenção, não mais seria necessário inquirir ‘onde’ no espaço geográfico uma transa- ção realizada por meio da Internet deve-se considerar ocorrida”. (grifos do autor). REI- NALDO FILHO, Demócrito Ramos. Responsabilidade por Publicações na Internet. Cit., pp. 155-156. Quando falamos de bens culturais, tratamos necessariamente de direito autoral,5 que é um ramo da chamada propriedade intelectual. Conforme visto no capítulo anterior, o direito autoral apresenta duas manifestações distintas, intrinsecamente conectadas, sendo uma de aspecto moral e outra de aspecto patrimonial, pecuniário ou, se prefe- rirmos, econômico. Quanto à parcela do direito moral, a doutrina afirma que se trata de direito da personalidade.6 E como se sabe, os direitos da personalidade têm por característica, entre outras, serem insuscetíveis de avaliação pecuniária. Dessa forma, quando nos referimos aos aspectos do direito autoral relacionados à sua avaliação econômica, não podemos estar nos referindo a outros direitos senão àqueles de caráter patrimonial. A Constituição Federal prevê, em seu art. 5º, incisos XXII e XXIII, que é garantido o direito de propriedade, sendo que esta atenderá a sua função social (grifamos). Adiante, no art.170, que inaugura o capítu- lo a respeito dos princípios gerais da atividade econômica, a Carta Magna estabelece que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados determinados princípios, dentre os quais se destaca a função social da propriedade (grifamos). Ora, se de acordo com a doutrina dominante, o direito autoral é ramo específico da propriedade intelectual, há que se averiguar em que medida sobre o direito autoral incide a funcionalização social de sua propriedade. Ressaltamos desde logo que o tema será retomado, numa análise sistemática dos artigos constitucionais, no início do capítulo subseqüente. Por este motivo, nos dedicaremos, neste capítulo, ao estudo de aspectos econômicos relativos à matéria, a partir das pecu- liaridades atinentes aos direitos autorais. Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 49 5 Especificamente sobre o tema, José de Oliveira Ascensão escreve: “mesmo no campo do Direito Autoral, os numerosos estudos feitos sobre as chamadas empresas de copyright assinalam a fatia volumosa e sempre em crescimento que estas têm no produto interno bruto dos países industrializados”. E mais adiante: “opera-se uma desmaterialização da economia, que vai tornando estratégicos bens cada vez mais abstratos, mais afastados da realidade imediatamente captável. É o que acontece com os direitos intelectuais, que por sua natureza estão perfeitamente adaptados ao caráter predominantemente virtual da vida económica contemporânea”. Direito do Autor e Desenvolvimento Tecnológico: Controvérsias e Estratégias. Cit., p. 13. 6 Nesse sentido, CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. Campinas: Romana, 2004. p. 24, entre outros. A propriedade é direito real, conforme determina o art. 1225, I, do Código Civil.7 Segundo Orlando Gomes, “o direito real de propriedade é o mais amplo dos direitos reais, - ‘plena in re potesta’”8 (grifos do autor). De acordo com o art. 1.228, caput, do Código Civil, o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Em consonância com os ditames constitucionais, o § 1º do mesmo artigo, determina que “o direito de propriedade deve ser exercido em conso- nância com as finalidades econômicas e sociais (...)”. A respeito da conceituação de propriedade, Orlando Gomes afir- ma.9 Sua conceituação pode ser feita à luz de três critérios: o sinté- tico, o analítico e o descritivo. Sinteticamente, é de se defini-lo, com Windsched, como a submissão de uma coisa, em todas as suas relações, a uma pessoa. Analiticamente, o direito de usar, fruir e dispor de um bem, de reavê-lo de quem quer que injusta- mente o possua. Descritivamente, o direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, pelo qual uma coisa fica submetida à vonta- de de uma pessoa, com as limitações da lei. (grifos do autor) Em análise substancial à conceituação acima, transcrevemos as palavras do referido autor, uma vez que serão de grande utilidade em nossas considerações posteriores:10 A propriedade é um direito complexo, se bem que unitário, consistindo num feixe de direitos consubstanciados nas faculda- des de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa que lhe serve de objeto. Direito absoluto também é porque confere ao titular o poder de decidir se deve usar a coisa, abandoná-la, aliená-la, destruí-la, e, ainda, se lhe convém limitá-lo, constituindo, por desmembramento, outros direitos reais em favor de terceiros. Em outro sentido, diz-se, igualmente, que é absoluto, porque oponível a todos. Mas a oponi- Sérgio Vieira Branco Júnior 50 7 Art. 1225: São direitos reais: I – a propriedade; (...) 8 GOMES, Orlando. Direitos Reais - 10ª ed. Rio de Janeiro: ed. Forense, 1994. p. 85. 9 GOMES, Orlando. Direitos Reais. Cit., p. 85. 10 GOMES, Orlando. Direitos Reais. Cit., pp. 85-86. bilidade erga omnes não é peculiar ao direito de propriedade. O que lhe é próprio é esse poder jurídico de dominação da coisa, que fica ileso em sua substancialidade ainda quando sofre certas limita- ções. Por último, seu caráter de direito absoluto se manifesta mais nitidamente no aspecto real de poder direto sobre a coisa com o qual se distingue das outras relações jurídicas. O direito de propriedade é perpétuo. Incluindo a perpetuidade entre seus caracteres, significa-se que tem duração ilimitada, e não se extingue pelo não-uso. O aspecto pessoal do direito de propriedade revela-se no jus prohibendi, que consiste no poder de proibir que terceiros exerçam sobre a coisa qualquer senhorio. Por esse motivo, diz-se que é um direito exclusivo. Tem ainda, como característica, a elasticidade, pois pode ser distendido ou contraído, no seu exercício, conforme se lhe agre- guem ou retirem faculdades destacáveis. Considerada na perspectiva dos poderes do titular, a proprie- dade é o mais amplo direito de utilização econômica das coisas, direta ou indiretamente. O proprietário tem a faculdade de servir- se da coisa, de lhe perceber os frutos e produtos, e lhe dar a des- tinação que lhe aprouver. Exerce poderes jurídicos tão extensos que a sua enumeração seria impossível. (grifos do autor) Preliminarmente, diante das características dos direitos da pro- priedade, conforme definição de Orlando Gomes, observa-se que é pos- sível atribuir-se ao direito autoral as peculiaridades atinentes à pro- priedade, exceto no que diz respeito à perpetuidade. Como se sabe, o titular do direito autoral tem sua propriedade limitada no tempo nos termos da LDA. Afinal, os direitos patrimoniais de autor perduram por 70 anos, contados de 1º de janeiro do ano subseqüente ao seu faleci- mento, obedecida a ordem sucessória da lei civil.11 Na limitação temporal do direito autoral reside a primeira distin- ção entre os direitos autorais e os demais direitos de propriedade. Mas não só aqui o direito autoral deve ser considerado distinto destes; nem é esta sua distinção mais relevante. Segundo Antônio Chaves,12 a diferença entre o direito autoral e os demais direitos de propriedade material revela-se pelo modo de aquisi- Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 51 11 Art. 41 da LDA. 12 CHAVES, Antônio. Direito de Autor – Princípios Fundamentais. Cit., p. 16. No entanto, o uso da obra em si, do texto do livro, só poderá ser efetivado dentro das premissas expressas da lei. Por isso, embora numa primeira análise ao leigo possa parecer razoável, não é facultado ao proprietário do livro copiar seu conteúdo na íntegra para revenda. Afinal, nesse caso não se trata de uso do bem material “livro”, mas sim uso do bem intelectual (texto) que o livro contém. Esse princípio foi positivado na LDA, em seu artigo 37, que assim dispõe: Art. 37: A aquisição do original de uma obra, ou de exemplar, não confere ao adquirente qualquer dos direitos patrimoniais do autor, salvo convenção em contrário entre as partes e os casos pre- vistos nesta Lei. Mesmo que se trate de um quadro, em que a obra estará indisso- ciavelmente ligada a seu suporte físico, a alienação do bem material não confere a seu adquirente direitos sobre a obra em si, de modo que ao proprietário do quadro não será facultado, a menos que a lei ou o contrato com o autor da obra assim preveja, reproduzir a obra em outros exemplares. Não só na construção jurídica os direitos autorais (bem como os demais direitos de propriedade intelectual) distinguem-se dos direitos de propriedade. Há aspectos relevantes de natureza econômica e mer- cadológica. Nesse ponto, importante fazer referência à teoria do mar- ket failure a que a doutrina, especialmente americana, vem se dedican- do nos últimos anos. Supõe-se que o mercado seria idealmente capaz de regular as for- ças econômicas que regem a oferta e a demanda, de modo que o pró- prio mercado se encarregaria de providenciar a distribuição natural dos Sérgio Vieira Branco Júnior 54 tíveis de reapropriação, tanto pelos custos mais elevados para a transmissão dos bens quanto na particularidade de que bens intelectuais alimentam a criação de novos bens intelectuais e que sua disseminação deve ser incentivada. No original, lê-se: “the law treats the abandonment of intellectual property differently. Once it is abandoned, it beco- mes part of the public domain and property rights cannot be obtained in it. The differen- ce in legal treatment is explicable by reference not only to the higher transaction costs of intellectual compared to physical property, but also to the traditional emphasis on the role of intellectual property rights in providing incentives to create such property. Once it has been created and abandoned, there is no felt need, from the standpoint of incentivizing, to allow its reappropriation”. LANDES, William M. e POSNER, Richard A. The Economic Structure of Intellectual Property Law. Harvard University Press, 2003. p. 32. recursos existentes e dos proveitos a serem auferidos. No entanto, essa regra não se verifica nos casos em que se trata de propriedade intelec- tual, conforme os motivos aduzidos por Denis Borges Barbosa:21 No entanto, existe um problema: a natureza dos bens imate- riais, que fazem com que, em grande parte das hipóteses, um bem imaterial, uma vez colocado no mercado, seja suscetível de imedia- ta dispersão. Colocar o conhecimento em si numa revista científica, se não houver nenhuma restrição de ordem jurídica, transforma-se em domínio comum, ou seja, ele se torna absorvível, assimilável e utilizável por qualquer um. Na proporção em que esse conhecimen- to tenha uma projeção econômica, ele serve apenas de nivelamen- to da competição. Ou, se não houver nivelamento, favorecerá aque- les titulares de empresas que mais estiverem aptos na competição a aproveitar dessa margem acumulativa de conhecimento. Mas a desvantagem dessa dispersão do conhecimento é que não há retorno na atividade econômica da pesquisa. Conseqüente- mente, é preciso resolver o que os economistas chamam de falha de mercado, que é a tendência à dispersão dos bens imateriais, principalmente aqueles que pressupõem conhecimento, através de um mecanismo jurídico que crie uma segunda falha de mercado, que vem a ser a restrição de direitos. O direito torna-se indisponí- vel, reservado, fechado, o que naturalmente tenderia à dispersão. Em suma, uma vez efetivada a transmissão de um bem móvel qualquer,22 o novo proprietário poderá exercer sobre o bem adquirido todas as faculdades inerentes à propriedade, havendo total desprendi- mento do bem quanto a seu titular original.23 Por outro lado, aquele que adquire um bem material que contém obra protegida por direito autoral (uma obra de artes plásticas, por exemplo), poderá exercer as faculdades da propriedade sobre o bem material, mas não sobre o bem intelectual, exceto no que a lei permitir, ou por previsão contratual. Além disso, jamais deixará de existir o vín- culo entre autor e obra, pois ainda que o original da obra seja alienado e ainda que venha a ser destruído, o autor terá resguardado os seus Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 55 21 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. Cit., pp. 71-72 22 Conforme artigo 1.226 do Código Civil, “os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição”. 23 Exceto, pode-se afirmar, quanto às responsabilidades advindas por ato ilícito. direitos morais que prevêem, inclusive e entre outros, o direito de ter seu nome indicado ou anunciado como autor da obra.24 Finalmente, como o mercado não é capaz de regular eficientemen- te a oferta das obras intelectuais, é indispensável a intervenção esta- tal a fim de se garantir a continuidade de investimentos. Afinal, se um agente do mercado investe no desenvolvimento de determinada tecno- logia que, por suas características, resulta em altos custos de investi- mento mas facilidade de cópia, o mercado será insuficiente para garan- tir a manutenção do fluxo de investimento.25 Estas questões se tornam muito mais complexas quando tratadas no âmbito da internet. Já vimos que sobre as obras disponíveis na internet incidem os mesmos princípios previstos na LDA. Entretanto, em razão das peculiaridades do mundo digital, algumas considerações adicionais são absolutamente relevantes. Quando, no mundo físico, A é proprietário de um carro, isso impe- de B de sê-lo, simultaneamente com A, exceto numa situação de con- domínio. Mas ainda assim, se A estiver usando o carro de que é pro- prietário, isso impede B de usar autonomamente, ao mesmo tempo, o mesmo carro. Isso significa que, no mundo físico, palpável, existe uma escassez de bens, o que equivale a dizer que a utilização de um bem por alguém normalmente impedirá a utilização simultânea deste mesmo bem por outrem. Dessa forma, se C furta o carro de A, A descobrirá o furto rapida- mente porque o furto o impedirá de usar seu próprio carro. A provavel- mente reportará o furto e tomará as medidas necessárias à recuperação do carro. Mas o mesmo não ocorre com a propriedade intelectual. Se C reproduz o trabalho intelectual de A, A poderá não descobrir essa repro- dução não autorizada por um longo tempo (ou talvez, nunca) porque a reprodução por parte de C não o impede de usar seu próprio trabalho.26 Além disso, a reprodução pode ocorrer em outro estado ou país.27 Esse sempre foi o grande dilema da propriedade intelectual.28 Daí, inclusive, surgiu a preocupação de se obter sua proteção internacional, Sérgio Vieira Branco Júnior 56 24 Art. 24, I, da LDA. 25 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. Cit., pp. 71-72 26 Por isso, os bens de propriedade intelectual são chamados pela doutrina de “não rivais”, pois o uso por uma pessoa não impede o uso do mesmo bem, ao mesmo tempo, por outra. 27 LANDES, William M. e POSNER, Richard A. The Economic Structure of Intellectual Property Law. Cit., pp. 18-19 28 Thomas Jefferson teria dito, a respeito da diferença entre a natureza das idéias e dos bens materiais, que sua característica peculiar, a respeito das idéias, é que ninguém a Ora, numa sociedade globalizada em que, por meio da internet, tor- nou-se potencialmente acessível toda e qualquer obra digital que, inde- pendentemente de seu custo agregado de produção, pode ser reproduzi- da a um custo ínfimo e com cópias de grande qualidade, realmente é necessário que se repense a disciplina dos direitos autorais. Surge, à evi- dência, uma forma de propriedade muito mais volátil do que aquela a que estávamos acostumados e, em razão de suas peculiaridades e das novas perguntas que enseja, novas respostas devem ser elaboradas. Com a eloqüência dos números já apresentados referentes à indústria do entretenimento,34 não há que se hesitar em dizer: o direi- to autoral serve, atualmente, sobretudo à indústria do entretenimento, aos grandes conglomerados de comunicação, às multinacionais produ- toras de diversão. Se beneficiam por acaso o autor desconhecido, o músico incipiente, o artista plástico dos rincões do país, não será senão por uma feliz coincidência. Alguns exemplos são relevantes. Nos Estados Unidos, o prazo original de proteção de direitos auto- rais era de 14 (catorze) anos e foi sendo progressivamente acrescido até chegar aos 70 (setenta) anos contados da morte do autor,35 que é, a propósito, o nosso prazo atual de proteção.36 Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 59 (…) has two components. The first is the cost of creating the work. We assume that it does not vary with the number of copies produced or sold, since it consists primarily of the author’s time and effort plus the cost to the publisher of soliciting and editing the manus- cript and setting it in type. Consistent with copyright usage, we call the sum of these costs the ‘cost of expression’. It is, to repeat, a fixed cost. The second component, the cost of pro- ducing the actual copies, increases with the number of copies produced, for it is the cost of printing, binding, and distributing individual copies. It is thus a variable cost”. 34 E outros podem ser adicionados. Segundo o website Consulto Jurídico, a indústria do entretenimento cresce vertiginosamente no mundo todo. Segundo previsão feita pela consultoria PricewaterhouseCoopers, em 2008 o faturamento mundial dos negócios vol- tados para o mercado da diversão deve atingir US$ 1,8 trilhão — US$ 500 bilhões a mais do que em 2004. Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/40657,1. Acesso em 08 de janeiro de 2006. 35 “Nos Estados Unidos, o período de proteção é de fato bastante longo: a vida do autor mais 70 anos, ou no caso de obras ‘sob encomenda’ ou de autores anônimos, 95 anos con- tados da data de publicação ou 120 anos da data de criação, o que for mais curto”. No original, lê-se que “In the United States, the period protected by copyright is very long indeed: the life of the creator plus 70 years, or in the case of works made ‘for hire’ or by creators who are not identified, 95 years from the date of publication or 120 years from the creation, whichever is shorter”. ST. LAURENT, Andrew M. Understanding Open Source and Free Software Licensing. Sebastopol: O’Reilly, 2004. p .1. 36 Art. 41 da LDA: Os direitos patrimoniais do autor perduram por 70 anos, contados de 1º de janeiro do ano subseqüente ao seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil. Entretanto, em 1998, o Congresso norte-americano aprovou uma lei que prorrogou por outros 20 (vinte) anos o já extenso prazo anterior, em decorrência, sobretudo, da pressão de grupos de mídia como a Disney, que estava prestes a perder o Mickey Mouse para o domínio público. Assim, “o ratinho Mickey, que cairia em domínio público em 2003, ganhou uma sobrevida no cativeiro por mais 20 anos. E com ele levou a obra de George Gershwin e todos os outros bens culturais que teriam caído em domínio público não fosse a mudança na lei”.37 É evidente que o excesso de zelo com os direitos autorais pode se voltar também contra a indústria, e criar a necessidade de se estrutu- rar um verdadeiro emaranhado de licenças e autorizações quando da realização de um filme, por exemplo. Nesse sentido, Lawrence Lessig, diante de tantas imposições da indústria cinematográfica norte-ameri- cana com relação ao clearing38 de direitos autorais na produção de um filme, afirma que um jovem cineasta estaria livre para realizar um filme desde que em uma sala vazia, com dois de seus amigos.39 De maneira alguma, os direitos autorais devem existir apenas para beneficiar as engrenagens da indústria do entretenimento. Não é para beneficiar um grupo seleto que se pode restringir o desenvolvimento e o acesso à cultura. Por isso, ainda que a supremacia da indústria cultu- ral seja uma realidade, o sistema protetivo de direitos autorais deve se prestar a abranger toda e qualquer obra criativa que nele se insira, independentemente de sua qualidade ou magnitude.40 Sérgio Vieira Branco Júnior 60 37 LEMOS, Ronaldo. A Revolução das Formas Colaborativas. Folha de São Paulo, São Paulo, 18 de abril de 2004. Caderno Mais, p. 10. 38 Denomina-se clearing o ato de se obter todas as licenças necessárias ao uso de obras de terceiros que apareçam no filme, ainda que incidentalmente, de modo a evitar possíveis transtornos na exibição da obra. “Os Doze Macacos”, filme de 1995, dirigido por Terry Gilliam, teve sua exibição suspensa judicialmente porque um artista afirmou que era exi- bida no filme uma cadeira cujo desenho era de sua autoria. LESSIG, Lawrende. The Future of Ideas. New York: Random House, 2001. p .4. 39 No original, lê-se que “I would say to an 18-year-old artist, you’re totally free to do whate- ver you want. But – and then I would give him a long list of all the things that he couldn’t include in his movie because they would not be cleared, legally cleared. That he would have to pay for them. [So freedom? Here’s the freedom]: You’re totally free do make a movie in an empty room, with your two friends”. LESSIG, Lawrende. The Future of Ideas. Cit., p .5. 40 O site www.oglobo.com publicou, em 27 de agosto de 2004, nota informando que um faxineiro da Tate Gallery, renomada galeria de artes de Londres, havia jogado fora um saco que fazia parte de uma instalação porque pensou que se tratasse de lixo. Na verda- de, o saco de lixo transparente, cheio de jornais, papelão e outros pedaços de papel, era parte de um trabalho do artista alemão Gustav Matzger. Disponível em http://oglo- bo.globo.com/online/plantao/145638905.asp. Acesso em 27 de agosto de 2004. Não é, entretanto, a efetivação da anteriormente referida “aterro- rizante” ameaça que fará desaparecer o direito de autor, muito menos minar a produção intelectual. Mesmo antes de haver leis protetoras dos direitos autorais, havia larga produção de obras intelectuais, sendo que aos autores era permitido se valerem muito mais das obras alheias para criar as suas, já que praticamente tudo encontrava-se em domínio público. Entendemos que o meio termo deve ser buscado. Em princípio, e em linhas gerais, os direitos autorais têm a nobre função de remunerar os autores pela sua produção intelectual. De contrário, os autores teriam que viver, em sua maioria, subsidiados pelo Estado, o que tor- naria a produção cultural infinitamente mais difícil e injusta. Por outro lado, os direitos autorais não podem ser impeditivos ao desenvolvimento cultural e social. Conjugar os dois aspectos, numa economia capitalista, globalizada e, não bastasse, digital, é função árdua a que devemos, entretanto, nos dedicar. É na interseção dessas premissas, que devem abrigar ainda os interesses dos grandes grupos capitalistas e dos artistas comuns do povo, bem como dos consumidores de arte, qualquer que seja sua ori- gem, que temos que acomodar as particularidades econômicas dos direitos autorais e buscar sua função social. 2.2. Limitações aos direitos autorais e o problema da cópia privada No mundo das idéias, a velha máxima de Lavoisier41 parece se concretizar de maneira particularmente profícua. A cultura se auto-ali- menta, de modo que cada composição artística só é possível na medi- da em que absorve uma série de influências (muitas vezes inconscien- tes por parte de seu autor) do repositório natural existente ao alcance de todos.42 Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 61 41 Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794), considerado o pai da química, deduziu a célebre lei de conservação da matéria: “na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se trans- forma”. Disponível em http://216.239.51.104/search?q=cache:n_CGFLYxbkgJ:www.fem. unicamp.br/~em313/paginas/person/lavoisie.htm+lavoisier+tudo+se+transfor- ma&hl=pt-BR. Acesso em 08 de Janeiro de 2006. 42 Interessantes observações são feitas por Landes e Posner com relação ao uso, por parte de autores famosos, de obras preexistentes: O efeito do direito autoral nos autores de obras subseqüentes requer especial ênfase. Criar um novo trabalho envolve pegar emprestado ou criar a partir de trabalhos anteriormente existentes, bem como adicionar pendentemente de autorização do autor. Não há que se confundir com os casos em que não há proteção sobre a obra, como aqueles a que se refe- re o artigo 8º da LDA. De acordo com Eliane Y. Abrão,47 haveria portan- to distinção entre os casos de isenção e de imunidade. Vejamos: Dentro do universo de obras intelectuais, encontramos as que são protegidas pelos direitos de autor, e as que não são. Partindo do campo das obras protegidas, veremos que, em alguns casos excepcionais, e por expressa disposição legal, o uso parcial ou integral delas independe da prévia e expressa autorização de seu criador, como é regra nesse instituto. Fora do campo das obras pro- tegidas, não há que se falar em autorização prévia, não pelas exce- ções, mas em função da própria natureza dessas obras. O primei- ro grupo forma o campo das isenções ao princípio da autorização prévia, e o segundo, o das imunidades. Uma vez que a doutrina parece entender que não há um direito natural às criações intelectuais (conforme visto anteriormente), é fácil observar que os casos de isenções (para usarmos a terminologia da autora citada) são uma questão de política legislativa e não se encon- tram restringidos senão por tratados internacionais.48 Competirá ao legislador, portanto, definir em que medida os direitos autorais serão limitados pela lei. Podemos afirmar que o fundamento das limitações aos direitos autorais encontra-se exatamente no art. 5º, XXIII, da Constituição Federal, que prevê a função social da propriedade.49 Afinal, será em Sérgio Vieira Branco Júnior 64 47 ABRÃO, Eliane Y.. Direitos de Autor e Direitos Conexos. Cit., p. 145. 48 A Convenção de Berna prevê em seu art. 10, §1º, por exemplo, que são lícitas as citações tiradas de uma obra já licitamente tornada acessível ao público, que sejam conformes aos bons usos e na medida justificada pela finalidade a ser atingida. Mais adiante, no §3º do mesmo artigo, prevê-se que as citações e utilizações mencionadas serão acompanha- das pela menção da fonte e nome do autor, se este não figurar na fonte. Tais previsões encontram respaldo na própria Convenção de Berna, art. 9º, §2º, que determina que será regida pela lex fori a permissão de reprodução das obras em casos especiais, contanto que não afete a exploração normal da obra nem cause prejuízo injustificados aos interes- ses legítimos do autor. BASSO, Maristela. O Direito Internacional da Propriedade Intelectual. Cit., p. 94. Nesse caso, a lei dos países signatários da Convenção devem con- ter limitação semelhante, sem prejuízo de outras limitações que venham a ser impostas pelas legislações nacionais, 49 Nesse sentido, ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. As Limitações ao Direito do Autor na Legislação Autoral Brasileira. Revista de Direito Autoral – Ano I – Número II, fevereiro de 2005. Rio de Janeiro: Lumen Juris. p. 13. razão do exercício de sua função social que o legislador delimitará o uso do direito autoral por parte de seus titulares. Pode-se dizer que as limitações aos direitos autorais são autoriza- ções legais para o uso de obras de terceiros, protegidas por direitos autorais, independentemente de autorização dos detentores de tais direitos. E uma vez que a regra é impedir a livre utilização50 das obras sem consentimento do autor, as exceções previstas pela LDA em seu artigo 4651 são interpretadas como constituindo rol taxativo.52 Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 65 50 Fala-se em utilização de modo amplíssimo, incluindo-se, neste conceito, até mesmo o uso privado da íntegra da obra por parte de terceiros, ainda que sem qualquer intuito de lucros. 51 Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: I - a reprodução: a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos; b) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza; c) de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob encomen- da, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros; d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários; II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro; III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justifi- cada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra; IV - o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expres- sa de quem as ministrou; V - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmis- são de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demons- tração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equi- pamentos que permitam a sua utilização; VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro; VII - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova judi- ciária ou administrativa; VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexisten- tes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a explo- ração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos inte- resses dos autores. 52 Nesse sentido, entre outros, ABRÃO, Eliane Y.. Direitos de Autor e Direitos Conexos. Cit., p. 146. Ocorre que, como veremos, no mundo digital, as limitações que a LDA elenca são insuficientes para abarcar, no ambiente virtual da internet, o modo como boa parte de seus usuários vem fazendo uso de obras de terceiros. Não obstante, é fundamental conhecermos quais são as limitações e qual a extensão de sua aplicabilidade para podermos melhor delinear as necessidades de mecanismos alternativos que pos- sibilitem o uso de obras alheias na internet. O denominador comum das limitações indicadas no art. 46 da LDA é evidentemente o uso não comercial da obra. Concomitantemente a esse requisito, a lei valoriza o uso com caráter informativo, educacional e social. Assim é que vamos encontrar, em pelo menos três incisos do art. 46 (I, “a”, III e VI), a autorização de uso da obra com finalidade infor- mativa, para fins de discussão ou ainda, no caso específico de obra tea- tral, que venha a ser usado com propósitos didáticos. Entende-se, nesses casos, que a informação em si (inciso I, “a”) não é protegida por direitos autorais e que a comunidade tem direito à livre circulação de notícias.53 Além disso, o direito de citação para fins de estu- do, crítica ou polêmica (inciso III) é fundamental para o debate cultural e científico de qualquer sociedade. Sobre esse aspecto, observe-se que o art. 33 da LDA proíbe que se reproduza na íntegra obra que não pertença ao domínio público, a pretexto de anotá-la, comentá-la ou melhorá-la, podendo-se, entretanto, publicar os comentários em separado. A autorização decorrente do uso não comercial da obra em si, ainda que possa haver finalidade comercial transversa, respalda o uso da obra de acordo com os incisos V e VIII do multicitado art. 46. Dessa forma, é possível um estabelecimento comercial que venda eletrodomésticos valer-se de obra protegida por direito autoral, inde- pendentemente de autorização dos seus titulares, para promover a venda de aparelhos de som, televisores ou aparelhos de vídeo cassete ou DVD, por exemplo. Da mesma forma, o art. 46 (inciso VIII) permite o uso de obra pro- tegida desde que esse uso se restrinja a pequenos trechos (exceto quanto a obras de artes plásticas, quando a reprodução poderá ser integral) desde que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique o uso comercial da obra reproduzida. Não se veda aqui, portanto, que a nova obra seja comercializada. O que não pode é a obra citada ter sua exploração comercial prejudicada. Sérgio Vieira Branco Júnior 66 53 ABRÃO, Eliane Y.. Direitos de Autor e Direitos Conexos. Cit., p. 146. do homem por quem a jovem heroína se apaixonara. Entre invasões de inimigos, explosões e bombardeios, a jovem acaba por se envolver inten- samente nos conflitos. Se o leitor acha esta sinopse parecida demais com a de “... E O Vento Levou”, não está sozinho. Os tribunais franceses tam- bém acharam e acabaram condenando a autora da história. Régine Déforges publicou a trilogia “A Bicicleta Azul” tendo como pano de fundo a II Guerra Mundial e o romance foi grande sucesso de venda tanto na França quanto em outros países, inclusive no Brasil. Ocorre que as semelhanças entre “A Bicicleta Azul” e o famoso e colos- sal relato de um drama familiar durante Guerra Civil dos Estados Unidos, publicado pela primeira vez em 1936 por Margareth Mitchell, foram tantas que Régine Déforges acabou sendo condenada por plágio pelos detentores dos direitos autorais de “... E O Vento Levou”. Assim se pronunciou o tribunal que decidiu:61 Baseado no estudo comparativo entre os 2 (dois) trabalhos, é claro que o que Régine Déforges pegou emprestado do trabalho de Margareth Mitchell e incorporou em “A Bicicleta Azul” é perfeita- mente identificável e relaciona-se com os elementos mais impor- tantes do romance da Sra. Mitchell. Em adição, o tribunal entendeu que Déforges copiara “o argumen- to, o desenvolvimento da idéia e a progressão da narrativa, caracterís- ticas físicas e psicológicas da maioria dos personagens, a relação entre eles, vários personagens secundários, um grande número de situações características, a composição e a expressão de numerosas cenas e momentos dramáticos chave de ‘...E O Vento Levou’”.62 63 Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 69 61 No original, lê-se que: “Based on a comparative study of the two works, it is clear that what Regine Deforges borrowed from Margaret Mitchell’s work and incorporated into The Blue Bicycle is perfectly identifiable and relates to the most important elements of Ms. Mitchell’s novel”. Disponível em http://faculty.uccb.ns.ca/philosophy/115/origina- lity%20page2.htm. Acesso em 18 de julho de 2004. 62 No original, lê-se que “The court said Deforges copied the “general intrigue, plot develop- ment and narrative progression, the physical and psychological characteristics of the major figures, the relationships between the characters, several secondary characters, a large num- ber of characteristic situations, the composition and expression of numerous scenes and key dramatic moments” of Gone with the Wind.”. Disponível em http://faculty.uccb.ns.ca/philo- sophy/115/originality%20page2.htm. Acesso em 18 de julho de 2004. 63 Posner e Landes dão notícia de uma autêntica paródia de “... E o Vento Levou” que não é, entretanto cômica (característica padrão em se tratando de paródias), chamada “The Wind Done Gone”, em que o autor da paródia aponta os aspectos racistas da obra origi- Dessa forma, e mesmo tendo alegado que fizera uma paródia das idéias contidas no livro clássico sobre a Guerra da Secessão america- na, Déforges foi obrigada a pagar a quantia de US$ 333,000.00 (trezen- tos e trinta e três mil dólares norte-americanos) aos titulares dos direi- tos autorais da obra considerada plagiada.64 Ainda a respeito de limitações aos direitos autorais, é importante mencionar que o direito norte-americano65 prevê a figura do fair use.66 Sérgio Vieira Branco Júnior 70 nal. LANDES, William M. e POSNER, Richard A. The Economic Structure of Intellectual Property Law. Cit., p. 149. 64 O artigo extraído da internet é esclarecedor e encerra com algumas considerações inte- ressantes: “The case has been long and complicated because there are few precedents. French law forbids plagiarism, but it does allow pastiche, a centuries-old literary form defined as a humorous take-off or remake of a recognizable original text. Mitchell’s heirs saw nothing funny about The Blue Bicycle, despite Deforges’s repeated assertions that her novel was meant as a pastiche. ‘I know what plagiarism is, and it’s a very bad thing’, Deforges said when the case went to court two years ago. ‘From the beginning The Blue Bicycle was intended to be a pastiche. I never said it was supposed to be anything else’. The court rejected her argument, saying the differences between the two works were ‘undeniably secondary and inoperative, given the extent of their similarities’”. Em tradu- ção livre, lê-se que “O caso foi longo e complicado porque há poucos precedentes. A Lei Francesa proíbe o plágio, mas autoriza a paródia, forma literária secular definida como imitação humorística de um texto reconhecível. Os herdeiros de Mitchell não viram nada de engraçado a respeito de ‘A Bicicleta Azul’, a despeito das constantes afirmativas de Déforges no sentindo de que seu romance era uma paródia. ‘Eu sei o que é plágio e é algo ruim’, disse Déforges quando o caso foi parar na justiça dois anos atrás. ‘Desde o início, ‘A Bicicleta Azul’ era para ser uma paródia. Nunca disse que era para ser algo diferente’. A corte rejeitou seu argumento, dizendo que as diferenças entre os dois trabalhos eram ‘inegavelmente secundárias e irrelevantes, dada a extensão de suas semelhanças’”. 65 No Reino Unido, denomina-se fair dealing, embora haja características diferentes. Desde 1911 o fair dealing evoluiu para abarcar a cláusula geral característica do fair use bem como as especificações legislativas que o fazem aproximar-se do sistema continental europeu e, conseqüentemente, do nosso sistema brasileiro de previsão das condutas não violadoras de direitos autorais. ASCENSÃO, José de Oliveira. O “Fair use” no Direito Autoral. Direito da Sociedade e da Informação – Vol IV. Coimbra: Coimbra Editores, 2003. p. 95. 66 “O fair use é uma exceção ao direito de autor. Foi criado nos Estados Unidos e consiste numa tentativa de tornar legítimo o uso de obras literárias através da Internet, desde que sem o intuito de lucro, bastando que certos requisitos sejam observados. O funda- mento para esta prática se encontra no princípio de que a veiculação corresponderia a uma finalidade social, e não uma violação dos direitos autorais. Importante frisar que o instituto do fair use não foi recepcionado pela legislação brasileira, constituindo apenas uma questão de discussões jurídicas e outras pertinentes. Vale dizer que não obstante o fair use não esteja previsto em lei brasileira, o STJ já se pronunciou no sentido de que os shows oferecidos pelos municípios, em que não são cobrados os ingressos, não violam os direitos autorais dos artistas, o que poderíamos chamar de um atípico fair use brasi- leiro”. BLUM, Renato M. S. Opice e ABRUSIO, Juliana Canha. Lemos, Ronaldo e WAIS- BERG, Ronaldo. (Org.). Direito Autoral Eletrônico. Conflitos Sobre Nomes de Domínio e Pode-se dizer que o fair use é uma exceção de que o utente pode se valer ao ser acusado de violação de direitos autorais. Constitui cláusula geral a ser interpretada pelos tribunais sendo que, em 1976, passou a ser estatutário pela integração no título 17 do United States Code.67 De acordo com os critérios consagrados na seção 10768 do título 17 do US Code, na determinação do uso da obra para caracterização do fair use são levados em consideração:69 a) o propósito e natureza do uso, nomeadamente se é comercial ou para fins educativos e não lucrativos: mas repare-se que este afloramento não é taxativo, porque entram em conta outras ponderações e nenhum critério tem vigor de aplicação automática. De todo o modo, a natureza comercial do uso é um indicador negativo, uma vez que o direito de autor se cifra economicamente num exclusivo de exploração da obra; b) a natureza da obra: é de se supor que nas obras mais fácticas o âmbito da utilização fair seja maior que nas obras mais ima- ginativas; c) a quantidade e qualidade da utilização relativamente à obra global: por exemplo, até as citações podem ser postas em causa, se forem de tal modo longas e repetidas que acabem por representar praticamente uma apropriação do conjunto da obra; Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 71 Outras Questões Jurídicas da Internet. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas e Revista dos Tribunais (co-edição): 2003. p. 297. 67 United States Copyright Act de 1976, que foi seguido por diplomas posteriores, como o Digital Millenium Copyright Act. 68 Diz o texto original, na íntegra: § 107: Limitations on exclusive rights: Fair use. Notwithstanding the provisions of sections 106 and 106 A, the fair use of a copyrighted work, including such use by reproduction in copies or phonorecords or by any other means specified by that section, for purposes such as criticism, news reporting, teaching (inclu- ding multiple copies for classroom use), scholarship, or research, is not an infringement or copyright. In determining whether the use made of a work in any particular case is fair use the factors to be considered shall include: (1) the purpose and character of the use including whether such use is of a commercial nature or is for nonprofit educational pur- poses; (2) the nature of the copyrighted work; (3) the amount and substantiality of the por- tion used in relation to the copyrighted work as a whole; and (4) the effect of the use upon the potential market for the value of the copyrighted work. The fact that a work is unpu- blished shall not itself bar a finding of fair use if such finding is made upon consideration of all the above factors. 69 De acordo com tradução e comentários de José de Oliveira Ascensão. ASCENSÃO, José de Oliveira. O “Fair use” no Direito Autoral. Cit., pp. 95-96 certas circunstâncias autorizariam o uso da obra alheia, indepen- dentemente de prévia, nem posterior licença do titular do copyright. Siva Vaidhayanathan73 esclarece sobre o assunto:74 Se um tribunal tiver que decidir se o uso de uma obra prote- gida por direitos autorais é fair ou não, o tribunal terá que consi- derar os seguintes aspectos: o objetivo e a natureza do uso, como por exemplo se o uso de destina a fins comerciais ou educacionais; a natureza do trabalho original protegido; o quanto do trabalho protegido foi usado no trabalho subseqüente; e o efeito do uso no valor de mercado do trabalho original.75 Assim, por exemplo, se um professor copia três páginas de um livro de 200 páginas e as distribui entre seus alunos, sua conduta está coberta pelo fair use. Porém, se o professor copia o livro inteiro e o vende aos estudan- tes por preço mais baixo do que o do original, o professor estará provavelmente infringindo os direitos autorais do autor do livro. Na maioria das vezes, entretanto, o fair use é um conceito cinzen- to e fluido. (...) Adicionalmente ao fair use, o Congresso e os tribunais fede- rais têm sido relutantes na proteção de direitos autorais com rela- Sérgio Vieira Branco Júnior 74 73 Professor assistente de cultura e comunicação na Universidade de Nova Iorque. 74 VAIDHYANATHAN, Siva. Copyrights and Copywrongs: The Rise of Intellectual Property and How it Threatens Creativity. New York University Press. 2001. p. 27. Tradução livre. No original, lê-se que: “If a court is charged with deciding whether a use of a copyrigh- ted work is ‘fair’ or not, the court must consider the following issues: the purpose or cha- racter of the use, such as whether it was meant for commercial or educational use; the nature of the original, copyrighted work; the amount of the copyrighted work that was taken or used in the subsequent work; and the effect on the market value of the original work. So, for example, if a teacher copies three pages from a 200-page book and passes them out to students, the teacher is covered by fair use. But if a teacher photocopies the entire book and sells it students at a lower cost than the original book, that teacher has probably infringed on the original copyright. More often than not, however, fair use is a gray and sloppy concept. (…) In addition to fair use, Congress and the federal courts have been unwilling to enforce copyrights in the regard to private, noncommercial uses. Generally, courts have ruled that consumers are allowed to make copies of compact discs for use in their own tape players, and may record television broadcasts for later home vie- wing, as long as they do not sell the copies or display them in a public setting that might dilute the market value of the original broadcast. So despite the warnings that accompany all broadcasted sporting events, most private, noncommercial, or educational copying of copyrighted works falls under either the fair use of private use exemptions to the law”. 75 Como vimos, estes são os itens que compõe o § 107 da Lei de Direitos Autorais norte- americana, anteriormente referida. ção ao uso privado, não comercial. De maneira geral, os tribunais têm entendido que os consumidores podem fazer cópias de CD para uso próprio e podem gravar programas de televisão para assistir em horários mais convenientes, desde que não vendam as cópias nem as usem publicamente de modo a diluir o valor de mer- cado da obra original. Assim, apesar dos avisos que acompanham todos os eventos televisionados, a maioria das cópias privadas, não comerciais ou com finalidade educativa de obras protegidas por direitos autorais será considerada ou fair use ou uso privado, o que configura exceção permitida por lei. Quanto às considerações finais tratadas pelo autor na citação acima, gostaríamos de apontar dois tópicos: em primeiro lugar, que a falta de contornos visíveis do fair use nos Estados Unidos muitas vezes enseja situações absurdas que nossa lei facilmente resolveria. Em segundo lugar que, ao contrário do que talvez venha a ser permitido como fair use, diante da restritividade do inciso II do art. 46 de nossa LDA, veda-se expressamente a cópia privada, na íntegra, de obra alheia protegida por direitos autorais. Quanto ao primeiro tópico, Lawrence Lessig76 aponta um caso interessante ocorrido nos Estados Unidos e que demonstra com razoá- vel clareza os problemas que a prática acarreta na aferição do fair use. Em 1990, o documentarista Jon Else estava em São Francisco, tra- balhando em um documentário sobre óperas de Wagner. Durante uma das apresentações, Else estava filmando o trabalho das pessoas na coxia do teatro. No canto dos bastidores havia um aparelho de televi- são que apresentava, enquanto a ópera seguia seu curso, um episódio de “Os Simpsons”. Else entendeu que a inclusão do desenho animado daria um sabor especial à cena. Uma vez concluído o filme, em razão dos 4 segundos e meio em que o desenho aparecia em sua obra, o diretor foi ter com os titulares dos direitos autorais, uma vez que “Os Simpsons” são uma obra prote- gida por direitos autorais e alguém havia de ser seu titular. Inicialmente, Else procurou Matt Groening, criador de “Os Simpsons”, que imediatamente aprovou o uso do desenho no documen- tário, já que se tratava de um uso que se restringia a 4,5 segundos e não poderia causar qualquer dano econômico à exploração comercial Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 75 76 LESSIG, Lawrence. Free Culture – How Big Media Uses Technology and the Law to Lock Down Culture and Control Creativity. New York: The Penguin Press, 2004. pp. 95-99. de sua própria obra. No entanto, Groening disse a Else que procurasse Gracie Films, a empresa que produzia o programa. Uma vez contatada, os responsáveis pela área de licenciamen- to na Gracie Films manifestaram-se favoráveis ao uso de “Os Simpsons”, mas assim como Groening, queriam ser cautelosos e disseram a Else que consultasse também a Fox, empresa controla- dora da Gracie Films. Assim foi feito. Else procurou a Fox e ficou surpreso com dois fatos: primeiro, que Matt Groening não era o verdadeiro titular de direitos autorais de sua própria obra (ou assim a Fox entendia) e segundo que a Fox queria dez mil dólares para autorizar o uso dos quatro segundos e meio em que “Os Simpsons” apareciam numa televisão no canto dos bastidores de um teatro. Uma vez que Else não tinha dinheiro suficiente para pagar pelo licenciamento, antes de o documentário ser lançado, o diretor decidiu substituir digitalmente o programa de “Os Simpsons”, que aparecia na televisão, por um trecho de um outro filme que ele próprio havia dirigi- do, dez anos antes. É evidente que o caso aqui se trata de fair use, opinião que é, inclusive, endossada por Lawrence Lessig. O autor apresenta, entre- tanto, os argumentos de que Else se valeu para não confiar na possibi- lidade de usar o trecho de “Os Simpsons” sem autorização e que cita- mos, entre outros: a) antes de o filme (no caso, o documentário) ser televisionado, a emissora requer uma lista de todas as obras protegidas por direitos autorais que sejam citadas no filme e faz uma análise muito conservadora do que pode ser considerado fair use; b) a Fox teria um histórico de impedir uso não autorizado de “Os Simpsons”; c) independentemente dos méritos do uso que se faria do dese- nho animado, haveria a possibilidade de a Fox propor ação pelo uso não autorizado da obra. Lessig arremata explicando que na teoria, fair use significa possi- bilidade de uso sem permissão do titular. A teoria, assim, ajuda a liber- dade de expressão e protege contra a cultura da necessidade de per- missão. Mas na prática, o fair use funciona de maneira bem distinta. Os contornos embaçados da lei resultam em poucas possibilidades reais Sérgio Vieira Branco Júnior 76 nasse, o legislador de 1998 restringiu o uso da cópia privada (inte- gral) única: só lhe autoriza a reprodução de pequenos trechos. Em outras palavras, diante da limitação atual, infringe a lei quem reprografa um livro inteiro, ou extrai uma fita magnética completa ou outra reprodução de um CD em todas as faixas, ainda que para uso pessoal e sem intuito de lucro. É a proibição da cha- mada “cópia privada”. (...) Os argumentos em favor da proibição da cópia integral de exemplar de obra protegida são consistentes. Tome-se, como exemplo, a possibilidade de, ao mesmo tempo, duzentos ou tre- zentos estudantes de diversos pontos de um país extraírem cópias inteiras de uma edição recentemente publicada. O prejuízo do edi- tor e do autor seria de grande monta, uma vez que o referido livro poderia ser considerado um bom investimento se vendidos apenas mil exemplares. Ainda que reconheçamos a procedência dos argumentos acima, a decisão do legislador causa problemas ostensivamente incontornáveis. A começar por um evidente problema prático apontado pela própria au- tora: o cumprimento do disposto na lei é de quase impossível fiscaliza- ção. Muito em razão disso, milhares de pessoas descumprem o manda- mento legal diariamente. A seguir, e talvez o mais grave, a lei não distingue obras recém publicadas de obras científicas que só existem em bibliotecas e que ainda estão no prazo de proteção autoral. Nesse caso, torna-se a lei extremamente injusta, por não permitir a difusão do conhecimento por meio de cópia integral de obras raras cuja reprodução não acarretasse qualquer prejuízo econômico a seu autor, nem mesmo lucro cessante.84 Dessa forma, com o advento da LDA, e diante de seus termos estritos, muitas condutas praticadas diariamente estão, a rigor, diante da interpretação literal da lei, eivadas de ilegalidade. Afinal, pelo que Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 79 84 Dispõe o art. 403 do Código Civil brasileiro: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”. Ora, se a ine- xecução da obrigação (decorrente da lei que veda a cópia integral) não acarretar ao autor prejuízo direto (por não ter tido como conseqüência diminuição em seu patrimônio) nem indireto (porquanto não haveria como ser remunerado pela venda da obra se não houves- se obras a serem vendidas, já que a edição encontra-se esgotada), não há perdas e danos a serem reparados. determina a LDA, deixou de ser possível copiar um filme em vídeo para uso particular, gravar um CD – legitimamente adquirido – na íntegra para ouvir em ipod ou no carro ou, ainda, reproduzir o conteúdo integral de um livro com edição esgotada há anos. Paulo Oliver85 deu conta de que dois meses após [o início de] sua vigência, a nova Lei de Direito Autoral começa a surtir seus primeiros efeitos. Algumas universi- dades brasileiras começam a coibir uma prática até então muito comum: a cópia xerográfica de trechos e livros inteiros. Aparen- temente pouco significativa, a reprodução é vista pelas editoras como uma das vilãs do setor, que estima o prejuízo anual com as cópias ilegais em US$ 300 milhões. Em continuação, o autor comenta:86 Desde que a nova lei entrou em vigor, a reitoria da PUC de São Paulo também não está permitindo que sejam feitas cópias de livros inteiros em sua xerocopiadora central. O limite é copiar 10% das obras. Só é possível copiar totalmente uma obra quando ela for estrangeira ou tiver sua edição esgotada. Mesmo assim, o profes- sor que indicou a bibliografia aos alunos precisa assinar um termo que comprove a dificuldade de acesso à obra. Bem se vê, a partir da transcrição deste pequeno trecho, a gama de dificuldades que o texto da LDA é capaz de acarretar. Em primeiro lugar, a caracterização dos “pequenos trechos”.87 Pergunta-se: que são Sérgio Vieira Branco Júnior 80 85 OLIVER, Paulo. Direitos Autorais da Obra Literária. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2004. p. 152. 86 OLIVER, Paulo. Direitos Autorais da Obra Literária. Cit., p. 153. 87 Plínio Cabral comenta a respeito de citações de terceiros em obra própria: “A extensão das obras literárias ou científicas variam de autor para autor. O que é um pequeno tre- cho de um livro de 800 páginas? E quando o livro tiver apenas 20 páginas? E como con- siderar ‘pequeno trecho’ em relação a um poema de 10 linhas?”. CABRAL, Plínio. Direito Autoral – Dúvidas e Controvérsias. 2ª edição. São Paulo: Editora Harbra, 2000. p. 110. O autor traz à baila uma outra questão interessantíssima de que não trataremos em profun- didade porque fugiria ao escopo do trabalho. Mas quando a lei veda a cópia integral de determinada obra, há que se considerar o quê, na verdade é a obra. Um livro de poemas poderia ter pequenos trechos copiados, mas não seria cada poema uma obra em si mesma? Nesse caso, não estaria autorizada apenas a cópia de trechos de cada um dos poemas e não de qualquer dos poemas integralmente? O mesmo se aplicaria a qualquer livro de coletânea de contos, crônicas, ensaios, artigos etc. “pequenos trechos”88? Criou-se nas universidades, em razão do dis- posto neste inciso, a mítica dos 10% ou dos 20%, que seria o máximo considerado por “pequeno trecho” e que poderia ser copiado por alu- nos sem que houvesse violação de direitos autorais. Ocorre que não há qualquer dispositivo legal que limite a autori- zação de cópias a 10% (dez por cento) da obra e fazer tal exigência é incorrer em ilegalidade. Não é a extensão da cópia que deve constituir o critério mais relevante para autorizar-se sua reprodução, mas certa- mente o uso que se fará da parte copiada da obra.89 Além disso, autorizar a cópia integral de obra estrangeira – pelo simples fato de ser estrangeira – é certamente mais violadora da LDA do que restringir a possibilidade de cópia de obras nacionais a 10% (dez por cento) de seu conteúdo. Afinal, se é compreensível a busca de um parâmetro para se definir o que vêm a ser “pequenos trechos” (ainda que o resultado seja equivocado por ser o critério excessivamen- te objetivo), furtar dos estrangeiros a proteção autoral viola frontalmen- te tratados internacionais e a LDA.90 Finalmente, autorizar a reprodução integral de obra cuja edição encontre-se esgotada parece ser conduta socialmente muito relevante, Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias 81 88 Percebe-se que a idéia de “pequenos trechos” coaduna-se com os chamados conceitos legais indeterminados. “São considerados, pela doutrina, como ‘palavras ou expressões indicadas na lei, de conteúdo e extensão vagos, imprecisos e genéricos’. Eles entregam ao intérprete a missão de atuar no preenchimento dos claros, permitindo que ele extraia da norma, para o caso concreto em evidência, o que, realmente, ela pretende”. DELGA- DO, José Augusto. O Código Civil de 2002 e a Constituição Federal de 1988. Cláusulas Gerais e Conceitos Indeterminados. Aspectos Controvertidos do Novo Código Civil. ALVIM, Arruda; CÉSAR, Joaquim Portes de Cerqueira e ROSAS, Roberto (coord.). São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2003. p. 399. 89 Interessante jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão apreciou a questão relati- va aos limites constitucionais do direito de citação, ou seja, do uso em uma obra de tre- chos de outra obra, de titularidades diversas. Percebe-se que o confronto existente não é entre o direito de propriedade e direito à informação, mas sim entre o direito de pro- priedade e o direito de expressão. Tratava-se, in caso, de obra de Henrich Müller em que o autor usava, como meio de expressão, extensos trechos de Bertold Brecht. Denis Borges Barbosa, citando Markus Schneider, conclui que “há um interesse constitucio- nalmente protegido no direito de citação, não obstante a extensão dessas, desde que as citações se integrem numa expressão artística, nova e autônoma” (grifamos). BAR- BOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. Cit., pp. 100-101. 90 Art. 2º, caput, da LDA: “Os estrangeiros domiciliados no exterior gozarão da proteção assegurada nos acordos, convenções e tratados em vigor no Brasil”. Parágrafo único: “Aplica-se o disposto nesta Lei aos nacionais ou pessoas domiciliadas em país que asse- gure aos brasileiros ou pessoas domiciliadas no Brasil a reciprocidade na proteção aos direitos autorais ou equivalentes”.
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