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Guias e Dicas
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Física de Partículas, Notas de estudo de Biologia Celular e Molecular

Revisão sobre a física de partículas de forma hierarquizada e elegante. Título: O Modelo Padrão da Física de Partículas

Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010

Compartilhado em 10/11/2009

allan-albuquerque-11
allan-albuquerque-11 🇧🇷

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Baixe Física de Partículas e outras Notas de estudo em PDF para Biologia Celular e Molecular, somente na Docsity! Revista Brasileira de Ensino de F́ısica, v. 31, n. 1, 1306 (2009) www.sbfisica.org.br O Modelo Padrão da F́ısica de Part́ıculas (The Standard Model of Particle Physics) Marco Antonio Moreira1 Instituto de F́ısica, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil Recebido em 28/11/2007; Revisado em 17/7/2008; Aceito em 26/2/2009; Publicado em 30/4/2009 Inicialmente, apresenta-se, de modo simplificado, o Modelo Padrão como uma teoria sofisticada que identifica as part́ıculas elementares e suas interações. Depois, no âmbito dessa teoria, focalizam-se aspectos - o vácuo não é vazio; part́ıculas nuas e vestidas; matéria escura e vento escuro; matéria e antimatéria; o campo e o bóson de Higgs; neutrinos oscilantes - que podem ser motivadores do ponto de vista do ensino e da aprendizagem da f́ısica. Finalmente, discute-se a provável superação dessa teoria por outra mais completa. Palavras-chave: Modelo Padrão, part́ıculas elementares, ensino de f́ısica. Initially, the Standard Model is presented, in a simplified way, as a sophisticated theory that identifies the elementary particles and describes how they interact. Then, within the scope of this theory, some aspects - the vacuum is not empty; naked and dressed particles; dark matter and dark wind; matter and antimatter; the Higgs field and the Higgs boson; oscillating neutrinos - are approached as motivating topics for the teaching and learning of physics. Finally, the eventual superseding of this theory by a more complete one is discussed. Keywords: Standard Model, elementary particles, physics teaching. 1. O Modelo Padrão da F́ısica de Part́ı- culas O chamado Modelo Padrão das part́ıculas elementares não é propriamente um modelo, é uma teoria. E das melhores que temos. Aliás, na opinião de muitos f́ısicos, a melhor de todas sobre a natureza da matéria. Por exemplo, segundo Gordon Kane [1], um f́ısico teórico da Universidade de Michigan: ...o Modelo Padrão é, na história, a mais sofisticada teoria matemática sobre a na- tureza. Apesar da palavra “modelo” em seu nome, o Modelo Padrão é uma teoria com- preensiva que identifica as part́ıculas básicas e especifica como interagem. Tudo o que acontece em nosso mundo (exceto os efeitos da gravidade) resulta das part́ıculas do Mo- delo Padrão interagindo de acordo com suas regras e equações. (p. 58) De acordo com o Modelo Padrão, léptons e quarks são part́ıculas verdadeiramente elementares, no sentido de não possúırem estrutura interna. Part́ıculas que têm estrutura interna são chamadas de hádrons; são constitúıdas de quarks: bárions quando formadas por três quarks ou três antiquarks, ou mésons quando cons- titúıdas por um quark e um antiquark.2 Há seis léptons (elétron, múon, tau, neutrino do elétron, neutrino do múon e neutrino do tau) e seis quarks [quark up (u) quark down (d), quark charme (c), quark estranho (s), quark bottom (b) e quark top (t)]. Porém, os quarks têm uma propriedade chamada cor3 e podem, cada um, apresentar três cores (vermelho, verde e azul). Há, portanto, 18 quarks. Contudo, como a cada part́ıcula corresponde uma an- tipart́ıcula,4 existiriam no total 12 léptons e 36 quarks. O elétron é o lépton mais conhecido e o próton e o nêutron os hádrons mais familiares. A estrutura in- terna do próton é uud , ou seja, dois quarks u e um d ; a do nêutron é udd , isto é, dois quarks d e um u . O méson π+ é formado por um antiquark d e um quark u , o méson π− é constitúıdo por um antiquark u e um quark d . E assim por diante, ou seja, a grande maio- ria das chamadas part́ıculas elementares são hádrons e estes são formados por três quarks ou três antiquarks 1E-mail: moreira@if.ufrgs.br, www.if.ufrgs.br/∼moreira. 2Antiquark é a antipart́ıcula do quark. 3Trata-se de uma propriedade, não uma cor propriamente dita. Vermelho, verde e azul são apenas aspectos dessa propriedade. Assim como a carga elétrica, que é também uma propriedade de certas part́ıculas, pode ser positiva ou negativa, a propriedade cor, que poderia ser chamada de carga cor, apresenta três variedades que foram chamadas de vermelho, verde e azul. 4De um modo geral, uma antipart́ıcula tem a mesma massa e o mesmo spin da part́ıcula em questão, porém cargas opostas. Copyright by the Sociedade Brasileira de F́ısica. Printed in Brazil. 1306-2 Moreira (bárions) ou por um quark e um antiquark (mésons). Em prinćıpio, a teoria dos quarks, a Cromodinâmica Quântica, não proibe a existência de part́ıculas com es- trutura mais complexa do que três quarks, três anti- quarks ou um par quark-antiquark. Todavia, apenas recentemente [2] f́ısicos experimentais têm apresentado evidências de part́ıculas com cinco quarks, ou seja, pen- taquarks, como o teta mais, formado por quatro quarks e um antiquark. Mas isso ainda depende de resultados experimentais adicionais. Uma caracteŕıstica peculiar dos quarks é que eles têm carga elétrica fracionária, (+ 2/3 e) para alguns tipos e (-1/3 e) para outros. No entanto, quarks nunca foram detectados livres, estão sempre confinados em hádrons, de tal modo que a soma algébrica das car- gas dos quarks que constituem um determinado hádron é sempre um múltiplo inteiro de e. O próton, por exem- plo, é formado por dois quarks de carga (+2/3 e) e um quark de carga (-1/3 e) de modo que sua carga é (2/3, +2/3, -l/3) e, ou, simplesmente, e. Quer dizer, o quan- tum da carga elétrica continua sendo e (1,6 × 10−19 C). Resumindo, segundo o Modelo Padrão a grande quantidade de part́ıculas ele- mentares até hoje detectadas, cerca de 300, em aceleradores/colisores de part́ıculas ou em raios cósmicos, pode ser agrupada em léptons, quarks e hádrons ou em léptons e hádrons, visto que os quarks são constitu- intes dos hádrons ou, ainda, em léptons, bárions e mésons, pois os hádrons podem ser divididos em bárions e mésons. Mas como foi dito no ińıcio, o Modelo Padrão é uma teoria compreensiva que identifica as part́ıculas básicas e especifica como elas interagem. Vamos então às in- terações. Há na natureza quatro tipos de interações fun- damentais: gravitacional, eletromagnética, forte5 e fraca. Cada uma delas é devida a uma propriedade fundamental da matéria: massa (interação gravita- cional), carga elétrica (interação eletromagnética), cor (interação forte) e carga fraca (interação fraca). Se chamarmos cada uma dessas propriedades de carga te- remos quatro cargas: carga massa, carga elétrica, carga cor e carga fraca. Assim sendo, há também quatro forças fundamen- tais na natureza: força gravitacional, força eletromag- nética, força cor6 e força fraca. Todas aquelas forças que parecem ser distintas - como forças elásticas, forças de atrito, forças intermoleculares, interatômicas, in- teriônicas, forças de viscosidade, etc. - são casos parti- culares ou resultantes dessas quatro forças fundamen- tais. Mas como se dá a interação? Quem “transmite a mensagem” da força entre as part́ıculas interagentes? Isso nos leva às part́ıculas mediadoras ou part́ıculas de força ou, ainda, part́ıculas virtuais. As interações fundamentais ocorrem como se as part́ıculas interagentes “trocassem” outras part́ıculas entre si. Essas part́ıculas mediadoras seriam os fótons na interação eletromagnética, os glúons na interação forte, as part́ıculas W e Z na interação fraca e os grávitons (ainda não detectados) na interação gravita- cional. Quer dizer, part́ıculas eletricamente carregadas interagiriam trocando fótons, part́ıculas com carga cor interagiriam trocando glúons, part́ıculas com carga fraca trocariam part́ıculas W e Z enquanto part́ıculas com massa trocariam grávitons. As part́ıculas mediadoras podem não ter massa, mas têm energia,7 ou seja, são pulsos de energia. Por isso, são chamadas de virtuais. Dos quatro tipos de part́ıculas mediadoras,8 as do tipo W e Z têm massa, mas é comum chamá-las todas de part́ıculas virtuais. Poder-se-ia, então, dizer que as part́ıculas de matéria ou part́ıculas reais9 (léptons, quarks e hádrons) interagem trocando part́ıculas virtuais (fótons, glúons, 5A interação forte pode ser dividida em fundamental e residual ; a fundamental é a própria interação forte, a residual decorre de balanços imperfeitos das atrações e repulsões entre os quarks que constituem os hádrons. 6Assim como a interação forte pode ser distinguida entre fundamental e residual, a força cor pode ser diferenciada em força cor forte e força cor residual. Ou seja, a cada interação corresponde uma força, então, se a interação forte pode ser interpretada como fundamental ou residual, correspondentemente, pode-se falar em força cor forte e força cor residual. A força cor residual pode ser entendida através de uma analogia com a força eletromagnética, a chamada força de Van der Waal’s, entre dois átomos neutros ou com a força intermolecular entre duas moléculas neutras. Assim como essas forças resultam de um balanço imperfeito das atrações e repulsões entre as cargas elétricas existentes nesses átomos e moléculas, a força forte entre duas part́ıculas sem cor (i.e., neutras em relação à propriedade chamada cor) é uma força (residual) decorrente de um balanço imperfeito das atrações e repulsões entre os quarks que constituem essas part́ıculas. [3, p.G-9]. Portanto a força forte entre hádrons (part́ıculas sem cor) que está sendo aqui chamada de força cor residual é apenas uma manifestação de uma força mais forte e mais fundamental - a força cor - que atua entre quarks existentes dentro de cada hádron. 7Lembremos que há uma equivalência entre massa e energia, respectivamente. 8Mésons também podem atuar como part́ıculas mediadoras, mas no caso da interação forte residual. São os quanta do campo mesônico, o qual não é um campo fundamental como o eletromagnético, o forte, o fraco e o gravitacional. 9As part́ıculas que estão aqui sendo consideradas reais porque têm massa podem também ser virtuais como, por exemplo, os pares elétron-pósitron virtuais mencionados na seção o vácuo não é vazio, tudo depende da energia. Part́ıculas reais podem ir de um ponto A a um ponto B, conservam energia e fazem clicks em contadores Geiger. Part́ıculas virtuais não fazem nada disso. As part́ıculas mensageiras, ou part́ıculas de força, podem ser reais, mas mais frequentemente aparecem na teoria como virtuais, de modo que muitas vezes são sinônimos, ou seja, considera-se que as part́ıculas mediadoras são virtuais. [4, p. 278]. Part́ıcula virtual é um construto lógico: part́ıculas podem ser criadas tomando energia “emprestada” de alguma fonte e a duração do empréstimo é governada pela relação de incerteza de Heisenberg ∆E∆T > h/2π, o que significa que quanto maior a energia “emprestada” menor o tempo que uma part́ıcula virtual pode existir (ibid). Por exemplo, se houver disponibilidade de energia, um elétron pode emitir um fóton real que fará click em um detector Geiger real (ibid). Em resumo, tanto as part́ıculas usuais (elétrons, múons, quarks,...) como as part́ıculas mediadoras podem reais ou virtuais, podem estar em um estado real ou virtual. O Modelo Padrão da F́ısica de Part́ıculas 1306-5 na cromodinâmica quântica os quarks estão envoltos em uma nuvem de glúons (o vácuo também está cheio de glúons, part́ıculas igualmente virtuais). Pode-se, então, falar também de quarks “nus” e quarks “vestidos” ou, de um modo geral, em “part́ıculas nuas” e “vestidas”. 4. O campo e o bóson de Higgs Teoricamente, o vácuo é preenchido não só pelas part́ıculas virtuais (fantasmas?) e pelos quatro campos fundamentais, mas também por um outro campo funda- mental, chamado campo de Higgs e, consequentemente, por uma part́ıcula mediadora que seria o bóson12 de Higgs [7]. Bósons de Higgs são part́ıculas previstas teorica- mente, em 1964, pelo f́ısico escocês Peter Higgs e usadas, posteriormente, por Steven Weinberg (1967) e Abdus Salam (1968) para explicar porque outras part́ıculas, os bósons W e Z, têm massa. Havia na teoria eletrofraca, formulada em 1962 por Sheldon Glashow, um paradoxo envolvendo as part́ıculas W e Z. Por um lado, a debilidade das interações fracas requereria que tais part́ıculas tivessem massas relativamente ele- vadas. Por outro, a simetria da teoria que dava conta dessas interações exigia que suas massas fossem nulas. Tal contradição desapareceria se as massas dos bósons W e Z fossem aparentes. Quer dizer, se suas mas- sas fossem “dadas” por outras part́ıculas: os bósons de Higgs. De acordo com o chamado mecanismo de Higgs13, as part́ıculas W e Z se chocariam incessan- temente com outras part́ıculas presentes em todo o espaço, as part́ıculas de Higgs, que explicariam suas massas. Ou seja, a massa das part́ıculas W e Z seria dada pela massa das part́ıculas com as quais estariam permanentemente chocando-se. Existiria um campo de Higgs, fundamentalmente diferente dos demais campos pois, segundo a teoria, o estado de energia mı́nima desse campo ocorreria não quando se anulasse (como é o caso, por exemplo, do campo eletromagnético) mas em um determinado valor espećıfico distinto de zero [1]. Con- sequentemente, um campo de Higgs não-nulo permeia o universo, e as part́ıculas estão sempre interagindo com ele, deslocando-se através dele como pessoas vadeando na água. Essa interação lhes dá sua massa, sua inércia (ibid., p. 62). Hoje, o mecanismo de Higgs é considerado como a origem da massa de todas as part́ıculas elementares, mas o paradoxo teórico envolvendo as part́ıculas W e Z foi identificado antes que as próprias part́ıculas tivessem sido detectadas. Então, uma vez detectadas as part́ıculas (massivas) W e Z, o problema passou a ser a detecção do bóson de Higgs, o que até agora, pas- sados mais de quarenta anos, ainda não aconteceu, mas que se espera que aconteça antes de 2010. Isso porque as máquinas, ou seja, os acelera- dores/colisores/detectores de part́ıculas até hoje cons- trúıdos não foram capazes de alcançar uma energia suficiente para criar/detectar bósons de Higgs. Con- tudo, espera-se que uma máquina chamada LHC (Large Hadron Collider) em construção no CERN (Labo- ratório Europeu para F́ısica de Part́ıculas), cujo fun- cionamento está previsto para 2009,14 seja capaz de “descobrir” bósons de Higgs (ou o bóson de Higgs, pois há uma teoria que prevê a existência de um único bóson de Higgs). Ou, então, uma outra máquina, chamada Tevatron, existente no Fermilab nos Estados Unidos poderá também, por suas peculiaridades, permitir a de- tecção do Higgs. Aparentemente, ninguém duvida da existência do bóson de Higgs. Parece ser uma questão de tempo e lu- gar. Quando? Onde? Ah!, e quem? Ganhará o Nobel quem descobrir o bóson de Higgs? Ou deverá ir para Peter Higgs que o previu há quarenta anos atrás? E se não for detectado? Será necessário modificar o modelo padrão? Fazer nova(s) hipótese(s) auxiliar (es)? 5. O que é massa afinal? Paradoxalmente, a massa, uma propriedade tão fami- liar da matéria, é um dos assuntos mais pesquisados na f́ısica de part́ıculas. Os f́ısicos querem explicar essa propriedade, querem explicar por que as part́ıculas têm massa. Isso, como visto na seção anterior, tem a ver com o bóson de Higgs e melhorará e estenderá o Mo- delo Padrão. Nesta seção, esse assunto será explorado um pouco mais. Mas antes, vejamos o que hoje se con- sidera concepções alternativas (misconceptions) sobre massa, na visão de Okun [8, p. 12-13]. “Massa de repouso” e “massa relativ́ıstica” é uma terminologia antiga, do ińıcio do século XX, para man- ter a relação newtoniana entre momentum, massa e ve- locidade (p = mv). No entanto, a relação correta é a expressão relativ́ıstica p = mv/ √ 1− v2/c2 de modo que levando em conta que F = dp/dt, a expressão F = ma é válida apenas no limite não-relativista onde v/c << 1. Na mecânica relativista, a “massa de repouso” não é nem a massa inercial (i.e., o coeficiente de propor- cionalidade entre força e aceleração) nem a massa gra- vitacional (i.e., o coeficiente de proporcionalidade entre 12Bósons são part́ıculas com spin (momentum angular intŕınseco) inteiro que não obedecem o Prinćıpio da Exclusão de Pauli (duas part́ıculas com o mesmo spin não podem ocupar o mesmo estado ao mesmo tempo). 13Os f́ısicos Robert Brout e François Englert também são responsáveis pelo desenvolvimento desse aparato teórico, mas na literatura ele é usualmente referido apenas como mecanismo de Higgs. 14A expectativa era que essa máquina, cujo custo é de cerca de 8 bilhões de dólares, começasse a funcionar em 2008 e, de fato, os primeiros testes foram feitos em setembro de 2008, mas precisou ser desligada por problemas técnicos (aquecimento de supercondutores). Os reparos levaram um certo tempo e, então, novos testes terão que esperar o término do inverno europeu, por questões de economia de energia elétrica. Espera-se, assim, que 2009 seja o ano do LHC (e do bóson de Higgs). 1306-6 Moreira o campo gravitacional e a força gravitacional atuando em um corpo). A atração gravitacional não é determinada pela “massa de repouso”, pois um fóton é defletido pelo campo gravitacional apesar de ter massa nula. Como a atração gravitacional sobre um fóton aumenta com a energia do fóton somos tentados a aceitar que pelo menos nesse caso tem sentido falar em massa rela- tiv́ıstica, ou massa de movimento, mas isso não é cor- reto. Uma teoria consistente do movimento de um fóton (ou qualquer outro objeto movendo-se com veloci- dade comparável à da luz) em um campo gravitacional mostrará que a energia de um corpo não é equivalente a sua massa gravitacional. Outro exemplo dessa desafortunada terminologia é a falsa afirmação de que na f́ısica de altas energias e na f́ısica nuclear é posśıvel transformar energia em matéria e matéria em energia. A energia se conserva. A energia não se transforma em coisa alguma, são apenas distin- tas part́ıculas que se transformam umas em outras. Ou seja, a energia se conserva mas os portadores de ener- gia, e a forma em que ela aparece, de fato, mudam. Concluindo, os termos “massa de repouso” e “massa relativ́ıstica” (ou “massa de movimento”) não devem ser mais usados e massa deve significar sempre a massa relativisticamente invariante da mecânica de Einstein (op. cit.). Massa é, então, simplesmente massa, uma pro- priedade intŕınseca de certas part́ıculas elementares. Os quarks, por exemplo, têm massa. Os fótons e outras part́ıculas virtuais não têm massa. Mas a gravidade atua também em fótons, ou seja, atua sobre energia, não só sobre massa. Energia e massa estão relacionadas pela equação de Einstein E = mc2, mas isso não significa que a massa seja dependente da velocidade. Este assunto está muito bem discutido no artigo E = mc2: origem e significa- dos [9]. Mas por que têm massa as part́ıculas que têm massa? Como se explica a massa? Este é um problema que o Modelo Padrão espera resolver com o campo e o bóson de Higgs. A aquisição de massa por uma part́ıcula poderia ser explicada da seguinte maneira: o campo de Higgs es- taria permeando todo o espaço; a part́ıcula mediadora desse campo seria o bóson de Higgs. Uma part́ıcula real nesse espaço interagiria com o campo e ficaria po- larizada com bósons de Higgs que lhe dariam então massa. Haveria uma nuvem de bósons de Higgs as- sociada à part́ıcula dando-lhe massa. Metaforicamente seria análogo ao que aconteceria com uma pessoa muito importante, ou muito conhecida, que chegasse a uma festa, ou seja, a um “campo de pessoas”, e imediata- mente muitas outras pessoas viessem cumprimentá-la e permanecessem ao redor dela onde ela fosse. Ou o que aconteceria com um vendedor de sorvete que passasse por um “campo de crianças” [1]. Note-se que, a rigor, o que daria massa às part́ıculas seria o campo de Higgs, caso contrário seria necessário outro mecanismo para explicar a massa do bóson de Higgs. Um único campo de Higgs seria suficiente para explicar a massa das part́ıculas, mas poderia haver outros tipos de campos de Higgs. Aliás, o Mo- delo Padrão Supersimétrico (uma extensão do Modelo Padrão) prevê a existência de cinco bósons de Higgs (op. cit., p. 34). Até agora nenhum foi detectado, mas no LEP (Large Electron-Positron Collider) já foram obti- das evidências experimentais indiretas de que eles exis- tem. Sua detecção, como já foi dito, parece ser uma questão de tempo. E de máquina! 6. A antimatéria A antipart́ıcula de uma dada part́ıcula tem a mesma massa e spin dessa part́ıcula, porém carga elétrica oposta, assim como opostos o número bariônico,15 o número leptônico, e assim por diante. Para cada part́ıcula existe uma antipart́ıcula. Assim, a anti- matéria é constitúıda de antiprótons, antinêutrons, antielétrons (chamados pósitrons), antiléptons, anti- quarks. Part́ıculas neutras como os fótons são iguais as suas antipart́ıculas [5]. (Grávitons também seriam iguais as suas antipart́ıculas.) No ińıcio dos anos trinta, parecia que a matéria era constitúıda de prótons, nêutrons e elétrons, e a interação eletromagnética explicava porque os elétrons (negativos) ficavam ligados aos núcleos (positivos) nos átomos. Mas isso não durou muito porque para explicar a estabilidade do núcleo foi preciso postular uma nova interação fundamental, a interação forte, e para uma descrição do elétron que satisfizesse à teoria quântica e à teoria da relatividade foi necessário prever a exis- tência de antipart́ıculas. Isso foi feito por Paul Dirac e, logo depois, em 1933, Carl Anderson detectou em raios cósmicos a antipart́ıcula do elétron (antielétron ou pósitron) Antiprótons e antinêutrons foram descobertos nos anos cinquenta. Desde 1955, os f́ısicos de part́ıculas vêm criando feixes de antiprótons e desde 1995 con- seguem criar antiátomos (pares antipróton-antielétron, formando antiátomos de hidrogênio) [10]. Mas por que “criar” antipart́ıculas e antiátomos? Não existem na natureza? Existem, mas há no universo uma assimetria matéria/antimatéria: há mais matéria do que anti- matéria. Há no universo uma imensa quantidade de matéria, mas são raras as antipart́ıculas que ocorrem naturalmente. Esta situação pode ser embaraçosa para a f́ısica de part́ıculas, mas é afortunada para o mundo em que vivemos: matéria e antimatéria quando em con- 15Número bariônico é o número total de bárions presentes em um sistema menos o número total de antibárions. Analogamente, número leptônico é o número total de léptons presentes em um sistema menos o número total de antiléptons. O Modelo Padrão da F́ısica de Part́ıculas 1306-7 tato se aniquilam mutuamente e convertem sua massa total em uma quantidade equivalente de energia, ou seja, próton e antipróton se aniquilam produzindo um raio gama com a energia equivalente à soma de suas massas; elétron e antielétron se aniquilam, e assim por diante, matéria e antimatéria se aniquilando mutua- mente. Isso significa que um universo composto da mesma quantidade de matéria e antimatéria seria hostil e instável, não o tipo de lugar onde grandes quantidades de matéria do tamanho de planetas poderiam existir em relativa paz e estabilidade durante bilhões de anos [11]. O processo de produção de antipart́ıculas é o contrário da aniquilação. Parte da energia produzida em colisões provocadas nos aceleradores de part́ıculas é convertida, por exemplo, em pares de prótons e an- tiprótons. 7. A simetria CPT O interesse por pesquisar antipart́ıculas é, primaria- mente, teórico: o chamado teorema da simetria CPT que relaciona as propriedades das part́ıculas e suas antipart́ıculas; de acordo com a teoria, ambas devem seguir as mesmas leis f́ısicas. CPT significa “reversão da Carga”, “inversão da Paridade” e “reversão do Tempo”. Reversão da carga é a substituição de todas as part́ıculas por antipart́ıculas. Inversão da paridade é a reflexão especular ou inversão do espaço em relação a um ponto e reversão do tempo significa passar o “filme” da realidade de trás para frente [10, p. 58]. Dizer que a natureza é invariante frente à simetria P significa que qualquer processo f́ısico observado em um espelho segue as mesmas leis do processo não refletido. Embora pareça óbvia, tal simetria é quebrada na in- teração fraca envolvida em certos decaimentos radioa- tivos. De um modo geral, em muitas situações em que a simetria P é quebrada a simetria CP é preservada, mas em raras ocasiões a simetria CP é também quebrada e essa quebra pode ter a ver com a predominância da matéria sobre a antimatéria no universo (ibid.). A vio- lação da simetria CP permitiria que part́ıculas e an- tipart́ıculas decáıssem com taxas diferentes. Outro aspecto intrigante da assimetria matéria/an- timatéria é que das quatro forças fundamentais - eletro- magnética, gravitacional, forte e fraca - apenas a fraca afetaria diferentemente a matéria e a antimatéria. Ou seja, em qualquer reação causada pelas forças eletro- magnética, gravitacional e forte, se novas part́ıculas fos- sem produzidas elas o seriam em iguais quantidades e tipos de matéria e antimatéria. Estas forças não pode- riam então explicar o predomı́nio da matéria sobre a antimatéria. A força fraca talvez sim, mas isso per- manece ainda como um grande desafio para os f́ısicos de part́ıculas [11, p. 16]. Voltando à questão das simetrias, se a simetria CP também é violada em certos processos, resta a sime- tria CPT. A expectativa dentro do Modelo Padrão das part́ıculas elementares é que qualquer violação da sime- tria CPT deve ser muito pequena. No Modelo Padrão, a simetria CPT é uma propriedade fundamental do uni- verso. Violações significativas dessa simetria indicariam problemas no Modelo Padrão e sugeririam a necessi- dade de uma teoria que fosse além dele. Dáı o interesse em produzir antipart́ıculas e antiátomos, nos grandes aceleradores nos Estados Unidos e na Europa, a fim de estudar profundamente suas propriedades. 8. EDQ & CDQ A teoria das interações entre fótons e elétrons é chamada Eletrodinâmica Quântica (EDQ); correspon- dentemente, a teoria das interações entre glúons e quarks é chamada de Cromodinâmica Quântica (CQD); (quarks têm a propriedade cor; chromos em grego sig- nifica cor). Há, no entanto, uma grande diferença en- tre as duas quando se leva em conta a natureza das part́ıculas fundamentais envolvidas (elétrons e quarks): elétrons podem ser detectados livremente, quarks não. Além disso, três quarks formam hádrons e estes são “brancos”, mas três elétrons formariam um estado (não ligado) com carga - 3e, pois a carga elétrica se con- serva. Isso significa que ao invés de uma carga, como na eletrodinâmica, na cromodinâmica há várias cargas cor (são oito) e que a adição destas cargas não é uma simples soma escalar. Lembremos que cor é uma pro- priedade da matéria que no caso dos quarks apresenta três variedades (vermelho, verde e azul), porém no caso dos glúons, combinando estas três cores e suas anti- cores, chega-se a nove glúons, mas um deles é branco, restando, então, oito glúons coloridos. Dáı dizer-se que na CQD há oito cargas cor [5, p. 142]. Prosseguindo com a analogia entre essas duas teo- rias, observa-se que um campo eletrodinâmico cria uma força de atração entre dois objetos carregados com cargas opostas, a qual em termos quânticos é criada através da troca de fótons virtuais entre esses objetos, da mesma forma que um campo cromodinâmico criaria uma força de atração entre quarks através da troca de algumas part́ıculas virtuais análogas aos fótons virtuais. Tais part́ıculas, como foi visto, são chamadas glúons. Pode-se então “construir” um espaço cromodinâ- mico no qual as cargas cor fazem o papel da carga elétrica no espaço eletrodinâmico e os glúons o dos fótons virtuais. Contudo, o acoplamento de glúons a quarks é mais complicado do que o acoplamento de fótons a elétrons, pois quando um fóton interage com um elétron este permanece sendo um elétron, porém um glúon interagindo com um quark pode mudar a cor do quark, isto é, transformá-lo em um outro quark. Quer dizer, as cores dos quarks podem mudar quando eles interagem com glúons. É preciso, no entanto, reiterar que a analogia não é total porque, como foi dito, na eletrodinâmica há uma 1306-10 Moreira tos elusivos, ou seja, ariscos, evasivos, fugidios, de dif́ıcil compreensão. Ao que parece, quanto mais os f́ısicos de part́ıculas souberem sobre os neutrinos mais sabere- mos sobre a natureza da matéria, sobre a formação de galáxias, sobre a assimetria matéria - antimatéria. 12. Conclusão Como foi dito no ińıcio, o Modelo Padrão é uma exce- lente teoria, a melhor que já tivemos sobre a natureza da matéria. É uma teoria que identifica as part́ıculas constituintes da matéria e descreve como elas intera- gem. Além disso, o faz apresentando várias simetrias e sempre buscando outras. Mas não é uma teoria acabada, nem definitiva. Ao contrário é, como todas as demais teorias cient́ıficas, uma verdade provisória, no sentido de que, segura- mente, será modificada, completada, extrapolada, a fim de explicar melhor o que se propõe e, em algum momento, dará lugar a outras teorias que, de alguma forma, nela estarão apoiadas. Dentre os problemas que enfrenta o Modelo Padrão pode-se destacar os seguintes [1, pp. 61-62]. - A assimetria matéria - antimatéria: se o uni- verso começou no Big Bang como uma imensa explosão de energia, ele deveria ter evolvido em partes iguais de matéria e antimatéria (simetria CP). Ao invés disso, estrelas e nebulosas são feitas de prótons, elétrons e nêutrons e não de suas antipart́ıculas. Essa assimetria não é explicada pelo Modelo Padrão. Há no universo muito mais matéria do que antimatéria. - A matéria escura e a energia escura: a maior parte do universo é constitúıda da chamada matéria es- cura e da energia escura, que não são formadas pelas part́ıculas do Modelo Padrão. - O campo de Higgs: a interação com o campo de Higgs, mediada pelo bóson de Higgs, daria massa às part́ıculas. Espera-se que o bóson de Higgs seja detec- tado nos próximos anos, mas mesmo que isso venha, de fato, a ocorrer, o Modelo Padrão tem dificuldades para explicar formas particulares dessa interação. Uma delas é que pelos cálculos da teoria atual a massa do bóson de Higgs seria muito grande e, consequentemente, as part́ıculas do Modelo Padrão teriam massas também muito grandes. - A gravidade: o gráviton nunca foi detectado e o Modelo Padrão não consegue incluir a interação gra- vitacional porque ela não tem a mesma estrutura das outras três interações. Tais problemas poderão ser resolvidos. A detecção do bóson de Higgs será mais um êxito espetacular do Modelo Padrão. A hipótese dos neutrinos oscilantes re- solveu o problema da grande diferença entre o número de neutrinos previstos e o número de neutrinos detec- tados na Terra. A detecção do neutralino resolveria o problema da matéria escura. A gravidade poderá continuar sendo a grande “dor de cabeça” do Modelo Padrão [4, p. 99). Mas mesmo que se encontre alguma solução para este problema con- ceitual da teoria, os f́ısicos acreditam que ela deverá ser suplantada por outra mais completa. Modelos Padrão Supersimétricos [1, 17] são sérios candidatos. Mas se o Modelo Padrão, apesar das anomalias, é uma teoria tão bem sucedida por que os f́ısicos bus- cam suplantá-la? Não seria o caso de conviver com as dificuldades? A resposta é sim e não. Por um lado, é normal que as teorias cient́ıficas tenham problemas que não con- seguem resolver, desde que resolvam muitos outros. Por outro, o progresso do conhecimento cient́ıfico depende de novas teorias, com maior poder explicativo. Para Bachelard [18], por exemplo, o conhecimento cient́ıfico é um permanente questionar, um permanente não ao conhecimento anterior, mas não no sentido de negação, e sim no de conciliação: cada nova teoria diz não à teoria antiga e assim avança o pensamento cient́ıfico. A filosofia do não de Bachelard surge não como uma atitude de recusa, mas sim como de recon- ciliação. A nova teoria diz não à anterior, mas surge a partir dela. Essa filosofia do não é também uma filosofia da de- silusão. Ou seja, o conhecimento cient́ıfico é sempre a reforma de uma ilusão, é fruto da desilusão com o que julgávamos saber [19]. A superação do Modelo Padrão, na óptica de Bachelard, será uma consequência natural da desilusão que teremos com ele, da necessidade de dizer não a ele se quisermos aprender mais sobre part́ıculas elementares e suas interações, sobre a matéria escura, a antimatéria, o campo de Higgs e outros tópicos abordados neste ar- tigo. As teorias cient́ıficas estão sempre em construção. Neste artigo procurou-se ilustrar, com o Modelo Padrão, esta faceta fascinante da ciência. Agradecimento O autor agradece aos Professores Eliane Veit e Paulo Mors, do Instituto de F́ısica da UFRGS, pela re- visão cŕıtica de versões iniciais deste trabalho; agradece também ao revisor da RBEF pelas valiosas sugestões recebidas. Referências [1] G. Kane, Scientific American 288(6), 56 (2003). [2] N.N. Scoccola, Ciência Hoje 210, 36 (2004). [3] H.C. Ohanian, Physics (New York, W.W. Norton & Company, 1985), p. G-9. [4] L. Lederman and D. Teresi, The God Particle. If the Universe is the Answer, What is the Question? (Dell Publishing, Nova York, 1993). O Modelo Padrão da F́ısica de Part́ıculas 1306-11 [5] H. Fritzsch, Quarks: The Stuff of Matter (Basic Books Inc., Nova Iork, 1983). [6] L.C. Menezes, A Matéria: Uma Aventura do Esṕırito (Livraria Editora da F́ısica, São Paulo, 2005). [7] P.Y. Colas y B. Tuchming, Mundo Cient́ıfico/La Récherche 247, 46 (2004). [8] L.B. Okun, α, β, γ... Z. A Primer in Particle Physics (Harwood Academic Publishers, Newark, 1987). [9] N.A. Lemos, Revista Brasileira de Ensino de F́ısica 23, 3 (2001). [10] G.P. Collins, Scientific American 290(6), 57 (2005). [11] B.A. Schumm, Deep Down Things. The Breathtaking Beauty of Particle Physics (The Johns Hopkins Uni- versity Press, Baltimore, 2004). [12] M.C.D. Abdalla, O Discreto Charme das Part́ıculas Elementares. (Editora da UNESP, São Paulo, 2006). [13] D. 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