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nc - cap27, Notas de estudo de Física

fisica matematica para fisicos parte 27

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 20/09/2010

marilton-rafael-1
marilton-rafael-1 🇧🇷

4.5

(6)

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Baixe nc - cap27 e outras Notas de estudo em PDF para Física, somente na Docsity! Caṕıtulo 27 Elementos da Teoria da Integração Conteúdo 27.1 Comentários Preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1166 27.2 A Integração no Sentido de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1168 27.2.1 A Integral de Riemann Imprópria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1176 27.2.2 Diferenciação e Integração em Espaços de Banach . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1178 27.3 A Integração no Sentido de Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1182 27.3.1 Funções Mensuráveis e Funções Simples . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1182 27.3.2 A Integral de Lebesgue. Integração em Espaços Mensuráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1187 27.3.3 A Integral de Lebesgue e sua Relação com a de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1194 27.3.4 Teoremas Básicos sobre Integração e Convergência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1196 27.3.5 Alguns Resultados de Interesse . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1199 27.4 Os Espaços Lp e Lp . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1200 27.4.1 As Desigualdades de Hölder e de Minkowski . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1203 27.4.2 O Teorema de Riesz-Fischer. Completeza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1206 APÊNDICES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1207 27.A Equivalência das Definições II e III da Integrabilidade de Riemann . . . . . . . . . . . . 1207 27.B Caracterizações e Propriedades de Funções Mensuráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1208 27.C Prova do Lema 27.3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1212 27.D Demonstração de (27.22) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1213 27.E A Equivalência das Definições (27.23) e (27.24) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1214 27.F Prova do Teorema da Convergência Monótona . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1216 27.G Prova do Lema de Fatou . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1216 27.H Prova do Teorema da Convergência Dominada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1217 27.I Prova dos Teoremas 27.2 e 27.3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1218 27.J Prova das Desigualdades de Hölder e Minkowski . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1220 27.K Prova do Teorema de Riesz-Fischer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1222 A presentaremos neste caṕıtulo ingredientes básicos da chamada teoria da integração, centrada na noção deintegral de funções definidas em espaços mensuráveis, a integral de Lebesgue sendo uma de suas instâncias departicular importância. Iniciaremos com uma breve digressão sobre o desenvolvimento histórico e recordaremosa noção de integrabilidade no sentido de Riemann, passando a seguir à noção mais geral de integração em espaços de medida. Advertimos o leitor que os assuntos tratados neste caṕıtulo envolvem por vezes noções e problemas matematicamente muito sutis, sendo dif́ıcil apresentá-los de modo resumido ou simplificado. Por essa razão, optamos por apresentar certas demonstrações mais técnicas não no texto principal, mas nos apêndices que se iniciam à página 1207. Nossa intenção é, antes de tudo, guiar o leitor, apontando-lhe os ingredientes de maior importância e de modo a eventualmente motivar seu interesse em um estudo mais aprofundado. Como referências gerais para a teoria da medida e da integração, recomendamos [160] (fortemente), e também [140], [111], [159], [58] ou ainda [126, 127]. Um texto clássico é [73]. Para estas Notas também coletamos material de [82, 83], [81] e de [14]. 27.1 Comentários Preliminares É parte essencial da formação de todo f́ısico ou matemático aprender as noções básicas do Cálculo, como os conceitos de limite, de derivada e de integral de funções. Nos passos iniciais dessa formação é importante dar ênfase a métodos de 1166 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1167/1730 cálculo de derivadas e integrais de funções e, conseqüentemente, e é natural que assim seja, pouco se discute sobre certas sutilezas ocultas por trás de tais conceitos. A noção de integral de uma função é uma das idéias fundamentais de toda a Matemática e originou-se no século XVII com os trabalhos de Newton1 e Leibniz2, ainda que tenha ráızes muito mais antigas, remontando pelo menos a Arquimedes3. Intuitivamente, a integral de uma função real em um intervalo compacto [a, b] é entendida como a área descrita sob o gráfico dessa função nesse intervalo. Essa noção simples é suficiente para motivar e sustentar os primeiros passos de qualquer aluno iniciante e, mesmo em um plano histórico, satisfez as mentes matemáticas até cerca de meados do século XIX, pois as aplicações almejadas pela F́ısica e pela Matemática de então pouco requeriam além dessa noção intuitiva. Mesmo hoje, pode ser dif́ıcil a um estudante, acostumado com o cálculo de integrais de funções “elementares”, entender que a noção de integral envolve questões sutis, principalmente pois essas sutilezas envolvem primordialmente a questão de caracterizar para quais funções o conceito de integral se aplica. Considere-se, por exemplo, as seguintes funções: f(x) =        1, se x for irracional 0, se x for racional , ou f(x) =        sen (x), se x for transcendente x2, se x for algébrico . (27.1) Terão essas funções uma integral em um dado intervalo compacto [a, b]? Como essas funções são descont́ınuas em todos os pontos, é fácil reconhecer que a noção de integral como “área sob o gráfico” de uma função é aqui muito problemática (o leitor não convencido deve tentar desenhar os gráficos dessas funções e se perguntar qual a “área” sob os mesmos). Na grande maioria das aplicações com as quais nos acostumamos, funções como essas não ocorrem, mas sim funções cont́ınuas e suficientemente diferenciáveis, para as quais a noção intuitiva de integral dificilmente é problemática. No entanto, uma série de desenvolvimentos teóricos na Matemática conduziram à necessidade de estender a noção de integral a classes mais abrangentes de funções, como as do exemplo acima. Seria precipitado enumerar neste ponto quais foram precisamente esses desenvolvimentos que pressionaram por um aprofundamento da noção de integral, pois para tal uma série de comentários e definições teria que ser antecipada. Discutiremos isso no devido momento. Mencionamos, porém, que esse avanço foi possibilitado pelo desenvolvimento concomitante da Teoria da Medida, que, como já discutimos alhures, fundamentou e estendeu noções como comprimento, área, volume etc., de conjuntos. A área da Matemática que surgiu desse desenvolvimento é usualmente conhecida como Teoria da Integração. Um outro avanço importante obtido através da Teoria da Integração foi o seguinte. As noções de integração que aprendemos nos cursos de Cálculo aplicam-se a integrais de funções definidas em conjuntos como R, Rn, C etc. Uma das conseqüências mais importantes do desenvolvimento da teoria da integração foi a possibilidade de definir a noção de integral mesmo para funções definidas em conjuntos mais “exóticos” que os supra-citados, tais como conjuntos fractais, conjuntos de curvas, de funções e outros. Esse desenvolvimento relevou-se de grande importância para a F́ısica também. Na Mecânica Quântica, por exemplo, ocorrem as chamadas integrais funcionais, que são integrais de funções definidas em conjuntos de curvas cont́ınuas. Dados dois pontos x e y no espaço, um método importante desenvolvido por Feynman4 permite expressar certas funções de Green G(x, y) de sistemas quânticos em termos de integrais sobre o conjunto Cx, y de todas as curvas cont́ınuas no espaço que conectam x a y. Na Teoria Quântica de Campos, o análogo das integrais de Feynman é ainda mais abstrato e envolve integrais sobre conjuntos de distribuições5. Como se percebe, tais aplicações requerem muito mais que definir a noção de integral como “área” ou “volume sob um gráfico”. Tentativas informais de caracterizar a noção de integral são tão antigas quanto o Cálculo. Leibniz tentou definir integrais e derivadas a partir da noção de infinitésimos. A noção de infinitésimos carece de respaldo matemático mas, como outras idéias filosófico-especulativas infelizes do passado, estende sua perversa influência até o presente, causando em alguns, especialmente em cursos de f́ısica e engenharia, uma falsa percepção de compreensão da noção de integral que impede o entendimento de outros desenvolvimentos. A noção de limite, que acabou por expurgar os infinitésimos da 1Isaac Newton (1643–1727). 2Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646–1716). 3Arquimedes de Siracusa (ci. 287 A.C. – ci. 212 A.C.). 4Richard Phillips Feynman (1918–1988). A formulação da Mecânica Quântica em termos das integrais funcionais de Feynman surgiu em cerca de 1942. 5Para uma exposição introdutória sobre a integração funcional de Feynman na Mecânica Quântica, vide, por exemplo, [146], ou bons livros de Mecânica Quântica. Para a integração funcional de Feynman-Kac, definida no espaço-tempo Euclidiano, vide e.g. [66] ou [152, 153, 154, 155]. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1170/1730 χ χ χ χ χ χ 1 2 3 4 5 6 x x x b=xa=x xx1 2 3 4 5 6 7 χf( )6 f(x) f( )χ 1 5 χf( ) Figura 27.1: Representação da soma de Riemann de uma função f no intervalo [a, b] com a partição P = {a = x1, x2, x3, x4, x5, x6, x7 = b}, com os pontos intermediários χ = {χ1, χ2, χ3, χ4, χ5, χ6}. O k-ésimo retângulo tem altura f(χk) e largura |Ik| = xk+1 − xk. A soma das áreas desses retângulos fornece S[(P, χ), f ]. Nota. Uma possibilidade alternativa seria prover P([a, b]) (e, portanto, X([a, b])) de um outro pré-ordenamento, definido pela inclusão, definindo P≺o P′ se P⊂ P. Essa definição pode ser também utilizada e conduz a uma outra definição equivalente à Ia acima (que denominamos definição III), da qual tratamos à página 1174 e seguintes. Vide também Apêndice 27.A, página 1207. ♣ • Integrabilidade de Riemann. Critérios alternativos Para tornar a definição Ia um pouco mais palpável, vamos reformulá-la um pouco lembrando a definição de ponto limite de uma rede da Seção 26.3, página 1152. Dizemos que S(f) ∈ R é um ponto limite da rede X([a, b]) ∋ (P, χ) 7→ S[(P, χ), f ] ∈ R, se para todo ǫ > 0 existir um par (Pǫ, χǫ) ∈ X([a, b]) tal que S[(P, χ), f ] pertence ao intervalo aberto (S(f) − ǫ, S(f) + ǫ) para todo par (P, χ) ∈ X([a, b]) tal que (P, χ) ≻ (Pǫ, χǫ). Chegamos à seguinte definição alternativa para a noção de integrabilidade de Riemann: Definição. Integrabilidade de Riemann Ib. Uma função limitada f : [a, b] → R é dita ter uma integrável por Riemann S(f) ∈ R se para todo ǫ > 0 existir um par (Pǫ, χǫ) ∈ X([a, b]) tal que ∣ ∣ ∣ S[(P, χ), f ] − S(f) ∣ ∣ ∣ < ǫ para todo par (P, χ) tal que (P, χ) ≻ (Pǫ, χǫ). Em palavras, uma função f é integrável no sentido de Riemann se o processo de “refinamento” de partições, fazendo- as incluir mais e mais pontos com espaçamentos cada vez menores, conduzir a um limite único das somas de Riemann. A integral de Riemann de f é então esse limite das somas das áreas dos retângulos descritos na Figura 27.1, para quando as partições são feitas cada vez mais finas. A definição Ib acima pode ainda ser refraseada de uma forma ligeiramente mais concreta: Definição. Integrabilidade de Riemann Ic. Uma função limitada f : [a, b] → R é dita ter uma integrável por Riemann S(f) ∈ R se para todo ǫ > 0 existir um δǫ > 0 tal que ∣ ∣ ∣ S[(P, χ), f ] − S(f) ∣ ∣ ∣ < ǫ para toda partição P tal que |P| ≤ δǫ. Pela Proposição 26.6, página 1155, a rede X([a, b]) ∋ (P, χ) 7→ S[(P, χ), f ] ∈ R possui um ponto limite se e somente JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1171/1730 se for uma rede de Cauchy12. Assim, o critério de Integrabilidade de Riemann Ia pode ser equivalentemente reformulado da seguinte forma: Definição. Integrabilidade de Riemann Id. Uma função limitada f : [a, b] → R é dita ser uma função integrável por Riemann no intervalo compacto [a, b] se a rede X([a, b]) ∋ (P, χ) 7→ S[(P, χ), f ] ∈ R for uma rede de Cauchy, ou seja, se para todo ǫ > 0 existir (Pǫ, χǫ) tal que ∣ ∣ ∣ S[(P, χ), f ]−S[(P′, χ′), f ] ∣ ∣ ∣ < ǫ para todos P, P′ com P ≻ Pǫ e P′ ≻ Pǫ e todos χ, χ′. Como as condições P ≻ Pǫ e P′ ≻ Pǫ equivalem a |P| < |Pǫ| e |P′| < |Pǫ|, podemos ainda apresentar a seguinte reformulação equivalente: Definição. Integrabilidade de Riemann Ie. Uma função limitada f : [a, b] → R é dita ser função integrável por Riemann no intervalo compacto [a, b] se a rede X([a, b]) ∋ (P, χ) 7→ S[(P, χ), f ] ∈ R for uma rede de Cauchy, ou seja, se para todo ǫ > 0 existir δǫ > 0 tal que ∣ ∣ ∣ S[(P, χ), f ] − S[(P′, χ′), f ] ∣ ∣ ∣ < ǫ para todos P, P′ com |P| ≤ δǫ e |P′| ≤ δǫ. • Funções cont́ınuas são integráveis por Riemann Até o momento não apresentamos exemplos de funções integráveis por Riemann. Vamos agora fechar parcialmente essa lacuna, exibindo uma classe importante de funções que satisfazem o critério de integrabilidade de Riemann Id. Uma visão completa de quais funções são integráveis por Riemann é fornecida pelo critério de Lebesgue, discutido brevemente à página 1174. Proposição 27.1 Toda função real cont́ınua definida em um intervalo compacto [a, b] é integrável por Riemann. 2 Para a demonstração13, necessitamos do seguinte lema: Lema 27.1 Seja f real cont́ınua definida em um intervalo compacto [a, b]. Seja P = {x1, . . . , xn} ∈ P([a, b]) uma partição de [a, b] com n pontos à qual estão associados n− 1 intervalos fechados I1, . . . , In−1, com Ik = [xk, xk+1]. Se P′ ∈ P([a, b]) é uma segunda partição tal que P ⊂ P′, então ∣ ∣ ∣ S[(P, χ), f ] − S[(P′, χ′), f ] ∣ ∣ ∣ ≤ W(f, P) |b − a| (27.2) para quaisquer χ e χ′, onde W(f, P) := max k=1, ..., n−1 { sup x, y∈Ik |f(x) − f(y)| } . 2 Prova. À partição P′ = {x′1, . . . , x′m} ∈ P([a, b]), com m pontos, estão associados m − 1 intervalos fechados I ′1, . . . , I ′ m−1, sendo I ′ k = [x ′ k, x ′ k+1]. Como P ⊂ P′, o intervalo I1 é a união de, digamos, l intervalos de P′: I1 = I ′ 1 ∪ · · · ∪ I ′l . Assim, |I1| = l ∑ a=1 |I ′a| e f(χ1)|I1| − l ∑ a=1 f(χ′a)|I ′a| = l ∑ a=1 ( f(χ1) − f(χ′a) ) |I ′a| , o que evidentemente implica ∣ ∣ ∣ ∣ ∣ f(χ1)|I1| − l ∑ a=1 f(χ′a)|I ′a| ∣ ∣ ∣ ∣ ∣ ≤ l ∑ a=1 ∣ ∣f(χ1) − f(χ′a) ∣ ∣ |I ′a| ≤ ( sup x, y∈I1 |f(x) − f(y)| ) l ∑ a=1 |I ′a| = ( sup x, y∈I1 |f(x) − f(y)| ) |I1| ≤ W(f, P) |I1| . 12Isso é sempre verdade se f assume valores em um espaço métrico completo. 13Seguiremos basicamente [82]. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1172/1730 Na segunda desigualdade usamos simplesmente o fato que cada χa pertence a I1. Como o mesmo racioćınio aplica-se aos demais sub-intervalos de P, segue imediatamente a validade de (27.2). Prova da Proposição 27.1. Por um resultado bem conhecido (Teorema 28.12, página 1261), toda função cont́ınua f definida em um intervalo compacto [a, b] é uniformemente cont́ınua, ou seja, para todo ǫ > 0 existe δ > 0 tal que |f(y)−f(x)| < ǫ sempre que x e y encontrem-se ambos em algum sub-intervalo de [a, b] que tenha largura menor que δ. Fixado um ǫ > 0, sejam P1 e P2 duas partições tais que |P1| < δ e |P2| < δ. Seja P′ = P1 ∪P2. Evidentemente valem P1 ⊂ P′ e P2 ⊂ P′. Pelo Lema 27.1 teremos ∣ ∣ ∣ S[(P1, χ1), f ] − S[(P, χ), f ] ∣ ∣ ∣ ≤ W(f, P1) |b − a| < ǫ |b − a| , ∣ ∣ ∣ S[(P2, χ2), f ] − S[(P, χ), f ] ∣ ∣ ∣ ≤ W(f, P2) |b − a| < ǫ |b − a| . Acima, usamos os fatos que W(f, P1) < ǫ e W(f, P1) < ǫ, pois cada intervalo de P1 e de P2 tem largura menor que δ. Logo, ∣ ∣ ∣ S[(P1, χ1), f ] − S[(P2, χ2), f ] ∣ ∣ ∣ ≤ ∣ ∣ ∣ S[(P1, χ1), f ] − S[(P′, χ), f ] ∣ ∣ ∣ + ∣ ∣ ∣ S[(P2, χ2), f ] − S[(P′, χ), f ] ∣ ∣ ∣ < 2ǫ |b − a| . Com isso vemos que o critério Id de integrabilidade de Riemann é satisfeito, que é o que queŕıamos demonstrar. O seguinte corolário é imediato e sua prova é deixada como exerćıcio. Corolário 27.1 Toda função real cont́ınua por partes14 e limitada definida em um intervalo compacto [a, b] é integrável por Riemann. 2 Esse fato é importante, pois a grande parte, se não a totalidade, das funções encontradas na prática das ciências naturais e da engenharia é formada por funções cont́ınuas ou cont́ınuas por partes. No Exerćıcio E. 27.6, página 1175, adiante, exibimos um exemplo de uma função que não é cont́ınua por partes mas é integrável por Riemann. • Funções com valores em espaços de Banach. Integrabilidade de Riemann Até o momento tratamos apenas de caracterizar a noção de integral de Riemann para funções definidas em conjuntos compactos [a, b] assumindo valores reais. O estudante é convidado a constatar, no entanto, que as construções acima (incluindo a Proposição 27.1) permanecem inalteradas se as funções consideradas assumirem valores em espaços de Banach. Se B é um espaço de Banach e f : [a, b] → B é uma função assumindo valores em B, a soma de Riemann de f associada ao par (P, χ) é analogamente definida por S[(P, χ), f ] := n−1 ∑ k=1 f(χk)|Ik| ∈ B. (27.3) Temos, assim: Definição. Integrabilidade de Riemann para espaços de Banach. Seja B um espaço de Banach com norma ‖ · ‖B. Uma função limitada f : [a, b] → B é dita ser uma função integrável por Riemann no intervalo compacto [a, b] se a rede X([a, b]) ∋ (P, χ) 7→ S[(P, χ), f ] ∈ B for uma rede de Cauchy, ou seja, se para todo ǫ > 0 existir Pǫ tal que ∥ ∥ ∥ S[(P, χ), f ] − S[(Pǫ, χ′), f ] ∥ ∥ ∥ B < ǫ para todo P com Pǫ ≺ P. Tem-se, analogamente, a importante Proposição 27.2 Toda função cont́ınua definida em um intervalo compacto [a, b] e assumindo valores em um espaço de Banach é integrável por Riemann. 2 14Para a definição geral de continuidade por partes, vide página 1161. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1175/1730 E. 27.6 Exerćıcio-desafio. Aqui vamos designar números racionais r na forma r = p/q, supondo p e q primos entre si. Seja a seguinte função: f(x) =        1 + 1 q , se x = p q for racional 1, se x for irracional . Mostre que f é cont́ınua em x se x for irracional mas que f é descont́ınua em x se x for racional. Sugestão: lembre que se x é irracional, então para toda seqüência pn/qn de racionais que aproxima x tem-se que qn → ∞ para n → ∞. Como os racionais têm medida de Lebesgue zero, segue pelo critério de Lebesgue que f é integrável de Riemann. Prove diretamente da definição que ∫ b a f(x) dx = ∫ b a f(x) dx = b − a para todos a < b. Note que o fato que ∫ b a f(x) dx = b − a é evidente, a dificuldade está em provar que ∫ b a f(x) dx = b − a. 6 • Deficiências da integral de Riemann As noções de função integrável no sentido de Riemann e de integral de Riemann que apresentamos acima são a base de todo o Cálculo elementar e delas se extrai uma série de conseqüências bem conhecidas e que não repetiremos aqui, tais como a linearidade da integral, o teorema fundamental do cálculo, métodos de integração (como a integração por partes) etc. Para uma ampla exposição, vide e.g. [126]-[127]. A integral de Riemann, porém, possui algumas deficiências que ilustraremos abaixo. Essas deficiências conduziram à procura de uma noção mais forte de integrabilidade, da qual falaremos posteriormente. Seja [a, b], a < b, um intervalo compacto e considere-se a seguinte função D : [a, b] → R: D(x) =        0, se x for racional, 1, se x for irracional. (27.5) Será essa função integrável em [a, b] sentido de Riemann? A resposta é não, pois como facilmente se constata, ∫ b a D(x) dx = 0 mas ∫ b a D(x) dx = b − a, já que, para qualquer sub-intervalo Ik = [xk, xk+1] de qualquer partição de [a, b] teremos inf y∈Ik D(y) = 0 mas sup y∈Ik D(y) = 1 , pois Ik sempre conterá números racionais e irracionais. Assim, aprendemos que há funções limitadas que não são integráveis no sentido de Riemann. Esse exemplo, porém, ilustra um outro problema de conseqüências piores. Seja o conjunto Q = Q ∩ [a, b] de todos os racionais do intervalo [a, b]. Como esse conjunto é contável, podemos representá-lo como Q = {r1, r2, r3, r4, . . .} = {rk, k ∈ N}, onde N ∋ k → rk ∈ Q é uma contagem de Q. Seja definida agora a seguinte seqüência de funções: Dn(x) =        0, se x ∈ {r1, . . . , rn} , 1, de outra forma. É fácil ver que para todo x ∈ [a, b] tem-se D(x) = lim n→∞ Dn(x), onde D está definida em (27.5). Cada função Dn é integrável no sentido de Riemann, pois é cont́ınua por partes, sendo descont́ınua apenas nos pontos do conjunto finito {r1, . . . , rn}. É muito fácil ver que ∫ b a Dn(x) dx = b − a e assim, limn→∞ ∫ b a Dn(x) dx = b − a. Entretanto, trocar a integral pelo limite ∫ b a ( lim n→∞ Dn(x) ) dx não faz sentido, pois a função D(x) = lim n→∞ Dn(x) não é integrável no sentido de Riemann. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1176/1730 A lição que se aprende disso é que a integração de Riemann não pode ser sempre cambiada com o limite pontual de funções17. Esse é um fato desagradável, que impede manipulações onde gostaŕıamos de poder trocar de ordem integrais e limites. O problema reside no fato de o critério de integração de Riemann não ser suficientemente flex́ıvel de modo a permitir integrar um conjunto suficientemente grande de funções ou, melhor dizendo, o conjunto das funções integráveis no sentido de Riemann não é grande o suficiente. Como vimos no critério de Lebesgue, só são integráveis no sentido de Riemann as funções que são cont́ınuas quase em toda parte. Esse conjunto, que exclui funções como D, acaba sendo pequeno demais para dar liberdade a certas manipulações de interesse. E. 27.7 Exerćıcio. Por que D não é cont́ınua quase em toda parte? Para responder isso, mostre que D não é cont́ınua em nenhum ponto. Sugestão: recorde que todo x irracional pode ser aproximado por uma seqüência de racionais e que todo x racional pode ser aproximado por uma seqüência de irracionais. Mostre então que para qualquer x existem seqüências xn com lim n→∞ xn = x, mas com lim n→∞ D(xn) = D(x). 6 Um outro problema, de outra natureza, diz respeito à propriedade de completeza da coleção das funções integráveis por Riemann. Tais conjuntos não formam espaços métricos completos em relação à métricas como d1(f, g) = ∫ b a |f(x)− g(x)|dx. Como a propriedade de completeza é muito importante, faz-se necessário aumentar o conjunto de funções integráveis para obter essa propriedade. De fato, como veremos, o conjunto de funções integráveis no sentido de Lebesgue é completo e esse fato é importante na teoria dos espaços de Hilbert e de Banach. 27.2.1 A Integral de Riemann Imprópria Vamos aqui tratar de definir a integral de Riemann imprópria ∫ ∞ −∞ f(x) dx de uma função f definida em toda a reta real R. De maneira intuitiva, essa integral deve ser definida como o limite de integrais ∫ b a f(x) dx tomando a indo a −∞ e b indo a ∞ de diversas formas, sem afetar o resultado. Uma possibilidade provisória seria a seguinte definição. Se f : R → R é uma função integrável por Riemann em cada intervalo [a, b], podeŕıamos definir a integral de Riemann imprópria de f por ∫ ∞ −∞ f(x) dx := lim A→∞ ∫ A −A f(x) dx , (27.6) caso o limite exista. A definição provisória (27.6) apresenta, porém, um problema que requer alguns comentários. Em certos casos, pode ocorrer que o limite lim A→∞ ∫ A −A f(x) dx exista, mas não, por exemplo, o limite lim A→∞ ∫ A2 −A f(x) dx, ou outros. Tal é o caso da função f(x) = x. Tem-se aqui que lim A→∞ ∫ A −A xdx = 0 mas lim A→∞ ∫ A2 −A xdx diverge. Por causa disso é insatisfatório tomar (27.6) como definição das integrais de Riemann impróprias. É prudente elaborar uma definição mais conservadora e que leve em conta o que pode acontecer em todos as integrais em intervalos [a, b] quando a → −∞ e b → ∞, independentemente. Isso é feito da seguinte forma. Denotemos por C a coleção de todos os intervalos finitos [a, b] ⊂ R. Notando que os intervalos [a, b] podem ser ordenados por inclusão, percebemos facilmente que C é um conjunto dirigido (vide definição à página 42). Seja f : R → R uma função fixa, integrável por Riemann em cada intervalo [a, b]. A aplicação C → R dada por F[a, b] := ∫ b a f(x) dx (27.7) forma uma rede. O conceito de limite em relação a uma rede é bem definido (a noção de rede, limites de redes e suas propriedades foram estudadas na Seção 26.3, página 1152). Isso nos permite estabelecer a definição precisa de integral de Riemann imprópria. 17A troca de ordem de integrais de Riemann e limites de seqüências de funções é permitida, porém, se o limite for uniforme. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1177/1730 Dizemos, que uma função f : R → R, integrável por Riemann em cada intervalo [a, b], possui uma integral de Riemann imprópria se a rede F[a, b], [a, b] ∈ C possuir um ponto limite (o qual será único, pois R é um espaço Hausdorff na topologia usual. Vide Proposição 26.5, página 1154). Assim, f possui uma integral de Riemann imprópria se lim [a, b]∈C F[a, b] = lim [a, b]∈C ∫ b a f(x) dx existir, o limite acima sendo o da rede, com os intervalos ordenados por inclusão. Se f tiver essa propriedade, definimos a integral de Riemann imprópria de f por ∫ ∞ −∞ f(x) dx := lim [a, b]∈C F[a, b] = lim [a, b]∈C ∫ b a f(x) dx . Para tornar essa definição um pouco mais palpável, vamos reformulá-la um pouco lembrando a definição de ponto limite de uma rede da Seção 26.3, página 1152. Dizemos que F ∈ R é um ponto limite da rede F[a, b], [a, b] ∈ C, se para todo ǫ > 0 existir um intervalo [A, B] tal que F[a, b] ∈ (F − ǫ, F + ǫ) para todo [a, b] ⊃ [A, B]. Assim, f : R → R, integrável por Riemann em cada intervalo finito, é dita ter uma integral de Riemann imprópria F ∈ R se para todo ǫ > 0 existir um intervalo [A, B] ∈ C tal que ∣ ∣ ∣ ∣ ∣ ∫ b a f(x) dx − F ∣ ∣ ∣ ∣ ∣ < ǫ para todo [a, b] ⊃ [A, B], [a, b] ∈ C. O número F é denotado por ∫∞ −∞ f(x)dx. De maneira análoga definem-se as integrais de Riemann impróprias ∫ ∞ a f(x) dx e ∫ a −∞ f(x) dx, para a ∈ R, finito, como os limites lim A→∞ ∫ A a f(x) dx e lim A→∞ ∫ a −A f(x) dx, respectivamente, caso existam. Notemos en passant, que na definição da integral de Riemann em intervalos finitos [a, b], que apresentamos na Seção 27.2, página 1168, faz-se necessário supor que a função f seja limitada. Para a definição da integral de Riemann imprópria ∫∞ −∞ f(x) dx isso não é necessário, e f pode divergir em ±∞, desde que o limite da integral exista! Um exemplo é a função f(x) = x2 sen ( ex 3 ) , que não é limitada para x → +∞. Como facilmente se vê com a mudança de variáveis u = ex3, ∫ ∞ −∞ x2 sen ( ex 3 ) dx = 1 3 ∫ ∞ 0 sen (u) u du = π 6 . A última igualdade pode ser obtida pelo método dos reśıduos. Um outro exemplo do mesmo tipo é a função x cos(x4), que não é limitada mas ∫∞ a x cos(x 4)dx < ∞ para qualquer a finito. * No sentido da definição acima, a função f(x) = x não possui uma integral de Riemann imprópria bem definida pois, como observamos, limites como lim A→∞ ∫ A2 −A xdx divergem. Para funções que possuem uma integral de Riemann imprópria bem definida vale, obviamente, a expressão (27.6) e para elas vale também ∫ ∞ −∞ f(x) dx = lim A→∞ ∫ A −A f(x) dx = lim A→∞ ∫ A2 −A f(x) dx etc. ou seja, o limite de ∫ b a f(x) dx pode ser tomado com a indo a −∞ e b indo a ∞ de diversas formas, sem afetar o resultado. Para iniciarmos a discussão precisamos de definições adequadas das noções de derivação e integração (de Riemann) de funções entre espaços de Banach. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1180/1730 dados da seguinte forma: (s0, t0) = (s, t) e para n ≥ 1, (sn, tn) :=              ( sn−1, sn−1+tn−1 2 ) , caso ∥ ∥ ∥ f(sn−1) − f ( sn−1+tn−1 2 )∥ ∥ ∥ ≥ ∥ ∥ ∥ f ( sn−1+tn−1 2 ) − f(tn−1) ∥ ∥ ∥ , ( sn−1+tn−1 2 , tn−1 ) , caso ∥ ∥ ∥ f ( sn−1+tn−1 2 ) − f(tn−1) ∥ ∥ ∥ ≥ ∥ ∥ ∥ f(sn−1) − f ( sn−1+tn−1 2 )∥ ∥ ∥ . Em palavras, quebramos a cada passo o intervalo (sn−1, tn−1) ao meio e escolhemos (sn, tn) como sendo a metade na qual a variação de f em norma foi maior. É claro por essa escolha que ‖f(sn−1) − f(tn−1)‖ ≤ ∥ ∥ ∥ ∥ f(sn−1) − f ( sn−1 + tn−1 2 )∥ ∥ ∥ ∥ + ∥ ∥ ∥ ∥ f ( sn−1 + tn−1 2 ) − f(tn−1) ∥ ∥ ∥ ∥ ≤ 2 ‖f(sn) − f(tn)‖ e, portanto, tem-se para todo n ∈ N, ‖f(s) − f(t)‖ ≤ 2n ‖f(sn) − f(tn)‖ . (27.12) Pela construção, sn é uma seqüência não-decrescente e limitada superiormente por t, enquanto que tn é uma seqüência não-crescente e limitada inferiormente por s. Assim, ambas convergem a pontos no intervalo [s, t]. Como, porém, |tn − sn| = 2−n|t − s|, segue que ambas as seqüências sn e tn convergem e a um mesmo ponto ξ ∈ [s, t]. Fora isso, é também claro que ξ ∈ [sn, tn] para todo n. Pela hipótese, vale f ′(ξ) = 0. Pela definição de f ′, isso significa que para todo ǫ > 0 existe δ > 0 tal que ‖f(x) − f(ξ)‖/|x− ξ| < ǫ sempre que |x− ξ| ≤ δ. Como sn e tn convergem a ξ, podemos escolher n grande o suficiente de modo que |sn − ξ| ≤ δ e |tn − ξ| ≤ δ. Teremos, assim, para tais n’s, ‖f(sn) − f(tn)‖ ≤ ‖f(sn) − f(ξ)‖ + ‖f(ξ) − f(tn)‖ ≤ ǫ ( |sn − ξ| + |ξ − tn| ) . Como ξ ∈ [sn, tn] para todo n, segue que |sn − ξ| + |ξ − tn| = |tn − sn| = 2−n|t − s|. Logo, obtivemos ‖f(sn) − f(tn)‖ ≤ ǫ2−n|t − s| . Voltando a (27.12) isso implica ‖f(s) − f(t)‖ ≤ 2n ‖f(sn) − f(tn)‖ ≤ ǫ|t − s|. Como ǫ > 0 é arbitrário, segue disso que ‖f(s) − f(t)‖ = 0, completando a prova. Com esse lema e com a Proposição 27.4 a prova do Teorema do Valor Médio torna-se elementar. • O Teorema do Valor Médio Teorema 27.1 (Teorema do Valor Médio) Sejam M e N espaços de Banach e M ⊂ M um conjunto aberto e conexo de M. Seja g : M → N cont́ınua e diferenciável. Então, para todos x, y ∈ M vale g(x) − g(y) = ( ∫ 1 0 g′(τx + (1 − τ)y) dτ ) (x − y) assim como a estimativa ‖g(x) − g(y)‖N ≤ Kx, y ‖x − y‖M , onde Kx, y := max t∈[0, 1] ‖g′(tx + (1 − t)y)‖. 2 Prova. Para x, y ∈ M fixos, seja h : [0, 1] → N definida por h(t) := g(tx + (1 − t)y). Pela regra da cadeia, h′(t) = g′(tx + (1 − t)y)(x − y). Defina-se também H(t) := ∫ t 0 g′(τx + (1 − τ)y)(x − y) dτ , t ∈ [0, 1] . JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1181/1730 Pela Proposição 27.4, H é diferenciável e H ′(t) = g′(tx+(1− t)y)(x−y). Assim, H ′(t) = h′(t), o que implica, pelo Lema 27.2, que a diferença H(t)−h(t) é constante para todo t ∈ [0, 1]. Como H(0) = 0, segue que H(t)−h(t) = −h(0) = −g(y) para todo t ∈ [0, 1]. Para t = 1 essa igualdade fica H(1) − h(1) = −g(y) e como h(1) = g(x) conclúımos que g(x) − g(y) = ∫ 1 0 g′(τx + (1 − τ)y)(x − y) dτ . Usando (27.11), segue disso que ‖g(x) − g(y)‖N ≤ max t∈[0, 1] ‖g′(tx + (1 − t)y)(x − y)‖N ≤ ( max t∈[0, 1] ‖g′(tx + (1 − t)y)‖ ) ‖(x − y)‖M , o que completa a demonstração. • Derivadas parciais Sejam X e Y dois espaços normados com normas ‖·‖X e ‖·‖Y, respectivamente. Podemos fazer do produto Cartesiano X × Y = {(x, y), x ∈ X, y ∈ Y} um espaço vetorial normado declarando as operações de soma e produto por escalares por α1(x1, y1) + α2(x2, y2) := (α1x1 + α2x2, α1y1 + α2y2) e definindo a norma ‖(x, y)‖X×Y := ‖x‖X + ‖y‖Y. Mais que isso, se X e Y forem espaços de Banach em relação às suas respectivas normas, é fácil constatar que X × Y também o é em relação a norma ‖(x, y)‖X×Y. E. 27.9 Exerćıcio. Prove que ‖ · ‖X×Y é de fato uma norma e que X × Y é um espaço de Banach em relação à mesma se X e Y o forem em relação às suas respectivas normas. 6 Para distinguirmos a estrutura de espaço vetorial de X × Y definida acima, denotaremos os vetores (x, y) ∈ X × Y como vetores-coluna: ( x y ) . Definamos as projeções ΠX : X × Y → X e ΠY : X × Y → Y por ΠX ( x y ) := x , ΠY ( x y ) := y , respectivamente, e definamos ΛX : X → X × Y e ΛY : Y → X × Y por ΛX x := ( x 0 ) , ΛY y := ( 0 y ) , respectivamente. É um exerćıcio elementar (mas importante) mostrar que ΠX, ΠY, ΛX e ΛY são lineares e cont́ınuas se dotarmos X, Y e X × Y das topologias das normas ‖ · ‖X, ‖ · ‖Y e ‖ · ‖X×Y, respectivamente. É igualmente elementar constatar que ΠXΛX = 1X , ΠYΛY = 1Y e ΛXΠX + ΛYΠY = 1X×Y . (27.13) Seja Z um terceiro espaço de Banach com norma ‖·‖Z. Para A ⊂ X e B ⊂ B dois abertos convexos, seja F : A×B → Z uma função cont́ınua e diferenciável, sendo F ′ : A×B → Z sua derivada. Para cada (x, y) ∈ A×B a expressão F ′(x, y) define um operador linear e cont́ınuo X × Y → Z. Para y fixo em B podemos considerar também a função A ∋ x 7→ F (x, y), assim como para x fixo em A podemos considerar a função B ∋ y 7→ F (x, y). Se essas funções forem diferenciáveis denotaremos suas derivadas por D1F e D2F , respectivamente. Note-se que D1F é uma aplicação linear X → Z e D2F é uma aplicação linear Y → Z. Vamos mostrar que se F ′ existe então essas duas funções são também diferenciáveis e vamos estabelecer relações entre D1F , D2F e F ′. De fato, da existência de F ′ sabemos que F (x + a, y + b) − F (x, y) = F ′(x, y) ( a b ) + R(a, b) , com lim (a, b)→0 ‖R(a, b)‖Z ‖(a, b)‖X×Y = 0 . para todos (a, b) ∈ X × Y. Em particular, para b = 0 teremos F (x + a, y) − F (x, y) = F ′(x, y) ( a b ) + R(a, 0) , com lim a→0 ‖R(a, 0)‖Z ‖(a, 0)‖X×Y = 0 , JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1182/1730 ou seja, escrevendo R(a, 0) ≡ R(a) e lembrando que ‖(a, 0)‖X×Y = ‖a‖X, tem-se F (x + a, y) − F (x, y) = F ′(x, y) ( ΛX a ) + R(a) , com lim a→0 ‖R(a)‖Z ‖a‖X = 0 , o que nos permite concluir que D1F (x, y) = F ′(x, y)ΛX. Analogamente, podemos concluir que D2F (x, y) = F ′(x, y)ΛY. Dessas expressões extrai-se facilmente a continuidade de D1F (x, y) e D2F (x, y) como funções de (x, y) ∈ A × B. Da última das relações em (27.13) obtemos F ′(x, y) = D1F (x, y) ΠX + D2F (x, y) ΠY . (27.14) As últimas três expressões valem para todo (x, y) ∈ A × B. D1F e D2F definem as derivadas parciais de F em relação a seu primeiro e segundo argumentos, respectivamente. 27.3 A Integração no Sentido de Lebesgue A presente seção é dedicada à teoria da integração de funções definidas em espaços mensuráveis. A noção de integração da qual trataremos foi introduzida por Lebesgue entre 1901 e 190221 e redescoberta independentemente por Young22 dois anos mais tarde. A teoria de integração introduzida por Lebesgue representa uma importante extensão da teoria de integração de Riemann e desde cedo encontrou aplicações em diversas áreas da Matemática (como, para ficar em um único exemplo, na teoria das séries de Fourier), com reflexos também na F́ısica. A teoria da integração de Lebesgue faz amplo uso de noções da teoria da medida e necessita, em particular, da noção de função mensurável, que iremos discutir antes de passarmos à definição geral da integral de Lebesgue propriamente dita. 27.3.1 Funções Mensuráveis e Funções Simples Comecemos com uma definição que será amplamente empregada no que segue, a de função caracteŕıstica de um conjunto. • A função caracteŕıstica de um conjunto Seja M um conjunto não-vazio e A ⊂ M . A função χA : M → R definida por χA(x) :=        1, se x ∈ A 0, se x 6∈ A é denominada função caracteŕıstica do conjunto A, ou função indicatriz do conjunto A. E. 27.10 Exerćıcio. Seja M um conjunto não-vazio e A, B ⊂ M . Mostre que χA(x)χB(x) = χA∩B(x) , ∀x ∈ M . (27.15) 6 21O trabalho de Lebesgue sobre a teoria da integração, intitulado “Intégrale, longueur, aire” foi apresentado como dissertação à Universidade de Nancy em 1902. 22William Henry Young (1863–1942). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1185/1730 • Partes positiva e negativa de uma função Para f : M → R, definimos f+(x) :=        f(x), se f(x) ≥ 0 , 0, se f(x) < 0 , e f−(x) :=        −f(x), se f(x) ≤ 0 , 0, se f(x) > 0 , . f+ é denominada parte positiva de f e f− é denominada parte negativa de f . É claro que f+(x) ≥ 0 e que f−(x) ≥ 0 para todo x. É fácil ver que f+(x) = f(x) + |f(x)| 2 e f−(x) = −f(x) + |f(x)| 2 e, conseqüentemente, f = f+ − f− e |f | = f+ + f− . É igualmente fácil ver que f+(x) = f(x)χF+(x) e f −(x) = −f(x)χF−(x) (27.16) sendo que F+ = {x ∈ M | f(x) ≥ 0} e F− = {x ∈ M | f(x) ≤ 0} . Se f é mensurável, F+ e F− são conjuntos mensuráveis, por serem as pré-imagens por f dos Borelianos [0, ∞) e (−∞, 0], respectivamente. Assim, as funções caracteŕısticas χF± são mensuráveis. Como o produto de duas funções mensuráveis é mensurável (Proposição 27.5), conclúımos de (27.16) que f+ e f− são funções mensuráveis. Dáı, como |f | = f+ + f−, segue também que |f | é mensurável, pois é a soma de duas funções mensuráveis (novamente, Proposição 27.5). • A representação normal Se M é um conjunto não-vazio, dizemos que uma função real ou complexa f : M → R, ou f : M → C possui uma representação normal se para algum m ∈ N existirem números α1, . . . , αm, não necessariamente distintos, e conjuntos B1, . . . , Bm tais que Bi ∩ Bj = ∅ para i 6= j, que M = B1 ∪ · · · ∪ Bm e que f(x) = m ∑ k=1 αk χBk(x) (27.17) A soma do lado direito de (27.17) é dita ser uma representação normal de f . Note que nem toda função f possui uma representação normal. Além disso, se f possui uma representação normal esta não é necessariamente única: podemos dividir alguns dos conjuntos Bk em subconjuntos disjuntos menores e obter uma nova representação normal. Ou podemos tomar a união de conjuntos Bk com valores iguais de αk e obter uma nova representação normal. É importante notar que se f admite uma representação normal, então f assume um número finito de valores (certo?). Veremos que essa é uma condição necessária e suficiente para que uma função f possua uma representação normal. • Funções simples Se M é um conjunto não-vazio, uma função s : M → R, ou s : M → C, é dita ser elementar ou simples se assumir apenas um número finito de valores, ou seja, se sua imagem for ℑ(s) = {s1, . . . , sn}, para algum n ∈ N, com si 6= sj para i 6= j, sendo que cada sk é um elemento de R ou de C, conforme o caso. Se s é simples e ℑ(s) = {s1, . . . , sn}, defina-se os conjuntos Ak ⊂ M por Ak = s−1(sk), ou seja, Ak é a pré-imagem de sk por s: Ak = {x ∈ M | s(x) = sk}. É bastante evidente que Ai ∩ Aj = ∅ para i 6= j, que M = A1 ∪ · · · ∪ An e que s(x) = n ∑ k=1 sk χAk(x) . (27.18) Vemos com isso que toda função simples possui pelo menos uma representação normal. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1186/1730 Uma representação normal como a de (27.18), na qual as constantes sk são todas distintas, é dita ser uma representação normal curta da função simples s. O leitor poderá facilmente convencer-se que a representação normal curta de uma função simples é única. Um ponto importante é a seguinte observação: uma função simples é mensurável (em relação a uma σ-álgebra M definida em M) se e somente se cada Ak acima for um conjunto mensurável (ou seja Ak ⊂ M). A prova é evidente e dispensável. • A álgebra das funções simples As funções simples formam uma álgebra. As funções simples e mensuráveis também formam uma álgebra. A prova dessas afirmações é bem simples e deixada ao leitor. O próximo exerćıcio é mais detalhado quanto às propriedades algébricas das funções simples. E. 27.13 Exerćıcio (fácil). Se s e r são funções simples definidas em M com representações normais s(x) = n ∑ k=1 sk χAk(x) e r(x) = m ∑ l=1 rl χBl(x) mostre que r(x)s(x) = n ∑ k=1 m ∑ l=1 skrl χAk∩Bl(x) . Isso segue facilmente da identidade χAχB = χA∩B. Para qualquer número α tem-se, obviamente, αs(x) = n ∑ k=1 αsk χAk(x) . Por fim, mostre que r(x) + s(x) = n ∑ k=1 m ∑ l=1 (sk + rl) χAk∩Bl(x) . (27.19) Para provar isso, você deverá usar os fatos que A1∪· · ·∪An = M e que B1∪· · ·∪Bm = M , sendo ambas uniões de conjuntos disjuntos, para mostrar que 1 = n ∑ k=1 χAk(x) e 1 = m ∑ l=1 χBl(x) . Disso, segue facilmente, usando a identidade χAχB = χA∩B, que χAk(x) = m ∑ l=1 χAk∩Bl(x) e χBl(x) = n ∑ k=1 χBl∩Al(x) , e disso, segue facilmente (27.19). 6 • Funções mensuráveis e funções simples Toda função real não-negativa, mensurável por Lebesgue ou Boreliana, pode ser aproximada por funções simples. Mais precisamente temos o seguinte lema (de [81]) que, embora um tanto técnico, revela uma relação subjacente entre funções mensuráveis em geral e funções simples mensuráveis. Lema 27.3 Se M é um espaço de medida com uma σ-álgebra M, toda função f : M → R não-negativa e Boreliana (ou mensurável por Lebesgue) é o limite de uma seqüência monótona não-decrescente de funções simples mensuráveis e não-negativas. Se f for também limitada, a convergência é até mesmo uniforme. 2 A prova encontra-se no Apêndice 27.C, página 1212. O Lema 27.3 tem o seguinte Corolário 27.2 Se M é um espaço de medida com uma σ-álgebra M, toda função f : M → R que seja Boreliana é o limite de uma seqüência de funções simples mensuráveis. 2 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1187/1730 Prova. A diferença com relação ao Lema 27.3 é que f não é necessariamente não-negativa. Pelo que observamos, porém, f = f+ − f−, sendo ambas f± não-negativas e Borelianas. A elas, portanto, aplica-se o Lema 27.3, o que encerra a prova. 27.3.2 A Integral de Lebesgue. Integração em Espaços Mensuráveis Passamos agora à empreitada de definir o conceito de integral de Lebesgue em espaços mensuráveis. O processo segue várias etapas sucessivas, iniciando com a definição de integral de funções simples mensuráveis, que serão usadas para definir a integral de funções positivas mensuráveis e assim por diante. • Integração de funções simples Seja agora M um espaço mensurável com uma σ-álgebra M, na qual está definida uma medida µ. Se s é uma função simples e não-negativa (ou seja, se s(x) ≥ 0 para todo x), M-mensurável e com representação normal curta s(x) = ∑n k=1 skχAk(x), a integral de s em M com respeito à medida µ é definida por ∫ M s dµ ≡ ∫ M s(x) dµ(x) := n ∑ k=1 sk 6=0 sk µ(Ak) . (27.20) Observações. 1. Note-se que na soma à direita na expressão (27.20) exclui-se os valores de k para os quais sk = 0. Para tais valores de k pode eventualmente valer µ(Ak) = ∞. Se convencionarmos que 0×∞ = 0, podemos reescrever a definição acima de forma mais simplificada como Z M s dµ ≡ Z M s(x) dµ(x) := n X k=1 sk µ(Ak) . Para simplificar a notação, essa convenção 0 ×∞ = 0 é adotada por muitos autores e nos juntaremos a eles nestas Notas. Observemos também que a soma do lado esquerdo pode valer ∞, caso µ(Ak) = ∞ para algum k com sk > 0. 2. Na definição (27.20) usamos a representação normal curta da função s, mas isso não é necessário pois qualquer representação normal de s pode ser usada com idêntico resultado. De fato, sejam s(x) = p X k=1 βk χBk (x) e s(x) = q X l=1 γl χCl (x) (27.21) duas representações normais de s, com Bi ∩ Bj = ∅ para i 6= j, com M = B1 ∪ · · · ∪ Bp e igualmente Ci ∩ Cj = ∅ para i 6= j, com M = C1 ∪ · · · ∪ Cq . Então, p X k=1 βk µ(Bk) = q X l=1 γl µ(Cl) . (27.22) A prova de (27.22) é apresentada no Apêndice 27.D, página 1213. A validade de (27.22) mostra que a definição de integral de uma função simples dada acima é intŕınseca e não depende da particular representação normal adotada. ♣ Uma função simples (não necessariamente positiva) e M-mensurável s, com uma representação normal s(x) = ∑n k=1 skχAk(x), é dita ser uma função µ-integrável se µ(Ak) < ∞ para todo k com sk 6= 0. Observe-se que para os valores de k para os quais sk = 0 não estamos impedidos de ter µ(Ak) = ∞. Para uma tal função definimos igualmente ∫ M s dµ ≡ ∫ M s(x) dµ(x) := n ∑ k=1 sk 6=0 sk µ(Ak) = n ∑ k=1 sk µ(Ak) . Na última igualdade usamos a convenção 0 ×∞ = 0. Note que para s integrável, ∫ M s dµ < ∞. A definição de integral de funções simples que empreendemos acima é o primeiro passo da definição mais geral de integral de funções em espaços mensuráveis. Antes de prosseguirmos, façamos alguns comentários de esclarecimento sobre as definições acima. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1190/1730 o conjunto M nem a medida µ. Por ora, a definição acima limita-se a funções não-negativas f . Logo mostraremos como essa definição pode ser estendida para funções que podem ser negativas ou complexas. Se fn é uma seqüência monótona não-decrescente de funções simples mensuráveis de S(f) que converge a f (que tal existe, garante-nos o Lema 27.3) é posśıvel mostrar que ∫ E f dµ = lim n→∞ ∫ E fn dµ . (27.24) A expressão (27.24) pode ser tomada como definição alternativa equivalente de ∫ E f dµ e, de fato, alguns autores assim o fazem. A equivalência das duas definições é demonstrada no Apêndice 27.E, página 1214. Seu estudo é dispensável em uma primeira leitura. • A integração de Lebesgue e conjuntos de medida zero Dentre as propriedades da integral definida acima, a seguinte observação terá um papel importante a desempenhar. Proposição 27.6 Seja (M, M) um espaço de medida e seja f : M → R+ uma função [M, M[τR]]-mensurável tal que ∫ E f dµ = 0 para algum E ∈ M. Então f = 0 µ-q.t.p. em E. 2 Prova. Seja En = {x ∈ M | f(x) > 1/n} ∩ E = {x ∈ E| f(x) > 1/n}. Pela Proposição 27.10 da página 1209, tem-se En ∈ M. É claro pela definição de En que f ≥ 1nχEn . Portanto, a função simples 1nχEn é um elemento de S(f) e, pela definição (27.23) da integral de Lebesgue, segue que 0 = ∫ E f dµ ≥ ∫ E 1 n χEn dµ = 1 n µ(En) , ou seja, µ(En) = 0 para todo n ∈ N. Note-se agora que {x ∈ E| f(x) > 0} = ⋃∞ n=1 En. Logo, µ({x ∈ E| f(x) > 0}) ≤ ∑∞ n=1 µ(En) = 0, provando que f = 0 µ-q.t.p em E. • Funções integráveis Como acima, seja M não-vazio, M uma σ-álgebra de M na qual definimos uma medida µ. Seja f : M → R uma função mensurável. f é dita ser integrável em M se ∫ M |f | dµ < ∞ . Como |f | = f+ + f−, sendo ambas f± não-negativas e mensuráveis, segue que ∫ M f + dµ < ∞ e ∫ M f − dµ < ∞. Com isso, e como f = f+ − f−, sendo ambas f± não-negativas, é natural definir ∫ M f dµ := ∫ M f+ dµ − ∫ M f− dµ . As integrais do lado direito são finitas e, portanto, sua diferença está bem definida. • Propriedades elementares da integração As seguintes propriedades das integrais de funções integráveis são válidas e podem ser facilmente verificadas: ∫ E (αf) dµ = α ∫ E f dµ , (27.25) ∫ E (fa + fb) dµ = ∫ E fa dµ + ∫ E fb dµ , (27.26) ∫ E f1 dµ ≤ ∫ E f2 dµ se f1(x) ≤ f2(x), ∀x ∈ E . (27.27) Acima, f , fa, fb, f1 e f2 são funções integráveis reais quaisquer e α ∈ R, constante. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1191/1730 E. 27.15 Exerćıcio (recomendado a quem deseja testar se está realmente acompanhando a exposição). Demonstre as propriedades elementares acima. 6 Uma outra propriedade relevante de demonstração simples é a seguinte se f : M → R for integrável, ∣ ∣ ∣ ∣ ∫ E f dµ ∣ ∣ ∣ ∣ ≤ ∫ E |f | dµ . (27.28) Isso segue das seguintes linhas: ∣ ∣ ∣ ∣ ∫ E f dµ ∣ ∣ ∣ ∣ = ∣ ∣ ∣ ∣ ∫ E f+ dµ − ∫ E f− dµ ∣ ∣ ∣ ∣ ≤ ∣ ∣ ∣ ∣ ∫ E f+ dµ ∣ ∣ ∣ ∣ + ∣ ∣ ∣ ∣ ∫ E f− dµ ∣ ∣ ∣ ∣ = ∫ E f+ dµ + ∫ E f− dµ = ∫ E (f+ + f−) dµ = ∫ E |f | dµ . • Funções complexas integráveis Caso f seja uma função complexa, f : M → C, procede-se de forma semelhante. Como antes, f é dita ser integrável em M se ∫ M |f | dµ < ∞ . Denotemos por Re(f) e Im(f) as partes real e imaginária de f . Como |f | = √ |Re(f)|2 + |Im(f)|2 é mensurável pela Proposição 27.14, página 1211, é claro que |Re(f)| ≤ |f |, |Im(f)| ≤ |f | e, de (27.27), segue que ∫ M |Re(f)| dµ ≤ ∫ M |f | dµ < ∞ e ∫ M |Im(f)| dµ ≤ ∫ M |f | dµ < ∞ . (27.29) Com isso, tanto Re(f) quanto Im(f) são funções reais e integráveis e podemos aplicar a definição acima e escrever ∫ M Re(f) dµ = ∫ M (Re(f))+ dµ − ∫ M (Re(f))− dµ , ∫ M Im(f) dµ = ∫ M (Im(f))+ dµ − ∫ M (Im(f))− dµ . Com isso, é natural definir a integral de f por ∫ M f dµ := ∫ M Re(f) dµ + i ∫ M Im(f) dµ = [ ∫ M (Re(f))+dµ − ∫ M (Re(f))−dµ ] + i [ ∫ M (Im(f))+dµ − ∫ M (Im(f))−dµ ] . (27.30) Todos os quatro termos acima são finitos e a soma dos mesmos é, portanto, bem definida. Chegamos dessa forma ao propósito de definir a noção de integral para funções mensuráveis e integráveis, reais ou complexas. Recapitulando, nossos passos foram 1) definir a integral de funções simples não-negativas e integráveis; 2) definir a integral de funções reais, mensuráveis e não-negativas a partir da integral de funções simples; 3) definir a integral de funções reais e integráveis a partir da integral de funções reais, mensuráveis e não-negativas ; 4) definir a integral de funções complexas e integráveis a partir da integral de suas partes real e imaginária. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1192/1730 • Propriedades elementares da integração de funções complexas As seguintes propriedades das integrais de funções integráveis são válidas e podem ser facilmente verificadas: ∫ E (αf) dµ = α ∫ E f dµ , (27.31) ∫ E (fa + fb) dµ = ∫ E fa dµ + ∫ E fb dµ , (27.32) Acima, f , fa e fb são funções integráveis e complexas quaisquer e α ∈ C, constante. E. 27.16 Exerćıcio (recomendado a quem deseja testar se está realmente acompanhando a exposição). Demonstre as propriedades elementares acima. Sugestão: use a definição (27.24). 6 A desigualdade (27.28) se deixa generalizar para funções integráveis complexas, mas a prova é mas engenhosa: se f : M → C for integrável, então ∣ ∣ ∣ ∣ ∫ E f dµ ∣ ∣ ∣ ∣ ≤ ∫ E |f | dµ . (27.33) Para provar isso, notemos que, pela Proposição 27.14, página 1211, |f | = √ (Re(f))2 + (Im(f))2 é [M, M[τR]]-mensurável se Re(f) e Im(f) o forem. Fora isso, já vimos acima que Re(f) e Im(f) são integráveis se f o for. A integral ∫ E f dµ é um número complexo e, portanto, pode ser escrito na forma polar ∫ E f dµ = eiϕ ∣ ∣ ∣ ∣ ∫ E f dµ ∣ ∣ ∣ ∣ . A função g := e−iϕf é mensurável e integrável, como facilmente se vê. Temos que ∫ E Re(g) dµ + i ∫ E Im(g) dµ = ∫ E g dµ = ∫ E e−iϕf dµ (27.31) = e−iϕ ∫ E f dµ = ∣ ∣ ∣ ∣ ∫ E f dµ ∣ ∣ ∣ ∣ ≥ 0 . Como ∣ ∣ ∫ E f dµ ∣ ∣ é um número real, segue que ∫ E Im(g) dµ = 0 e que ∫ E Re(g) dµ ≥ 0. Logo, ∣ ∣ ∣ ∣ ∫ E f dµ ∣ ∣ ∣ ∣ = ∫ E Re(g) dµ = ∣ ∣ ∣ ∣ ∫ E Re(g) dµ ∣ ∣ ∣ ∣ (27.28) ≤ ∫ E |Re(g)| dµ (27.29) ≤ ∫ E |g| dµ = ∫ E |f | dµ , completando a prova de (27.33). • Os conjuntos Lp(M, dµ) Antes de passarmos a exemplos, vamos rapidamente introduzir uma notação importante. Se (M, M) é um espaço mensurável e µ é uma medida em M , denotaremos o conjunto das funções integráveis em M em relação à medida µ por L1(M, dµ): L1(M, dµ) := { f : M → C ∣ ∣ ∣ ∣ f é [M, M[τC]]-mensurável e ∫ M |f | dµ < ∞ } . Muito importantes são também os espaços Lp(M, dµ), definidos por Lp(M, dµ) := { f : M → C ∣ ∣ ∣ ∣ f é [M, M[τC]]-mensurável e ∫ M |f |p dµ < ∞ } , onde p, em prinćıpio, é um número real positivo p > 0. Os espaços Lp(M, dµ) com p ≥ 1 serão discutidos com mais detalhe adiante. • Exemplos. Integração com a medida delta de Dirac Vamos a alguns exemplos ilustrativos. Considere M = R, M = P(R) e µ = δx0 para x0 ∈ R, a medida delta de Dirac definida no item 2 da página 1107. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1195/1730 no Apêndice 27.I, página 1218, e faz uso do Lema de Fatou e do Teorema da Convergência Dominada, que introduziremos na Seção 27.3.4, logo adiante. O Teorema 27.2 estabeleceu uma relação entre as integrais de Riemann e de Lebesgue no caso de intervalos finitos da reta real. O que se pode dizer para intervalos não-finitos? Como a integral de Riemann foi definida na Seção 27.2, página 1168, apenas para funções limitadas em intervalos finitos, a primeira questão a resolver é defińı-la em intervalos não-finitos, como R. Isso foi discutido na Seção 27.2.1, página 1176, ao introduzirmos a noção de integral de Riemann imprópria. • A integral de Riemann imprópria e sua relação com a de Lebesgue em R No caso de f ser também positiva (o que não é necessário para a definição 27.6) também podemos estabelecer uma relação entre as integral de Riemann imprópria e de Lebesgue. Isso é expresso no seguinte Teorema 27.3 Seja f : R → R+ uma função positiva e Boreliana e tal que f é integrável no sentido de Riemann em todo intervalo finito [a, b]. Então, f é integrável no sentido de Lebesgue em R se e somente se a integral de Riemann imprópria existir e, nesse caso, ∫ ∞ −∞ f(x) dx coincide com a integral de Lebesgue ∫ R f dµL. 2 A demonstração desse teorema também encontra-se no Apêndice 27.I, página 1218. As condições dos Teoremas 27.2 e 27.3 não são ainda as mais gerais posśıveis para garantir a igualdade entre a integral de Riemann (normal ou imprópria) e a de Lebesgue, mas não trataremos de generalizações aqui e remetemos o leitor interessado aos bons livros. Nesse contexto, vale fazer o seguinte comentário. O Teorema 27.3 estabeleceu a relação entre a integral de Riemann imprópria e a integral de Lebesgue em R, mas somente para funções não-negativas. Valerá uma relação assim para funções mais gerais? A resposta, infelizmente, pode ser negativa em alguns casos, como mostra o exemplo do qual trataremos a seguir. • Limitações da integral de Lebesgue É importante chamar a atenção do leitor para uma limitação da integração de Lebesgue em R, a qual pode ser ilustrada pelo exemplo a seguir (encontrado em vários livros-textos). Seja a função f(x) = sen xx . É claro que f é Boreliana (pois é cont́ınua) e limitada. Será f integrável em R, ou seja, será ∫ R |f | dµL < ∞? Como f satisfaz f(x) = f(−x) para todo x, é suficiente estudar f para x ≥ 0. Em cada intervalo [(n − 1)π, nπ], com n = 1, 2, 3, . . ., vale | sen x| |x| ≥ | sen x| nπ . Assim, para todo N ∈ N e x ∈ R+, |f |(x) ≥ N ∑ n=1 1 nπ | senx| χ[(n−1)π, nπ](x) e ∫ R+ |f | dµL ≥ N ∑ n=1 1 nπ ∫ R+ | senx| χ[(n−1)π, nπ](x) dµL = N ∑ n=1 1 nπ ∫ [(n−1)π, nπ] | sen x| dµL . É claro que a função | senx| é Boreliana (pois é cont́ınua) e limitada. Aplicando o Teorema 27.2, tem-se ∫ [(n−1)π, nπ] | senx| dµL = ∫ nπ (n−1)π | sen x| dx , a integral à direita sendo a familiar integral de Riemann. Fazendo a mudança de variáveis x → x− (n− 1)π, escrevemos ∫ nπ (n−1)π | senx| dx = ∫ π 0 |(−1)n−1 senx| dx = ∫ π 0 senxdx = 2 , pois senx é não-negativa em [0, π]. Assim, para todo N ∈ N, ∫ R+ |f | dµL ≥ 2 π N ∑ n=1 1 n . JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1196/1730 Agora, como é bem sabido, a soma do lado direito diverge quando N → ∞. Logo, ∫ R+ |f | dµL = ∞ e, conseqüentemente, ∫ R |f | dµL = ∞. (27.36) Note que nem mesmo ∫ R f+, dµL ou ∫ R f− dµL são finitas (justifique!). A expressão (27.36) significa que f 6∈ L1(R, dµL) e, portanto, ∫ R f dµL não está definida. Sucede, porém, que a integral de Riemann imprópria (vide definição (27.6)), ∫ ∞ −∞ sen x x dx := lim A→∞ ∫ A −A senx x dx existe, e vale π. Esse exemplo ensina-nos que há funções que possuem uma integral de Riemann imprópria, mas não uma integral de Lebesgue em R. Por que o limite ∫ A −A sen x x dx existe mas ∫ R ∣ ∣ sen x x ∣ ∣ dµL não? A resposta reside na observação que a função senx x troca de sinal infinitas vezes e isso produz cancelamentos nas integrais ∫ A −A sen x x dx que permitem a convergência do limite A → ∞. A função ∣ ∣ sen x x ∣ ∣, porém, é cega a essas trocas de sinal, devido à presença do módulo. Na integração de Lebesgue, ao concentrarmo-nos na integrabilidade do módulo de uma função f , como a de acima, perdemos informação sobre oscilações e trocas de sinal da mesma que podem ser relevantes para certos propósitos25. Esse fato pode ser interpretado como uma deficiência da integração de Lebesgue. 27.3.4 Teoremas Básicos sobre Integração e Convergência Nesta seção apresentaremos alguns teoremas importantes sobre a integral de Lebesgue e que descrevem o comportamento da mesma relativamente a operações de tomada de limites. De um ponto de vista técnico esses teoremas têm uma importância central e pode-se mesmo dizer que sua validade é uma das principais razões do interesse na integral de Lebesgue, em comparação a outras integrais, como a de Riemann. Historicamente os teoremas de convergência abaixo emergiram de trabalhos de Lebesgue, Levi26 e Fatou27. • O Teorema da Convergência Monótona Teorema 27.4 (Teorema da Convergência Monótona) Seja (M, M) um espaço mensurável onde encontra-se de- finida uma medida µ. Seja {fn} uma seqüência não-decrescente de funções não-negativas fn : M → R, ou seja, 0 ≤ f1(x) ≤ f2(x) ≤ f3(x) ≤ · · · ≤ ∞, sendo todas [M, M[τR]]-mensuráveis. Suponhamos também que f : M → R seja tal que para cada x ∈ M a seqüência fn(x) convirja a f(x). Então, a função f é também [M, M[τR]]-mensurável e lim n→∞ ∫ M fn dµ = ∫ M f dµ . (27.37) 2 A demonstração é apresentada no Apêndice 27.F, página 1216. 25Aos estudantes mais avançados notamos que esse é um dos problemas que têm impedido a definição matematicamente precisa da integração funcional de Feynman da Mecânica Quântica e da Teoria Quântica de Campos (quando formuladas no espaço-tempo de Minkowski). Já a chamada integral funcional de Feynman-Kac, definida no espaço-tempo Euclidiano, pode ser bem definida, por não sofrer desses problemas (vide e.g. [66] ou [152, 153, 154, 155]). Para uma exposição introdutória sobre a integração funcional de Feynman na Mecânica Quântica, vide, por exemplo, [146], ou bons livros de Mecânica Quântica. 26Beppo Levi (1875–1961). 27Pierre Joseph Louis Fatou (1878–1929). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1197/1730 Para apreciarmos a relevância do Teorema da Convergência Monótona, consideremos o seguinte exemplo. Seja Q = {r1, r2, r3, r4, . . .} = ⋃∞ n=1{rk}, onde N ∋ k → rk ∈ Q é uma contagem de Q. Defina-se fn(x) =        2, se x ∈ {r1, . . . , rn} e−x 2 , de outra forma . É fácil ver que cada função fn é [M[τR], M[τR]]-mensurável (faça-o!) e que fn ≤ fn+1 para todo n. Essas funções fn são integráveis por Riemann (pois são cont́ınuas por partes). É também fácil ver que ∫ R fn dµL = ∫∞ −∞ e −x2 dx = √ π. Agora, f(x) = lim n→∞ fn(x) é dada por f(x) =        2, se x ∈ Q e−x 2 , se x 6∈ Q e é também mensurável. Tem-se também que ∫ R fn dµL = √ π. Assim, lim n→∞ ∫ R fn dµL = ∫ R f dµL , como se vê, e como garante o Teorema da Convergência Monótona. Essa igualdade, porém, não faria sentido para a integral de Riemann, pois f , ao contrário das funções fn, não é integrável por Riemann. Condições suficientes para se poder comutar uma integral de Riemann com um limite de uma seqüência de funções são geralmente muito mais restringentes que o exigido no Teorema da Convergência Monótona e requerem, por exemplo, convergência uniforme dessa seqüência. • O Lema de Fatou O seguinte lema, denominado Lema de Fatou, possui várias aplicações, sendo também importante na demonstração do Teorema da Convergência Dominada, do qual trataremos logo adiante, assim como na demonstração do Teorema 27.2, da página 1194, acima, que tratou da relação entre as integrais de Riemann e Lebesgue em intervalos finitos da reta real. O Teorema da Convergência Monótona, Teorema 27.4, tratava de seqüências monótonas não-decrescentes de funções positivas e mensuráveis da reta real e estabelecia a possibilidade de troca de limites com a integração expressa em (27.37). Podemos nos perguntar, e se tivermos uma seqüência de funções positivas e mensuráveis mas que não seja monótona não-decrescente? Valerá a inversão de limites com a integral em (27.37)? A resposta, em geral, é não, mas ainda assim, vale o seguinte: Teorema 27.5 (Lema de Fatou) Seja (M, M) um espaço mensurável onde encontra-se definida uma medida µ. Seja {fn} uma seqüência de funções não-negativas e [M, M[τR]]-mensuráveis fn : M → R. Então, ∫ M ( lim inf n→∞ fn ) dµ ≤ lim inf n→∞ ∫ M fn dµ . (27.38) 2 A demonstração encontra-se no Apêndice 27.G, página 1216. O Lema de Fatou será usado logo abaixo para demonstrar um outro resultado ainda mais relevante, o Teorema da Convergência Dominada. Nem sempre vale a igualdade em (27.38). Isso é mostrado nos dois exerćıcios seguintes. E. 27.21 Exerćıcio. Seja a seguinte seqüência de funções Borelianas da reta real fn(x) =        1 n , se x ∈ [−n, n], 0, se x 6∈ [−n, n], JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1200/1730 onde fk := f χEk . A funções Fn := ∑n k=1 fk são não-negativas, [M, M[τR]]-mensuráveis e Fn ≤ Fn+1 para todo n ∈ N. Aplica-se, então o Teorema da Convergência Monótona, Teorema 27.4, página 1196, e tem-se ϕf ( ∞ ⋃ k=1 Ek ) = ∫ M ( lim n→∞ n ∑ k=1 fk ) dµ Teor. 27.4 = lim n→∞ ∫ M ( n ∑ k=1 fk ) dµ linearidade da integral = lim n→∞ n ∑ k=1 ∫ M fk dµ = lim n→∞ n ∑ k=1 ∫ M f χEk dµ = lim n→∞ n ∑ k=1 ϕf (Ek) , provando que ϕf é uma medida. Para provar (27.39), procedemos da seguinte forma. Para E ∈ M tem-se pela própria definição de ϕf . ∫ M χE dϕf = ϕf (E) = ∫ M χE f dµ . Assim, (27.39) vale pelo menos no caso espacial em que g = χE . Logo, vale também no caso em que g é uma função simples. Seja por fim uma função g não-negativa e mensurável geral. Se gn for uma seqüência não-decrescente de funções simples e não-negativas de S(g) que converge a g (que tal existe, garante-nos o Lema 27.3, página 1186), tem-se pela definição (27.24) ∫ E g dϕf = lim n→∞ ∫ E gn dϕf = lim n→∞ ∫ E gn f dµ . Agora, gn f é uma seqüência não-decrescente (por que?) de funções positivas e mensuráveis e que converge a g f (por que?). Aplicando mais uma vez o Teorema da Convergência Monótona, Teorema 27.4, página 1196, ao lado direito da última expressão, segue que ∫ E g dϕf = ∫ E ( lim n→∞ gn f ) dµ = ∫ E (g f) dµ , completando a demonstração. Para entendermos melhor o significado de (27.39), tomemos o caso em que M = R, M = M[τR], a σ-álgebra de Borel, µ = µL, a medida de Lebesgue e f : R → R, uma função Boreliana e limitada em todos os intervalos finitos. Para E = [a, b], um intervalo finito, teremos pelo Teorema 27.2, página 1194, ϕf ([a, b]) = ∫ [a, b] f dµL = ∫ b a f(x) dx . Se f for tal que existe uma F : R → R com F ′(x) = f(x), o Teorema Fundamental do Cálculo diz-nos que ϕf ([a, b]) = F (b) − F (a) . Note que F ′(x) = f(x) ≥ 0 e, portanto F é crescente. Isso fornece uma noção do que representa a medida ϕf desses intervalos. 27.4 Os Espaços Lp e Lp Daqui por diante M será um conjunto não-vazio com uma σ-álgebra M, para a qual encontra-se definida uma medida µ. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1201/1730 Definimos à página 1192 os conjuntos Lp(M, dµ), p > 0, como sendo o conjunto de todas as funções complexas definidas em M tais que sua p-ésima potência é integrável. O estudo das propriedades desses conjuntos é de grande importância em várias áreas da Matemática e da F́ısica. Na F́ısica Quântica um papel muito especial é reservado aos conjuntos L2(R, dµL) e L2(R n, dµL) (mais precisamente, aos seus parentes próximos, os conjuntos L2(R, dµL) e L2(R n, dµL), que serão definidos abaixo), pois os mesmos descrevem os estados puros de sistemas quânticos com um número finito de graus de liberdade. A razão de os conjuntos Lp(M, dµ) serem importantes reside no fato que, para p ≥ 1, todos eles são – menos de uma tecnicalidade que discutiremos abaixo – espaços de Banach. Os espaços L2(M, dµ), em particular, são – a menos dessa tecnicalidade – espaços de Hilbert28. Nosso objetivo na presente seção é estudar esses fatos de forma precisa e geral. Por razões pedagógicas começaremos estudando os espaços L1(M, dµ) e depois passaremos ao caso p > 1. • L1(M, dµ) é um espaço vetorial complexo Se f : M → C e g : M → C são dois elementos quaisquer de L1(M, dµ) e α, β são números complexos quaisquer, é claro que |αf + βg| ≤ |α||f | + |β||g|. Esse simples fato tem a seguinte conseqüência: ∫ M |αf + βg| dµ ≤ |α| ∫ M |f | dµ + |β| ∫ M |g| dµ . Como, por hipótese, ∫ M |f | dµ < ∞ e ∫ M |g| dµ < ∞, segue dáı que a função obtida pela combinação linear αf + βg é também um elemento de L1(M, dµ). Como essa afirmação é válida para todos f, g ∈ L1(M, dµ) e α, β ∈ C, conclúımos que L1(M, dµ) é um espaço vetorial complexo. Por essa razão passaremos a nos referir aos conjuntos L1(M, dµ), como espaços L1(M, dµ). O uso da palavra “espaço”, aqui, é uma referência ao fato de serem espaços vetoriais. Logo abaixo, veremos que os mesmos são também, a menos de uma tecnicalidade, espaços métricos. Os conjuntos Lp(M, dµ) com p ≥ 0 também são espaços vetoriais complexos e isso será mostrado na Proposição 27.8, logo adiante. • Uma pseudo-métrica em L1(M, dµ) Para f : M → C e g : M → C, dois elementos quaisquer de L1(M, dµ), consideremos a expressão d1(f, g) := ∫ M |f − g| dµ . Como (f − g) ∈ L1(M, dµ), é claro que 0 ≤ d1(f, g) < ∞. É evidente que d1(f, f) = 0 e que d1(f, g) = d1(g, f). Como também, para qualquer h ∈ L1(M, dµ), vale que f − g = (f − h) + (h − g), tem-se |f − g| ≤ |f − h| + |h − g| e, portanto, d1(f, g) ≤ d1(f, h) + d1(h, g), a chamada desigualdade triangular. Com isso, estabelecemos que d1 é uma pseudo-métrica em L1(M, dµ). Para a definição geral de pseudo-métrica, vide Seção 21.3, página 1020. Por que d1 não é uma métrica? Pois no conjunto L1(M, dµ), o fato de ter-se ∫ M |f − g| dµ = 0 não implica que f(x) = g(x) para todo x ∈ M , mas implica apenas que f = g µ-q.t.p. (Proposição 27.6, página 1190). Esse fato em geral29 impede-nos de fazer de L1(M, dµ) um espaço métrico, mas há uma maneira simples de remediar isso: identificando entre si as funções que diferem apenas em um conjunto de medida µ nula. Esse é o nosso próximo passo. • Os espaços L1(M, dµ) No conjunto das funções [M, M[τR]]-mensuráveis estabelecemos uma relação de equivalência dizendo que funções f e g, são equivalentes, f ∼ g, se f = g µ-q.t.p., ou seja, se µ({x ∈ M | f(x) 6= g(x)}) = 0. Constatemos que, de fato, isso define uma relação de equivalência. Que f ∼ f é evidente, assim como que f ∼ g equivale a g ∼ f . Para provar a transitividade, consideremos três funções f , g e h. Notemos que se x ∈ M é tal que f(x) 6= h(x), então ou f(x) 6= g(x) ou g(x) 6= h(x) ou ambas. Logo, {x ∈ M | f(x) 6= h(x)} = {x ∈ M | f(x) 6= g(x)} ∪ {x ∈ M | g(x) 6= h(x)} , 28Espaços de Banach e de Hilbert foram definidos na Seção 21.5, página 1025. 29Exceto nos casos especiais em que M e µ são tais que ∅ é o único conjunto de medida µ nula. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1202/1730 sendo que a união acima não é necessariamente disjunta. Logo, µ ( {x ∈ M | f(x) 6= h(x)} ) ≤ µ ( {x ∈ M | f(x) 6= g(x)} ) + µ ( {x ∈ M | g(x) 6= h(x)} ) . Assim, se f ∼ g e g ∼ h, o lado direito vale zero e, portanto, segue que f ∼ h, provando a transitividade. E. 27.25 Exerćıcio. Mostre que {x ∈ M | f(x) 6= g(x)} ∈ M. Sugestão: prove e use o fato que {x ∈ M | f(x) 6= g(x)} = {x ∈ M | f(x) > g(x)} ∪ {x ∈ M | f(x) < g(x)} e use a Proposição 27.11, da página 1210. 6 O conjunto L1(M, dµ) quebra-se em classes de equivalência pela relação de equivalência acima. Duas funções de uma mesma classe diferem apenas em um conjunto de medida µ igual a zero. Definimos o conjunto L1(M, dµ) como sendo o conjunto dessas classes de equivalência: em śımbolos L1(M, dµ) := L1(M, dµ)/ ∼ . Uma outra forma mais concreta de encarar L1(M, dµ) é considerá-lo como o conjunto obtido tomando um e apenas um representante arbitrário de cada classe. Essa forma de ver L1(M, dµ) tem a vantagem de permitir constatar de modo imediato que L1(M, dµ) também é um espaço vetorial complexo. Além disso, nessa maneira de ver, L1(M, dµ) é um subconjunto de L1(M, dµ) e, portanto, d1 está definido em L1(M, dµ). Agora, porém, vale que se f, g ∈ L1(M, dµ) e d1(f, g) = 0, então f = g µ-q.t.p. Ora, isso só é posśıvel se f = g, pois L1(M, dµ) foi constrúıdo tomando-se um e apenas um elemento de cada classe de equivalência de L1(M, dµ). Constatamos, assim, que d1 é agora uma métrica em L1(M, dµ), não apenas uma pseudo-métrica. Resumindo L1(M, dµ), é um espaço vetorial complexo e também um espaço métrico em relação à métrica d1. O leitor que deseja permanecer em um ńıvel mais abstrato e continuar encarando L1(M, dµ) como uma coleção de classes, poderá proceder da seguinte forma para constatar as afirmações do último parágrafo. Seja [f ] a classe a qual pertence um elemento f ∈ L1(M, dµ). Defina-se para α e β ∈ C e para duas classes [f ] e [g] a operação linear α[f ] + β[g] := [αf + βg]. Com essa operação de combinação linear, a coleção de classes L1(M, dµ) adquire a estrutura de um espaço vetorial complexo, tendo como vetor nulo a classe [0], que contém a função identicamente nula. Para introduzir uma métrica na coleção de classes L1(M, dµ), defina-se D1([f ], [g]) := d1(f, g). E. 27.26 Exerćıcio. Mostre que a combinação linear definida acima, assim como a métrica D1, estão bem definidas, no sentido de serem independentes dos representantes f e g tomados em cada classe. Mostre que D1 é de fato uma métrica, e não apenas uma pseudo-métrica, ou seja, satisfaz todos os postulados da definição de uma métrica. 6 Optaremos tacitamente daqui por diante pela visão mais concreta de L1(M, dµ) como o conjunto obtido tomando um e apenas um representante arbitrário de cada classe de equivalência de L1(M, dµ). Não há grandes diferenças técnicas entre as duas visões e raramente é necessário recorrer à definição precisa em termos de classes de equivalência. Uma exceção se dará quando discutirmos o problema da completeza dos espaços L1(M, dµ). A visão concreta tem a vantagem de permitir prosseguir encarando os elementos de L1(M, dµ) como funções integráveis de M em C e não como classes abstratas de funções. Informalmente, a diferença entre L1(M, dµ) e L1(M, dµ) é que em L1(M, dµ) identificamos funções que diferem apenas em um conjunto de medida µ nula como se fossem a mesma função. • A estrutura linear dos espaços Lp(M, dµ) Proposição 27.8 Os conjuntos Lp(M, dµ), com p > 0, são espaços vetoriais complexos. 2 A prova é essencialmente idêntica à da Proposição 21.9, página 1029, sobre os conjuntos de seqüências ℓp e faz uso da Proposição 21.11, página 1040, do Apêndice 21.A. Prova. Há dois casos a considerar em separado: 0 < p < 1 e p ≥ 1. Caso 0 < p < 1. Sejam f, g ∈ Lp(M, dµ), arbitrários. Como |f(x) + g(x)| ≤ |f(x)|+ |g(x)|, a segunda desigualdade em (21.A.2), página 1040, implica |f + g|p ≤ (|f | + |g|)p ≤ |f |p + |g|p . JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1205/1730 • A desigualdade de Cauchy-Schwarz. Um produto escalar em L2(M, dµ) A desigualdade de Hölder (27.40) tem um caso particular muito importante, a saber, quando p = q = 2: para f, g ∈ L2(M, dµ) vale ∫ M |f | |g| dµ ≤ [ ∫ M |f |2 dµ ]1/2 [∫ M |g|2 dµ ]1/2 < ∞ . Como também ∣ ∣ ∫ M fg dµ ∣ ∣ ≤ ∫ M |f | |g| dµ, segue que ∣ ∣ ∣ ∣ ∫ M fg dµ ∣ ∣ ∣ ∣ ≤ [ ∫ M |f |2 dµ ]1/2 [∫ M |g|2 dµ ]1/2 < ∞ . As duas desigualdades acima são denominadas desigualdades de Cauchy-Schwarz. A segunda está nos dizendo que para f, g ∈ L2(M, dµ) a expressão 〈f, g〉 := ∫ M f g dµ é um número complexo finito e, como facilmente se verifica, define um produto escalar em L2(M, dµ). E. 27.27 Exerćıcio. Demonstre as afirmações acima. 6 É também elementar constatar que a norma associada a esse produto escalar é a norma ‖ · ‖2. Como veremos logo abaixo, L2(M, dµ) é completo em relação à métrica d2 que essa norma induz. Conseqüentemente, L2(M, dµ) é um espaço de Hilbert. • Relações de inclusão entre os conjuntos Lp(M, dµ) quando µ(M) < ∞ Se o conjunto M e a medida µ são tais que µ(M) < ∞, então a função g(x) = 1 (identicamente igual a 1 para todo x ∈ M) pertence a todo Lq(M, dµ), 0 < q < ∞. Isso é evidente, pois ∫ M 1q dµ = µ(M) < ∞. Disso e da desigualdades de Hölder (27.43), extraem-se algumas conseqüências sobre relações de inclusão entre os vários espaços Lp(M, dµ). Para p > 0 e q > 0 arbitrários, tomando-se f ∈ Lp(M, dµ) e g = 1, obtem-se de (27.43) que [ ∫ M |f |r dµ ]1/r ≤ [ ∫ M |f |p dµ ]1/p [µ(M)]1/q < ∞ , (27.45) para 1/r = 1/p+1/q. Como q > 0, segue que r < p. Como q é arbitrário, a desigualdade (27.45) diz que se f ∈ Lp(M, dµ) então f ∈ Lr(M, dµ) para todo 0 < r ≤ p, ou seja, Lp(M, dµ) ⊂ Lr(M, dµ) sempre que r ≤ p com r > 0 e p > 0. Assim, tem-se, por exemplo, · · · ⊂ L4(M, dµ) ⊂ L3(M, dµ) ⊂ L2(M, dµ) ⊂ L1(M, dµ) ⊂ L 1 2 (M, dµ) ⊂ L 1 4 (M, dµ) · · · . Essas relações de inclusão não são geralmente válidas caso µ(M) = ∞. Vide próximo exerćıcio. E. 27.28 Exerćıcio. Mostre que a função f(x) =        1, x ∈ [−1, 1] 1 |x| , x 6∈ [−1, 1] pertence a L2(R, dµL) mas não a L1(R, dµL). Mostre que a função f(x) =        1√ |x| , 0 < |x| ≤ 1 0, x = 0 ou |x| > 1 pertence a L1(R, dµL) mas não a L2(R, dµL). Mostre que a função f(x) =        1, x ∈ [−1, 1] 1 |x|2 , x 6∈ [−1, 1] JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1206/1730 pertence a L2(R, dµL) ∩ L1(R, dµL). 6 • Revisitando a desigualdade de Hölder Se p e q são tais que 1 < p < ∞, 1 < q < ∞ e satisfazem 1/p + 1/q = 1, então para quaisquer f ∈ Lp(M, dµ) e g ∈ Lq(M, dµ) a desigualdade de Hölder (27.40) implica que ∣ ∣ ∣ ∣ ∫ M f g dµ ∣ ∣ ∣ ∣ ≤ [ ∫ M |f |p dµ ]1/p [∫ M |g|q dµ ]1/q < ∞ . (27.46) Como facilmente se verifica, a aplicação g 7→ ∫ M f g dµ é um funcional linear em Lq(M, dµ). Mais que isso, (27.46) diz-nos que se trata de um funcional linear cont́ınuo 32 (na topologia de Lq(M, dµ)). Conclúımos disso que se 1 < p < ∞, 1 < q < ∞ e satisfazem 1/p + 1/q = 1, então Lp(M, dµ) é um subconjunto do dual topológico de Lq(M, dµ) e vice-versa. E. 27.29 Exerćıcio. Justifique as afirmações acima 6 27.4.2 O Teorema de Riesz-Fischer. Completeza Vamos agora formular um importante teorema que é uma das principais justificativas do interesse na integral de Lebesgue e, em um certo sentido, coroa nossos esforços neste Caṕıtulo. Trata-se do Teorema de Riesz33-Fischer34, o qual data de 1907. Teorema 27.8 (Teorema de Riesz-Fischer) Para p ≥ 1 os espaços Lp(M, dµ) são espaços métricos completos na métrica dp definida acima. 2 Do Teorema de Riesz-Fischer e das considerações acima conclúımos que os espaços Lp(M, dµ) com p ≥ 1 são espaços de Banach e o espaço L2(M, dµ) é um espaço de Hilbert. A prova do Teorema de Riesz-Fischer encontra-se no Apêndice 27.K, página 1222. 32As noções de funcional linear e funcional linear cont́ınuo foram introduzidas na Seção 2.3.2, página 114. 33Frigyes Riesz (1880–1956). 34Ernst Sigismund Fischer (1875–1954). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1207/1730 Apêndices Nos vários apêndices que seguem apresentamos as demonstrações mais técnicas de alguns dos teoremas e proposições da nossa exposição. 27.A Equivalência das Definições II e III da Integrabilidade de Riemann Demonstraremos aqui equivalência das definições II e III da noção de integrabilidade de Riemann. Recordamos que as noções de lim inf e lim sup de conjuntos dirigidos, as quais usaremos abaixo, são introduzidas na Seção 26.4, página 1155. Consideremos em P([a, b]) o pré-ordenamento definido pela inclusão, definindo P ≺o P′ se P ⊂ P. Com relação a esse pré-ordenamento ≺o as coleções P([a, b]) e X([a, b]) são também conjuntos dirigidos e a aplicação X([a, b]) ∋ (P, χ) 7→ S[(P, χ), f ] ∈ R é também uma rede, dita por alguns autores ser uma rede de Riemann-Darboux. No que segue consideraremos essa rede em relação a esse pré-ordenamento. Pelo exerćıcio E. 27.3 da página 1173, a rede P([a, b]) ∋ P 7→ Di[P, f ] ∈ R é crescente, enquanto que a rede P([a, b]) ∋ P 7→ Ds[P, f ] ∈ R é decrescente. Assim, lim inf P∈P([a, b]) Di[P, f ] = sup P∈P([a, b]) Di[P, f ] = ∫ b a f(x) dx e lim sup P∈P([a, b]) Ds[P, f ] = inf P∈P([a, b]) Ds[P, f ] = ∫ b a f(x) dx . (Vide definições (26.1)-(26.2) e (26.3)-(26.4)). Temos obviamente que Di[P, f ] ≤ S[(P, χ), f ] ≤ Ds[P, f ] para todo P ∈ P([a, b]) e todo χ ∝ P. Porém, vê-se pelas definições de Di e Ds que Di[P, f ] = inf χ∝P S[(P, χ), f ] e Ds[P, f ] = sup χ∝P S[(P, χ), f ] e, portanto, lim inf P∈P([a, b]) Di[P, f ] = lim inf (P, χ)∈X([a, b]) S[(P, χ), f ] e lim sup P∈P([a, b]) Ds[P, f ] = lim sup (P, χ)∈X([a, b]) S[(P, χ), f ] . Logo, ∫ b a f(x) dx = lim inf P∈P([a, b]) Di[P, f ] = lim inf (P, χ)∈X([a, b]) S[(P, χ), f ] ≤ lim sup (P, χ)∈X([a, b]) S[(P, χ), f ] = lim sup P∈P([a, b]) Ds[P, f ] = ∫ b a f(x) dx , onde a única desigualdade que ocorre acima segue da propriedade (26.5). Dessa expressão, vê-se que ∫ b a f(x) dx = ∫ b a f(x) dx se e somente se lim inf (P, χ)∈X([a, b]) S[(P, χ), f ] = lim sup (P, χ)∈X([a, b]) S[(P, χ), f ] e, portanto, por (26.6), se e somente se existe lim (P, χ)∈X([a, b]) S[(P, χ), f ]. Isso prova a equivalência das definições II e III da noção de integrabilidade de Riemann. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1210/1730 Prova. Que as condições são necessárias é evidente, pois os quatro conjuntos (27.B.2)-(27.B.5) são a pré-imagem por f dos conjuntos Borelianos (−∞, a), (−∞, a], (a, ∞) e [a, ∞). Acima, já provamos a rećıproca para os conjuntos (27.B.2) e (27.B.4). Os dois casos restantes são conseqüência desses dois se lembrarmos que f−1((−∞, a]) = (f−1((a, ∞)))c e que f−1([a, ∞)) = (f−1((−∞, a)))c. Nosso próximo resultado é o seguinte: Proposição 27.11 Se f : M → R e g : M → R são ambas [M, M[τR]]-mensuráveis, então {x ∈ M | f(x) < g(x)} ∈ M, (27.B.6) {x ∈ M | f(x) ≤ g(x)} ∈ M, (27.B.7) {x ∈ M | f(x) > g(x)} ∈ M, (27.B.8) {x ∈ M | f(x) ≥ g(x)} ∈ M. (27.B.9) 2 Prova. Para demonstrar a primeira linha, notemos que {x ∈ M | f(x) < g(x)} = ⋃ r∈Q ( {x ∈ M | f(x) < r} ∩ {x ∈ M | g(x) > r} ) . E. 27.31 Exerćıcio. Mostre isso! Sugestão: lembre-se que f(x) < g(x) se e somente se existir pelo menos um racional r tal que f(x) < r < g(x), ou seja, f(x) < r e r < g(x). 6 Como observamos acima, tanto {x ∈ M | f(x) < r} quanto {x ∈ M | g(x) > r} são elementos de M. Pelas propriedades de σ-álgebras, sua intersecção também o é. Por fim, a união acima também o é, por ser uma união contável de elementos de M (essa é uma das propriedades definidoras de uma σ-álgebras). A prova que {x ∈ M | f(x) > g(x)} ∈ M é análoga: {x ∈ M | f(x) > g(x)} = ⋃ r∈Q ( {x ∈ M | f(x) > r} ∩ {x ∈ M | g(x) < r} ) e não requer mais comentários. Por fim, notemos que {x ∈ M | f(x) ≤ g(x)} = {x ∈ M | f(x) > g(x)}c e que {x ∈ M | f(x) ≥ g(x)} = {x ∈ M | f(x) < g(x)}c. Como uma σ-álgebra é fechada pelo complemento, segue do que já foi provado que {x ∈ M | f(x) ≤ g(x)} ∈ M e {x ∈ M | f(x) ≥ g(x)} ∈ M. • A álgebra das funções mensuráveis Vamos aqui provar a seguinte afirmativa, a qual coroa os resultados obtidos até aqui sobre funções numéricas men- suráveis: o conjunto das funções numéricas mensuráveis forma uma álgebra. Mais precisamente, tem-se Proposição 27.12 Se f : M → R e g : M → R são ambas [M, M[τR]]-mensuráveis, então 1. Para todos α, β ∈ R vale que αf + βg é [M, M[τR]]-mensurável. 2. O produto f · g é [M, M[τR]]-mensurável. 2 Prova. Para simplificar a linguagem, usaremos nesta prova a expressão função mensurável no sentido de [M, M[τR]]- mensurável. Seja α ∈ R. Afirmamos que αf é igualmente mensurável. Se α = 0 a afirmativa é trivial. Se α 6= 0, notemos que para todo a ∈ R {x ∈ M | αf(x) < a} = {x ∈ M | f(x) < a/α} ∈ M JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1211/1730 por (27.B.2), já que, por hipótese, f é mensurável. Como isso vale para todo a ∈ R, segue pela mesma Proposição 27.10 que αf é igualmente mensurável. O mesmo tipo de argumento tem outra conseqüência semelhante. Se h : M → R é mensurável, então que para todo b ∈ R vale {x ∈ M | b + h(x) < a} = {x ∈ M | h(x) < a − b} . Como h é mensurável, {x ∈ M | h(x) < a − b} ∈ M. Como isso vale para todo a ∈ R, conclúımos da igualdade acima que b + h é mensurável. Observe-se agora que {x ∈ M | f(x) + g(x) < a} = {x ∈ M | f(x) < a − g(x)} . Definindo-se h(x) = a− g(x), constatamos pelas considerações de acima que se trata de uma função mensurável. Assim, pela Proposição 27.11, segue que {x ∈ M | f(x) + g(x) < a} ∈ M para todo a, o que implica que f + g e mensurável. Conclúımos disso tudo que para todos α, β ∈ R a função αf + βg é mensurável em relação a M e M[τR]. Resta-nos ainda mostrar que o produto f · g é mensurável. Provemos primeiro que se f é mensurável então f2 também o é. De fato, para a < 0 {x ∈ M | f(x)2 < a} = ∅ ∈ M mas para a ≥ 0, {x ∈ M | f(x)2 < a} = { x ∈ M | f(x) < √a } ∪ { x ∈ M | f(x) < −√a } . Como f é mensurável, segue que {x ∈ M | f(x) < ±√a} ∈ M. Logo {x ∈ M | f(x)2 < a} ∈ M e como isso vale para todo a ∈ R, segue que f2 é mensurável. A prova que f · g é mensurável segue da relação f · g = 1 4 [ (f + g)2 − (f − g)2 ] e reunindo tudo o que vimos. A seguinte proposição também é relevante: Proposição 27.13 Se f : M → R é [M, M[τR]]-mensurável e f(x) ≥ 0 para todo x ∈ M , então √ f é também [M, M[τR]]-mensurável. 2 Prova. Para f : M → R, basta observar que para a < 0 vale {x ∈ M | √ f(x) < a} = ∅ ∈ M e para a ≥ 0, {x ∈ M | √ f(x) < a} = {x ∈ M | f(x) < a2} ∈ M , pois f é mensurável. Isso provou que √ f é [M, M[τR]]-mensurável. • Funções complexas mensuráveis O conjunto dos números complexos C é um espaço topológico métrico completo com a métrica d(z, w) = |w − z|, z, w ∈ C. Denotaremos por τC a topologia que essa métrica induz, a topologia usual de C. A essa topologia vem associada a σ-álgebra Boreliana M[τC]. Vamos demonstrar a seguinte proposição: Proposição 27.14 Seja (M, M) um espaço mensurável e f : M → C uma função complexa [M, M[τC]]-mensurável definida em M . Então Re(f), Im(f) e |f | são funções reais [M, M[τR]]-mensuráveis. 2 Prova. Comecemos por observar que a função Re : C → R dada por Re(z) = (z + z)/2 é cont́ınua, assim como a função Im : C → R dada por Im(z) = (z − z)/(2i). E. 27.32 Exerćıcio simples. Prove isso! 6 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1212/1730 Com isso em mente, podemos entender a função Re(f) : M → R como a composição Re ◦ f da função [M, M[τC]]- mensurável f com a função Re que é cont́ınua em relação às topologias τC e τR. Assim, pela Proposição 27.9, página 1209, segue que Re(f) : M → R é [M, M[τR]]-mensurável. A prova para Im(f) é idêntica. A função módulo | · | : C → R é também uma função cont́ınua entre C e R. (Isso é totalmente óbvio, pois a métrica em C é definida por essa função!). Assim o mesmo argumento se aplica novamente. Outra maneira de provar que | · | : C → R é [M, M[τR]]-mensurável é lembrar que (Re(f))2 + (Im(f))2 é [M, M[τR]]- mensurável pela Proposição 27.12 e, portanto, pela Proposição 27.13, |f | = √ (Re(f))2 + (Im(f))2 é [M, M[τR]]- mensurável. A Proposição 27.14 tem parcialmente uma rećıproca: Proposição 27.15 Se u : M → R e v : M → R são [M, M[τR]]-mensuráveis então f : u + iv : M → C é [M, M[τC]]- mensurável. 2 Prova. (De [160]). Seja I1 um intervalo aberto do eixo real e I2 um intervalo aberto do eixo imaginário. Então R = I1×I2 é um retângulo aberto em C. Agora, é fácil ver que f−1(R) = u−1(I1) ∩ v−1(I2). Pelas hipóteses, u−1(I1) e v−1(I2) pertencem à σ-álgebra M. Logo, f−1(R) também. Lembremos que todo aberto A de C pode ser ser escrito como união contável de tais retângulos: A = ⋃ n∈N Rn. Agora, por (1.22), página 31, f−1(A) = f−1 ( ⋃ n∈N Rn ) = ⋃ n∈N f−1 (Rn) . Mas como vimos f−1 (Rn) ∈ M para todo n e, como a união acima é contável, segue que f−1(A) ∈ M. Pela Proposição 27.9, isso prova que f é [M, M[τC]]-mensurável. Para as funções complexas mensuráveis vale a mesma afirmação feita sobre as funções reais: elas formam uma álgebra. Mais precisamente, tem-se Proposição 27.16 Se f : M → C e g : M → C são ambas [M, M[τC]-mensuráveis, então 1. Para todos α, β ∈ C vale que αf + βg é [M, M[τC]]-mensurável. 2. O produto f · g é [M, M[τC]]-mensurável. 2 Prova. A prova é elementar com o que acumulamos até aqui, pois é fácil provar (usando as Proposições 27.12 e 27.14) que as partes reais e imaginárias de αf + βg e de f · g são [M, M[τR]]-mensuráveis. Dáı, pela Proposição 27.15, αf + βg e f · g são [M, M[τC]]-mensuráveis. 27.C Prova do Lema 27.3 A prova (extráıda com modificações de [81]) consiste em exibir uma seqüência fn de funções simples mensuráveis e não-negativas e verificar as propriedades. A seqüência é fn(x) := n2n ∑ k=1 ( k − 1 2n ) χFn, k(x) + nχGn(x) , onde Fn, k := f −1 ([ k − 1 2n , k 2n )) = { x ∈ M ∣ ∣ ∣ ∣ k − 1 2n ≤ f(x) < k 2n } , e Gn := f −1 ([n, ∞]) = {x ∈ M | n ≤ f(x) ≤ ∞} . JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1215/1730 Tem-se então µ(T ) = ∑ k sk>0 µ(Sk) < ∞. Vamos escolher um ǫ fixo tal que 0 < ǫ < minsk>0{sk}. Segue que ∫ M fn dµ ≥ ∫ M fn χAn∩T dµ > ∫ M (s − ǫ)χAn∩T dµ = ∫ M s χAn∩T dµ − ǫ ∫ M χAn∩T dµ = ∫ M s χAn∩T dµ − ǫµ(An ∩ T ) ≥ ∫ M s χAn∩T dµ − ǫµ(T ) = ∫ M s χAn∩T χT dµ − ǫµ(T ) = ∫ M s χT dµ − ∫ M s (1 − χAn∩T )χT dµ − ǫµ(T ) = ∫ M s dµ − ∫ M s (χT − χAn∩T ) dµ − ǫµ(T ) Acima, usamos em vários lugares que χAn∩T = χAn∩T χT . Na última igualdade usamos que ∫ M s χT dµ = ∫ M s dµ. Agora, se definirmos sm = supx∈M s(x) = max{s1, . . . , sn} ≥ 0, teremos ∫ M s (χT − χAn∩T ) dµ ≤ sm ∫ M (χT − χAn∩T ) dµ = sm (µ(T ) − µ(An ∩ T )) . Pelo mesmo argumento usado na parte I, vale limn→∞ µ(An∩T ) = µ(T ). Com isso, teremos que sm (µ(T ) − µ(An ∩ T )) ≤ ǫ para todos os n’s grandes o suficiente. Assim, para todos os n’s grandes o suficiente, ∫ M fn dµ > ∫ M s dµ − ǫ − ǫµ(T ) . O lado direito não depende de n. Logo, lim n→∞ ∫ M fn dµ > ∫ M s dµ − ǫ − ǫµ(T ) . Como essa desigualdade vale para ǫ arbitrário, segue que lim n→∞ ∫ M fn dµ ≥ ∫ M s dµ, completando a prova para o caso II. A desigualdade lim n→∞ ∫ M fn dµ ≥ ∫ M s dµ mostra que lim n→∞ ∫ M fn dµ ≥ sup s∈S(f) ∫ M s dµ. Agora, como fn ∈ S(f), é claro que lim n→∞ ∫ M fn dµ ≤ sup s∈S(f) ∫ M s dµ. Isso mostra que se fn é qualquer seqüência monótona crescente de funções simples mensuráveis de S(f) que converge a f vale lim n→∞ ∫ M fn dµ = sup s∈S(f) ∫ M s dµ , provando a equivalência das duas definições (27.23) e (27.24). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1216/1730 27.F Prova do Teorema da Convergência Monótona Apresentamos aqui a demonstração do Teorema 27.4, o Teorema da Convergência Monótona. Prova do Teorema 27.4.35 Pelas hipóteses f = supn∈N fn, assim, pela discussão da página 1184 sobre funções definidas pelo supremo de seqüências, f é mensurável. Pelas hipóteses, a seqüência ∫ M fn dµ ou converge a algum número finito não-negativo ou diverge. Assim, seja F := limn→∞ ∫ M fn dµ com F ∈ R+ ∪ {∞}. Como fn(x) < f(x) para todo x, segue que ∫ M fn dµ ≤ ∫ M f dµ. Logo, F ≤ ∫ M f dµ. (27.F.12) Seja agora s ∈ S(f), ou seja, s é simples, [M, M[τR]]-mensurável e 0 ≤ s ≤ f . Tomando-se uma constante c fixa no intervalo (0, 1), definamos para cada n ∈ N os conjuntos En := {x ∈ M | fn(x) ≥ cs(x)}. Pela Proposição 27.11, página 1210, os conjuntos En são todos mensuráveis (ou seja, pertencem a M). Como {fn} é crescente, é também imediato que En ⊂ En+1 para todo n. Se x ∈ M e f(x) = 0, então x ∈ E1, pois nesse caso f1(x) = s(x) = f(x) = 0. Se x ∈ M e f(x) > 0, então cs(x) < f(x), pois c foi escolhido menor que 1. Como fn(x) → f(x), haverá algum n para o qual fn(x) ≥ cs(x) e, portanto, x ∈ En. Isso provou que ⋃ n∈N En = M . Pelo Lema 27.4, página 1189, e pela propriedade geral de medidas do item 3, página 1109, isso implica que lim n→∞ ∫ En s dµ = ∫ M s dµ . Como fn ≥ fnχEn , vale que ∫ M fn dµ ≥ ∫ M fnχEn dµ = ∫ En fn dµ ≥ ∫ En c s dµ = c ∫ En s dµ . para todo n. Tomando o limite n → ∞ em ambos os lados, conclúımos que F ≥ c ∫ M s dµ. Como isso vale para todo c entre 0 e 1, segue que F ≥ ∫ M s dµ. Agora, recordando que, pela definição, ∫ M fdµ = sups∈S(f) ∫ M s dµ, conclúımos que F ≥ ∫ M f, dµ. Por (27.F.12), segue que ∫ M f dµ = F = limn→∞ ∫ M fn dµ. Isso completa a demonstração do Teorema 27.4. 27.G Prova do Lema de Fatou Prova do Lema de Fatou. Sejam as funções gn : M → R definidas da seguinte forma: para cada x ∈ M tem-se gn(x) = inf k≥n fk(x). É claro que cada gn é não-negativa e, pelos comentários da página 1184, [M, M[τR]]-mensurável. É também claro que gn(x) ≤ gn+1(x) para todo n e para todo x ∈ M e que fn(x) ≥ gn(x), também para todo n e para todo x ∈ M . Agora, para cada x ∈ M lim n→∞ gn(x) = sup n≥1 gn(x) = sup n≥1 inf k≥n fk(x) = lim inf n→∞ fn(x) . (27.G.13) (A última igualdade é a definição de lim inf). Como fn(x) ≥ gn(x) tem-se ∫ M fn dµ ≥ ∫ M gn dµ para todo n, e assim, inf k≥n ∫ M fk dµ ≥ inf k≥n ∫ M gk dµ . 35A demonstração abaixo é encontrada de forma quase idêntica em vários textos, por exemplo, em [160] JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1217/1730 Como gn(x) ≤ gn+1(x) para todo n, tem-se que inf k≥n ∫ M gk dµ = ∫ M gn dµ e, portanto, inf k≥n ∫ M fk dµ ≥ ∫ M gn dµ . Conseqüentemente, sup n≥1 inf k≥n ∫ M fk dµ ≥ sup n≥1 ∫ M gn dµ . Agora, por definição lim inf n ∫ M fn dµ = sup n≥1 inf k≥n ∫ M fk dµ e, além disso, sup n≥1 ∫ M gn dµ = lim n→∞ ∫ M gn dµ , pois ∫ M gn dµ é crescente. Portanto, provamos que lim inf n ∫ M fn dµ ≥ lim n→∞ ∫ M gn dµ . Como gn satisfaz os requisitos do Teorema da Convergência Monótona, Teorema 27.4, página 1196, vale que lim n→∞ ∫ M gn dµ = ∫ M lim n→∞ gn dµ e, assim, lim inf n ∫ M fn dµ ≥ ∫ M lim n→∞ gn dµ . (27.G.14) Por fim, sabemos por (27.G.13) que lim n→∞ gn = lim inf n→∞ fn(x) e, assim, (27.G.14) estabeleceu que lim inf n ∫ M fn dµ ≥ ∫ M lim inf n→∞ fn dµ , que é o que queŕıamos provar. 27.H Prova do Teorema da Convergência Dominada Seguiremos aqui [160]. Prova do Teorema da Convergência Dominada. É claro que se f(x) = lim n→∞ f(x) e |fn(x)| ≤ F (x) para todo n ∈ N e todo x ∈ M , então |f(x)| ≤ F (x) para todo x ∈ M . Como f é também [M, M[τC]]-mensurável (por ser o limite de funções mensuráveis), então ∫ M |f | dµ < ∫ M F dµ < ∞ e, portanto, f ∈ L1(M, dµ). Isso provou o item 1 do Teorema 27.6. Em segundo lugar, notemos que |f − fn| ≤ |f | + |fn| ≤ 2F . Assim, as funções gn = 2F − |f − fn| são não-negativas e podemos aplicar o Lema de Fatou, Lema 27.5, que diz-nos que ∫ M lim inf n→∞ (2F − |f − fn|) dµ ≤ lim inf n→∞ ∫ M (2F − |f − fn|) dµ . Por um lado, temos que lim inf n→∞ (2F − |f − fn|) = 2F − lim sup n→∞ |f − fn| = 2F , JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1220/1730 Assim, conclúımos da igualdade em (27.I.16) que se f possuir uma integral de Riemann imprópria ∫∞ −∞ f(x) dx (definida na Seção 27.2.1, página 1176), então o limite limn→∞ ∫ n −n f(x) dx, existe e é igual a ∫∞ −∞ f(x) dx ∈ R e, com isso conclúımos que ∫ R f dµL é finita e, portanto, f é integrável no sentido de Lebesgue (como f é não-negativa, é óbvio que f = |f |). Por outro lado, se f for integrável no sentido de Lebesgue, então F := ∫ R f dµL < ∞ e, pela igualdade em (27.I.16), o limite limn→∞ ∫ n −n f(x) dx existe e é igual a F . Portanto, para qualquer ǫ > 0 existe n0 ≡ n0(ǫ) ∈ N tal que ∣ ∣ ∣ ∣ ∫ n0 −n0 f(x) dx − F ∣ ∣ ∣ ∣ < ǫ . (27.I.17) Para todo intervalo finito [a, b] com [a, b] ⊃ [−n0, n0] vale fχ[−n0, n0] ≤ fχ[a, b] ≤ f pois f é não-negativa. Isso implica ∫ [−n0, n0] f dµ ≤ ∫ [a, b] f dµ ≤ ∫ R f dµ, ou seja, ∫ n0 −n0 f(x) dx ≤ ∫ b a f(x) dx ≤ F . (27.I.18) Conseqüentemente, por (27.I.17) e (27.I.18), ∣ ∣ ∣ ∣ ∣ ∫ b a f(x) dx − F ∣ ∣ ∣ ∣ ∣ < ǫ . Esse fato diz-nos que a rede [α, β] → ∫ β α f(x) dx está eventualmente em qualquer intervalo aberto (F − ǫ, F + ǫ). (Para a definição de “estar eventualmente”, vide Seção 26.3, página 1152). Isso diz-nos que F é um ponto limite dessa rede, o qual, se existe, é único, pois R é um espaço Hausdorff (vide Proposição 26.5, página 1154). Assim, pela definição da Seção 27.2.1, página 1176, f possui uma integral de Riemann imprópria e essa é igual a F := ∫ R f dµL. 27.J Prova das Desigualdades de Hölder e Minkowski Prova do Teorema 27.7. Provaremos primeiro a desigualdade de Hölder e dela extrairemos a de Minkowski. A prova da desigualdade de Hölder (27.40) segue os mesmos passos daquela do Teorema 21.4, página 21.4. Lembremos, em primeiro lugar a desigualdade demonstrada à página 1040, que estabelece que a1/p b1/q ≤ a p + b q , (27.J.19) para a ≥ 0, b ≥ 0 e p e q ambos tais que 1 < p < ∞ e 1 < q < ∞, e que 1 p + 1 q = 1. Em (27.J.19), a igualdade se dá se e apenas se a = b. Notemos primeiramente que no caso de termos ∫ M |f |p dµ = 0, a desigualdade (27.40) é automaticamente satisfeita, pois valerá |f | = 0 µ-q.t.p. e, portanto, |fg| = 0 µ-q.t.p., o que implica que o lado esquerdo de (27.40) é nulo. O mesmo se dá caso ∫ M |g|q dµ = 0. No caso de termos ∫ M |f |p dµ = ∞ a desigualdade em (27.40) e também trivial. Com isso, podemos supor que 0 < ∫ M |f |p dµ < ∞ e 0 < ∫ M |g|q dµ < ∞ . Para x ∈ M , tomemos a = |f(x)|p ∫ M |f |p dµ e b = |g(x)|q ∫ M |g|q dµ . A relação (27.J.19) diz-nos que |f(x)| [ ∫ M |f |p dµ ]1/p |g(x)| [ ∫ M |g|q dµ ]1/q ≤ 1 p |f(x)|p ∫ M |f |p dµ + 1 q |g(x)|q ∫ M |g|q dµ JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1221/1730 Tomando a integral ∫ M (· · · ) dµ da expressão acima, tem-se ∫ M |f ||g| dµ [ ∫ M |f |p dµ ]1/p [∫ M |g|q dµ ]1/q ≤ 1 p ∫ M |f |p dµ ∫ M |f |p dµ + 1 q ∫ M |g|q dµ ∫ M |g|q dµ = 1 p + 1 q = 1, o que demonstra a desigualdade de Hölder (27.40). Provemos agora a desigualdade de Minkowski (27.41). O caso p = 1, é evidente, pois |f − g| ≤ |f | + |g| implica ∫ M |f − g| dµ ≤ ∫ M |f | dµ + ∫ M |g| dµ. Podemos então tomar p > 1. Comecemos observando que para p > 1 a função xp é convexa para x > 0. Logo, ( |f | + |g| 2 )p ≤ 1 2 (|f |p + |g|p) . como |f − g| ≤ |f | + |g|, segue que ( |f − g| 2 )p ≤ 1 2 (|f |p + |g|p) . (27.J.20) Disso conclúımos que se f e g pertencem a Lp(M, dµ), então f − g ∈ Lp(M, dµ) . (27.J.21) Também de (27.J.20), extráımos que se ∫ M |f − g|p dµ = ∞ então ∫ M |f |p dµ + ∫ M |g|p dµ = ∞ e a desigualdade de Minkowski (27.41) é satisfeita. Também no caso ∫ M |f −g|p dµ = 0 (27.41) é satisfeita, pois áı o lado esquerdo de (27.41) é nulo. Podemos então supor 0 < ∫ M |f − g|p dµ < ∞ . (27.J.22) Escrevamos agora |f − g|p = |f − g| |f − g|p−1 ≤ (|f | + |g|) |f − g|p−1 = |f | |f − g|p−1 + |g| |f − g|p−1. Isso diz-nos que ∫ M |f − g|p dµ ≤ ∫ M |f | |f − g|p−1 dµ + ∫ M |g| |f − g|p−1 dµ . (27.J.23) A desigualdade de Hölder (27.40) diz-nos que ∫ M |f | |f − g|p−1 dµ ≤ [ ∫ M |f |p dµ ]1/p [∫ M |f − g|(p−1)q dµ ]1/q . onde q é tal que 1/q + 1/p = 1, ou seja, q = p/(p − 1). Por isso, |f − g|(p−1)q = |f − g|p e a expressão acima faz sentido por (27.J.21). Assim, ∫ M |f | |f − g|p−1 dµ ≤ [ ∫ M |f |p dµ ]1/p [∫ M |f − g|p dµ ]1/q . e, analogamente ∫ M |g| |f − g|p−1 dµ ≤ [ ∫ M |g|p dµ ]1/p [∫ M |f − g|p dµ ]1/q . Inserindo essas duas relações em (27.J.23), segue que ∫ M |f − g|p dµ ≤ ( [ ∫ M |f |p dµ ]1/p + [ ∫ M |g|p dµ ]1/p ) [ ∫ M |f − g|p dµ ]1/q . Como estamos sob a suposição (27.J.22), podemos dividir ambos os lados acima por [∫ M |f − g|p dµ ]1/q e, como 1−1/q = 1/p, obtemos a desigualdade de Minkowski (27.41). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 27 1222/1730 Prova do Corolário 27.3. Mostraremos que a desigualdade de Hölder generalizada (27.43) é conseqüência do seu caso particular para r = 1, a desigualdade de Hölder (27.40), que suporemos válida. Definindo-se p′ = p/r e q′ = q/r, tem-se 1 p′ + 1 q′ = r p + r q = 1. Definindo-se F = |f |r, G = |g|r, valerá ∫ M F p ′ dµ = ∫ M |f |p dµ < ∞ e ∫ M Gq ′ dµ = ∫ M |g|q dµ < ∞ e, portanto, F ∈ Lp′(M, dµ) e G ∈ Lq′ (M, dµ). Assim, [ ∫ M |f |r |g|r dµ ]1/r = [ ∫ M F Gdµ ]1/r (27.40) ≤ [ ( ∫ M F p ′ dµ )1/p′ (∫ M Gq ′ dµ )1/q′ ]1/r = [ ( ∫ M |f |p dµ )1/p′ (∫ M |g|q dµ )1/q′ ]1/r = ( ∫ M |f |p dµ )1/p(∫ M |g|q dµ )1/q que é a desigualdade de Hölder (27.43). 27.K Prova do Teorema de Riesz-Fischer Seja {fn}, n ∈ N uma seqüência em Lp(M, dµ) e que seja de Cauchy na norma ‖ · ‖p, ou seja, para todo ǫ > 0 existe N(ǫ) tal que ‖fn − fm‖p < ǫ para todos m e n maiores que N(ǫ). Vamos primeiramente mostrar que {fn} possui uma sub-seqüência {gn} com a propriedade que ‖gl+1 − gl‖p < 1 2l . (27.K.24) para todos l ∈ N. Vamos definir uma seqüência crescente de números inteiros e positivos Nk, k = 1, 2, 3, . . . com Nk+1 > Nk, da seguinte forma: Nk é tal que ‖fm − fn‖p < 1/2k para todos m, n > Nk. Note que uma tal seqüência Nk sempre pode ser encontrada pois, por hipótese, fm é uma seqüência de Cauchy em ‖ · ‖p (basta tomar Nk := N(1/2k)). Vamos agora escolher uma seqüência crescente de ı́ndices n1 < n2 < · · · < nk−1 < nk < · · · tais que nk > Nk para todo k. A essa seqüência está associada a sub-seqüência {fnk}k∈N. Para simplificar a notação, denotaremos gk ≡ fnk , k = 1, 2, 3, . . .. Disso é imediato que (27.K.24) vale, como queŕıamos mostrar, pois nl e nl+1 são maiores que Nl. Defina-se hk = k ∑ l=1 |gl+1 − gl| e h = ∞ ∑ l=1 |gl+1 − gl| . Pela desigualdade de Minkowski e por (27.K.24), vale para cada k que ‖hk‖p = ∥ ∥ ∥ ∥ ∥ k ∑ l=1 |gl+1 − gl| ∥ ∥ ∥ ∥ ∥ p ≤ k ∑ l=1 ‖gl+1 − gl‖p ≤ k ∑ l=1 1 2l .
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