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nc - cap05, Notas de estudo de Física

fisica matematica para físicos parte 5

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 20/09/2010

marilton-rafael-1
marilton-rafael-1 🇧🇷

4.5

(6)

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Baixe nc - cap05 e outras Notas de estudo em PDF para Física, somente na Docsity! Caṕıtulo 5 A Função Gama de Euler Conteúdo 5.1 Introdução e Motivação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191 5.2 A Função Gama. Definição e Primeiras Propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193 5.3 Outras Representações para a Função Gama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 198 5.4 A Função Beta e Propriedades Adicionais da Função Gama . . . . . . . . . . . . . . . . . 202 5.4.1 A Fórmula de Reflexão de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203 5.4.2 A Fórmula de Duplicação de Legendre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207 5.5 Teoremas sobre a Unicidade da Função Gama e Outros Resultados . . . . . . . . . . . . 208 5.5.1 O Teorema de Bohr-Mollerup . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 208 5.5.2 Fórmulas de Duplicação e Unicidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 210 5.5.3 O Teorema de Wielandt e Algumas de Suas Conseqüências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 211 5.5.3.1 A Fórmula de Multiplicação de Gauss da Função Gama . . . . . . . . . . . . . . . . . . 212 5.6 A Aproximação de Stirling e suas Correções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 214 5.6.1 A Aproximação de Stirling para Fatoriais e suas Correções. A Série de Gudermann . . . . . . 216 5.6.2 A Aproximação de Stirling para a Função Gama e suas Correções. A Série de Gudermann . . 222 5.7 Exerćıcios Adicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 226 APÊNDICES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 232 5.A Notas Sobre Convergência de Produtórias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 232 5.A.1 Uma Dedução Elementar do Produto de Wallis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233 O presente caṕıtulo é dedicado à chamada função gama de Euler1, ou simplesmente função gama, denotada porΓ(z), com z sendo uma variável complexa. A função gama freqüentemente aparece na resolução de equaçõesdiferenciais ordinárias pelo método de expansão em séries de potências ou pelo método de Frobenius (como nocaso da equação de Bessel e da equação hipergeométrica. Vide Seção 11.2.3, página 493 e Seção 11.2.7, página 508), assim como em várias áreas da F́ısica e da Matemática. Na Mecânica Quântica não-relativ́ıstica, por exemplo, a função gama surge em diversos problemas, como no cômputo de amplitudes de espalhamento para o espalhamento de Coulomb (vide e.g., [117], [135], [60] ou [80]). Na Teoria Quântica de Campos Relativ́ıstica, propriedades da função gama são relevantes no chamado método de regularização dimensional. A função gama de Euler desempenha também um papel muito importante em Análise, por representar uma espécie de generalização cont́ınua do fatorial de números naturais, como será precisado adiante, sendo possuidora de muitas propriedades interessantes. Seu estudo é também, pelo mesmo motivo, um ótimo laboratório para estudantes interessados em fixar seu aprendizado da teoria das funções de variável complexa. A função gama de Euler é relevante, por exemplo, no estudo de propriedades da função zeta de Riemann, de importância na Teoria de Números. Para outros tratamentos, por vezes mais extensos, dessa função e suas aplicações, recomendamos [11], [156], [91], [121], [205], ou ainda [120]. Ainda que nem todos esses textos primem por escolher as demonstrações mais simples para seus resultados, vale a pena o estudante inteirar-se de abordagens diversas. A referência [156] contém diversas notas históricas interessantes sobre a função gama de Euler2. A referência [205] lista diversas identidades envolvendo Γ que não serão tratadas aqui. 5.1 Introdução e Motivação A função gama de Euler foi inicialmente concebida por esse autor como uma generalização cont́ınua do fatorial de números naturais: n!, n ∈ N, definido como o produto n! = n(n − 1) · · · 1. A idéia que Euler perseguiu foi a de encontrar uma 1Leonhard Euler (1707–1783). 2Vide também a nota-de-rodapé 3, página 192. 191 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 192/1730 função G que satisfizesse G(1) = 1 e satisfizesse a equação funcional G(x + 1) = xG(x) para todo x real positivo. Com essas duas propriedades é elementar demonstrar (faça-o!) que G(n + 1) = n! para todo n ∈ N. Após diversas tentativas, Euler concluiu (em 1729)3 que a função Γ(x), x > 0, definida por Γ(x) := 1 x ∞∏ m=1 [( 1 + 1 m )x ( 1 + x m )−1] (5.1) satisfazia as condições desejadas acima listadas. De fato, é claro por (5.1) que Γ(1) = 1 e tem-se formalmente Γ(x + 1) = 1 x + 1 ∞∏ m=1 [( 1 + 1 m )x+1( 1 + x + 1 m )−1] = x x + 1 { ∞∏ m=1 [ m + 1 m m + x m + 1 + x ]} ︸ ︷︷ ︸ = x+1 { 1 x ∞∏ m=1 [( 1 + 1 m )x ( 1 + x m )−1] } = xΓ(x) (verifique!). Euler estudou diversas propriedades da função definida por (5.1), que posteriormente passou a ser chamada função gama de Euler, ou simplesmente função gama. Uma dessas propriedades identificadas por Euler foi o fato que Γ(x) pode ser escrita na forma de uma simples integral: Γ(x) = ∫ ∞ 0 e−ttx−1 dt . (5.2) Que a função definida pelo lado direito de (5.2) vale 1 quando x = 1 é elementar de se provar (faça-o!) e usando-se que e−t = − ddte−t e integração por partes, constata-se facilmente também a validade da relação funcional Γ(x + 1) = xΓ(x) para todo x > 0: Γ(x + 1) = ∫ ∞ 0 e−ttxdt = −e−ttx ∣ ∣ ∣ ∣ ∞ 0 ︸ ︷︷ ︸ =0 +x ∫ ∞ 0 e−ttx−1 dt = xΓ(x) . Por diversas razões não é conveniente seguirmos os passos históricos de Euler e iniciarmos nosso tratamento da função gama definindo-a por (5.1). Na literatura moderna há dois procedimentos mais comuns: definir-se Γ por (5.2) e depois obter-se (5.1) como uma propriedade derivada ou definir-se Γ a partir de uma outra expressão, a chamada representação produto de Weierstrass, a qual encontraremos à página 200 (eq. (5.27)). Nestas notas optamos pelo primeiro procedimento4 e optamos também por apresentar a função gama de Euler já de ińıcio como uma função de variável complexa, pois várias de suas propriedades mais profundas são melhor compreendidas com esse tipo de tratamento. Além do estudo das propriedades da função gama de Euler há uma questão que irá especialmente nos interessar e que será discutida na Seção 5.5, página 208. Trata-se da questão da unicidade: será a função definida em (5.2) a única função satisfazendo G(1) = 1 e a equação funcional G(x + 1) = xG(x)? A resposta é claramente não, pois se P é uma função periódica de peŕıodo 1 satisfazendo P (1) = 1 (por exemplo, P (x) = cos(2πx) ou P (x) = e sen (2πx)), então G(x) := P (x)Γ(x) também satisfaz ambas as propriedades5. Mas, então, que outras condições podem ser adicionadas de forma a garantir-se que Γ(x) definida em (5.2) é a única solução? Há várias respostas a essa pergunta e a primeira resposta (historicamente) é o conteúdo de um elegante teorema, denominado Teorema de Bohr-Mollerup, o qual será apresentado na Seção 5.5.1, página 208. A questão da unicidade é uma questão interessante por si só, mas sua resposta tem conteúdo prático pois, como veremos, diversas propriedades da função gama de Euler podem ser obtidas a partir da verificação de condições de unicidade. 3 Euler foi antecedido em alguns dias por Daniel Bernoulli, o qual encontrou uma outra solução equivalente. Para notas históricas precisas sobre o nascimento da função gama de Euler e seus primeiros desenvolvimentos, vide Detlef Gronau “Why is the gamma function so as it is?”, Teaching Mathematics and Computer Science, 1/1, 43–53 (2003). 4Para um texto que segue a segunda via, vide e.g. [156]. Em verdade, [156] define primeiramente ∆(z) = 1/Γ(z) que, por ser uma função inteira, é de tratamento mais simples. 5Veremos que isso esgota as possibilidades: todas as funções que satisfazem G(1) = 1 e G(x + 1) = xG(x) são da forma G(x) = P (x)Γ(x) com P periódica de peŕıodo 1 satisfazendo P (1) = 1. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 195/1730 que, escolhendo-se 0 < γ < 1, pode ser feita menor que qualquer ǫ > 0 prescrito para todos A, A′ grandes o suficiente. Isso prova que o limite limA→∞ ∫ A 1 e −ttz−1 dt é uniforme na região Re (z) < β, o que prova que a integral imprópria I(z), sendo o limite uniforme de funções anaĺıticas em Re (z) < β, é também anaĺıtica nessa região. Como β ∈ R é arbitrário, conclúımos que a integral imprópria I(z) é anaĺıtica em todo o plano complexo C. Já para a integral Γ1(z) = ∫ 1 0 e−ttz−1 dt tem-se ∫ 1 0 e−ttz−1 dt = ∫ 1 0 ( ∞∑ n=0 (−1)n n! tn ) tz−1 dt = ∞∑ n=0 (−1)n n! ∫ 1 0 tn+z−1, dt = ∞∑ n=0 (−1)n n! 1 z + n , (a inversão da série pela integral na segunda igualdade acima é justificada pois, como é bem sabido, a série de Taylor da função exponencial converge uniformemente em intervalos compactos, como o intervalo de integração [0, 1]. Vide Teorema 30.6, página 1403). Dessa forma, obtemos a representação de Mittag-Leffler6 da função Γ, ou representação em soma de frações parciais da função Γ: Γ(z) = ∞∑ n=0 (−1)n n! 1 z + n + ∫ ∞ 1 e−ttz−1 dt . (5.9) Como dissemos, a integral no lado direito de (5.9) é anaĺıtica para todo z ∈ C. Já a soma no lado direito de (5.9) converge uniformemente (devido ao n! no denominador) em regiões finitas de C que excluam os pontos 0, −1, −2, −3, . . . e, portanto, representa uma função anaĺıtica para todo z ∈ C, exceto nos inteiros não-positivos, como mencionado, onde possui pólos simples. Como se constata inspecionando (5.9), o reśıduo de Γ em z = −n é dado por (−1) n n! para todo n = 0, 1, 2, 3, . . .. Isso completa a demonstração. Do exposto acima podemos facilmente concluir que para todo z ∈ C com Re (z) > 0 tem-se ∣ ∣Γ(z) ∣ ∣ ≤ Γ ( Re (z) ) . (5.10) De fato, ∣ ∣Γ(z) ∣ ∣ = ∣ ∣ ∫∞ 0 e−ttz−1 dt ∣ ∣ ≤ ∫∞ 0 e−ttRe (z)−1 dt = Γ ( Re (z) ) , pois tz−1 = tRe (z)−1eiIm (z) ln t e, portanto, ∣ ∣tz−1 ∣ ∣ = tRe (z)−1. O gráfico de Γ(x) para x real no intervalo (0, 5] pode ser visto na Figura 5.1, página 196. A Figura 5.2, página 197, exibe o gráfico de Γ(x) para valores negativos de x, a saber, no intervalo (−4, 0) . A demonstração acima da existência da mencionada extensão de Γ para argumentos com parte real negativa mostra que essa extensão pode ser calculada por meio da representação de Mittag-Leffler (5.9). Como veremos mais abaixo, porém, há uma outra forma, talvez mais conveniente, de expressar essa extensão, a saber, com uso da chamada fórmula de reflexão (provada adiante): Γ(z)Γ(1 − z) = π sen (πz) , válida para z não-inteiro e que permite escrever Γ(−z) = − π zΓ(z) sen (πz) , (5.11) com a qual, caso Re (z) > 0, a extensão de Γ para argumentos com parte real negativa (lado esquerdo) pode ser calculada em termos de Γ(z) com Re (z) > 0 (no lado direito), dada concretamente pela integral (5.3). Mais abaixo (vide (5.14)) apresentaremos outro argumento, talvez mais elementar, para provar que Γ possui uma extensão anaĺıtica para o semiplano Re (z) ≤ 0 (exceto os inteiros não-positivos). Antes disso, façamos alguns comentários importantes. • Convexidade de Γ e de ln Γ É imediato da definição (5.3) que para Re (z) > 0 valem Γ′(z) = ∫ ∞ 0 e−ttz−1 ln(t) dt e Γ′′(z) = ∫ ∞ 0 e−ttz−1(ln(t))2 dt . (5.12) 6Magnus Gösta Mittag-Leffler (1846–1927). Para a definição geral da noção de série de Mittag-Leffler, vide [156] ou [110]. Um outro exemplo da série de Mittag-Leffler é a representação de Euler da função cotangente, expressão (12.237), página 592. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 196/1730 x Γ 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 4.0 4.5 5.0 0 5 10 15 20 25 Figura 5.1: Gráfico de Γ(x) para x ∈ (0, 5]. Observe que Γ diverge em 0. A segunda expressão acima diz-nos que se z for real e positivo (z ≡ x > 0) então Γ′′(x) > 0 e, portanto, Γ é uma função convexa em R+. Em verdade, vale que também ln Γ é convexa em R+, fato de certa relevância como veremos abaixo quando enunciarmos e demonstrarmos o Teorema de Bohr-Mollerup, Teorema 5.1, página 209. Para mostrar isso, notemos que, por (5.12), (Γ(x)′)2 = (∫ ∞ 0 e−ttx−1 ln(t) dt )2 = (∫ ∞ 0 ( e−t/2t(x−1)/2 )( e−t/2t(x−1)/2 ln(t) ) dt )2 Cauchy-Schwarz ≤ (∫ ∞ 0 e−ttx−1 dt )(∫ ∞ 0 e−ttx−1 ( ln(t) )2 dt ) = Γ(x)Γ′′(x) , o que implica d2 dx2 ( ln Γ(x) ) = Γ′′(x)Γ(x) − (Γ(x)′)2 (Γ(x))2 ≥ 0, mostrando que ln Γ é convexa em R+. • A função Γ e o fatorial de números naturais Usando integração por partes, segue que, para Re (z) > 0, Γ(z + 1) = ∫ ∞ 0 e−ttzdt = −e−ttz ∣ ∣ ∣ ∣ ∞ 0 ︸ ︷︷ ︸ =0 +z ∫ ∞ 0 e−ttz−1 dt , provando que Γ(z + 1) = zΓ(z) . (5.13) A relação (5.13) é for vezes denominada fórmula do complemento da função Gama e é de grande importância, representando a razão de ser da função gama de Euler. Por indução finita, e pelo fato de que, por (5.3), Γ(1) = ∫∞ 0 e −tdt = 1, segue facilmente de (5.13) que Γ(n + 1) = n! , JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 197/1730 Γ −4.0 −3.5 −3.0 −2.5 −2.0 −1.5 −1.0 −0.5 −0.0 −25 −20 −15 −10 −5 0 5 10 15 20 Figura 5.2: Gráfico de Γ(x) para x ∈ (−4, 0). Observe que Γ diverge em 0 e para inteiros negativos. para todo n ∈ N0. Assim, a função Γ é uma espécie de extensão complexa do fatorial de números inteiros positivos. Essa última observação merece um comentário. Há certamente muitas funções f em R+ satisfazendo f(n + 1) = n! para todo n ∈ N0. Se f é uma função satisfazendo f(x + 1) = xf(x) para todo x ∈ R+, então f(x)/Γ(x) é periódica de peŕıodo 1, pois f(x + 1)/Γ(x + 1) = (xf(x))/(xΓ(x)) = f(x)/Γ(x) para todo x ∈ R+. Assim, f(x) = P (x)Γ(x) com P periódica de peŕıodo 1 é a solução mais geral da equação f(x + 1) = xf(x). Se P (1) = 1 então f(n + 1) = n! para todo n ∈ N0. Um célebre e elegante teorema, o Teorema de Bohr-Mollerup, garante que a função gama de Euler é a única função em R+ que satisfaz as seguintes condições: 1. Γ(1) = 1, 2. Γ(x + 1) = xΓ(x) e 3. ln Γ é convexa. O Teorema de Bohr-Mollerup será enunciado e demonstrado na Seção 5.5.1, página 208 (vide Teorema 5.1, página 209). Na Seção 5.5, página 208, são demonstrados outros teoremas de unicidade da função gama de Euler sob outras caracterizações. Um deles é o notável Teorema de Wielandt, Teorema 5.3, página 211, que em um certo sentido é uma generalização aos complexos do Teorema de Bohr-Mollerup. • Revisitando a extensão de Γ para Re(z) ≤ 0 A expressão (5.3) permite definir Γ(z), mas somente se Re (z) > 0 pois, de outra forma, a integral no lado direito de (5.3) não está definida. É posśıvel, no entanto, estender analiticamente a função Γ a todo C, exceto aos inteiros não-positivos. Já demonstramos esse fato acima, mas o mesmo pode também ser diretamente derivado da relação (5.13). Trataremos disso agora. Para n ∈ N, (5.13) diz-nos que Γ(z + n) = (z + n − 1)(z + n − 2) · · · zΓ(z) , o que permite escrever Γ(z) = Γ(z + n) (z + n − 1)(z + n − 2) · · · z . (5.14) Agora, Γ(z + n) está definida por (5.3) para Re (z + n) > 0, Assim, (5.14) prolonga analiticamente Γ(z) à região Re (z) > −n, exceto nos pontos z = −k com k = 0, 1, . . . , n − 1. Com isso, conclúımos novamente que Γ possui uma extensão anaĺıtica ao plano complexo C, exceto aos pontos z = 0, −1, −2, . . ., onde possui no máximo pólos simples. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 200/1730 Com isso, vemos que para 1 < a < n, ∣ ∣ ∣ ∣ ∫ n 0 ( e−t − ( 1 − t n )n) tz−1 dt ∣ ∣ ∣ ∣ ≤ a x+1 2n(x + 2) + 2Cγ, β 1 − γ ( e−(1−γ)a − e−(1−γ)n ) . Portanto, lim n→∞ ∣ ∣ ∣ ∣ ∫ n 0 ( e−t − ( 1 − t n )n) tz−1 dt ∣ ∣ ∣ ∣ ≤ 2Cγ, β 1 − γ e −(1−γ)a . Mas o lado esquerdo não depende de a e o lado direito pode ser feito arbitrariamente pequeno tomando a → ∞. Isso prova (5.22), completando a demonstração de (5.21) para z ∈ Fα, β. Como α e β são arbitrários (com 0 < α < β), (5.21) fica provado para todo Re (z) > 0. Passemos agora à prova de (5.20). Temos, ∫ n 0 ( 1 − t n )n tz−1dt int. por partes = ( 1 − t n )n tz z ∣ ∣ ∣ ∣ n 0 + n nz ∫ n 0 ( 1 − t n )n−1 tz dt = 1 z ∫ n 0 ( 1 − t n )n−1 tz dt int. por partes = (n − 1) nz(z + 1) ∫ n 0 ( 1 − t n )n−2 tz+1 dt ... n iterações = n! nn z(z + 1) · · · (z + n − 1) ∫ n 0 tz+n−1 dt = n! nz+n nn z(z + 1) · · · (z + n) = n! nz z(z + 1) · · · (z + n) . (5.26) Por (5.21), isso prova (5.20). • A representação produto de Weierstrass para Γ A representação produto de Weierstrass para a função Γ, válida para todo z ∈ C, é 1 Γ(z) = zeγz ∞∏ n=1 ( 1 + z n ) e− z n , (5.27) onde γ é o definida por γ := lim n→∞ ( 1 + 1 2 + · · · + 1 n − ln(n) ) . A constante γ é chamada constante de Euler-Mascheroni8 e vale9 0, 577215665 . . .. Para a conveniência do leitor, a Seção 5.A, página 232, discute a noção de convergência de produtórias infinitas, como a que ocorre no lado direito de (5.27), e condições suficientes para que a mesma se dê. A convergência da produtória que ocorre no lado direito de (5.27) para todo z ∈ C será estabelecida logo adiante. Vamos primeiramente estabelecer (5.27) na região Re (z) > 0. Definindo, Γ(n)(z) := ∫ n 0 ( 1 − t n )n tz−1dt (5.26) = n! nz z(z + 1) · · · (z + n) , (5.28) 8Lorenzo Mascheroni (1750–1800). 9Vide nota de rodapé à página 1010. A convergência do limite que define γ, acima, é discutida em todo bom livro de Cálculo (vide, e.g., [180]). É até hoje um problema em aberto saber se γ é um número racional ou não. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 201/1730 provamos no Lema 5.1 que Γ(z) = limn→∞ Γ(n)(z) para Re (z) > 0. Temos 1 Γ(n)(z) = n−z n! z(z + 1) · · · (z + n) = ze−z ln(n)(1 + z) ( 1 + z 2 ) · · · ( 1 + z n ) = zez(1+ 1 2 +···+ 1 n −ln(n)) n∏ s=1 ( 1 + z s ) e z s e, portanto, 1 Γ(z) = lim n→∞ 1 Γ(n)(z) = zeγz ∞∏ s=1 ( 1 + z s ) e− z s , provando (5.27) para Re (z) > 0. Vamos agora provar que a produtória do lado direito converge para todo z ∈ C e define uma função inteira de z. Tendo em vista o Corolário 5.1, página 232, consideremos para cada r > 0 o conjunto compacto Kr = {z ∈ C| |z| ≤ r} (o disco fechado de raio r centrado na origem). Da expansão em série de Taylor da função exponencial, obtém-se facilmente que para todo w ∈ C vale 1 − (1 − w)ew = w2 ∞∑ k=1 ( 1 k! − 1 (k + 1!) ) wk−1 . Verifique! Logo, como 1k! − 1(k+1!) ≥ 0 para todo k, tem-se para |w| ≤ 1 que ∣ ∣1− (1−w)ew ∣ ∣ ≤ |w|2∑∞k=1 ( 1 k! − 1(k+1!) ) = |w|2. Portanto, tomando-se w = −z/n, teremos ∣ ∣ ( 1 + zn ) e− z n − 1 ∣ ∣ ≤ |z| 2 n2 sempre que |z| ≤ n. Logo, sup z∈Kr ∣ ∣ ∣ ( 1 + z n ) e− z n − 1 ∣ ∣ ∣ ≤ r 2 n2 para todo n ≥ r. Como a seqüência 1/n2 é somável, conclúımos que ∞∑ n=1 sup z∈Kr ∣ ∣ ∣ ( 1 + z n ) e− z n − 1 ∣ ∣ ∣ < ∞ . Pelo Corolário 5.1, página 232, isso demonstra que ∏∞ s=1 ( 1 + zs ) e− z s converge e é anaĺıtica em Kr e, como r > 0 é arbitrário, conclúımos que essa produtória infinita define uma função inteira (i.e., anaĺıtica em toda parte). A representação produto de Weierstrass (5.27) pode, portanto, ser estendida para todo z ∈ C, estabelecendo que 1Γ(z) é uma função inteira, o que implica que Γ(z) não possui zeros. Segue também facilmente de (5.27) que Γ(z) = Γ(z) em todo domı́nio de definição de Γ. A convergência da produtória infinita e ∏∞ s=1 ( 1 + zs ) e− z s permite-nos estender a representação produto de Gauss (5.20) para além da região Re (z) > 0. De fato, é evidente que para todo z ∈ C vale z m∏ n=1 ( 1 + z n ) e−z/n = z(z + 1) · · · (z + m) m! mz exp [ z ( lnm − m∑ n=1 1 n )] . Logo, como o limite m → ∞ do lado esquerdo existe para todo z ∈ C, pelo exposto acima, e como lim m→∞ ( lnm − m∑ n=1 1 n ) = −γ, conclúımos que 1 Γ(z) = zeγz ∞∏ n=1 ( 1 + z n ) e−z/n = lim m→∞ z(z + 1) · · · (z + m) m! mz , (5.29) para todo z ∈ C. Isso estende a representação produto de Gauss (5.20) para toda região C \ {0, −1, −2, −3, . . .}. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 202/1730 • A representação produto de Euler para Γ É bastante evidente que para todo n > 1, inteiro, vale n = n−1∏ l=1 ( l + 1 l ) = n−1∏ l=1 ( 1 + 1 l ) , (5.30) De acordo com (5.28), podemos escrever Γ(n)(z) = n! nz z(z + 1) · · · (z + n) = n z 1 z n∏ m=1 ( 1 + z m )−1 (5.30) = [ n−1∏ l=1 ( 1 + 1 l )z ] 1 z n∏ m=1 ( 1 + z m )−1 = 1 z(1 + 1n ) z n∏ m=1 [( 1 + 1 m )z ( 1 + z m )−1] , (5.31) e tomando o limite n → ∞, obtemos Γ(z) = 1 z ∞∏ m=1 [( 1 + 1 m )z ( 1 + z m )−1] (5.32) válida para todo z ∈ C, exceto z = 0, −1, −2, −3, . . .. Esta é a representação produto de Euler para a função Γ. A expressão (5.32), obtida por Euler em 1729, foi a definição historicamente original da função Γ, a representação integral (5.3) tendo sido obtida posteriormente pelo mesmo autor a partir de (5.32). Euler chegou a (5.32) propondo-a como solução da equação funcional f(z + 1) = zf(z) com f(1) = 1, tentando dessa forma obter uma generalização cont́ınua do fatorial de números naturais. E. 5.1 Exerćıcio. Verifique diretamente de (5.32) que Γ satisfaz Γ(z + 1) = zΓ(z) com Γ(1) = 1. Sugestão: usando a última expressão em (5.31) considere a razão Γ(n)(z + 1)/Γ(n)(z) e tome o limite n → ∞. 6 E. 5.2 Exerćıcio. De (5.14) e de (5.20) prove que lim n→∞ nzΓ(n + 1) Γ(z + n + 1) = 1 para todo z ∈ C. 6 5.4 A Função Beta e Propriedades Adicionais da Função Gama • Função beta. Propriedades elementares A chamada função beta, denotada por B(p, q) é definida por B(p, q) := Γ(p) Γ(q) Γ(p + q) (5.33) para p e q complexos, mas diferentes de inteiros não-positivos. Observe-se que, pela definição, B é uma função simétrica pela permutação de seus argumentos: B(p, q) = B(q, p) . Para Re (p) > 0 e Re (q) > 0 podemos expressar B(p, q) em uma forma integral muito útil: B(p, q) = 2 ∫ π 2 0 (cos θ)2p−1( sen θ)2q−1dθ . (5.34) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 205/1730 Vamos representar a variável complexa w na forma w = ρeiφ, com 0 ≤ ρ < ∞, 0 ≤ φ < 2π. Devido a essa escolha do intervalo de valores de φ, vemos que no segmento (1) tem-se que φ ≈ 0, enquanto que no segmento (2) φ ≈ 2π. Assim, a integral no segmento orientado (1) é aproximada por ∫ R ǫ ρz−1 1+ρ dρ, enquanto que a integral no segmento orientado (2) é aproximada por −e2πiz ∫ R ǫ ρz−1 1+ρ dρ, as aproximações sendo tanto melhores quanto mais próximos os segmentos (1) e (2) encontrarem-se do semi-eixo real positivo (lembrar que o integrando é cont́ınuo nas regiões acima a abaixo do semi-eixo real positivo e cada integração é feita em segmentos finitos). Assim, a contribuição das integrações de (1) e (2) à integral I é ( 1 − e2πiz ) ∫ R ǫ ρz−1 1 + ρ dρ , que nos limites ǫ → 0, R → ∞ converge a ( 1 − e2πiz ) Γ(z)Γ(1 − z) devido a (5.41). Vamos agora estimar as integrais sobre os segmentos γ e Γ. Em γ temos ρ = ǫ, de modo que podemos escrever w = ǫeiφ, com α ≤ φ ≤ 2π − α, para um certo α pequeno, e dw = iǫeiφdφ, de forma que, escrevendo z = x + iy com x = Re (z), y = Im (z), ∫ γ wz−1 1 + w dw = −iǫz ∫ 2π−α α eiφ(z−1) 1 + ǫeiφ eiφ dφ e, portanto, ∣ ∣ ∣ ∣ ∫ γ wz−1 1 + w dw ∣ ∣ ∣ ∣ ≤ ǫx ∫ 2π−α α eφ|y| 1 − ǫ dφ ≤ ǫ x 2πe 2π|y| 1 − ǫ , que converge a zero quando ǫ → 0 (lembrar que assumimos 0 < Re (z) < 1, ou seja, 0 < x < 1). Em Γ temos, analogamente, ρ = R, de modo que podemos escrever w = Reiφ, com β ≤ φ ≤ 2π − β, para um certo β pequeno, e dw = iReiφdφ, de forma que, escrevendo z = x + iy com x = Re (z), y = Im (z), ∫ Γ wz−1 1 + w dw = iRz ∫ 2π−β β eiφ(z−1) 1 + Reiφ eiφ dφ e, portanto, ∣ ∣ ∣ ∣ ∫ Γ wz−1 1 + w dw ∣ ∣ ∣ ∣ ≤ Rx ∫ 2π−β β eφ|y| R − 1 dφ ≤ 2πe 2π|y| R x R − 1 = 2πe 2π|y| ( Rx−1 1 − 1/R ) , que converge a zero quando R → ∞ pois x < 1. No interior da região delimitada por C o integrando f(w) = w z−1 1+w possui uma única singularidade: um pólo simples em w = −1, cujo reśıduo é eiπ(z−1) (lembrar que −1 = eiπ). Assim, pelo teorema dos reśıduos, ∫ C uz−1du 1 + u = −2πieiπz que independe de ǫ e R. Coletando os resultados anteriores sobre as integrais em (1), (2), γ e Γ conclúımos que nos limites ǫ → 0 e R → ∞ vale a igualdade −2πieiπz = ( 1 − e2πiz ) Γ(z)Γ(1 − z) , que conduz trivialmente a 1 Γ(z)Γ(1 − z) = sen (πz) π . Até agora assumimos que 0 < Re (z) < 1. Todavia, ambos os lados da última expressão são funções inteiras. Portanto, a igualdade acima vale em todo plano complexo C. E. 5.3 Exerćıcio. Usando a fórmula de reflexão (5.38) e a representação produto de Gauss (5.20), obtenha a representação produto da função seno, obtida por Euler em 1734: sen (πz) = πz ∞∏ n=1 ( 1 − z 2 n2 ) , (5.42) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 206/1730 válida para todo z ∈ C. Usando o Corolário 5.1, página 232, prove que a produtória do lado direito de fato converge para todo z ∈ C e, de fato, define uma função inteira. Em [156] o leitor poderá encontrar diversas outras demonstrações de (5.42), assim como interessantes notas histórias sobre suas origens e sobre os desenvolvimentos que engendrou. Usando (5.42) e o fato bem-conhecido que cos(πz) sen (πz) = 12 sen (2πz), obtenha a representação produto da função cosseno, também devida a Euler: cos(πz) = ∞∏ n=1 ( 1 − 4z 2 (2n − 1)2 ) , (5.43) válida para todo z ∈ C. Prove também que a produtória do lado direito de fato converge para todo z ∈ C e, de fato, define uma função inteira. Usando (5.42), obtenha π 2 = ∞∏ n=1 4n2 4n2 − 1 = ∞∏ n=1 2n 2n− 1 2n 2n + 1 = 2 1 2 3 4 3 4 5 6 5 6 7 · · · . (5.44) Essa expressão é denominada fórmula de Wallis11, ou produto de Wallis, tendo sido obtida por outros meios em 1665. Para uma demonstração simples dessa fórmula usando integrais, vide Seção 5.A.1, página 233. As expressões (5.42) e (5.43) têm diversas aplicações e generalizações. Vide e.g. [156]. 6 E. 5.4 Exerćıcio. Diferenciando (5.42) em relação a z, obtenha π cot(πz) = 1 z − ∞∑ n=1 2z n2 − z2 , (5.45) válida para z ∈ C \ Z. Essa expressão é denominada fórmula da cotangente de Euler, que a obteve em 1749. Ela é também conhecida como expansão em frações parciais da função cotangente. Diversas outras demonstrações dessa importante identidade são conhecidas. Vide Exerćıcio E. 12.32, página 592, ou Exerćıcio E. 30.22, página 1445. 6 • Algumas identidades adicionais para a função Beta Segundo nossa definição para a função B, é elementar ver que B(p, q) = Γ(p)Γ(q)Γ(p+q) = p+q q Γ(p)Γ(q+1) Γ(p+q+1) . Assim, vale a identidade B(p, q) = p + q q B(p, q + 1) . (5.46) Analogamente, demonstra-se que B(p, q) = p + q p B(p + 1, q) . (5.47) Segue disso evidentemente que qB(p + 1, q) = pB(p, q + 1) . (5.48) Usando (5.40) podemos escrever B(p, q) = Γ(p)Γ(q)Γ(p+q) = Γ(p) Γ(p+q)Γ(−q)Γ(q)Γ(−q) = − 1B(p+q, −q) πq sen (πq) . Assim, estabele- cemos que B(p, q) = − π q sen (πq) 1 B(p + q, −q) . (5.49) Usando o fato que B(p, q) = B(q, p), segue igualmente que B(p, q) = − π p sen (πp) 1 B(p + q, −p) . (5.50) 11John Wallis (1616–1703). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 207/1730 5.4.2 A Fórmula de Duplicação de Legendre As propriedades da função beta permitem provar mais uma identidade importante satisfeita pela função gama, a chamada fórmula de duplicação da função gama, obtida por Legendre12 em 181113: Γ(2z) = 22z−1√ π Γ(z)Γ ( z + 1 2 ) , (5.51) válida para todo z ∈ C que não seja um inteiro não-positivo ou um semi-inteiro não-positivo, isto é, que não seja da forma −n ou da forma −n− 1/2, com n = 0, 1, 2, 3, . . .. Uma generalização de (5.51) (eq. (5.63)), devida a Gauss, será obtida na Seção 5.5.3.1, página 212. A demonstração de (5.51) é bastante simples. Assumindo provisoriamente Re (z) > 0, temos Γ(z)Γ(z) Γ(2z) = B(z, z) (5.35) = ∫ 1 0 ( t(1 − t) )z−1 dt . Efetuamos a mudança de variável de integração u = 2t − 1, temos Γ(z)Γ(z) Γ(2z) = 1 22z−1 ∫ +1 −1 (1 − u2)z−1 du = 2 22z−1 ∫ 1 0 (1 − u2)z−1 du . Por fim, fazendo a mudança de variável de integração v = u2, tem-se Γ(z)Γ(z) Γ(2z) = 1 22z−1 ∫ 1 0 (1 − v)z−1v− 12 dv = B ( z, 12 ) 22z−1 (5.35) = Γ(z)Γ(12 ) 22z−1Γ ( z + 12 ) (5.18) = Γ(z) √ π 22z−1Γ ( z + 12 ) , provando (5.51) para Re (z) > 0. A generalização para todo z ∈ C segue do fato de que ambos os lados de (5.51) possuem uma extensão anaĺıtica para todo C, exceto para os pontos em que z é um inteiro não-positivo ou um semi-inteiro não- positivo. Na Seção 5.5.2, página 210, discutimos que a função gama de Euler é essencialmente a única função a satisfazer a equação funcional Γ(z + 1) = zΓ(z) e a fórmula de duplicação (5.51). É interessante comparar a fórmula de duplicação (5.51) com a chamada fórmula de duplicação da função seno (prove- a!): sen ( 2πz ) = 2 sen ( πz ) sen ( π ( z + 1 2 )) , z ∈ C . (5.52) E. 5.5 Exerćıcio. Prove que ∫ 1 0 ln ( sen (πy) ) dy = − ln 2 . (5.53) Essa expressão é denominada fórmula de Jensen14. Sugestão: tome o logaritmo da fórmula de duplicação da função seno (5.52) e integre a expressão resultante no intervalo [0, 1/2]. Justifique cuidadosamente a existência das integrais. 6 E. 5.6 Exerćıcio. Prove que ∫ 1 0 ln ( Γ(y) ) dy = ln (√ 2π ) , (5.54) relação obtida por Raabe15 em 1843. Sugestão I: tome o logaritmo da fórmula de duplicação (5.51), integre a expressão resultante no intervalo [0, 1/2] e disso obtenha (5.54). Sugestão II: tomando o logaritmo da fórmula de reflexão (5.38) e integrando a expressão resultante no intervalo [0, 1], obtemos 2 ∫ 1 0 ln ( Γ(y) ) dy = lnπ − ∫ 1 0 ln ( sen (πy) ) dy (faça-o!). A integral ∫ 1 0 ln ( sen (πy) ) dy foi obtida no Exerćıcio E. 5.5 e disso segue novamente (5.54). 6 12Adrien-Marie Legendre (1752–1833). 13A. Legendre, Exercices de calcul intégral, vols. I (1811), II (1816) e III (1817), Paris. 14Johan Ludwig William Valdemar Jensen (1859–1925). 15Joseph Ludwig Raabe (1802–1859). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 210/1730 Portanto, vale também 1 ≤ G(x) (x + n)(x + n − 1) · · · x nxn! ≤ 1 + x n < 1 + 1 n . É evidente disso que G(x) = lim n→∞ nxn! (x + n)(x + n − 1) · · · x , uniformemente em (0, 1). Como Γ também satisfaz as condições 1, 2 e 3, ela obedece a mesma equação e conclúımos que G(x) = Γ(x) para todo x ∈ (0, 1). 5.5.2 Fórmulas de Duplicação e Unicidade À discussão sobre a fórmula de duplicação de Legendre (5.51) é interessante acrescentar alguns comentários referentes à questão da unicidade. Já colocamos a questão de saber quais funções satisfazem a equação funcional Γ(z + 1) = zΓ(z) e encontramos uma resposta sob as hipóteses do Teorema de Bohr-Mollerup, Teorema 5.1, página 209. Como veremos, se considerarmos também o desejo de ter satisfeita a fórmula de duplicação de Legendre (5.51) somos novamente conduzidos à função gama de Euler. Isso é o conteúdo do Teorema 5.2, página 211. Os dois lemas preparatórios que seguem são devidos a Herglotz21. Lema 5.3 Seja a > 1 e seja A um aberto conexo de C que contenha o intervalo [0, a) do eixo real. Seja A uma função anaĺıtica em A e que satisfaça a relação 2A(2z) = A(z) + A(z + 1/2) sempre que z, z + 1/2 e 2z estiverem no intervalo [0, a). Então, A é constante em todo A. 2 Prova. Escolhamos b ∈ (1, a). Então, é evidente que [0, b] ⊂ [0, a) e é também evidente que se z ∈ [0, b], então z/2 e (z + 1)/2 são também elementos de [0, b]. Por hipótese, temos que 2A(2z) = A(z) + A(z + 1/2) e que 4A′(2z) = A′(z) + A′(z + 1/2) sempre que z, z + 1/2 e 2z estiverem no intervalo [0, a). Logo, para todo z ∈ [0, b], valerá 4A′(z) = A′(z/2) + A′ ( (z + 1)/2 ) . Conseqüentemente, teremos também 4|A′(z)| ≤ |A′(z/2)| + |A′ ( (z + 1)/2 ) | para todo z ∈ [0, b]. Seja M := max { |A′(z)|, z ∈ [0, b] } . Como |A′(z)| é cont́ınua em [0, b], o máximo M é alcançado em algum valor z0 ∈ [0, b]. Assim, teremos 4M = 4|A′(z0)| ≤ |A′(z0/2)| + |A′ ( (z0 + 1)/2 ) | ≤ 2M , já que z0/2 e (z0 + 1)/2 são também elementos de [0, b]. Agora, como M ≥ 0, a desigualdade 4M ≤ 2M só é posśıvel se M = 0, o que informa-nos que A′(z) = 0 para todo z ∈ [0, b]. Como A é anaĺıtica em A ⊃ [0, b], temos que A′(z) = 0 para todo z ∈ A, como queŕıamos provar. Lema 5.4 Seja a > 1 e seja A um aberto conexo de C que contenha o intervalo [0, a) do eixo real. Seja A uma função anaĺıtica em A, que não possua zeros em [0, a) e que, para algum γ ∈ C\{0}, satisfaça a relação A(2z) = γA(z)A(z+1/2) sempre que z, z + 1/2 e 2z estiverem no intervalo [0, a). Então, A é da forma A(z) = αeβz para todo z ∈ A, sendo α, β ∈ C constantes satisfazendo αγeβ/2 = 1, o que nos permite escrever A(z) = γ−1eβ(z−1/2). 2 Prova. Pelas hipóteses, a função B(z) = A′(z)/A(z) é anaĺıtica em alguma vizinhança aberta e conexa A0 de [0, a) (com [0, a) ⊂ A0 ⊂ A). Também pelas hipóteses, sempre que z, z + 1/2 e 2z estiverem no intervalo [0, a) valerá 2A′(2z) = γA′(z)A(z + 1/2) + γA(z)A′(z + 1/2). Logo, teremos nesse caso 2B(2z) = 2A′(2z) A(2z) = γA′(z)A(z + 1/2) γA(z)A(z + 1/2) + γA(z)A′(z + 1/2) γA(z)A(z + 1/2) = B(z) + B(z + 1/2) . Assim, 2B(2z) = B(z)+B(z+1/2) e do Lema 5.3 conclúımos que para todo z ∈ A0 vale B(z) = β com β ∈ C, constante. Logo, A′(z) = βA(z), ou seja, A(z) = αeβz em todo z ∈ A0, para alguma constante α ∈ C. Devido à analiticidade de A, essa relação vale em todo A. Da relação A(2z) = γA(z)A(z + 1/2), obtemos que αγeβ/2 = 1. 21Gustav Ferdinand Maria Herglotz (1881–1953). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 211/1730 Os Lemas 5.3 e 5.4 podem ser interpretados como afirmações de existência de soluções das equações funcionais 2A(2z) = A(z) + A(z + 1/2) e A(2z) = γA(z)A(z + 1/2) sob as hipóteses listadas em seus respectivos enunciados. Para um tratamento extensivo de equações funcionais, vide [2]. Os Lemas 5.3 e 5.4, de acima, têm o seguinte corolário, o qual contém uma afirmação de unicidade da função gama de Euler: Teorema 5.2 A função gama de Euler é a única função que satisfaz as seguintes condições: 1. G : C \ {0, −1, −2, . . .} → C é anaĺıtica no seu domı́nio, tendo em z = 0 no máximo um pólo simples, 2. G é real na semi-reta (0, ∞), 3. G satisfaz G(z + 1) = zG(z) em todo C \ {0, −1, −2, . . .}, 4. G satisfaz a fórmula de duplicação G(2z) = 2 2z−1 √ π G(z)G ( z + 12 ) em todo C, exceto os inteiros e semi-inteiros não-positivos. 2 Prova. Seja G satisfazendo as propriedades listadas no enunciado. Então, A(z) := G(z)/Γ(z) é anaĺıtica em uma vizinhança de [0, ∞) (lembrar que Γ tem um pólo simples em 0 e G no máximo um pólo simples nesse ponto, pelo item 1), é real no intervalo (0, ∞) (pelo item 2) e satisfaz A(z + 1) = A(z) (pelo item 3) e A(2z) = A(z)A(z + 1/2) (pelo item 4) onde essas relações estiverem bem definidas, o que inclui o intervalo [0, ∞). Pelo Lema 5.4, conclúımos que A(z) = eβ(z−1/2) (justifique!). Como A é periódica de peŕıodo 1, tem-se β = 2πni, n ∈ Z. Como A é real em [0, ∞), devemos ter n = 0, implicando que G(z) = Γ(z) em C \ {0, −1, −2, . . .}. 5.5.3 O Teorema de Wielandt e Algumas de Suas Conseqüências O teorema que segue, obtido por Wielandt22 em 1939, é mais um teorema de unicidade da função gama. Sua utilidade se manifestará na discussão da importante Fórmula de Stirling, desenvolvida na Seção 5.6, página 214. Para um tratamento semelhante ao nosso, vide [156]23 Teorema 5.3 (Teorema de Wielandt) Considere-se o semiplano Cd := {z ∈ C| Re (z) > 0}. A função gama de Euler é a única função satisfazendo as seguintes hipóteses: 1. G é anaĺıtica em Cd, 2. G(z + 1) = zG(z) para todo z ∈ Cd, 3. G(1) = 1, 4. G é limitada na faixa F := {z ∈ C| 1 ≤ Re (z) < 2}. 2 Nota. Como a única relação funcional considerada no Teorema 5.3 é a relação G(z + 1) = zG(z), podemos dizer que, em um certo sentido, o Teorema de Wielandt generaliza o Teorema de Bohr-Mollerup, Teorema 5.1, página 209, para o contexto de funções definidas em Cd e não apenas em R+. Essa afirmação tem que ser tomada cum grano salis, pois o Teorema de Bohr-Mollerup faz uso também de uma hipótese de convexidade ausente no Teorema de Wielandt. ♣ Prova do Teorema 5.3. Consideremos a função V : Cd → C definida por V (z) = G(z) − Γ(z), z ∈ Cd. É evidente que V satisfaz V (z + 1) = zV (z) e satisfaz também V (1) = 0. O mesmo racioćınio que nos conduziu a (5.14) permite obter também V (z) = V (z + n) (z + n − 1)(z + n − 2) · · · z . (5.61) 22Helmut Wielandt (1910–2001). 23Vide também Reinhold Remmert, “Wielandt’s Theorem About the Γ-Function”. The American Mathematical Monthly, 103, No. 3, 214–220 (1996). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 212/1730 Agora, V (z +n) é anaĺıtica para Re (z +n) > 0, Assim, (5.61) estende analiticamente V (z) para Re (z) > −n, exceto nos pontos z = −k com k = 0, 1, . . . , n− 1. Com isso, conclúımos que V possui uma extensão anaĺıtica ao plano complexo C, exceto aos pontos z = 0, −1, −2, . . ., onde possui no máximo pólos simples. Seguindo os mesmos passos de (5.15), conclúımos também que essa extensão satisfaz V (z + 1) = zV (z) em todo o conjunto C \ {0, −1, −2, . . .}. Ao contrário do que ocorre com a função Γ, porém, a função V é regular nos pontos z = 0, −1, −2, . . ., pois, analogamente a (5.16), temos por (5.61) que lim z→−n (z + n)V (z) = lim z→−n (z + n) V (z + n + 1) (z + n)(z + n − 1) · · · z = V (1) (−1)(−2) · · · (−n) = 0 . (5.62) A conclusão até aqui é que V é uma função inteira, i.e., anaĺıtica em todo C satisfazendo V (z + 1) = zV (z) para todo z ∈ C. Vamos agora analisar as conseqüências da hipótese que G é limitada na faixa {z ∈ C| 1 ≤ Re (z) < 2}. Pela desigualdade (5.10), página 195, Γ é limitada nessa mesma faixa e, portanto, V também o é. Afirmamos que V é também limitada na faixa F := {z ∈ C| 0 ≤ Re (z) < 1}. De fato, na região limitada {z ∈ C| 0 ≤ Re (z) < 1, −1 ≤ Im (z) ≤ 1} a função V é limitada por ser anaĺıtica. Já na região {z ∈ C| 0 ≤ Re (z) < 1, |Im (z)| > 1}, na qual tem-se |z| > 1, podemos evocar o fato que V (z) = V (z + 1)/z e estabelecer que |V (z)| < |V (z + 1)| ≤ sup{|V (w)|, w ∈ F}, pois é evidente que z + 1 ∈ F se z ∈ {z ∈ C| 0 ≤ Re (z) < 1, |Im (z)| > 1}. Como a aplicação z 7→ 1 − z leva a faixa fechada {z ∈ C| 0 ≤ Re (z) ≤ 1} em si mesma e a função V (z) é limitada nessa faixa (por essa ser um subconjunto de {z ∈ C| 0 ≤ Re (z) < 1}∪{z ∈ C| 1 ≤ Re (z) < 2}), conclúımos que a função V (1 − z) é igualmente limitada em {z ∈ C| 0 ≤ Re (z) ≤ 1}. Observe-se agora que a função U(z) := V (z)V (1 − z) é inteira e periódica de peŕıodo 1. De fato, U(z + 1) = V (z+1)V (−z) = zV (z)V (−z) = V (z) ( zV (−z) ) = V (z)V (1−z) = U(z). Logo, U é limitada em {z ∈ C| 0 ≤ Re (z) ≤ 1} e, portanto, em todo C, devido à periodicidade. Pelo Teorema de Liouville, U é constante. Como U(1) = V (1)V (0) = 0, conclúımos que U anula-se em toda parte. É fácil concluir disso que V anula-se em toda a parte: se V (z) não se anulasse em um aberto A ∈ C, então V (1 − z) anular-se-ia nesse aberto e, como V é inteira, isso implica que V é identicamente nula. Portanto, conclúımos que G e Γ coincidem, que é o que desejávamos estabelecer. 5.5.3.1 A Fórmula de Multiplicação de Gauss da Função Gama O Teorema de Wielandt, Teorema 5.3, página 211, pode ser utilizado para uma demonstração simples de mais uma propriedade importante da função gama de Euler: para cada m ∈ N tem-se Γ(mz) = mmz−1/2 √ (2π)m−1 m−1∏ l=0 Γ ( z + l m ) , (5.63) válida para todo z ∈ C, exceto 0, −1/m, −2/m, −3/m, . . ., ou seja, válida para todo z ∈ C \ {−n/m, n ∈ N0}. A identidade (5.63), denominada fórmula de multiplicação da função gama, ou fórmula de multiplicação de Gauss da função gama, foi provada em 1812 por Gauss por meios distintos dos que apresentaremos no que segue. Note-se que o caso m = 1 é uma identidade trivial e o caso m = 2 reproduz a Fórmula de Duplicação de Legendre , eq. (5.51), página 207, e, portanto, (5.63) pode ser considerada uma generalização daquela relação. Para a prova de (5.63) precisamos de alguns resultados preparatórios elementares. Lema 5.5 Para cada m ∈ N vale a identidade m∏ l=1 ( z − e−2πil/m ) = zm − 1 (5.64) para todo z ∈ C. Como conseqüência, vale a identidade m−1∏ l=1 ( z − e−2πil/m ) = zm − 1 z − 1 = m−1∑ a=0 za (5.65) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 215/1730 ou ainda na forma ln(n!) ≈ n lnn − n , (5.73) que difere da anterior pela negligência do termo (ln(2π) + lnn)/2, o qual é “pequeno” em relação aos demais para n “grande”. A aproximação (5.71) deve ser entendida no sentido da seguinte afirmação precisa em termos de limites: lim n→∞ n!√ 2π nn+ 1 2 e−n = 1 . A aproximação de Stirling foi originalmente encontrada (por volta de 1730) por de Moivre25, o qual obteve a apro- ximação n! ≈ K nn+ 12 e−n, sendo que K era uma constante que de Moivre não pode especificar. A contribuição de Stirling foi provar que K = √ 2π. A aproximação de Stirling, na forma (5.71) ou na forma (5.73), é muito útil, por fornecer uma boa aproximação para n!, quando n é “grande”, em termos de funções simples de n. Que a aproximação é boa mostra o fato que já para n = 6 a equação (5.71) aproxima 6! = 720 por 710, 07 . . ., um erro relativo percentual de cerca de 1, 4%, onde por erro relativo entendemos a expressão26 En = ∣ ∣ ∣ ∣ ∣ n! − √ 2π nn+ 1 2 e−n n! ∣ ∣ ∣ ∣ ∣ . (5.74) Para n = 13 o erro relativo percentual da fórmula de Stirling é de cerca de 0, 6%. E. 5.7 Exerćıcio. O estudante poderá divertir-se calculando a aproximação fornecida por (5.71) para alguns valores de n, usando uma calculadora de bolso, por exemplo, e constatando que o erro relativo percentual melhora quando n aumenta. 6 Mais adiante (vide página 222) encontraremos aproximações para n! ainda melhores que a de Stirling. Por exemplo, An := √ 2π nn+ 1 2 e−n+ 1 12n+1 e Bn := √ 2π nn+ 1 2 e−n+ 1 12n (5.75) satisfazem An < n! < Bn para todo n ∈ N e ambos aproximam n! com um erro relativo percentual menor que 0,7n2 % para n ∈ N, o que corresponde a um erro relativo percentual menor que 0, 7% para n = 1, menor que 0, 02% para n = 6 e menor que 0, 004% para n = 13. Para n = 6, por exemplo, An fornece a aproximação 6! ≈ 719, 8722, com um erro relativo percentual de 0, 018% e Bn fornece a aproximação 6! ≈ 720, 00089 . . ., com um erro relativo percentual de 1 · 10−4 % (!). A aproximação de n! por An e Bn é um resultado relativamente recente (de 1955), obtido por Robbins 27. A aproximação de Stirling pode ser apresentada em forma exata como n! = √ 2π nn+ 1 2 e−neµn , n ∈ N , (5.76) com a seqüência µn satisfazendo limn→∞ µn = 0. Em diversos problemas é de interesse conhecer-se as correções à Aproximação de Stirling (5.71) codificadas acima na seqüência µn. Será um dos propósitos nossos na corrente seção apresentar expressões para tais correções. Na corrente seção obteremos uma relação ainda mais geral que (5.71), a saber, obteremos a chamada aproximação de Stirling para a função gama: Γ(z) = √ 2π zz− 1 2 e−zeµ(z) , (5.77) válida para todo z ∈ Cc := C\{w ∈ C| Re (w) ≤ 0 e Im (w) = 0} (o plano complexo menos a semi-reta real não-positiva), sendo que a função µ(z), acima28, pode ser expressa de diversas formas como, por exemplo, µ(z) = ∞∑ m=0 [( z + m + 1 2 ) ln ( 1 + 1 z + m ) − 1 ] , (5.78) 25Abraham de Moivre (1677–1754). 26O valor absoluto não é necessário em (5.74) pois, como veremos, para cada n ∈ N vale n! > √ 2π nn+ 1 2 e−n. 27 Herbert Ellis Robbins (1915–2001). Vide H. Robbins, “A Remark on Stirling’s Formula”, American Mathematical Monthly, 62, 26–29 (1955). Esse resultado pode também ser encontrado em [52], que cita Robbins. Robbins é um dos autores de [42]. 28A função µ que ocorre em (5.77) é por vezes denominada função de Binet, em honra a Jacques Philippe Marie Binet (1786–1856), que foi o primeiro a obter correções à aproximação de Stirling, em 1839. O trabalho original de Binet sobre o tema é: M. J. Binet, “Mémoire sur les intégrales définies Eulériennes”, Journ. de l’École Roy. Polyt. 16, 123–343 (1839). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 216/1730 também para z ∈ Cc. Em textos como [156] o leitor poderá encontrar diversas outras expressões para µ(z), válidas em diversas regiões. A série do lado direito de (5.78) é denominada série de Gudermann29, tendo sido obtida por esse matemático em 184530. Demonstraremos que lim |z|→∞ z∈Cc |µ(z)| = 0, ou seja, que lim |z|→∞ z∈Cc Γ(z)√ 2π zz− 1 2 e−z = 1 , com o limite tomado com z = |z|eiϕ, sendo −π < ϕ < π fixo. Isso conduz à aproximação assintótica Γ(z) ≈ √ 2π zz− 1 2 e−z , (5.79) válida para |z| grande e ϕ fixo (com z ∈ Cc). A relação (5.79) é também denominada aproximação de Stirling para a Função Gama. Segundo (5.77), tem-se para n ∈ N n! = Γ(n + 1) = √ 2π (n + 1)n+ 1 2 e−n−1eµ(n+1) = √ 2π nn+ 1 2 e−neµn , onde identificamos µn = ( n + 1 2 ) ln ( 1 + 1 n ) − 1 + µ(n + 1) = ( n + 1 2 ) ln ( 1 + 1 n ) − 1 + ∞∑ m=0 [( n + 1 + m + 1 2 ) ln ( 1 + 1 n + 1 + m ) − 1 ] = µ(n) . Verifique! Resumindo, temos para todo n ∈ N n! = √ 2π nn+ 1 2 e−n exp ( ∞∑ m=0 [( n + m + 1 2 ) ln ( 1 + 1 n + m ) − 1 ]) = √ 2π nn+ 1 2 e−n exp ( ∞∑ m=n [( m + 1 2 ) ln ( 1 + 1 m ) − 1 ]) , (5.80) e temos para todo z ∈ Cc Γ(z) = √ 2π zz− 1 2 e−z exp ( ∞∑ m=0 [( z + m + 1 2 ) ln ( 1 + 1 z + m ) − 1 ]) . (5.81) Essas últimas expressões representam as aproximações de Stirling exatas para n! e para a função gama de Euler, ou seja, incluindo correções. 5.6.1 A Aproximação de Stirling para Fatoriais e suas Correções. A Série de Gudermann Nesta seção apresentaremos a demonstração tradicional da aproximação de Stirling para n! quando n é “grande”. Ela é próxima da demonstração histórica de de Moivre e de Stirling. • Algumas sugestões preliminares A função lnx é crescente no intervalo (0, ∞) e, portanto, vale para todos a e b com 0 < a < b < ∞ a desigualdade (b − a) ln a < ∫ b a lnxdx < (b − a) ln b . 29Christoph Gudermann (1798–1852). 30C. Gudermann, “Additamentum ad functionis Γ(a) = R ∞ 0 e−xxa−1dx theoriam”. Journ. reine angew. Math. 29, 209–212 (1845.) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 217/1730 Tomando-se b = a + 1 temos para todo a > 0 que ln a < ∫ a+1 a lnxdx < ln(a + 1) e disso segue (trocando-se a → a − 1) que ∫ a a−1 lnxdx < ln a < ∫ a+1 a lnxdx (5.82) para a > 1. Como ∫ lnx = x(ln(x) − 1) é fácil ver que as desigualdades (5.82) permanecem válidas mesmo para a = 1, quando a primeira integral é imprópria, pois lim a→1 ∫ a a−1 lnxdx = lim a→1 ( a ( ln a − 1 ) − (a − 1) ( ln(a − 1) − 1 )) = −1 < 0 = ln 1 < ∫ 2 1 lnxdx . (Recordar que limy→0 y ln y = 0). É evidente que para n ∈ N tem-se ln(n!) = ∑n k=1 ln k e usando (5.82) podemos escrever n∑ k=1 ∫ k k−1 lnxdx < n∑ k=1 ln k < n∑ k=1 ∫ k+1 k lnxdx o que significa que ∫ n 0 lnxdx < ln(n!) < ∫ n+1 1 lnxdx . Novamente usando ∫ lnx = x(ln(x) − 1), ambas as integrais de acima podem ser calculadas explicitamente, e obtemos n ln(n) − n < ln(n!) < (n + 1) ln(n + 1) − n , ou n ln(n) < ln(n!) + n < (n + 1) ln(n + 1) . Essas desigualdades sugerem que estudemos a diferença entre ln(n!) + n e o valor médio entre n ln(n) e (n + 1) ln(n + 1), o qual é dado por 1 2 ln ( nn(n + 1)n+1 ) = 1 2 ln ( n2n+1 ( 1 + 1 n )n+1 ) = ( n + 1 2 ) ln(n) + 1 2 ln (( 1 + 1 n )n+1 ) . Para n “grande”, ( 1 + 1n )n+1 aproxima-se de e, de modo que o valor médio acima aproxima-se de ( n + 12 ) ln(n) + 1/2 que, por sua vez, pode ser aproximado por ( n + 12 ) ln(n) para n “grande”. Estudemos, então, a convergência da seqüência Sn = ln(n!) + n − ( n + 1 2 ) ln(n) , o que faremos no que segue. • A convergência da seqüência Sn Para demonstrarmos a convergência da seqüência Sn procederemos da seguinte forma. É elementar constatar que Sn − Sn+1 = ( n + 1 2 ) ln ( n + 1 n ) − 1 = (2n + 1)1 2 ln ( 1 + 12n+1 1 − 12n+1 ) − 1 . Sabemos que a série de Taylor da função ln(1 + z) centrada em 0 é ∞∑ k=0 (−1)k z k+1 k + 1 , a qual converge na região |z| < 1. Assim, na mesma região teremos 1 2 ln ( 1 + z 1 − z ) = ∞∑ k=0 z2k+1 2k + 1 . (5.83) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 220/1730 Isso pode ser constatado calculando-se diretamente a integral do lado direito, usando o fato que 1(n+k+t)2 = − ddt 1n+k+t e integração por partes. Assim, µn = ∞∑ k=0 1 2 ∫ 1 0 t(1 − t) (n + k + t)2 dt . Com as mudanças de variáveis t → t + k, temos µn = ∞∑ k=0 1 2 ∫ k+1 k (t − k) ( 1 − (t − k) ) (n + t)2 dt . (5.90) É natural agora introduzirmos a função Q : R → R, definida como sendo a função cont́ınua e periódica de peŕıodo 1 que no intervalo [0, 1) é dada por Q(t) = 1 2 t(1 − t) . Vide Figura 5.4, página 223. Para cada intervalo [k, k + 1), k ∈ N0, teremos, devido à periodicidade, Q(t) = 1 2 (t − k) ( 1 − (t − k) ) . Com essa função, e devido a (5.90), podemos escrever µn = ∞∑ k=0 ∫ k+1 k Q(t) (n + t)2 dt = ∫ ∞ 0 Q(t) (n + t)2 dt . (5.91) Assim, temos também n! = √ 2π nn+ 1 2 e−n exp (∫ ∞ 0 Q(t) (n + t)2 dt ) . Essas últimas expressões motivam nosso ponto de partida para a extensão complexa da fórmula de Stirling e da série de Gudermann que faremos na Seção 5.6.2, a seguir. A expressão (5.91) tem o mérito de explicitar que µn > 0 para todo n e, portanto, tem-se para cada n a desigualdade n! > √ 2π nn+ 1 2 e−n , indicando que a aproximação de Stirling √ 2π nn+ 1 2 e−n aproxima n! “por baixo”. • Outra representação útil de µn Tomando y ≡ 12(n+k)+1 podemos escrever (verifique!) ( n + k + 1 2 ) ln ( 1 + 1 n + k ) − 1 = 1 2y ln ( 1 + y 1 − y ) − 1 (5.83)= ∞∑ a=1 y2a 2a + 1 . Assim, por (5.86), µn = ∞∑ k=0 ∞∑ a=1 1 2a + 1 1 ( 2(n + k) + 1 )2a . (5.92) A expressão (5.92) é ponto de partida, inclusive em trabalhos recentes35, para a obtenção de majorantes e minorantes para µn. No que segue apresentaremos algumas das estimativas mais simples desse tipo. • Majorantes e minorantes para µn Como já dissemos, é evidente por (5.91) que µn > 0 para todo n. Como Q(t) ≤ 1/8, segue facilmente também de (5.91) que µn < 1 8n para todo n ≥ 1, pois µn = ∫∞ 0 Q(t) (n+t)2 dt < 1 8 ∫∞ 0 1 (n+t)2 dt = 1 8n . Essas estimativas podem ser um tanto incrementadas, como veremos. 35 Vide M. Mansour “Note on Stirling’s Formula”, International Mathematical Forum 4, no. 31, 1529–1534 (2009). Uma lista de resultados históricos para majorantes e minorantes de µn e referências a seus trabalhos originais pode ser encontrada nesse trabalho. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 221/1730 Tendo (5.92) em mente e usando que 2a + 1 ≥ 3 para a ≥ 1, obtemos pela soma de uma progressão geométrica infinita, ∞∑ a=1 1 2a + 1 1 ( 2(n + k) + 1 )2a < 1 3 ∞∑ a=1 1 ( 2(n + k) + 1 )2a = 1 3 1 ( 2(n + k) + 1 )2 − 1 = 1 12 ( 1 n + k − 1 n + k + 1 ) . Assim, µn < 1 12 ∞∑ k=0 ( 1 n + k − 1 n + k + 1 ) = 1 12n . Tomando-se apenas os termos com a = 1 em (5.92), teremos também µn > 1 3 ∞∑ k=0 1 ( 2(n + k) + 1 )2 = 1 12 ∞∑ k=0 1 ( n + 12 + k )2 > 1 12 ∫ ∞ 0 1 ( n + 12 + x )2 dx = 1 12n + 6 . A referência listada na nota-de-rodapé 35, página 220, atribui esse simples resultado a Uspensky36, em 1937. Em resumo, vale, portanto, 1 12n + 6 < µn < 1 12n (5.93) para cada n ∈ N e temos √ 2π nn+ 1 2 e−ne 1 12n+6 < n! < √ 2π nn+ 1 2 e−ne 1 12n (5.94) para cada n ∈ N. A primeira das majorações em (5.93) pode ser melhorada da seguinte forma37. Tendo em mente (5.92), podemos escrever a somatória em a como ∞∑ a=1 1 2a + 1 1 ( 2p + 1 )2a > ∞∑ a=1 ( 1 3 ( 2p + 1 )2 )a = 1 3 ( 2p + 1 )2 − 1 sendo p ≡ n + k, onde usamos o fato que 2a + 1 ≤ 3a para todo a ∈ N (o que pode ser facilmente provado, por exemplo, por indução. Faça-o!) e usamos a expressão da soma de uma progressão geométrica infinita. Agora, como n ≥ 1, tem-se p ≥ 1 e, com isso, 3 ( 2p + 1 )2 − 1 = 12 [ p2 + p + 1 6 ] = 12 [ p2 + ( 1 + 1 6 ) p + 1 6 (1 − p) ] p≥1 ≤ 12 [ p2 + ( 1 + 1 6 ) p ] ≤ 12 [ p2 + ( 1 + 1 6 ) p + 1 12 + 1 122 ] = 12 ( p + 1 + 1 12 )( p + 1 12 ) . Portanto, 1 3 ( 2p + 1 )2 − 1 > 1 12 1 ( p + 1 + 112 ) ( p + 112 ) = 1 12 ( 1 p + 112 − 1 p + 1 + 112 ) . Assim, por (5.92), teremos µn > 1 12 ∞∑ k=0 ( 1 n + k + 112 − 1 n + k + 1 + 112 ) = 1 12 1 n + 112 = 1 12n + 1 . Portanto, vale 1 12n + 1 < µn < 1 12n (5.95) 36James Victor Uspensky (1883–1947). 37Para a referência original, vide nota-de-rodapé 27, página 215. Outra demonstração pode também ser encontrado em [52], que cita Robbins. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 222/1730 para cada n ∈ N e temos √ 2π nn+ 1 2 e−ne 1 12n+1 < n! < √ 2π nn+ 1 2 e−ne 1 12n (5.96) para cada n ∈ N, majorações essas mais precisas que (5.93)–(5.94). Como dissemos, esses limitantes ainda podem ser melhorados e há uma extensa literatura sobre tal assunto. • Outros aproximantes para n! Contemplando (5.96), observamos que como 112n é próximo a 1 12n+1 para n ≥ 1, as expressões à direita e à esquerda de (5.96) devem também aproximar n!. O próximo exerćıcio demonstra isso e mostra que essas aproximações são excelentes, mesmo para valores pequenos de n. E. 5.10 Exerćıcio. Sejam An := √ 2π nn+ 1 2 e−ne 1 12n+1 e Bn := √ 2π nn+ 1 2 e−ne 1 12n , n ∈ N. Por (5.96) vale An < n! < Bn e podemos considerar os erros relativos obtidos ao se aproximar n! por An ou por Bn, os quais são dados por An := n! − An n! = 1 − An n! < 1 − An Bn = 1 − exp ( 1 12n + 1 − 1 12n ) = 1 − exp ( −1 144n2 + 12n ) , Bn := Bn − n! n! = Bn n! − 1 < Bn An − 1 = exp ( 1 12n − 1 12n + 1 ) − 1 = exp ( 1 144n2 + 12n ) − 1 . Como An > 0 e Bn > 0, as expressões de acima provam que lim n→∞ An n! = 1 = lim n→∞ Bn n! . Prove que para x > 0 tem-se 1 − e−x < x e obtenha 0 < An < 1 144n2 + 12n < 1 144n2 = 0, 00694 . . . n2 para todo n ∈ N. Se A > 0, prove que para x ∈ [0, A] vale ex − 1 ≤ eA−1A x e com isso obtenha 0 < Bn < 13 ( e1/156 − 1 ) 12n2 + n < 13 ( e1/156 − 1 ) 12n2 = 0, 00696 . . . n2 para todo n ∈ N. Assim, o erro relativo percentual dos aproximantes à esquerda e à direita de (5.96) pode ser majorado por ≈ 0, 7n−2 % para cada n ∈ N, decaindo rapidamente, portanto, para n → ∞. Mesmo para n = 1 o erro relativo percentual desses aproximantes é inferior a 0, 7 %. Compare com os números obtidos no Exerćıcio E. 5.9, página 219. 6 5.6.2 A Aproximação de Stirling para a Função Gama e suas Correções. A Série de Gudermann • A Aproximação de Stirling para Γ(z) e suas correções Vamos agora enunciar e demonstrar o resultado principal da presente seção: a Aproximação de Stirling com suas correções para a função gama de Euler em Cc. Como veremos, a demonstração evoca mais uma vez o Teorema de Unicidade de Wielandt, Teorema 5.3, página 211. Teorema 5.5 Para todo z ∈ Cc := C \ {w ∈ C| Re (w) ≤ 0 e Im (w) = 0} (o plano complexo menos a semi-reta real não-positiva) vale Γ(z) = √ 2π exp (( z − 1 2 ) ln z − z ) eµ(z) = √ 2πzz− 1 2 e−zeµ(z) , (5.97) onde µ(z) := ∫ ∞ 0 Q(t) (z + t)2 dt , (5.98) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 225/1730 Tomando agora z = x, real e positivo, podemos escrever G(1) = 1√ e ( 1 + 1 2x )x exp ( µ(x) + µ ( x + 1 2 ) − µ(2x) ) . (5.104) É de se observar agora que limx→∞ ( 1 + 12x )x = √ e (um resultado bem conhecido) e que limx→∞ µ(x) = 0. Isso segue do fato que, como Q(t) ≤ 1/8, temos µ(x) = ∫ ∞ 0 Q(t) (x + t)2 ≤ 1 8 ∫ ∞ 0 1 (x + t)2 = 1 8 ∫ ∞ x 1 t2 = 1 8x . Assim, tomando o limite x → ∞ em (5.104), obtemos G(1) = 1, estabelecendo (5.97)–(5.98). Vamos agora demonstrar a estimativa (5.99). Escrevendo z ∈ Cc na forma polar z = |z|eiϕ, com |z| > 0 e −π < ϕ < π, tem-se a seguinte majoração: |µ(z)| ≤ 1 8 ∫ ∞ 0 1 (|z| cosϕ + t)2 + |z|2 sen 2ϕ dt . (5.105) É fácil provar que ∫ ∞ 0 dt (a + t)2 + b2 = arctan(b/a) b (prove isso com a mudança de variáveis t → r ≡ ba+t ). Com uso disso, segue facilmente que |µ(z)| ≤ 18|z| ϕ sen ϕ , estabelecendo (5.99). • A série de Gudermann A expressão (5.98) pode ser reescrita de forma mais expĺıcita como µ(z) := ∫ ∞ 0 Q(t) (z + t)2 dt = ∞∑ m=0 ∫ m+1 m Q(t) (z + t)2 dt = ∞∑ m=0 1 2 ∫ 1 0 t(1 − t) (z + t + m)2 dt . Note-se que a convergência da série do lado direito para cada z ∈ Cc é evidente, pois 12 t(1− t) ≤ 1/8 e os termos 1(z+t+m)2 comportam-se como ≈ m−2 para m grande. Como 1(z+t+m)2 = − ddt 1z+t+m , integração por partes fornece 1 2 ∫ 1 0 t(1 − t) (z + t + m)2 dt = 1 2 ∫ 1 0 1 − 2t z + t + m dt = ( z + m + 1 2 ) ln ( 1 + 1 z + m ) − 1 . Verifique! Com isso, obtemos para todo z ∈ Cc µ(z) = ∞∑ m=0 [( z + m + 1 2 ) ln ( 1 + 1 z + m ) − 1 ] . (5.106) Essa é série de Gudermann39 (5.78). Como comentado acima, a série de Gudermann é convergente para cada z ∈ Cc. É muito fácil constatar (faça-o!) que a convergência é uniforme em compactos de Cc, o que implica que a série do lado direito de (5.106) é também anaĺıtica em todo Cc. Com (5.106) ficam justificadas as expressões (5.80) e (5.81). E. 5.12 Exerćıcio. Considere-se a função real P1(t) definida em todo R, peŕıodica de peŕıodo 1 e de sorte que no intervalo [0, 1) tenhamos P1(t) = t − 1 2 . Constate que P1(t) = −Q′(t) em cada intervalo (m, m + 1), m ∈ Z, e, usando integração por partes, mostre que µ(z) := ∫ ∞ 0 Q(t) (z + t)2 dt = − ∫ ∞ 0 P1(t) z + t dt (5.107) para todo z ∈ Cc. Como discutido em certos textos (veja, e.g., [156]) essa expressão é o ponto de partida para a obtenção de uma série assintótica (não convergente!) para µ(z) em termos de potências de 1/z, denominada série de Stirling, da qual não trataremos aqui. 6 39Christoph Gudermann (1798–1852). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 226/1730 5.7 Exerćıcios Adicionais E. 5.13 Exerćıcio. Prove as identidades 2nn! = (2n)!! , (2n)! = (2n)!! (2n − 1)!! , n ∈ N. 6 E. 5.14 Exerćıcio. Prove as identidades Γ(n + 1/2) = √ π (2n − 1)!! 2n , n ∈ N , Γ(1/2 − n) = (−1)n √ π 2n (2n − 1)!! , n ∈ N , Γ(n + 1/3) = 3−n(3n − 1)!!! Γ(1/3) , n ∈ N , Γ(n + 2/3) = 3−n(3n − 1)!!! Γ(2/3) , n ∈ N . 6 E. 5.15 Exerćıcio. Prove que 1 ( Γ ( 1 2 − z ) Γ ( 1 2 + z ))2 + 1 ( Γ(z)Γ(1 − z) )2 = 1 π2 para todo z ∈ C. 6 E. 5.16 Exerćıcio. Usando (5.11) e o fato que Γ(z) = Γ(z), prove que para todo y ∈ R, y 6= 0, vale |Γ(iy)|2 = π y senh(πy) e usando (5.39), prove que para todo y ∈ R vale ∣ ∣ ∣ ∣ Γ ( 1 2 + iy )∣ ∣ ∣ ∣ 2 = π cosh(πy) . Mostre também que |Γ(1 + iy)|2 = πy senh(πy) para todo y ∈ R. Obtenha expressões exatas para |Γ(n + iy)|2 e para ∣ ∣Γ ( n + 12 + iy )∣ ∣ 2 , n ∈ N. 6 E. 5.17 Exerćıcio. Para z ∈ C \Z, é imediato da relação Γ(z)Γ(−z) = −πz sen (πz) (vide (5.11)) que ∣ ∣Γ(z) ∣ ∣ 2 ∣ ∣Γ(−z) ∣ ∣ 2 = π2 |z|2 ∣ ∣ sen (πz) ∣ ∣ 2 . (5.108) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 227/1730 Escrevendo z = x + iy, com x, y ∈ R, mostre que (5.108) pode ser escrita de forma mais expĺıcita como Γ(x + iy)Γ(x − iy)Γ(−x − iy)Γ(−x + iy) = π 2 ( x2 + y2 )(( cosh(πy) )2 − ( cos(πx) )2 ) = 2π2 ( x2 + y2 )( cosh(2πy) − cos(2πx) ) . (5.109) 6 E. 5.18 Exerćıcio. Mostre usando a aproximação de Stirling (5.79) e/ou (5.97) que, com x e y reais e |y| → ∞, vale a aproximação ∣ ∣Γ(x + iy) ∣ ∣ ≈ √ 2π |y|x−1/2 e−π|y|/2 , (5.110) uniformemente para x em compactos de R. Constate que essa aproximação é perfeitamente compat́ıvel com os resultados do Exerćıcio E. 5.16, página 226. 6 E. 5.19 Exerćıcio. Mostre usando a aproximação de Stirling (5.79) e/ou (5.97) que, com x e y reais e x → +∞, valem as aproximações ∣ ∣Γ(x + iy) ∣ ∣ ≈ √ 2π ( x2 + y2 )(x− 1 2 )/2 e−x−y arctan( y x ) ≈ √ 2π xx− 1 2 e−x , (5.111) uniformemente para y em compactos de R. O que se pode afirmar sobre o caso x → −∞? Usando (5.108) e (5.111), obtenha para x < 0 a aproximação ∣ ∣Γ(x + iy) ∣ ∣ ≈ √ π ( x2 + y2 )−(|x|+ 1 2 )/2 e|x|+y arctan( y |x| ) ( cosh(2πy) − cos(2πx) )1/2 ≈ √ π |x|−|x|− 12 e|x| ( cosh(2πy) − cos(2πx) )1/2 , (5.112) com y ∈ R, fixo, e x → −∞. Essa aproximação não é uniforme em y. Observe que o denominador anula-se se e somente se y = 0 e x for um inteiro negativo (o que é compat́ıvel com a localização dos pólos da função gama). De (5.111) segue que ∣ ∣Γ(x + iy) ∣ ∣ diverge para x → +∞ para todo y ∈ R. Em contraste, segue de (5.112) que para todo y 6= 0 tem-se lim x→−∞ ∣ ∣Γ(x + iy) ∣ ∣ = 0 não uniformemente em y. 6 E. 5.20 Exerćıcio. Mostre que −γ = Γ′(1) = ∫ ∞ 0 e−t ln(t) dt = ∫ 1 0 ln ( ln ( 1 t )) dt . onde γ é a constante de Euler-Mascheroni. 6 E. 5.21 Exerćıcio. A função zeta de Riemann é definida por ζ(s) := ∞∑ n=1 1 ns para Re (s) > 1. Mostre que, para n = 1, 2, 3, . . ., Γ(s) = ns ∫ ∞ 0 e−nx xs−1 dx e, usando esta última relação, mostre que ζ(s) Γ(s) = ∫ ∞ 0 xs−1 ex − 1 dx , Re (s) > 1 . 6 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 230/1730 0 r r r Cr 1 1 A A A A 0 1 2 3 I I 1 2 i −i p q Figura 5.5: A curva fechada Cr ⊂ C, orientada no sentido anti-horário e fechada. 5. Mostre que lim r→0 ∫ I1 zα−1 ( z + 1 z )β dz = −e −i π 2 (β−α) 2 ∫ 1 0 u(α−β)/2−1 (1 − u)β du (5.35)= −e −i π 2 (β−α) 2 B ( α − β 2 , β + 1 ) e que lim r→0 ∫ I2 zα−1 ( z + 1 z )β dz = ei π 2 (β−α) 2 ∫ 1 0 u(α−β)/2−1 (1 − u)β du (5.35)= e i π 2 (β−α) 2 B ( α − β 2 , β + 1 ) 6. De (5.120) e dos demais resultados acima, estabeleça que para Re (α) > Re (β) > −1 vale ∫ π/2 0 ( cos θ )β cos ( αθ ) dθ = − sen ( π 2 (β − α) ) 2β+1 B ( α − β 2 , β + 1 ) . Essa é a relação (5.117). Como a integral do lado esquerdo não se altera com a troca α → −α, a relação é válida na região |Re (α)| > Re (β) > −1. 7. Fazendo uso de (5.50), mostre que − sen (π 2 (β − α) ) B ( α − β 2 , β + 1 ) (5.50) = 2π β − α 1 B ( α+β+2 2 , β−α 2 ) . Tem-se, portanto, ∫ π/2 0 ( cos θ )β cos ( αθ ) dθ = π 2β(β − α) 1 B ( α+β+2 2 , β−α 2 ) (5.121) também na região |Re (α)| > Re (β) > −1. Essa é a relação (5.118). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 231/1730 0 1 A 0 i −i −ϕ ϕ 1 1 p q Figura 5.6: O arco A0 e o ângulo ϕ. 8. Usando (5.46), mostre que β − α 2 B ( α + β + 2 2 , β − α 2 ) = (β + 1)B ( α + β + 2 2 , β − α + 2 2 ) . Inserindo isso em (5.121), mostre também que ∫ π/2 0 ( cos θ )β cos ( αθ ) dθ = π 2β+1(β + 1) 1 B ( α+β+2 2 , β−α+2 2 ) , na mesma região |Re (α)| > Re (β) > −1. Isso completa a demonstração de (5.119). As relações (5.117)-(5.119) têm diversos usos. Elas podem ser usadas para a determinação da série de Fourier da função ( cos θ )β e surgem na F́ısica no cálculo de funções de dois pontos de teorias quanticas de campos escalares livres e massivas no espaço-tempo de de Sitter. 6 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 5 232/1730 Apêndices 5.A Notas Sobre Convergência de Produtórias Seja {an, n ∈ N} uma seqüência de números complexos. Definimos a produtória infinita ∞∏ k=1 ak como o limite lim M→∞ M∏ k=1 ak se este existir. Podemos escrever ∏M k=1 ak = exp ( ∑M k=1 log ak ) e, assim, tentar associar a convergência da seqüência ∏M k=1 ak à convergência da seqüência ∑M k=1 log ak quando M → ∞. Com isso podeŕıamos reduzir a questão da con- vergência de produtórias infinitas à questão da convergência de séries, tema sobre o qual muito é conhecido. Há, porém, dois problemas aqui: em primeiro lugar, alguns ak’s podem ser nulos (em cujo caso desejamos que ∏∞ k=1 ak seja nula) e para tais ak’s o logaritmo log ak não está definido. Em segundo lugar, a questão da convergência de ∑M k=1 log ak pode depender da folha onde os logaritmos complexos estão definidos, ponto que é particularmente importante no caso se que {an, n ∈ N} é uma seqüência de funções em C. A proposição a seguir fornece condições suficientes sob as quais esses problemas podem ser contornados. No que segue, log refere-se sempre à primeira folha do logaritmo, isto é, para a = |a|e−iφ ∈ C com φ ∈ (−π, π] e |a| > 0, o logaritmo log a é definido por log a := ln |a| + iφ. Proposição 5.3 Seja { an, n ∈ N } uma seqüência de números complexos. Uma condição suficiente para que a produtória ∞∏ k=1 ak seja convergente é que valha ∞∑ n=1 |an − 1| < ∞, em cujo caso tem-se ∞∏ k=1 ak = [ N∏ k=1 ak ] exp ( ∞∑ n=N+1 log an ) para todo N ∈ N suficientemente grande. Sob as hipóteses, a série ∑∞n=N+1 log an é absolutamente convergente. 2 Comentários. 1. A condição P ∞ n=1 |an−1| < ∞ implica que pode haver no máximo um número finito de an’s nulos, os quais, se ocorrerem, estarão no fator Q N k=1 ak o qual será, portanto, nulo, implicando a nulidade de Q ∞ k=1 ak. 2. A convergência absoluta de P ∞ n=N+1 log an assegura que a produtória Q ∞ k=1 ak é invariante por permutações dos ı́ndices. ♣ Prova da Proposição 5.3. Seja z ∈ C com |z| < 1. Sabemos que log(1 + z) = ∑∞m=1 (−1)m+1zm m . Logo, | log(1 + z)| ≤ ∑∞ m=1 |z|m = |z| 1−|z| . Assim, para |z| < 1/2, teremos | log(1 + z)| < 2|z|. Se ∑∞ n=1 |an − 1| converge, então existe N ∈ N tal que |an − 1| < 1/2 para todo n ≥ N . Escrevendo log an = log ( 1+ (an−1) ) conclúımos que ∣ ∣ log an ∣ ∣ < 2|an−1| para todo n ≥ N . Essa desigualdade, junto à hipótese que ∑∞ n=1 |an−1| < ∞, implica que ∑∞ n=N+1 log an converge absolutamente. Para M > N temos M∏ k=1 ak = [ N∏ k=1 ak ] exp ( M∑ n=N+1 log an ) e a convergência absoluta de ∞∑ n=N+1 log an implica a existência do limite lim M→∞ M∏ k=1 ak. A Proposição 5.3 tem um corolário extremamente útil que diz respeito a produtórias de funções anaĺıticas em um domı́nio compacto comum. Corolário 5.1 Seja { an(z), n ∈ N } uma seqüência de funções anaĺıticas em um domı́nio compacto comum K ⊂ C e suponhemos que ∞∑ n=1 sup z∈ K |an(z)−1| < ∞. Então, a produtória infinita ∞∏ k=1 ak(z) converge uniformemente em K e define nesse domı́nio uma função anaĺıtica. Essa função pode ser escrita como ∞∏ k=1 ak(z) = [ N∏ k=1 ak(z) ] exp ( ∞∑ n=N+1 log an(z) ) para todo N ∈ N suficientemente grande, sendo que ∑∞ n=N+1 log an(z) converge absoluta e uniformemente em K e define uma função anaĺıtica nesse domı́nio. 2
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