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A geografia cultural e a história, Notas de estudo de Geografia

GEOGRAFIA CULTURAL

Tipologia: Notas de estudo

2010
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Compartilhado em 13/09/2010

mario-cesar-9
mario-cesar-9 🇧🇷

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Baixe A geografia cultural e a história e outras Notas de estudo em PDF para Geografia, somente na Docsity! ✺ ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, Nº. 19-20, P. 23-32, JAN./DEZ. DE 2005 23 A GEOGRAFIA CULTURAL E A HISTÓRIA: UMA LEITURA A PARTIR DA OBRA DE DAVID LOWENTHAL WERTHER HOLZER - DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA / UFF RESUMO O TEXTO EXPLORA, NA TRAJETÓRIA DE LOWENTHAL, A RECORRÊNCIA DA DISCUSSÃO SOBRE CONCEITOS ESPACIAIS, EM ESPECIAL OS DE AMBIENTE E PAISAGEM, A PARTIR DE UM ENFOQUE NO QUAL A HISTÓRIA E A MEMÓRIA SÃO O FIO CONDUTOR DA ANÁLISE QUE PROCURA ESCLARECER O PAPEL DA EXPERIÊNCIA E DA IMAGINAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DAS NOÇÕES GEOGRÁFICAS. NESTA ANÁLISE SÃO ENFOCADAS ALGUMAS OBRAS IMPORTANTES DO AUTOR, COMO GEORGE PERKINS MARSH: VERSATILE VERMOUNTER, THE PAST IS A FOREIGN COUNTRY E GEORGE PERKINS MARSH: PROPHET OF CONSERVATION, EM QUE É RETOMADA A VISÃO DE LOWENTHAL DA GEOGRAFIA COMO AQUELA QUE, JUNTO COM A HISTÓRIA, ESTUDA SEMPRE UM PAÍS ESTRANGEIRO, MOSTRANDO QUE AS AÇÕES HUMANAS PODEM TER CONSEQÜÊNCIAS INIMAGINÁVEIS SOBRE O ESPAÇO E NOSSAS VIDAS. PALAVRAS-CHAVE: DAVID LOWENTHAL, GEOGRAFIA CULTURAL-HUMANISTA, GEOGRAFIA HISTÓRICA. Minha proposta aqui é abordar as relações entre a Geografi a Cultural e a História, a partir da obra de David Lowenthal e conseqüentemente de George Perkins Marsh e Carl Sauer. Escolhi como parâmetro inicial de análise a proposta de Peirce Lewis para aquilo que chamou de “axioma histórico”: Ao tentar decifrar o signifi cado de paisagens contem- porâneas e do que ‘falam’ sobre nós (...), a História nos interessa. Ou seja, fazemos o que fazemos e produzimos o que produzimos, porque nossos fazeres e produtos são herança de nosso passado (...). Grande parte da paisagem comum foi construída por pes- soas no passado, cujos gostos, hábitos, tecnologia, opulência e ambição eram diferentes dos nossos. (...) Para compreender estes objetos é necessário entender as pessoas que os construíram — nossos ancestrais culturais — em seu contexto cultural, não no nosso (Lewis, 1979:23). De que História Lewis fala? Certamente não só daquela voltada para as grandes estruturas temporais ou cronológicas, para os fatos tratados, digamos, no atacado, mas também, e principalmente, de ocorrên- cias menores, do cotidiano, dos fatos guardados na memória, das versões, dos vestígios, que vão permitir uma aproximação com a paisagem em que palpita o mundo vivido dos que lá estão ou estiveram. Fala de um movimento de renovação da Geografi a Cultural, ansiosa por um aprofundamento conceitual das questões relativas ao espaço e ao tempo. Um dos caminhos desta renovação se autode- nominou Geografi a Humanística ou, como preferiu Tuan a partir de um certo momento, Cultural-Hu- ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, Nº. 19-20, P. 23-33, JAN./DEZ. DE 200524 manista, com a proposta de valorizar especialmente dois conceitos espaciais, lugar e paisagem, que podem, e devem, ser respectivamente associados à memória e ao “mundo vivido”. Na investigação aqui proposta há um parâmetro teórico-fenomenológico orientando a discussão. Refere-se à espacialidade humana, remetendo-se às facticidades, como observa Merleau-Ponty: O espaço e, geralmente, a percepção marcam no coração do sujeito o fato de seu nascimento, a contribuição perpétua de sua corporeidade, uma comunicação com o mundo mais velha que o pensa- mento — a posição de um nível é o esquecimento desta contingência e o espaço está assentado sobre nossa facticidade — não é o objeto nem a operação constituinte (1971:260). A busca da facticidade envolve a memória dos fa- tos diluídos no tempo, que nos remete à uma História possuidora de um fundamento fenomenológico. Uma História que pode estar voltada para o estudo do tempo e da memória na construção de uma episte- mologia, para não dizer ontologia, da Geografi a. Merleau-Ponty (1973), referindo-se a Husserl, aponta que na fenomenologia a primeira etapa do trabalho do historiador, como de todos os outros cientistas, é defi nir as categorias e essências nele envolvidas. Mas o estudo dos fatos não é em si sufi ci- ente para julgar uma idéia, o que não implica apenas uma refl exão sobre as essências, esquecendo-se das atividades cotidianas ligadas à existência. Deve-se procurar uma “gênese do sentido” (sinn genesis). No caso da História, esta busca não deve se reduzir a uma simples análise cronológica dos acontecimentos, mas sim colocar em perspectiva seus signifi cados. Isto seria a “História intencional” , como a chamava Hus- serl, que pode ser associada à dialética: uma História que não se limita a estudar as características de de- terminada cultura ou civilização, mas que se refere ao “presente vivo” (lebendige gegenwart), ou seja, ao passado a que estamos vinculados. Essa História remete, antes de tudo, às vivências do passado, àquele “país estrangeiro” do qual os geógrafos não conhecem bem a língua e os costumes (Lowenthal, 1985). David Lowenthal é mais que um precursor, é um dos principais idealizadores da hoje chamada Geo- grafi a Cultural-Humanista. Sua obra se consolida ao longo da década de 1960, caracterizando-se pelo vanguardismo de suas propostas e, como veremos adiante, contribuiu para os novos contornos ganhos pela Geografi a. Também foi um agente importante naquele momento de franco intercâmbio em que a Geografi a Cultural, direcionada por uma agenda de reconstrução teórico-conceitual, debateu seus princípios com a Geografi a Comportamental, que começava a se consolidar como subcampo de pesqui- sas, muito mais devido à sua preocupação em desven- dar o funcionamento da percepção humana (com uma busca constante da interdisciplinaridade no campo da Antropologia, Literatura e, principalmente, da Psicologia) do que pelas questões epistemológicas que eram fundamentais em seu pensamento. Nascido em 1923, Lowenthal se graduou em Har- vard, fazendo em seguida mestrado em História na Universidade de Berkeley. Sua tese de doutoramento foi orientada por Carl Sauer, defendida em Wisconsin e versava sobre George Perkins Marsh. Mais tarde, foi publicada pela Universidade de Colúmbia (Lowen- thal, 1958). Em 1956 foi lecionar na Universidade das Índias Ocidentais, onde permaneceu até 1965 dividindo seu tempo com o Institute of Race Relations de Londres. Resultou desta experiência a publicação ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, Nº. 19-20, P. 23-33, JAN./DEZ. DE 2005 27 Marsh, um autodidata que falava vinte línguas, era advogado, editor, fazendeiro, professor e político que terminou sua vida como diplomata-embaixador na Turquia (1843-1849) e na Itália (1861-1882), onde faleceu. Hoje Marsh é mais citado que seu biógrafo, que, aliás, voltou à sua obra produzindo um novo livro, intitulado George Perkins Marsh: Prophet of Conservation (Lowenthal, 2000), no qual revisa sua biografi a publicada há mais de quarenta anos, enfatizando agora o pioneirismo de Marsh como conservacionista. Foi o primeiro a descrever a in- terdependência das relações sociais e ambientais. Como Humboldt, que considerava a descrição da natureza profundamente entrelaçada com a história. Como Lyell, que em seus Princípios de Geologia afi rmava que o mundo não havia sido formado por grandes catástrofes, como o dilúvio, mas por proces- sos naturais graduais e ainda ativos, como o vento, erosão pluvial, vulcões e terremotos. Como Darwin que, parcialmente infl uenciado por Lyell, em sua Teoria da Seleção Natural questionou a imobilidade e estanqueidade atribuída aos seres vivos, impondo- nos a nova temporalidade da evolução. Marsh talvez tenha sido o primeiro a sugerir que os homens são agentes da mudança ambiental ou “agentes de distúrbios” (disturbing agents). Redefi niu o transcendentalismo preconizado por seu primo James Marsh, reitor da Universidade do Vermount, que unia o idealismo ao pragmatismo. Não era um conservacionista, ou um primitivista, como outros transcendentalistas norte-americanos. Admirava a natureza, mas acreditava que o selvagem deveria ser domesticado. Advogava decisões baseadas na prática e no aumento do comando sobre a natureza. Posição, por sinal, destacada por Lowenthal (2000) em sua biografi a mais recente. Falando sobre a juventude de Marsh no Vermount, Lowenthal destaca essa temporalidade cambiante de um ambiente em rápida transformação, como infl uência marcante da elaboração de Man and Nature: Este não era um panorama estático, mas de fl uxos incessantes, transformado rapidamente pelas forças que George Marsh descreveu de forma memorável em Man and Nature. Trinta anos de desmatamento e plantio converteram os bosques das bases dos montes que cercam Woodstock em campos e pastagens. Nas partes altas, nas vertentes abruptas a fl oresta também recuou, com a demanda por combustível e os efeitos do desregramento dos pioneiros, que cobraram seu preço. O escoamento da chuva e da neve nas encostas aceleraram a erosão, exau- rindo os suprimentos abundantes de peixe e caça. Enchentes constantes destruíram pontes e moendas (Lowenthal, 2000:4). É exatamente na História que Marsh procurara as raízes da destruição ambiental promovida pela ação humana. Seu exemplo paradigmático é o Império Romano que, segundo o autor, promoveu sua própria destruição a partir de relações sociais impostas aos povos conquistados. Nestas relações se desconhe- ciam os elos entre as sociedades locais e seus ambi- entes, ou seja, a imposição de novos costumes sem considerar seu impacto levou à ruína do ambiente. Como conclusão: A ação humana (...), realizada segundo os modos aqui descritos, é incapaz de medir sua conseqüência imediata, e mais ainda sua conseqüência fi nal. No entanto, nossa incapacidade de atribuir valores defi nitivos às causas dos distúrbios nos arranjos nat- urais não é motivo para ignorarmos sua existência ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, Nº. 19-20, P. 23-33, JAN./DEZ. DE 200528 em qualquer visão geral das relações entre homem e natureza, e não podemos justifi cá-las assumindo-as como insignifi cantes porque sua medição é desconhe- cida, ou inclusive porque efeito físico algum pode ser traçado agora para isso desde suas origens. (...) A compilação dos fenômenos deve preceder sua análise, e cada fato novo ilustrativo da ação e reação entre a humanidade e o mundo material a seu redor é um novo passo em direção à determinação da grande questão, se o homem está na natureza material ou além dela (Marsh, 2004). O conhecimento aprofundado de Lowenthal sobre a obra de Marsh teve ocasião de ser con- frontado com sua experiência enquanto professor da Universidade das Índias Ocidentais. Em artigo intitulado “Caribbean Views of Caribbean Land”, o autor observa que diferentemente de outros locais onde os aspectos da vida humana estão ligados ao meio, no Caribe a associação entre o homem e a terra se expressa unicamente em termos de merca- doria (Lowenthal, 1961). Essa visão economicista do território é, no en- tanto, rechaçada pelo autor, sua explicação se volta para os fundamentos desta apropriação capitalista do território, a de que há uma inveterada discordância entre certas terras do Caribe e seus habitantes: (...) Resumindo, o Caribe é um lugar mas não um povo. Lembra generalização étnica, social ou cultural: forma alguma de assentamento, tipo algum de economia, língua alguma, religião, ou grupo étnico únicos, padrão algum consistente de costumes nem sistema predominante de valores (Lowenthal, 1961:1). No Caribe todos são estrangeiros, pois os nativos foram aniquilados; as ilhas são dirigidas por governos alheios problemas locais; os proprietários vêem as ter- ras como simples fontes de dinheiro. Como resultado, as ligações com a terra são desprezadas, ao menos pela elite. Para os nativos pobres, signifi ca liberdade para os núcleos de escravos fugitivos. Signifi ca também solidariedade comunitária, prestígio individual e fonte de inspiração e recreação. A Geografi a deve procurar na História os motivos desta falta de identidade ter- ritorial e, ao mesmo tempo, procurar na memória as profundas ligações dos desfavorecidos com essa terra para onde foram arrastados à força. Publicada no mesmo ano, Geography, Experi- ence and Imagination: Towards a Geographical Epistemology (Lowenthal, 1961), versão do trabalho apresentado no XIX Congresso Internacional de Geografi a, realizado em 1960 em Estocolmo, retoma questões enunciadas por Wright (1947) havia uma década: o estudo das novas terras incógnitas de nossa mente, de suas imagens, e sua relação com o mundo exterior (Lowenthal, 1961). Nesta proposta que pretendia estabelecer no- vos parâmetros epistemológicos para a Geografi a, Lowenthal recorreu a artigos de diversos profi ssion- ais: antropólogos, arquitetos, escritores e psicólogos, entre outros. Sua advertência inicial não pretendia se ater aos métodos da disciplina, mas sim realizar um ensaio sobre a teoria do conhecimento geográfi co. Fazer uma pesquisa epistemológica (...) que se preo- cupa com todo o pensamento geográfi co, científi co e outros: como é adquirido, transmitido, alterado e integrado a sistemas conceituais, e como seu horizonte varia entre indivíduos e grupos. Especifi camente, é um estudo daquilo que Wright chama de geosofi a (Lowenthal, 1961:241, nota 2). ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, Nº. 19-20, P. 23-33, JAN./DEZ. DE 2005 29 Baseia-se na idéia de que a curiosidade geográ- fi ca, assim como a curiosidade humana em geral, enfoca o conhecimento e idéias acerca do homem e seu meio (Lowenthal, 1961:242). Desse modo, os pontos de vista que se relacionam com as formas e conteúdos variáveis da Terra motivados por expec- tativas que variam temporalmente, e com fatos que agrupamos ou que nos aparecem isolados e amorfos gerarão aspectos universalmente aceitos sobre o mundo. Por outro lado, esta nossa visão do mundo só é compartilhada segundo algumas pré-condições, como as de gênero e idade, que a tornam transitória, mudando a cada geração, apesar da capacidade do passado de retardar a mudança no consenso geral (Lowenthal, 1961b:246). Essas elaborações teóricas estão ligadas às idéias de Wright – também um geógrafo voltado para o estudo da História, um medievalista – sobre a im- portância da Microgeografi a. Lowenthal comenta as proposições de seu antecessor: A terra cognita pessoal é (...), de muitos modos, distinta do domínio compartilhado do conhecimento. É muito mais localizada e restrita ao espaço e ao tempo. (...) Trata-se de partes de mundos pessoais não incorporados à imagem geral. Tanto territorialmente como de qualquer outra maneira, cada ambiente pessoal é ao mesmo tempo mais e menos inclusivo que o senso comum (Lowenthal, 1961:248). Será a história, a partir do compartilhamento da experiência, aquilo que balizará nossas ações no espaço? Pois: Embora os ambientes pessoais em alguns aspectos estejam aquém e em outros transcendam a realidade consensual mais objetiva, se assemelham, ao menos em parte, a ela. O que as pessoas percebem pertence sempre ao mundo “real” compartilhado por todos. (...) Entretanto, independente de estarmos parados ou em movimento, nosso ambiente está sujeito à brusca e muitas vezes drástica mudança. Conse- qüentemente, precisamos aprender a ver as coisas não apenas como são, mas também como poderão vir a ser (Lowenthal, 1961:249). O passado, então, é determinante da constitu- ição de nossa visão de mundo. Segundo o autor: “O conhecimento pessoal, assim como o geográfi co, é uma forma de ocupação seqüencial. Assim como uma paisagem ou um ser vivo, cada mundo pes- soal teve um curso no tempo, uma história própria” (Lowenthal, 1961:258). Quase quinze anos seriam dedicados por Lowen- thal à procura de fundamentação, digamos, empírica para sua proposta epistemológica. Neste estudo as humanidades e as artes, como rico material que relaciona as facticidades pessoais às coletivas, foram objeto privilegiado de análise. Desse modo, a rela- ção profunda, para não falar indissolúvel, entre a paisagem inglesa e os gostos de seu povo, com os aspectos mais triviais de sua cultura, é analisada em dois artigos fundamentais: “The English Landscape” (Lowenthal e Prince, 1964) e “English Landscape Tastes” (Lowenthal e Prince, 1965). A conquista pelos europeus do espaço americano e, em contra- partida, sua submissão a novos cânones espaciais são analisadas magistralmente em “The American Scene” (Lowenthal, 1968), “The Place of the Past in American Landscape” (Lowenthal, 1976) e “The Bicentennial Landscape: a Mirror Held Up the Past”
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