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Guias e Dicas
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Nosso Lar - Chico Xavier, Notas de estudo de Literatura

Nosso Lar - Chico Xavier

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 13/09/2010

izabele-caroline-rodrigues-gomes-4
izabele-caroline-rodrigues-gomes-4 🇧🇷

4.3

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Baixe Nosso Lar - Chico Xavier e outras Notas de estudo em PDF para Literatura, somente na Docsity! Nosso Lar (OBRA MEDIÚNICA) I Série André Luiz I - Nosso Lar II - Os Mensageiros III - Missionários da Luz IV - Obreiros da Vida Eterna V - No Mundo Maior VI - Agenda Cristã VII - Libertação VIII - Entre a Terra e o Céu IX - Nos Domínios da Mediunidade X - Ação e Reação XI - Evolução em Dois Mundos XII - Mecanismos da Mediunidade XIII - Conduta Espírita XIV - Sexo e Destino XV - Desobsessão XVI - E a Vida Continua... 7 ÍNDICE Novo Amigo 9 Mensagem de André Luiz 13 1 - Nas zonas inferiores 17 2 - Clarêncio 21 3 - A oração coletiva 26 4 - O médico espiritual 31 5 - Recebendo assistência 36 6 - Precioso aviso 41 7 - Explicações de Lísias 45 8 - Organização de serviços 50 9 - Problema de alimentação 54 10 - No bosque das águas 59 11 - Notícias do plano 64 12 - O Umbral 69 13 - No gabinete do ministro 74 14 - Elucidações de Clarêncio 80 15 - A visita materna 85 16 - Confidências 90 17 - Em casa de Lísias 95 18 - Amor, alimento das almas 100 19 - A jovem desencarnada 105 20 - Noções de lar 110 8 21 - Continuando a palestra 115 22 - O bônus-hora 120 23 - Saber ouvir 126 24 - O impressionante apelo 131 25 - Generoso alvitre 136 26 - Novas perspectivas 141 27 - O trabalho, enfim 146 28 - Em serviço 152 29 - A visão de Francisco 157 30 - Herança e eutanásia 162 31 - Vampiro 168 32 - Notícias de Veneranda 175 33 - Curiosas observações 180 34 - Com os recém-chegados do Umbral 185 35 - Encontro singular 190 36 - O sonho 195 37 - A preleção da ministra 200 38 - O caso Tobias 207 39 - Ouvindo a senhora Laura 214 40 - Quem semeia colherá 219 41 - Convocados à luta 225 42 - A palavra do Governador 231 43 - Em conversação 237 44 - As trevas 242 45 - No campo da música 247 46 - Sacrifício de mulher 253 47 - A volta de Laura 259 48 - Culto familiar 264 49 - Regressando à casa 270 50 - Cidadão de "Nosso Lar" 276 9 Novo amigo Os prefácios, em geral, apresentam autores, exaltando-lhes o mérito e comentando-lhes a personalidade. Aqui, porém, a situação é diferente. Embalde os companheiros encarnados procurariam o médico André Luiz nos catálogos da convenção. Por vezes, o anonimato é filho do legítimo entendimento e do verdadeiro amor. Para redimirmos o passado escabroso, modificam-se tabelas da nomenclatura usual na reencarnação. Funciona o esquecimento temporário como bênção da Divina Misericórdia. André precisou, igualmente, cerrar a cortina sobre si mesmo. É por isso que não podemos apresentar o médico terrestre e autor humano, mas sim o novo amigo e irmão na eternidade. Por trazer valiosas impressões aos companheiros do mundo, necessitou despojar-se de todas as convenções, inclusive a do próprio nome, para não ferir corações amados, envolvidos ainda nos velhos mantos da ilusão. Os que colhem as espigas maduras, não devem ofender os que plantam a distância, nem perturbar a lavoura verde, ainda em flor. 13 Mensagem de André Luiz A vida não cessa. A vida é fonte eterna e a morte é jogo escuro das ilusões. O grande rio tem seu trajeto, antes do mar imenso. Copiando-lhe a expressão, a alma percorre igualmente caminhos variados e etapas diversas, também recebe afluentes de conhecimentos, aqui e ali, avoluma-se em expressão e purifica-se em qualidade, antes de encontrar o Oceano Eterno da Sabedoria. Cerrar os olhos carnais constitui operação demasiadamente simples. Permutar a roupagem física não decide o problema fundamental da iluminação, como a troca de vestidos nada tem que ver com as soluções profundas do destino e do ser. Oh! caminhos das almas, misteriosos caminhos do coração! É mister percorrer-vos, antes de tentar a suprema equação da Vida Eterna! É indispensável viver o vosso drama, conhecer-vos detalhe a detalhe, no longo processo do aperfeiçoamento espiritual!... Seria extremamente infantil a crença de que o simples "baixar do pano" resolvesse transcendentes questões do Infinito. 14 Uma existência é um ato. Um corpo - uma veste. Um século - um dia. Um serviço - uma experiência. Um triunfo - uma aquisição. Uma morte - um sopro renovador. Quantas existências, quantos corpos, quantos séculos, quantos serviços, quantos triunfos, quantas mortes necessitamos ainda? E o letrado em filosofia religiosa fala de deliberações finais e posições definitivas! Ai! por toda parte, os cultos em doutrina e os analfabetos do espírito! É preciso muito esforço do homem para ingressar na academia do Evangelho do Cristo, ingresso que se verifica, quase sempre, de estranha maneira - ele só, na companhia do Mestre, efetuando o curso difícil, recebendo lições sem cátedras visíveis e ouvindo vastas dissertações sem palavras articuladas. Muito longa, portanto, nossa jornada laboriosa. Nosso esforço pobre quer traduzir apenas uma idéia dessa verdade fundamental. Grato, pois, meus amigos! Manifestamo-nos, junto vós outros, no anonimato que obedece à caridade fraternal. A existência humana apresenta grande maioria de vasos frágeis, que não podem conter ainda toda a verdade. Aliás, não nos interessaria, agora, senão a experiência profunda, com os seus valores coletivos. Não atormentaremos alguém com a idéia da eternidade. Que os vasos se fortaleçam, em primeiro lugar. Forneceremos, somente, algumas ligeiras notícias ao espírito sequioso dos nossos irmãos na 15 senda de realização espiritual, e que compreendem conosco que "o espírito sopra onde quer". E, agora, amigos, que meus agradecimentos se calem no papel, recolhendo-se ao grande silêncio da simpatia e da gratidão. Atração e reconhecimento, amor e júbilo moram na alma. Crede que guardarei semelhantes valores comigo, a vosso respeito, no santuário do coração. Que o Senhor nos abençoe. ANDRÉ LUIZ 19 NOSSO LAR através da crítica de escritores menos afeitos ao sentimento e à consciência, ou em pleno desacordo com as verdades essenciais. Noutras ocasiões, interpretava-as com o sacerdócio organizado, sem sair jamais do círculo de contradições, onde estacionara voluntariamente. Em verdade, não fora um criminoso, no meu próprio conceito. A filosofia do imediatismo, porém, absorvera-me. A existência terrestre, que a morte transformara, não fora assinalada de lances diferentes da craveira comum. Filho de pais talvez excessivamente generosos, conquistara meus títulos universitários sem maior sacrifício, compartilhara os vícios da mocidade do meu tempo, organizara o lar, conseguira filhos, perseguira situações estáveis que garantissem a tranqüilidade econômica do meu grupo familiar, mas, examinando atentamente a mim mesmo, algo me fazia experimentar a noção de tempo perdido, com a silenciosa acusação da consciência. Habitara a Terra, gozara-lhe os bens, colhera as bênçãos da vida, mas não lhe retribuíra ceitil do débito enorme. Tivera pais, cuja generosidade e sacrifícios por mim nunca avaliei; esposa e filhos que prendera, ferozmente, nas teias rijas do egoísmo destruidor. Possuíra um lar que fechei a todos os que palmilhavam o deserto da angústia. Deliciara-me com os júbilos da família, esquecido de estender essa benção divina à imensa família humana, surdo a comezinhos deveres de fraternidade. Enfim, como a flor de estufa, não suportava agora o clima das realidades eternas. Não desenvolvera os germes divinos que o Senhor da Vida colocara em minhalma. Sufocara-os, criminosamente, no desejo incontido de bem estar. Não adestrara órgãos para a vida nova. Era justo, pois, que aí despertasse à maneira de aleijado que, restituído ao rio infinito da eternidade, não pudesse 20 NOSSO LAR acompanhar senão compulsoriamente a carreira incessante das águas; ou como mendigo infeliz, que, exausto em pleno deserto, perambula à mercê de impetuosos tufões. Oh! amigos da Terra! quantos de vós podereis evitar o caminho da amargura com o preparo dos campos interiores do coração? Acendei vossas luzes antes de atravessar a grande sombra. Buscai a verdade, antes que a verdade vos surpreenda. Suai agora para não chorardes depois. 21 2 CLARÊNCIO "Suicida! Suicida! Criminoso! Infame!" - gritos assim, cercavam-me de todos os lados. Onde os sicários de coração empedernido? Por vezes, enxergava-os de relance, escorregadios na treva espessa e, quando meu desespero atingia o auge, atacava-os, mobilizando extremas energias. Em vão, porém, esmurrava o ar nos paroxismos da cólera. Gargalhadas sarcásticas feriam-me os ouvidos, enquanto os vultos negros desapareciam na sombra. Para quem apelar? Torturava-me a fome, a sede me escaldava. Comezinhos fenômenos da experiência material patenteavam-se-me aos olhos. Crescera-me a barba, a roupa começava a romper-se com os esforços da resistência, na região desconhecida. A circunstância mais dolorosa, no entanto, não é o terrível abandono a que me sentia votado, mas o assédio incessante de forças perversas que me assomavam nos caminhos ermos e obscuros. Irritavam-me, aniquilavam-me a possibilidade de concatenar idéias. Desejava ponderar maduramente a situação, esquadrinhar razões e estabelecer novas diretrizes ao pensamento, mas aquelas vozes, aqueles la- 24 NOSSO LAR cido? Não era, igualmente, filho de Deus, embora não cogitasse de conhecer-lhe a atividade sublime quando engolfado nas vaidades da experiência humana? Por que não me perdoaria o Eterno Pai, quando providenciava ninho às aves inconscientes e protegia, bondoso, a flor tenra dos campos agrestes? Ah! é preciso haver sofrido muito, para entender todas as misteriosas belezas da oração; é necessário haver conhecido o remorso, a humilhação, a extrema desventura, para tomar com eficácia o sublime elixir de esperança. Foi nesse instante que as neblinas espessas se dissiparam e alguém surgiu, emissário dos Céus. Um velhinho simpático me sorriu paternalmente. Inclinou--se, fixou nos meus os grandes olhos lúcidos, e falou: - Coragem, meu filho! O Senhor não te desampara. Amargurado pranto banhava-me a alma toda. Emocionado, quis traduzir meu júbilo, comentar a consolação que me chegava, mas, reunindo todas as forças que me restavam, pude apenas inquirir: - Quem sois, generoso emissário de Deus? O inesperado benfeitor sorriu bondoso e respondeu: - Chama-me Clarêncio, sou apenas teu irmão. E, percebendo o meu esgotamento, acrescentou: - Agora, permanece calmo e silencioso. É preciso descansar para reaver energias. Em seguida, chamou dois companheiros que guardavam atitude de servos desvelados e ordenou: - Prestemos ao nosso amigo os socorros de emergência. Alvo lençol foi estendido ali mesmo, à guisa de maca improvisada, aprestando-se ambos os cooperadores a transportarem-me, generosamente. 25 NOSSO LAR Quando me alçavam, cuidadosos, Clarêncio meditou um instante e esclareceu, como quem recorda inadiável obrigação: - Vamos sem demora. Preciso atingir "Nosso Lar" com a presteza possível. 26 3 A ORAÇÃO COLETIVA Embora transportado à maneira de ferido comum, lobriguei o quadro confortante que se desdobrava à minha vista. Clarêncio, que se apoiava num cajado de substância luminosa, deteve- se à frente de grande porta encravada em altos muros, cobertos de trepadeiras floridas e graciosas. Tateando um ponto da muralha, fez-se longa abertura, através da qual penetramos, silenciosos. Branda claridade inundava ali todas as coisas. Ao longe, gracioso foco de luz dava a idéia de um pôr do sol em tardes primaveris. A medida que avançávamos, conseguia identificar preciosas construções, situadas em extensos jardins. Ao sinal de Clarêncio, os condutores depuseram, devagarinho, a maca improvisada. A meus olhos surgiu, então, a porta acolhedora de alvo edifício, à feição de grande hospital terreno. Dois jovens, envergando túnicas de níveo linho, acorreram pressurosos ao chamado de meu benfeitor, e quando me acomodavam num leito de emergência, para me conduzirem cuidadosamente ao interior, ouvi o generoso ancião recomendar, carinhoso: 29 NOSSO LAR dissimulava eu a surpresa inexcedível. Todos os circunstantes, atentos, pareciam aguardar alguma coisa. Contendo a custo numerosas indagações que me esfervilhavam na mente, notei que ao fundo, em tela gigantesca, desenhava-se prodigioso quadro de luz quase feérica. Obedecendo a processos adiantados de televisão, surgiu o cenário de templo maravilhoso. Sentado em lugar de destaque, um ancião coroado de luz fixava o Alto, em atitude de prece, envergando alva túnica de irradiações resplandecentes. Em plano inferior, setenta e duas figuras pareciam acompanhá-lo em respeitoso silêncio. Altamente surpreendido, reparei Clarêncio participando da assembléia, entre os que cercavam o velhinho refulgente. Apertei o braço do enfermeiro amigo, e, compreendendo ele que minhas perguntas não se fariam esperar, esclareceu em voz baixa, que mais se assemelhava a leve sopro: - Conserve-se tranqüilo. Todas as residências e instituições de "Nosso Lar" estão orando com o Governador, através da audição e visão a distância. Louvemos o Coração Invisível do Céu. Mal terminara a explicação, as setenta e duas figuras começaram a cantar harmonioso hino, repleto de indefinível beleza. A fisionomia de Clarêncio, no círculo dos veneráveis companheiros, figurou-se-me tocada de mais intensa luz. O cântico celeste constituía-se de notas angelicais, de sublimado reconhecimento. Pairavam no recinto misteriosas vibrações de paz e de alegria e, quando as notas argentinas fizeram delicioso staccato, desenhou-se ao longe, em plano elevado, um coração maravilhosamente azul (1), com estrias douradas. Cariciosa __________ (1) - Imagem simbólica formada pelas vibrações mentais dos habitantes da colônia. - (Nota do Autor espiritual.) 30 NOSSO LAR música, em seguida, respondia aos louvores, procedente talvez de esferas distantes. Foi aí que abundante chuva de flores azuis se derramou sobre nós; mas, se fixávamos os miosótis celestiais, não conseguíamos detê-los nas mãos. As corolas minúsculas desfaziam-se de leve, ao tocar-nos a fronte, experimentando eu, por minha vez, singular renovação de energias ao contacto das pétalas fluídicas que me balsamizavam o coração. Terminada a sublime oração, regressei ao aposento de enfermo, amparado pelo amigo que me atendia de perto. Entretanto, não era mais o doente grave de horas antes. A primeira prece coletiva, em "Nosso Lar", operara em mim completa transformação. Conforto inesperado envolvia-me a alma. Pela primeira vez, depois de anos consecutivos de sofrimento, o pobre coração, saudoso e atormentado, à maneira de cálice muito tempo vazio, enchera-se de novo das gotas generosas do licor da esperança. 31 4 O MÉDICO ESPIRITUAL No dia imediato, após reparador e profundo repouso, experimentei a bênção radiosa do Sol amigo, qual suave mensagem ao coração. Claridade reconfortante atravessava ampla janela, inundando o recinto de cariciosa luz. Sentia-me outro. Energias novas tocavam-me o íntimo. Tinha a impressão de sorver a alegria da vida, a longos haustos. Na alma, apenas um ponto sombrio - a saudade do lar, o apego à família que ficara distante. Numerosas interrogações pairavam-me na mente, mas tão grande era a sensação de alívio que eu sossegava o espírito, longe de qualquer interpelação. Quis levantar-me, gozar o espetáculo da Natureza cheia de brisas e de luz, mas não o consegui e concluí que, sem a cooperação magnética do enfermeiro, tornava-se-me impossível deixar o leito. Não voltara a mim das surpresas consecutivas, quando se abriu a porta e vi entrar Clarêncio acompanhado por simpático desconhecido. Cumprimentaram-me, atenciosos, desejando-me paz. Meu benfeitor da véspera indagou do meu estado geral. Acorreu o enfermeiro, prestando informações. 34 NOSSO LAR relação de fenômenos naturais. Deparava-se-me, porém, agora, outro sistema de verificação das faltas cometidas. Não me defrontavam tribunais de tortura, nem me surpreendiam abismos infernais; contudo, benfeitores sorridentes comentavam-me as fraquezas como quem cuida de uma criança desorientada, longe das vistas paternas. Aquele interesse espontâneo, no entanto, feria-me a vaidade de homem. Talvez que, visitado por figuras diabólicas a me torturarem, de tridente nas mãos, encontrasse forças para tornar a derrota menos amarga. Todavia, a bondade exuberante de Clarêncio, a inflexão de ternura do médico, a calma fraternal do enfermeiro, penetravam-me fundo o espírito. Não me dilacerava o desejo de reação; doía-me a vergonha. E chorei. Rosto entre as mãos, qual menino contrariado e infeliz, pus-me a soluçar com a dor que me parecia irremediável. Não havia como discordar. Henrique de Luna falava com sobejas razões. Por fim, abafando os impulsos vaidosos, reconheci a extensão de minhas leviandades de outros tempos. A falsa noção da dignidade pessoal cedia terreno à justiça. Perante minha visão espiritual só existia, agora, uma realidade torturante: era verdadeiramente um suicida, perdera o ensejo precioso da experiência humana, não passava de náufrago a quem se recolhia por caridade. Foi então que o generoso Clarêncio, sentando-se no leito, a meu lado, afagou-me paternalmente os cabelos e falou comovido: - Oh! meu filho, não te lastimes tanto. Busquei-te atendendo à intercessão dos que te amam, dos planos mais altos. Tuas lágrimas atingem seus corações. Não desejas ser grato, mantendo-te tranqüilo no exame das próprias faltas? Na verdade, tua posição é a do suicida inconsciente; mas é necessário reconhecer que centenas de criaturas se ausentam diariamente da Terra, nas mes- 35 NOSSO LAR mas condições. Acalma-te, pois. Aproveita os tesouros do arrependimento, guarda a bênção do remorso, embora tardio, sem esquecer que a aflição não resolve problemas. Confia no Senhor e em nossa dedicação fraternal. Sossega a alma perturbada, porque muitos de nós outros já perambulamos igualmente nos teus caminhos. Ante a generosidade que transbordava dessas palavras, mergulhei a cabeça em seu colo paternal e chorei longamente. 36 5 RECEBENDO ASSISTÊNCIA - É você o tutelado de Clarêncio? A pergunta vinha de um jovem de singular e doce expressão. Grande bolsa pendente da mão, como quem conduzia apetrechos de assistência, endereçava-me ele sorriso acolhedor. Ao meu sinal afirmativo, mostrou-se à vontade e, maneiras fraternas, acentuou: - Sou Lísias, seu irmão. Meu diretor, o assistente Henrique de Luna, designou-me para servi-lo, enquanto precisar tratamento. - É enfermeiro? - indaguei. - Sou visitador dos serviços de saúde. Nessa qualidade, não só coopero na enfermagem, como também assinalo necessidades de socorro, ou providências que se refiram a enfermos recém-chegados. Notando-me a surpresa, explicou: - Nas minhas condições há numerosos servidores em "Nosso Lar". O amigo ingressou agora na colônia e, naturalmente, ignora a amplitude dos nossos trabalhos. Para fazer uma idéia, basta lembrar que apenas aqui, 39 NOSSO LAR substituindo-as por laços sagrados de amor. Não seria justo impor a outrem a tarefa de mondar o campo que semeamos de espinhos, com as próprias mãos. Abanando a cabeça, acrescentava: - Caso dos muitos chamados, meu caro. O Senhor não esquece homem algum; todavia, raríssimos homens o recordam. Acabrunhado com a lembrança dos próprios erros, diante de tão grandes noções de responsabilidade individual, objetei: - Como fui perverso! Contudo, antes que me alongasse noutras exclamações, o visitador colocou a destra carinhosa em meus lábios, murmurando: - Cale-se! meditemos no trabalho a fazer. No arrependimento verdadeiro é preciso saber falar, para construir de novo. Em seguida, aplicou-me passes magnéticos, atenciosamente. Fazendo os curativos na zona intestinal, esclareceu: - Não observa o tratamento especializado da zona cancerosa? Pois note bem: toda medicina honesta é serviço de amor, atividade de socorro justo; mas o trabalho de cura é peculiar a cada espírito. Meu irmão será tratado carinhosamente, sentir-se-á forte como nos tempos mais belos da sua juventude terrena, trabalhará muito e, creio, será um dos melhores colaboradores em "Nosso Lar"; entretanto, a causa dos seus males persistirá em si mesmo, até que se desfaça dos germes de perversão da saúde divina, que agregou ao seu corpo sutil pelo descuido moral e pelo desejo de gozar mais que os outros. A carne terrestre, onde abusamos, é também o campo bendito onde conseguimos realizar frutuo- 40 NOSSO LAR sos labores de cura radical, quando permanecemos atentos ao dever justo. Meditei os conceitos, ponderei a bondade divina e, na exaltação da sensibilidade, chorei copiosamente. Lísias, contudo, terminou o tratamento do dia, com serenidade, e falou: - Quando as lágrimas não se originam da revolta, sempre constituem remédio depurador. Chore, meu amigo. Desabafe o coração. E abençoemos aquelas beneméritas organizações microscópicas que são as células de carne na Terra. Tão humildes e tão preciosas, tão detestadas e tão sublimes pelo espírito de serviço. Sem elas, que nos oferecem templo à retificação, quantos milênios gastaríamos na ignorância? Assim falando, afagou-me carinhosamente a fronte abatida e despediu-se com um ósculo de amor. 41 6 PRECIOSO AVISO No dia imediato, após a oração do crepúsculo, Clarêncio me procurou em companhia do atencioso visitador. Fisionomia a irradiar generosidade, perguntou, abraçando-me: - Como vai? Melhorzinho? Esbocei o gesto do enfermo que se vê acariciado na Terra, amolecendo as fibras emotivas. No mundo, às vezes, o carinho fraterno é mal interpretado. Obedecendo ao velho vicio, comecei a explicar-me, enquanto os dois benfeitores se sentavam comodamente a meu lado: - Não posso negar que esteja melhor; entretanto, sofro intensamente. Muitas dores na zona intestinal, estranhas sensações de angústia no coração. Nunca supus fosse capaz de tamanha resistência, meu amigo. Ah! como tem sido pesada a minha cruz!... Agora que posso concatenar idéias, creio que a dor me aniquilou todas as forças disponíveis... Clarêncio ouvia, atencioso, demonstrando grande interesse pelas minhas lamentações, sem o menor gesto 44 NOSSO LAR vergem os detalhes. Nos círculos carnais, a convenção e a garantia monetária; aqui, o trabalho e as aquisições definitivas do espírito imortal. Dor, para nós, significa possibilidade de enriquecer a alma; a luta constitui caminho para a divina realização. Compreendeu a diferença? As almas débeis, ante o serviço, deitam-se para se queixarem aos que passam; as fortes, porém, recebem o serviço como patrimônio sagrado, na movimentação do qual se preparam, a caminho da perfeição. Ninguém lhe condena a saudade justa, nem pretende estancar sua fonte de sentimentos sublimes. Acresce notar, todavia, que o pranto da desesperação não edifica o bem. Se ama, em verdade, a família terrena, é preciso bom ânimo para lhe ser útil. Fez-se longa pausa. A palavra de Clarêncio levantara-me para elucubrações mais sadias. Enquanto meditava a sabedoria da valiosa advertência, meu benfeitor, qual o pai que esquece a leviandade dos filhos para recomeçar serenamente a lição, tornou a perguntar com um belo sorriso: - Então, como passa? Melhor? Contente por me sentir desculpado, à maneira da criança que deseja aprender, respondi, confortado: - Vou bem melhor, para melhor compreender a Vontade Divina. 45 7 EXPLICAÇÕES DE LÍSIAS Repetiram-se as visitas periódicas de Clarêncio e a atenção diária de Lísias. À medida que procurava habituar-me aos deveres novos, sensações de desafogo me aliviavam o coração. Diminuíram as dores e os impedimentos de locomoção fácil. Notava, porém, que, a recordações mais fortes dos fenômenos físicos, me voltavam a angústia, o receio do desconhecido, a mágoa da inadaptação. Apesar de tudo, encontrava mais segurança dentro de mim. Deleitava-me, agora, contemplando os horizontes vastos, debruçado às janelas espaçosas. Impressionavam-me, sobretudo, os aspectos da Natureza. Quase tudo, melhorada cópia da Terra. Cores mais harmônicas, substâncias mais delicadas. Forrava-se o solo de vegetação. Grandes árvores, pomares fartos e jardins deliciosos. Desenhavam-se montes coroados de luz, em continuidade à planície onde a colônia repousava. Todos os departamentos apareciam cultivados com esmero. A pequena distância, alteavam-se graciosos edifícios. Alinhavam-se a espaços regulares, exibindo formas diversas. Nenhum sem flores à entrada, destacando-se algumas casinhas 46 NOSSO LAR encantadoras, cercadas por muros de hera, onde rosas diferentes desabrochavam, aqui e ali, adornando o verde de cambiantes variados. Aves de plumagens policromas cruzavam os ares e, de quando em quando, pousavam agrupadas nas torres muito alvas, a se erguerem retilíneas, lembrando lírios gigantescos, rumo ao céu. Das janelas largas, observava, curioso, o movimento do parque. Extremamente surpreendido, identificava animais domésticos, entre as árvores frondosas, enfileiradas ao fundo. Nas minhas lutas introspectivas, perdia-me em indagações de toda sorte. Não conseguia atinar com a multiplicidade de formas análogas às do planeta, considerando a circunstância de me encontrar numa esfera propriamente espiritual. Lísias, o companheiro amável de todos os dias, não regateava explicações. A morte do corpo não conduz o homem a situações miraculosas, dizia. Todo processo evolutivo implica gradação. Há regiões múltiplas para os desencarnados, como existem planos inúmeros e surpreendentes para as criaturas envolvidas de carne terrestre. Almas e sentimentos, formas e coisas, obedecem a princípios de desenvolvimento natural e hierarquia justa. Preocupava-me, todavia, permanecer ali, num parque de saúde, havia muitas semanas, sem a visita sequer de um conhecido do mundo. Afinal, não fora eu a única pessoa do meu círculo a decifrar o enigma da sepultura. Meus pais me haviam antecipado na grande jornada. Amigos vários, noutro tempo, me haviam precedido. Por que, então, não apareciam naquele quarto de enfermidade espiritual, para conforto do meu coração dolorido? Bastariam alguns momentos de consolação. 49 NOSSO LAR - Convém não esquecer, contudo, que a realização nobre exige três requisitos fundamentais, a saber: primeiro, desejar; segundo, saber desejar; e, terceiro, merecer, ou, por outros termos, vontade ativa, trabalho persistente e merecimento justo. O visitador ganhou a porta de saída, sorridente, enquanto eu me detinha silencioso, a meditar no extenso programa formulado em tão poucas palavras. 50 8 ORGANIZAÇÃO DE SERVIÇOS Decorridas algumas semanas de tratamento ativo, saí, pela primeira vez, em companhia de Lísias. Impressionou-me o espetáculo das ruas. Vastas avenidas, enfeitadas de árvores frondosas. Ar puro, atmosfera de profunda tranqüilidade espiritual. Não havia, porém, qualquer sinal de inércia ou de ociosidade, porque as vias públicas estavam repletas. Entidades numerosas iam e vinham. Algumas pareciam situar a mente em lugares distantes, mas outras me dirigiam olhares acolhedores. Incumbia-se o companheiro de orientar-me em face das surpresas que surgiam ininterruptas. Percebendo-me as íntimas conjeturas, esclareceu solícito: - Estamos no local do Ministério do Auxílio. Tudo o que vemos, edifícios, casas residenciais, representa instituições e abrigos adequados à tarefa de nossa jurisdição. Orientadores, operários e outros serviçais da missão residem aqui. Nesta zona, atende-se a doentes, ouvem-se rogativas, selecionam-se preces, preparam-se reencarnações terrenas, organizam-se turmas de socorro aos habitantes do Umbral, ou aos que choram na Terra, estu- 51 NOSSO LAR dam-se soluções para todos os processos que se prendem ao sofrimento. - Há, então, em "Nosso Lar", um Ministério do Auxílio? - perguntei. - Como não? Nossos serviços são distribuídos numa organização que se aperfeiçoa dia a dia, sob a orientação dos que nos presidem os destinos. Fixando em mim os olhos lúcidos, prosseguiu: - Não tem visto, nos atos da prece, nosso Governador Espiritual cercado de setenta e dois colaboradores? Pois são os Ministros de "Nosso Lar". A colônia, que é essencialmente de trabalho e realização, divide-se em seis Ministérios, orientados, cada qual, por doze Ministros. Temos os Ministérios da Regeneração, do Auxílio, da Comunicação, do Esclarecimento, da Elevação e da União Divina. Os quatro primeiros nos aproximam das esferas terrestres, os dois últimos nos ligam ao plano superior, visto que a nossa cidade espiritual é zona de transição. Os serviços mais grosseiros localizam-se no Ministério da Regeneração, os mais sublimes no da União Divina. Clarêncio, o nosso chefe amigo, é um dos Ministros do Auxílio. Valendo-me da pausa natural, exclamei, comovido: - Oh! nunca imaginei a possibilidade de organizações tão completas, depois da morte do corpo físico!... - Sim - esclareceu Lísias -, o véu da ilusão é muito denso nos círculos carnais. O homem vulgar ignora que toda manifestação de ordem, no mundo, procede do plano superior. A natureza agreste transforma-se em jardim, quando orientada pela mente do homem, e o pensamento humano, selvagem na criatura primitiva, transforma-se em potencial criador, quando inspirado pelas mentes que funcionam nas esferas mais altas. Ne- 54 9 PROBLEMA DE ALIMENTAÇÃO Enlevado na visão dos jardins prodigiosos, pedi ao dedicado enfermeiro para descansar alguns minutos num banco próximo. Lísias anuiu de bom grado. Agradável sensação de paz me felicitava o espírito. Caprichosos repuxos de água colorida ziguezagueavam no ar, formando figuras encantadoras. - Quem observa esta colmeia imensa de serviço - ponderei - é induzido a examinar numerosos problemas. E o abastecimento? Não tenho notícia de um Ministério da Economia... - Antigamente - explicou o paciente interlocutor - os serviços dessa natureza assumiam feição mais destacada. Deliberou, porém, o atual Governador atenuar todas as expressões de vida que nos recordassem os fenômenos puramente materiais. As atividades de abastecimento ficaram, assim, reduzidas a simples serviço de distribuição, sob o controle direto da Governadoria. Aliás, a providência constitui medida das mais benéficas. Rezam os anais que a colônia, há um século, lutava com extremas dificuldades para adaptar os habitantes às leis da simplicidade. Muitos recém-chegados ao "Nosso 55 NOSSO LAR Lar" duplicavam exigências. Queriam mesas lautas, bebidas excitantes, dilatando velhos vícios terrenos. Apenas o Ministério da União Divina ficou imune de tais abusos, pelas características que lhe são próprias; no entanto, os demais viviam sobrecarregados de angustiosos problemas dessa ordem. O Governador atual, todavia, não poupou esforços. Tão logo assumiu obrigações administrativas, adotou providências justas. Antigos missionários, daqui, puseram-me ao corrente de curiosos acontecimentos. Disseram-me que, a pedido da Governadoria, vieram duzentos instrutores de uma esfera muito elevada, a fim de espalharem novos conhecimentos, relativos à ciência da respiração e da absorção de princípios vitais da atmosfera. Realizaram-se assembléias numerosas. Alguns colaboradores técnicos de "Nosso Lar" manifestavam-se contrários, alegando que a cidade é de transição e que não seria justo, nem possível, desambientar imediatamente os homens desencarnados, mediante exigências desse teor, sem grave perigo para suas organizações espirituais. O Governador, contudo, não desanimou. Prosseguiram as reuniões, providências e atividades, durante trinta anos consecutivos. Algumas entidades eminentes chegaram a formular protestos de caráter público, reclamando. Por mais de dez vezes, o Ministério do Auxílio esteve superlotado de enfermos, onde se confessavam vítimas do novo sistema de alimentação deficiente. Nesses períodos, os opositores da redução multiplicavam acusações. O Governador, porém, jamais castigou alguém. Convocava os adversários da medida a palácio e expunha-lhes, paternalmente, os projetos e finalidades do regime; destacava a superioridade dos métodos de espiritualização, facilitava aos mais rebeldes inimigos do novo processo variadas excursões de estudo, em planos mais elevados que o nosso, ganhando, assim, maior número de adeptos. 56 NOSSO LAR Ante pausa mais longa, reclamei, interessado: - Continue, por favor, meu caro Lísias. Como terminou a luta edificante? - Depois de vinte e um anos de perseverantes demonstrações, por parte da Governadoria, aderiu o Ministério da Elevação, passando a abastecer-se apenas do indispensável. O mesmo não aconteceu com o Ministério do Esclarecimento, que demorou muito a assumir compromisso, em vista dos numerosos espíritos dedicados às ciências matemáticas, que ali trabalham. Eram eles os mais teimosos adversários. Mecanizados nos processos de proteínas e carboidratos, imprescindíveis aos veículos físicos, não cediam terreno nas concepções correspondentes daqui. Semanalmente, enviavam ao Governador longas observações e advertências, repletas de análises e numerações, atingindo, por vezes, a imprudência. O velho governante, contudo, nunca agiu por si só. Requisitou assistência de nobres mentores, que nos orientam através do Ministério da União Divina, e jamais deixou o menor boletim de esclarecimento sem exame minucioso. Enquanto argumentavam os cientistas e a Governadoria contemporizava, formaram-se perigosos distúrbios no antigo Departamento de Regeneração, hoje transformado em Ministério. Encorajados pela rebeldia dos cooperadores do Esclarecimento, os espíritos menos elevados que ali se recolhiam entregaram-se a condenáveis manifestações. Tudo isso provocou enormes cisões nos órgãos coletivos de "Nosso Lar", dando ensejo a perigoso assalto das multidões obscuras do Umbral, que tentaram invadir a cidade, aproveitando brechas nos serviços de Regeneração, onde grande número de colaboradores entretinha certo intercâmbio clandestino, em virtude dos vícios de alimentação. Dado o alarme, o Governador não se perturbou. Terríveis ameaças pairavam sobre todos. Ele, porém, solicitou audiência ao Ministério 59 10 NO BOSQUE DAS ÁGUAS Dado o meu interesse crescente pelos processos de alimentação, Lísias convidou: - Vamos ao grande reservatório da colônia. Lá observará coisas interessantes. Verá que a água é quase tudo em nossa estância de transição. Curiosíssimo, acompanhei o enfermeiro sem vacilar. Chegados a extenso ângulo da praça, o generoso amigo acrescentou: - Esperemos o aeróbus. (1) Mal me refazia da surpresa, quando surgiu grande carro, suspenso do solo a uma altura de cinco metros mais ou menos e repleto de passageiros. Ao descer até nós, à maneira de um elevador terrestre, examinei-o com atenção. Não era máquina conhecida na Terra. Constituída de material muito flexível, tinha enorme comprimento, parecendo ligada a fios invisíveis, em virtude do grande número de antenas na tolda. Mais tarde, con- __________ (1) Carro aéreo, que seria na Terra um grande funicular. 60 NOSSO LAR firmei minhas suposições, visitando as grandes oficinas do Serviço de Trânsito e Transporte. Lísias não me deu tempo a indagações. Aboletados convenientemente no recinto confortável, seguimos Silenciosos. Experimentava a timidez natural do homem desambientado, entre desconhecidos. A velocidade era tanta que não permitia fixar os detalhes das construções escalonadas no extenso percurso. A distância não era pequena, porque só depois de quarenta minutos, incluindo ligeiras paradas de três em três quilômetros, me convidou Lísias a descer, sorridente e calmo. Deslumbrou-me o panorama de belezas sublimes. O bosque, em floração maravilhosa, embalsamava o vento fresco de inebriante perfume. Tudo em prodígio de cores e luzes cariciosas. Entre margens bordadas de grama viçosa, toda esmaltada de azulíneas flores, deslizava um rio de grandes proporções. A corrente rolava tranqüila, mas tão cristalina que parecia tonalizada em matiz celeste, em vista dos reflexos do firmamento. Estradas largas cortavam a verdura da paisagem. Plantadas a espaços regulares, árvores frondosas ofereciam sombra amiga, à maneira de pousos deliciosos, na claridade do Sol confortador. Bancos de caprichosos formatos convidavam ao descanso. Notando o meu deslumbramento, Lísias explicou: - Estamos no Bosque das Águas. Temos aqui uma das mais belas regiões de "Nosso Lar". Trata-se de um dos locais prediletos para as excursões dos amantes, que aqui vêm tecer as mais lindas promessas de amor e fidelidade, para as experiências da Terra. A observação ensejava considerações muito interessantes, mas Lísias não me deu azo a perguntas nesse particular. Indicando um edifício de enormes proporções, esclareceu: 61 NOSSO LAR - Ali é o grande reservatório da colônia. Todo o volume do Rio Azul, que temos à vista, é absorvido em caixas imensas de distribuição. As águas que servem a todas as atividades da colônia partem daqui. Em seguida, reúnem-se novamente, abaixo dos serviços da Regeneração, e voltam a constituir o rio, que prossegue o curso normal, rumo ao grande oceano de substâncias invisíveis para a Terra. Percebendo-me a indagação íntima, acrescentou: - Com efeito, a água aqui tem outra densidade. Muito mais tênue, pura, quase fluídica. Notando as magníficas construções que me fronteavam, interroguei: - A que Ministério está afeto o serviço de distribuição? - Imagine - elucidou Lísias - que este é um dos raros serviços materiais do Ministério da União Divina! - Que diz? - perguntei, ignorando como conciliar uma e outra coisa. O visitador sorriu e obtemperou prazenteiro: - Na Terra quase ninguém cogita seriamente de conhecer a importância da água. Em "Nosso Lar", contudo, outros são os conhecimentos. Nos círculos religiosos do planeta, ensinam que o Senhor criou as águas. Ora, é lógico que todo serviço criado precisa de energias e braços para ser convenientemente mantido. Nesta cidade espiritual, aprendemos a agradecer ao Pai e aos seus divinos colaboradores semelhante dádiva. Conhecendo-a mais intimamente, sabemos que a água é veículo dos mais poderosos para os fluidos de qualquer natureza. Aqui, ela é empregada sobretudo como alimento e remédio. Há repartições no Ministério do Auxílio absolutamente consagradas à manipulação de água pura, com certos princípios suscetíveis de serem captados na 64 11 NOTÍCIAS DO PLANO Desejaria meu generoso companheiro facultar-me observações diferentes, nos diversos bairros da colônia, mas obrigações imperiosas chamavam-no ao posto. - Terá você ocasião de conhecer as diversas regiões dos nossos serviços - exclamou bondosamente -' pois, conforme vê, os Ministérios do "Nosso Lar" são enormes células de trabalho ativo. Nem mesmo alguns dias de estudo oferecem ensejo à visão detalhada de um só deles. Não lhe faltará oportunidade, porém. Ainda que me não seja possível acompanhá-lo, Clarêncio tem poderes para obter-lhe ingresso fácil em qualquer dependência. Voltamos ao ponto de passagem do aeróbus, que não se fez esperar. Agora, sentia-me quase à vontade. A presença de muitos passageiros não me constrangia. A experiência anterior fizera-me benefícios enormes. Esfervilhava-me o cérebro de úteis indagações. Interessado em resolvê-las, aproveitei o minuto para valer-me do companheiro, quando possível. 65 NOSSO LAR - Lísias, amigo - perguntei -, poderá informar-me se todas as colônias espirituais são idênticas a esta? Os mesmos processos, as mesmas características? - De modo algum. Se nas esferas materiais, cada região e cada estabelecimento revelam traços peculiares, imagine a multiplicidade de condições em nossos planos. Aqui, tal como na Terra, as criaturas se identificam pelas fontes comuns de origem e pela grandeza dos fins que devem atingir; mas importa considerar que cada colônia, como cada entidade, permanece em degraus diferentes na grande ascensão. Todas as experiências de grupo diversificam-se entre si e "Nosso Lar" constitui uma experiência coletiva dessa natureza. Segundo nossos arquivos, muitas vezes os que nos antecederam buscaram inspiração nos trabalhos de abnegados trabalhadores de outras esferas; em compensação, outros agrupamentos buscam o nosso concurso para outras colônias em formação. Cada organização, todavia, apresenta particularidades essenciais. Observando que o intervalo se fazia mais longo, interroguei: - Partiu daqui a interessante formação de Ministérios? - Sim, os missionários da criação de "Nosso Lar" visitaram os serviços de "Alvorada Nova", uma das colônias espirituais mais importantes que nos circunvizinham e ali encontraram a divisão por departamentos. Adotaram o processo, mas substituíram a palavra departamento por Ministério, com exceção dos serviços regeneradores, que, somente com o Governador atual, conseguiram elevação. Assim procederam, considerando que a organização em Ministérios é mais expressiva, como definição de espiritualidade. - Muito bem! - acrescentei. 66 NOSSO LAR - E não é tudo - prosseguiu o enfermeiro, atencioso -, a instituição é eminentemente rigorosa, no que concerne à ordem e à hierarquia. Nenhuma condição de destaque é concedida aqui a título de favor. Somente quatro entidades conseguiram ingressar, com responsabilidade definida, no curso de dez anos, no Ministério da União Divina. Em geral, todos nós, decorrido longo estágio de serviço e aprendizado, voltamos a reencarnar, para atividades de aperfeiçoamento. Enquanto eu ouvia essas informações, justamente curioso, Lísias continuava: - Quando os recém-chegados das zonas inferiores do Umbral se revelam aptos a receber cooperação fraterna, demoram no Ministério do Auxílio; quando, porém, se mostram refratários, são encaminhados ao Ministério da Regeneração. Se revelam proveito, com o correr do tempo são admitidos aos trabalhos de Auxílio, Comunicação e Esclarecimento, a fim de se prepararem, com eficiência, para futuras tarefas planetárias. Somente alguns conseguem atividade prolongada no Ministério da Elevação, e raríssimos, em cada dez anos, os que alcançam intimidade nos trabalhos da União Divina. E não suponha que os testemunhos sejam vagas expressões de atividade idealista. Já não estamos na esfera do globo, onde o desencarnado é promovido compulsoriamente a fantasma. Vivemos em circulo de demonstrações ativas. As tarefas de Auxílio são laboriosas e complicadas, os deveres no Ministério da Regeneração constituem testemunhos pesadíssimos, os trabalhos na Comunicação exigem alta noção da responsabilidade individual, os campos do Esclarecimento requisitam grande capacidade de trabalho e valores intelectuais profundos, o Ministério da Elevação pede renúncia e iluminação, as atividades da União Divina requerem conhecimento justo e sincera aplicação do amor universal. A Governado- 69 12 O UMBRAL Após receber tão valiosas elucidações, aguçava-se-me o desejo de intensificar a aquisição de conhecimentos relativos a diversos problemas que a palavra de Lísias sugeria. As referências a espíritos do Umbral mordiam-me a curiosidade. A ausência de preparação religiosa, no mundo, dá motivo a dolorosas perturbações. Que seria o Umbral? Conhecia, apenas, a idéia do inferno e do purgatório, através dos sermões ouvidos nas cerimônias católico-romanas a que assistira, obedecendo a preceitos protocolares. Desse Umbral, porém, nunca tivera notícias. Ao primeiro encontro com o generoso visitador, minhas perguntas não se fizeram esperar. Lísias ouviu-me, atencioso, e replicou: - Ora, ora, pois você andou detido por lá tanto tempo e não conhece a região? Recordei os sofrimentos passados, experimentando arrepios de horror. - O Umbral - continuou ele, solícito - começa na crosta terrestre. É a zona obscura de quantos no mun- 70 NOSSO LAR do não se resolveram a atravessar as portas dos deveres sagrados, a fim de cumpri-los, demorando-se no vale da indecisão ou no pântano dos erros numerosos. Quando o espírito reencarna, promete cumprir o programa de serviços do Pai; entretanto, ao recapitular experiências no planeta, é muito difícil fazê-lo, para só procurar o que lhe satisfaça ao egoísmo. Assim é que mantidos são o mesmo ódio aos adversários e a mesma paixão pelos amigos. Mas, nem o ódio é justiça, nem a paixão é amor. Tudo o que excede, sem aproveitamento, prejudica a economia da vida. Pois bem: todas as multidões de desequilibrados permanecem nas regiões nevoentas, que se seguem aos fluidos carnais. O dever cumprido é uma porta que atravessamos no Infinito, rumo ao continente sagrado da união com o Senhor. É natural, portanto, que o homem esquivo à obrigação justa, tenha essa bênção indefinidamente adiada. Notando-me a dificuldade para apreender todo o conteúdo do ensinamento, com vistas à minha quase total ignorância dos princípios espirituais, Lísias procurou tornar a lição mais clara: - Imagine que cada um de nós, renascendo no planeta, somos portadores de um fato sujo, para lavar no tanque da vida humana. Essa roupa imunda é o corpo causal, tecido por nossas mãos, nas experiências anteriores. Compartilhando, de novo, as bênçãos da oportunidade terrestre, esquecemos, porém, o objetivo essencial, e, ao invés de nos purificarmos pelo esforço da lavagem, manchamo-nos ainda mais, contraindo novos laços e encarcerando-nos a nós mesmos em verdadeira escravidão. Ora, se ao voltarmos ao mundo procurávamos um meio de fugir à sujidade, pelo desacordo de nossa situação com o meio elevado, como regressar a esse mesmo ambiente luminoso, em piores condições? O Umbral funciona, portanto, como região destinada a esgotamen- 71 NOSSO LAR to de resíduos mentais; uma espécie de zona purgatorial, onde se queima a prestações o material deteriorado das ilusões que a criatura adquiriu por atacado, menosprezando o sublime ensejo de uma existência terrena. A imagem não podia ser mais clara, mais convincente. Não havia como disfarçar minha justa admiração. Compreendendo o efeito benéfico que me traziam aqueles esclarecimentos, Lísias continuou: - O Umbral é região de profundo interesse para quem esteja na Terra. Concentra-se, aí, tudo o que não tem finalidade para a vida superior. E note você que a Providência Divina agiu sabiamente, permitindo se criasse tal departamento em torno do planeta. Há legiões compactas de almas irresolutas e ignorantes, que não são suficientemente perversas para serem enviadas a colônias de reparação mais dolorosa, nem bastante nobres para serem conduzidas a planos de elevação. Representam fileiras de habitantes do Umbral, companheiros imediatos dos homens encarnados, separados deles apenas por leis vibratórias. Não é de estranhar, portanto, que semelhantes lugares se caracterizem por grandes perturbações. Lá vivem, agrupam-se, os revoltados de toda espécie. Formam, igualmente, núcleos invisíveis de notável poder, pela concentração das tendências e desejos gerais. Muita gente da Terra não recorda que se desespera quando o carteiro não vem, quando o comboio não aparece? Pois o Umbral está repleto de desesperados. Por não encontrarem o Senhor à disposição dos seus caprichos, após a morte do corpo físico, e, sentindo que a coroa da vida eterna é a glória intransferível dos que trabalham com o Pai, essas criaturas se revelam e demoram em mesquinhas edificações. "Nosso Lar" tem uma sociedade espiritual, mas esses núcleos possuem infeli- 74 13 NO GABINETE DO MINISTRO Com as melhoras crescentes, surgia a necessidade de movimentação e trabalho. Decorrido tanto tempo, esgotados anos difíceis de luta, volvia-me o interesse pelos afazeres que enchem o dia útil de todo homem normal, no mundo. Incontestável que havia perdido excelentes oportunidades na Terra; que muitas falhas me assinalavam o caminho. Agora, porém, recordava os quinze anos de clínica, sentindo um certo "vazio" no coração. Identificava- me a mim mesmo, como vigoroso agricultor em pleno campo, de mãos atadas e impossibilitado de atacar o trabalho. Cercado de enfermos, não podia aproximar-me, como noutros tempos, reunindo em mim o amigo, o médico e o pesquisador. Ouvindo gemidos incessantes nos apartamentos contíguos, não me era lícita nem mesmo a função de enfermeiro e colaborador nos casos de socorro urgente. Claro que não me faltava desejo. Minha posição ali, contudo, era assaz humilde para me atrever. Os médicos espirituais eram detentores de técnica diferente. No planeta, sabia que meu direito de intervir começava nos livros conhecidos e nos títulos conquistados; mas, naquele ambiente novo, a me- 75 NOSSO LAR dicina começava no coração, exteriorizando-se em amor e cuidado fraternal. Qualquer enfermeiro, dos mais simples, em "Nosso Lar", tinha conhecimentos e possibilidades muito superiores à minha ciência. Inexeqüível, portanto, qualquer tentativa de trabalho espontâneo, por constituir, a meu ver, invasão de seara alheia. No apuro de tais dificuldades, Lísias era o amigo indicado às minhas confidências de irmão. Interpelado, esclareceu: - Por que não pedir o socorro de Clarêncio? Atendê-lo-á por certo. Peça-lhe conselhos. Ele pergunta sempre por sua pessoa e tudo fará a seu favor. Animou-me grande esperança. Consultaria o Ministro do Auxílio. Iniciando, contudo, as providências, fui informado de que o generoso benfeitor somente poderia atender na manhã seguinte, no gabinete particular. Esperei ansioso o momento oportuno. No dia imediato, muito cedo, procurei o local indicado. Qual não foi, porém, minha surpresa vendo que três pessoas lá estavam aguardando Clarêncio, em identidade de circunstâncias! O delicado Ministro do Auxílio chegara muito antes de nós e atendia a assuntos mais importantes que a recepção de visitas e solicitações. Terminado o serviço urgente, começou a chamar-nos, dois a dois. Impressionou-me tal processo de audiência. Soube, porém, mais tarde, que ele aproveitava esse método para que os pareceres fornecidos a qualquer interessado servissem igualmente a outros, assim atendendo a necessidades de ordem geral, ganhando tempo e proveito. 76 NOSSO LAR Decorridos muitos minutos, chegou-me a vez. Penetrei no gabinete em companhia de uma senhora idosa, que seria ouvida em primeiro lugar, por ordem de precedência. O Ministro recebeu- nos, cordial, deixando-nos à vontade para discorrer. - Nobre Clarêncio - começou a companheira desconhecida -, venho pedir seus bons ofícios a favor de meus dois filhos. Ah! já não tolero tantas saudades e estou informada de que ambos vivem exaustos e sobrecarregados de infortúnios, no ambiente terrestre. Reconheço que os desígnios do Pai são justos e amorosos; no entanto, sou mãe! Não consigo subtrair-me ao peso da angústia!... E a pobre criatura se desfez, ali mesmo, em copioso pranto. O Ministro, dirigindo-lhe um olhar de fraternidade, embora conservando intacta a energia pessoal, respondeu, bondoso: - Mas, se a irmã reconhece que os desígnios do Pai são justos e santos, que me cabe fazer? - Desejava - replicou, aflita - que me concedesse recursos para protegê-los eu mesma, nas esferas do globo!... - Ah! minha amiga - disse o benfeitor amorável -' só no espírito de humildade e de trabalho é possível a nós outros proteger alguém. Que me diz de um pai terrestre que desejasse ajudar os filhinhos, mantendo-se em absoluta quietação no conforto do lar? O Pai criou o serviço e a cooperação como leis que ninguém pode trair sem prejuízo próprio. Nada lhe diz a consciência, neste sentido? Quantos bônus-hora (1) poderá apresentar em benefício de sua pretensão? __________ (1) Ponto relativo a cada hora de serviço. (Nota do Autor espiritual.) 79 NOSSO LAR Sentou-se a mãe inquieta, enxugando lágrimas copiosas. Em seguida, o Ministro fitou-me compassivamente e falou: - Aproxime-se, meu amigo! Levantei-me, hesitante, para conversar. 80 14 ELUCIDAÇÕES DE CLARÊNCIO Pulsava-me precipite o coração, fazendo-me lembrar o aprendiz bisonho, diante de examinadores rigorosos. Vendo aquela mulher em lágrimas e ponderando a energia serena do Ministro do Auxílio, tremia dentro de mim mesmo, arrependido de haver provocado aquela audiência. Não seria melhor calar, aprendendo a esperar deliberações superiores? Não seria presunção descabida pedir atribuições de médico naquela casa, onde permanecia como enfermo? A sinceridade de Clarêncio, para com a irmã que me antecedera, despertara-me raciocínios novos. Quis desistir, renunciar ao desejo da véspera e voltar ao aposento, mas, era impossível. O Ministro do Auxílio, como se adivinhasse meus propósitos mais íntimos, exclamou em tom firme: - Pronto a ouvi-lo. Ia solicitar instintivamente qualquer serviço médico em "Nosso Lar", embora a indecisão que me dominava; entretanto, a consciência me advertia: Por que referir-se a serviço especializado? Não seria repetir os erros humanos, dentro dos quais a vaidade não tolera outro gênero de atividade senão o correspondente aos preconcei- 81 NOSSO LAR tos dos títulos nobiliárquicos, ou acadêmicos? Esta idéia equilibrava-me a tempo. Bastante confundido, falei: - Tomei a liberdade de vir até aqui, rogar seus bons ofícios para que me reintegre no trabalho. Ando saudoso dos meus misteres, agora que a generosidade do "Nosso Lar" me reconduziu à bênção da harmonia orgânica. Qualquer trabalho útil me interessa, desde que me afaste da inação. Clarêncio fitou-me longamente, como a identificar-me as intenções mais íntimas. - Já sei. Verbalmente pede qualquer gênero de tarefa; mas, no fundo, sente falta dos seus clientes, do seu gabinete, da paisagem de serviço com que o Senhor honrou sua personalidade na Terra. Até aí, as palavras dele eram jatos de conforto e esperança, que eu recebia no coração, com gestos confirmativos. Depois de uma pausa mais longa, porém, o Ministro prosseguiu: - Convém notar, todavia, que às vezes o Pai nos honra com a Sua confiança e nós desvirtuamos os verdadeiros títulos de serviço. Você foi médico na Terra, cercado de todas as facilidades, no capítulo dos estudos. Nunca soube o preço de um livro, porque seus pais, generosos, lhe custeavam todas as despesas. Logo depois de graduado, começou a receber proventos compensadores, não teve sequer as dificuldades do médico pobre, compelido a mobilizar relações afetivas para fazer clínica. Prosperou tão rapidamente que transformou facilidades conquistadas em carreira para a morte prematura do corpo. Enquanto moço e sadio, cometeu numerosos abusos, dentro do quadro de trabalho a que Jesus o conduziu. 84 NOSSO LAR numerosos abusos e muita irreflexão, mas, nos quinze anos de sua clínica, também proporcionou receituário gratuito a mais de seis mil necessitados. Na maioria das vezes, praticou esses atos meritórios, absolutamente por troça; mas, presentemente, pode verificar que, mesmo por troça, o verdadeiro bem espalha bênçãos em nossos caminhos. Desses beneficiados, quinze não o esqueceram e têm enviado, até aqui, veementes apelos a seu favor. Devo esclarecer, no entanto, que mesmo o bem que proporcionou aos indiferentes surge aqui a seu favor. Concluindo, a sorrir, as elucidações surpreendentes, Clarêncio acentuou: - Aprenderá lições novas em "Nosso Lar" e, depois de experiências úteis, cooperará eficientemente conosco, preparando-se para o futuro infinito. Sentia-me radiante. Pela primeira vez, chorei de alegria na colônia. Oh! Quem poderá entender, na Terra, semelhante júbilo? Por vezes, é preciso se cale o coração no grandiloqüente silêncio divino. 85 15 A VISITA MATERNA Atento às recomendações de Clarêncio, procurava reconstituir energias para recomeçar o aprendizado. Noutro tempo, talvez me sentisse ofendido com as observações aparentemente tão ríspidas; mas, naquelas circunstâncias, lembrava meus erros antigos e sentia-me confortado. Os fluidos carnais compelem a alma a profundas sonolências. Em verdade, apenas agora reconhecia que a experiência humana, em hipótese alguma, poderia ser levada à conta de brincadeira. A importância da encarnação na Terra surgia-me aos olhos, evidenciando grandezas até então ignoradas. Considerando as oportunidades perdidas, reconhecia não merecer a hospitalidade de "Nosso Lar". Clarêncio tinha dobradas razões para falar-me com aquela franqueza. Passei dias entregue a profundas reflexões sobre a vida. No íntimo, grande ansiedade de rever o lar terreno. Abstinha-me, porém, de pedir novas concessões. Os benfeitores do Ministério do Auxílio eram excessivamente generosos para comigo. Adivinhavam-me os pensamentos. Se até ali não me haviam proporcionado satisfação espontânea a semelhante desejo, é que tal propósito não 86 NOSSO LAR seria oportuno. Calava-me, então, resignado e algo triste. Lísias fazia o possível por alegrar-me com os seus pareceres consoladores. Eu estava, porém, nessa fase de recolhimento inexprimível, em que o homem é chamado para dentro de si mesmo, pela consciência profunda. Um dia, contudo, o bondoso visitador penetrou, radiante, no meu apartamento, exclamando: - Adivinhe quem chegou à sua procura! Aquela fisionomia alegre, aqueles olhos brilhantes de Lísias, não me enganavam. - Minha mãe! - respondi, confiante. Olhos arregalados de alegria, vi minha mãe entrar de braços estendidos. - Filho! meu filho! Vem a mim, querido meu! Não posso dizer o que se passou então. Senti-me criança, como no tempo em que brincava à chuva, pés descalços, na areia do jardim. Abracei- me a ela carinhoso, chorando de júbilo, experimentando os mais sagrados transportes da ventura espiritual. Beijei-a repetidas vezes, apertei-a nos braços, misturei minhas lágrimas com as suas lágrimas, e não sei quanto tempo estivemos juntos, abraçados. Afinal, foi ela quem me despertou do enlevo, recomendando: - Vamos, filho, não te emociones tanto assim! A alegria também, quando excessiva, costuma castigar o coração. E em vez de carregar minha adorada velhinha nos braços, como fazia na Terra, nos derradeiros tempos de sua romagem por lá, foi ela quem me enxugou o pranto copioso, conduzindo-me ao divã. - Estás ainda fraco, filhinho. Não desperdices energias. 89 NOSSO LAR Depois de longa pausa, em que a consciência profunda me advertia solene, minha mãe prosseguiu: - Se é possível aproveitar estes minutos rápidos, em expansões de amor, por que desviá-los para a sombra das lamentações? Regozijemo-nos, filho, e trabalhemos incessantemente. Modifica a atitude mental. Conforta- me tua confiança em meu carinho, experimento sublime felicidade em tua ternura filial, mas não posso retroceder nas minhas experiências. Amemo- nos, agora, com o grande e sagrado amor divino. Aquelas palavras benditas me despertaram. Guardava a impressão de fluidos vigorosos que partiam do sentimento materno vitalizando-me o coração. Minha mãe me contemplava desvanecida, mostrando belo sorriso. Ergui-me, respeitoso, e beijei-a na fronte, sentindo-a mais amorosa e mais bela que nunca. 90 16 CONFIDÊNCIAS Consolou-me a palavra maternal, reorganizando-me as energias interiores. Minha mãe comentava o serviço como se fora uma bênção às dores e dificuldades, levando-as a crédito de alegrias e lições sublimes. Inesperado e inexprimível contentamento banhava-me o espírito. Aqueles conceitos alimentavam-me de estranho modo. Sentia-me outro, mais alegre, animado e feliz. - Oh! minha mãe! - exclamei comovido - deve ser maravilhosa a esfera da sua habitação! Que sublimes contemplações espirituais, que ventura!. Ela esboçou um sorriso significativo e obtemperou: - A esfera elevada, meu filho, requer, sempre, mais trabalho, maior abnegação. Não suponhas que tua mãe permaneça em visões beatificas, a distância dos deveres justos. Devo fazer-te sentir, no entanto, que minhas palavras não representam qualquer nota de tristeza, na situação em que me encontro. É antes revelação de responsabilidade necessária. Desde que voltei da Terra, tenho trabalhado intensamente pela nossa renovação espiritual. Muitas entidades, desencarnando, permanecem agarradas ao lar terrestre, a pretexto de muito amarem 91 NOSSO LAR os que demoram no mundo carnal. Ensinaram-me aqui, todavia, que o verdadeiro amor, para transbordar em benefícios, precisa trabalhar sempre. Desde minha vinda, então, procuro esforçar-me por conquistar o direito de ajudar aqueles que tanto amamos. - E meu pai? - perguntei - onde está? Por que não veio com a senhora? Minha mãe estampou singular expressão no rosto e respondeu: - Ah! teu pai! teu pai!... Há doze anos que está numa zona de trevas compactas, no Umbral. Na Terra, sempre nos parecera fiel às tradições da família, arraigado ao cavalheirismo do alto comércio, a cujos quadros pertenceu até ao fim da existência, e ao fervor do culto externo, em matéria religiosa; mas, no fundo, era fraco e mantinha ligações clandestinas, fora do nosso lar. Duas delas estavam mentalmente ligadas a vasta rede de entidades maléficas, e, tão logo desencarnou o meu pobre Laerte, a passagem no Umbral lhe foi muito amarga, porque as desventuradas criaturas, a quem fizera muitas promessas, aguardavam-no ansiosas, prendendo-o de novo nas teias da ilusão. A princípio, ele quis reagir, esforçando-se por encontrar-me, mas não pôde compreender que após a morte do corpo físico a alma se encontra tal qual vive intrinsecamente. Laerte, portanto, não percebeu minha presença espiritual, nem a assistência desvelada de outros amigos nossos. Tendo gasto muitos anos a fingir, viciara a visão espiritual, restringira o padrão vibratório, e o resultado foi achar-se tão-só na companhia das relações que cultivara irrefletidamente, pela mente e pelo coração. Os princípios da família e o amor ao nosso nome ocuparam algum tempo o seu espírito. De algum modo, lutou, repelindo as tentações; mas caiu afinal, novamente enredado na sombra, por falta de perseverança no bom e reto pensamento. 94 NOSSO LAR que sejamos bem sucedidos; há questões que precisamos entregar ao Senhor, em pensamento, antes de trabalhar na solução que elas requerem. Quis insistir no assunto para colher pormenores, mas minha mãe não reincidiu nele, esquivando-se, delicada. A palestra estendeu-se ainda longa, envolvendo-me em sublime conforto. Mais tarde, ela despediu-se. Curioso por saber como vivia até ali, pedi permissão para acompanhá-la. Afagou-me então, carinhosa, e disse: - Não venhas, meu filho. Esperam-me com urgência no Ministério da Comunicação, onde serei munida de recursos fluídicos para a jornada de regresso, nos gabinetes transformatórios. Além disso, preciso ainda avistar- me com o Ministro Célio, para agradecer a oportunidade desta visita. E, deixando-me nalma duradoura impressão de felicidade, beijou-me e partiu. 95 17 EM CASA DE LÍSIAS Não se passaram muitos dias, após a inesperada visita de minha mãe, quando Lísias me veio buscar, a chamado do Ministro Clarêncio. Segui-o, surpreso. Recebido amavelmente pelo magnânimo benfeitor, esperava-lhe as ordens com enorme prazer. - Meu amigo - disse, afável -, doravante está autorizado a fazer observações nos diversos setores de nossos serviços, com exceção dos Ministérios de natureza superior. Henrique de Luna deu por terminado seu tratamento, na semana última, e é justo, agora, aproveite o tempo observando e aprendendo. Olhei para Lísias, como irmão que devia participar da minha felicidade indizível, naquele instante. O enfermeiro correspondeu-me ao olhar com intenso júbilo. Não cabia em mim de contente. Era o início de vida nova. De alguma sorte, poderia trabalhar, ingressando em escolas diferentes. Clarêncio, que parecia perceber minha intraduzível ventura, acentuou: - Tornando-se dispensável sua permanência no parque hospitalar, examinarei atentamente a possibili- 96 NOSSO LAR dade de sua localização em ambiente novo. Consultarei alguma de nossas instituições... Lísias, porém, cortou-lhe a palavra, exclamando: - Se possível, estimaria recebê-lo em nossa casa, enquanto perdurar o curso de observações; lá, minha mãe o trataria como filho. Fitei o visitador num transporte de alegria. Clarêncio, por sua vez, também lhe endereçou um olhar de aprovação, murmurando: - Muito bem, Lísias! Jesus alegra-se conosco, sempre que recebemos um amigo no coração. Abracei o prestativo enfermeiro, sem poder traduzir meu agradecimento. A alegria às vezes nos emudece. - Guarde este documento - disse-me o atencioso Ministro do Auxílio, entregando-me pequena caderneta -, com ele, poderá ingressar nos Ministérios da Regeneração, do Auxílio, da Comunicação e do Esclarecimento, durante um ano. Decorrido esse tempo, veremos o que será possível fazer relativamente aos seus desejos. Instrua-se, meu caro. Não perca tempo. O interstício das experiências carnais deve ser bem aproveitado. Lísias deu-me o braço e saí, enlevado de prazer. Passados minutos, eis-nos à porta de graciosa construção, cercada de colorido jardim. - É aqui - exclamou o delicado companheiro. E, com expressão carinhosa, acrescentou: - O nosso lar, dentro de "Nosso Lar". Ao tinido brando da campainha no interior, surgiu à porta simpática matrona. - Mãe! Mãe!... - gritou o enfermeiro, apresentando-me alegremente - este é o irmão que prometi trazer-te. 99 NOSSO LAR Sentamo-nos, silenciosos, em torno de grande mesa. Ligado um grande aparelho, fez-se ouvir música suave. Era o louvor do momento crepuscular. Surgiu, ao fundo, o mesmo quadro prodigioso da Governadoria, que eu nunca me cansava de contemplar todas as tardes, no parque hospitalar. Naquele momento, porém, sentia-me dominado de profunda e misteriosa alegria. E vendo o coração azul desenhado ao longe, senti que minhalma se ajoelhava no templo interior, em sublimes transportes de júbilo e reconhecimento. 100 18 AMOR, ALIMENTO DAS ALMAS Terminada a oração, chamou-nos à mesa a dona da casa, servindo caldo reconfortante e frutas perfumadas, que mais pareciam concentrados de fluidos deliciosos. Eminentemente surpreendido, ouvi a senhora Laura observar com graça: - Afinal, nossas refeições aqui são muito mais agradáveis que na Terra. Há residências, em "Nosso Lar", que as dispensam quase por completo; mas, nas zonas do Ministério do Auxílio, não podemos prescindir dos concentrados fluídicos, tendo em vista os serviços pesados que as circunstâncias impõem. Despendemos grande quantidade de energias. É necessário renovar provisões de força. - Isso, porém - ponderou uma das jovens -, não quer dizer que somente nós, os funcionários do Auxílio e da Regeneração, vivamos a depender de alimentos. Todos os Ministérios, inclusive o da União Divina, não os dispensam, diferindo apenas a feição substancial. Na Comunicação e no Esclarecimento há enorme dispêndio de frutos. Na Elevação o consumo de sucos e concen- 101 NOSSO LAR trados não é reduzido, e, na União Divina, os fenômenos de alimentação atingem o inimaginável. Meu olhar indagador ia de Lísias para a Senhora Laura, ansioso de explicações imediatas. Sorriam todos da minha natural perplexidade, mas a mãe de Lísias veio ao encontro dos meus desejos, explicando: - Nosso irmão talvez ainda ignore que o maior sustentáculo das criaturas é justamente o amor. De quando em quando, recebemos em "Nosso Lar" grandes comissões de instrutores, que ministram ensinamentos relativos à nutrição espiritual. Todo sistema de alimentação, nas variadas esferas da vida, tem no amor a base profunda. O alimento físico, mesmo aqui, propriamente considerado, é simples problema de materialidade transitória, como no caso dos veículos terrestres, necessitados de colaboração da graxa e do óleo. A alma, em si, apenas se nutre de amor. Quanto mais nos elevarmos no plano evolutivo da Criação, mais extensamente conheceremos essa verdade. Não lhe parece que o amor divino seja o cibo do Universo? Tais elucidações confortavam-me sobremaneira. Percebendo-me a satisfação íntima, Lísias interveio, acentuando: - Tudo se equilibra no amor infinito de Deus, e, quanto mais evolvido o ser criado, mais sutil o processo de alimentação. O verme, no subsolo do planeta, nutre-se essencialmente de terra. O grande animal colhe na planta os elementos de manutenção, a exemplo da criança sugando o seio materno. O homem colhe o fruto do vegetal, transforma-o segundo a exigência do paladar que lhe é próprio, e serve-se dele à mesa do lar. Nós outros, criaturas desencarnadas, necessitamos de substâncias suculentas, tendentes à condição fluídica, e o processo será cada vez mais delicado, à medida que se intensifique a ascensão individual.
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