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ciencias humanas em br, Transcrições de Bioquímica

ENEM ciencias_humanas_em_br

Tipologia: Transcrições

2010

Compartilhado em 05/09/2010

nathalia-carvalho-campos-ferraz-1
nathalia-carvalho-campos-ferraz-1 🇧🇷

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Baixe ciencias humanas em br e outras Transcrições em PDF para Bioquímica, somente na Docsity! CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS ou £ Q Q uu [a a EXAME NACIONAL PARA CERTIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA DE JOVENS E ADULTOS EMA Z RE foco] OIdIW ONISNI SVIDOTONDAL SYNS 3 SYNYWNH SVIDNIIO ENSINO MÉDIO da Educação LIVRO DO ESTUDANTE Presidente da República Federativa do Brasil Luis Inácio Luta da Silva Ministro da Educação Fernando Haddad Secretário Executivo José Henrique Paim Fernandes Presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Reynaldo Fernandes Diretor de Avaliação para Certificação de Competências Ataíde Alves Brasília MEC/INEP 2006 Ciências Humanas e suas Tecnologias Livro do Estudante Ensino Médio Coordenação Geral do Projeto Maria Inês Fini Coordenação de Articulação de Textos do Ensino Médio Zuleika de Felice Murrie Coordenação de Texto de Área Ensino Médio Ciências da Humanas e suas Tecnologias Circe Maria Fernandes Bittencourt Leitores Críticos Área de Psicologia do Desenvolvimento Márcia Zampieri Torres Maria da Graça Bompastor Borges Dias Leny Rodrigues Martins Teixeira Lino de Macedo Área de História e Geografia Área de Ciências Humanas e suas Tecnologias Paulo Celso Miceli Raul Borges Guimarães Nidia Nacib Pontusschka Modesto Florenzano Diretoria de Avaliação para Certificação de Competências (DACC) Equipe Técnica Ataíde Alves – Diretor Alessandra Regina Ferreira Abadio Célia Maria Rey de Carvalho Ciro Haydn de Barros Clediston Rodrigo Freire Daniel Verçosa Amorim David de Lima Simões Dorivan Ferreira Gomes Érika Márcia Baptista Caramori Fátima Deyse Sacramento Porcidonio Gilberto Edinaldo Moura Gislene Silva Lima Helvécio Dourado Pacheco Hugo Leonardo de Siqueira Cardoso Jane Hudson Abranches Kelly Cristina Naves Paixão Lúcia Helena P. Medeiros Maria Cândida Muniz Trigo Maria Vilma Valente de Aguiar Pedro Henrique de Moura Araújo Sheyla Carvalho Lira Suely Alves Wanderley Taíse Pereira Liocádio Teresa Maria Abath Pereira Weldson dos Santos Batista Capa Marcos Hartwich Ilustrações Raphael Caron Freitas Coordenação Editorial Zuleika de Felice Murrie © O MEC/INEP cede os direitos de reprodução deste material às Secretarias de Educação, que poderão reproduzi-lo respeitando a integridade da obra. C569 Ciências humanas e suas tecnologias : livro do estudante : ensino médio / Coordenação Zuleika de Felice Murrie . — 2. ed. — Brasília : MEC : INEP, 2006. 202p. ; 28cm. 1. Ciências humanas (Ensino Médio). I. Murrie, Zuleika de Felice. CDD 300 Sumário Introdução ........................................................................................................................ Capítulo I Cultura, memória e identidade ...................................................................... Roberto Catelli Junior e Denise Brandão Almeida Villani Capítulo II A construção do território .............................................................................. Oscar Medeiros Filho Capítulo III O que estamos fazendo com a natureza? .................................................... Victor William Ummus Capítulo IV Estado e direito ................................................................................................ Carlos Alberto de Moura Ribeiro Zeron Capítulo V Cidadania .......................................................................................................... Leandro Karnal Capítulo VI A vida cotidiana e os impactos ambientais ................................................. Wagner Costa Ribeiro Capítulo VII O mundo urbano e industrial ........................................................................ José Geraldo Vinci de Moraes Capítulo VIII O trabalhador, as tecnologias e a globalização ........................................... Angela Corrêa Krajowski Capítulo IX Os homens, o tempo, o espaço ...................................................................... Paulo Eduardo Dias de Mello 8 11 29 51 71 95 113 137 159 179 8 Introdução Este material foi desenvolvido pelo Ministério da Educação com a finalidade de ajudá-lo a preparar-se para a avaliação necessária à obtenção do certificado de conclusão do Ensino Médio denominada ENCCEJA – Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos. A avaliação proposta pelo Ministério da Educação para certificação do Ensino Médio é composta de 4 provas: 1. Linguagens, Códigos e suas Tecnologias 2. Matemática e suas Tecnologias 3. Ciências Humanas e suas Tecnologias 4. Ciências da Natureza e suas Tecnologias Este exemplar contém as orientações necessárias para apoiar sua preparação para a prova de Ciências Humanas e suas Tecnologias. A prova é composta de 45 questões objetivas de múltipla escolha, valendo 100 pontos. Este exame é diferente dos exames tradicionais, pois buscará verificar se você é capaz de usar os conhecimentos em situações reais da sua vida em sociedade. As competências e habilidades fundamentais desta área de conhecimento estão contidas em: I. Compreender os elementos culturais que constituem as identidades. II. Compreender a gênese e a transformação das diferentes organizações territoriais e os múltiplos fatores que neles intervêm, como produto das relações de poder. III. Compreender o desenvolvimento da sociedade como processo de ocupação de espaços físicos e as relações da vida humana com a paisagem. IV. Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as às práticas de diferentes grupos e atores sociais. V. Compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, favorecendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade. VI. Perceber-se integrante e agente transformador do espaço geográfico, identificando seus elementos e interações. VII. Entender o impacto das técnicas e tecnologias associadas aos processos de produção, ao desenvolvimento do conhecimento e à vida social. 9 VIII. Entender a importância das tecnologias contemporâneas de comunicação e informação e seu impacto na organização do trabalho e da vida pessoal e social. IX. Confrontar proposições a partir de situações históricas diferenciadas no tempo e no espaço e indagar sobre processos de transformações políticas, econômicas e sociais. Os textos que se seguem pretendem ajudá-lo a compreender melhor cada uma dessas nove competências. Cada capítulo é composto por um texto básico que discute os conhecimentos referentes à competência tema do capítulo. Esse texto básico está organizado em duas colunas. Durante a leitura do texto básico, você encontrará dois tipos de boxes: um boxe denominado de desenvolvendo competências e outro, de texto explicativo. O boxe desenvolvendo competências apresenta atividades para que você possa ampliar seu conhecimento. As respostas podem ser encontradas no fim do capítulo. O boxe de texto explicativo indica possibilidades de leitura e reflexão sobre o tema do capítulo. O texto básico está construído de forma que você possa refletir sobre várias situações- problema de seu cotidiano, aplicando o conhecimento técnico-científico construído historicamente, organizado e transmitido pelos livros e pela escola. Você poderá, ainda, complementar seus estudos com outros materiais didáticos, freqüentando cursos ou estudando sozinho. Para obter êxito na prova de Ciências Humanas e suas Tecnologias do ENCCEJA, esse material será fundamental em seus estudos. 13 Capítulo I - Cultura, memória e identidade eletrônicos e também fonográficos, que produz discos e contrata os artistas. Desse modo, nossos hábitos atuais com relação à música não dizem respeito apenas ao nosso gosto pessoal, mas precisam ser entendidos a partir do contexto social em que vivemos. NOSSA IDENTIDADE SOCIAL Além da identidade pessoal, existe também a identidade social. O que nos faz brasileiros, tão diferentes de japoneses, franceses ou norte- americanos? A cultura. O estudioso da cultura brasileira Roberto DaMatta nos fornece uma chave explicativa: profissões diferentes). Verifique o que elas consideram que seja característico do brasileiro e o que as diferenciam de pessoas de outros países e culturas. Podemos perguntar: o que faz de você um brasileiro que é diferente de um habitante de outro país? Que hábitos pessoais você tem que podem ser considerados como próprios da cultura brasileira? É importante lembrar que “ter cultura” não significa apenas ler um grande número de livros, conhecer óperas e compositores eruditos, freqüentar os teatros e os cinemas. O que denominamos de cultura nas ciências humanas está diretamente ligado ao modo de vida de cada sociedade. O fato de os hindus não comerem carne é um elemento da cultura, que está relacionado com uma crença religiosa, um símbolo, pois os animais bovinos têm um caráter sagrado. O mesmo rato que pode servir de alimento na China causa aversão aos brasileiros. O rato simboliza, para nós, a sujeira, não podendo jamais estar presente em nossas refeições. Esses exemplos fazem parte da cultura, ou seja, relacionam-se com o modo como vivemos e os símbolos que produzimos, indicando comportamentos e regras sociais. Considerando as afirmações acima, podemos dizer que existe uma única cultura para os muitos povos? A valorização e o significado que um povo atribui a um objeto ou animal é uma criação cultural? Os exemplos acima já nos mostram que não há uma única cultura, mas sim uma grande diversidade cultural. Cada povo cria e transforma a sua cultura ao longo da sua história. Homens russos costumam cumprimentar outros homens com um beijo na boca; já em outras culturas, as pessoas reprovam essa atitude, sendo o cumprimento de mão o mais adequado. Muitos hábitos são diferentes para homens e mulheres. Durante grande parte do século XX, não era bem visto por setores da sociedade o fato de mulheres fumarem em público. Tratava-se de uma atitude masculina que não condizia com o que se esperava de uma mulher. Isso não significa dizer que todo o brasileiro seja da mesma forma, mas que reconhecemos que a identidade social do brasileiro se afirma através dos vários hábitos e costumes semelhantes. Mesmo que eu não goste de futebol, o Brasil continuará a ser reconhecido como o país do futebol. Procure conversar com as pessoas que você conhece (de preferência com idade, sexo e Sei, então, que sou brasileiro e não norte-americano, porque gosto de comer feijoada e não hambúrguer; porque sou menos receptivo a coisas de outros países, sobretudo costumes e idéias; porque tenho um agudo sentido de ridículo para roupas, gestos e relações sociais; porque vivo no Rio de Janeiro e não em Nova York; porque falo português e não inglês; porque, ouvindo música popular, sei distinguir imediatamente um frevo de um samba; porque futebol para mim é um jogo que se pratica com os pés e não com as mãos (...) porque sei que no carnaval trago à tona minhas fantasias sociais e sexuais... DA MATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? 8. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. p. 16-17. 14 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio Agora observe as imagens abaixo e explique de que modo as maneiras de ser e de se vestir das pessoas se relacionam com uma cultura. Desde 1996, quando o Taleban (grupo islâmico radical) tomou o poder no Afeganistão, as mulheres passaram a ter de usar a burca, que remonta a uma antiga tradição de alguns povos muçulmanos, ou seja, refere-se a valores culturais do passado que permanecem no presente. Sob o governo do Taleban, as mulheres não podiam mostrar o rosto, nem seu corpo. Além disso, eram Figura 1 – Afegã usando burca Figura 2 – Brasileira que se preparava para o vestibular impedidas de trabalhar e de estudar após certa idade. Seus direitos eram bastante restritos, devendo elas se submeterem às ordens masculinas. Na outra imagem, observamos uma mulher brasileira em fins do século XX, que se preparava para o exame vestibular e se vestia de maneira bastante diferente das mulheres afegãs. 15 Capítulo I - Cultura, memória e identidade Observando o mapa, podemos afirmar que o Afeganistão está em qual continente? Ele está muito distante do Brasil? Que países fazem fronteira com o Afeganistão? Que oceano está mais próximo do Afeganistão? Podemos afirmar que o Afeganistão está no Ocidente ou no Oriente? O Afeganistão está no continente asiático, fazendo fronteiras com o Paquistão, Tadiquistão, Turquemenistão, Uzbequistão e Irã. O oceano mais próximo do país é o Índico, não havendo saída para o mar do Afeganistão. Esse país está muito distante do Brasil, pois, saindo do Afeganistão em direção ao Brasil pelo Oeste, você precisa atravessar o Oriente Médio, o continente africano e o oceano Atlântico. Podemos afirmar que as mulheres das duas imagens retratam diferentes culturas? Por quê? O modo como se vestem tem relação com a cultura do lugar onde vivem? Enquanto em uma sociedade a mulher devia andar coberta e não podia trabalhar, na outra a mulher exibe seu corpo com naturalidade e se prepara para exercer uma atividade profissional tal como os homens. Existem também diferentes tradições, como explica o jornalista Pepe Escobar, em uma reportagem da Revista Época: A burca era amplamente adotada em áreas rurais muito antes do surgimento do Taleban. Cobrir-se é um dos costumes mais arraigados da tradição muçulmana, como recomenda o Corão (livro sagrado dos islâmicos): “Dize às fiéis que recatem seus olhares, conservem seus pudores e não mostrem seus atrativos, além dos que (normalmente) aparecem; que cubram o colo com seus véus”. A ditadura da burca nasceu de uma visão distorcida do texto sagrado. Fora dos grupos fundamentalistas, a regra é o xador, o manto que cobre a cabeça, mas deixa à mostra o rosto e as mãos. ESCOBAR, Pepe; SEGATTO, Cristiane. A vitória é feminina. Época, Rio de Janeiro, 17 dez. 2001. Mapa 1 Fonte: SIMIELLI, Maria Elena. Geoatlas básico. 19. ed. São Paulo: Ática, 2000. Mapa 15. Enquanto o Taleban procurava restaurar, à sua maneira, uma tradição religiosa, no caso brasileiro, as mulheres romperam com uma tradição ao conquistarem maior igualdade em relação aos homens a partir dos anos 1930 (direito ao voto) e, com mais amplitude, a partir dos anos 1960, quando o movimento feminista lutou pela igualdade de direitos em vários lugares da América e da Europa. 18 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio 2 ocorreu um forte desenvolvimento industrial, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro. Isso faz parte da nossa história porque ela se constitui de tudo aquilo que se torna público na sociedade, sendo o historiador aquele que vai criar um significado para essas informações. Através da memória, podemos construir o conhecimento histórico. Além disso, a memória se relaciona também com a identidade social de uma comunidade. Como assim? Um grupo social que lutou contra a discriminação racial, por exemplo, pode preservar a memória dessa luta como forma de resistir ao preconceito e criar uma identidade particular desse grupo. Entre os séculos XVI e XVII, existiu, entre Alagoas e Pernambuco, o Quilombo dos Palmares. Tratava-se de uma comunidade de escravos fugitivos que, por cerca de um século, conseguiu sobreviver às buscas e aos ataques dos proprietários de terras e do governo colonial. Com a destruição do Quilombo de Palmares em 1695, o líder Zumbi foi transformado em herói para muitos escravos, depois de ter sido considerado morto em 20 de novembro daquele ano. Atualmente, recuperar a sua memória significa lutar contra o preconceito racial e valorizar as raízes culturais africanas. A história de uma comunidade, seus prédios, ruas, avenidas e tradições também retratam a memória e a identidade de um grupo. Os prédios antigos, as igrejas, as festas populares não são somente resquícios do passado, mas a memória viva do que os habitantes daquela comunidade são hoje. As tradições locais servem como referência para todos aqueles que ali nascem e crescem, são os laços e a identidade que se estabelecem entre as pessoas. Desenvolvendo Competências Leia os textos abaixo. O Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, é um protesto que denuncia a falsa abolição da escravatura em 13 de maio de 1888, afirma Ivanir dos Santos, 47 anos, fundador e atual presidente do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP), no Rio de Janeiro. O Dia OnLine. Disponível em: http://odia.ig.com.br/sites/cnegra/zumbi.htm. Acesso em 29 abr. 2002. Recordando a luta de tantos animadores, homens e mulheres que lideraram a construção de Quilombos onde todos viviam em liberdade, comprometidos com a transformação social, podemos citar o grande e imortal ZUMBI dos Palmares... Hoje, continuando com o mesmo objetivo e a mesma luta, os afrodescendentes realizam a festa nas comunidades. COSTA, Maria Raimunda. MJC: Pastoral Afro-brasileira-CNBB. Disponível em: http://www.cnbb.org.br/setores/jubileudacomunidadenegra.html. Acesso em 29 abr. 2002. Através da leitura desses dois textos, pode-se perceber que: a) no primeiro texto, a recuperação da memória de Zumbi limita-se à comemoração de uma data. b) o resgate da memória de Zumbi pode ser compreendido como a busca de ampliação dos direitos da comunidade negra no Brasil. c) no primeiro texto, há um questionamento da abolição da escravatura, enquanto, no segundo, se faz referência ao processo de transformação social ocorrido com a abolição. d) recordar Zumbi não é o prosseguimento da luta a favor da liberdade que existia nos quilombos. Desenvolvendo competências 19 Capítulo I - Cultura, memória e identidade AS FONTES DE PESQUISA No dia-a-dia, utilizamos diversos instrumentos e materiais para realizar o nosso trabalho. Quais são os materiais e os instrumentos que você utiliza? Você conseguiria, sem esses objetos, realizar o seu trabalho diário e obter uma produção no final do dia? E o pesquisador, quais são os materiais e os instrumentos que ele utiliza para elaborar o seu trabalho, o conhecimento da vida social? Como já foi afirmado antes, nem tudo o que se constitui como memória pode ser considerado história. Como o historiador seleciona fontes de pesquisa para construir o conhecimento histórico? Você sabe o que é fonte de pesquisa? Imagine que você vai fazer um estudo a partir da seguinte pergunta: quais atividades produtivas predominaram nas cidades e no campo, no Brasil do século XX? [que atividades profissionais as pessoas realizavam nesse período? De que maneira estas atividades estavam ligadas à economia brasileira da época?] Escolha, dentre os materiais apresentados a seguir, aqueles que você acredita que seriam fontes históricas adequadas para a sua pesquisa. Perseguidos pela fiscalização, perueiros que atuavam na região metropolitana de São Paulo passaram a migrar pelo país em busca de redutos favoráveis à clandestinidade. Os primeiros alvos foram municípios mineiros, mas já há registros desse fenômeno até mesmo em Estados do Nordeste. A migração de perueiros de São Paulo em direção a Estados do Nordeste teve um caráter diferenciado... Segundo Cesar Cavalcanti, vice-presidente da ANTP (Associação Nacional dos Transportes Públicos), são pessoas que resolveram voltar para suas terras com um trabalho na bagagem. “Eles vêm de longe porque têm algum parente, algum colega que deu a dica”, afirma Cavalcanti. Levantamento feito em Recife (PE) no ano passado identificou a presença de lotações em 135 municípios brasileiros, incluindo São Paulo. IZIDORO, Alencar. Perueiro de São Paulo migra para outros estados. Folha de S. Paulo, São Paulo, 23 out. 2001. Figura 4 - Sapataria, primeira metade do século XIX. Prancha 29. Fonte: DEBRET, Jean Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Tradução de Sergio Milliet. São Paulo: Edusp; Belo Horizonte, MG: Itatiaia, 1989. Tomo 2, p. 250. Tradução de: Voyage pittoresque et historique du Brésil. 20 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio Leia agora o texto que se segue e verifique se a sua escolha foi adequada em relação ao que um historiador considera como fonte histórica. O pesquisador da história utiliza uma variedade de materiais e instrumentos de pesquisa para elaborar um conhecimento histórico. Esses materiais são conhecidos como fontes históricas. A princípio, tudo o que foi criado ou sofreu modificação pelo homem pode ser considerado como tal. Os documentos escritos são certamente importantes materiais para uma pesquisa. Mas nem sempre eles existem ou são a única opção. Como estudar as sociedades que não utilizavam a escrita, como, por exemplo, os povos indígenas que viviam no Brasil antes da chegada dos portugueses? Por isso, toda e qualquer produção do homem pode ser utilizada para conhecer o seu modo de vida, sua cultura e organização social. Os documentos escritos (acordos políticos, registros em livros, registros de impostos, tratados de guerra e paz, diários, cartas, reportagens de jornal etc) são os materiais aos quais, geralmente, o pesquisador da história mais recorre quando deseja obter informações para uma pesquisa. Das fontes que você escolheu acima para realizar a pesquisa sobre a organização do trabalho no século XX, quais são escritas? Se você escolheu o artigo de jornal, o manifesto camponês e a letra da música, você acertou, pois se trata de registros escritos, através dos quais podemos compreender algo a respeito da forma como os homens trabalhavam naquele período histórico. O depoimento do trabalhador da fábrica de tecidos, que estudamos no item anterior, por sua vez, é o registro de um depoimento oral, que é um outro tipo de fonte histórica. Como já foi mencionado, nos casos em que as fontes escritas não existem, podem-se buscar outros tipos de materiais que não sejam escritos, tais como construções, instrumentos, vestuário, objetos, depoimentos orais, vestígios, fotografias, manifestações artísticas e culturais etc., para levantar informações e produzir a pesquisa histórica. MANIFESTO CAMPONÊS DE TENDÊNCIA COMUNISTA, RIO DE JANEIRO, 1929. Fundemos o Sindicato dos Operários Agrícolas! A aliança dos trabalhadores de Campos e o Centro Político Proletário, os dois únicos organismos que lutam verdadeiramente pelos interesses dos explorados e oprimidos da região, dirigem-se a todos os operários, mulheres e jovens trabalhadores das usinas e fazendas e a todos os lavradores pobres, chamando-os à organização de suas fileiras, pois só assim poderão diminuir o roubo e a escravização de que são vítimas, por parte dos fazendeiros e usineiros... Reivindiquemos para o campo as seguintes melhorias: Aumento de salários e diminuição das horas de trabalho. Pagamento em moeda corrente, abolição dos cartões-vales. Liberdade de locomover-se! Liberdade de trabalhar para quem entender! Liberdade de voto! Lei de férias e direito de greve! ARRASTÃO (Edu Lobo e Vinícius de Moraes, 1965) Eh, tem jangada no mar Eh, eh, eh, hoje tem arrastão Eh, todo mundo pescar Chega de sombra, João Jovi, olha o arrastão entrando no mar sem fim Ê meu irmão, me traz Yemanjá pra mim Minha Santa Bárbara Me abençoai Quero me casar com Janaína Eh, puxa bem devagar Eh, eh, eh, já vem vindo o arrastão Eh, é a Rainha do Mar Vem, vem na rede, João Pra mim Valha-me Deus Nosso Senhor do Bonfim Nunca, jamais se viu tanto peixe assim 23 Capítulo I - Cultura, memória e identidade Figura 7 – Igreja de São Francisco de Assis em Ouro Preto, construída entre 1766 e 1794. Fonte: CAMPOS, Adalgisa Arantes. Roteiro sagrado: monumentos religiosos de Ouro Preto. Belo Horizonte, MG: Tratos Culturais, 2000. p. 94. Figura 6 – Ao fundo, avista-se a Serra do Curral, na cidade de Belo Horizonte, MG. Fonte: Catálogo Belotur – Belo Horizonte, MG: Empresa Municipal de Turismo, [199-]. Da mesma forma que preservamos bens pessoais que têm significado para nós, existem outros bens, que podemos chamar de bens culturais, que têm significado para uma comunidade, para os habitantes de uma cidade ou mesmo de um país. São bens culturais toda produção humana, de ordem emocional, intelectual e material, independente de sua origem, época ou aspecto formal, bem como a natureza, que propiciem o conhecimento e a consciência do homem sobre si mesmo e sobre o mundo que o rodeia. GODOY, Maria do Carmo. Patrimônio cultural: conceituação e subsídios para uma política. In: Encontro Estadual de História, 14, 1985, Belo Horizonte. Anais... História e Historiografia em Minas Gerais. Belo Horizonte: ANPUH/ MG, 1985; apud BITTENCOURT, Circe (Org.) . O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1997, p. 132. Figura 5 – Chapéu de couro de Lampião. Símbolo do cangaço nordestino nas primeiras décadas do século XX. Fonte: NOSSO SÉCULO. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 112. Leia a frase abaixo e observe as imagens. Elas poderiam ser consideradas bens culturais relacionados à memória de uma sociedade? 24 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio As três imagens mostram bens culturais que podem ser preservados pelo significado que têm para a comunidade. A Igreja de São Francisco de Assis é um patrimônio arquitetônico e artístico da cidade de Ouro Preto. Ela foi projetada por Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, que viveu na cidade e é considerado um dos maiores artistas da escola barroca do Brasil. Além disso, a igreja traz a memória da forte presença católica em Minas Gerais e também da riqueza constituída a partir da mineração na região no século XVIII. Parte dessa riqueza obtida com a exploração do ouro era investida na construção de igrejas freqüentadas pela população local. Ela não serve apenas como fonte histórica para compreender o passado, ela pode constituir também a memória viva e a identidade da população que ali vive. Há uma população católica que cuida da igreja, realiza festas e procissões religiosas, contribuindo para que ela se torne um patrimônio histórico. E a Serra do Curral, que vemos na imagem, pode ser considerada um patrimônio histórico? Sim, já que ela é parte do espaço de vida do homem, ou seja, são os recursos naturais com os quais o homem conta para viver e desenvolver uma cultura. Em 1997, a Serra do Curral foi escolhida pelos moradores de Belo Horizonte como símbolo da cidade e patrimônio histórico a ser preservado, pois seus moradores consideraram que a paisagem montanhosa relaciona-se com a própria identidade da população local. Isso ocorreu em um contexto em que empresas de mineração estavam destruindo a região. Parte da comunidade se mobilizou para impedir que a Serra fosse destruída, descaracterizando a cidade. Assim, a conservação desse patrimônio foi um desejo dos moradores de ter não apenas o meio ambiente, mas também a sua memória preservada. Por último, vamos analisar a imagem em que aparece o chapéu do cangaceiro. Ele pode ser considerado um patrimônio histórico? Sim, ele é um símbolo que nos traz a memória do cangaço. O cangaço teve maior força no Nordeste nas primeiras décadas do século XX. Com a decadência da economia do açúcar, parte da população foi colocada em uma situação de miséria. Como forma de sobrevivência, alguns homens formaram bandos de cangaceiros que roubavam fazendas e armazéns. O mais conhecido desses bandos é o de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, que atuou por mais de 20 anos a partir de 1919. Grande parte dos líderes dos bandos eram antigos jagunços (capangas) de fazendeiros, que, para caracterizar a nova situação, quebravam o chapéu de couro na frente, dando-lhe um formato original. Assim, o chapéu do cangaceiro faz referência à estratégia adotada por grupos de homens no Nordeste para lutar contra a fome. Ao mesmo tempo em que causavam medo, eram considerados pelos habitantes de algumas localidades como heróis que lutavam contra aqueles que os exploravam. Para alguns camponeses, entrar para um bando significava também poder acertar contas com aqueles que os oprimiam. 25 Capítulo I - Cultura, memória e identidade Leia atentamente o trecho da reportagem abaixo: A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) confirmou ontem a destruição das estátuas gigantes de Buda no centro do Afeganistão, que descreveu como “um crime contra a cultura”.”(...) O Taleban cometeu um crime contra a cultura. É abominável testemunhar a destruição fria e calculada de patrimônios culturais que integram a herança do povo afegão e, de fato, do mundo inteiro”, disse Matsuura (diretor-geral da Unesco). (...) O Taleban utilizou dinamite para destruir os Budas, esculpidos há mais de 1.500 anos. Um deles, de 53 metros de altura, era o maior Buda em pé do mundo. A ordem para destruir todas as estátuas pré-islâmicas foi dada pelo líder supremo do Taleban, Mohamad Omar, há duas semanas: “Apenas Allah deve ser venerado, e as estátuas devem ser destruídas para que não sejam adoradas nem agora nem no futuro”. Folha de S. Paulo, São Paulo, 13 mar. 2001. 1.Com base no que você estudou a respeito do significado de patrimônio histórico e do que a reportagem acima comenta sobre o que aconteceu no Afeganistão, pode-se afirmar que: a) o Taleban considerava as estátuas de Buda um patrimônio histórico do Afeganistão. b) as estátuas dos Budas são patrimônio cultural do povo afegão porque são significativas para a população islâmica. c) o Taleban destruiu as estátuas dos Budas porque não queria preservar qualquer memória que não fosse a da religião islâmica no Afeganistão. d) as estátuas dos Budas não foram preservadas, pois não eram fontes históricas. 4 Desenvolvendo competências 28 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio ORIENTAÇÃO FINAL Para saber se você compreendeu bem o que está apresentado neste capítulo, verifique se está apto a demonstrar que é capaz de: • Interpretar historicamente fontes documentais de naturezas diversas. • Analisar a produção da memória e do espaço geográfico pelas sociedades humanas. • Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos. • Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre um determinado aspecto da cultura. • Valorizar a diversidade do patrimônio cultural e artístico, identificando suas manifestações e representações em diferentes sociedades. Oscar Medeiros Filho A CONSTRUÇÃO DO TERRITÓRIO COMPREENDER A GÊNESE E A TRANSFORMAÇÃO DAS DIFERENTES ORGANIZAÇÕES TERRITORIAIS E OS MÚLTIPLOS FATORES QUE NELAS INTERVÊM, COMO PRODUTO DAS RELAÇÕES DE PODER. Capítulo II 30 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio Capítulo II A construção do território APRESENTAÇÃO Quando você olha para um mapa do mundo, observa que ele está dividido em países e que cada país possui o seu território. Como é que esses territórios se formaram? Cada território se formou a partir de disputas entre diferentes povos ao longo da história. Você já deve ter ouvido falar da guerra entre Israel e Palestina. Pois bem, esse é um exemplo de disputa de território. Mas será que território se refere somente aos países? Não. Podemos falar do território de um estado, de uma cidade, de um bairro... e até mesmo de uma rua. Isso mesmo, a rua é um território disputado por automóveis, pedestres, vendedores ambulantes etc. Um território não se forma naturalmente. Ele é formado pela participação ativa das coletividades. A delimitação de um território provoca sempre disputas. Por isso, os movimentos sociais e a participação de cada um como agente político sempre foram muito importantes para a constituição dos territórios. O cidadão deve ser muito mais do que um mero observador passivo da história. 33 Capítulo II - A construção do território FORMAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DOS TERRITÓRIOS O mundo está dividido em continentes, como mostra o Mapa 1. Mapa 1 – Divisão do mundo em continentes. Nesses continentes existem hoje aproximadamente 200 países. Mas ao longo dos anos, esse número muda muito: alguns países são criados, outros desaparecem; alguns países aumentam seus Mapa 2 – Mudanças no mapa da Iugoslávia A Iugoslávia é um país da Europa e faz fronteira com vários países, dentre eles, a Hungria. Os mapas acima mostram como variou o território correspondente à Iugoslávia, ao longo do século XX. Até a primeira Guerra Mundial a Iugoslávia ainda não existia (Mapa 2a). Depois da Segunda Guerra Mundial, ou seja, no período da Guerra Fria (1945-1989), a Iugoslávia se tornou um país relativamente grande (Mapa 2b). Mas depois da Guerra Fria houve a dissolução da Iugoslávia, e vários territórios antes pertencentes a ela se tornaram independentes (Eslovênia, Croácia, Bósnia-Herzegovina – Mapa 2c). territórios, outros têm os seus territórios diminuídos. Veja o exemplo da Iugoslávia nos mapas abaixo: 2a 2b 2c 34 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio O Brasil faz parte do continente americano, mais precisamente da América do Sul, como mostra o Mapa 3. Observe que o Brasil faz fronteira com quase todos os países da América do Sul, exceto Chile e Equador. Quando pensamos no Brasil, já imaginamos os seus contornos ou o desenho do seu mapa. Mas esses contornos nem sempre foram os mesmos. Mapas 4 e 5 – Brasil na América do Sul em diferentes períodos Mapa 3 – Países da América do Sul Os Mapas 4 e 5 representam o Brasil em dois diferentes períodos. Observe que, no século XVIII, os contornos do nosso país eram diferentes dos que são hoje. Mapa 5Mapa 4 35 Capítulo II - A construção do território Vamos fazer um exercício. Pegue um mapa do Brasil e tente descobrir que estado não fazia parte do território brasileiro no século XVIII. a) Mato Grosso. b) Acre. c) Rio Grande do Norte. d) Paraná. Desta questão podemos tirar duas conclusões: Primeiro, que as fronteiras não são fixas. Logo, o tamanho dos territórios pode mudar com o passar do tempo. Segundo, que essas mudanças dependem de fatores históricos, como, por exemplo, o interesse e a luta de povos por novos territórios. 1 TRABALHO E TERRITÓRIO Você certamente conhece alguém que teve que sair de sua terra natal para ir trabalhar em outra. Ele realizou uma migração. As migrações, isto é, os deslocamentos de pessoas para outras regiões, acontecem principalmente pela busca de melhores condições de vida. Assim, milhares de pessoas (portugueses, italianos, espanhóis, alemães, japoneses e muitos outros) migraram para o Brasil tempos atrás em busca, principalmente, de trabalho. No Brasil, milhares de pessoas também já migraram de uma região para outra, entre estados ou entre municípios. Essas migrações foram muito importantes para determinar as características atuais da população brasileira. Os Mapas 6, 7 e 8 apresentam as principais correntes migratórias, ocorridas no interior do País nas décadas de 1950, 1960 e 1970. Desenvolvendo competências Mapa 8Mapa 6 Mapa 7 Fonte: Adaptado de SANTOS, Regina B. Migrações no Brasil. São Paulo: Scipione. 1994. 38 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio 4 Desenvolvendo competências De acordo com o texto, o que torna a água motivo de conflito é o fato de: a) a água ser encontrada em todas as regiões. b) a água poder ser disputada e controlada. c) a água ser um recurso renovável. d) a água representar mais da metade da cobertura do planeta. A água se torna motivo de luta porque ela pode ser controlada, represada, por exemplo. Logo, a Examine a Figura 4, abaixo. Na figura, aparecem dois tipos de gráficos. Na parte superior, aparece um mapa, representando a região do Oriente Médio onde estão situados Israel e a Palestina (Cisjordânia). Observe que no centro desse mapa, há uma linha (O ---- L). Essa linha será representada no gráfico logo abaixo do mapa, na forma de um corte. É como se você estivesse vendo a região de perfil. Esse tipo de representação chama-se perfil topográfico. Figura 4 Fonte: Adaptado da revista Herodote, [S. l.], n. 29, e 30 [199-?]. alternativa correta corresponde à letra “b”. As outras alternativas falam do fato de a água ser um recurso renovável e abundante, e isso não é motivo de conflito. A próxima questão discute a luta pelo território da região da Cisjordânia entre israelenses e palestinos. A região da Cisjordânia é habitada principalmente por palestinos, mas a presença de Israel – presença especialmente militar – é muito forte. 39 Capítulo II - A construção do território TERRITÓRIO E MOVIMENTOS SOCIAIS No Brasil, boa parte dos movimentos sociais está relacionada à luta pelo território, seja no campo ou na cidade. Nas cidades a luta é pela moradia. Esse problema tem se agravado nos últimos tempos pelo inchaço das cidades. No campo, a luta pela terra envolve, de um lado, as comunidades indígenas e os trabalhadores rurais sem-terra e, do outro lado, os grandes proprietários rurais, os garimpeiros e os madeireiros. Com base na análise dessa figura, e considerando o conflito entre árabes e israelenses, pode-se afirmar que, para Israel, é importante manter ocupada a área disputada (Cisjordânia), por tratar-se de uma região: a) de planície, propícia à atividade agropecuária. b) estratégica, dado que abrange as duas margens do rio Jordão. c) ocupada, majoritariamente, por colônias israelenses. d) que garante hegemonia israelense sobre o mar Mediterrâneo. e) estrategicamente situada, devido ao relevo e aos recursos hídricos. 5 Desenvolvendo competências O movimento dos trabalhadores rurais sem-terra Tente resolver a seguinte questão: Em uma disputa por terras, em Mato Grosso do Sul, dois depoimentos são colhidos: o do proprietário de uma fazenda e o de um integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terras: Depoimento 1 “A minha propriedade foi conseguida com muito sacrifício pelos meus antepassados. Não admito invasão. Essa gente não sabe de nada. Estão sendo manipulados pelos comunistas. Minha resposta será à bala. Esse povo tem que saber que a Constituição do Brasil garante a propriedade privada. Além disso, se esse governo quiser as minhas terras para a Reforma Agrária, terá que pagar, em dinheiro, o valor que eu quero.” Depoimento 2 “Sempre lutei muito. Minha família veio pra cidade porque fui despedido quando as máquinas chegaram lá na Usina. Seu moço, acontece que eu sou um homem da terra. Olho pro céu, sei quando é tempo de plantar e de colher. Na cidade não fico mais. Eu quero um pedaço de terra, custe o que custar. Hoje eu sei que não estou sozinho. Aprendi que a terra tem um valor social. Ela é feita para produzir alimento. O que o homem come vem da terra. O que é duro é ver que aqueles que possuem muita terra e não dependem dela para sobreviver, pouco se preocupam em produzir nela.” – integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), de Corumbá – MS. 40 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio A partir da leitura do depoimento 1, os argumentos utilizados para defender a posição do proprietário de terras são: I. A Constituição do país garante o direito à propriedade privada; portanto, invadir terras é crime. II. O MST é um movimento político controlado por partidos políticos. III. As terras são o fruto do árduo trabalho das famílias que as possuem. IV. Este é um problema político e depende unicamente da decisão da justiça. Está correta APENAS a alternativa: a) I. b) I e IV. c) II e IV. d) I , II e III. e) I, III e IV. A partir da leitura do depoimento 2, quais os argumentos utilizados para defender a posição de um trabalhador rural sem terra? I. A distribuição mais justa da terra no país está sendo resolvida, apesar de que muitos ainda não têm acesso a ela. II. A terra é para quem trabalha nela e não para quem a acumula como bem material. III. É necessário que se suprima o valor social da terra. IV. A mecanização do campo acarreta a dispensa de mão-de-obra rural. Estão corretas as proposições: a) I, apenas. b) II, apenas. c) II e IV, apenas. d) I, II e III, apenas. e) III, I, IV, apenas. CONFLITOS DE TERRA E TERRITÓRIOS INDÍGENAS Quando analisamos os conflitos de terras envolvendo povos indígenas, não podemos esquecer que eles têm um conceito de território diferente da sociedade capitalista. Até agora discutimos os conceitos de territórios e podemos ver que, numa sociedade capitalista como a nossa, os territórios têm o seu valor econômico. A sociedade valoriza a terra como mercadoria. Para os capitalistas, os territórios significam a possibilidade de extração de riqueza. Uma característica marcante da sociedade capitalista é que ela separa o que é produzido de quem consome. E qual a visão dos povos indígenas sobre o território? Para os povos indígenas, mais importante que o valor econômico das terras é o seu valor cultural, ou seja, a ligação de cada povo com a sua terra. Leia com atenção os textos a seguir. Trata-se de trechos de um documento divulgado por ocasião da Conferência Mundial dos Povos Indígenas Sobre Território, Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992. 43 Capítulo II - A construção do território AS DIVISÕES REGIONAIS As regiões são classificadas de diferentes modos. Podemos falar de região quando nos referimos a um conjunto de países (bloco regional europeu, por exemplo), a um conjunto de estados (Região Sul, Nordeste, Sudeste, etc), a um conjunto de municípios (Região dos Lagos, Baixada Fluminense etc), ou quando nos referimos a determinadas áreas de uma cidade (região central, Zona Sul etc). DIVISÕES REGIONAIS DO BRASIL O Brasil possui atualmente 26 estados e 1 distrito federal (Brasília), como mostra o mapa 9. Mapa 9 – Brasil dividido em estados. Antigamente, a divisão não era igual a atual. Compare os Mapas 10 e 11. Eles apresentam a divisão regional do País em dois diferentes períodos, 1940 e 1990. Observe que muitos estados já pertenceram a regiões diferentes. Esses estados estão divididos em cinco grandes regiões: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Essa divisão foi elaborada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), na década de 1960. Mapas 10 e 11 – Divisões regionais do Brasil (1940-1990) Fonte: IBGE Fonte: IBGE Mapa 10 Mapa 11 44 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio Utilizando o Mapa 9, identifique a alternativa que apresenta corretamente uma das mudanças ocorridas na classificação regional do Brasil. a) O estado do Rio de Janeiro, que pertencia à Região Este, pertence atualmente à Região Sul. b) O estado do Maranhão, que pertencia à Região Nordeste, pertence atualmente à Região Norte. c) O estado de São Paulo, que pertencia à Região Sul, pertence atualmente à Região Sudeste. d) O estado de Minas Gerais, que pertencia à Região Central, pertence atualmente à Região Nordeste. Mapa 12 – Divisão geoeconômica do Brasil. 8 Desenvolvendo competências Existem outras classificações regionais do Brasil, como a que divide o nosso país em três diferentes regiões: Amazônia, Nordeste e Centro-Sul, conforme o mapa abaixo. 45 Capítulo II - A construção do território 9 Desenvolvendo competências Se você observar o mapa da página anterior e considerar as características regionais do País, perceberá que essa divisão foi feita com base na diferença: a) do número de estados. b) do número de habitantes. c) do desenvolvimento socioeconômico. d) da quantidade de cidades com mais de cem mil habitantes. O MUNDO TAMBÉM ESTÁ DIVIDIDO EM REGIÕES Os países do mundo já foram classificados de diferentes formas: impérios e colônias; países de primeiro, segundo e terceiro mundos; países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Após o período da Guerra Fria (1945-1989), muitos estudiosos dividiram o mundo em países do Norte e países do Sul, conforme o Mapa 13. Para esses estudiosos, os países do Norte eram todos desenvolvidos, enquanto os países do Sul eram subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Observando bem o mapa podemos constatar alguns problemas, como, por exemplo, o fato de a Austrália e a Nova Zelândia, países situados na Oceania, ao sul da Linha do Equador, serem países desenvolvidos. Portanto, o fato de um país pertencer ao Hemisfério Sul não significa que ele seja subdesenvolvido e vice-versa. Pode-se concluir que, mais do que uma preocupação científica, essa classificação tem um fundo ideológico, pois é produto de uma visão determinista do mundo. Mapa 13 – Divisão do mundo em países do Norte e do Sul. visão determinista ponto de vista que defende a idéia de que o grau de desenvolvimento de um país depende de características naturais. 48 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio Vamos analisar todas as opções. A opção “a” está errada, pois o Rio de Janeiro pertence atualmente à Região Sudeste. A alternativa “b” não está correta, pois o estado do Maranhão pertence à Região Nordeste. A alternativa correta é a “c”, pois, de acordo com a classificação de 1940, o estado de São Paulo pertencia à Região Sul, e hoje faz parte do Sudeste. A opção “d” está incorreta, pois Minas Gerais não faz parte do Nordeste. 8 Se você observou bem as mudanças nos mapas, reparou que o estado do Acre ainda não fazia parte do território brasileiro. Até o início do século XX, o território que hoje corresponde ao estado do Acre não pertencia ao Brasil. Ele foi conquistado por meio de um acordo entre o Brasil a Bolívia, país vizinho. Conferindo seu conhecimento 1 2 Você pode observar no gráfico que a barra preta, correspondente à população das cidades, aumentou gradativamente ao longo do século. Em 1960, a população urbana era quase igual a do campo. Logo depois desse ano, com o Êxodo Rural, a população urbana passou a ser maior que a rural. 4 Podemos observar, no perfil da região, que a Cisjordânia é uma região elevada, o que favorece a defesa militar, e possui uma vertente para o rio Jordão. Ora, se a água é um recurso escasso naquela região, ela é um recurso estratégico, muito importante. Logo, a alternativa correta corresponde à letra “e”. Por que as demais opções estão erradas? Porque a região da Cisjordânia não é de planície (letra “a”), não abrange as duas margens do rio Jordão (letra “b”), não é ocupada em sua maioria por israelenses (letra “c”) e não faz fronteira com o mar Mediterrâneo (letra “d”). Resposta Depoimento 1 Na visão do proprietário de terras do Mato Grosso do Sul (Depoimento 1), o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra) é controlado por partidos políticos “comunistas”, a propriedade da terra é garantida pela Constituição e a terra é fruto do trabalho árduo, conseguida “com muito sacrifício” pelos seus “antepassados”. Logo, a alternativa correta corresponde à letra “d”, pois em nenhum momento ele cita o argumento IV, que o problema “depende unicamente da decisão da justiça”. Resposta Depoimento 2 Segundo o integrante do MST (Depoimento 2), “a terra tem um valor social. Ela é feita para produzir alimento”. Para ele, esse argumento lhe dá o direito de ocupar a terra. Portanto, a resposta correta corresponde à letra “b”, pois só o argumento II – “terra é para quem trabalha nela e não para quem a acumula como bem material” – defende a posição assumida pelo trabalhador rural. As demais proposições não correspondem ao depoimento do trabalhador rural, pois em nenhum momento ele fala que a “distribuição da terra no país está sendo resolvida” (Argumento I) ou que deve ser suprimido o valor social da terra (Argumento III). O argumento IV, de que a mecanização do campo acarreta a dispensa de mão-de-obra rural, não serve para defender a posição do trabalhador rural. 5 O único texto que se refere à terra de forma semelhante àquela que inspirou a charge é o trecho da obra Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto. Portanto, a alternativa correta corresponde a letra “b”. 7 A figura apresenta quatro covas abertas e uma frase em tom irônico: demarcação das terras indígenas. Ela mostra a triste realidade do campo no Brasil, fruto da concentração fundiária que atinge trabalhadores rurais e povos indígenas. 49 Capítulo II - A construção do território A alternativa correta é a “c”, pois enquanto o Centro-Sul apresenta um maior desenvolvimento, o Nordeste apresenta graves problemas socioeconômicos e a Amazônia ainda é pouco explorada. A letras “a”, “b” e “d” estão incorretas porque suas alternativas não caracterizariam muitas diferenças entres as regiões, especialmente entre o Nordeste e o Centro-Sul. Se você prestou atenção, marcou a alternativa “c”, União Européia, que já se encontra na fase de mercado comum, até com moeda própria. Se não acertou, leia mais uma vez o texto que fala sobre os blocos econômicos. 9 10 50 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio ORIENTAÇÃO FINAL Para saber se você compreendeu bem o que está apresentado neste capítulo, verifique se está apto a demonstrar que é capaz de: • Interpretar diferentes representações do espaço geográfico e dos diferentes aspectos da sociedade. • Identificar os significados históricos das relações de poder entre as nações. • Analisar os processos de transformação histórica e seus determinantes principais. • Comparar o significado histórico da constituição dos diferentes espaços. • Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade histórico-geográfica. 53 Capítulo III - O que estamos fazendo com a natureza? O QUE ACONTECEU ANTES DE NÓS? Como se formou e desenvolveu o planeta em que estamos? Como aparecemos nele? Desde que se tem notícia, os seres humanos procuram responder a essa questão. Se soubermos, teremos dado um grande passo no sentido de definirmos o nosso futuro. Têm sido dadas explicações religiosas e buscadas provas científicas sobre o assunto, mas o fato é que não existe ainda uma resposta definitiva. Explica uma das teorias que a formação do Sistema Solar teria se dado a partir da contração de uma nebulosa, isto é, uma grande massa de gás e poeira cósmica. A maior parte desse material teria composto o Sol, e o restante teria formado os planetas e demais astros. Isso teria acontecido há 4.500.000.000 (4,5 bilhões) de anos. A partir daí começa uma lenta evolução. Em 3,9 bilhões de anos de resfriamento foram sendo progressivamente formadas as rochas, a crosta terrestre e o oceano, até que se estabelecessem as condições que permitiram o surgimento das primeiras formas de vida. Nos 380 milhões de anos seguintes (0,38 bilhão) se desenvolvem as primeiras formações vegetais, e um número maior de espécies complexas se desenvolve nas águas. De algumas dessas espécies se originam os anfíbios e, de alguns desses, muito tempo depois, surgem os primeiros répteis. As terras emersas, antes todas juntas, vão se separando nos próximos 150 milhões de anos (0,15 bilhão); alguns répteis assumem grandes proporções, e aparecem as primeiras aves e pequenos mamíferos. Nos últimos 70 milhões de anos (0,7 bilhão) começam a se desenvolver a flora e a fauna atuais, bem como as grandes cadeias montanhosas que hoje existem. A nossa espécie, o Homo sapiens teria surgido há cerca de 100.000 anos, ou seja, estamos entre o que há de mais recente no planeta Terra. Se a história do planeta Terra, de 4,5 bilhões de anos, fosse contada em um livro de 450 páginas, de forma proporcional ao tempo decorrido, os seres humanos só teriam aparecido na última linha da última página. 1 Desenvolvendo competências O planeta Terra se formou há cerca de 4,5 bilhões de anos e a espécie humana nele surgiu por volta de 100.000 anos atrás. Suponha que você tivesse que representar, de forma proporcional, a história do planeta em um caminho de 4,5 Km. Em que ponto do caminho você marcaria o surgimento de nossa espécie? Lembre-se que 1Km é o mesmo tamanho que 1.000m e que 1 metro é o mesmo tamanho que 100 cm. O QUE A ESPÉCIE HUMANA FEZ NO PLANETA? Estamos aqui há pouco tempo, se comparados com a maior parte das espécies animais e vegetais que existem. Mas produzimos mais modificações do que todos eles juntos. Como isso aconteceu? Herdamos de nossos ancestrais a habilidade de fazer ferramentas e de produzir fogo, bem como a competência de transmitir esses conhecimentos por meio de diferentes linguagens. Acumulamos conhecimentos sobre os processos naturais que nos possibilitaram aumentar os espaços ocupados, obtendo mais recursos, capazes de sustentar um número de habitantes progressivamente maior. Dessa forma, os seres humanos que vagueavam pela África e Ásia coletando frutas, folhas e raízes precisavam de áreas cada vez maiores para sustentar uma população em crescimento. A ocupação das áreas em que os invernos eram mais fortes dependeu de habilidades como reconhecer as diferentes estações do ano, fazer ferramentas para usar peles como vestimentas e construir abrigos. Isso fez com que há 50.000 anos já existissem seres humanos em todos os continentes, com exceção da Antártida. 54 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio Há cerca de 9.000 anos começa a ser desenvolvida a prática da agricultura, o que vai transformar completamente o modo de vida dos seres humanos em sua relação com o espaço do planeta. Essa atividade torna possível a sua permanência em um determinado lugar, desenvolvendo o sentimento de posse e o de propriedade. Vários animais são dominados para serem usados como fornecedores de carne, lã, leite, couro, ossos e como meios de transporte e produção. Todas essas mudanças proporcionam a obtenção de maiores quantidades de alimentos e permitem um crescimento mais rápido da população. Começou a existir um excedente, ou seja, a produção obtida era superior às necessidades de consumo do produtor, o que vai permitir que uma parte dos habitantes realize outras atividades econômicas como o comércio e o artesanato ou se dedique a práticas religiosas e políticas, em alguns locais centrais, ao redor dos quais vão se formando as primeiras cidades, há cerca de 6.000 anos. Vai se estabelecendo assim uma divisão de trabalho entre as pessoas e entre o campo e a cidade, o que anteriormente não existia. Com isso se espalham conhecimentos como o uso da roda, a utilização de metais e da cerâmica e a prática da irrigação. Surgem as primeiras formas de escrita, o que vai possibilitar um registro mais preciso e completo da produção cultural e facilitar sua transmissão. O crescimento da população proporcionado por esses acontecimentos obriga a ocupação de novas áreas e a conseqüente intensificação das trocas, o que determina o surgimento da moeda e cria a necessidade de se produzir cada vez maiores quantidades de bens. Mapa 1 Fonte: SIMIELLI, Maria Elena. Geoatlas. São Paulo: Ática, 2000. PARTES DO MUNDO 55 Capítulo III - O que estamos fazendo com a natureza? A expansão e intensificação desses processos ao longo de 2.000 anos vão resultar na grande transformação na forma de produzir objetos conhecida como Revolução Industrial, caracterizada pela utilização de outras fontes de energia (que não a humana e a animal), para movimentar máquinas criadas para repetir operações humanas com uma velocidade e perfeição que multiplicaram muitas vezes o volume produzido e provocaram igual crescimento na necessidade de matérias primas, o que levou a uma intensificação na exploração dos recursos naturais em todo o planeta. O atual estágio de desenvolvimento econômico causado pelo conhecimento acumulado sobre os processos naturais, que resultou em técnicas que permitiram produzir quantidades maiores, possibilitou a existência de um número progressivamente crescente de habitantes, cada vez mais concentrados em grandes cidades. COMO SE ESTÁ UTILIZANDO O ESPAÇO TERRESTRE? E, atualmente, o que estamos fazendo com o espaço que dividimos com os outros seres vivos? Será que podemos continuar dessa forma? Sabemos que a superfície do planeta é formada por aproximadamente 74% de oceanos e mares e 26% de terras emersas, isto é, acima do nível do mar. As terras emersas são utilizadas da forma apresentada no gráfico. Observe que mais de um quarto das terras (26%) é utilizado como pasto permanente para criar gado, para que se possa comer sua carne e derivados e transformar o resto em outros produtos. Além disso, boa parte dos 12% da superfície terrestre usados para a agricultura são destinados à alimentação animal, que consome mais de um terço da produção mundial de grãos (soja, milho, trigo etc). Veja o tamanho de alguns dos rebanhos mundiais destinados a atender às necessidades de 6,1 bilhões de habitantes (ano 2001): • 14,85 bilhões de frangos e galinhas • 1,7 bilhão de ovelhas e cabras • 1,4 bilhão de patos, gansos e perus • 1,35 bilhão de bovinos • 0,93 bilhão de porcos Alguns cientistas consideram razoável pensar que a relativa superioridade da espécie humana pode estar relacionada à grande variedade de alimentos ingeridos, com destaque para os de origem animal. Os que criticam o crescente consumo de animais argumentam que: • seria mais fácil diminuir a fome no mundo se houvesse um menor consumo de produtos de origem animal, pois a pecuária estimula a cultura de grãos - que, diminuída, tornaria possível lavouras mais diversificadas; Figura 1 - Gado pastando na Amazônia. Gráfico 1 Fonte: FAO-ONU. FORMAS DE UTILIZAÇÃO DAS TERRAS EMERSAS lagos, represas e terras úmidas áreas áridas montanhosas, solos improdutivos, áreas urbanas, estradas, rios e pastos não usados de forma permanente pastagens permanentes florestas terras agricultáveis 26% 12% 26% 3% 33% 58 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio Como se pode observar, a quantidade de água doce é relativamente pequena e sua localização não é das melhores para os seres humanos, já que as maiores quantidades estão em locais de difícil acesso para nossa espécie, como as calotas polares e as geleiras. industrialização processo de criação de um número progressivo de indústrias de diferentes tipos em uma determinada área, região ou país, fazendo com que essa atividade assuma maior importância e movimente valores maiores do que as atividades agrícolas. urbanização processo provocado pela industrialização em que a população das cidades cresce mais rapidamente do que a população rural, tendo como principal força propulsora as migrações motivadas pelo surgimento de ofertas de emprego na indústria, construção civil, comércio e demais atividades urbanas. Além disso, os processos de industrialização e urbanização, acompanhados do grande crescimento populacional, fizeram com que a utilização da água doce esteja acontecendo em velocidade maior do que seu tempo de renovação, ocasionando escassez desse produto em várias regiões do planeta . Veja o mapa número 2. ÁGUA DOCE (EM METROS CÚBICOS) DISPONÍVEL POR PESSOA, POR ANO EM CADA PAÍS Observe nesse mapa que parte considerável dos países que compõem a África, Europa e Ásia (inclusive China e Índia, que possuem juntas mais de um terço da população mundial) já têm ou podem ter problemas sérios com água em futuro próximo. Cabe destacar que o fato de um país estar classificado como suficiente não significa que em seu território não existam problemas regionais. No Brasil, por exemplo, a maior disponibilidade de água está na Amazônia, enquanto que em vastas porções do sertão nordestino e nos grandes centros urbanos há escassez ou problemas graves de disponibilidade ou qualidade da água. No século passado (1901 a 2000), o consumo de água cresceu três vezes mais que a população, o que determinou uma maior utilização das águas subterrâneas, o que vem causando seu esgotamento em diversos países. Veja no gráfico número 3 como cresceu o consumo de água por setor. Mapa 2 Fonte:Adaptado de http://www.ourplanet.com/aaas/pages/natural03-02.html. Acessado em 30 out. 2002. Menos de 1.000 1.000-2000 2.000-5.000 5.000-10.000 10.000-20.000 20.000-100.000 Mais de 100.000 Dados insuficientes Subterrânea 59 Capítulo III - O que estamos fazendo com a natureza? Observe como, a partir de 1950 se inicia um aumento significativo do consumo industrial, seguido, a partir dos anos 60, pelo uso residencial. Note que, a partir de 1980, esse crescimento tem sua aceleração diminuída. Outro fator que agrava ainda mais a situação é que esse aumento do consumo não aconteceu de maneira igual para todos os habitantes do planeta. Uma pessoa nos Estados Unidos da América usa em média mais de 500 litros de água por dia, no Brasil, 200, e em vários países africanos, cerca de 40 litros, para todas as suas necessidades, como beber, cozinhar, tomar banho, lavar roupas e louça etc. Considera-se um consumo de cerca de 80 litros por dia suficiente para a manutenção de uma pessoa em bons níveis de saúde e higiene. Portanto, existe muito desperdício no tratamento, distribuição e consumo de água em alguns países. Além de tudo isso, existe o problema que 1,2 bilhões de pessoas no mundo não têm acesso à água potável, o que provoca a morte de 6.000 crianças por dia e a metade das internações hospitalares no mundo, todas causadas por doenças transmitidas por água sem tratamento. Como se não bastasse tudo isso, é cada vez maior a poluição das águas do planeta provocada pela mineração, indústrias, esgoto residencial, defensivos agrícolas e adubos, lixo etc. USO MUNDIAL DE ÁGUA POR SETORES, NOS ÚLTIMOS 60 ANOS Gráfico 3 – Uso mundial de água por setores nos últimos 6 anos. Fonte: Nações Unidas, 1997. 4 3 2 1 0 1940 1950 1960 1970 1980 1990 x 1 .0 0 0 km 3 /A N O ANO 2000 (estimativa) TOTAL Agricultura Industrial Outros usos 60 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio 2 Desenvolvendo competências Observe o Mapa número 3 – Poluição das Águas. Observe que praticamente todos os grandes rios do planeta e vastas porções dos oceanos e mares apresentam algum grau de alteração em suas águas. Mapa 3 Fonte: SIMIELLI, Maria Elena. Geoatlas. 31. ed. São Paulo: Ática, 2002. p. 19. POLUIÇÃO DAS ÁGUAS Levando em conta o seu conhecimento sobre as questões relativas à água, responda: 1. Quais seriam as suas propostas no sentido de resolver os problemas relativos à utilização da água no planeta? Considere todos os elementos possíveis, como o consumo por setor, o tempo de reposição, a distribuição geográfica da oferta e do consumo de água, a poluição etc.. 2. Consulte a conta de água da casa em que você mora e calcule o consumo per capita, ou seja, divida o consumo pelo número de pessoas que moram com você. Considere um metro cúbico igual a 1.000 litros. Qual foi o resultado? Ele está acima ou abaixo da média nacional de 200 litros por pessoa e do consumo de 80 litros por dia? 3. Suponha que, em função de problemas de escassez do produto, a Agência Nacional de Águas (ANA – órgão do Governo Federal que define as questões relativas a esse recurso no Brasil) determinasse um corte de 50% no consumo residencial. Como você reagiria? 63 Capítulo III - O que estamos fazendo com a natureza? DENSIDADE DEMOGRÁFICA Como se pode observar no mapa de densidade demográfica (quantidade de habitantes do país dividida por sua área em quilômetros quadrados), a distribuição da população não é uniforme, existindo algumas áreas que concentram a maior parte das pessoas no planeta, a saber: • o Sul e o Sudeste da Ásia (1); • Europa (3) • Oriente Médio (2); • Centro-oeste da África (4); • Sudeste da África (5); • fachada atlântica da América do Sul (6); • porções do México, da América Central (7); • porção oriental dos Estados Unidos da América e Canadá (8). É evidente que, quanto maior o número de habitantes, maior será o consumo e, conseqüentemente, maior será a utilização do solo, água, minérios etc. Mas temos que considerar que existem diferentes níveis de consumo. Atualmente, avalia-se que, se toda espécie humana tivesse o mesmo consumo médio que os Estados Unidos da América, seriam necessários os recursos naturais equivalentes aos existentes em três planetas Terra. Uma criança nascida nos Estados Unidos da América consome em média, ao longo de sua vida, cerca de 30 vezes mais do que uma criança nascida na Índia. Por isso não basta pensar só no número de habitantes, quando se quer avaliar a utilização de recursos naturais. Nessa relação população e consumo, 100 milhões de pessoas (0,1 bilhão) nos Estados Unidos da América equivalem a 3 bilhões na Índia. Mapa 4 Fonte: SIMIELLI, Maria Elena. Geoatlas. 31. ed. São Paulo: Ática, 2002. p.25. 64 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio COMO ALIMENTAR TANTA GENTE? Acompanhe o raciocínio. Se a população mundial nos próximos 50 anos aumentar em 3,2 bilhões de habitantes, como se espera, seria necessário produzir mais 960 milhões de toneladas de grãos, para manter a média de consumo atual (3,2 bilhões X 0,3 ton). Com as técnicas atualmente utilizadas, isso representaria um aumento de 960 bilhões de toneladas no déficit hídrico já existente no mundo, que é de 160 bilhões. Onde conseguir essa água? Teríamos também que aumentar proporcionalmente a área utilizada para a agricultura e pecuária. Se hoje se utiliza 38% das terras para suprir as necessidades de uma população de 6,1 bilhões de habitantes, seria necessário um acréscimo de 52% nas terras para produzir para 9,3 bilhões de habitantes (o proporcional a 52% a mais de habitantes). Isso representaria utilizar mais 19,76% das terras emersas. Reveja o Gráfico número 1, que mostra as formas de utilização das terras emersas e analise: Um terço das terras é composto de áreas que não podem ser aproveitadas para a agricultura e pecuária (cidades, estradas) ou que necessitariam de muito trabalho para se tornarem aproveitáveis (áreas áridas, montanhosas ou de solos improdutivos). Boa parte das áreas áridas e semi- áridas do planeta padecem com o processo de desertificação causado pelo uso excessivo do solo para agricultura e pecuária, pela retirada das formações vegetais originais, práticas inadequadas de irrigação e outros fatores. A desertificação resulta em perda de solos e da biodiversidade, aumento da erosão e conseqüente diminuição da água, porque os rios e reservatórios ficam assoreados (com o fundo cheio de areia e outros sedimentos), aumentam os períodos secos, enfim, vai se construindo ou ampliando um deserto, o que empobrece as pessoas, fazendo-as migrar para outras regiões, acentuando os problemas nelas existentes. Com isso, ao invés de ampliar as áreas de utilização, estamos perdendo as que tínhamos. Observe, no Mapa número 5, a extensão das áreas de desertificação, em sua maior parte localizadas nas proximidades dos desertos já existentes. ÁREAS COM RISCO DE DESERTIFICAÇÃO Mapa 5 Fonte: SIMIELLI, Maria Elena. Geoatlas. 31. ed. São Paulo: Ática. 2002. p.17. 65 Capítulo III - O que estamos fazendo com a natureza? A opção restante poderia ser desmatar 76% das florestas (19,76% de um total de 26%) que ainda restam. Mas destrui-las para ampliar as áreas de plantação e pasto significaria perder boa parte da biodiversidade que existe, diminuir os reservatórios naturais de água, aumentar a ação dos processos erosivos, poluir solos, água e ar com a produção e aplicação em maior escala de adubos químicos e defensivos agrícolas, alterar os climas e sua distribuição geográfica, alterar a composição dos gases na atmosfera e muitas outras alterações. Seria condenar boa parte da humanidade a viver com quantidades cada vez menores de água e alimento em um ambiente progressivamente mais poluído e degradado. DESTRUIÇÃO DAS FLORESTAS NO MUNDO Onde conseguir esse espaço? Seria possível ainda enumerar vários outros graves problemas causados pela ocupação humana do planeta Terra, como: • o afinamento geral e rompimento (sobre as áreas glaciais) da camada de ozônio, diminuindo a proteção natural contra os raios ultravioleta que prejudicam os seres vivos, aumentando, por exemplo, a incidência dos casos de câncer de pele; • a poluição do ar, do solo e da água causadas pela deposição de lixo urbano, cada vez mais volumoso em função das embalagens e da maior descartabilidade dos produtos; • a poluição do ar e a chuva ácida causadas pela emissão de gases na atmosfera, que provocam doenças e afetam todas as outras formas de vida; • o aquecimento do planeta, provocado pelo aumento das emissões de gases como o dióxido de carbono, que podem causar mudanças climáticas capazes de alterar significativamente a existência da espécie humana no planeta. Mas com as informações que já possuímos, é possível estabelecer que o planeta possui limites e que não é possível ultrapassá-los sem sofrer graves conseqüências. Não é possível usar mais água do que a capacidade de reposição. Não é possível ampliar indefinidamente a parcela de terras destinadas à agropecuária. Não é possível lançar quantidades cada vez maiores de produtos químicos no solo, na água e na atmosfera. Mapa 6 Áreas cobertas por florestas atualmente Áreas de florestas destruídas 68 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio 4 Desenvolvendo competências As informações coletadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) falam por si. A sociedade mundial também está à beira do esgotamento, degradada, poluída, destruída. O QUE PODEMOS FAZER? Vamos dizer que sozinhos não podemos fazer nada e aguardar os acontecimentos? Ou vamos nos juntar àqueles que acreditam que o que foi feito pela sociedade pode ser transformado por ela? Existem soluções técnicas para todos os problemas apresentados. Mas todas elas implicam algum tipo de “prejuízo” , isto é, vão custar mais trabalho, podem causar outros tipos de problema ambiental, os lucros podem diminuir ou uma parcela da humanidade deverá reduzir a quantidade de produtos que consome. A água poderá ser melhor usada se forem utilizadas técnicas de irrigação mais eficientes, se consumirmos menos carne, se parte da água for reutilizada para determinadas atividades industriais e de uso doméstico, se as empresas distribuidoras reduzirem os 30% que jogam fora e se reduzirmos o que gastamos desnecessariamente. Os combustíveis fósseis e outras fontes não renováveis podem ser substituídos progressivamente por energia solar, eólica (dos ventos), das marés, geotérmica (calor do interior da Terra), biodigestores, mais hidrelétricas; os carros podem ser movidos a hidrogênio ou biomassa (entre as quais o álcool de cana) ou melhorar o transporte coletivo; podemos nos acostumar a gastar menores quantidades de energia em casa. A biodiversidade existente pode ser preservada e a poluição causada pelos agrotóxicos e adubos reduzida se forem adotadas técnicas agrícolas orgânicas e se diminuirmos as áreas ocupadas por pastagens. A população mundial pode ter seu crescimento desacelerado se melhorar o acesso à educação e à saúde, para que as pessoas possam decidir conscientemente se devem ou não ter filhos. Portanto, o problema é político, isto é, está relacionado com a forma que a sociedade vai usar para definir o que vai ser feito, como, quando e onde. Uma constatação pode ser feita: as formas utilizadas até hoje e que levaram à atual situação precisam ser modificadas. Para pensar qual deve ser essa forma, podemos nos perguntar se os seres humanos são todos iguais em direitos e obrigações ou se existem diferentes categorias. Se nos consideramos semelhantes, devemos assumir integralmente nossa condição de “sócios” dessa sociedade e exercitar a parcela que cabe a cada um na tomada das decisões e na divisão dos resultados. Para que nossa participação seja positiva é necessário estar informado sobre o que se passa no mundo, no Brasil, no seu estado, em seu município, bairro, rua e casa. Tudo está interligado e se relaciona. Em todos os organismos células morrem e novas nascem todos os dias. Não existem fronteiras entre as diferentes partes que os compõem, pois elas dependem umas das outras para que o todo funcione razoavelmente. Talvez devamos começar a nos entender não somente como indivíduos, mas como células de um grande organismo. O QUE VOCÊ FARÁ? Considerando as informações e análises colocadas no texto, as respostas que você deu nas atividades propostas e os conhecimentos adquiridos ao longo de sua vida, produza um texto que expresse: • a sua análise do processo de ocupação do planeta Terra pela espécie humana; • o que você acredita que deva ser feito para que nós e nossos descendentes possamos viver aqui por tempo indeterminado; • o que você fará para que essas propostas sejam realizadas. 69 Capítulo III - O que estamos fazendo com a natureza? Se 4.500 metros devem representar 4.500.000.000 bilhões de anos X metros devem representar 100.000 anos X será igual a 100.000 X 4.500 dividido por 4.500.000.000 X = 0,1 metro ou 10 centímetros Ou seja, se a história do planeta fosse representada em um caminho de 4.500 metros, o surgimento da espécie humana teria que ser assinalado a 10cm antes do final. Comentários sobre as respostas: Na resposta à primeira questão seria desejável que as propostas deixassem evidente a necessidade de rever totalmente as formas de utilização desse recurso, tendo como princípios o não desperdício, a reutilização, o desenvolvimento de técnicas de utilização poupadoras, a visão de que a água é um recurso indispensável à vida e que, portanto, não pode ser tratada como uma mercadoria. As questões 2 a 7 têm como objetivo estabelecer um comportamento ético e cidadão em relação à água, formulado coerentemente a partir de diferentes pontos de vista, para que seja transformado o nosso comportamento individual no que se refere ao nosso consumo particular e também a nossa participação na formulação de decisões sociais sobre a questão. Conferindo seu conhecimento 1 2 3 Observação pessoal. 4 Texto pessoal. 70 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio ORIENTAÇÃO FINAL Para saber se você compreendeu bem o que está apresentado neste capítulo, verifique se está apto a demonstrar que é capaz de: • Identificar diferentes representações cartográficas de um mesmo espaço geográfico. • Analisar o papel dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando transformações naturais e intervenção humana. • Correlacionar a dinâmica dos fluxos populacionais e a organização do espaço geográfico. • Correlacionar textos analíticos e interpretativos sobre diferentes processos histórico-geográficos. • Confrontar formas de interações culturais, sociais, econômicas, ambientais, em diferentes circunstâncias históricas. 73 Capítulo IV - Estado e direito Em seguida, os gêmeos restituíram o trono a Numitor e liberaram sua mãe, Silvia, da prisão. Uma vez restabelecida a ordem monárquica legítima no reino de Alba, decidiram fundar uma cidade para si, ali onde a loba os havia alimentado quando eram bebês. Pediram então conselho a um velho sábio para saber a quem dentre os dois tocava dar o nome à cidade e tornar-se seu rei, já que eram irmãos gêmeos. O sábio dirimiu a questão, respondendo que cada um deles devia subir numa das colinas do local onde pretendiam erigir a cidade, o monte Palatino e o monte Aventino. Do alto, deviam observar atentamente o céu, estudando o vôo dos pássaros para entender o que os deuses haviam decidido sobre essa questão. Remo, do alto do Aventino, foi o primeiro a ver os pássaros: seis, com grandes asas, que voavam bem acima da sua cabeça. Mas, pouco depois, Rômulo viu, do alto do Palatino, doze pássaros da mesma espécie. Nesse momento, os dois gêmeos começaram a brigar. “Fui eu quem viu os pássaros primeiro”, dizia Remo, “e, portanto, a nova cidade levará o meu nome e nela eu serei rei”. “Certo”, respondia Rômulo, “mas eram apenas seis, enquanto eu vi doze pássaros! Portanto, o rei da nova cidade serei eu e a chamarei Roma. Os deuses falaram claramente!” Então, Rômulo pegou um bastão e desenhou um grande quadrado sobre a terra, e disse: “Eis os confins de minha cidade. Ninguém deverá ultrapassá-los sem a minha permissão.” Remo, furibundo, precipitou-se para ultrapassar a linha traçada pelo irmão. Rômulo levantou a sua espada e matou-o, gritando: “Eu te disse e agora o repito: quem ultrapassar os confins de minha cidade sem pedir-me permissão, morrerá!” Só mais tarde, passada a sua ira, Rômulo deu-se conta de ter feito uma coisa terrível, e enterrou Remo, com todas as honras, exatamente na colina onde havia subido. Mas ficou ainda muito arrependido do gesto brutal que perpetrara. Desgostoso, chegou a pensar em desistir de fundar a cidade, mas depois compreendeu que se renunciasse a tal projeto, os deuses se enfureceriam contra ele, e a morte de seu irmão teria sido em vão. Junto com seu bando, começou então a construir casas, ruas e muralhas que protegessem Roma de seus inimigos. Rômulo reforçou também o seu bando de guerreiros, oferecendo asilo aos banidos e aos fugitivos, e empreendeu diversas guerras ao lado deles contra o seu maior inimigo, Titus Tacius, rei dos sabinos, capturando esposas para os romanos nessas ocasiões. A partir de então, Rômulo governou com prudência, apoiado em leis sábias e ajudado por cem senadores, isto é, por um conjunto de indivíduos que auxiliavam no governo e na distribuição da justiça em Roma. Por tudo isso, ficou conhecido como o fundador das instituições políticas e militares romanas. Sua cidade prosperou, tornando-se a maior e a mais bela do mundo antigo e, mais tarde, foi a capital de um imenso império, o Império Romano. ALGUMAS IDÉIAS QUE PODEMOS EXTRAIR DA LENDA DE RÔMULO E REMO O AMBIENTE VIOLENTO A primeira coisa que podemos constatar ao lermos esta lenda da fundação de Roma (que teria ocorrido por volta do ano 753 antes de Cristo) é que os personagens nela envolvidos vivem num ambiente de muita violência. As histórias dos dois personagens principais, Rômulo e Remo, são marcadas por dramas fortes, desde o seu abandono quando ainda eram bebês: guerras, assassinatos etc. Apesar de tratar-se de uma lenda, ela não é muito diferente, nesse aspecto, da verdade histórica: se considerarmos os últimos 5.000 anos (isto é, mais ou menos o tempo decorrido desde que os homens passaram a viver em sociedades organizadas sob um Estado), o mínimo que podemos dizer é que os seres humanos nem sempre conviveram pacificamente. Aliás, se atentarmos um pouco para a nossa própria situação, hoje em dia, simplesmente lendo os jornais ou assistindo aos jornais televisivos, devemos nos resignar à idéia de que continuamos 74 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio enfrentando sérias dificuldades para conviver harmoniosamente, gozando de paz e liberdade. Isso pode ser observado, às vezes, até mesmo no âmbito restrito da família. Mas é fácil identificar a verdade da afirmação acima numa esfera social mais ampla: a) seja dentro de países que enfrentam diferentes formas de conflito social (podemos lembrar aqui das guerrilhas na Colômbia, nossa vizinha, ou, no Brasil, nos morros cariocas, por exemplo), b) seja entre determinados países que guerreiam por questões territoriais, econômicas, religiosas etc. (e aqui podemos lembrar das guerras entre os israelenses e os palestinos, ou entre os paquistaneses e os indianos). Contudo, se juntarmos algumas leituras de livros de História à nossa reflexão sobre as informações que podemos retirar do cotidiano e dos meios de comunicação de massa, devemos reconhecer que muitos progressos foram feitos para conter a violência e regular o convívio entre os homens nos últimos 5.000 anos. Nesse período, apareceram duas instituições fundamentais que subsistem até hoje, organizando todas as sociedades humanas: o Estado e o Direito. Estas soluções inventadas pelo homem foram tão fundamentais que, hoje, Estado e Direito só existem vinculados um ao outro. A RELIGIÃO COMO LEI Podemos considerar que, durante estes 5.000 anos, a religião também colaborou neste processo histórico de melhoria das formas de convívio entre os homens. As diversas religiões agiram, aliás, de uma maneira semelhante ao Direito: assim como as normas jurídicas, as religiões contêm também um código de procedimentos que determina o que é bom e o que é mau, discriminando assim o que os homens podem fazer e o que lhes é proibido. As leis, sejam elas civis ou religiosas, contêm, portanto, uma dimensão moral que regula o convívio entre os homens. As religiões relacionaram-se freqüentemente com as diferentes formas adquiridas pelo Estado e pelo Direito ao longo da História. Isso acontece ainda hoje em alguns países, como Israel, Irã ou o Vaticano. Nesses casos, o Estado é chamado confessional, porque ele se legitima através de uma crença religiosa. O ESTADO E O DIREITO Voltemos, contudo, à história da fundação de Roma. Se explorarmos um pouco mais o conteúdo da lenda de Rômulo e Remo, poderemos compreender o papel histórico que essas duas instituições políticas e jurídicas, o Estado e o Direito, exerceram na regulação da convivência entre os cidadãos romanos. Vejamos. Entre o começo e o final da lenda, existe uma oposição entre dois Estados diferentes. No reino de Alba, a usurpação do trono de Numitor por um tirano, Amulius, ficou impune. A coroa só foi restituída ao seu legítimo herdeiro pela iniciativa pessoal de Rômulo e Remo, com a ajuda de seu bando. A ação dos irmãos gêmeos foi motivada, contudo, mais pelo desejo de vingança do que pelo respeito à legitimidade da sucessão. Em Roma, ao contrário, o Estado de Direito que foi instituído previa mecanismos reguladores da sucessão no governo do Estado e a punição para os usurpadores. Na República romana, ao contrário do reino de Alba, existiam ainda os chamados “tribunos”, isto é, magistrados que atuavam em defesa dos direitos e dos interesses do povo. Por isso também Roma era nomeada uma República (e não um regime despótico ou tirânico). A prosperidade que tais mecanismos asseguraram a Roma levou-a a estender os seus domínios e a criar numerosas colônias, entre elas Alba. O CÓDIGO LEGAL Podemos identificar ainda na lenda de Rômulo e Remo uma oposição entre um tempo de barbárie, onde os delitos não eram punidos, e um tempo no qual os homens eram governados segundo um código legal. Em Alba, nem os crimes perpetrados pelo próprio Estado, nem os crimes perpetrados pelos cidadãos, como no caso dos bandoleiros liderados por Rômulo e Remo, eram punidos. Ao reino de Alba 75 Capítulo IV - Estado e direito opõe-se, portanto, a República romana, onde um código de leis regula o convívio entre os homens segundo normas pré-estabelecidas. Essas normas tornar-se-ão um código escrito mais tarde, já no século VI depois de Cristo (mais exatamente entre os anos 528 e 533), por iniciativa do imperador Justiniano (nascido em 483 e imperador romano desde 527 até a sua morte, em 565), isto é, já sob o Império Romano que sucedeu à República romana. Essas leis visavam a garantir o bem comum. Elas preocupavam-se, portanto, com a coisa pública (em latim, res publica, de onde se origina a palavra república, em português). Conforme escreveu recentemente o jurista brasileiro Dalmo de Abreu Dallari, não basta uma reunião de pessoas para que se tenha por constituída uma sociedade. De fato, para que haja uma sociedade, é indispensável, entre outras coisas, que as pessoas tenham se agrupado em vista de uma finalidade – a paz, a liberdade, a segurança, a garantia das condições essenciais para a sobrevivência e a reprodução do grupo. Para a sociedade romana, a finalidade expressa era o bem comum. A LIMITAÇÃO DOS ESPAÇOS Um outro elemento importante que podemos identificar na lenda da fundação de Roma diz respeito ao gesto de Rômulo, que risca o chão e traça o limite dentro do qual ficaria a sua cidade. Assim procedendo, ele entende delimitar um espaço que seria protegido dos inimigos externos e regulado internamente. A filósofa e pensadora política Hannah Arendt (1906-1975) associou a palavra grega nomos, que poderíamos traduzir por lei, ou norma, à idéia de um limite, que pode inclusive ser um limite físico, como um muro. Ela refere-se, nesse sentido, a um fragmento do filósofo grego Heráclito (que viveu entre 540 e 480 antes de Cristo), que escreveu que o povo deve lutar pela lei como por um muro. Da mesma maneira, Hannah Arendt também associou a cidade antiga (polis, em grego, e urbs, em latim) à idéia de limite: segundo ela, a palavra polis tinha originalmente a conotação de algo como um “muro circundante” e, ao que parece, o urbs também exprimia a noção de “círculo” (em latim, orbis). Rômulo, ao fundar a cidade de Roma, logo ordenou que fosse levantado um muro que deveria cercar e proteger os romanos dos seus inimigos externos. Dentro desse espaço cercado pelos muros, vigorariam leis que deveriam proteger os romanos, punindo aqueles que não as respeitassem, fossem eles cidadãos ou não (como era o caso dos estrangeiros e dos escravos). RECAPITULANDO... Recapitulemos as idéias que pudemos extrair da lenda de Rômulo e Remo até agora. a)A fundação de Roma pode ser tomada como um episódio emblemático na História da Humanidade, onde se fundou, junto com a cidade, um Estado baseado no Direito. b) Esse Estado tornou-se estável e duradouro ao definir regras claras para a sucessão do seu governante, evitando, dessa maneira, as guerras internas, isto é, disputas sucessórias que poderiam enfraquecê-lo e, por extensão, aos próprios romanos. c) O Estado romano cumpria uma dupla função, protegendo os cidadãos que a ele estavam submetidos das ameaças externas e protegendo os cidadãos uns contra os outros, garantindo, assim, a prosperidade dos romanos ao longo do tempo ao assegurar as condições essenciais para a sua sobrevivência e para a sua reprodução. d) Para tanto, definiu-se um código de leis (que se tornou escrito durante o governo do imperador Justiniano, para conhecimento de todos os cidadãos), regulando a sucessão dos governantes, mas também definindo os direitos e os deveres das pessoas, o estatuto da propriedade, os crimes passíveis de serem punidos etc. O DESPOTISMO Voltemos novamente à lenda de Rômulo e Remo, pois outras idéias interessantes podem ainda ser extraídas dali. 78 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio M a p a 1 ( co n cl u sã o ) F o n te : A tl a s H is tó ri co E sc o la r. 5 . ed . F E N A M E /M E C , 1 9 6 0 . p . 6 6 -6 7 . 79 Capítulo IV - Estado e direito A fundação de Roma opõe-se, pelas características que acabamos de resumir, ao reino de Alba. Mas essa oposição não é total, pois se Alba era um reino, então possuía um Estado também. Dessa observação podemos concluir uma coisa muito importante: o Estado já existia antes de Roma. Mas esse Estado tinha, como característica definidora da sua constituição, o despotismo, isto é, um sistema de governo que se funda no poder de dominação sem freios, em benefício do próprio governante. Em alguns casos, acrescentava-se ainda uma falta de clareza ou de respeito com relação às regras de sucessão dos governantes, quando o despotismo passava a ser chamado de tirania. Este era o caso do reino de Alba, após a usurpação do trono de Numitor por Amulius. Mais uma vez, o que aparece contado na lenda assemelha-se bastante à realidade da época. Podemos identificar muitas formas diferentes de organização do Estado ao longo da História. Antes da fundação de Roma, as principais formas que conhecemos foram definidas pelos egípcios, no tempo dos faraós, e pelos impérios assírio, meda, babilônico e persa. De uma maneira geral, tais Estados tinham em comum o fato de serem militarmente fortes e de seus instrumentos de governo serem altamente concentrados nas mãos do governante. Essas duas características, centralização e militarização do Estado, foram recuperadas mais tarde no Ocidente, sobretudo na montagem do Império Romano (a República romana estendeu-se aproximadamente de 509 a 27 antes de Cristo; após um período de muitas turbulências, que coincidiram com a expansão do domínio romano, instaurou-se o Império, convencionalmente situado entre os anos 27 antes de Cristo e 476 depois de Cristo). 80 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio Mapa 2 Fonte: Atlas Histórico Escolar. 5. ed. FENAME/MEC, 1960. p. 72-73. 83 Capítulo IV - Estado e direito Mapa 3 Fonte: Atlas Histórico Escolar. 5. ed. FENAME/MEC, 1960. p. 98-99. 84 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio Mas, nesses dois momentos, não foram recuperadas apenas essas características, a centralização e a militarização do Estado. De certa maneira, tanto o Império Romano, que sucedeu à República romana, como os Estados nacionais modernos que se firmaram a partir do século XVI- XVII, não podiam apoiar-se apenas na força das armas para exigir obediência da população. Eles precisavam, portanto, de um certo reconhecimento da população para poderem se legitimar e garantir a sua permanência. Para tanto, eles assimilaram as formas de organização política já existentes nessas sociedades e, sobretudo, incorporaram a dimensão moral presente na cultura religiosa predominante em cada época (o paganismo romano e o cristianismo, respectivamente). Vimos acima como as leis civis e as religiões têm em comum esse aspecto moral que define o que é certo e o que é errado. Essa associação entre o Estado e a Religião encontrou uma forma de expressão em termos legais, de maneira a enquadrar quem adotasse um comportamento inadequado aos interesses do Estado e do conjunto da sociedade. O Estado passou a se caracterizar então: a) como uma forma de organização baseada no exercício exclusivo e legítimo da força, b) mas também como uma forma de organização que, ao se apresentar como legítima diante dos cidadãos, exprime-se através de leis que determinam os deveres dos cidadãos. Devemos concluir disso que Direito e Estado apareceram, nesses casos, como duas faces da mesma moeda. O ORDENAMENTO DO ESTADO Segundo o cientista político italiano Norberto Bobbio, o Direito recorre, em última instância, à força física para obter o respeito das normas. Isso fica claro nas formas legais de punição dos contraventores das leis: multa, prisão e, às vezes, mesmo a condenação à morte. Por isso, o Estado, que deveria visar o bem comum, conforme vimos acima, pode tornar-se também um poderoso instrumento de dominação e de exploração dos próprios cidadãos, na medida em que ele é ocupado apenas por determinados setores ou classes sociais, excluindo os demais. O Direito é, portanto, um ordenamento (uma organização posta em prática através de leis) que, ainda que seja estabelecido a partir de um consenso social, só se realiza através da força e em defesa de determinados princípios que podem: a) ser consensuais (quando o bem comum é contemplado), b) apenas aparentar ser consensuais, pois, nesse caso, traduziriam apenas os interesses particulares de quem governa, ou do grupo social para quem se governa. Dois momentos que podem ilustrar essa última situação são os governos instituídos após a Revolução Gloriosa, em 1688, na Inglaterra, e a Revolução Francesa, em 1789. Banqueiros, comerciantes e outros membros da burguesia derrubaram os monarcas absolutistas desses países, tomaram da nobreza os principais postos no aparelho do Estado e, a partir de então, passaram a elaborar leis e a promover políticas que favorecessem os seus interesses particulares. No caso da Revolução Inglesa, o rei passou a ser controlado por um parlamento dominado pela burguesia. No caso da Revolução Francesa, a monarquia foi extinta para fundar a República francesa. Tanto num caso como no outro, a propaganda política da burguesia mencionava sempre a defesa do bem público, mas o que prevaleceu afinal foram os seu interesses particulares. O ESTADO DE NATUREZA E O ESTADO CIVIL Os primeiros pensadores que se interrogaram sobre esta questão – o Estado como expressão do bem comum, em oposição ao Estado como expressão de uma forma de domínio privado que apenas aparece como uma forma de governo voltada para o bem comum – explicaram o processo histórico que viu o aparecimento do Estado e do Direito separando duas “idades” do Homem: a época em que vivia num estado de natureza e a época em que passou a viver num estado civil. 85 Capítulo IV - Estado e direito Ao discutirem essa passagem do estado de natureza para o estado civil, eles pretendiam criticar a forma como ela se deu em cada caso e, com isso, referendar ou desaprovar a constituição dos Estados em que viviam. Essa crítica aconteceu particularmente nos séculos XVI e XVII, que correspondem ao período de formação e consolidação dos Estados nacionais na Europa, conforme vimos acima, quando reis com um poder quase total ocuparam o governo do Estado. Esse tipo de governo era chamado absolutista. Na realidade, encontramos essa idéia da passagem do estado de natureza para o estado civil esboçada desde Aristóteles (um filósofo grego que viveu entre 384 e 322 antes de Cristo). No livro chamado Política, ele distingue a lei natural de uma outra lei, feita pelos homens e para os homens. É essa idéia que será retomada e desenvolvida mais tarde, a partir do século XVI, por uma série de filósofos, juristas e teólogos. Para o principal desses pensadores, um inglês chamado Thomas Hobbes (1588-1679), a passagem do estado de natureza para o estado civil (que corresponde à passagem do não-Estado para o Estado) representa a passagem de um estado não-jurídico a um Estado jurídico. No estado não-jurídico, não existe um direito universalmente válido e sustentado por uma força comum (isto é, o Estado), mas somente direitos privados, sustentados pela força de cada um. É o que Hobbes chamava de estado de guerra de todos contra todos, cada um defendendo os seus interesses particulares, ligados à sobrevivência e reprodução. Já o Estado propriamente dito é fundado num ato jurídico, como é o pacto social através do qual os indivíduos se associam e colocam em comum os próprios bens e as próprias forças individuais para atribuí-los a um governante (seja ele um monarca, a nobreza ou o povo, o que corresponderia às formas de governo monárquica, aristocrática e democrática, respectivamente). A forma atual de expressão desse pacto social corresponderia, por exemplo, ao momento em que fazemos nossa carteira de identidade, quando significamos ao Estado e ao conjunto da sociedade que fazemos parte deles e aceitamos as suas regras de funcionamento. Quando votamos, também estamos participando da escolha dos governantes que ocuparão e conduzirão as políticas do Estado: nesse sentido, ao votarmos, estamos reafirmando o pacto social e aceitando as suas regras. Dito de maneira mais simples e breve, para Hobbes, a fundação do Estado é a fonte única e exclusiva do Direito. Fora do Estado, não há Direito, apenas força e um estado de guerra de todos contra todos. O ESTADO E O DIREITO CIVIL Thomas Hobbes utilizava, ainda, uma outra expressão para dizer que o estado de natureza (isto é, o estado em que o homem vive antes da criação do Estado e do Direito) equivale a um estado de guerra de todos contra todos: ele dizia que, no estado de natureza, o homem é como um lobo para o homem. Essa idéia de que o homem é o lobo do homem tinha sido formulada, com estas mesmas palavras, já pelos romanos. É curioso notar, então, que, nesses dois momentos que estamos analisando aqui – a fundação do Estado romano e a fundação do Estado moderno - ainda que distantes muitos séculos um do outro, pensa-se a questão do Estado e do Direito a partir do mesmo tema. Tanto num momento como no outro, tratava-se de conter não só os impulsos mais egoístas dos homens, mas também a ação de bandos fortes e organizados que podiam prejudicar a sobrevivência e a reprodução de outros grupos de seres humanos. A imagem que associa o homem ao lobo pode ser localizada, mais uma vez, na lenda de Rômulo e Remo: alguns personagens são maus como lobos, como, por exemplo, Amulius, “ruim como poucos”. Outros personagens associam-se em bandos semelhantes aos dos lobos, como Rômulo e Remo, que se tornaram líderes de um bando de pastores guerreiros e provocavam guerras e golpes sediciosos. Thomas Hobbes imaginava que, diante deste quadro de guerra de todos contra todos, os indivíduos isolados e os grupos mais fracos uniriam suas forças e os seus bens para se 88 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio 1 Desenvolvendo competências Até aqui vimos como as sociedades derivadas do modelo romano resolveram o problema da convivência humana tendo como objetivo, como finalidade, o bem público – o que poderíamos traduzir simplesmente como a felicidade dos homens. O fundamento desse modelo reside na associação entre Estado e Direito. Vimos também que o Direito civil organiza o convívio dos homens dentro de uma determinada sociedade, assegurando a sua sobrevivência e a sua reprodução. Já o Direito internacional organiza a convivência entre os diferentes Estados, assegurando da mesma maneira a sua sobrevivência ao evitar as guerras que poderiam destruí-los. Se olharmos mais atentamente para as sociedades herdeiras do modelo romano e que generalizaram suas formas de expressão políticas e econômicas para o resto do mundo desde a expansão do capitalismo, iniciada no final do século XVI (a chamada época dos descobrimentos), veremos que, ainda que a idéia de um Estado de Direito tenha sido bastante aperfeiçoada desde então, a injustiça persistiu não apenas no interior destas sociedades, mas também nas relações que elas estabeleceram entre si e com as regiões “descobertas”, para onde transferiram esse aparato jurídico de governo. De fato, conforme observa o jurista Dalmo de Abreu Dallari, “o homem contemporâneo, estimulado por uma série de circunstâncias, deu grande relevo às necessidades e aos interesses de natureza econômica.” Essa primazia dos aspectos econômicos sobre os aspectos sociais teve como resultado o fato de que setores inteiros da sociedade têm sido negligenciados pelas políticas públicas. Ao privilegiarem o crescimento econômico, que é apenas o aumento das quantidades, esses Estados acabaram deixando de lado a melhoria da qualidade de vida de parcelas inteiras da sua população, em benefício apenas de alguns setores, que enriqueceram com tais políticas. A justiça social também passa, portanto, pela justa distribuição dos benefícios econômicos gerados pelo conjunto da sociedade. Coloquemo-nos, então, algumas questões que requeiram a aplicação dos conhecimentos adquiridos até aqui. 1. De que maneira o crescimento econômico pode atender ao bem comum, dentro das normas que regem o funcionamento do Estado de Direito, isto é, pensando no bem público de uma sociedade determinada? Tomemos como exemplo o Brasil. Algumas soluções encontradas aqui são: a) A expansão da economia informal. b) O crime organizado. c) A exploração do trabalho de estrangeiros ou de pessoas oriundas das regiões pobres do Brasil. As deficiências da Organização das Nações Unidas devem-se a um requisito que nós já analisamos aqui, e que ela não possui: o monopólio da força para fazer executar as leis decididas e promulgadas nas suas assembléias. 89 Capítulo IV - Estado e direito 2 Desenvolvendo competências d) O imposto sobre a renda. e) A ida para os Estados Unidos. A alternativa “a” pressupõe formas de organização da atividade econômica à margem da sociedade, sem o controle do Estado. Da mesma maneira, o crime organizado (alternativa “b”), que pode eventualmente distribuir recursos à população, opera à margem da sociedade de Direito e supõe a exploração, pelo roubo e outras formas de violência, de uma parcela da população. A exploração do trabalho de estrangeiros, ou de pessoas oriundas das regiões pobres do Brasil (alternativa “c”), não chega sequer a constituir uma solução, pois não faz mais do que transferir o problema para uma outra região, ou para uma outra parcela da população. A ida para os Estados Unidos (alternativa “e”), ou qualquer outro país rico do planeta, não é mais do que uma solução individual, que não resolve, portanto, o problema do bem público. Dentre as alternativas propostas, a única solução viável, dentro do Estado de Direito, encontra-se na alternativa “d”: o recolhimento dos recursos gerados pelo trabalho do conjunto da sociedade e a sua redistribuição através de benefícios sociais que possam ser usufruídos coletivamente (saúde, educação, melhorias na infra-estrutura material etc.). O filósofo grego Aristóteles, a quem já nos referimos neste capítulo, é quem conceituou a idéia de uma justiça distributiva: “desiguais devem ser tratados desigualmente”, dizia ele, pois se desiguais fossem tratados igualmente, teríamos injustiça. Esse princípio da justiça distributiva é que norteia o funcionamento do imposto sobre a renda: uma pessoa que ganha pouco (digamos, um salário mínimo) não deve ser tratada da mesma maneira que uma pessoa que ganha dez salários mínimos, e ambas não devem ser tratadas da mesma maneira que uma pessoa que ganha cem salários mínimos. A função do Estado, neste caso, consiste em restabelecer uma certa igualdade, tributando diferentemente essas pessoas. O fruto do trabalho total da sociedade, considerando as capacidades e habilidades de cada trabalhador, seria assim posto em conjunto pelo Estado para ser redistribuído à população segundo as suas necessidades. Para tanto, numa sociedade desigual como é a sociedade capitalista brasileira, é preciso que as cotas de contribuição sejam justas, de maneira que quem ganhe mais dinheiro pague mais imposto e quem ganhe pouco pague pouco imposto, ou seja dele isento. Por quê? Porque o mercado não possibilita, pelos seus mecanismos próprios, uma redução das disparidades sociais, que põem em questão a própria existência da sociedade (ameaçando a sua sobrevivência e reprodução) e, extensivamente, a existência do Estado. Cabe, portanto, ao Estado, enquanto representação da sociedade que visa o bem público, fazer uso dos mecanismos legais de que dispõe e efetuar políticas distributivas (no sentido aristotélico do termo), tirando da miséria aqueles que são vítimas da fome, da falta de saúde, e que estão impossibilitados de pretender a uma ascensão social devido à falta de educação. Coloquemo-nos uma outra questão relativa ao mesmo problema concernido pela questão anterior. As ações do Movimento dos Sem Terra (MST), como as ocupações de propriedades improdutivas e, sobretudo, a ocupação de propriedades pertencentes a políticos e de repartições públicas, têm sido bastante questionadas pela imprensa. Todas essas ações colocam em questão um princípio fundamental consagrado pela Constituição brasileira: a propriedade. 90 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio Qual argumento legitima a reivindicação fundamental do Movimento dos Sem Terra, qual seja, a realização de uma reforma agrária? a) O direito de propriedade para todos os brasileiros, independentemente da sua condição. b) O direito à sobrevivência e à reprodução de qualquer cidadão brasileiro. c) O questionamento do modelo agro-exportador, que necessita de grandes latifúndios. d) A anterioridade da forma de ocupação comunitária das terras brasileiras pelos indígenas, antes da chegada dos portugueses. e) A inconstitucionalidade da Constituição de 1988, que beneficia apenas os banqueiros, os empresários e os latifundiários. Se algumas ações dos integrantes do Movimento dos Sem Terra podem ser caracterizadas como inconstitucionais, como no caso das referidas ocupações de propriedades privadas, sua reivindicação principal, a reforma agrária, não deixa de ser justa. Por isso eles privilegiam a ocupação de propriedades improdutivas, que são aquelas propriedades que não têm uma “função social”, onde o governo se comprometeu a fazer uma reforma agrária. O fundamento da reivindicação do Movimento dos Sem Terra reside, em última instância, na própria Constituição, pois os seus integrantes, enquanto cidadãos, deveriam ter o direito mínimo à sobrevivência e à reprodução garantidos pelo Estado. Se o Estado não lhes dá condições de se alimentarem, de morarem etc., ele está violentando os direitos fundamentais de uma parcela da sociedade. A alternativa correta é, portanto, a “b”. É interessante, contudo, analisarmos as alternativas erradas, à luz dos conhecimentos adquiridos ao longo deste capítulo. O direito de propriedade para todos os brasileiros (alternativa “a”) não está assegurado pela Constituição, pois o que define a condição do cidadão brasileiro não é a sua condição de proprietário, mas a condição de seu nascimento, isto é, ser filho de pais brasileiros. A propriedade não é um direito adquirido pelo fato de o cidadão ser brasileiro. O questionamento do modelo agro-exportador que necessita de grandes latifúndios (alternativa “c”) é um questionamento eminentemente político. Tal modelo pode gerar efetivamente desigualdades sociais ao provocar a concentração da terra e a migração de parcelas expressivas da população do campo para a cidade, do que decorrem ainda outros malefícios sociais. Contudo, o questionamento do modelo econômico não constitui um argumento jurídico, mas um argumento político. A anterioridade da forma de ocupação comunitária das terras brasileiras pelos indígenas, antes da chegada dos portugueses (alternativa “d”), tampouco constitui um argumento respaldado pelo Direito constitucional. Há muito tempo, os índios foram espoliados das suas terras e mesmo escravizados (perdendo, assim, qualquer direito civil dentro do sistema jurídico transplantado para cá pelo governo português, na época da colonização). A ocupação do território que hoje corresponde ao Brasil pode ser considerada ilegal, de fato, e algumas pessoas afirmavam isso já naquela época. Hoje, contudo, o Estado brasileiro representa uma população que abarca tanto os índios, como as demais populações que acabaram se tornando igualmente brasileiras. A afirmação contida na alternativa “e” também não constitui um argumento válido, pois a Constituição de 1988 não beneficia apenas os banqueiros, os empresários e os latifundiários. Podemos, sim, afirmar que as leis em vigor privilegiam em muitos aspectos esses setores da população (lembremos, por exemplo, que os bancos não pagam impostos). Mas sendo essas leis aprovadas pelos poderes instituídos, elas são legítimas, e todos os brasileiros devem respeitá-las. Isso não impede que cada cidadão lute por leis mais justas, pois, de fato, existe uma primazia dos aspectos econômicos sobre os aspectos sociais na legislação, do que resulta que setores inteiros da sociedade têm sido negligenciados pelas políticas públicas… como é o caso da população que se beneficiaria de uma reforma agrária. Conforme dissemos acima, ao privilegiar o crescimento econômico, o Estado acabou deixando de lado a melhoria da qualidade de vida de parcelas inteiras da sua população, em benefício apenas de alguns setores, que enriqueceram com tais políticas. O atendimento do bem comum acabou sendo, nesses casos, preterido em favor do atendimento do bem de uma parcela apenas da população. 93 Capítulo IV - Estado e direito Figura 1 do governo, o ponto de vista do latifundiário, o ponto de vista do camponês sem terra, o meu ponto de vista). Procure compreender a importância social, política e econômica desse fenômeno: a sobrevivência dos homens condicionada à produção de alimentos, a geração de riquezas que faz do trabalhador também um consumidor de outras mercadorias produzidas no país etc. Procure, então, definir o seu ponto de vista, considerando o tema aqui abordado, o Estado de Direito. Construa argumentos que fundamentem sua proposta de solução para este problema. Lembre-se, contudo, de que para fundamentar a sua opinião, você deve sempre ter em mente de que maneira o Direito tem sido concebido nas sociedades ocidentais: como um instrumento privilegiado de organização das práticas sociais, através das noções de direito e dever, de justiça distributiva (ou distribuição de justiça) e dos valores éticos e morais que as fundamentam. Um exercício como este poderá fornecer-lhe instrumentos para a aplicação da relação entre o Estado e o Direito a outras situações problemáticas que encontramos no Brasil e no mundo, de maneira que você tenha autonomia de leitura e de reflexão e de intervenção na sociedade. PARA CONCLUIR (E PARA VOCÊ CONTINUAR…) Voltemos agora ao ponto de partida, onde observávamos que os homens nem sempre conviveram pacificamente e que bastava prestarmos um pouco de atenção para encontrarmos nos jornais e na televisão indícios de que os homens continuam enfrentando sérias dificuldades para conviver harmoniosamente. O melhor exercício que podemos propor agora, para que você continue o estudo sozinho e compreenda melhor o tema deste capítulo, é justamente o de ler com atenção os jornais, ou assistir à televisão, pensando sobre o tema que discutimos aqui: o vínculo entre Estado e Direito como meio de garantir a paz e a liberdade, condições desejáveis e mesmo condicionais para a sobrevivência da espécie humana. Escolha um tema qualquer – por exemplo, aprofunde a reflexão sobre a polêmica questão da reforma agrária – e procure pensá-lo dentro dos parâmetros discutidos neste capítulo, formando a sua própria opinião sobre a questão. Procure dominar as diferentes linguagens com que tal problema é apresentado (informes oficiais, jornais, panfletos, a discussão da segunda questão neste capítulo, etc.), comparando os diferentes pontos de vista sobre a questão (o ponto de vista 94 Ciências Humanas e suas Tecnologias Ensino Médio ORIENTAÇÃO FINAL Para saber se você compreendeu bem o que está apresentado neste capítulo, verifique se você está apto a demonstrar que é capaz de: • Identificar registros em diferentes práticas dos diferentes grupos sociais no tempo e no espaço. • Analisar o papel do direito (civil e internacional) na estruturação e organização das sociedades. • Analisar a ação das instituições no enfrentamento de problemas de ordem econômico-social. • Comparar diferentes pontos de vista sobre situações ou fatos de natureza histórico-geográfica, identificando os pressupostos de cada interpretação e analisando a validade dos argumentos utilizados. • Reconhecer alternativas de intervenção em conflitos sociais e crises institucionais que respeitem os valores humanos e a diversidade sociocultural. Leandro Karnal CIDADANIA COMPREENDER E VALORIZAR OS FUNDAMENTOS DA CIDADANIA E DA DEMOCRACIA, FAVORECENDO UMA ATUAÇÃO CONSCIENTE DO INDIVÍDUO NA SOCIEDADE. Capítulo V
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