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Pedagogia corpo e paixao, Notas de aula de Pedagogia

estou no meu primeiro semestre,e assim como eu se alguns calouros se acham uu pouco indeciso,eis uma materia que o leva a se apaixonar pela pedagogia.

Tipologia: Notas de aula

2010

Compartilhado em 05/09/2010

jose-carlos-cardoso-3
jose-carlos-cardoso-3 🇧🇷

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Baixe Pedagogia corpo e paixao e outras Notas de aula em PDF para Pedagogia, somente na Docsity! Pedagogia: corpo e paixão Danilo Di Manno de Almeida* Onde está o corpo, ali está a paixão... Acredito que esta maneira de dizer as coisas possa descrever bem a história do pensamento filosófico sobre esses temas. O corpo e a paixão são tecidos num só movimento, fundamentando uma mesma argumentação, formando uma visão unitária do humano. Dada a desconfiança que esses temas engendraram na história européia ocidental, não é de se estranhar que seja desencadeado um processo formativo educacional para estabelecer os limites das paixões humanas e assegurar um suposto bom desenvolvimento da convivência. A dificuldade da pedagogia em ser afetada pelos temas do corpo e da paixão não se explicaria exclusivamente no interior de sua história. Ela está inserida num projeto mais amplo de formação cultural. Neste sentido, a pedagogia é dependente de uma paidéia, ou seja, de um projeto de formação do homem segundo a imagem desta cultura que renega o corpo e deprecia as paixões. Se quisermos visualizar um pouco mais a paidéia que propicia e instiga projetos pedagógicos de exclusão do corpo * Doutor em Filosofia pela Universidade de Paris (França). É docente e pesquisador do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp). e domínio das paixões, temos que nos remeter a Descartes. Não porque Descartes seja culpado pelo mundo moderno, mas porque ele é o filósofo que melhor representa o projeto moderno de formação do homem. Por outro lado, se propomos uma pedagogia apaixonada, essa pedagogia implica necessariamente evocar o tema corpo. Desta vez, não porque o corpo seria uma temática que se impõe, mas porque o corpo e a paixão impõem os traços e formoseiam o discurso desta pedagogia.1 O corpo e as paixões Em 1649, Descartes escreve seu livro Paixões da alma. Esclarece no prefácio que sua vontade é de explicar as paixões como físico e não como orador ou filósofo moral (Préface, AT 0 0 9 3XI, 326). Para ele, nada há em que melhor apareça quão defeituosas são as ciências que recebemos dos antigos do que naquilo 0 0 9 4que escreveram sobre as paixões . Se o projeto é aproximar- 0 0 9 3se da verdade teria de distanciar-se dos caminhos que 0 0 9 4eles trilharam (1983: 217). Provavelmente, a distância estaria precisamente no fato de que ninguém havia descrito as paixões de maneira racional e científica, como ele pretendia. O mais interessante não está em criticar Descartes, posto que, do ponto de vista da temática da paixão, ele não a rebaixou nem elevou, em comparação a seus antecessores. Tampouco será Descartes aquele que primeiro vincularia a temática do corpo à da paixão. O que é novo em Descartes é a maneira como ele (r)estabelece essa relação. O lugar de Descartes é decisivo, porque ele é bem-sucedido em retomar a trajetória filosófica que o antecedeu, revogando-a e gravando nela o selo da modernidade européia. 1. 0 0 9 3Este artigo remete àquele publicado em Educação e linguagem, nº 2, Por 0 0 9 4uma pedagogia apaixonada . As reflexões que se seguem foram propiciadas por um seminário homônimo. sobre a alma. De maneira que Descartes aconselha a apaziguar a emoção que se encontra no sangue... esfriar-se, se quiser. O que é novo em Descartes não é a subjugação das paixões à maestria ou senhoria da razão, do entendimento. Não 0 0 9 3é só Descartes que apela à utilidade da sabedoria porque ensina a gente a tornar-se de tal forma seu senhor e manejá-las 0 0 9 4 0 0 9 3com tal destreza e fazer uso das paixões que, no final, são 0 0 9 4todas boas , sobretudo se controladas pelo entendimento em busca da verdade. O pathos se cravava no logos de Aristóteles (Meyer, p. 53); Platão não tinha como expulsar a concupsciência da alma para guardar somente sua racionalidde (p. 32 ver 38). O cristianismo, como extensão do platonismo transformação a doença provocada pela paixão na filosofia em pecado na teologia. O que há de importante a destacar na empresa cartesiana é o fato de que a ação da vontade do pensar vence a paixão do corpo. Que a ciência começa a encontrar o caminho da certeza a partir da afirmação da superioridade do pensar sobre o corpo. Separação inevitável para aqueles que começam a ver no pensamento o caminho da redenção do conhecimento humano. Merece destacar que o pensamento ocidental que herdamos, enquanto povos dominados por essa cultura, é que os discursos sobre as paixões são costurados simultaneamente com as referências ao corpo. Por que é necessário vincular um ao outro? Em que medida isto serve para embasar melhor os pressupostos científicos do pensar, e dar os fundamentos necessários de toda ciência do humano, de suas relações e de suas práticas? Isto não vem do fato de que o ponto de partida de que 0 0 9 6todo pensar rigoroso tem necessariamente a se considerar o 0 0 9 6modelo de ciência ocidental moderna de escolher caminhos (métodos) em que o corpo está ausente ... ele e suas paixões? 0 0 9 5 0 0 9 5EDUCAÇÃO E LINGUAGEM EDIÇÃO ESPECIAL, 117-131, JAN/DEZ 2001 121 De que valem as considerações sobre a paixão e sobre o corpo, senão para afirmar ainda mais a capacidade intelectual de tematizar todos os problemas e objetos que se encontram a seu alcance? Talvez o preço de todo discurso asséptico seja a eliminação 0 0 9 3 0 0 9 4de sua dependência do corpo e de suas paixões para 0 0 9 3 0 0 9 4introduzir a segurança da independência da mente em julgar seus objetos. Talvez tenhamos de procurar pela paixão na pedagogia para que encontremos com essa temática desprezada o corpo sofrido que se perdeu no rigor dos discursos bem estruturados segundo as regras da ciência. Pedagogia e paixão A proposta de uma pedagogia apaixonada dá outra imagem à pedagogia. Esta não aparece mais segura do domínio de seu objeto teórico. Na imagem apaixonada esvazia-se o voluntarismo do ato educativo. As práticas educacionais ganham relevo; as teorias do saber educacional ficam em segundo plano. Deslocam-se na tela, o sujeito e o objeto. Não é só o sujeito que aparece destronado de seu ideal de transparência, como o quer a hermenêutica da suspeita (Ricoeur: 1986). O deslocamento mais significativo diz respeito ao objeto, pois, subjaz à discussão sobre as pretensões de eficácia científica do discurso do pedagogo, o problema do estatuto do objeto deste discurso. É preciso dizer que esse deslocamento não tem interesses epistemológicos (ainda que possa ter conseqüências dessa natureza). Ocorre que, antes de colocar o problema da fundamentação da pedagogia, tem-se de enfrentar a passagem fundamental, em que aquilo que era objeto da ciência pedagógica torna- se sujeito iniciador da pedagogia apaixonada. Assim, em vez de fornecer fundamentos para a teoria educacional, trata-se de produzir imagens possíveis para que teorias da educação sejam, de fato, apaixonadas. Essa proposta não partilha do desejo de constituir a pedagogia como empreendimento científico. Contudo, como a proposta de uma pedagogia apaixonada não é de natureza epistemológica, não é seu objetivo oferecer oposição às tentativas de garantir cientificidade ao discurso pedagógico. O instigante está em visualizar melhor o projeto unitário da paidéia moderna: se todos os saberes devem ser científicos, fica mais ou menos evidente que os motivos ou a finalidade desse reducionismo deve ser procurado em outro lugar que no domínio da Ciência. Quanto a esse problema, diria que, que ao invés de ser contra a visão científica da educação, mesmo faceando-o, a pedagogia apaixonada não é afetada diretamente pelo problema da cientificidade. O que não quer dizer que há desconhecimento do império da epistemologia em nossa cultura, visto que o problema do 0 0 9 3 0 0 9 4conhecimento se impõe em todas as áreas. Se podemos atenuar o problema da práticas educativa, dizendo que ela tem de ser considerada outra coisa além da ciência e das metodologias, como afirma Gadotti (1995: 28-29), não podemos fazer o mesmo com a pedagogia, visto que o problema de sua fundamentação científica é um momento intransponível do projeto de formação da paidéia cultural. No império epistemológico as relações são reduzidas ao objetal. O que nos indica já o tipo de apreciação do corpo numa pedagogia que triunfa na esteira da paidéia. Por outro lado, é possível adotar um certo ceticismo relativo 0 0 9 3à cientificidade da pedagogia e constatar que não dispomos de 0 0 9 4critérios para avaliar essa coisa imponderável que é a educação (Rubem Alves 1991: 16). Por isso, é preciso fazer oscilar o pêndulo do saber entre a ciência e a sapiência (Rubem Alves, 2000), mesmo que, preferencialmente o pêndulo retarde seu movimento quanto pende para o lado da sapiência. Essa demora preferencial 0 0 9 5 0 0 9 5EDUCAÇÃO E LINGUAGEM EDIÇÃO ESPECIAL, 117-131, JAN/DEZ 2001 123 abastados. É demonstração do tipo de raciocínio a que é afeito 0 0 9 3 0 0 9 4o o corpo não-oprimido ocioso em seu deleite intelectual. Ora, o oprimido existe antes que o conceito de oprimido passe pelo crivo criterioso da linguagem científica e se transforme em objeto de discussão. Ser apaixonado é ser afetado, não pela temática do oprimido ou do corpo sofrido, mas pela sua situação vívida e vivida. Uma pedagogia apaixonada concentra seus esforços corporais na discussão sobre a relação que o pedagogo estabelece com seu objeto de estudo. O que é ser apaixonado? Para responder, tomemos o belo texto de Heidegger, esvaziando-o de seu sentido eurocêntrico e de seu essencialismo: traduzimos habitualmente páthos por paixão, turbilhão afetivo. Mas páthos remonta a páskhein, sofrer, agüentar, suportar, tolerar, deixar-se levar por, deixar-se com-vocar por. É ousado, como sempre em tais casos, traduzir páthos por dis-posição (1984: p. 21-22). Com efeito, a paixão nos transforma em objeto, descentrando radicalmente nosso sujeito. Mas não somos apaixonados por uma temática, como pode ocorrer, no melhor dos casos, no mundo da ciência. Somos, sim, afetados, apaixonados por corpos... Por isso estamos longe de toda romantização da paixão, como afetação do sujeito por si mesmo, Se a situação apaixonada mexe interiormente com o sujeito, isto se deve à presença ou à visão do corpo sofrido. Descentralizado, o sujeito (Ricoeur), ficamos à mercê do outro: o apaixonado perdeu seu centro, atirado e atraído que foi pelo outro que o seduz. Sou constrangido a sair de mim mesmo. A situação apaixonada transtorna também o topos: tudo se transforma ao redor; as velhas e costumeiras coisas ganham outro sentido: há uma reorganização do mundo e do que nele existe. Devido a seu traço topológico, a paixão está ligada à utopia. Mas não se trata da utopia do sujeito que teria aprendido a ser dar conta do outro corpo. Trata-se de uma utopia do encontro de corpos... todos saudáveis, cheios de prazer, minimizando e eliminando o sofrimento humano; utopia do dar- se o direito sentir-se corpo por inteiro. Nessa utopia o corpo se deixa levar, não pelo Ser (Heidegger), nem pela temática filosófica da Corporalidade, mas pelo corpo sofrido que o afeta. Essa é a utopia maior dos corpos: a paridade no gozo do corpo. É a luta contra a divisão social do gozo dos corpos. 0 0 9 6Sistema e corpo Para as estruturas e sistemas educacionais (inclusive ou sobretudo?) há um duplo problema: primeiramente, a paixão não tem direção, é imprevisível. Sendo assim, fica difícil administrá-la; em segundo lugar, elas estão habituadas a lidar com questões relativas ao corpo via formalismos, esquemas intelectuais ou virtuais. E quando é direta a relação com o corpo, este é tomado como objeto ou estruturalmente considerado. Nos dois casos, é difícil aceitar que o corpo entre antes que outros elementos na escala dos 0 0 9 3 0 0 9 4 0 0 9 3 0 0 9 4valores e dos programas . O que ocorreria se nos deixássemos levar (páthos) pelo corpo e só depois (e por causa disto), ocupar-se dos currículos, das matérias, do sistema educacional, da gestão e das políticas? Para que isso ocorra não é preciso apaixonar-se pelos corpos sofridos? Não é preciso que o corpo docente penserse primeiro como corpo e somente depois como docente? Ao apaixonar-se pelos corpos doentes no projeto da paidéia poderia ver em que medida seu corpo perdeu-se, ainda que de outra forma, no sistema. 0 0 9 5 0 0 9 5EDUCAÇÃO E LINGUAGEM EDIÇÃO ESPECIAL, 117-131, JAN/DEZ 2001 127 O corpo conturba o sistema, tal como a paixão o faz em relação à topologia dominante. O corpo é uma ameaça ao sistema. O corpo precisa ser sistematizado para entrar no sistema. Daí os vestibulares, as carteiras e outros mobiliários, a disposição dos espaços, as relações entre os habitantes da escola, as notas, as reprovações e repetições, os castigos, as humilhações. Daí as séries, os conselhos, os burocratas do ensino. Conspirações não contra a aprendizagem, o ensino apropriado, mas contra o corpo. Pensemos em todos esses aparatos a partir do corpo e não da relação estéril do tipo ensino/aprendizagem, métodos, recursos. Rubem Alves insiste numa volta ao corpo, colocado entre parênteses pela objetividade científica. Não seria o propósito da 0 0 9 3 0 0 9 4educação a domesticação do corpo ? (1991: 40). A objetividade científica tem muito pouco de científico. Ela é permeado pelos interesses da pólis, do político. Ela serve já à uma organização política dos corpos. É aí que nós deveríamos fazer considerações sobre a ciência e não no interior da cientificidade, quando os corpos já estão politicamente definidos 0 0 9 6no espaço e nas suas relações inclusive o corpo do pedagogo que se regozija na contribuição que seu trabalho pode dar à ciência como um todo. Justamente, a paixão é a linguagem do corpo. Mas os 0 0 9 3 0 0 9 4desprezadores do corpo , para usar a expressão de Nietzsche, espalharam a notícia de que seres apaixonados não pensam com 0 0 9 3 0 0 9 4a razão . São rumores racionalistas e racionalizantes daqueles que acreditam pensar com seus pensamentos e não com o corpo. É verdade que seres apaixonados não pensam com a razão. No entanto, contrariamente às suas intenções dos arautos, essa visão generalizada significa tão somente que os apaixonados não pensam somente com uma parte do corpo (a razão). Diferentemente do não-apaixonado, o apaixonado pensa com seu corpo, Referências bibliográficas ALVES, Rubem. Conversas com quem gosta de ensinar. 26. ed., São Paulo: Cortez-Autores Associados, 1991. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. FULLAT, Octavi. Filosofias da educação. Trad. Roque Zimmermann, Petrópolis: Vozes, 1994. GADOTTI, Moacir. Pedagogia da práxis. Prefácio de Paulo Freire. 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Paul Ricoeur. 2ème éd., Paris: P.U.F., 1991, v. I, p. 1282-87. 0 0 9 5 0 0 9 5EDUCAÇÃO E LINGUAGEM EDIÇÃO ESPECIAL, 117-131, JAN/DEZ 2001 131
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