Baixe Rulamentação do profissional de Educaçao Física e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Educação Física, somente na Docsity! Os Bastidores da Regulamentação do Profissional de Educação Física Renan de Almeida (Org.) Os Bastidores da regulamentação do profissional B 326 de educação física/ Renan de Almeida (org) Vitória, ES : UFES, Centro de Educação Física, 2002. 138 p. 1.Mercado de Trabalho, 2. Educação Física, 3. Educação Física – Regulamentação. 1. Almeida, Renan de. CDU: 796 profissão de professor de Educação Física desde 1998, o CREF-1 (sob chancela do CONFEF) resolveu criar um “curso de nivelamento” para quem não fez faculdade. Curiosa esta iniciativa do CREF-1, ainda mais se soubermos que era o próprio presidente da unidade do Rio quem ministrava as aulas. Então, nada mais justo do que o Ministério Público determinar a devolução das anuidades pagas no valor de R$ 80,00 pelos seus quase sete mil inscritos, além de cancelar a afiliação dos profissionais de ioga, dança e artes marciais. Este já me parecia um caminho previsível a ser tomada por esta entidade que vem se proliferando no Brasil, sobretudo, as custas de uma formação nada cidadã, que é produzida a partir da escola primária no país. Porque é a ausência senso- crítico que torna profícuo um campo de especulação financeira e do ganho fácil para os que se põe como “espertalhões de plantão”. Mais o pior é ver como os lobistas das empresas privadas de equipamentos esportivos, publicações e dos “fazedores de diplomas” vêm ganhando poder em barganhar junto do Ministério da Educação e Cultura os impropérios acerca das Diretrizes Curriculares de Licenciatura e Graduação (!), na formatação dos ditos “Provões”, no estabelecimento das áreas de intervenção do profissional formado em Educação Física e no equacionamento dos que eles - da maneira mais presunçosa possível - vem chamando de qualidade na formação e no exercício ético e competente da profissão. Pasme! Logo quem? Destoando do coro dos contentes e dos passivos, o Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo, incentiva a publicação dos textos que seguem, entendendo que só as atitudes sensatas tem lugar legitimo na veiculação da informação. Pois é dentro do aceite da pluralidade no debate, que os engodos sucumbem à falta de argumento. Assim, por meio desta publicação singela convidamos aos que querem se colocar como interlocutores no debate - e não somente seus ouvintes passivos - trazendo a públicos estes “marginais” em nome da difusão democrática da informação. Isto posto, certamente entendemos o valor desta contribuição se coloca no sentido de revermos as ações e os caminhos que devemos trilhar, cientes de um compromisso com o futuro deste país. Profª Drª Mara Cristan Diretora em Exercício do CEFD/UFES Vitória, 23 de abril de 2002 REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO E MOVIMENTO NACIONAL CONTRA A REGULAMENTAÇÃO DO PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA1 Hajime Takeuchi Nozaki2 O objetivo deste texto é apresentar, sucintamente, contrapontos e contradições do processo de regulamentação da profissão de educação física, sobretudo no que diz respeito ao seu atual estágio de formação dos Conselhos Regionais. Um segundo ponto a ser abordado é a apresentação do Movimento Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de Educação Física (MNCR), seu surgimento, seus pressupostos de luta e condições atuais para o enfrentamento da questão instaurada. 1. Contrapontos à regulamentação em sua atual fase O contraponto central de nossas considerações em relação ao processo da regulamentação da profissão, e que se mantém vigente mesmo depois da aprovação da lei 9696/98, é a análise de que tal processo tem se amoldado ao atual estágio do desenvolvimento histórico capitalista, não trazendo, portanto, avanço nenhum aos trabalhadores de forma geral, e especificamente os da educação física. O capitalismo tem como característica atravessar várias crises estruturais, ou seja, próprias do seu sistema, e assim sendo, tenta sufocadamente, a cada nova manifestação de crise de superprodução, superá-la reordenando suas formas. A forma neoliberal é um exemplo típico desta afirmativa, pois surge na tentativa de sair de uma crise que teve seu apogeu nos anos 70/90, provocada pelo Estado de Bem-Estar Social, que 1 Texto produzido para a para a Semana Acadêmica da UFES. 2 Professor Assistente do Departamento de Desportos da Universidade Federal de Juiz de Fora e membro do Movimento Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de Educação Física. serem estabelecidos pelo Conselho Federal de Educação Física” (BRASIL, 1998). Ou seja, a retirada dos ditos leigos do mercado das atividades não formais, que se tornou a bandeira do Movimento Nacional para a Regulamentação, não conseguiu efetivar-se no corpo do texto lei conquistada. Por outro lado, no intuito de conseguir um mínimo de duas mil assinaturas para a efetivação de cada Conselho Regional, os agentes mobilizadores logram, neste momento, suas investidas em torno dos professores das escolas, de forma legalista, autoritária e coercitiva, contrariando o próprio discurso inicial, que dizia respeito ao campo não-formal. Como exemplos desta assertiva, observamos no Brasil a prática de divulgação de panfletos que dizem respeito à ilegalidade (sic!) da atuação dos professores nas escolas sem o dito registro, a articulação com secretarias municipais e estaduais no sentido delas solicitarem tal registro, seja para os efetivos, como para as novas contratações, bem como as ameaças de não entrega de diplomas a formados sem a devida inscrição no Conselho. Ou seja, neste momento, são os próprios professores e estudantes que apoiaram e subscreveram o PL 330/95 os novos alvos de ataque do processo da regulamentação. 2. O Movimento Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de Educação Física O Movimento Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de Educação Física (MNCR) veio amadurecendo desde as primeiras discussões críticas apresentas ao PL 330/95 (CASTELLANI FILHO, op.cit.; FARIA JUNIOR, et.al., 1996; FERREIRA, 1996; NOZAKI, 1997; PALAFOX, TERRA, 1996). Apoiado sempre nas discussões promovidas pelo Movimento Estudantil de Educação Física (MEEF), e por algumas Secretarias Estaduais do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE), o MNCR foi deflagrado no XX Encontro Nacional dos Estudantes de Educação Física (ENEEF), em agosto de 1999, na cidade de Recife. A partir do tema “Socialismo X Capitalismo, quem está em crise?: repercussões do papel social da educação física”, o encontro pautou-se por discutir, além da questão do socialismo enquanto projeto histórico orientador dos movimentos organizados, temas emergentes da educação física tais como o da regulamentação da profissão, no que diz respeito à formação dos Conselhos Regionais de Educação Física. Um grupo de sistematização encarregou-se de aglutinar várias propostas retiradas em encontros regionais e remetê-las à plenária final. Houve ainda uma mesa, dentro do evento, com o caráter de debater e socializar informações a respeito do tema. Assim, após 3 anos de debate e ações articuladas, o MEEF aprovou em sua plenária final a deflagração do MNCR, apontando um caráter amplo, com diversas categorias (estudantes e professores) e entidades organizadas (CBCE, APEF's, Sindicatos...). Em vista do desenrolar dos acontecimentos do referido encontro, um grupo de professores críticos também à questão da regulamentação, reuniu-se no interior do evento, também com o intuito de ajudar a organizar este legítimo Movimento. Compreendeu este grupo, que o MNCR deveria partir dos seguintes princípios: a) Ser contrário à Tese da Regulamentação da Profissão, entendendo-a como uma tese fragmentária e corporativista, portanto, ser também contrário a qualquer tentativa de disputa eleitoral em qualquer instância dos Conselhos, seja ele Federal ou Regional. b) Construir um Movimento de caráter amplo, com o conjunto da categoria dos professores, bem como dos estudantes e trabalhadores de um modo geral, tornando-o de âmbito nacional. Como estratégia de divulgação do Movimento, optou- se por torná-lo público no XI Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte (CONBRACE), realizado em outubro de 1999, na cidade de Florianópolis. Por esta ocasião, para além da divulgação e adesão de vários professores e estudantes ao MNCR, este último deliberou pela luta em torno da revogação da lei 9696/98, formalizando-o em um manifesto que circulou o evento, colhendo assinaturas. Como saldo da mobilização no Conbrace, podemos destacar o indicativo retirado na plenária final do evento contra a regulamentação da profissão, que será remetido às várias secretarias estaduais do CBCE no intuito de aprofundar o debate. O MNCR seguiu então, depois do Conbrace, no enfrentamento das questões concretas que manipulam e coagem os professores e estudantes em torno dos Conselhos Regionais em formação. O momento agora é o de socialização das informações a respeito deste movimento, aglutinando os professores e estudantes, além de entidades representativas, promovendo debates no país inteiro, colhendo assinaturas em torno do seu manifesto e levantando questões jurídicas na defesa dos direitos dos professores que não necessitam obrigatoriamente da filiação nos Conselhos. Desta feita, procura sensibilizar todas as pessoas contrárias ao processo adotado pelos defensores da regulamentação na perspectiva de conquista de espaço político, e de forma corporativista e autoritária. A luta do MNCR não se encerra com a revogação da Lei 9696/98, mas é, sobretudo, uma luta contra o próprio sistema capitalista, que impõe exclusão e alienação do trabalho. Desta forma identificamos nossa luta. E assim, termino citando um trecho de nosso manifesto: PALAFOX, Gabriel. H. Muñoz., TERRA, Dinah Vasconcelos. Regulamentação da profissão de educação física: uma questão ideológica. In: www.cev.org.br/port/leis/index.htm, 1996. REGULAMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA: A face podre da burocracia. Renato Sampaio Sadi1 Quanto mais se entope de perfume, Mais aumenta o cheiro putrefato Nada mais fermenta nesse estrume E no entanto, nada é mais amado. (Golpe de Estado) INTRODUÇÃO O título deste ensaio abrange a Educação Física no que diz respeito à área profissional e acadêmica, além de incorporar o debate sobre o processo de regulamentação do profissional e criação dos conselhos federal e regionais. O tema da burocracia é o mote para a discussão da regulamentação da Educação Física. Baseado neste tema e, no contexto de (des)regulamentações da atualidade brasileira, pretendo polemizar intenções e conseqüências dos diferentes projetos envolvidos, a saber: o projeto de manutenção do status-quo representado pelo neoliberalismo no país e o projeto de ruptura/transformação da ordem estabelecida, representado pelos setores oposicionistas/progressistas. Parece-me que não só o profissional e sua recente profissão foram regulamentados: a Educação Física, de forma geral, foi igualmente enquadrada no caldo sócio-político-cultural das novas práticas sociais, destacadamente aquelas relacionadas ao setor de serviços tendo o mercado como mediação fundamental, práticas solidificadas nos anos noventa 1 Renato Sampaio Sadi, 38, é professor de Educação Física e doutor em Educação: História, Política, Sociedade pela PUC-SP. pelo tripé desestatização/desregulamentação/desproteção dos direitos sociais.2 Este enquadramento faz parte da anarquia do sistema vigente, mas é também resultado intencional de extração de lucro das mais variadas formas neste setor heterogeneizado, complexificado e emergente que tem sido a Educação Física nos anos noventa em diante.3 Mesmo considerando o processo de regulamentação do profissional de Educação Física como uma arena espúria e cheia de contradições, busco respostas mais profundas para o verdadeiro sentido desta regulamentação, isto é, a partir dela, quais as conseqüências (negativas e positivas) para a área profissional e acadêmica? Afinal, quais são os objetivos não explicitados pelo conselho federal, capazes de conformar um novo quadro para a área? Reserva de mercado, fiscalização sobre o trabalho, promoção de competências profissionais diante dos usuários dos serviços de atividade física, 2 Segundo Luis Fernandes (1995:54) a desestatização se contrapõe à intervenção demasiada do Estado na economia. Empresas estatais e mistas nesta lógica, devem ser privatizadas; a desregulamentação reduz o controle estatal sobre a economia e a gestão da sociedade. Há perda de domínio no campo financeiro, fim das barreiras alfandegárias e um ataque político-ideológico ao “burocratismo do Estado”; à desproteção dos direitos sociais são contrapostos direitos fragmentados, particularistas. 3 A Regulamentação da Educação Física é histórica e, na perspectiva do projeto dominante da burguesia, necessária para o desenvolvimento da área, da luta contra a crise instalada, da ambição, do lucro, da valorização individual e profissional entre outras questões. O termo “regulamentação” bastante conhecido no interior da Educação Física foi muito estudado pela via legalista dos documentos, decretos, pareceres etc e pouco abordado pelos significados políticos e ideológicos dos projetos em disputa. Aqui refere-se ao enquadramento dessa nova esfera que é a Educação Física, como possibilidade mercadológica e/ou de serviços. somente com o lado quantitativo. Os índices são mascarados e o fenômeno torna-se invisível. Hoje o mundo está marcado pela estagnação, com raras exceções, como são a China e o esforçco de Cuba, apesar do cerco norte-americano. É dominante o padrão capitalista de inédita concentração e centralização do capital e extrema contenção do trabalho vivo, que gera uma leva de desemprego jamais vista e combina a alta especulação financeira com crescimento mínimo. A linha persistente de desvalorização da força de trabalho se traduz na intensificação do ritmo de trabalho exigido, regressão das formas de trabalho, diminuição de salários, extinção massiva de postos de trabalho, anulação de conquistas trabalhistas, subcontratações etc. (Rabelo, 2002:02) A oligarquia financeira especula em bolsas de valores/mercado de futuros. São mesas de apostas, "cassinos" para os milionários se divertirem, enquanto aqueles que vivem do trabalho estão submetidos à penúria, ao sofrimento e à desesperança. O desemprego, visto sob o ponto de vista individual, é um massacre psicológico e um desastre objetivo para os chefes de família. As atuais ondas recessivas e de economia estagnada causam os impactos imediatos da demissão e do fechamento de postos de trabalho. É o famoso enxugamento da folha de salários, triste crise visível a olho nu, contra a qual pouco se tem feito. Compõe o quadro de grave crise a confirmação de uma tendência recessiva da economia mundial, acentuada pela deflagração da guerra atual. A Organização das Nações Unidas prevê um crescimento de apenas 1,5% para 2002 e nos 29 principais países do mundo essa taxa não deve passar de 1% do Produto Interno Bruto. É uma situação de tênue equilíbrio: nem desenvolvimento, nem colapso, com ocorrência de graves crises periódicas. Até quando? Dessa modalidade de equilíbrio resulta um sistema econômico de tensão permanente onde a instabilidade adquire maior relevo. (Rabelo, ibidem:04) No Brasil, a crise do capitalismo tem sido driblada de várias formas: pelas doses homeopáticas de choques parciais na inflação, culminando com a tentativa de eliminação da cultura inflacionária (plano real) em 1994. Segundo Anderson, a hiperinflação seria o equivalente funcional para que o povo aceitasse políticas neoliberais mais drásticas, pois o remédio da estabilidade condicionaria, em tese, a medicina deflacionária que estava faltando ao país (cf. Anderson, 1995:22). Por outro lado, a burguesia nacional, vem (re)criando o medo da vitória de Lula e, elaborando com isso, discursos e fantasmas sub- liminares que visam afastar os eleitores da figura e do significado de um dirigente proletário como Presidente da República. A verdade é que o governo FHC empreendeu medidas de caráter anti-social/anti-popular e ao longo do período foi firmando pactos com o sistema americano, Banco Mundial e FMI. Os planos de desenvolvimento estratégico para o Brasil foram abandonados e as opções assumidas foram flagrantemente desnacionais. O que importa destacar, no plano econômico, são as conseqüências danosas do projeto neoliberal, aquelas relativas à nossa organização econômico- social, políticas que foram arquitetadas pelos economistas do governo FHC. A cada onda da crise mundial que afeta o Brasil, como a que ocorreu a partir do segundo semestre de 1998, tendo seu desfecho em janeiro de 1999, com a desvalorização do real, o poder do grupo de financistas- banqueiros da PUC/Rio, braço de apoio de FHC, parece se abalar, mas acaba se mantendo no leme do governo, consertando novos compromissos com a finança internacional, com graves conseqüências para a população e o país (...) De forma semelhante à que ocorreu com o México após a crise de dezembro de 1994, o governo Fernando Henrique e seu grupo de banqueiros-financistas, depois da crise de janeiro de 1999, na tentativa de superá-la, aceitou estabelecer um governo diretamente "compartilhado" com o FMI/Tesouro dos EUA, para fechar um empréstimo de emergência ao Brasil no valor de US$ 41 bilhões (Gomes, 2000:11) A mercantilização da política, da cultura e da ideologia empobreceu o conjunto das relações sociais, ao imprimir a estas um caráter reificado do trabalho humano.5 O tratamento político em forma mercantil não é apenas tecnicista, é hábil nas justificativas apresentadas ao povo. Utiliza medidas populistas para (re)criar alianças com os setores mais conservadores; apóia-se nos ataques aos argumentos críticos e contrários à ordem imposta. Nesta perspectiva o capitalismo brasileiro tem se mostrado "flexível", isto é, disposto a assumir compromissos financeiros com os credores internacionais, vendendo a imagem da administração segura e preparada para o desenvolvimento. Para convencer o vice-diretor-gerente do FMI, o americano Stanley Fisher, e o então sub-secretário do Tesouro dos EUA, Lawrence Summers, a apoiar o empréstimo de US$ 41 bilhões, a equipe do ministro Pedro Malan, autorizada por FHC, discutiu não apenas compromissos gerais sobre metas fiscais e inflacionárias, mas metas detalhadas, assim como os meios específicos para garantí-las, o que implicava em muitos casos, a modificação da legislação brasileira, em assuntos como o da Previdência Social e nos direitos dos servidores públicos e aposentados da União e a hipótese de que tudo seria obtido, sem problemas, junto 5 Ver Capitalismo e Reificação de José Paulo Netto, Editora Ciências Humanas, São Paulo, 1981. O vir-a-ser, contudo, está dependente da globalização, principalmente da financeira. Esta esfera, aparentemente reguladora e justa no que diz respeito ao adiantamento de crédito, é na verdade, responsável pelos desequilíbrios políticos da atual conjuntura, desencontros que afetam diretamente os trabalhadores e uma organização social submetida à lógica da violência urbana de toda espécie.6 A globalização tem uma direção política e um núcleo de poder. Os EUA nunca concentraram tanto poder como hoje. Nesse centro as regras são ditadas pelos mercados financeiros. São eles que comandam a globalização, a ponto de a globalização financeira, que foi mais longe do que todas, comandar o comportamento da economia real. Se Wall Street vacila e as ações da General Motors caem, imediatamente o presidente da empresa declara que irá demitir, no mundo inteiro, 20 mil trabalhadores, para enxugar a companhia e torná-la mais apetitosa para os mercados financeiros. Do outro lado do Globo, alguém é desempregado, sua vida desanda, ele perde a confiança em si, no trabalho, perde valores, auto- estima, e se torna mais um a vagar pela periferia de uma grande cidade brasileira, sentindo que seu destino saiu completamente de (seu) controle. (Belluzzo, 2000: 218). É importante demarcar que os determinantes da globalização articulam-se com a conjuntura política e, no Brasil, manifestam-se na realidade contraditória e miserável, não podendo, portanto ser vistos por partes estanques. Inclui-se 6 Tramita-se no Congresso Nacional a flexibilização dos direitos trabalhistas. Benefícios como 13º salário, licença-maternidade, adicional sobre hora-extra, FGTS entre outros, podem ser transformados em objeto de livre negociação, ou seja, flexibilizados. aqui a análise teórico-metodológica da estrutura de produção nos dias atuais, discussão que apresento a seguir. A QUESTÃO DOS IMPACTOS DAS NOVAS FORMAS DE (RE)CRIAÇÃO DE MERCADORIAS (a invasão de novas esferas pelo Capital) A partir da matéria e do trabalho humano (vivo e/ou morto) o produto se torna mercadoria e, na síntese marxiana, apresenta-se sob uma forma fetichista e fantasmagórica. Isso significa que o específico do capitalismo é o processo de valorização, ou seja, o capital através do progresso técnico empregado é valor que se valoriza pela exploração do trabalho. Se a mercadoria é a forma de riqueza do capitalismo, uma forma que combina “coisa produzida” e relação social ou, em outros termos, um valor de uso e um valor de troca, seu caráter enfeitiçado apóia-se, de um lado, na objetivação do homem em seu trabalho concreto e de outro, nas necessidades e desejos deste homem a partir do trabalho abstrato, dos valores de troca e das ramificações deste trabalho no tecido social. Tais bases, em linhas gerais, permitem a compreensão do metabolismo do capital e sugerem a verificação dos impactos atuais das novas formas de mercadorias em diferentes espectros/esferas de invasão ou áreas virgens a serem penetradas pelo Capital. Fernandez Enguita (1993:262) disseca a idéia de que o Capital busca novas esferas e o faz com a voracidade de um leão faminto pois as velhas bases de atuação estariam saturadas no que diz respeito à realização do lucro, à objetivação do processo de valorização. Assim, a lógica do Capital que busca desenvolvimento, possibilita ao setor competitivo, a novidade do produto, a melhor qualidade e o menor custo. Desejos e necessidades são (re)criados e a capacidade de produção e circulação de mercadorias revigoradas. Combate-se a crise de estagnação do ciclo anterior de desenvolvimento empacotando coisas, serviços e sonhos com novas roupagens. Afirma o autor que: O motivo pelo qual o Capital tende a se introduzir no ensino é simples: a saturação do Capital que se produz nos setores já dominados por ele diminui a taxa de mais-valia e a taxa de lucro e empurra os capitais excedentes para novos setores que ainda não tinham sido submetidos ao modo de produção capitalista ou à criação de setores inteiramente novos. Ora, um setor novo tem que criar seu próprio mercado, seja criando novas necessidades (solúveis) ou substituindo-se aos produtos de outro setor na satisfação de necessidades velhas. Em troca, se o setor já existia como setor submetido à pequena produção mercantil ou mesmo subtraído à esfera da troca (o caso dos serviços públicos propriamente ditos), então se precisa de apenas um processo de substituição. (Fernández Enguita, 1993:262) Observa-se um crescente número de empresas que se multiplicam pelo mecanismo de franquia. Na mesma direção a privatização das rodovias, o crescimento no número de pedágios e número de empresas prestadoras de serviços, como postos de gasolina, restaurantes, bares e conveniências. Os caminhos de rentabilidade são abertos como processo legítimo através do discurso da satisfação do cliente e da geração de empregos (diretos e indiretos). Omite-se todavia, que este processo está pautado por uma crise de valorização pois na verdade otimizam-se as áreas virgens da exploração capitalista pelo fato da saturação econômica nas áreas de origem terem apontado barreiras/limites na extração de lucro. O setor de ensino também segue os mesmos rumos da (re)criação de novas necessidades/desejos/mercadorias. Neste setor o Capital também possui um apetite de invasor e realizador do sonho do diploma, da fama e de uma vida melhor. Os impactos das sucessivas ondas neoliberais na educação pelo Capital nesta área? A procura por novas esferas e novos lucros tem relação com o processo de regulamentação da profissão? Em que medida a Educação Física está refém da perspectiva avassaladora e coisificada do Capital que busca a cada instante a renovação do lucro esportivo, turístico, da indústria do lazer, do corpo, da saúde e até da escola? (facilmente vendidas e compradas)9 Não é só o tênis-última moda, a roupa ou o material esportivo os responsáveis pela (re)criação de necessidades/desejos nesse campo.10 Por todas as brechas jurídico-políticas o Capital tem se favorecido na organização ilegítima dos novos cursos de Educação Física. Assim, o sistema Confef/Cref tem se apoiado na burocracia que o aliou ao mercado. Em artigo anterior quando observava os impactos da regulamentação na área escolar da Educação Física, assim me pronunciei: 9 O Capital produtor de mercadorias manifesta-se no ensino através de quatro fenômenos: crescente aumento nos materiais auxiliares, como livros, fichas, laboratórios de línguas, etc; ensino por correspondência, ensino de línguas por fitas e livros; universidades à distância; mercadorias didáticas, vídeo, computadores e sistemas prontos de aula vendidos em supermercados (cf. Fernández Enguita, op.cit:283-4) 10 Há inúmeros exemplos nas academias de ginástica com a introdução de alimentos em pó, energéticos e vitaminas que comprovam a voracidade do Capital no setor. Novos aparelhos, novas marcas, miudezas e visual. Há também na área do Lazer, os chamados esportes radicais (ratting – descida de bote pelos rios; canyoning – descida em rapel pelo meio de uma corredeira, hikking – caminhada pelo leito ou margem dos rios e riachos; Boiacross ou Aquaraid – bóias que descem o rio pelas corredeiras; além destes, há outros mais conhecidos (Jet- Ski, Canoagem, Pára-glider, Pára-quedismo, Ski-aquático, balonismo, escaladas, trilhas-bike, enduro a pé – trekking, enduro equestre, rapel e pesca esportiva. Todas estas “radicalidades” das novas práticas esportivas exigem a produção de novos desejos/necessidades/mercadorias. Passando o trator nos trabalhadores e profissionais de educação, as personalidades que dirigem os atuais conselhos profissionais, apresentam receitas elaboradas em gabinetes fechados. Desprezam a democracia. Atacam e afrontam a intelectualidade progressista da área. Visam fortalecer os laços privatistas do setor não-escolar da Educação Física, mas isso, sem perder de vista o escolar, pois preocupam-se com o projeto pedagógico da escola. Afinal é dela que sairão os futuros estudantes... e consumidores da Educação Física regulamentada. (...) Não é exagero afirmar que os restos escolares da Educação Física correm perigo. Não na legalidade, já que a formalização da ação educativa via “Educação Física Escolar” é juridicamente improcedente, mas do ponto de vista do projeto em disputa (...) Apesar de uma vitória parcial dos setores conservadores e de direita, a indignação deve alertar todos aqueles que se pautam pela ética democrática e por um projeto de emancipação educacional. (Sadi, 2000:01)11 Essa burocracia que é dominante na Educação Física possui seus representantes na maioria das Escolas Superiores, Centros Universitários e Universidades Privadas. É ela que acelera a perspectiva de encurtamento da formação na área. É ela que vende a ilusão do diploma conjugado com o status profissional da “nova” profissão. É ela que impõe seu preço de mercado para suas atividades e formalidades. Evidentemente que a burocracia por si só não tem poder no espaço sócio- cultural e de envolvimento das pessoas e projetos, mas o fato é que ela vai entranhando sua podridão neste setor. Assim, vivemos sob intenso fluxo de capitais transformados que foram ao longo dos últimos anos imbecilizando as pessoas nas academias de ginástica, clubes, hotéis, centros de consumo 11 grifos meus (R.S.S) estético, corporal e esportivo. Supervalorizou-se o indivíduo em detrimento do coletivo, elevando-o à categoria abstrata de “semi-deus”, isto é, almejou-se um modelo de perfeição humana inexistente no concreto das contradições sociais. Esse modelo, estético-corporal-saudável e, sobretudo, individual, só foi possível graças aos novos produtos e serviços personalizados. Não que ele não existisse anteriormente, o fato é que a penetração de capitais esparramados no setor de serviços, juntamente com o (des)controle/(des)governo do Estado, atingiram a Educação Física e as potencialidades de um mercado em construção. A título de hipótese, afirmo que a burguesia, remodelando seu discurso com a área, edificou e idealizou este mercado, que, ainda em expansão, exige formalidades, isto é, formas novas como a regulamentação do profissional. Com isso espera legitimar e convencer o próprio mercado (e seus agentes econômicos) de sua eficácia e perspectiva de projeto. Aqui temos uma aparente contradição: do lado escolar, “descarta-se” a Educação Física, na área não-escolar imprime- se uma ofensiva conservadora-liberal que visa a ampliação do mercado e do lucro. Quais são as explicações convincentes para poder descosturar esta aparente contradição? Bracht (2001:68) sustenta que desde o início dos anos noventa as bases da Educação Física na escola “tornavam-se cada vez mais frágeis”. O autor questiona o por quê do desinteresse da pedagogia conservadora para com a Educação Física. “Quais funções ela (EF) cumpria e, que agora, estariam fora dos interesses da pedagogia conservadora?” Nesse sentido sua hipótese atual é de que a contribuição da Educação Física como foi concebida para o projeto moderno-liberal-burguês (de educação) se esgotou. (cf. op.cit:73) Cinco mudanças são apontadas para justificar o possível desinteresse da burguesia com relação à Educação Física. mas intrínseco ao processo contínuo de criação- destrutiva/destruição-criativa.13 Quais são as principais mudanças na ordem do capital capazes de acentuar o fetichismo da mercadoria? O que é diferente em relação ao “imperialismo” da época de Lênin? Mesmo considerando os aspectos relativos à mundialização do capital (poderosas transações financeiras) dois fenômenos imediatos nos ajudam a compreender a face podre da burocracia e os desdobramentos da regulamentação da profissão Educação Física: crescimento medíocre e desemprego em massa. O primeiro, discutido anteriormente, um processo degradante que descarta o trabalho e atua na regressão e estagnação da atividade humana. O segundo, também abordado em item anterior, resultado caótico da falta de perspectiva, motivação, condições estruturais e subjetivas. A Educação Física experimentou as duas tendências (crescimento medíocre e desemprego em massa) e encontrou no aporte burocrático da regulamentação a saída para sua crise. Nesse sentido por que a burocracia em seu sentido putrefato acentua os fetiches e as ilusões institucionais, muitas vezes imbecilizando o ser? O que tem envolvido os sujeitos que aderiram à tese da regulamentação senão essa pseudo- proteção chamada burocracia, que legitima, dá confiança e “protege a nova profissão”? É um quadro complexo que 13 Criação-destrutiva/Destruição-criativa é uma expressão cunhada por David Harvey em Condição Pós-Moderna.1992. Uma de suas referências é a “Escola da Regulamentação” (Aglietta, Lipietz e Boyer) “Seu argumento básico – Um regime de acumulação descreve a estabilização, por um longo período, da alocação do produto líquido entre consumo e acumulação (...) Tem que haver uma materialização do regime de acumulação, que toma a forma de normas, hábitos, leis, redes de regulamentação etc que garantam a unidade do processo, isto é, a consistência entre comportamentos individuais e o esquema de reprodução. Esse corpo de regras, segundo Lipietz, tem o nome de modo de regulamentação” (Harvey, op. Cit: 117) envolve o sucateamento do espaço escolar, a falta de diretriz pública e a consciência do professorado, cada vez mais voltada para o individualismo. Sabe-se que a pura negação dos elementos centrais destes princípios (burocracia e competição) desconsidera a perspectiva de organização concreta dos trabalhadores. Reside aqui um aspecto fundamental para qualquer mobilização consciente e contrária às amarras podres da burocracia: a rebelião pressupõe rebeldes pacientes, isto é, dispostos à paciência revolucionária (teórica e prática) que conduz, por meio de uma direção, à ação revolucionária. Negar a burocracia é burrice. É preciso experimentá-la e sugar o poder que ela pode oferecer para apimentar a engrenagem das contradições sociais. É portanto, no processo administrativo, entendido como forma de planificar as atividades, que a burocracia aliena, domina e reproduz sua força. Através da hierarquia das funções, pequenos círculos são formados com o intuito de co- agir e conservar a dominação. Este é o lado negativo da burocracia. Há todavia, formas internas que permitem um certo trânsito de liberdade entre as esferas hierárquicas, entre as quais, alguns cargos (e poderes) podem favorecer aqueles que lutam a favor da verdadeira liberdade. Mas os limites deste trânsito estão definidos por regulamentos (rígidos e/ou flexíveis); relações de mando e subordinação; prioridade documental comprovada por papel; controle de horário dos empregados e do cumprimento de tarefas, normalmente destinadas à alienação/estranhamento da criatividade crítica. Cabe a pergunta: Como a burocracia pode ajudar as instituições no sentido de desamarrá-las, dotá-las de procedimentos autenticamente democráticos e favorecer a organização daqueles que vivem do trabalho? Partindo do princípio de que a Educação Física é sobretudo educação, descrevo algumas possibilidades para o enfrentamento atual contra os burocratas. Como a concepção do sistema Confef/Cref está restrita ao mercado, a validade desta tese está circunscrita à opção político-ideológica daqueles que são contrários ao atual sistema educacional. As exigências burocráticas são: quando formado, o professor de Educação Física, na busca de seu primeiro emprego, defronta- se com a necessidade do registro/licença para atuar e um currículum que pelo menos aponte a perspectiva profissional almejada. Como na atualidade, a competição por emprego está mais acirrada, estes dois elementos são fundamentais para a inserção e (re)alocação profissional. Como mediação, a burocracia auxilia o trâmite das relações hierárquicas, profissionais e pessoais, isto é, transforma as pessoas em papéis. As exigências da competitividade no setor educacional são: conhecer e interagir com as Novas Tecnologias da Comunicação e Informação; investir na atualização científica, técnica e cultural; desenvolver comportamento ético e capacitação para a cidadania. (cf. Libâneo, 1998: 28-62) Assim, os interlocutores da tese de uma qualidade total para a educação também apostam numa nova perspectiva burocrática, já que a atual, é uma massa falida, um entrave para o desenvolvimento. Dizem que a estabilidade dos funcionários públicos não deve existir, pois isso causa acomodação e acentua o burocratismo das atividades. São essas as mesmas pessoas que discursam sobre um modelo ideal planejado e estável mas que na prática assumem a dinâmica da rotatividade, do lucro, do mercado para si, da repressão simbólica, da demissão injustificada etc. Burocracia e competição são ingredientes saudáveis para os defensores da regulamentação. Entretanto, as seguintes contradições ainda permanecem: a obrigatoriedade do registro para professores que exerçam suas atividades em instituições educacionais; a abrangência, competência e fiscalização do conselho profissional no campo de trabalho; a transparência no que se refere à ética e aos processos eleitorais internos do conselho, mas o mais importante, a própria Lei 9.696/98 que é a pura contradição da área! recessão econômica e pelo conjunto da política social pós Plano Real. O que importa assinalar é que a regulamentação da Educação Física está dentro desse caldo político-ideológico da burocracia estatal e privada do país nos anos noventa. A ofensiva reacionária do grupo que encabeça o Conselho Federal apóia-se no burocratismo podre, que é a razão do seu existir; aproveita-se do poder institucional neoliberal, regido pelo novo padrão de regulação, uma espécie de conflito ameno entre trabalho e capital. Nesse sentido procura aparentemente democratizar uma área que pouco conviveu com a democracia. A intelectualidade mais progressista, conhecedora da recente história que fraturou parte desse projeto retrógrado também encontra-se perplexa e sem ação.15 O que pode fazer, além de constatar e talvez (re)definir o quadro do consenso x conflito preconizado por Oliveira (1994:26) para a Educação Física no Brasil? Disse o autor que: A intervenção de um pensamento à esquerda prioriza temas de inspiração político-ideológica, no encalço do desvelamento de problemas sociais. Partindo do pressuposto de que Educação Física é educação, buscam-se alternativas para criar uma outra Educação Física. Esses profissionais demonstram que a prática pedagógica é atravessada pelo político, e vêm sendo questionados pela maioria conservadora que os rotula de militantes políticos. Alegam que Educação Física é uma coisa, e política, outra. O debate, porém, está instaurado, e aos conservadores só resta a alternativa que tanto criticam: a militância política. Militância conservadora, mas militância antes de tudo. A pedagogia consensual não se sustenta mais com a energia de antes. As contradições da pedagogia do 15 O que realmente significa ser CONTRA a regulamentação? Quais as verdadeiras posturas dos estudantes, professores e pesquisadores da Educação Física Brasileira? Qual o verdadeiro papel do CBCE (Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte) nesta questão? consenso cedem terreno para o surgimento daquela que se lhe opõem: a pedagogia do conflito.(Oliveira, 1994:26) A direita da área promoveu sua militância em torno da bandeira da regulamentação da profissão e vem sendo, por enquanto, vitoriosa em sua empreitada. Mas tal vitória deve ser relativizada, afinal, apoiou-se na burocracia, na sua face podre, nos mecanismos ilusórios de “salvação” dos problemas dos professores de Educação Física. Da mesma forma que o Plano Real foi um esquema montado em Washington para a sangria do povo brasileiro, conseguido pelo “milagre” da derrubada da inflação, a regulamentação da Educação Física invadiu a mina virgem de ouro, possibilitada pela burocracia. Além disso, flexibilizou o discurso, triturou os chamados leigos da área e vendeu prosperidade “de graça”. Boa parte da esquerda calou- se por que, em direção oposta, também via na burocracia, o caminho da mudança na Educação Física, ou seja, “uma outra Educação Física” nas palavras do autor. Neste ponto sou forçado a acentuar a crítica no pensamento progressista da área, pois parece que apesar dos feitos, ainda é um pensamento abstrato, diversionista, impotente e pouco influente. Escrevendo sobre a “Sagrada Família da Educação Física”, Freitas (1997:07) critica o academicismo da crítica-política que não tem eficácia e eficiência para resistir ao projeto dominante. Por que a sagrada família não assume que a politização da sua prática pedagógica tem sido no sentido da reprodução e que é a ideologia burguesa que dita regras incondicionais à sua práxis? (...) Por que a desmesurada regra, quase psicótica dos adeptos da mediação hipócrita, em apresentar os desportos e a educação física como cultura corporal de movimento e/ou práticas pedagógicas escoimadas de preconceitos e pré-noções, enfim, escoimadas da política e da ideologia? (...) Ocupada por demais com críticas fuleiras, não pode perceber o desserviço prestado à classe operária e o grande serviço doado à burguesia, muitas das vezes, via um jogo de bola bizarro ou pela procura imbecilizante da definição do “que é educação física?” (...) perdida na busca de definições comuns e universais, a sagrada família não chegará em tempo a lugar nenhum muito distante da proeminência distal do próprio nasal e, por isto mesmo, não percebe o papel fulcral conservador da sua prática-teórica. (Freitas, 1997:07-10) Há um outro aspecto que também merece ser levantado aqui. Diz respeito à formação em Educação Física, abordada não pela via curricular, mas pelo eixo filosófico. Quem serão as próximas pessoas promotoras da Educação Física regulamentada? Entra nesta discussão, a fiscalização em relação aos “maus”profissionais, a cassação de registro, os cursos de capacitação, a política e o político como dimensões de uma mesma esfera: as perspectivas concretas dos trabalhadores encontrados em situação desfavorável e submissa. Esse é um assunto polêmico que merece muito debate. Qual será o papel da ala mais progressista da área e daquela mais a esquerda? O filme já foi passado anteriormente, principalmente cenas relativas a processos eleitorais nas Apefs (Associações de Professores de Educação Física). A verdade é que a regulamentação da Educação Física promove a falsa segurança da estabilidade de uma profissão reconhecida. Isso não é pouco diante do medo coletivo, imposto e promovido pela perspectiva do desemprego ou sub-emprego, mas é uma forma ilusória e de enganação, construída arbitrariamente. Esta burocracia portanto, é absolutamente ineficaz no combate às tendências de autonomização irracional, como a que vivemos atualmente. Assim, a principal tarefa para aqueles que desejam desmontá-la é construir na contra-mão deste OS IMPACTOS DA REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA PRÁTICA PEDAGÓGICA Marcelo Moraes e Silva1 Renata Aparecida Alves Landim2 Resumo: Este trabalho apresenta os impactos da regulamentação da profissão de Educação Física na prática pedagógica escolar. “Na realidade, não existe filosofia em geral: existem diversas filosofias ou concepções do mundo, e sempre se faz uma escolha entre elas.” (GRAMSCI, 1991, p.14) INTRODUÇÃO O presente estudo tem como objetivo demonstrar a relação de adaptabilidade, que o processo da regulamentação tem com o capitalismo neoliberal e com sua destrutiva lógica de mercado. Pretende-se, também, vislumbrar os possíveis impactos que esse sistema pode proporcionar à Educação Física e a sua prática pedagógica. Para alcançar tal intento, acha-se necessário realizar uma rigorosa análise do neoliberalismo e do seu processo de reestruturação produtiva, como também das metamorfoses que elas implicaram na forma de ser dos trabalhadores e nos processos de formação humana e, em especial, na função da Educação Física dentro dessa nova ordem. Acredita-se que assim se possa compreender melhor o que esse 1 Licenciado em Educação Física pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Aluno do curso de especialização em Pedagogia Escolar, do IBPEX, Curitiba- PR. 2 Licenciada em Educação Física pela Universidade Federal de Juiz de Fora. reordenamento do capitalismo empurra para a profissão de professor de educação física. Gramsci (1991, p. 36) fornece algumas contribuições sobre o objetivo do estudo: “... o trabalho filosófico sendo concebido não mais apenas como elaboração individual de conceitos sistemàticamente coerentes, mas além disso, e sobretudo, como luta cultural para transformar a mentalidade popular e divulgar as inovações filosóficas que se revelem històricamente verdadeiras, na medida em que se tornem concretamente, isto é, histórica, e socialmente, universais...”.(Grifos do autor) A NOVA ORDEM MUNDIAL Após a queda do Muro de Berlim, no final dos anos 80, o socialismo real foi considerado algo superado. Intelectuais apologéticos ao capital como Francis Fukuyama (apud Frigotto, In: Frigotto, 1998, p.38-39), afirmaram que era o “Fim da História”. O sistema capitalista foi considerado vencedor, não restando outra alternativa senão adaptar-se a essa nova ordem social. O atual sistema vigente do capitalismo é denominado de neoliberalismo. O que é neoliberalismo? Segundo Anderson (In: Sader e Gentili, 1995, p. 9-10) o neoliberalismo é um fenômeno distinto do liberalismo clássico do século XIX. Para esse autor a doutrina nasceu após o fim da Segunda Grande Guerra e tinha como objetivo ser uma reação contra o Estado intervencionista e de Bem Estar Social (Welfare State). A primeira obra foi de autoria de Friendrich Hayek publicado em 1944, “O caminho da servidão”. O livro tinha como intento atacar qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado e combater a social democracia que estava numa fase de crescente expansão na Europa Ocidental. Afirmava-se que a política social democrata iria conduzir a humanidade ao mesmo caminho do nazismo alemão, à “servidão moderna”. A partir de 1947 Hayek e seus seguidores (destaque para Miltom Friedman, Karl Poper e Michael Polanyui), começaram a preparar o sustentáculo teórico para um capitalismo duro e livre de regras. Como o capitalismo vivia seus anos dourados com o Estado de Bem Estar Social, as teorias neoliberais tiveram que esperar até o início da década de 70 para começar a ganhar destaque no cenário mundial. Frigotto (1996, p. 69), analisa muito bem esse momento de transição do sistema capitalista: “ A crise de caráter planetário, que se explicita particularmente nos anos 70, tem suas raízes bem mais remotas. Contraditoriamente, a crise dos ano 70 tem sua gênese nas estratégias de superação da crise dos anos 30. As políticas do Estado de Bem Estar e os governos da social- democracia não tiveram a capacidade de estancar um modelo de desenvolvimento social fundado sobre a concentração crescente de capital e exclusão social.” (Grifos nossos). Anderson (op.cit., p.10-11), comenta que para os defensores do neoliberalismo a causa dessa recessão iniciada nos anos 70 era o excessivo poder dos sindicatos e dos movimentos operários que na luta por melhores condições acabaram com as bases de acumulação do capitalismo. A solução neoliberal para a superação dessa recessão era romper o poder dos sindicatos e economizar em todos os gastos sociais e intervenções econômicas. Para isso ser efetivado eram necessárias: estabilidade monetária, disciplina orçamentária e a criação de um exercito de reserva de trabalho. Tudo isso com o objetivo de enfraquecer cada vez mais os sindicatos e incentivar os grandes agentes econômicos. Entretanto Gentili (In: Frigotto 1998, p. 87), aponta como a causa verdadeira da crise a estrutura capitalista, pois nesse modo de produção ou em qualquer de suas variantes sempre haverá geração de pobreza e desigualdade. AS METAMORFOSES NO TRABALHO: DOS PARADIGMAS FORDISTAS/TAYLORISTAS AOS MODELOS TOYOTISTAS DE ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL Com o início da crise da denominada Era de Ouro, o Welfare State e seu paradigma de produção fordista/taylorista começou a emitir sinais de esgotamento. Como resposta dessa crise houve um processo de reestruturação da produção e da forma de organização do trabalho. O objetivo desse reordenamento era instrumentalizar o capital para retornar aos antigos patamares de desenvolvimento. Segundo Antunes (op. cit. p. 32-36), nesse período ocorreu um grande ataque do capital sobre as classes trabalhadoras e principalmente nas condições em que o fordismo propiciou esse segmento. Houve, dessa forma, um amplo processo de reestruturação produtiva. O principal objetivo não era a mudança da estrutura capitalista, mas de sua dimensão fenomênica5, reestruturando-as sem transformar os pilares do modo de produção. Com isso houve uma transição do modelo fordista/taylorista para as novas formas denominadas de acumulação flexível. O fordismo estruturou-se com base no trabalho parcelar e fragmentado e na divisão das tarefas. Suprimia a dimensão intelectual do trabalho transferindo esse cargo para a esfera da gerência científica. A atividade laboral reduzia-se a 5 Segundo Kosik (1995, p. 15): “O fenômeno indica a essência e, ao mesmo tempo, a esconde. A essência se manifesta no fenômeno, mas de modo inadequado, parcial, ou apenas sob certos ângulos e aspectos. O fenômeno indica algo que não é ele mesmo e vive apenas graças ao seu contrário. A essência não se da imediatamente; é mediata ao fenômeno e, portanto, se manifesta em algo diferente daquilo que é. A essência se manifesta no fenômeno. O fato de se manifestar no fenômeno revela seu movimento e demonstra que a essência não e inerte nem passiva. Justamente por isso o fenômeno revela a essência. A manifestação da essência é precisamente a atividade do fenômeno.” mera ação mecânica e repetitiva. Conforme foi salientado, esse paradigma produtivo começou a dar sinais de esgotamento nos finais dos anos 60 e início dos anos 70. Um fator que agravou essa crise foi que nesse mesmo período ressurgiu no cenário as ações do movimento operário contra o capitalismo. Uma nova mentalidade de consciência de classe foi construída pela social democracia. A luta de classes estava novamente presente nas ações dos trabalhadores. (ANTUNES, op. cit. p. 36-41). Com a implementação do neoliberalismo o capital começava a exigir a substituição do paradigma fordista/taylorista, pois esta nova forma de capitalismo objetivava enfraquecer cada vez mais a classe operária. Nesse sentido a introdução do toyotismo na Europa foi ao encontro dos novos interesses capitalistas que objetivavam enfraquecer o Welfare State e toda a “classe que vive do trabalho”6. Essas metamorfoses iniciadas com os processos de reestruturação dos capitais instauraram uma nova forma de organização industrial e, portanto, de todo o relacionamento entre o capital e o trabalho. O processo de transição iniciado pelas novas tecnologias exigiram diferentes processos de 6 Segundo Antunes (op. cit. p. 103-104), esse termo é uma noção ampliada de classe trabalhadora incluí-se todos aqueles que vendem sua força de trabalho em troca de salários. Incorporam o proletariado industrial, os assalariados do setor de serviços e os trabalhadores rurais, além de também abranger o proletariado precarizado, o subproletariado moderno, os trabalhadores terceirizados, os assalariados da economia informal e os trabalhadores desempregados expulsos do processo produtivo e do mercado de trabalho pela reestruturação do capital que aumentam o exército industrial de reserva na fase de expansão do desemprego estrutural. Nesse segmento excluem-se os gestores do capital, os altos funcionários que possuem papel de controle no processo produtivo que recebem rendimentos elevados, os que vivem de especulação e de juros e os pequenos empresários. organização do trabalho, principalmente dos advindos do modelo toyotista. Surge, dessa maneira, uma nova forma de relação produtiva, passando do modelo fordista/taylorista pautado na divisão do trabalho para o modo toyotista relacionado no princípio da acumulação flexível mais participativo, descentralizado, autônomo e com maior capacidade de abstração que o modelo anterior. Segundo Assis (In: Ferretti et. al. 1994, p. 194), as novas qualidades exigidas por essas novas tecnologias7 e pelos processos organizacionais foram: o raciocínio lógico, a habilidade para aprender novas qualificações, a capacidade de resolução de problemas e de decisões, a responsabilidade com o processo de produção, ou um profissional multidisciplinar, flexível e polivalente. Devido a essas competências exigidas pelo capital ocorreu uma alteração qualitativa na forma de ser do trabalhador acarretando maior qualificação do trabalho e uma desqualificação do trabalhador. Todo esse reordenamento do capitalismo fez com que houvesse por parte do capital uma grande ampliação do setor de serviços trabalhos de caráter parcial, temporário, precário, subcontratado e terceirizado. Suas principais características são a precariedade dos empregos e salários, desregulamentação das condições de trabalho, regressão dos direitos sociais e ausência de proteção sindical. A atual tendência desses mercados de trabalho e a redução dos números de trabalhadores centrais e a contratação cada vez maior de trabalhadores que ingressam no mercado de trabalho facilmente e são demitidos posteriormente sem custos. Devido aos fatores acima mencionados tornou-se de grande importância para o capital que os trabalhadores adquirissem novas competências. Segundo Andrade (1996, p. 88-102), surge a exigência de um novo tipo de homem orgânico ao capital e sintonizado com o novo tipo de trabalho e 7 Mais detalhes sobre os impactos das novas tecnologias na forma de ser do trabalhador consultar Assis (In: Ferretti et. al. 1994, p.189-201). várias áreas do conhecimento. [...] Profissionais mais informados, mais informatizados, mais educados, mais tecnológicos, mais cultos e refinados. Obviamente, não há que se descartar um MBA, idiomas e vivência internacional. Um verdadeiro superhomem, uma verdadeira supermulher... [...] Confortável ou não com essa idéia, não há como recuar e, sim, adaptar-se. Afinal, Darwim e seus conceitos jamais foram tão presentes e tão provados: o mundo é dos adaptáveis! E você faz a diferença quando, mais que entender as mudanças, for atrás delas com um sentido de oportunidade. [...] Mudar mais que preciso, é fundamental para se obter sucesso e garantir a sua empregabilidade nos próximos anos.” (JÚLIO: IN: GAZETA DO POVO, 2002, p.23) Entende-se que nessa nova ótica o educar para o emprego levou o reconhecimento que se deve formar também para o desemprego. Gentili ( op. cit., p. 89-90), também aponta para a mesma direção: “Educar para o emprego levou o reconhecimento (trágico para alguns, natural para outros) de que se devia formar também para o desemprego, numa lógica de desenvolvimento que transformava a dupla trabalho ausência de trabalho num matrimônio inseparável. [...] Mais do que pensar a integração dos trabalhadores ao mercado de trabalho, o desenho das políticas educacionais deveria orientar-se para garantir a transmissão diferenciada de competências flexíveis que habilitem os indivíduos a lutar nos exigentes mercados laborais pelos poucos empregos disponíveis. [...] Na era do fim dos empregos, só a competência empregatícia flexível do indivíduo pode garantir sucesso no mundo das relações laborais. [...] E essa competência deve ser procurada na escola, embora não exclusivamente. Uma escola esvaziada de funções sociais, onde a produtividade institucional possa ser reconhecida nas habilidades que os clientes alunos disponham para responder aos novos desafios que um mercado altamente seletivo impõem.” (Grifos do autor) Nesse sentido Silva (1997b, p.126-127), indica que nessa nova perspectiva de educação o currículo escolar deverá ser mais por que fazer e não como fazer. Com isso o fator instrução passa a ser fundamental para as novas propostas de formação de mão-de-obra. Dentro deste contexto de amoldamento ao capital surgem políticas de ajustes estruturais que têm como principal objetivo qualificar para o novo modelo capitalista. Exemplos dessa reforma são a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e as Diretrizes Curriculares. Feita essa análise do campo educacional procura-se refletir sobre os impactos da reestruturação produtiva na Educação Física brasileira. A EDUCAÇÃO FÍSICA E A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA Como foi descrito, a opção do estado brasileiro foi o receituário neoliberal que significou a falta de responsabilidade pelas questões sociais, um Estado Mínimo para as políticas sociais e máximo nos interesses da lógica econômica. E é nesse contexto de enxugamento de gastos que a Educação Física parece ser perfeitamente descartável do novo modelo de formação humana. Nesse sentido sobre a não- funcionalidade da Educação Física no novo modelo de sociedade imposto pelo neoliberalismo, Bracht (1999, p. 82), é bastante pontual: “Parece que a visão neotecnicista (economicista) de educação que enfatiza a preparação do cidadão para o mercado de trabalho, dadas as mudanças tecnológicas do processo produtivo, pode prescindir hoje da EF e não lhe reserva nenhum papel relevante o suficiente para justificar o investimento público...”. A nova LDB, em seu artigo 26, parágrafo 3º , estabelece que: “ A educação física, integrada a proposta pedagógica da escola, é componente curricular da educação básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa no ensino noturno.” E no seu artigo 27, inciso IV, traça como diretriz “ a promoção do desporto educacional e o apoio às praticas das atividades não formais.” (OLIVEIRA 1999, p. 4). A interpretação das passagens da LDB permite perceber que a Educação Física não está garantida como componente curricular. Nesse sentido Oliveira (op.cit., p.4), aponta a real situação da Educação Física no sistema de ensino: “... uma análise da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional demonstra o espaço reservado hoje para a Educação Física (no sentido mais amplo) nos currículos básicos: nenhum! A ambigüidade da nova lei não garante qualquer possibilidade de permanência da Educação Física nos currículos da escola básica.”(Grifos nossos). Nesse contexto de amoldamento ao capitalismo surgem várias propostas para a Educação. Silva (2000, p.3), destaca que sob rótulo de “modernização nacional” grupos conservadores se reordenam de modo corporativista e de adaptação ao neoliberalismo, em favor das atividades físicas do meio não-formal por meio da regulamentação da profissão., mudança que segundo esse grupo acarretará melhores condições de trabalho e salários, além de garantir a empregabilidade em tempos de grande desemprego. atividades nestes segmentos são TERRA DE NINGUÉM, são ESPAÇO VAZIO. Sendo espaço vazio qualquer um pode ocupá-lo. Portanto devemos ocupá-lo antes que outros o façam. [...] Estamos permitindo a extinção da E.F curricular. Estamos permitindo a extinção do Professor de E.F. Precisamos ter coragem de reverter este quadro, ocupar os espaços legítima e legalmente. [...] Muito me preocupa a frase que a licenciada de E.F. da Faculdade Maria Teresa escreveu: ser formado em E.F, é ver um leigo fazer aquilo que você levou 4 anos para aprender.” Esses dados só enfatizam o caráter funcional desse conselho. A sua pretensão é adaptar a Educação Física brasileira a essa ética de livre mercado onde a principal preocupação desse órgão não é com a qualidade da formação e sim com a garantia do mercado de trabalho. Sadi (2002, p. 18-19), denuncia muito bem esse aspecto da regulamentação da profissão: “ A verdade é que a regulamentação da Educação Física promove a falsa segurança da estabilidade de uma profissão reconhecida. Isso não é pouco diante do medo coletivo, imposto e promovido pela perspectiva do desemprego ou subemprego, mas é uma forma ilusória e de enganação, construída arbitrariamente.” Feita essa análise sobre a real intenção desse processo de regulamentação analisar-se-ão os impactos que ele proporciona à prática pedagógica da Educação Física escolar. A REGULAMENTAÇÃO E A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR Além de todos esses fatores a Regulamentação da Profissão de Educação Física empurra uma série de fatores que altera a forma de ser do professor, inclusive na prática pedagógica no interior da escola. Apesar de a literatura a respeito desse assunto ainda ser limitada já existem artigos denunciando esse movimento de adaptação ao capitalismo. Palafox e Terra (1996), levantam questões relacionadas à ideologia e ao projeto de mundo presente no sistema CONFEF/ CREF. Lucena (2001) e Nozaki (1998), mostram quais serão os impactos desse processo na formação profissional. Nozaki (1999), sinaliza para onde enquadra-se a regulamentação no novo reordenamento do mundo do trabalho, enfatizando também, sobre o discurso da perda da centralidade e a crise da categoria trabalho. Sadi (2002), em instigante ensaio argumenta com muita qualidade a relação do processo de regulamentação com a face podre da burocracia nacional. Carvalho (2000), utilizando os conceitos filosóficos da dialética, tem como objetivo denunciar o real significado da ética e da moral presente no código do CONFEF/CREF. Entretanto somente Sadi (2000, p. 112), aponta para a relação da regulamentação com a Educação Física escolar: “O projeto pedagógico ideal sofre hoje, impactos da Regulamentação da Profissão e está engessado em função da disputa prioritária do sujeito individual e profissional.” Palafox e Terra (op. cit., p.2), mostra como e com quais pressupostos a regulamentação pode afetar a Educação escolar: “ ... verificamos que os principais teóricos e defensores da regulamentação, são profissionais que sempre defenderam no Brasil, uma concepção conservadora e elitista de Educação Física, relacionada com o paradigma da aptidão física e do esporte que já fora promovido durante a ditadura militar, e que agora, se encontra sendo reeditado em versão neoliberal, pelo governo FHC ...” Sobre essas questões Sadi (2000, p. 114), aprofunda as análises: “ O que está em disputa na Educação Física é obviamente o projeto pedagógico para a escola. Mas como tal disputa é mascarada pela burocracia escolar e pela crise educacional, que é uma das faces da crise societária, não importa o discutir, o refletir e o fazer da escola com perspectiva emancipatória. Importa o diploma, o emprego, o status social e assim a escola deve limitar seu papel à pura instrumentalização de técnicas, regras e esquemas montados para a aplicabilidade, para o funcionamento da prática. Para os defensores da regulamentação ser profissional traz, além do status, do respeito e da pompa perante a sociedade, ampliação do mercado de trabalho.” Lucena (op. cit., p.2), seguindo nessa mesma linha de pensamento demonstra qual concepção de Educação Física é defendida pelos defensores da regulamentação: “A partir do Código de Ética (resolução do CONFEF n.º 25/2000) e da Carta Brasileira de Educação Física, que definem o paradigma da Educação Física como aptidão física, desprezando as ciências humanas como eixo principal norteador de nossa profissão, desconsidera o debate e a produção do conhecimento, histórica e coletivamente, veiculados por setores da própria Educação Física com últimos vinte anos, o que mostra o caráter interventor do Conselho, definindo sua matriz teórica como verdade absoluta.” Devido a todos os fatores mencionados percebe-se um grande movimento de setores conservadores orgânicos ao capital e ligados ao processo da regulamentação da profissão que, inconformados com o enfraquecimento da Educação Motivos para uma posição contrária não faltam. Esse organismo, como demonstrado, é o que existe de mais conservador dentro da Educação Física brasileira e também o seu principal objetivo não é o fortalecimento da classe trabalhadora mas servir mais uma vez aos interesses dominantes. O processo da regulamentação poderá levar à discussão iniciada na década de 80 e aperfeiçoada na década de 90 a estaca zero. Com isso a prática pedagógica no interior da escola mais uma vez não conseguirá efetivar-se como um verdadeiro componente curricular e continuará a ser um mero apêndice da escola ou até mesmo vir a desaparecer. Para evitar tamanho retrocesso deve-se encampar a luta contra esse famigerado conselho. O objetivo com esse ensaio é o mesmo que Gramsci (op.cit., p.13), sugere: “Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas originais; significa também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, socializá-las por assim dizer; transformá- la, portanto, em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral. O fato de que uma multidão de homens seja conduzida a pensar coerentemente e de maneira unitária a realidade presente é um fato filosófico bem mais importante e original do que a descoberta, por parte de um gênio filosófico, de uma nova verdade que permaneça como patrimônio de pequenos grupos intelectuais.” (Grifos do autor) Com essa intenção é que se espera poder contribuir para o desenvolvimento de toda Educação Física brasileira. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER. E. e GENTILI, P. (orgs.). Pós- neoliberalismo. 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Estava se dando a partir de uma estreita associação com o capital transnacional e com tecnologias importadas, aonde a lógica dependente volta-se para fora, ou seja, produzindo não o que o povo precisa, mas aquilo que os investidores querem. O neoliberalismo se instala e com ele a homogeneização do espaço político – econômico dentro dos quadros do capitalismo mundialmente integrado, sendo este gerenciado pelo Grupo dos 73. Inseridas nesse contexto encontravam-se as Universidades com a expansão das particulares, enquanto que as públicas estavam sendo transformadas de autarquias em fundações, o que acarretava no processo de deslegitimação da autonomia das universidades públicas. E não sendo diferente a Educação Física estava sendo pressionada a intervir de acordo com os anseios do governo, que estava deixando de ser militarista para atender ao cunho apenas biológico. Desconsiderando inclusive as discussões que estavam se dando na época por uma Educação Física voltada para a transformação social, levando-se em consideração os aspectos 1 Texto elaborado a partir de documentos do Movimento Estudantil de Educação Física. 2 Acadêmica da Escola Superior de Educação Física da Universidade de Pernambuco, membro do MNCR e das gestões 99/00, 00/01 e 01/ 02 da EXNEEF. renatalucena@zipmail.com.br 3 O G7 é a denominação utilizada para definir as sete grandes potências industrializadas, entre elas EUA, Inglaterra, França, Alemanha, Japão, Itália e Canadá. por qual passava a conjuntura nacional e o homem inserido neste contexto, e não apenas o fator biológico dando sentido individual ao homem e sim ele como sujeito coletivo histórico da sociedade em que vive. Atendendo aos anseios do neoliberalismo um grupo de professores com idéias privatistas de transformação da Educação Física em uma “profissão liberal”, o que na época se tinha como habilitações, significa a perda dos direitos trabalhistas historicamente conquistados, lutava pela Regulamentação do Profissional de Educação Física e a fragmentação da luta das classes trabalhadoras, garantindo a reserva de mercado profissional. Mas com o veto do Presidente Sarney, já ao final de seu governo, haja vista prevalecer no Ministério do Trabalho - que tinha à sua frente Almir Pazzianotto, interlocutor respeitado e reconhecido pelos setores de esquerda - posicionamento contrário à tese de reserva de mercado de profissões. Nesse âmbito político acirrava a luta dos trabalhadores com a criação do Partido dos Trabalhadores, em fevereiro de 1980, as manifestações populares, com as diretas já, evidenciando principalmente a luta dos estudantes neste processo com a União Nacional dos Estudantes. E não sendo suficiente, mais tarde a reorganização dos trabalhadores em torno dos movimentos sindicais com a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em agosto de 1983. E como não poderia ser diferente a Educação Física vem assumindo uma discussão histórica nesse âmbito com reivindicações e a proposta de reorganização dessa classe trabalhadora em suas associações, aonde foi elaborada uma carta conhecida como a “Carta de Belo Horizonte”, que foi apresentada no II Congresso de Esportes para Todos, ocorrido em julho de 1984 em BH, ao qual tinha como princípio a luta pelo acesso a Educação Física, inviabilizado pela estrutura social posta, fatores econômicos, culturais e pelos próprios aspectos metodológicos. Apesar dessa carta não se caracterizar como manifesto, devido as Enquanto os defensores deste projeto alimentavam esforços colhendo assinaturas de forma alienada utilizando as pessoas em massa de manobra, o MEEF preocupou-se em acumular discussão subsidiada pela base, para no XVII ENEEF, deliberar a posição contrária do PL 330/95. A partir dessa posição, o MEEF iniciou o processo de pressão junto ao então relator, que somando-se outros esforços, culminou em uma audiência pública. No entanto, tal audiência simulou um caráter democrático na medida em que foi composta em sua grande maioria por diretores de escolas de Educação Física, sem representatividade, que desconsideraram as posições de alunos e professores. Nesta ocasião, duas entidades. O MEEF e o CBCE, fizeram-se representados7 contrários ao projeto de regulamentação, no entanto sendo desconsiderada pelo relator. As principais críticas levantadas, por essas entidades, foram: a ilegitimidade do processo de tramitação do PL, causada por um atropelamento da construção do processo histórico de Educação Física sobre a regulamentação, pois somente depois de encaminhado o PL iniciaram-se as discussões fato que causou a indignação de professores da área; a tentativa de regulamentar o mercado respaldado no corporativismo; a sua fragilidade em não conhecer os campos interdisciplinares, tentando retirar a possibilidade de atuação de outros profissionais; e a contradição de buscar regular o mercado no momento em que a orientação da LDB é não mais habilitar o profissional, mas apenas capacitá-lo para sua área de atuação. Em seguida foi enviada a Paulo Paim a carta com o posicionamento contrário tirada do XVII ENEEF. 7 A ExNEEF se fez presente representada por Nara (Coord. Geral), Ana Carla (CEPE), Sandra (Reg. VI), Videbal ( Reg.V), Aurora e Sionaldo (Reg.II). A FBAPEF e o CBCE estavam representados pelos professores Carlão, Roberto Liáo e Lino Castellani Filho, respectivamente. Continuando as discussões no XVIII ENEEF, em Belém - PA , é realizada uma mesa com o tema “ Regulamentação da Profissão : o que significa para Educação Física”, tendo como palestrantes a Prof. Drª Celi Taffarel e o Prof. Jorge Steinhilber. Na ocasião do XIX ENEEF (Encontro Nacional de Estudantes de Educação Física), realizado em agosto em Brasília – DF, estava acontecendo longas discussões sobre a Regulamentação, caracterizava-se como uma das maiores preocupações das lideranças ali presente, o projeto de lei 330/95 estava prestes a ser aprovado no senado, e este fato era bastante assustador. Em virtude disto, no ato público reivindicamos contra a regulamentação que estava sendo encaminhada, logo após um grupo de estudantes e professores ali presentes reuniu-se no senado para informar sobre um posicionamento contrário ao projeto de lei. Este encaminhamento foi tirado de uma das propostas aprovada na plenária final do XVIII ENEEF, por via do Deputado Paulo Paim, o relator deste projeto, ao qual envia seu assessor para explicar como se dava a tramitação deste no senado, aos estudantes deste encontro. Logo que chegamos deste ENEEF, no dia 1° de Setembro, aprova-se a lei. Depois de todas estas intervenções, a lei foi aprovada desconsiderando nossas discussões. Daí então começamos a analisar tamanha pressa de se regulamentar a profissão e chegamos a algumas reflexões... Os argumentos em prol da regulamentação, e do Conselho Federal de Educação Física, o chamado CONFEF, são frágeis, falaciosos e/ou coercitivos. Vejamos os mais significativos, nas palavras de alguns conselheiros: “...não é mais possível ver o mercado de trabalho invadido por falsos profissionais..., oportunistas..., parasitas, foras da lei que mimetizam determinados procedimentos para invadir o organismo social e causar-lhe o maior número de doenças e desvios possíveis...” (...) “...não pode ficar nas mãos oportunistas e inexperientes de curandeiros.” (STEINHILBER, 1996). “Faremos justiça aos bons profissionais, preservando o mercado de trabalho dos picaretas. (...) Na verdade, a Regulamentação está aí e veio para moralizar e enaltecer a profissão. Colocar o profissional de Educação Física no seu devido lugar de respeito. É uma profissão tão importante que eu diria que a tão buscada Qualidade de vida só é possível através dela. Educação Física, é claro, sempre com um profissional habilitado, como orientador. Adeus aos leigos e curiosos, como em tudo na vida.” (BERTEVELLO, 1998:15). “Na opinião do diretor da Escola Superior de Educação Física da Universidade de Pernambuco (UPE), Renato Moraes, o ponto negativo da profissão é a infiltração de leigos no mercado, atuando como se fossem profissionais da área.” (Jornal do Comércio, 1999: 8). Em virtude, destes então posicionamentos, e com a profissão regulamentada, no XX ENEEF, realizado em Recife o MEEF juntamente com diversas categorias Estudantes e professores) e entidades organizadas (CBCE - Secretaria de PE, Sindicatos, etc.) ali presentes, posiciona-se contrário não mais ao PL e sim a lei 9696/988, deflagrando o Movimento Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de Educação Física (MNCRPEF), começa assim nossa campanha de esclarecimento sobre o CONFEF, levando discussões as diversas escolas e da “não às inscrições no CONFEF”. Em 8 Lei que Regulamenta o Profissional de Educação Física aprovada em 1º de Setembro de 1998. produzido em tempo hábil para uma demanda restrita, a do mercado. Outro ponto a ser destacado na lógica desta política é a questão da “flexibilização”, que se materializa nos contratos temporários, na adaptação dos currículos às empresas locais, na separação entre a docência e a pesquisa (sendo que a primeira acontece nas universidades e a segunda nos centros autônomos) e por último, na simplificação das licitações e a prestação de contas. Baseando-se nestas questões, a Universidade deixa de atender à lógica dos direitos sociais adquiridos historicamente e passa a atender à cultura do universo econômico, à lógica do mercado - pela manutenção das taxas de lucro e da propriedade privada. Ela passa de formadora à informadora do conhecimento, formando, por sua vez, indivíduos capazes de reproduzir o status quo, ficando abandonada as possibilidades de buscar soluções, intervir , criar e agir coletivamente. Os cursos de formação de professores de Educação Física inseridos neste contexto, vêm sofrendo conseqüências. Primeiramente, a questão da “autonomia universitária”, que com o projeto imposto pelo governo dissocia o ensino, a pesquisa e a extensão, formando o indivíduo com competências e habilidades para atender as demandas do mercado de trabalho. Com referência ao ensino, a partir do projeto de Diretrizes Curriculares que está sendo discutido no Conselho Nacional de Educação, divide-se a formação profissional entre licenciados e bacharéis, entendendo o primeiro enquanto professor da área formal, e o segundo como profissional da área não-formal que atende as demandas do mercado. E por último, a pesquisa e a extensão reduzidas à captação de recursos para a universidade, desvinculadas da realidade social das classes populares, voltadas para os interesses das empresas privadas. Tratam os estagiários como mão-de-obra barata; tornam a produção da ciência elitista e deixam a universidade como mera prestadora de serviços. Nessa mesma lógica capitalista vem atuando também o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), que através de suas ações vem interferindo na formação de professores das seguintes formas: • A partir do Código de Ética10 e da Carta Brasileira de Educação Física, que definem o paradigma da qualidade da Educação Física a partir da promoção da saúde, desprezando as ciências humanas como eixo principal norteador de nossa profissão, desconsidera o debate e a produção do conhecimento, histórica e coletivamente, veiculados por setores da própria Educação Física nos últimos vinte anos (como foi exposto anteriormente), o que mostra o caráter interventor do Conselho, definindo sua matriz teórica como verdade absoluta. • Com a resolução 024/00 que dispõe sobre a regulamentação do estágio extracurricular. O CONFEF impõe no Art. 1°: “ Estágio extracurricular é aquele que envolve o acadêmico de Educação Física a partir do 5° (quinto) semestre do curso de graduação...”. Com isso, proporcionam uma visão etapista na formação, desqualificando a relação teoria e prática durante todo o seu processo. • Viabilizam cursos de capacitação para “leigos”, com carga horária limitada, ficando esses hábitos a exercer a profissão; • Coerção de inscrições no referido Conselho através de regulamentos, por exemplo das inscrições de concursos públicos para professores, jogos escolares (Jogos Escolares de PE) e universitários, primeiramente só o técnico deveria se inscrever para poder representar sua equipe, depois passou que a ser todos os professores da escola que teriam que estarem inscritos, entre outras; • Ainda no Art. 6°, inciso 1°, desta mesma resolução, os professores de Ensino Superior passam a ser 10 Resolução do CONFEF n° 25/2000. obrigados a estarem registrados no sistema CONFEF/CREF, sob pena de não poderem supervisionar os estágios extracurriculares. Sendo assim o Conselho fere o texto, artigo 5º inciso XX, da Constituição Federal. "Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou permanecer associado"... inciso IX "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica, e de comunicação independente, de censura ou licença”. Além disso, restringem os locais de estágio as instituições com professores filiados ao CONFEF. • Enfim, interferem na formação de professores de Educação Física quando legitimam três propostas de Diretrizes Curriculares encaminhadas ao CNE, desconsiderando uma vez mais as contribuições de setores organizados da área (CBCE, MEEF...). Ao agir assim, acabam por contradizer seus próprios argumentos, que limitam o papel dos conselhos profissionais em “ fiscalizar, orientar e disciplinar legal, técnica e eticamente o exercício da profissão. Aprimoramento do exercício profissional. Defesa da sociedade”. (SPRINT, 99: 42). O discurso que era contra os ditos leigos, passa a ser contra os professores não filiados no sistema CONFEF/CREF. Diante desse quadro foi realizada uma greve das Universidades Federais Brasileiras entre professores, servidores e estudantes tendo esta, a duração de cerca de quatro meses, em luta por uma Universidade pública, gratuita, para todos e socialmente referenciada, aonde a Executiva Nacional de Estudantes de Educação Física se fez presente em todos os momentos, por acreditar que a luta dos trabalhadores se faz a partir da união de todas as classes e não isoladamente na reserva de mercado de trabalho. Levando a frente nossas discussões, participamos do XII CONBRACE11 e apresentamos, junto aos professores, um 11 O Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte foi realizado em outubro de 2001 na cidade de Caxambu – MG. ALMEIDA, Erika C. Contribuições do Movimento Estudantil (ME) à Formação Profissional Progressista de Acadêmicos de cursos de licenciatura em Educação Física. Caderno de Debates. EXNEEF: vol. 6, setembro, 2000. ANDRADE FILHO, Nelson F. 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A rigor, busca o sistema Cref/Confef (doravante tratado por gironda) criar uma camisa de força teorética destinada ao aprisionamento das condutas renitentes e resistentes ao ranço do lixo autoritário, retrógrado e deliqüescente, estacionado na educação física desde os anos 70, manifestando-se agora detrás das mais diversas bobagens proferidas por conselheiros que nada aconselham, determinam, obrigam, ameaçam. Esquece o pensar(?) reacionário que a absorção de qualquer matéria, material ou teórica, pressupõe o crivo dissociador e seletivo do escrutínio crítico, logo, não é crível e nem pode prosperar a pretensão de que o tal codex seja absorvido sem antes ser submetido a amplo e público debate sobre o que se quer e o que realmente se propõe à sociedade (termo vago, politicamente incorreto, filosoficamente impreciso e equívoco). Pari passu com a democracia e a ética, há um par sinistro - o sofista e o demagogo -, o qual segundo Platão, citado pelo filósofo Roberto Romano no “Caldeirão de Medéia”, destrói as bases éticas da cidade e aniquila toda e qualquer possibilidade de edificação de uma real democracia. Esse par sinistro - pode-se observá-lo deambulando no sistema Cref1 / Confef - vive do comércio (os donos de academias que, grosso modo, exploram a crença infundada e a ingenuidade doutros) e da verborragia (os professores universitários tecedores de ilações distanciadas, mais e mais, da realidade). Segundo Romano, “na sofistica demagógica, os valores são obnubilados por intermédios de artifícios retóricos, cujo alvo é a persuasão absoluta” (2001, p. 363). Quando a gironda fala de ética e democracia, parece falar do que não sabe ou, então, falar sobre categorias das quais não tem o menor conhecimento, pois considero inadmissível a existência de um código de ética que defende, a um só tempo, os interesses dos exploradores - donos de academias, escolas e universidades privadas - e dos explorados - clientes, alunos e acadêmicos enganados pela parolagem dos “sub-intelectuais de miolo mole” tementes ao confronto e à mínima zurzidela. Tomando por base o “Caldeirão...”, entendo a “ética” trabalhada por pelos conselheiros e quejandos como uma das faces mais repelentes da sociedade brasileira. Com ela, é impossível a democracia. Logo, salta-me uma questão fulcral ao entendimento da ética sem a qual não há democracia, posta por Romano numa longa passagem, transliterada in totum: “Numa sociedade onde crianças são mortas nas ruas aos milhares, onde meninas e meninos são utilizadas para a prostituição, onde se constata a prática de escravidão em Estados como São Paulo, onde se somam aos milhões as mulheres que sofrem violência física, onde certos segmentos incontrolados da própria Polícia assassinam industrialmente, onde o tráfico de drogas só é punido nos seus agentes menos bem- situados na escala social, enquanto os grandes beneficiários aparecem nas colunas sociais como se fossem trêfegos peraltas, onde quem possui um carro julga-se no direito de matar impunemente, desrespeitando regras mínimas (a ONU não aceita o número de acidentes no trânsito brasileiro, ela os considera assassinatos), onde se admira a ‘esperteza de particulares e políticos, onde o ensino é tido como atividade desprezível pelos governantes ( acrescento, embora os particulares, famiglias por vezes, o utilizem como meio fácil de enriquecimento com o beneplácito dos políticos e do Governo Federal), enfim, numa sociedade onde todos estes lados são evidentes, é suma tolice parolar sobre a ética, a democracia (itálicos meus)” (id. ibid., p.373). Predicar “a saúde da sociedade” efetivada ou efetivando-se “nos cânones do respeito à dignidade humana, à ética e ao imperativo da ordem moral” se configura como uma tolice insofismável, deixando transparecer que os conselheiros redatores e os que signaram esta bobagem nada sabem, como já disse, de ética, de democracia. É mais um discurso que permanece no âmbito da retórica deslocada da própria sociedade na qual foi elaborado. Contra a parolagem volto aos escritos de Romano - sob inspiração rousseauniana -, para neles encontrar elementos necessários à uma profunda reflexão, para não cair- se mais uma vez no engodo de línguas cansadas. Em primeiro lugar, como é possível falar de ética, de democracia, numa sociedade onde todas as vantagens são paras os ricos e poderosos? Em segundo lugar, nessa mesma sociedade “os empregos mais lucrativos não são desempenhados unicamente por eles”; “todas as graças e isenções não lhes são reservadas”; “a autoridade pública não se coloca toda em seu favor”; “não tem sempre a certeza da impunidade um homem de consideração que rouba seus credores ou pratica outras velhacarias”; e “se esse mesmo homem é roubado (e/ou seqüestrado como ocorreu recentemente no Estado de São Paulo), [não é fato que] toda a polícia logo se põe em campo, e infelizes dos inocentes de quem se suspeita?” (Id. ibid., p. 374). Como reporta Romano, as frases acima não foram retiradas dos escritos de nenhum populista ou radical de esquerda, mais a retratar perfeitamente a lógica e a ética modais nesta sociedade, salvo pequenas modificações feitas pelo filósofo, são de Jean-Jacques Rousseau lavradas no seu “Discurso sobre a Economia Política”. Aos falsos argumentos o argumento necessário clarear as idéias que afirmam haver uma ética (e uma filosofia) da educação, especialmente da educação física. Escólio. Jamais a queda da mulher antecipa a queda do macho, posto que no mito bíblico é o homem que - lembrem-se - tentado e convencido pela mulher, esta ingênua ou pecaminosa, a degustar o fruto proibido peca(?,) cai. Logo, necessariamente, a queda da mulher, originariamente surgida como por encanto de uma costela do primeiro homem, se efetiva. Não há o menor resquício de livre arbítrio, mas a desobediência punível com o trabalho, por um deus irascível, intransigente e vingativo, que, por ser omnisciente (segundo seus acólitos), de antemão sabia que homem e mulher desobedeceriam, nada fazendo para que a obediência indevida não se consumasse . Insânia pura, resultado: hominização, história em construção, liberdade, libertação! Posto isto, há algum tempo, buscando na philia pelo saber respostas ao quadro obscurantista sob o qual vive a Universidade Pública, questiono a existência de uma ética (e de uma filosofia) peculiar à ou da educação física, tal como apontadas no código de ética(?) erigido e defendido pela gironda. Se os princípios e fundamentos sobre os quais foi construído esse código, sob o exercício necessário da crítica, não são objetivos, antes emanam do plano meramente subjetivo, então a sua deontologia [da norma] é, necessariamente, subjetiva, inespecífica, sem sustentação empírica. Que quer isto dizer? Ora, o meio filosófico sério não comporta o charlatanismo e a parolagem. Ali, qualquer teoria deontológica sustenta que o dever em cada caso particular deve ser determinado por normas válidas independentemente das conseqüências de sua aplicação. No entanto, no caso presente, o código de ética parece ter sido montado para assumir a forma de um imperativo categórico a indicar um dever à vontade humana imperfeita (Vásquez1982), obviamente, não a vontade dos conselheiros, mas daqueles que precisam ser ludibriados, enganados. Foge à gironda a seguinte compreensão, todo “imperativo categórico proíbe os atos que não podem ser universalizados e, portanto, não admite exceção alguma em favor de ninguém” (Id. ibid., p. 168). Parca na compreensão do real, preferindo transitar pela phantasia do Medievo, a gironda caminha sobre falsos argumentos - o argumento da promessa e o argumento da mentira - desprezando o argumento dos princípios, o ponto de partida, origem, causa de uma determinada ação sem o qual não há compreensão das propriedades essenciais e características dos fenômenos; proposição posta no início de uma dedução. No argumento da promessa, a máxima é: “se convém, faz-se promessas, com a intenção de não cumpri-las quando julga-se oportuno”. No Brasil, tornou-se universal fazer promessas que não se pode cumprir ou que se sabe a priori que não se cumprirá. Daí a descrença nos políticos, pois prometem o que sabidamente não cumprirão. Em linguagem kantiana, ignortada pela gironda, temos que nunca se podem deixar de cumprir uma promessa empenhada e que é dever cumpri-la sempre, se fazendo necessário considerar o conteúdo do dever para que se possa estabelecer como, em certas circunstâncias determinadas e em caso de conflito, um dever é mais imperioso do que o outro [manter a promessa!]. Por sua vez, o argumento da mentira, é o contradito da norma moral “não mentir” ou a não universalização da mentira; pode-se ficar calado, mas ao dizer alguma coisa, deve-se dizer a verdade. A imobilidade dos conceitos não permite perceber a existência de verdades e verdades, bem como de mentiras e mentiras; esclareço, as mentiras ditas objetivando evitar sofrimentos a um doente, para não revelar segredos que se ouviu em função da profissão adotada, para não prejudicar um colega, etc., fazem parte do tipo de mentiras aceitas em nesta sociedade. Elas são utilizadas em detrimento de qualquer código de ética ou de acordo com ele. No entanto, prevalecendo as mentiras que prejudicam pessoas, subtrai-se a responsabilidades pessoal, etc..; essas mentiras merecem a reprovação de todos, mas, contraditoriamente, constituem a base deontológica da conduta social e profissional dos indivíduos numa sociedade de classe, enfermiça e deliqüescente como a brasileira. Mentir para salvar um projeto político-econômico, uma proposta pedagógica ou uma receita médica que se sabe inadequadas à população, mentir para ser eleito ou reeleito à qualquer cargo ou função pública, etc., constitui a norma cínica em andamento neste país. À gironda resta o argumento dos princípios ou conjunto de proposições diretivas, características, às quais todo o desenvolvimento social e intelectual, coletivo e individual, ulterior estar subordinado (Lalande,1993). Mas é preciso uma certa atenção para os diversos sentidos dados ao verbete em questão: (i) ponto de partida de um movimento; (ii) o melhor ponto de partida; (iii) ponto de partida efetivo de uma produção; (iv) causa externa de um processo ou movimento; (v) o que com a sua decisão determina movimentos e/ou mudanças; e (vi) estribo, base, pilar, fundamento sobre o qual ergue-se o processo de conhecimento. É igualmente entendido como princípio, “o que se considera verdadeiro para sustentar a validade lógica de um argumento qualquer” (Abbagnano,1982,p.760). O fundamento é, a meu juízo, causa ou razão de ser; metáfora retirada da arquitetura, isto é, aquilo sobre o que repousa um certo conjunto de conhecimentos e/ou a prática social e/ou os mais diversos da cultura contemporânea, todavia, é preciso ficar atento para a dupla significação da palavra repousar: (a) o que da a alguma coisa ou pratica social a sua existência ou a sua razão de ser; e (b) proposição mais geral e mais simples de onde se pode deduzir todo um conjunto de conhecimentos necessário ao desenvolvimento de uma prática social (Lalande, ibid).