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Guias e Dicas
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Manual de Expressao Oral e Escrita - J. Mattoso Camara Jr, Manuais, Projetos, Pesquisas de Literatura

Manual de expressão oral e escrita

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2010
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Baixe Manual de Expressao Oral e Escrita - J. Mattoso Camara Jr e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Literatura, somente na Docsity! MANUAL DE EXPRESSÃO ORAL E ESCRITA J. MATTOSO CAMARA JR. 4ª Edição PETRÓPOLIS EDITORA VOZES LTDA. 1977 FICHA CATALOGRÁFICA (Preparada pelo Centro de Catalogação-na-fonte do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ) Camara Júnior, Joaquim Mattoso, 1904-1970. C1731 Manual de expressão oral e escrita /por/ J. Mattoso Camara Jr. 4.ed. Petrópolis, Vozes, 1977. 160p. 1. Comunicação oral 2. Linguagem e línguas I.Título. CDD - 001.543 001.543 400 CDU - 800.852 800.855 77-0482 I. Plural dos Nomes .................................. 94 II. Gênero dos Nomes .................................. 98 Capítulo XII - A Correção nas Formas Verbais .............. 102 Capítulo XIII - A Correção nas Formas Pronominais ......... 109 I. Pronomes Pessoais ................................. 109 II. Tratamento ........................................ 112 III. Os Demonstrativos ................................. 114 Capítulo XIV - Concordância e Regência ..................... 116 I. Concordância ...................................... ll6 II. Invariabilidade ................................... 119 III. A Regência ........................................ 121 Capítulo XV - Exame de algumas supostas Incorreções ........ 123 I. Purismo e Estrangeirismo .......................... 123 II. A Rigidez Gramatical .............................. 127 Capítulo XVI - A Escolha das Palavras ...................... 132 I. Considerações Gerais .............................. l32 II. Os Sinônimos .... .... ... . ...................... l33 III. Outros aspectos na Escolha das Palavras ........... 137 Capítulo XVII - A Linguagem Figurada ....................... 141 I. Caracterização ......... .......................... 141 II. Uso da Linguagem Figurada ......................... l43 Capítulo XVIII - A Clareza e seus vários Aspectos .......... 148 Conclusão Geral ............................................ 155 \6 Explicação Prévia Esta despretensiosa obra teve sua origem num curso sobre "Expressão Oral e Escrita", que por anos consecutivos ministrei aos Oficiais-Alunos da Escola de Comando e Estado Maior da Aeronáutica a convite da sua Direção. Fiz a princípio "súmulas", que mais tarde ampliei num pequeno MANUAL, impresso em multilite na Escola para uso privativo dos Oficiais-Alunos. Posteriormente, as aulas contidas no MANUAL foram utilizadas para o ensino de Português na Escola Naval por iniciativa do ilustre professor Hamilton Elia; e as cinco primeiras foram insertas em números salteados da REVISTA DE CULTURA, a benemérita publicação cultural do saudoso Cônego Tomás Fontes. Entretanto, muitos colegas e amigos vinham insistindo em que eu desse ao trabalho a ampla divulgação de um livro ao alcance do público ledor em geral. Deixei-me vencer, e faço-o agora na esperança de ser com isso útil aos que necessitam de escrever ou falar em público por injunções da sua vida profissional. Rio,1961. \7 Nota para a 4ª edição As três primeiras edições foram feitas pela J. Ozon-Editor, Rio de Janeiro (1961, 1964 e 1972). Estando esgotada a obra e caduco o contrato, Dona Maria Irene Ramos Camara, viúva de Joaquim Mattoso Camara Jr., nos ofereceu o lançamento dessa nova edição do <Manual de Expressão Oral e Escrita>. As obras do Mestre Mattoso Gamara - pai da Lingüística no Brasil -, ao contrário de outras, quanto mais envelhecem, mais nelas se acentua o caráter clássico e a necessidade de consulta. Mattoso Camara (falecido em 4-2-1970) ainda continua o nosso maior lingüista. Desse livro, escreveu em 1976 o Prof. Anthony Naro, professor dos cursos de pós-graduação em Lingüística da PUC/Rio e UFRJ: "Elocução, exposição, composição, estrutura da frase, ortografia, correção de uso, purismo, escolha vocabular e linguagem figurada são temas abordados nesse manual de estilo. Cada capítulo abrange uma apresentação teórica do tema seguida de exemplos ilustrativos. Como um guia prático para o uso da língua ele é conciso, mas apresenta uma introdução equilibrada dos problemas referentes à clareza na expressão oral ou escrita, especialmente destinado para um público não especializado. Em toda a obra, Mattoso mantém-se numa posição de equilíbrio entre o purista, para quem a língua literária é o único modelo aceitável, e o ponto de vista de muitos lingüistas para quem o uso só é definido pelo que ocorre no discurso. Para Mattoso, a finalidade da língua é a comunicação, de modo que a preocupação primordial deve ser evitar qualquer distúrbio no processo de comunicação" (<Tendências Atuais da Lingüística e da Filologia no Brasil>, Livraria Francisco Alves, Rio de Janeiro 1976, p.145). Ao reeditar este livro, a Editora VOZES tem a certeza de estar recolocando nas mãos de professores e alunos e de quantos cultivam a Língua Portuguesa o ainda melhor manual de expressão oral e escrita. CLARÊNCIO NEOTTI agosto de 1977 \9 Capítulo I A BOA LINGUAGEM I. A IMPORTÂNCIA DA BOA LINGUAGEM produzir em nós um alto prazer espiritual ou gozo estético. É uma excelência em sentido estrito, que não cabe confundir com o sentido amplo - qual se consubstancia na boa formulação e na boa comunicação do pensamento. Apressemo-nos a ressalvar, porém, que <o sentimento artístico é espontâneo e inerente nos homens e que, para ser eficiente, a linguagem tem de satisfazê-lo e não apenas se cingir a uma formulação seca, objetiva e fria>. Assim, em toda boa exposição lingüística entra, a bem dizer, um tal ou qual elemento literário. É, até certo ponto, daí resultante a circunstância de que se cria em toda sociedade um ideal lingüístico, por que temos de pautar-nos para as nossas palavras não provocarem uma repulsão, às vezes latente e mal perceptível, mas sempre suficiente para prejudicar-lhes o efeito. Essas considerações nos possibilitam precisar melhor o conceito de boa linguagem em seu sentido lato. Vemo-la já agora por suas três faces. Uma é a adequação ao assunto pensado; outra, certo predicado estético que nos convida a encarar com boa vontade o pensamento exposto; a terceira, enfim, uma adaptação inteligente e sutil ao ideal lingüistico coletivo, o que importa no problema da correção gramatical em seu sentido estrito. Não são três aspectos equivalentes, e muito menos é substituível um pelos outros. É claro que a nitidez e o rigor da expressão do pensamento, ou, em outros termos, a precisão lógica da exposição lingüística tem a primazia sobre tudo mais. A ela se adjunge, como elemento de atração, a qualidade que empolga ou seduz, predispondo a razão a se fixar no que lhe é exposto e a se deixar convencer; ou seja, o efeito retórico em última análise. Finalmente, o cuidado da correção gramatical evita que se afronte um sentimento lingüístico enraizado, que o mais das vezes tem uma motivação profunda, mas deve ser atendido mesmo quando decorre de meras convenções mais ou menos arbitrárias. 3. A composição A precisâo lógica da exposição lingüística importa, antes de tudo, no problema da composição, que consiste \13 em bem ajustar e concatenar os pensamentos. O próprio raciocínio ainda não exteriorizado depende disso para desenvolver-se. Além de nos fazermos entender pelos outros, temos de nos entender a nós mesmos, e é neste sentido que tem cabida a frase do velho poeta francês - "o que é bem concebido se enuncia claramente" (Boileau, <Art Poétique>, I, 153). 4. A forma O efeito retórico e a correção gramatical, por sua vez, constituem o que se costuma chamar a forma de uma exposição. Não resumem em si a boa linguagem, como erroneamente se admite às vezes, mas apenas concorrem para ela. Não são, por outro lado, coisas rigidamente assentes e fixadas. Variam em grau bastante lato na adaptação da exposição lingüística ao ambiente social a que se destina. E, como um ambiente desses envolve aspectos peculiaríssimos, a forma, segundo as circunstâncias, é cambiante e diversa. A sua parte mais ou menos fixa é a que corresponde à adequação da linguagem à personalidade do próprio expositor. Consideremos, neste sentido, um caso particular: os oficiais graduados da nossa Força Aérea, digamos. O que dizem ou escrevem está ligado a esse <status> social. Têm, por suas próprias funções, de se dirigir a meios civis e a meios militares. O problema da adequação da exposição à personalidade do expositor consiste, em última análise, em saber o que esperam de um oficial graduado, investido de uma tarefa ou um comando, aqueles a quem ele se dirige. Podemos dizer, numa resposta indireta, que pelo menos não se esperam duas coisas: a) que fale ou escreva aquém do índice do seu <status> social; b) que se exprima como um literato, isto é, como alguém que "faz arte" em matéria de linguagem. A condição prevista no item b não deve ser esquecida no que concerne à forma da exposição. O efeito retórico e o escrúpulo de correção gramatical, se excessivos, dão uma impressão de "literatura", totalmente descabida no nosso \14 caso concreto : a forma pode ser boa, considerada em si mesma; mas a linguagem da exposição se tornou inegavelmente mente má. Afora esta ressalva, a obediência, em princípio, às regras gramaticais firmes e vigentes na comunidade lingüística impõe-se por três motivos. Em primeiro lugar, elas consubstanciam as conclusões de várias gerações de homens que se especializaram em estudar a língua e em observar a sua ação e os seus efeitos no intercâmbio social. Muitas normas e convenções de gramática representam uma experiência longa e coletiva em matéria de expressão lingüística, e acatá-las natural é não se conservar permanente e contínua e só assim se torna em virtude de uma mestria especial do expositor em lidar com os ouvintes. Finalmente, há a questão da boa apreensão das nossas palavras, envolvendo um ajustamento delicado da sua enunciação e até da sua escolha, sob o aspecto acústico, em vista das condições do auditório. 3. Traços característicos da exposição escrita A exposição escrita pode parecer mais simples, dada a falta desse complexo conjunto de elementos. A realidade, porém, é que eles têm de ser substituídos por uma série de outros, cujo conhecimento e manuseio exigem estudo e experiência. Grande número de regras e orientações gramaticais decorre das exigências da língua escrita para a comunicação ser plenamente eficiente na ausência forçada de muitos recursos, que complementam e até consubstanciam a linguagem oral. Escrever bem resulta de uma técnica elaborada, que tem de ser cuidadosamente adquirida. Depende, em muito menor grau do que falar bem, das qualidades naturais do indivíduo, do seu "jeito", enfim, em saber exprimir-se. 4. Conclusão As considerações desenvolvidas neste capítulo têm por fim estabelecer um ponto de partida para o que vamos estudar. Uma vez compreendida a importância da boa linguagem e o verdadeiro sentido de tal afirmação, podemos apreciá-la nos seus dois tipos distintos, que criam distintos tipos de exposição: o oral e o escrito. \17 Capítulo II A ELOCUÇÃO: FUNÇÃO EXPRESSIVA I. O TOM DE SEU VALOR EXPRESSIVO l. Definição da elocução Na exposição oral, as nossas palavras são enunciadas diante de um auditório. Os sons vocais projetam-se de quem fala para quem ouve. É esta projeção dos sons vocais que se chama elocução. Trata-se, evidentemente, de um conceito complexo. Há, em primeiro lugar, a parte da articulação, que é o conjunto de movimentos na garganta e no interior da boca por meio dos quais enunciamos os sons da linguagem. É claro que precisam ser firmes e nítidos para a inteligibilidade acústica. Da articulação depende a compreensão das palavras, e, se defeituosa, se torna tão prejudicial, para quem fala, como uma letra ilegível para quem escreve. Além disso, na elocução, as palavras formam grupos significativos, em disposição, por assim dizer, hierárquica. Raramente uma palavra vale por si: tem de ser associada sem solução de continuidade, com outra ou outras num pequeno conjunto, que se projeta ao lado do anterior e do seguinte como uma unidade de sentido parcial embora. Duas ou mais dessas unidades, por sua vez, se associam e assim por diante, até se chegar a um complexo de significação ampla. Isso importa em todo um jogo de cadências e de pausas, que permite ao auditório acompanhar <pari passu> o expositor. É a parte rítmica da elocução, mediante a qual se mantém entre quem fala e os que o ouvem um movimento mental sincronizado. \18 Finalmente, temos o tom ou inflexão da voz. Ele valoriza as palavras, dá-lhes não raro matizes especiais de significação e reflete o estado de espírito de quem fala: Assim, corrobora a significação, ao mesmo tempo que faz o auditório sentir como tomamos a peito as nossas próprias palavras. 2. Qualidades do tom A articulação e o ritmo de cadências e pausas serão apreciados em capítulos separados. Aqui trataremos da parte da elocução que se consubstancia no tom da voz. Por este nome entendemos um jogo de altura e força de emissão nos sons da fala. Força e altura dependem primariamente de certas condições materiais, como a distância entre o expositor e os ouvintes, as dimensões e a forma do recinto e a quietude ou a maior ou menor agitação(1) que há em volta dele. Instintivamente o expositor aumenta ou diminui o volume e a elevação da voz de acordo com o ambiente assim constituído; mas há quem tende para a emissão excessivamente forte e alta pela simples circunstância de estar falando em público a um grupo numeroso de pessoas. O resultado é prejudicial: o expositor se cansa sem necessidade, e, o que é muito pior, cansa e enerva os ouvintes, que sentem a desproporção entre essa voz e as condições ambientes. O mais importante, porém, em matéria de tom de voz, não é o seu ajustamento à situação externa, mas a possibilidade de variá-lo a serviço da expressão do pensamento. Um tom único é tão inadequado à comunicação oral que monótono se tornou sinônimo de enfadonho. É assim que o tom deve crescer ao pronunciarmos palavras de grande importância na frase (ênfase), adquirir esta modulação em outras a cujo sentido queremos emprestar um matiz inesperado e um tanto fora da acepção usual, e, ainda, variar para exprimir as mudanças necessárias do estado de espírito do expositor, subordinado à natureza dos pensamentos que enuncia e em que se deve mostrar profundamente integrado. (1) Entropia \19 de vista, podemos dizer que o corpo humano em seu conjunto é capaz de uma linguagem significativa, que serve de complemento ao ato de falar. Compreende-se mais facilmente a importância e o valor expressivo da mímica, quando se atenta na circunstância de que só com ela os surdos-mudos conseguem exteriorizar de maneira bastante satisfatória as suas volições e os seus pensamentos. Há até teoristas que sustentam a tese da existência pré-histórica de uma exclusiva linguagem de gestos, antes do remoto passado da humanidade, em que afinal se estabeleceu uma linguagem de sons bucais; é uma hipótese muito discutível - nâo há dúvida - mas parte do fato inegável de que a mímica ainda hoje é acompanhamento imprescindível da comunicação oral e desempenha o que podemos chamar, como o psicólogo alemão Witte, uma "função precisadora" da palavra.(3) (3) Apud Friedrich Kainz, Psychologie the Sprache; Vol. II; p.498, Stuttgart l943. \21 Falar imóvel e com a fisionomia inalterada é atitude inteiramente artificial e dificílima senão praticamente impossível. Isto nos impõe naturalmente o dever de levar os gestos em conta para deles se tirar todo o recurso cabível. Obriga-nos, igualmente, a eliminar todos aqueles que não se justificam pelo seu valor expressivo. 2. Como se divide a mímica Distinguem-se três aspectos essenciais nessa linguagem complementar de gestos. Em primeiro lugar, temos o jogo fisionômico: volver os olhos, elevação ou contração das sobrancelhas, movimentos da boca e dos lábios. Em segundo lugar, há os movimentos de mãos, de braços e cabeça. Finalmente, também funcionam o busto e até o corpo todo pela locomoção diante do auditório. Os três tipos de mímica não constituem, porém, elementos distintos e dissociados. Integram-se entre si para corroborar a elocução. Daí, a frase dos psicólogos norte- americanos Pillsbury e Meader: "A ação está intimamente ligada ao pensar e ao sentir... Cada idéia desemboca naturalmente num movimento" (<The Psychology of Language>, 1928, p.9). Não constituem, por outro lado, aspectos do mesmo volume e da mesma importância. O jogo fisionômico é que está mais integrado com a enunciação das palavras. Seguem-se-lhe em aderência à fala os movimentos de mãos, braços e cabeça. A locomoção do corpo não é a rigor essencial, pois podemos fazer uma exposição vigorosamente expressiva sentados ou parados, de pé, por trás de uma tribuna. Todos esses três elementos mímicos devem, entretanto, ser utilizados pelo expositor para um <optimum> de desempenho da sua tarefa. E o devem ser de maneira segura e consciente. 3. Defeitos da mímica Os gestos expressivos sofrem um prejuízo grave, quando coexistem a seu lado outros imotivados pela comunicação \22 oral e apenas decorrentes de hábitos gesticulatórios, que se manifestam mecanicamente de maneira repetida ou prolongada. Muita gente tem permanentemente estes hábitos, ou passa a realizá-los, sem sentir, no momento em que se vê diante de um auditório. O inconveniente é tríplice. Antes de tudo, impedem, ou pelo menos embaraçam, a mímica verdadeiramente expressiva, que não se pode executar, ou se executa mal, por causa deles. É um resultado falho e até desastroso, comparável, no âmbito da elocução, àquele a que chega o indivíduo que fala com a boca cheia e articula os sons da linguagem ao mesmo tempo que mastiga e deglute um alimento. Além disso, concorrem para distrair os ouvintes. A atenção se fixa no gesto mecânico e assim se desvia das palavras que ouve; e fixa-se com tanto mais facilidade quando a falta de propósito do gesto enerva o auditório e o faz instintivamente recrear-lhe a repetição. Os professores Brigance e Immel contam-nos a respeito a história de uma senhora que segredava ao marido ao assistir a uma conferência em que o orador brincava com o relógio e já o pusera em doze ou quinze lugares diferentes da mesa - "Se ele ainda mexer naquele relógio, eu grito"; "ela não gritou mas também não ouviu o que o orador dizia; estava na expectativa do relógio mudar novamente de posição".(3) Finalmente, há o prejuízo de insensivelmente se atribuir ao gesto inexpressivo e mecânico uma intenção que ele não tem. Neste caso, estabelece perplexidade no auditório, porque não se atina com uma interpretação satisfatória, e, muitas vezes até, cria-se uma franca sensação de ridículo pela discordância entre a ação que se vê e a palavra que se ouve. É de toda a vantagem lembrar aqui alguns tipos muito comuns destes cacoetes. Há, por exemplo, o vezo de brincar distraidamente, enquanto se fala, com uma peça do próprio vestuário ou com um objeto que se acha na tribuna ou na mesa. Inconvenientes análogos decorrem de movimentos descontrolados com as mãos: enfiá-las nos bolsos, esfregá-las uma na outra, passar freqüentemente uma delas pelo queixo, pela nuca, pela cabeça. Ainda pior é puxar as mangas do (3) Speech for Military Service, New York 1944. \23 indiretamente sugerirem que temos diante de nós na plataforma um indivíduo intimidado pela nossa presença ou pela consciência íntima de não estar seguro de sua capacidade; porque num e noutro caso perdemos a simpatia ou a confiança que ele nos deve despertar. Em si, entretanto, o estado nervoso é natural a até benéfico. Decorre de uma tensão geral do organismo, e é estimulante. \25 É devido a ele que diante de um auditório nos sentimos mais inspirados do que entre as quatro paredes de um gabinete de trabalho, e dizemos, muitas vezes, bem o que tínhamos forcejado em vão para lançar satisfatoriamente no papel. O estado nervoso tem, porém, de ser carreado para a exposição, valorizando-a pela vibração que lhe imprime. Não pode extravasar-se paralelamente. Pior ainda, não pode interferir com as palavras, provocando mímica contraditória ou voz hesitante ou trêmula. \26 Capítulo III A ELOCUÇÃO: FUNÇÃO ARTICULATÓRIA I. A ARTICULAÇÃO EM GERAL l. Objetivo estrito deste capítulo Já vimos no capítulo II o que se entende por esta parte da elocução: conjunto de movimentos na garganta e no interior da boca por meio dos quais enunciamos os sons da linguagem. Vimos igualmente o que lhe dá especial importância no funcionamento da comunicação oral: a necessidade de uma nítida e espontânea inteligibilidade acústica. Ora, o jogo articulatório é praticamente automático e desenvolvido na base de uma aquisição, quase sempre insensível e espontânea, que se verificou na infância. Por contingência de sua própria natureza e da natureza desse primeiro aprendizado, tendem a nele se insinuar e radicar hábitos defeituosos de movimento e posição dos órgãos bucais. A técnica de correção ou ortoépia é hoje complexa e elaborada; fundamenta-se rigorosamente nas conclusões a que chegou um estudo de observação, em moldes científicos, chamado fonética, sobre o trabalho articulatório e as suas relações com o efeito acústico correspondente. O nosso objetivo neste capítulo não pode, nem deve, evidentemente, ser um estudo cabal de fonética, ou sequer de ortoépia. Limitamo-nos aqui a chamar a atenção para certos defeitos de articulação mais freqüentes e prejudiciais, como passo preliminar para serem corrigidos pelo esforço próprio de quem os possui. Pois tomar consciência de um hábito mau, mecanicamente produzido, já é um progresso no sentido da sua eliminação. \27 2. Os diversos tipos de defeitos articulatórios As palavras são constituídas de uma série de sons elementares encadeados, que se distinguem entre si e cujo nome técnico é o de <fonemas>. A mero título de comparação apenas aproximada, podemos dizer que os fonemas são os tijolos da construção das palavras. Caracterizam-se eles por um pequeno número de movimentos articulatórios, imprimindo-lhes traços acústicos bem determinados, que nos permitem identificá-los. Em toda língua, há certos contrastes de fonemas, onde a diferença articulatória é muito pequena e a possibilidade de omiti-la muito grande, com prejuízo para a inteligibilidade da palavra. Tem-se assim um primeiro tipo de defeitos articulatórios, quando por frouxidão e falta de nitidez dos movimentos bucais se leva o ouvinte a não sentir bem o fonema e a confundi-lo com outro. Acresce que, em virtude daquele ideal lingüístico, já aqui referido no capítulo I, cria-se espontaneamente em toda língua uma norma de pronúncia, considerada a correta e elegante. O fonema pode ser emitido defeituosamente em virtude de desobedecer-se a essa norma, muito embora compreendido sem maior confusão. Há neste particular duas espécies de perigo: de um lado, um esforço artificial e exagerado de boa articulação, a que se dá o nome de hiperurbanismo; de outro lado, um desleixo e <laisser-aller>, através do qual se insinua uma articulação frouxa e vulgar, que afronta um auditório culto e mesmo diante de qualquer auditório é tomado como índice do <status> social do expositor. Finalmente, há certos hábitos articulatórios que são próprios de uma determinada região do país e não coincidem com a norma geral de pronúncia. Revelam uma pronúncia regional e deve-se procurar corrigi-los na medida em que arriscam o expositor a provocar estranheza e até um leve senso de ridículo diante de um auditório extra-regional. Desses três tipos de defeitos articulatórios, o mais relevante, e também relativamente fácil de ser eliminado por um esforço pessoal, é o que determina confusões de fonemas. Segue-se-lhe em importância, num conjunto que é verso e reverso, o hiperurbanismo e o vulgarismo, que prejudicam o prestígio imprescindível ao expositor para fazer aceitar suas idéias. A pronúncia regional é a que menos inconvenientes \28 não-palatalizada - /s/ - /z/ - /l/ - /n/. Diante de um grupo átono de duas vogais em que a primeira é /i/, a consoante não-palatalizada tende a articular-se com aquele desdobramento e a omissão do /i/; e, diante de /i/ tônico a palatalizada a perdê-lo, se não há um movimento da língua rigoroso e preciso. Daí a pronúncia defeituosa de palavras como <vênia> (confundindo-se com <venha>), <mobília, companhia>. No caso do /x/ e do /i/, o defeito mais freqüente é a omissão do /i/ que se lhe segue como primeiro elemento de um grupo de duas vogais (cf. neste sentido a má articulação de uma palavra como colégio sem o /i/ da última sílaba). c) Contraste entre /m/ e /n/, sons ambos nasais, isto é, com uma emissão de ar pelas fossas nasais em complemento à articulação bucal diversa. Se esta última é frouxa, predomina o efeito nasal, comum às duas consoantes, e a distinção entre elas se esbate. \30 d) Contraste entre /l/ depois de vogal (mal, alto, vil) e /u/ na mesma posição (mau, auto, viu). Ambos os fonemas são pronunciados no fundo da boca, com uma elevação do dorso da língua em direção ao véu palatino; mas a distinção se baseia em três traços. 1° - no /u/ a língua eleva-se muito menos do que no /l/; 2° - no /u/ há ao mesmo tempo um arredondamento dos lábios; 3° - no /l/ há também uma ele vação da parte anterior da língua, que para o /u/ fica abaixada. Uma articulação precisa, que leva em conta estas condições, distingue os dois sons e impede a confusão acústica. 5. Contrastes artificiais O esforço para bem opor o fonema a outro parecido pode, por outro lado, conduzir a uma deformação articulatória. Assim, o contraste entre /l/ e /u/ depois de vogal não deve ir ao ponto de se articular o /l/ depois de vogal exatamente como o /l/ antes de vogal. Salvo no extremo sul do país, esta pronúncia indiferenciada soa anômala, e dá a impressão de haver um ligeiro /i/ depois do /l/ final, de maneira que uma palavra como <cal> quase se confunde com <cale> ou <mel> com <mele>. É igualmente um artificialismo, que desagrada como hiperurbanismo pedantesco, o afã de dar na pronúncia de certas palavras o valor exato às letras que elas contêm. Com efeito, em teoria, os fonemas são na escrita indicados por símbolos gráficos privativos de cada um e chamados letras. Mas a apresentação escrita nem sempre é perfeita; e, por tudo isso, deve-se procurar sentir os fonemas de uma palavra, em si mesmos, independentes das letras com que ela se escreve. Guiar-se rigorosamente pela grafia importa em cair muitas vezes no defeito da "pronúncia alfabética". O menor inconveniente é passarmos a ter duas pronúncias para a mesma palavra, conforme a usamos numa conversação espontânea ou numa exposição formalizada. Daí decorre, como inconveniente maior, uma impressão de atitude forçada, que perturba a atmosfera de contacto espontâneo entre \31 o expositor e os ouvintes. Além disso, desvia-se a atenção destes para a excentricidade da pronúncia. Finalmente, a palavra pode tornar-se até menos imediatamente apreensível. Os casos mais chocantes, entre nós, são os valores de /e/ e /o/ dados às letras <e> e <o>, quando na realidade elas representam, excepcionalmente, /i/ e /u/. A este respeito, é útil a leitura atenta dos nossos grandes poetas, que com suas rimas nos indicam a boa pronúncia. Assim : a) Não se deve fazer diferença entre os finais átonos -eo e -io, ou -ea e -ia, pois a primeira vogal vale sempre /i/; por isso, rima Hermes Fontes <moléstias, veste-as e réstias> (Apoteoses, 1908, p.19). b) Nas palavras proparoxítonas, com o acento na 3ª sílaba a contar do fim, a penúltima sílaba, que é átona, nunca tem a vogal /o/, e a letra correspondente soa regularmente /u/. Daí, as rimas <pérola> e <guérula> (Hermes Fontes, idem p.14), <pérolas> e <cérulas> (Castro Alves, Obras Completas, ed. Garnier, vol. II, p.38), <ídolo> e <estrídulo> (idem, p.39). c) Nas palavras paroxítonas, as <e> e <o>, finais ou seguidas de um <s> final, emitem-se, respectivamente, como /i/ ou /u/ fracos. É o que explica rimas como <largos> e <Argus> (Olavo Bilac, Poesias, 9ª ed., p.157), <vates> e <cálix> (Alberto de Oliveira, Poesias, 1912, p.75), <impele> e (Regina) <Coeli> (Cruz de Souza, Poesias, ed. Valverde, p.31), <define> e <Bellini> (B. Lopes, Poesias, ed. Valverde, vol. III, p.35). Num caso destes, o valor de /e/ e o de /o/ dados, respectivamente, às duas letras é tão anômalo, que logo cria a impressão de sotaque estrangeiro. Finalmente, em palavras esporádicas, em que se escreve <e> ou <o> em sílaba átona inicial ou medial a enunciação natural dessas letras é como /i/ ou /u/; ex.: menino, feliz, sotague, borracha, governo, boletim (pronunciado /bulitin/). O mais freqüente, porém, em sílaba inicial ou medial átona, é a letra indicar o verdadeiro som; é assim que distinguimos <morar> e <murar>, <fechar> e <fichar>, etc.(4) (4) Em Portugal, entretanto, não existe essa distinção. \32 trânsfuga, Ésquilo> (nome próprio, em contraste com esquilo, paroxítono, nome comum de animal). Em outras, há dúvida e hesitação generalizada, e o problema se complica. Trataremos dele na parte deste <Manual> destinada a estudar as discordâncias do uso lingüístico. \34 Capítulo IV A ELOCUÇÂO: FUNÇAO RÍTMICA I. O JOGO DAS PAUSAS 1. Os grupos de força Já vimos anteriormente que numa elocução fluente e normal não se enunciam as palavras isoladas entre si, como a convenção gráfica as apresenta no papel. Elas se encadeiam, ao contrário, constituindo os chamados grupos de força. Assim, o contínuo da elocução é cortado de pausas que não correspondem, senão ocasionalmente, à separação mental que fazemos entre uma palavra e outra. É o que explica a tendência dos indivíduos apenas semialfabetizados a lançarem no papel, quando escrevem, duas ou três palavras ligadas, sem espaço em branco; guiam-se pelas pausas que espontaneamente fariam falando, e não pela individualidade que mentalmente se atribui a cada palavra. O nome de grupo de força foi escolhido em virtude de cada uma dessas unidades de emissão possuir uma única acentuação predominantemente forte - a da sílaba tônica da sua palavra mais importante, a que se adaptam, com acentuação um pouco enfraquecida, as sílabas tônicas das demais palavras e as partículas átonas. É o que se observa nitidamente na boa leitura do verso. Assim, o verso de 10 sílabas, ou decassílabo, em português, forma 2 ou 3 grupos de força, com a acentuação predominante, respectivamente, na 6ª e 10ª ou na 4ª, 8ª e 10ª sílabas; dentro de cada um desses grupos enquadram-se com intensidade atenuada as sílabas tônicas das demais palavras, incidindo indiferentemente em qualquer sílaba que \35 não seja a 5ª, a 7ª ou a 9ª; ex.: "muito-coche- real nestas- calçadas / e-nestas-praças hoje-abandonadas..." (Raimun- do Correa, Poesias, 4ª ed., p.165). 2. Espécies de pausa Podemos distinguir várias espécies de pausa numa exposição seguida. Há, em primeiro lugar, as pausas decisivamente assinaladas, que na escrita correspondem ao ponto, com duas graduações: uma grande pausa, equivalente ao <ponto parágrafo>, e uma mais rápida, que graficamente se traduz pelo <ponto simples>. Em segundo lugar, temos as pausas em que a voz fica em suspenso, indicando que a frase ainda não terminou; são as que a escrita representa pela vírgula, se para isso existe motivo de ordem lógica, ou deixa de representar, se falta esse motivo. Como graus intermediários, se nos oferecem outras pausas mais rápidas que as do ponto simples e mais demoradas que as da vírgula, expressas em regra no papel pelo <ponto e vírgula> ou pelos <dois pontos>, conforme a intenção lógica. Oralmente, a pausa de dois pontos se caracteriza por uma voz em suspenso, como no caso da vírgula, e a de <ponto e vírgula> é decisivamente assinalada, embora a voz logo se reate. A impressão de pausa decisiva e a de voz em suspenso decorrem da altura da voz na parte final do grupo de força: para o primeiro efeito a voz baixa levemente, e para o segundo há uma pequena elevação gradativa, a partir da última sílaba tônica. Ou em outros termos: dá-se um jogo de cadências (do latim <cádere>, cair) e anticadências. Todas essas pausas têm um papel complexo na elocução. Podemos resumi-lo em quatro ordens: a) permitir o mecanismo regular da respiração, enquanto se fala (ordem fisiológica)(5) b) dar oportunidade ao desenvolvimento de um pensamento que se formula à medida que se exterioriza (ordem mental); (5) Cf. A. Nascentes (O Idioma Nacional, São Paulo 1937, p.77): "A duração normal da respiração abrange doze sílabas". \36 c) possibilitar ao auditório acompanhar a exposição, fornecendo-lhe um grupo de idéias relativamente simples de cada vez (ordem comunicativa); d) estabelecer um balanço rítmico na elocução (ordem rítmica ou fonética). Ora, a pausa rítmica é justamente preponderante numa elocução normal e fluente. É ela que regula a marcha da fala, estabelecendo uma distribuição de grupos de força, variáveis em duração e número de sílabas, mas com certa proporção, embora um tanto indefinida, entre si. O verso não é mais do que a sistematização, em números determinados, dessa distribuição natural e incerta. Entre ele e a frase comum, dita em prosa, há a mesma relação que entre as figuras geométricas absolutas na sua regularidade e os perfis que a natureza nos oferece nas montanhas, nas pedras, nas árvores, com os seus contornos caprichosos e incertos mas donde aquelas figuras se podem extrair. Toda enunciação tem a rigor um embrião de verso, e o chamado verso livre moderno caracteriza-se por contentar-se com esse ritmo vago natural. Em virtude desse seu aspecto essencial, a pausa rítmica, profundamente entranhada na alocução, concentra em si as demais funções das pausas e é aproveitada para os fins de expositor aparenta que se deteve para dar mais relevo ao que vai dizer; em seguida ela se consolida pelo tom especial, com que afinal se enuncia a palavra ou a fórmula buscada. É óbvio que essa pequena simulação só tem cabimento quando se trata de qualquer coisa de realmente importante no teor da exposição; em caso contrárío, cria-se uma incongruência entre a ênfase da elocução e a insignificância do conteúdo mental, e o efeito é desastroso. O recurso à correção <a posteriori> só se justifica, por sua vez, quando a dificuldade de encontrar um termo adequado, em vista da sutileza e do cambiante da acepção, é também plenamente sentida pelos ouvintes, que então se integram com o trabalho mental do expositor e aceitam a ressalva como uma prova de seu escrúpulo na nitidez da expressão. 4. Velocidade da elocução Está intimamente associada com os grupos de força e as pausas a velocidade da elocução. A elocução lenta, ou "pausada", cria, como este segundo qualificativo indica, uma pausa de uma palavra para outra e desagrega os naturais grupos de força, com prejuízo para o efeito rítmico. Daí a sensação de tédio que se estabelece no auditório, a par do cansaço decorrente do esforço contínuo para ajuntar compreensivamente palavras que são apresentadas inteiramente soltas entre si. A elocução excessivamente rápida, por sua vez, mesmo quando não prejudica a nitidez da articulação, obriga a uma tensão mental fatigante por parte de quem ouve, no afã de analisar e assimilar o que ouve. O auditório vê-se na situação de um pedestre que tivesse de acompanhar <pari passu> um cavaleiro a galope. De menor monta, porém, do que a velocidade média da elocução é a distribuição dessa velocidade de acordo com o teor geral de cada grupo de força. Por conveniência de ordem rítmica, os grupos de força muito grandes tendem a se enunciar com mais rapidez. Por conveniência de ordem comunicativa, as palavras muito longas e as singularmente importantes tendem a se enunciar com mais \39 lentidão. Assim, a fala se torna mais rápida e mais lenta, numa variedade que satisfaz foneticamente ao ouvido e mentalmente à compreensão. Neste jogo de velocidade da voz, é, antes de tudo, necessário que o expositor saiba controlar o seu impulso psíquico de apressar a elocução à medida que vai empolgando-o o assunto. Não deve esquecer que está diante de um auditório e que a marcha da exposição tem de ser regulada por certos dados objetivos, entre os quais sobrelevam a natureza fonética e o conteúdo mental das próprias frases. O entusiasmo do expositor é um dado subjetivo e altamente prejudicial, se conduz a uma maior rapidez de emissão que não coincide com exigências de ordem rítmica e comunicativa. É, portanto, um defeito começarmos a falar lentamente, pelo simples fato de ainda não estarmos realmente tomados pelo assunto, e apressar gradativamente a elocução à medida que nos entusiasmamos. Como todos os demais elementos da elocução, a velocidade da voz tem de ser governada pelo intento definido de um expositor seguro de si. II. AS PAUSAS E AS PARTÍCULAS PROCLÍTICAS l. As partículas proclíticas Vimos, a propósito da acentuação, que há muitos monossílabos e alguns dissílabos átonos que entram num grupo de força sem qualquer acentuação própria: o artigo, quase todas as preposições, muitas conjunções e as variações pronominais que se adjungem ao verbo. Com exceção destas últimas, que ora se antepõem, ora se pospõem à forma verbal, as demais partículas átonas são proclíticas, isto é, se ligam à palavra tônica que se lhes segue, como novas verdadeiras sílabas iniciais dessa palavra. Assim, não pode haver, em princípio, uma pausa entre uma partícula proclítica e a palavra em que ela se integra. Uma pausa nestas condições torna autônoma a partícula e lhe dá acentuação. O efeito acústico é, em regra, desagradável e perturbador. É-o tanto mais quanto mais coesa for a idéia entre os dois vocábulos. \40 Podemos dizer que isto se verifica praticamente sempre com o artigo e quase sempre com as preposições átonas. Quando as enunciamos, já devemos ter nítida em mente a palavra seguinte, a fim de não incindir numa pausa que, além de defeituosa porque rompe o grupo de força, isola incongruentemente a partícula proclítica e lhe dá uma acentuação inadequada. 2. As pausas e as partículas proclíticas Às vezes, entretanto, muitas conjunções e certas preposições átonas adquirem uma força de articulação esporádica, pela exigência do próprio texto, e estabelece-se uma ligeira interrupção da voz depois delas. É o que se verifica, em ocorrências limitadas, com a preposição <para> (quan- do se quer frisar com vigor a idéia de um movimento de direção), com a partícula <gue>, com as conjunções <e, mas>. Num caso desses, a partícula átona se torna tônica, e daí decorre um problema de articulação em referência à sua vogal. É que, normalmente, os proclíticos, que na escrita terminam em <a, e> ou <-o>, têm outras vogais no corpo da elocução: o /a/ apresenta um som fechado e abafado; e para <-e> e <-o> correspondem respectivamente, na realidade, um /i/ e um /u/ fracos, um tanto mais abertos que o /i/ e o /u/ tônicos. Ora, quando sucede o isolamento e a ligeira acentuação, acima referida, deparam-se-nos duas possibilidades de articulação da vogal: 4. Aplicação A título de aplicação, consideremos o seguinte trecho d'<A Marinha de Outrora> do Visconde de Ouro Preto, onde o hífen liga as palavras de um grupo de força, a cancela indica ligeira pausa entre dois grupos, e a cancela dupla uma nítida pausa de vírgula. "Duas-léguas-abaixo / da-cidade-de-Corrientes // na- -extensa-curva / que-faz / o-rio-Paraná // entre-a-ponta- -daquele-nome / e-Santa-Catarina / ao-sul // viam-se / em- -linha-de-combate // mas-com-os-ferros-no-fundo / e-fogos- -abafados // nove-canhoneiras-a-vapor // em-cujos-penóis / tremulava / a-bandeira-brasileira" (cf. Antologia Nacional de F. Barreto e Laet, 25ª ed., p.74). No trecho seguinte da mesma narrativa temos o caso de um <e> copulativo em conexão com um troço (6) de frase incidente : "Ele-bate-se / com-vivacidade-extrema // e-ao-mesmo- -tempo-que-procura-causar / o-maior-prejuízo / ao-inimigo / e-cortar-lhe-a-retirada // socorre / por-suas-próprias-mãos // atirando-lhes-cabos // algumas-praças / que-se-debatiam / contra-a-correnteza" (Ibid., p.85). (6) A supressâo do acento diferencial, em casos como este, apresenta inconvenientes para a pronúncia, pois se trata de troço (ô) e não troço (ó). \43 Capítulo V A EXPOSIÇÃO ORAL I. CONSIDERAÇÕES GERAIS Pode parecer à primeira vista que exposição oral, dada a natureza espontânea da linguagem falada, deva ser um improviso, em sentido absoluto, para causar uma boa impressão no auditório. E, com efeito, é fácil perceber como a sensação do improviso é estimulante e capta uma simpatia geral para o orador. Ao contrário, o discurso lido, ou evidentemente decorado, tem a vencer, de início, uma instintiva má vontade; e só é bem aceito em casos muito definidos em que a convenção social o impõe. A linguagem falada está de tal modo integrada no ambiente de uma situação concreta, que nos comprazemos em imaginar a exposição ideal como sendo aquela que espontaneamente emerge da situação em que se manifesta. Esse sentimento do auditório deve ser levado cuidadosamente em conta pelos expositores, mas nunca desgarrá-los a ponto de se pautarem literalmente por ele. Nenhum grande orador jamais procedeu de tal forma, desde a Antigüidade Clássica, quando a fala em público tinha primacial importância para o político na ágora e para o general no campo de batalha; do gênio da oratória grega, que foi Demóstenes, se disse, ainda em seu tempo, que todos os seus discursos cheiravam a azeite de candeia, e ele próprio admitiu o que aí se insinuava, retrucando ao crítico malevolente, que tinha fama de ladrão: "Para coisa muito diversa te serve a luz da candeia".(7) A rigor, o improviso deve restringir-se à formulação verbal dos pensamentos. À frase de antemão preparada, (7) A anedota vem nas "Vidas" de Plutarco (cf. trad. Fr. Pierron, 2ª ed., vol. III, p.531). \44 em todos os seus detalhes, falta o calor e a vida que queremos sentir na enunciação oral. Para ter uma e outra é preciso que ela seja um produto do momento, determinada pelo estímulo da atenção e do interesse que o expositor apreende em volta de si e orientada pelas reações dos indivíduos em cujo meio ele se acha. Há um processo de elaboração formal, condicionada pela receptividade mais ou menos cambiante que se entremostra nos ouvintes, e só assim a exposição se torna impressiva e eficiente. É o que não se verifica no discurso lido, e esta circunstância é uma das várias inconveniências que ele oferece. Já no âmbito da composição, isto é, do plano em que a exposição se vai desenvolver, o improviso só pode ser desastroso. Temos de saber, de antemão, o pensamento central que vamos expor e temos de construir, de antemão, esse pensamento num todo orgânico e lógico. Daí decorre a necessidade de um cuidadoso trabalho mental preliminar, que podemos dividir em dois itens: 1°) determinar o que vamos dizer e consolidar o nosso conhecimento a respeito, através de reflexões e pesquisas; 2°) organizar a distribuição do assunto da maneira que nos parece mais interessante, clara e impressiva. O primeiro item abrange uma série de atividades, que constituem os prolegômenos da exposição; o segundo é a afincada "vigília à luz da candeia", que se atribuiu a Demóstenes, a fim de ficar nitidamente elaborado um roteiro e prevista a marcha a seguir. É esta última parte que vamos estudar em primeiro lugar sob o título de - <O plano da exposição>. II. O PLANO DA EXPOSIÇÃO 1. Partes essenciais da exposição É quase um truísmo que toda exposição deve ter um começo introdutório, um corpo de matéria e uma conclusão. Assim, na elaboração de um plano é preciso levar em conta essa divisão natural e preestabelecer um início de \45 (8) São, em princípio, os que apresenta o livro já citado dos professores Briganco e Immel. \47 Em suma: um planejamento cronológico, outro lógico, um terceiro psicológico, porque parte de uma atitude psíquica diante do assunto, e finalmente um quarto que podemos chamar dramático, porque passamos a viver com o auditório uma espécie de drama, na pesquisa de uma solução. O critério cronológico é aparentemente o mais fácil de organizar, mas ao mesmo tempo o mais árduo para conduzir a uma compreensão boa. Nem sempre a seqüência dos fatos é explicação satisfatória da sua ocorrência, e a filosofia do conhecimento já há muito que denunciou com razão a falácia do raciocínio - <post hoc, propter hoc>. Mesmo nas narrativas puramente históricas, em que a cronologia parece ser um elemento visceral, o método de disposição pelas datas, que era o dos antigos <Anais, Décadas e Crônicas>, se tem mostrado muitas vezes incongruente e pouco propício. No relato de uma guerra, com teatros de operações distintos, entrosada com atividade de política interna e externa, por exemplo, um plano primariamente cronológico é a rigor inexeqüível ou pelo menos de péssimo efeito. O critério lógico, em que o assunto procura se nos apresentar deduzido na sua estrutura objetiva, é, por sua vez, não raro de difícil execução, em virtude de um tal ou qual caráter caprichoso e arbitrário, que, pelo menos para a inteligência humana, assumem com maior ou menor grau todas as coisas deste mundo. A rigidez do método lógico arrisca-se a transformar-se num leito de Procusto. A deformação da realidade ou a esquematização simplista são os dois resultados negativos a que pode conduzir o afã de uma apresentação logicamente estruturada. Já o critério que denominamos psicológico pode trazer inconvenientes diversos mas não menos sérios. Propende para um sensacionalismo fácil, para uma espécie de espírito jornalístico, no mau sentido da expressão. Finalmente, a dramatização do discurso, pelo processo de estabelecer preliminarmente um problema, é de aplicação muito delicada. É preciso, antes de tudo, que se trate de um problema digno deste nome e que a exposição o resolva realmente e de maneira meridianamente clara para os ouvintes. Do contrário, o expositor fica na atitude \48 incômoda de um charadista que não sabe responder convenientemente às suas próprias charadas. Ponderados em suas vantagens e inconvenientes, os quatro métodos centrais de exposição se oferecem à nossa escolha em função principalmente da própria natureza do assunto, da situação concreta em que se vai falar, da finalidade particular em vista e das correntes de interesse imanentes no auditório. É uma questão preliminar a ser resolvida pelo próprio expositor e para a qual não pode haver uma receita já pronta a ser tirada de um Manual. É importante ressalvar, enfim, que os quatro métodos nem sempre são exclusivos uns dos outros senão complementares entre si. Pode-se, por exemplo, partir de um clímax psicológico para insensivelmente se entrar, em seguida, num encadeamento lógico, do qual se passa, num segundo plano de subdivisões, para o arranjo cronológico. A seqüência pelas datas, em virtude do seu aspecto objetivo mas ao mesmo tempo sem profundidade, se presta para as disposições de ordem secundária, depois que uma análise noutros moldes estabeleceu secções primárias e mais substanciais. 4. A conclusão A exposição tem naturalmente um objetivo essencial que a motiva. Pode-se com maior ou menor facilidade depreendê-lo do conjunto geral do que foi dito. Mas não deve caber aos ouvintes fazê-lo. O expositor está implicitamente obrigado a resumir o seu pensamento central numa conclusão adequada. Aí consolida as idéias até então desenvolvidas, e incute-as no auditório de uma maneira permanente para os fins em vista. Para isso, pode fazer um sumário do que já expôs; convém que seja um sumário no rigor da expressão, isto é, rápido e conciso; pois do contrário se cai na repetição e num repisamento de conceitos, que cansa e entedia. Há, entretanto, outros modos de concluir. Tal é terminar com um apelo para a aplicação do que foi dito: os ouvintes se estimulam com essa visualização da ação prática e garante-se a permanência da impressão recebida. \49 Efeito análogo tem uma rápida ilustração, que, num exemplo vivido, corrobore as considerações até então apresentadas. Outro recurso é destacar do exposto um ou mais pontos cruciais e fixá-los a título de conclusão diante do auditório. perguntas definidas numa entrevista formal. Finalmente, há os questionários escritos. Quando nos falta um conhecimento amplo da matéria, aquele primeiro recurso é o mais aconselhável. A conversa assistemática e sem formalidades nos fornecerá idéias e conclusões de que precisamos como ponto de partida. É inútil e até contraproducente propor perguntas definidas ou enviar questionário sobre assunto que ainda não dominamos bem: tocaremos em pontos irrelevantes e omitiremos pontos essenciais, sem que o nosso consultado possa suprir as falhas, em virtude da maneira rígida de que lançamos mão. Mesmo os assuntos muito nossos conhecidos merecem ser destarte abordados; verificaremos muitas vezes que daí emergem coisas, que para nossa surpresa nos tinham até então passado despercebidas. A entrevista formal e os questionários escritos têm especial cabimento, quando precisamos de certos dados suplementares para uma exposição já mais ou menos delineada. 4. A consulta bibliográfica O livro, ou informe escrito em geral, não tem a maleabilidade que encontramos em contactos pessoais. É preciso saber servirmo-nos dele para o nosso fim particular, mormente em se tratando de uma exposição oral, quando nos defrontamos com um prazo curto para preparação e esta se apresenta em condições mais ou menos improvisadas. Nem sempre é necessário, ou sequer aconselhável, a leitura integral de certos livros. Só a prática nos habilitará na arte de colher informações de uma obra, definidamente em vista do nosso caso concreto, sem nos deixarmos desviar e sem malbaratar o tempo na atenção dada a trechos não-pertinentes. Quanto à seleção das leituras, há três condições que não se pode perder de mira: o livro precisa ser de fácil obtenção no meio em que estamos; é indispensável uma convicção bem clara do seu valor e utilidade; e a informação que dele queremos extrair deve achar-se facilmente depreensível, em vez de emaranhada numa orientação inteiramente estranha à marcha que nos cabe seguir. \52 5. O conhecimento do auditório Chegamos agora ao segundo fator externo que destacamos nos prolegômenos de uma exposição; a necessidade dela adaptar-se aos que vão ouvi-la e ao ambiente em que vai ser dita. É de máxima importância conhecer as espécies de pessoas que vamos ter diante de nós. A sua cultura, a sua classe social, os seus interesses vitais são diretrizes no planejamento da exposição. São ainda elementos de segurança para o domínio satisfatório sobre o auditório. O expositor previamente informado neste sentido está a salvo de ter surpresas, capazes de embaraçá-lo ou até inibi-lo; e, mesmo independente disso, fica assim mais atenuada a impressão de experiência nova e a reação nervosa que essa impressão sempre desperta. Não é, da mesma sorte, despiciendo o conhecimento do lugar e da ocasião. Falar num recinto fechado, por exemplo, é uma situação muito diversa do que fazê-lo num pátio aberto, ou numa praça pública, onde os ouvintes estão sujeitos a fatos perturbadores ou dispersivos para a sua atenção. Neste particular, nunca são demais as minúcias. É grande ou pequeno o recinto? Tem ou não boa acústica? É um anfiteatro ou uma sala comum? Vamos subir a uma plataforma ou ficar em nível com os ouvintes? Tudo isso importa, quando mais não seja, numa preparação psicológica para a experiência que vamos ter. É especialmente relevante saber se haverá outros oradores e, neste caso, qual o nosso número de ordem para falar. Se a nossa exposição vem depois de outras, convém ter uma idéia de cada uma delas, a fim de não repisar tópicos já suficientemente debatidos ou entrar em contradição implícita com coisas ditas anteriormente. Muitas vezes impõe-se - é claro - contradizer proposições de outrem, com as quais estamos em radical desacordo. Mas é igualmente claro que o fato delas já terem sido enunciadas, momentos antes, muda as condições, em que nos achamos, para exprimir por nossa vez a nossa maneira de pensar. \53 Capítulo VI A EXPOSIÇÃO ESCRITA I. CARACTERIZAÇÃO 1. Caracteres próprios da exposição escrita Já vimos como a linguagem escrita se apresenta "mutilada" em confronto com a linguagem oral. A conseqüência imperativa é que tem de ser mais trabalhada, porque os seus elementos ficam onerados com encargos de clareza, expressão e atração que na fala se distribuem de outra maneira. Convém apreciar mais detalhadamente esses contrastes entre os dois tipos de linguagem. Ressaltemos, antes de tudo, na exposição escrita a ausência daquela nota pessoal que espontaneamente decorre da figura física do expositor, das suas atitudes peculiares e do timbre da sua voz. Ora, através de palavras e fonemas, que são comuns a todos e coletivos, agrada sentir a personalidade nítida de quem os emite; a informação desumanizada, a "mensagem" anônima capta muito menos simpatia. Na linguagem escrita, a satisfação de tão natural exigência se carreia toda para as frases em si mesmas, e impõe com especial ênfase essa maneira sutil de utilizar os elementos gerais da língua, de acordo com um sentimento pessoal, para dar ao conjunto o cunho estético que se chama <estilo>. Assim, o problema do estilo assume aí uma importância muito maior do que na exposição oral. Talvez ainda mais digno de atenção é o desaparecimento da mímica e das inflexões ou variações do tom da voz, cujo papel expressivo apreciamos no capítulo II. A sua falta tem evidentemente de ser suprida por outros recursos. \54 há um quadro natural, que é o traço de ligação entre um e outros. Mesmo numa transmissão radiofônica estabelece-se o elo da simultaneidade entre a enunciação e os que a recebem, e, na base dessa unidade no tempo, a imaginação cria uma tal ou qual unidade no espaço. Já, ao contrário, na exposição escrita nós nos exprimimos num lugar e vamos ser lidos em outro. Ou mais precisamente: o ambiente não se integra em nossas palavras como elemento funcional. A comunicação lingüística desliga-se da ocasião e do espaço, o que é uma experiência nova a que a linguagem se tem de adaptar. 3. Caracteres estéticos da exposição escrita Há, também, do ponto de vista estético, uma caracterização típica da escrita em confronto com a fala. Vimos, no capítulo I, como o sentimento artístico é inerente nos homens e para ser eficiente a linguagem tem de satisfazê-lo. Na linguagem oral, concorrem para tanto, além da formulação verbal propriamente dita, a simpatia direta que inspire a figura do expositor, o agrado dos seus gestos e atitudes, o timbre da sua voz. Há aí condições positivas - ou negativas (é certo); se forem mal aproveitadas, mas que, de qualquer maneira, estão ausentes da exposição escrita. Nesta, todos os elementos estéticos têm de ser concentrados na própria formulação verbal; por isso há uma arte de escrever complexa e sutil, bastante diversa da arte de falar. \56 Acresce que a memória auditiva, que é a única a funcionar na apreensão de uma exposição oral, é instantânea e efêmera; e no afã de não perder palavras o ouvinte se fixa mais no conteúdo do que na forma propriamente dita das frases que ouve. A situação do leitor é outra. Nele atua a memória visual coordenada com uma audição mental que os símbolos gráficos evocam. Nem em regra lhe falta lazer para deter-se em determinado passo e reencetar-lhe a leitura. Por um e outro motivo, está em condições de fazer uma análise de ordem estética, que seria praticamente impossível diante do fluxo incessante das palavras faladas. <Verba volant, scriptu manent>, diziam os romanos; e o seu brocardo pode ser desviado para uma aplicação em que eles propriamente não cogitaram. As palavras enunciadas voam e passam no caudal dos seus sons, enquanto as escritas se gravam através dos olhos e permanecem diante do leitor para e exame. Atente-se, finalmente, para a circunstância de que a linguagem escrita está em essência relacionada com a linguagem literária. Um livro técnico, uma monografia, um artigo de jornal ou de revista não são - nem devem procurar ser - literatura no sentido estrito do termo; mas a ela se ligam pelo cordão umbilical da sua natureza de trabalho escrito. Por consenso social não escapam de certas exigências de ordem literária. Das considerações até aqui expedidas vale ressaltar as conclusões seguintes: a) a apresentação visual agrava certos defeitos de formulação, e muitas incorreções, que passariam despercebidas no correr da fala, ganham relevo e "saltam aos olhos" no papel; b) a frase, sem a ajuda do ambiente, da entoação e da mímica, tem de ser mais logicamente construída e concatenada; c) pelo mesmo motivo, as palavras têm de ser mais cuidadosamente escolhidas, e impõe-se a questão da propriedade dos termos, de maneira aguda; d) há o problema da pontuação, que é até certo ponto distinto da interpretação gráfica das pausas; \57 e) uma palavra muito repetida ou redundante torna-se particularmente afrontosa no processo da leitura; f) certos termos e expressões, tidos como familiares a pouco literários, raramente se apresentam toleráveis na exposição escrita. A esses requisitos se ajusta o problema da ortografia, que é tipicamente um problema de língua escrita, com as suas convenções em regra muito acatadas pelo consenso social. As grafias errôneas, às vezes irrelevantes em si mesmas, ganham vulto e importância, porque são tomadas como índices da cultura geral de quem escreve, mostrando nele, indiretamente, pouco manuseio de leituras e pouca sedimentação do ensino escolar. II. REDAÇÃO 1. Condições da redação Há, portanto, como já foi salientado, uma arte de escrever - que é a redação. Não é uma prerrogativa dos literatos, senão uma atividade social indispensável, para a qual falta, não obstante, muitas vezes, uma preparação preliminar. A arte de falar, necessária à exposição oral, é mais fácil na medida em que se beneficia da prática da fala cotidiana, de cujos elementos parte em princípio. O que há de comum, antes de tudo, entre a exposição oral e a escrita é a necessidade da boa composição; isto é, uma distribuição metódica e compreensível de idéias. Impõe-se igualmente a visualização de um objetivo definido. Ninguém é capaz de escrever bem, se não sabe bem o que vai escrever. Justamente por causa disto, as condições para a redação no exercício da vida profissional ou no intercâmbio amplo dentro da sociedade são muito diversas das da redação escolar. A convicção do que vamos dizer, a importância que há em dizê-lo, o domínio de um assunto da nossa \58 Não é possível ensinar a composição por meio de regras que baste mecanicamente aplicar. O plano da redação é inerente à capacidade do expositor e ao seu domínio do assunto; depende, antes de tudo, desses dois fatores. Pode-se, porém, dar uma orientação às pessoas capazes e conhecedoras do que vão tratar, mas desarvoradas diante da exposição escrita pela falta de uma boa preparação na técnica deste tipo de linguagem. 2. Necessidade de um esquema Para um bom plano de exposição escrita não é suficiente conhecer bem um assunto, que é sempre coisa muito ampla e suscetível de ser considerada de vários pontos de vista. É preciso fixarmo-nos num determinado aspecto e trazer todos os outros, de que também queremos tratar, para o feixe luminoso assim formado. Do contrário, faltará unidade e organicidade ao nosso trabalho; faremos uma espécie de dicionário enciclopédico, com verbetes desarticulados entre si, e cuja finalidade estrita fica obumbrada. Tem-se, preliminarmente, de focalizar o assunto, examinando-o por um determinado ângulo. Com isso tomamos uma orientação e temos uma linha diretriz diante de nós. Essa tomada de posição se concretiza com um esquema. Não é um índice de matérias nem uma simples enumeração \61 do que se vai dizer. É um arcabouço, que vai amoldar sobre si a redação, da mesma sorte que os tecidos do corpo se amoldam sobre o esqueleto. São assim lançados no papel os tópicos da exposição, por meio de expressões rápidas e abreviadamente indicativas, articulados entre si como deverão ficar no trabalho planejado. Corresponderão, respectivamente, aos capítulos, às secções, aos parágrafos, de acordo com a divisão que temos em mente. O esquema tende, portanto, a ser um conjunto de chaves, à maneira dos chamados quadros sinóticos: divisões primárias, subdivididas em outras secundárias, e assim por diante. Mas não convém atermo-nos literalmente à feitura de um quadro. Esta preocupação leva insensivelmente a fazer-se do esquema uma finalidade em si, subordinando-se à sua disposição visualmente simétrica a disposição interna do que se tem a dizer, ao mesmo tempo que as limitações de espaço no papel embaraçam a enunciação clara e nítida de cada tópico. É preferível, por isso, anotar os tópicos sem a regularidade estrita das chaves e subchaves, assinalando-se apenas a menor importância relativa de um em referência ao outro por um aumento de margem no papel e por um item convencional numérico ou alfabético (em regra, usa-se o algarismo arábico como subdivisão de um tópico com algarismo romano, a letra minúscula como subitem da maiúscula, e esta para indicar subordinação a um número). As diversas expressões enunciativas dos tópicos devem, por sua vez, condensar a essência da matéria a que se referem. Com este objetivo, serão analíticas ou sintéticas, constituídas de uma frase longa ou reduzidas a um título incisivo, sem que haja a preocupação de fazê-las corresponder necessariamente às cabeças de capítulos, de secções, de parágrafos da exposição definitiva. 3. Finalidade do esquema Antes de tudo, o esquema é feito para auxiliar e encaminhar o trabalho, e não deve transformar-se num empecilho da atividade mental subseqüente. Durante a sua \62 execução e nas fases ulteriores, podem aparecer falhas de planejamento e impor-se a necessidade de acréscimos, supressões ou modificações. O esquema ficará, portanto, ao nosso lado como um simples ponto de referência, sempre sujeito a alterações, interpolações e reduções durante todo o correr do nosso trabalho. É por natureza um instrumento provisório e precário. II. AS PESQUISAS E A BIBLIOGRAFIA 1. As pesquisas Como já se frisou em referência ao preparo da exposição oral, o conhecimento de um assunto nunca dispensa pesquisas intensas e metódicas. Elas se impõem ainda com mais acuidade, quando se trata de uma obra escrita, sob a forma de livro, monografia ou artigo, cuja contribuição deve procurar ser definitiva. Entretanto, essas pesquisas só devem vir depois da organização de um esquema, muito embora exijam nele em seguida mudanças de essência ou detalhe. A pesquisa anterior à fixação de um esquema torna-se necessariamente dispersiva e até, pois, perturbadora. 2. A bibliografia Na exposição escrita, assumem uma importância preponderante as pesquisas que se referem às fontes bibliográficas. O trabalho escrito tem de fundamentar-se cuidadosamente noutros trabalhos escritos, como um elo do desenvolvimento dos estudos sobre a matéria. Mesmo que consubstancie as conclusões de uma experiência pessoal, precisa estear-se num conhecimento anterior, por sua vez consubstanciado nos itens bibliográficos de que se lançou mão. Do contrário, podemos prejudicar o nosso trabalho no seu caráter de contribuição ao assunto por um dos seguintes motivos, quando não por todos eles juntos. escolher as nossas fontes bibliográficas e especialmente de saber dar o devido valor a cada trabalho consultado, colocando-os implicitamente em nosso espírito de acordo com a hierarquia a que fazem jus. O nosso conhecimento do assunto atenua de muito - é claro - a dificuldade. Mercê dos estudos anteriores, já temos uma orientação geral a esse respeito: temos uma noção mais ou menos segura de quais são os trabalhos capitais, quais os autores dignos do maior apreço ao lado dos que são superficiais ou de nenhuma substância. Complementarmente, devemos guiar-nos pela data de publicação, pelo nome prestigioso do autor entre os especialistas, pelas suas referências a outras obras que inspiram confiança. Às vezes, num livro, o prefácio e o índice são altamente elucidativos. Este mostra a maneira por que foi abarcado o assunto; aquele dá-nos o propósito declarado da obra e muitas indicações indiretas sobre a capacidade e a visão intelectual de quem a escreveu. Se por contingência da vida profissional temos de abordar matéria com que estamos pouco familiarizados, devemos partir da leitura de trabalhos clássicos e compendiados, de que já temos conhecimentos ou de que obtemos informação junto a pessoas especializadas. Isso nos facultará uma tomada de posição em referência à bibliografia. \65 Nunca devemos, porém, prescindir de um esquema preliminar, porque sem o rumo que ele nos dá não poderemos sequer orientar-nos para as pesquisas bibliográficas necessárias. III. A REDAÇÃO DEFINITIVA 1. Desenvolvimento do esquema Para um trabalho escrito a divisão do assunto se apresenta com muita maleabilidade e muitas possibilidades de tratamento. Não obstante, persistem <grosso modo> os quatro tipos gerais de divisão que depreendemos para uma exposição oral: cronológica, lógica, psicológica e dramática, para manter as denominações então sugeridas. Convém apenas ressaltar que, num livro ou numa monografia de certo fôlego, se torna especialmente apropriada a estruturação pelas relações lógicas, pois aí temos mais oportunidade e espaço para acompanhar o meandro caprichoso dos fatos e cingi-los num quadro racional; podemos, por exemplo, abrir um parágrafo, uma seção ou um capítulo, aparentemente solto no conjunto e até digressivo, na segurança de que, no correr da exposição, se fará o reatamento e tudo se enquadrará na devida perspectiva com a visão ampla final. O esquema, assim concebida uma determinação diretriz, deve ser desenvolvido numa redação ainda preliminar, que é o rascunho. É aí que fixamos propriamente o teor da exposição. Atribuímos a cada divisão da trabalho o seu conteúdo essencial; estabelecemos a gradação e ligação das diversas partes; escolhemos uma apresentação adequada, adotando capítulos corridos e indivisos ou cuidadosamente seccionados; desenvolvemos uma redação de frases completas e encadeadas; enfim, executamos um trabalho cabal quanto ao pensamento e sua formulação, sem cogitar ainda daqueles problemas secundários da linguagem escrita, tais como se definiram no capítulo VI. Uma vez lançado o rascunho no papel, convém lê-lo repetidamente e atentar em tudo aquilo, quanto às idéias \66 e à sua expressão nítida, em que ainda se sente insegurança ou possibilidade de aperfeiçoamento. A redação definitiva irá constituindo-se aos poucos através de enxertos, supressões e mudanças de conteúdo. 2. A redação definitiva Uma redação completa surge assim da revisão, muitas vezes feita, do rascunho. Com ela diante de nós, podemos então encetar a redação que deve ser definitiva, com a consideração posta nos problemas de gramática, de escolha de vocábulos, de harmonia e efeito estético das frases. É um verdadeiro novo escrito, antes do que a rigor o rascunho passado a limpo. E mesmo uma pessoa altamente exercitada em escrever não deve ainda ver nisso seu trabalho final. Porá o espírito à vontade em referência a certos detalhes formais que, dignos de cuidado embora, ficarão para revisões posteriores e não a desviarão, nessa altura, dos problemas mais básicos. É quase inútil salientar que no rol desses detalhes se incluem naturalmente as pequenas dúvidas de ortografia. O trabalho da redação obedece assim ao modelo dos círculos concêntricos: do esquema passa-se para o rascunho, do rascunho para uma redação propriamente dita, e esta, ampliada e trabalhada paulatinamente, chega a uma forma definitiva. Evita-se destarte o mal que os norte-americanos chamam de <frozen pencil>, quando diante do papel em branco sentimos que as palavras não nos ocorrem, e, para cada uma que conseguimos escrever, corresponde um penoso esforço introspectivo, em que duvidamos dela e de nós. É que nos falta então uma orientação inicial definida - a que dá o esquema, e uma visão do conjunto preliminar - a que se concretiza no rascunho, ao mesmo tempo que se nos antolha toda sorte de problemas de detalhes numa fase em que só nos deveria preocupar o problema básico da consolidação do pensamento e da sua formulação verbal adequada. \67 ou mais períodos simples, ou, noutra alternativa, conjugá-los na unidade complexa de um só período mais longo. Daí resultam duas tendências para a formulação verbal: a) a dos períodos simples e curtos; b) a dos períodos longos e compostos. A primeira predomina na linguagem moderna; a segunda era a dos grandes escritores latinos, imitados pelos autores portugueses clássicos dos séculos XVI e XVII e por alguns mais recentes. 2. A articulação no período Os pensamentos que se articulam num período composto podem criar entre si quatro espécies de ligação: a) concatenação pura e simples; b) contraste; c) explicação; d) subordinação em geral. Nos casos a, b e c essa ligação pode ficar implícita entre as orações ou ser expressa por uma partícula. Assim, a concatenação pura se torna explícita pela partícula <e>; o contraste por <mas> e algumas outras partículas; a explicação, principalmente, por <pois, porque e porquanto>. Essas três primeiras espécies de ligação de pensamento, ditas de coordenação, não estabelecem uma coesão íntima, e as orações assim relacionadas podem muitas vezes formar períodos distintos, até com a faculdade de conservar a partícula intermediária, que passa a abrir um período. Há mesmo certas partículas especialmente próprias para coordenar um período com outro: <demais, além disso> (concatenação) ; <entretanto, todavia, não obstante> (contraste); <com efeito> (explicação); etc. Já a subordinação pressupõe normalmente um período único e a presença sistemática de uma partícula (<que, quando, enquanto, embora>, etc.) ligando à oração de pensamento central, ou oração principal, a que lhe é subordinada. \70 3. A técnica do período curto A separação dos pensamentos mais ou menos conjugados em períodos curtos e distintos tem a vantagem de apresentá-los de uma maneira gradual à compreensão. O leitor faz a consolidação do que lê e o ouvinte do que ouve, na pausa de um período a outro. Se o período é longo e complexo, é preciso um trabalho de análise do conjunto, a qual exige tensão mental e resulta em cansaço. Os períodos curtos vão oferecendo por si mesmos essa análise, e a compreensão se faz com muito menos esforço. Ora, a técnica para a formulação de períodos curtos reside em separar com inteligência as orações coordenadas e evitar as subordinações mais aparentes do que reais, para não incidir em composição de um período emaranhado e complexo. Procuremos aplicar a doutrina ao seguinte trecho de um velho cronista do século XVII: "Posto que o governador Mem de Sá não estava ocioso na Bahia, não deixava de estar com o pensamento nas coisas do Rio de Janeiro, e assim, sacudindo-se de todas as mais, aprestou uma armada, e com o bispo D. Pedro Leitão, que ia visitar as capitanias do sul, que todas naquele tempo eram da sua diocese e jurisdição, e com toda a gente que pôde levar desta cidade, se embarcou e chegou brevemente ao Rio, onde em dia de S. Sebastião, vinte de janeiro do ano de mil quinhentos e sessenta e sete, acabou de lançar os inimigos de toda a enseada, e os seguiu dentro de suas terras, sujeitando-os ao seu poder e arrasando dois lugares em que se haviam fortificado os franceses, posto que em um deles, que foi na aldeia de um índio principal, lhe feriram seu sobrinho Estácio de Sá de uma mortífera flechada, de que depois morreu" (Antologia Nacional, cit., p.267). Se analisarmos este longo período, de Frei Vicente do Salvador, depreendemos pensamentos distintos, que se acham, desnecessária e até artificialmente, jungidos num bloco único: \71 1°) Mem de Sá estava atarefado na Bahia, mas preocupava-se com a situação no Rio de Janeiro (dois pensamentos adversativos, que já podem constituir um período). 2°) Mandou aprestar uma esquadra e partiu para o Rio de Janeiro (pensamento que decorre da 2ª afirmação do l° grupo). 3°) Foi com ele o bispo D. Pedro Leitão em visita diocesana (pensamento independente dos anteriores). 4°) Chegou ao Rio de Janeiro em breve (mera seqüência dos grupos 1 e 2). resposta: "Houve, há hoje um democrata mais virulento do que Hildebrando? Não o creio" (Vol. III, p.52; 1886). Analogamente, para afirmar que - o direito de propriedade literária não aproveita a um jovem pobre e idealista que se inicia como escritor - põe a idéia sujeito numa exclamação isolada, a que se segue uma pergunta enfática com a resposta sugerida em seus próprios termos: "O direito de propriedade literária! Que aproveita esse direito a um mancebo desconhecido, em cuja alma se eleva a santa aspiração da arte ou da ciência e para quem, no berço, a fortuna se mostrou avara?" (Vol. II, p.85; 1880). II. II. A ANÁLISE LÓGICA 1. Sua aplicação e finalidade A análise mental que evidencia a relação entre a frase e os pensamentos por ela expressos tem o nome tradicional de análise lógica: <análise>, porque se trata de uma decomposição da enunciação e da atividade mental correlata; <lógica>, porque se concentra no exame da expressão verbal (grego - lógos: palavra). (10) É de vantajosa aplicação nas manifestações da linguagem conseqüentes de um raciocínio, como nas exposições orais e escritas de que cogita este Manual. Torna-se, ao contrário, um meio impróprio de análise para tudo que dizemos sob o impulso quase exclusivo das nossas volições e emoções, sem o apoio de um trabalho mental elaborado e consciente. Por meio dessa técnica de observação podemos executar duas tarefas: a) decompor um período composto nas suas orações simples, de par com a decomposição do pensamento complexo que aí se consubstancia (separação e classificação das orações); b) decompor uma oração nos elementos verbais que racionalmente a constituem (análise da oração). (10) Como o raciocínio é, por sua vez, apreciado através de sua expressão verbal, chamou-se substantivamente lógica à parte da filosofia que ensina a bem raciocinar. \74 A boa formulação das frases, numa exposição oral ou escrita, depende muito da capacidade de manter presentes no espírito esses dois tipos de análise, como duas pautas sobre as quais se desenvolvem espontaneamente os elementos verbais formulados. 2. A análise lógica como fundamento do uso das vírgulas A vírgula, na escrita, expressa menos as pausas naturais da correspondente enunciação oral, do que as relações lógicas no interior da frase. A sua primeira e grande finalidade é indicar a separação das orações no período, indicando também em conseqüência a ligeira pausa que assim se estabelece. Por isso, marca-se com vírgula: a) o fim de uma oração, logo seguida de outra sem partícula de ligação: "Posto que o governador Mem de Sá não estava ocioso na Bahia, não deixava de estar com o pensamento nas coisas do Rio de Janeiro; b) o começo de uma oração que no meio do período se abre por uma partícula coordenativa ou subordinativa: "Acabou de lançar os inimigos de toda a enseada, e os seguiu dentro de suas terras"; c) o começo de uma oração reduzida de gerúndio ou também de particípio passado: "...os seguiu dentro de suas terras, sujeitando-os ao seu poder"; d) o começo e o fim de uma oração intercalada em outra, cujos elementos constitutivos ficam por ela separados : "Em um dos lugares, que foi na aldeia de um índio principal, lhe feriram seu sobrinho Estácio de Sá". No caso b) omite-se a vírgula de separação, se a segunda oração está intimamente entrosada na anterior; especialmente dois verbos seguidos, ligados por <e>, ou certas orações com a partícula <que>, correspondentes em última instância a um nome ou expressão nominal; exs.: "Parou e voltou rapidamente" - É preciso que todos me ouçam (isto é, - É preciso a atenção de todos)". \75 Dentro de uma oração, é descabida a vírgula que, embora no fim de um grupo de força, separaria o sujeito do seu verbo, o verbo de um seu complemento. Podemos dizer, aliás, que dentro da oração só se admite a vírgula com dois objetivos: a) separar palavras ou expressões da mesma categoria (particularmente substantivos e adjetivos) postas em série e não ligadas por <e> : "Integram-se em ti o talento, a honradez, a bondade"; b) assinalar certos advérbios ou expressões adverbiais que para efeito de ênfase ou clareza se destacam na enunciaçâo oral por uma ligeira pausa de e outra no fim: "O sertanejo é, antes de tudo, um forte". É uma habilidade saber utilizar as possibilidades do letras; b) erros na grafia de palavras fixada já muito antes de 1931. a) Os do grupo a só se verificam evidentemente na escrita de pessoas apenas semi-alfabetizadas. b) Os erros do grupo b põem em evidência pouca prática da leitura e da língua escrita, e o público tende, por isso, a tirar daí conclusões desfavoráveis sobre a cultura geral de quem os comete. Decorrem muitos deles de falsas associações. É preciso muito cuidado, por exemplo, com palavras como - <exceção>, onde não há relação com <excesso>, <privilégio>, onde não há o prefixo <pre->, mas ao contrário o radical de <privar, repuxo>, cujo radical é o mesmo de <puxar, viagem>, onde temos o mesmo sufixo - <agem> de <coragem, selvagem>, etc., <espontâneo>, onde não há o prefixo <ex> - e sim o radical do latim <sponte>, e pelo mesmo motivo <esplêndido> latim <splendere>) e <estranho> e <estrangeiro> (decorrentes do latim <straneum>). Os erros que pecam apenas contra as linhas gerais do sistema vigente desde 1931 são menos comprometedores, (11) A lei 5.765, de 18-12-1971, introduziu alterações na ortografia em vigor, como: a abolição do acento circunflexo diferencial no <e> e <o>. \78 mas também revelam, pelo menos, falta de ambientação na língua escrita atual e condenável desleixo em procurar ficar em dia com ela. É útil, portanto, recapitularmos aqui essas linhas gerais, definitivas, onde não há conflito entre o Pequeno Vocabulário de 1943 e o Vocabulário Resumido de 1945. II. LINHAS GERAIS DA NOSSA ORTOGRAFIA l. Simplificação do alfabeto A ortografia atual limita-se ao alfabeto latino de 24 letras. Desapareceu assim o emprego do <w>, que é uma letra germânica, com valor de /u/ em palavras de origem inglesa e de /v/ em palavras de origem alemã; daí, escrever-se hoje <uísque> (inglês <whisky>), talvegue (alemão <Talweg>, isto é, linha do vale). Suprimiu-se igualmente o k, que é adaptação de uma letra grega muito cedo abandonada em latim e apenas de uso tradicionalmente firmado nas línguas germânicas. Em seu lugar, adota-se <c>, diante de <a, o, u, e qu>, diante de <e, i>; assim, tem-se <quilo, quilograma, quilômetro> etc., embora na anotação abreviada convencional se conservem as formulas <kg, km>, etc. Foi banido também o emprego do y, letra adaptada de uma letra grega em latim para os grecismos e utilizada pelos jesuítas para transcrever um /i/ peculiar das palavras do tupi: <miosótis> (lat. <myosotis> do grego - <mys> rato, isto é, orelha de rato), <tupi> (transcrição dos jesuítas - <tupy>). Essas três letras só se mantêm em casos excepcionais, como sejam certas palavras derivadas de nomes próprios históricos estrangeiros: <kantismo> (filósofo alemão Kant), <byronismo> (poeta inglês Byron), <watt> e daí <quilowatt> (fisico escocês Watt). Finalmente desapareceu o uso esporádico do <h> para indicar separação silábica entre duas vogais contíguas, passando-se a grafar - <baú, baía, Piraí>, etc. \79 2. Simplificação de grupos de letras Antes de 1931, usavam-se letras dobradas em muitas palavras que eram assim grafadas em latim, onde havia uma diferença de pronúncia entre a letra dobrada e a letra simples, da mesma sorte que ainda há em italiano. Esses grupos de geminação (com letras gêmeas ou iguais) foram sistematicamente simplificados, quando não representam em português uma articulação típica. Foram, portanto, banidos os <pp, tt, ff, ll, mm, nn> geminados; exs.: <apelar, atento, ofício, belo, imenso, inato> (lat. <appellare, attentum, officium, bellum, immensum, innatum>); do mesmo modo simplificou-se para <c> o <sc> inicial: ciência (latim <scientia>). Conservaram-se, ao contrário, entre vogais, os <ss>, para indicar som de /s/, distinto do <s> simples com som de /z/, e os <rr>, para indicar /r/ forte, distinto do <r> simples, que entre vogais é brando; cf. <assa> ao lado de <asa>, <erra> ao lado de <era>. Também se suprimiu o <h> como segundo elemento de um par de consoantes, que se empregava em latim em palavras, decorrentes do grego, onde se tinha um som consonantal aspirado; assim, escrevemos hoje <t> simples em vez de <th>, em <tese>, <f> em vez de <ph> em <física>, e, em vez de <ch>, <c> em <caos> e <qu> em <química>. Só persistem na nossa ortografia três grupos consonantais com <h>, e historicamente diversos daqueles outros, pois em latim não figuravam nem eles nem o som correspondente: <lh> e <nh>, respectivamente para o /l/ e o /n/ palatizado ou molhado; <ch>, para um som palatizado ou chiante; ex.: <malha> (cf. <mala>), <penha> (cf. <pena>), <acho> (cf. <aço>). 3. Seleção de letras equivalentes Com toda essa sistematização e simplificação, ficaram ainda símbolos gráficos com som equivalente, sempre ou numa posição determinada; lêem-se da mesma sorte os pares de sílabas; <se> e <ce> (ou <si> e <ci>), <so> e <ço (ou <sa> e <ça>, <su> e <çu>), <che> e <xe> ou com outra vogal, <ge> e <je> (ou <gi> e <ji>), bem como entre vogais <s> e <z>. \80 da Igreja, que comparavam o povo à massa ou pasta do pão ou do barro em que é preciso trabalhar.(12) <Conselho>, no sentido de assembléia, pareceria dever ser com <ce> (lat. <concilium>), mas a idéia de aconselhar o rei, que era o papel precípuo de uma assembléia de notáveis outrora, foi julgada suficiente para justificar a grafia com <se> (lat. <consilium>) ; e a forma <concelho> ficou exclusivamente reservada para designar uma divisão administrativa em Portugal. Por outro lado a distinção gráfica é mera conseqüência acidental de uma forma diversa originária, e não vigora, como se poderia pensar, para sistematicamente diferençar os homônimos; por isso, temos uma mesma grafia <pus> para o substantivo e a forma verbal (respectivamente, lat. <pus> e <posi> em vez de <posui>). (12) Cf. B. B. Migliolini, Língua e Cultura, Tumminelli, Itália, 1948, p.18-9, assim Santo Agostinho diz que a humanidade é "a massa do pecado". \82 5. Representação dos ditongos Há em português onze ditongos orais decrescentes, isto é, emissões, na mesma sílaba, de uma vogal tônica seguida de outra auxiliar, que soa sempre /i/ ou /u/. Antes de 1931, em desatenção ao verdadeiro valor dessa vogal auxiliar, muita gente a grafava com <e> ou <o>, respectivamente, quando a vogal tônica era aberta. Hoje, ao contrário, ficou assente a grafia sistemática com <i> ou <u>, conforme o caso, indicando-se por um acento agudo (') o timbre aberto do /e/ ou do /o/ tônicos, que sem isso poderiam ser lidos como fechados; exs.: <pai, mau, papéis, fazeis, céu, seu, herói, boi> (exemplos dos três restantes ditongos são - <dou, viu, fui>). Já nos ditongos ditos nasais (sobrepostos de um til - (~) na escrita) a vogal auxiliar é representada por <e> ou <o>: <mãe, põe, mão>. III. ACENTUAÇÃO GRÁFICA 1. Acentos gráficos em português Usam-se tradicionalmente em português três acentos gráficos com os seguintes valores: a) grave (`) para indicar vogal aberta que não é tônica (normalmente a vogal que não é tônica é fechada); b) agudo (') para vogal aberta tônica; c) circunflexo (^) para vogal fechada tônica. Esses sinais eram usados numa ou noutra palavra, assistematicamente. A ortografia atual, ao contrário, criou para o seu emprego critérios rígidos que têm sido refeitos várias vezes, Ficaram, entretanto, definitivamente fixadas algumas regras, que aqui se passam a expor.(13) (13) Ver a nota 11 da p.78. \83 2. Emprego do acento grave Este sinal está reservado para a partícula <a>, quando ela representa a combinação ou crase da preposição <a> com o artigo feminino <a> (ou seu plural <as>) e para o <a> inicial de <aquele, aquela> (ou seu plural <aqueles, aquelas>) quando com ele se contrai a preposição <a>. Em conseqüência da crase, a vogal soa neste caso aberta, embora não seja tônica. No Brasil, há a este respeito duas tendências de pronúncia, que perturbam o uso correto do acento grave: 1°) emitir sempre a partícula átona a com timbre fechado, mesmo quando ela é crase da preposição com o artigo feminino; 2°) para efeito de ênfase, dar certa acentuação e conseqüente timbre aberto à preposição <a>, quer isolada, quer em crase com o artigo feminino. A primeira pronúncia leva a omitir o acento grave na partícula que resulta da crase. A segunda tendência induz a colocar-se acento grave mesmo quando se trata de preposição <a> isolada. Na falta de uma correspondência firme entre a elocução usual brasileira e o emprego gráfico estabelecido de acordo com Portugal, só a análise lógica resolve em última instância as nossas dúvidas. Entretanto, pode-se dar para isso as seguintes regras práticas: 1°) Nunca acentuar a partícula diante de nome masculino, de verbo no infinitivo, dos demonstrativos <esta, essa> e do artigo indefinido <uma, umas> (ou outros indefinidos como <cada, alguma, qualquer>), porque em todos esses casos se trata da preposição simples: <andar a cavalo, recusar-se a combater, dirigir-se a uma frente de combate ou a esta frente de combate>. 2°) Pelo mesmo motivo nunca acentuar a partícula, se ela está sem <-s> final, diante de um plural feminino : <dirigir-se a tropas que avançam>. \84 pelo timbre de um <e> ou <o> tônicos, o Vocabulário de 1943 adota o emprego do acento circunflexo para a palavra de vogal tônica fechada. Este princípio, suprimido no Vocabulário de 1945 e na lei 5.765 de 18-12-1971, cria o chamado acento diferencial. Os pares desse tipo mais comuns são os de um substantivo e uma forma verbal: o substantivo, que tem em regra a vogal tônica fechada, passa a se escrever no singular com acento circunflexo, para distinguir-se da forma verbal com vogal tônica aberta; <Jôgo> (cf. eu <jogo>), <sêlo> (cf. eu <selo>) ; mas ao contrário (14) Assim também a lei 5.765/71, já citada, em vigor. \86 -<espelho, sonho>, sem acento, porque as formas verbais <eu espelho, eu sonho> também têm vogal fechada. Às vezes, estabelece-se a diferenciação entre vogal tônica aberta e partícula átona (<pára>, verbo; <para>, preposição) ou até entre vogal tônica aberta, vogal tônica fechada e partícula átona (<pélo>, verbo; <pêlo>, substantivo; <pelo>, partícula prepositiva). 6. Palavras que não devem ser acentuadas Muitas palavras, que eram acentuadas antes de 1931, deixaram de o ser com o estabelecimento das regras sistemáticas de acentuação. Não se acentua <boa> e as demais palavras da mesma terminação; nem tampouco <dor> e as outras palavras de final em <or>, salvo pelo Vocabulário de 1943 o infinito <pôr> (por causa da preposição átona <por>). \87 Capítulo X A CORREÇÃO DA LINGUAGEM I. CONCEITO DA CORREÇÃO 1. Os termos do problema Em matéria de correção de linguagem, há no grande público idéias confusas e incoerentes. Convém esclarecê-las e precisá-las. O problema consiste a rigor na resposta adequada às duas seguintes perguntas: a) Que é em princípio a correção? b) Quando é correta uma exposição oral ou escrita? 2. A linguagem normal Um dos grandes fins da linguagem é, como vimos, a comunicação ampla e eficiente entre os homens. Daí decorre que cada língua é um sistema de comunicação e que uma uniformidade geral nesse sistema é a melhor condição para a sua eficiência. Há, portanto, em toda sociedade humana a necessidade de uma linguagem normal, pela qual todos se pautem. A correção é a obediência a esse padrão lingüístico. Se ele fosse uno e perfeitamente estável, não haveria maior problema. Acontece, porém, que a sua unidade e estabilidade só existe como um ideal, que em nenhuma sociedade humana se realiza espontaneamente. Há três fatores inevitáveis que o perturbam. Em primeiro lugar, apresenta-se o fator individual. Cada um de nós faz um trabalho mental espontâneo no \88 material lingüístico, depositado na memória, e dele tira conclusões aberrantes. É preciso um esforço consciente contínuo para manter-nos dentro do que está normalmente estabelecido. É preciso, ainda, uma contínua ampliação e sedimentação do nosso material lingüístico, para melhor resistir ao trabalho que assim se processa, espontaneamente, em nosso cérebro e nos leva a soluções pessoais anômalas. Em segundo lugar, há um fator coletivo. A língua apresenta sempre uma diferenciação de acordo com as camadas sociais que a usam. De maneira geral, pode-se distinguir a esse respeito: a) uma língua popular, própria das massas mais ou menos iletradas; b) uma língua culta, que é um meio-termo entre o uso espontâneo da linguagem de todos os dias nas classes instruídas da sociedade e a língua que se encontra consignada nos grandes monumentos literários. A língua popular quase não reage contra o fator individual de mudança desde que essa mudança não prejudique propriamente a inteligibilidade. A língua culta, ao contrário, cria um ideal estético, e aí se manifesta um afã incessante para conservar inalterada a norma estabelecida. Portanto, quando nos referimos à linguagem normal, temos em vista a língua das classes cultas. A correção consiste, em última análise, numa obediência à norma lingüística que vigora nas camadas superiores da sociedade. O terceiro fator é de ordem geográfica. A nossa língua materna tende sempre a apresentar diferenças de região para região do país. Mas as diferenças regionais são especialmente no âmbito da língua popular. Na língua culta luta-se contra elas, e procura-se manter uma norma geral uniforme, da mesma sorte que são condenadas as peculiaridades lingüísticas individuais. 3. Os erros de linguagem
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