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Guias e Dicas
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form ped modulo 01, Notas de estudo de Enfermagem

apostilar - apostilar

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 27/07/2010

allan-shielldonathotm-oliveira-9
allan-shielldonathotm-oliveira-9 🇧🇷

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Baixe form ped modulo 01 e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! 1 F o r m a ç ã o P e d a g ó g i c a em Educação Profissional na Área de Saúde: E n f e r m a g e m Educação MINISTÉRIO DA SAÚDE 2a edição revista e ampliada Brasília – DF 2002 Governo Federal Barjas Negri Ministro de Estado de Saúde Silvandira Paiva Fernandes Chefe de Gabinete Otávio Azevedo Mercadante Secretário Executivo Gabriel Ferrato dos Santos Secretário de Gestão de Investimentos em Saúde Rita Sório Gerente Geral do Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem – PROFAE Valcler Rangel Gerente do Componente II Valéria Morgana Penzin Goulart Coordenadora do Subcomponente Formação Pedagógica Fundação Oswaldo Cruz Presidente: Paulo Marchori Buss Diretor da Escola Nacional de Saúde Pública: Jorge Antônio Zepeda Bermudez Coordenador da Escola de Governo em Saúde/EAD: Antonio Ivo de Carvalho Curso de Formação Pedagógica em Educação Profissional na Área de Saúde: Enfermagem Coordenação: Milta Neide Freire Barron Torrez, Lilia Romero de Barros Equipe Técnica: Elaci Barreto, Helena David Assessoria Pedagógica: Carmen Perrotta, Maria Inês do Rego Monteiro Bomfim Apoio Administrativo: Gisele Luisa Apolinário, Zenilda Folly Autores Núcleo Contextual Francisco José da Silveira Lobo Neto – Coordenador do Núcleo Módulos 1, 2, 3 e 4 Adonia Antunes Prado Módulos 1, 2, 3 e 4 Dalcy Angelo Fontanive Módulos 1, 2, 3 e 4 Percival Tavares da Silva Módulos 1, 2, 3 e 4 Núcleo Estrutural Maria Esther Provenzano – Coordenadora do Núcleo Carlos Alberto Gouvêa Coelho Módulo 5 Maria Inês do Rego Monteiro Bomfim Módulo 6 Alice Ribeiro Casimiro Lopes Módulo 7 Maria Esther Provenzano Nelly de Mendonça Moulin Módulo 8 Núcleo Integrador Milta Neide Freire Barron Torrez – Coordenadora do Núcleo Módulos 9, 10 e 11 Maria Regina Araujo Reicherte Pimentel Módulos 9, 10 e 11 Regina Aurora Trino Romano Módulos 9, 10 e11 Valéria Morgana Penzin Goulart Módulos 9, 10 e 11 Colaboradores Cláudia Mara de Melo Tavares Elaci Barreto Helena Maria Scherlowski Leal David Izabel Cruz Guia do Aluno Carmen Perrotta – Coordenadora Maria Inês do Rego Monteiro Bomfim Milta Neide Freire Barron Torrez Livro do Tutor Maria Inês do Rego Monteiro Bomfim – Coordenadora Carmen Perrotta Milta Neide Freire Barron Torrez Coordenação geral da 2a edição Carmen Perrotta 1 2 3 4 5 6 7 8 Educação Módulo Módulo Módulo Módulo Educação/ Sociedade/ Cultura Educação/ Conhecimento/ Ação Educação/ Trabalho/ Profissão Módulo Módulo Módulo Módulo Proposta pedagógica: o campo da ação Proposta pedagógica: as bases da ação Proposta pedagógica: o plano da ação Proposta pedagógica: avaliando a ação 9 10 11 Módulo Módulo Módulo Planejando uma prática pedagógica significativa em Enfermagem Imergindo na prática pedagógica em Enfermagem Vivenciando uma ação docente autônoma e significativa na educação profissional em Enfermagem Sumário Apresentação da 1a edição 9 Apresentação da 2a edição 11 Apresentação do Curso 13 Apresentação do Núcleo Contextual 15 Apresentação do Módulo 1 – Educação 17 Tema 1 – Prática social educativa 19 Tema 2 – Educação na prática social brasileira: bases históricas 33 Tema 3 – Educação: interação e consciência social 63 Textos complementares 69 Síntese 82 Atividade de Avaliação do Módulo 84 Bibliografia de referência 86 10 1 Educação Identificando a ação educativa Apresentação do Curso O Curso que você está iniciando visa a apoiá-lo(la) na construção de competências para formar, em nível técnico, outros profissionais de enfermagem. Acreditamos que o conteúdo de formação desses novos profissionais já é, em grande parte, do seu domínio, por possuir curso superior em Enfermagem, tendo, portanto, uma sólida formação básica para o exercício de sua profissão. Além disso, o fato de estar atuando profissionalmente em uma equipe de saúde permite a você atualizar constantemente seus conhecimentos e aperfeiçoar suas competências. A prática, quando refletida criticamente e complementada por uma intencional busca de trocas significativas de informações e experiências, é extraordinariamente formadora. Ser um profissional competente e comprometido é mais de meio caminho andado para atuar na formação de outros profissionais. Mas não é tudo. Em um grande esforço de dignificação do exercício profissional, a comunidade da saúde – da qual você é membro integrante e participativo – tem lutado muito pela qualificação dos que já estão atuando ou dos que pretendem vir a atuar como auxiliares nas equipes de enfermagem. Tal mobilização tem resultado em decisões políticas que estão abrindo possibilidades de encaminhar essa questão. Este Curso é uma dessas ações que fazem parte de um conjunto. Pretende apoiá-lo(la) em uma tarefa que, com certeza, de alguma maneira, você já exerce: partilhar seus conhecimentos, suas habilidades, seus valores profissionais com os que não passaram ainda por cursos sistemáticos no campo da enfermagem. Essa tarefa precisa ser, agora, uma ação sistemática, e ninguém melhor do que o(a) enfermeiro(a) poderá desempenhá-la com a qualidade exigida, sustentando a prática docente em uma formação pedagógica voltada para a educação profissional na área de Saúde: Enfermagem. Por isso, foi cuidadosamente pensado este Curso, que lhe dará oportunidade de organizar o que você já sabe, de adquirir novos elementos conceituais e práticos, de desenvolver capacidades próprias para exercer plenamente e, em melhores condições, as responsabilidades de um docente em cursos de formação profissional de nível técnico. Sua proposta pedagógica, justamente porque circunstanciada na realidade concreta em que você já está inserido(a), tem sua concretização comprometida com sua atuação docente, no cotidiano. Prática social educativa 1111 1 Educação O Projeto do Curso assim explicita seus objetivos: ! Formar docentes em educação profissional de nível técnico em saúde/ enfermagem comprometidos com as necessidades sociais em geral e de saúde em particular. ! Desenvolver uma sólida formação teórico-prática, com bases filosóficas, científicas, técnicas e políticas, para a adoção de uma prática docente crítica, significativa e emancipadora, que possibilite ao professor: ! associar uma visão crítica e global da sociedade às competências específicas de sua área de atuação profissional, na perspectiva do atendimento integral e de qualidade; ! escolher melhores formas de atuação, com responsabilidade e ética, no âmbito das práticas educativas e assistenciais em saúde; ! romper, no espaço escolar, com a divisão do trabalho intelectual e manual, permitindo aos alunos acesso às dimensões culturais e científicas, de modo a evitar as separações entre os que pensam e os que fazem. ! Oferecer, por meio de uma equipe multidisciplinar, uma formação pedagógica baseada na reflexão, visando à construção e ao desenvolvimento de projetos político-pedagógicos, com a adoção de novas competências e tecnologias para o ensino de nível técnico em Enfermagem e demais subáreas de Saúde. ! Proporcionar situações para que os docentes de Enfermagem reflitam sobre a responsabilidade social de transformar os “trabalhadores ocupacionais” em profissionais da área de Saúde na especificidade da Enfermagem. Antes de iniciar os seus estudos, reflita e explicite para você mesmo: ! Quais são os seus objetivos ao fazer este Curso? ! Que competências você considera importantes para quem vai exercer a função de enfermeiro-docente? ! Com base em sua experiência, que assuntos você consideraria prioritários para seu estudo neste Curso? Inaugure seu Diário de Estudo com suas respostas a essas questões. Consideramos importante você ir construindo sua trajetória de estudos nas páginas desse Diário. Facilitará a sua auto-avaliação e será também um recurso de consulta e retomada de temas. No caso, o registro de suas expectativas servirá para que você avalie se o Curso está atendendo às suas necessidades e em que medida. 12 1 Educação Identificando a ação educativa Apresentação do Núcleo Contextual O objetivo deste núcleo é oferecer informações, oportunidades e estímulos para que você possa construir referenciais teóricos e histórico-sociais de análise e reflexão crítica sobre a prática docente e sobre novas contribuições teórico-práticas no campo da educação. Atualizando-se, você ampliará suas perspectivas de promover mudanças e transformações que resultem em melhoria de sua ação no processo de formação de profissionais de nível médio. Para levar a bom termo esse propósito, o Núcleo Contextual concentra sua reflexão em o que é educação e qual é sua relação com o contexto em que ela acontece. Daí, no seu nome, o uso de contextual. Talvez esta parte do Curso pareça muito teórica. É verdade que, nela, a teoria está bastante presente. Contudo, o que é a teoria? Ela é o resultado da reflexão sobre a realidade e, por isso, necessariamente, supõe a prática como sua base concreta. Sem a prática não há teoria. Mas, também, sem teoria não há entendimento aprofundado da prática, da realidade. E – o que não podemos esquecer – sem a reflexão sobre a prática, esvaziam-se, em muito, as possibilidades de promover um processo de transformação consciente e conseqüente da realidade. Organiza-se o núcleo em quatro módulos: ! Módulo 1 – oferece elementos para a compreensão da educação como prática social, que se define, a partir de um processo histórico, em um conjunto de relações diferenciadas, sempre interpessoais, intencionais e comprometidas com a intervenção transformadora da realidade. ! Módulo 2 – desenvolve uma reflexão sobre a relação da educação com a sociedade – em uma realidade caracterizada por desafios e projetos políticos de enfrentamento que, em sua prática coletiva, articulam e integram projetos e realizações pessoais – destacando-se, em nosso caso, as políticas públicas de educação e saúde. ! Módulo 3 – analisa a relação da educação com o conhecimento e a ação, com base tanto no entendimento da forma de produzir e apropriar-se do conhecimento quanto na maneira humana de expressar- se pela ação, refletindo sobre as dimensões humanas – e, portanto, necessariamente sociais – dos atos de aprender e de ensinar. ! Módulo 4 – aborda o trabalho (e a profissão) como atividade humana essencial, que se constitui princípio educativo e, portanto, base de construção da práxis do educador de profissionais. Prática social educativa 15 Tema 2 – Educação na prática social brasileira: bases históricas Nesse tema, procuramos situar a história da educação brasileira, referenciando-nos na experiência histórica da humanidade em seu fazer e pensar educativos em diferentes espaços e momentos, para identificar, nos processos pedagógicos, as influências das concepções filosóficas, políticas, científicas, culturais presentes na sociedade. Tema 3 – Educação: interação e consciência social Tratamos mais especificamente da interação e da intencionalidade nas situações concretas do processo educativo, identificando na consciência social as bases para sua explicitação como planejamento e projeto. Os temas do módulo estão separados apenas para fins didáticos, pois, trabalhando com unidades menores, você terá a oportunidade de melhor sistematizar a sua análise, desenvolvendo atividades que fortalecerão sua apreensão e capacidade de avançar na reflexão e solução de questões. 16 1 Educação TEMA 1 Prática social educativa Ao iniciar nosso estudo da educação, desejamos convidá-lo(la) a resgatar suas experiências de vida. Em primeiro lugar, porque o processo educativo foi vivenciado por você durante toda a sua existência. Ele não é uma algo perdido no passado, mas um patrimônio guardado em sua memória, à disposição, para ser trazido por você, com vigor, para este seu momento presente. Em segundo lugar – e sobretudo – porque, ao resgatar essas vivências, você se dará conta de que os acontecimentos educativos estão fortemente integrados ao seu viver ou, melhor dizendo, ao seu conviver. Em sua família e entre o seu primeiro círculo de relações, você se recordará vivendo e convivendo, seja brincando ou executando outras ações, ouvindo e reagindo a palavras (ditas, cantadas ou gritadas) de pessoas que, de forma distinta, se relacionavam com você. Veja como Paulo Freire recorda sua vida e analisa esse exercício de lembrar-se: Assim, para mim, voltar-me, de vez em quando, sobre a infância remota, é um ato de curiosidade necessário. Ao fazê-lo, tomo distância dela, objetivo-a, procurando a razão de ser dos fatos em que me envolvi e suas relações com a realidade social de que participei. Neste sentido é que a continuidade entre o menino de ontem e o homem de hoje se clarifica pelo esforço reflexivo que o homem de hoje exerce no sentido de compreender as formas como o menino de ontem, em suas relações no interior de sua família como na escola ou nas ruas, viveu a sua realidade. (Cartas a Cristina, 1994, p.32) Prática social educativa 17 Se você procurar um colega para também partilhar a memória que ele tem a resgatar, ficará ainda mais fácil ter diante de você realidades experimentadas. Não deixe de fazer esse exercício continuamente. Com certeza, sua trajetória de vida trará um riquíssimo material de um sem número de situações profissionais nas quais e pelas quais, para além da escola, você construiu sua competência de enfermeiro(a), de profissional da saúde, de cidadão/cidadã, de ser humano. Você poderá dar um salto no tempo e lembrar-se de uma situação em seu grupo de idade, conversando a respeito das suas dificuldades na relação com seus pais ou com outros adultos que tinham ou achavam ter autoridade sobre você. Você transmitia aos seus amigos a experiência nesse lidar com os “seus” adultos, mas também ficava atento ao que os outros contavam e ponderava sobre o valor das atitudes deles ou aguardava para repensar ou refletir depois. Mais que isso, você interpretava os gestos e as maneiras de falar. Da mesma forma se imporão lembranças daqueles tão diferenciados espaços que você freqüentou – você, um entre muitos –, onde lhe ensinavam e você aprendia. E, de repente, outras imagens surgem, de conversas com os professores ou com os colegas, de convivências não especificamente marcadas pelos “rituais” de ensino-aprendizagem. Convivências mais abertas e amplas, por meio das quais as pessoas se alegravam ou entristeciam, se preocupavam ou se aliviavam com fatos internos ou externos àquele espaço, mas que nele repercutiam, criando relações de aproximações e afastamentos. Saber não era então apenas conhecer, mas também sentir. Anteriormente, falamos de um “patrimônio”. É verdade! E, como se faz com todo patrimônio, é recomendável usá-lo bem. Sua experiência, contudo, continua, no movimento presente em que você, pessoa humana, relacionada em um contexto familiar ou comunitário próximo, desempenha uma profissão, convive no seu grupo social. Você é – consigo mesmo e com os outros – um ser social. Sua existência e sua identidade não podem ser percebidas, se você não se considerar um ser em relação. Manifestamos o que somos, agindo e praticando na vida social. Mesmo quando privilegiamos o enfoque de determinada prática – a profissional, por exemplo – não podemos correr o risco de reduzi-la, esquecendo que, em sua particularidade, ela só tem significado concreto quando referida ao conjunto de práticas sociais em que nos envolvemos por sempre viver em convivência. Voltemos ao mestre Paulo Freire: Não sei se você já reparou que, de modo geral, quando alguém é indagado em torno de sua formação profissional, a tendência do perguntado, ao responder, é arrolar suas atividades escolares, enfatizando sua formação acadêmica, seu tempo de experiência na profissão. Dificilmente se leva em consideração, como não rigorosa, a experiência existencial maior. A influência, às vezes, quase imperceptível que recebemos desta ou daquela pessoa com quem convivemos, ou deste ou daquele professor ou professora cuja coerência jamais faltou, como da competência bem-comportada, nada trombeteada, de humilde e séria gente. No fundo, a experiência profissional se dá no corpo da existencial maior. Se gesta nela, por ela é influenciada e sobre ela, em certo momento, se volta influentemente. Indagando-me sobre minha formação como educador, como sujeito que pensa a prática educativa, jamais eu poria de lado, como um tempo inexpressivo, o em que andarilhei por pedaços do Recife, de livraria em livraria, ganhando intimidade com os livros, como o em que visitava seus córregos e seus morros, discutindo com grupos populares seus problemas ou como em que, durante dez anos, vivi a tensão entre prática e teoria e aprendi a lidar 20 1 Educação O que pretendemos agora, na afirmação dessa totalidade, é ver, na prática social educativa, esse processo de relação específica entre sujeitos humanos que se apresentam e recebem denominações também específicas de educador-educando e professor-aluno. Certamente, você percebe isso. Em sua experiência cotidiana, sua prática de enfermagem é uma prática social que envolve uma relação entre sujeitos, seres humanos que se constituem socialmente como pessoas. Nem se nega que um seja o profissional da enfermagem em uma relação com um outro que se está valendo de seus serviços como atendido ou cuidado no campo da saúde. Entretanto, essa relação concreta, que faz com que se denomine um enfermeiro e o outro paciente, continua a ser e em nada pode obscurecer a relação interpessoal de sujeitos sociais. Da mesma forma, para além da condição daquele que ensina e daquele que aprende, é preciso compreender o professor e o aluno como sujeitos que se constroem na história. A relação educativa, em que se envolvem como educador-educando, só pode ter significado concreto quando entendida como prática social, sempre pressupondo uma visão de mundo. A prática pedagógica – como ressaltam vários autores e, com muita propriedade, Sônia Kramer (1993) – precisa ser vista de uma perspectiva que possibilite pensar o homem em sua totalidade e em sua singularidade. Isto significa conceber o homem e suas práticas – dentre elas a educativa – sem dicotomizá-lo. Implica, portanto, entender que a subjetividade, para existir, supõe a coletividade e o social. Além disso, demanda a busca de subsídios para se ter uma visão histórica que, sem excluir o particular e específico, seja entendida como a totalidade do momento e requer a construção de uma abordagem interdisciplinar comprometida com a já mencionada omnilateralidade humana, e não a simples justaposição de perspectivas teóricas diversas. Os fatos concretos da educação de cada um e o conjunto do “fazer pedagógico” são, portanto, práticas coletivas. Nelas, necessariamente, os aspectos cognitivos, afetivos, socioeconômicos, políticos e culturais interagem em função de resultados também concretos. Assim, a prática social pedagógica, tal como acontece em cada “aqui e agora”, se faz pela linguagem, fazendo (produzindo) linguagem. Por isso mesmo a didática, que, sem dúvida alguma, é uma questão de meios, só pode dar conta deles quando se assume, primordialmente, como uma questão epistemológica e, mais ainda, uma questão cultural. Do mesmo modo que na educação, você pode identificar os possíveis danos na área da Saúde, quando se deixa de lado ou – o que é pior – quando se nega estar diante de uma prática social, na qual sujeitos humanos, em sua inteireza e totalidade, se relacionam. Como ambas – educação e saúde – são práticas sociais, podemos sempre estar estabelecendo comparação entre situações concretas da prática da saúde Dicotomizar – dividir em duas partes, classes ou grupos; separar em partes. Epistemológico (do grego epistême, “ciência”, “conheci- mento” + o + logia) – relativo à epistemologia, disciplina que toma as ciências como objeto de investigação; teoria do conhecimento. Prática social educativa 21 e da prática educativa. Além disso, há nelas uma constante que você identificará: a interação ou relação. Em primeiro lugar, entre pessoas, mas também entre pessoas e coisas, fatos, idéias. Você notará ainda que essas interações se dão em uma realidade concreta, física – é verdade –, mas, sobretudo, socialmente circunstanciada, onde a vida econômica, política, cultural se constitui em contexto historicamente definido das interações e das ações. Nesse sentido, a educação está sempre presente quando as pessoas se desenvolvem, se aperfeiçoam. Pode-se mesmo dizer que, em todas as práticas sociais – que necessariamente supõem interação entre as pessoas e relação das pessoas com o mundo que as cerca –, há uma busca de aperfeiçoamento pessoal e coletivo, uma busca de transformação, portanto, uma prática educativa. Admitindo a amplitude da prática social educativa como uma realidade, precisamos ter clareza, , das diferentes situações, com diferentes características, manifestando processos educativos distintos. Anteriormente, sinalizamos reducionismos falseadores da realidade. Certamente é reducionismo não distinguir práticas educativas diversas e não aprofundar a análise de diferentes manifestações do processo educativo. Principalmente porque, ao caracterizar essas diferenças, estaremos qualificando a relação pedagógica, encaminhando parâmetros de responsabilidades pessoal e profissional. Exemplificando: certamente é uma prática social de saúde a promoção de um ambiente sadio. Iniciar as crianças em hábitos de higiene, separar o lixo, reivindicar coleta seletiva e sistema eficaz de tratamento de água e esgoto são responsabilidades de todos os que participam do convívio social. Entretanto, práticas específicas de profilaxia, como planejamento e produção de sistemas de saneamento básico, análise e recomendação de medidas preventivas ao contágio de uma epidemia, por exemplo, não podem ser responsabilidade de todos, embora todos devam ser envolvidos nelas como sujeitos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em seu artigo 1º, reconhece a grande abrangência da educação e define seu objeto específico. Art. 1º A Educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. §1º Esta lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias. §2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social (Lei n.º 9.394/96 ). Assim, a lei assume que a educação é um fenômeno humano cujas manifestações – todas importantes – são muitas e diferenciadas. E mais: delimita o seu campo de ação, definindo que cabe a ela disciplinar apenas as formas institucionalizadas de educação, que se expressam predominantemente pelas atividades de ensino. Mas, ao fazê-lo, estabelece uma condição necessária: a vinculação da educação escolar tanto ao mundo do trabalho como à prática social. Isto significa que a educação escolar existe contextualizada, ou seja, situada no espaço, datada no tempo e referida à vida social como um todo, da qual ela é parte integrante. Trocando impressões com outras pessoas – principalmente colegas profissionais da área de Saúde –, procure identificar e registrar em seu Diário de Estudo situações em que, de diferentes maneiras, houve interação educativa. 22 1 Educação Com base nessa análise inicial, podemos encaminhar nossa reflexão sobre a prática social educativa, tentando sistematizar alguns aspectos que julgamos essenciais. Considerando que a educação só se realiza plenamente quando resulta em uma transformação do sujeito que se educa, a intencionalidade é um aspecto muito importante da prática educativa. Intenção de quem deseja transformar-se, isto é, do sujeito-educando do processo educativo. Intenção de quem se propõe a apoiar o sujeito que deseja transformar-se, o sujeito-educador. Surge assim, sob o ponto de vista da intencionalidade, uma grande quantidade de possibilidades de situações educativas. Podemos pensar, por exemplo, em duas situações opostas: ! o sujeito da transformação tem forte intenção de educar-se em uma determinada circunstância, porém ninguém tem intenção de ajudá-lo em seu processo; ! uma pessoa, que se propõe a apoiar a educação de outra, tem forte intenção de fazê-lo, enquanto aquela, que seria sujeito do processo de transformação educativa, não tem a mínima intenção de educar-se. E, entre essas duas situações, a intencionalidade dos sujeitos pode adquirir gradações diferenciadas. É possível promover uma situação em que ambas as partes manifestem um grau elevado de intencionalidade no estabelecimento de uma interação visando à educação. Para prosseguirmos nossa análise, essas duas palavras precisam ter um significado muito claro para nós: intenção e interação. É usual caracterizar os processos educacionais como ! formais – quando a intenção de promover a educação e a maneira de realizar a interação pedagógica se explicitam em definição de objetivos, critérios de seleção de conteúdos, identificação de linhas metodológicas a serem adotadas, indicação dos critérios de avaliação; e ! informais – quando ocorrem sem que se explicitem a intenção e a interação propriamente educativas, em situações ocasionais de convívio social ou de participação em eventos, sem qualquer previsão ou formalização de procedimentos. Quando se trata de educação, é preciso considerar que estamos diante de um modo específico de ter intenção, de uma maneira específica de vivenciar a interação. Porém é preciso reconhecer, também, que, mesmo nos processos educativos que apresentam alto índice de sistematização, há sempre espaços ou momentos menos sistemáticos e até espontâneos, em que se desenvolvem importantíssimos processos interativos, nem sempre explicitados como educacionalmente intencionais, mas cujos resultados educacionais são incontestáveis. Você consegue se lembrar de situações espontâneas que, na sala de aula, contribuíram para a sistematização de conhecimento? Mesmo que você tenha a certeza de conhecer o sentido exato dessas palavras, procure-as em um bom dicionário e anote o seu entendimento: ! Intenção ! Interação Como você aplica esses conceitos em situações de sua prática cotidiana, principalmente profissional? Educação de adultos no Brasil: algumas anotações Em obra publicada em 1983, Vanilda Paiva, ao apresentar um importante histórico da trajetória da educação de adultos no país, mostra que, no Brasil, um fator sempre muito presente na justificação dos apelos em favor de um melhor sistema de ensino ou de campanhas em favor da educação de adultos [era] a importância atribuída à posição e ao prestígio do país no plano internacional, no “concerto das nações”, onde os brasileiros desejavam vê-lo colocado “entre os países cultos” (p.20). Nesse histórico, a autora lembra que, no início da década de 1930, o educador marxista Paschoal Lemme tinha tomado a iniciativa inovadora de dedicar-se à educação de adultos, escrevendo o trabalho Educação supletiva. Educação de adultos, além de assumir efetivamente a tarefa de organizar cursos para operários no Distrito Federal (p. 42). Ainda se referindo ao início da conscientização da importância da educação de adultos no Brasil, observa que, nos anos 1940, com a divulgação de estatísticas educacionais nada lisonjeiras para o país, os educadores do Governo se comprometiam a destinar parte dos recursos públicos à educação de adultos. Nessa obra, a autora apresenta e discute várias iniciativas voltadas à educação de adultos, desde então, tais como a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (1947), a Campanha Nacional de Educação Rural (1952), a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (1952), o Movimento de Educação de Base (1961), o Plano Nacional de Alfabetização (formalmente, janeiro de 1964), a Cruzada ABC (1964), o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL (1967). Para ilustrar a intencionalidade da educação comprometida com os excluídos, vale citar duas experiências vividas no Brasil, em tempos diferentes. A primeira diz respeito às experiências de alfabetização de adultos empreendidas no início dos anos 1960. Estas utilizavam o método de alfabetização e de conscientização desenvolvido por Paulo Freire. Pensávamos numa alfabetização direta e realmente l igada à democratização da cultura, que fosse uma introdução a esta democratização. Numa alfabetização que, por isso mesmo, tivesse no homem, não esse paciente do processo, cuja virtude única é ter mesmo paciência para suportar o abismo entre sua experiência existencial e o conteúdo que lhe oferecem para sua aprendizagem, mas o seu sujeito ... Pensávamos numa alfabetização que fosse em si um ato de criação, capaz de desencadear outros atos criadores. Numa alfabetização em que o homem, por que não fosse seu paciente, seu objeto, desenvolvesse a impaciência, a vivacidade, característica dos estados de procura, de invenção e de reivindicação ... estávamos, assim, tentando uma educação que nos parecia a de que precisávamos. Identificada com as condições de nossa realidade. Realmente instrumental por que integrada ao nosso tempo e ao nosso espaço e levando o homem a refletir sobre sua ontológica vocação de ser sujeito. E se já pensávamos em método ativo que fosse capaz de criticizar o homem Hoje, a educação de jovens e adultos é uma modalidade de educação básica, nos níveis de ensino fundamental e médio, cabendo aos sistemas de ensino assegurar oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do aluno, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames supletivos (Arts. 37 e 38, da LDB). No âmbito do PROFAE (Componente I), por exemplo, a complementação do ensino fundamental para os alunos- auxiliares que não tiveram acesso a esse nível de ensino na idade própria é oferecida em parceria com instituições estaduais. 25 1 Educação 26 1 Educação através do debate de situações desafiadoras, postas diante do grupo, estas situações teriam de ser existenciais para os grupos. Fora disso estaríamos repetindo os erros de uma educação alienada, por isso instrumental (Freire,1975, p.104-7). As fases de elaboração e de execução prática desse método eram: 1 – levantamento do universo vocabular dos grupos com quem se ia trabalhar; 2 – escolha das palavras, selecionadas do universo vocabular pesquisado; 3 – criação de situações existenciais típicas do grupo com quem se ia trabalhar; 4 – elaboração de fichas-roteiro que auxiliassem os coordenadores de debate no seu trabalho; 5 – feitura de fichas com a decomposição das famílias fonêmicas correspondentes aos vocábulos geradores. A execução prática das campanhas de alfabetização baseadas no método Paulo Freire foi coroada de sucesso por onde aconteceu: no Brasil, no Chile, em Angola, depois da independência. No Brasil, o Movimento Militar de 1964 interrompeu o trabalho em curso. A outra experiência de educação comprometida com a realidade social vem sendo desenvolvida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O Movimento dos Sem terra incorporou à sua missão a responsabilidade de promover a educação dos sem-terra, um aspecto em geral muito prejudicado nas condições da vida rural. Atualmente, são 1.000 escolas que atendem a 75 mil crianças e sete mil adultos, uma façanha ainda pouco conhecida do grande público. No entanto, já chama atenção de quem se interessa pela questão educacional brasileira e pelo tema da cidadania. O modelo escolar do MST segue o método do educador Paulo Freire e conta com a parceria de diversas universidades, além do UNICEF e da UNESCO. Os resultados levaram o MST a receber o Prêmio Direitos Humanos, concedido pelo Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade e a Democracia, entidade ligada à Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro. O prêmio destina-se a distinguir personalidades pelo trabalho humanitário e, pela primeira vez, foi concedido a um movimento social, em razão da expressividade do projeto de educação empreendido pelo MST nos acampamentos e assentamentos (Educação premiada, 1999, p. 25). 26 Prática social educativa Prática social educativa 27 O que o MST entende por educação: processo omnilateral, ou seja, a formação da pessoa humana se dá no todo, em todas as dimensões e no conjunto das relações (...); [é] reunir-se para aprender e ensinar o alfabeto e, mais que isso, o ato de ler e escrever a realidade e a própria vida (Procópio, 1999). O que o MST entende por escola: conceito mais amplo que o espaço oficial, porque escola é o espaço onde se aprende, ensina, cresce. Mais importante que o local onde a Educação Popular acontece, seja na escola, no movimento popular ou outras organizações, um dos maiores desafios é o de como fazer com que o povo ( a massa que não teve acesso ao conhecimento de maneira mais elaborada) se reconheça e seja reconhecida como capaz de intervir na História. Neste sentido, todos nós nos reeducamos à participação, nos desafiamos a problematizar a realidade, compreender as causas do que se apresenta como verdade e buscar saídas coletivas para os problemas da sociedade como um todo. A primeira grande missão da Educação é ensinar a pensar, pesquisar, desconfiar, criticar, propor. Neste sentido, contextualiza-se nossa concepção de Educação, e sua herança mais profunda é seu compromisso com a classe trabalhadora (Procópio, 1999). Atualmente, pode-se fazer referência a outras modalidades de práticas sociais educativas diferenciadas, visto que as diversas “mídias” eletrônicas, acessíveis a um grande e crescente número de pessoas, têm se constituído em veículos amplamente utilizados e utilizáveis para a educação da população, seja ela relacionada ou não à educação escolar. A alta e refinada qualidade técnica, a amplitude de sua cobertura e a ausência de opções culturais e de lazer para a grande maioria da população fazem com que a televisão funcione como um instrumento de comunicação – e, por conseqüência, de educação – poderosíssimo no Brasil , o mesmo ocorrendo em outros países da América Latina. Interação intencionada da prática social educativa Se admitimos que interação e intenção constituem base essencial à prática socioeducativa, fica patente a necessidade de explicitarmos uns para os outros nossas intenções e modos de vivenciar interações. Essa explicitação se manifesta em um projeto político-pedagógico. Dele trataremos mais adiante, tanto neste Núcleo Contextual (principalmente no Módulo 2) quanto nos Núcleos Estrutural e Integrador. Aqui, entretanto, precisamos iniciar – ainda que brevemente – uma discussão que também estará presente em todo o nosso Curso: qual é a intenção de nossas interações constitutivas da prática social educativa? Indo mais fundo à raiz mesma de nossas intenções interativas, o que pretendemos? Será que cada um de vocês, que já é docente dos cursos do PROFAE, poderá responder a essas questões, no limite de um promover as competências operacionais para que executem com precisão os procedimentos requeridos em sua posição e nível como auxiliares de enfermagem e considerar que a resposta foi suficiente? Será que a suficiência da resposta passará a existir se for acrescentado e para que entendam os termos técnicos seguindo, com precisão, as prescrições? Mídia – designa o conjunto dos meios de comunicação de massa: jornais, revistas, televisão, rádio, cinema, Internet e assim por diante. A utilização de vários meios de comunicação de categorias diferentes para determinados fins é reconhecida como multimeios ou multimídia ou, ainda, como “mídia mix”. Mais adiante, no Módulo 2, quando tratarmos de algumas características da sociedade, teremos oportunidade de discutir especificamente este tema. 30 1 Educação TEMA 2 Educação na prática social brasileira: bases históricas Começaremos por traçar os caminhos percorridos pela experiência humana – e sua concretização na experiência brasileira – na prática social que denominamos educação. Para isso, não podemos deixar de recorrer ao conhecimento histórico acumulado sobre a ação e o pensamento educativos. Estamos falando da História da Educação, sim; mas estamos também falando, de forma mais geral, da História. Isto é, do conhecimento histórico e de seu valor. Por que é importante, hoje, apropriar-nos dessa História? Para que nos servirá tudo isso, na prática? Hobsbawm (1998, p. 22) nos diz que O passado é uma dimensão permanente na consciência humana, um componente inevitável das instituições, valores e outros padrões da sociedade humana. O mesmo autor acrescenta: O objetivo de se traçar a evolução histórica da humanidade não é antever o que acontecerá no futuro, ainda que o conhecimento e o entendimento históricos sejam essenciais a todo aquele que deseja basear suas ações e projetos em algo melhor que a clarividência, a astrologia ou o franco voluntarismo[pois] o que ela [a História] pode fazer é descobrir os padrões e mecanismos da mudança histórica em geral, e mais particularmente das transformações das sociedades humanas durante os últimos séculos de mudança radicalmente aceleradas e abrangentes. Em lugar de previsões ou esperanças, é isso que é diretamente relevante para a sociedade contemporânea e suas perspectivas (ibidem, p. 42-43). Educação na prática social brasileira 31 Se pensarmos no campo educacional, a História tem fundamental papel na formação da consciência crítica do educador, desde que não se esgote em um elenco de fatos e datas do passado. Estes são sempre a matéria-prima a ser trabalhada na identificação de experiências pedagógicas concretizadas em contextos, cuja reconstrução e interpretação enriquece e amplia fontes de referência. Na verdade, as experiências atualmente vividas, mesmo sendo diversas e inéditas, beneficiam-se de um entendimento histórico de problemas que já percorreram uma trajetória para configurar-se no aqui e agora, desta maneira peculiar que nos desafia. Não se trata de buscar no ontem sua solução; trata-se de resgatar elementos que nos ajudem a melhor definir a situação desafiadora e encontrar as diretrizes e as coordenadas da nossa ação pedagógica (Reis Filho, 1981, p. 2). A educação no Brasil Colonial No Brasil, a educação só se organiza a partir da instalação do Governo Geral, em 1549, quando os jesuítas, credenciados pelo Rei D. João III para desempenhar a dupla missão catequética e educacional, desembarcam com Tomé de Souza. Quinze dias após sua chegada, em Salvador, já estava funcionando a primeira escola de ler e escrever. Não havia terminado o ano, e já o Padre Leonardo Nunes, em São Vicente, tinha formado um seminário para os meninos indígenas, onde lhes ensinava com os mestiços da localidade e alguns órfãos vindos de Portugal a falar português, a ler e escrever, depois o latim aos mais hábeis; e acima de tudo os bons costumes e a doutrina cristã (Relato do Padre Simão de Vasconcellos, apud Almeida, 1989, p. 27). Em 1570, data da morte do Padre Nóbrega, já se contam no Brasil cinco escolas de instrução elementar e três colégios. Em 1759, data da sua expulsão, a Companhia de Jesus mantinha no Brasil, como nos relata Fernando de Azevedo, 25 residências, 36 missões e 17 colégios e seminários, sem contar os seminários menores e as escolas de ler e escrever, instaladas em quase todas as aldeias e povoações onde existiam casas da Companhia. Note-se que, na mesma data, em Portugal, os jesuítas mantinham 24 colégios e 17 residências. Veja o que o Padre Simão de Vasconcellos conta a respeito do recrutamento dos alunos indígenas dessas primeiras escolas brasileiras: Quase não havia populações indígenas perto do mar e não era conveniente abandonar os portugueses. O Pe. Leonardo descobriu um meio engenhoso de exercer a caridade: com um dos mais robustos irmãos, experto em língua, caminhou através de ásperas montanhas (...) pelas vilas dos gentios que habitavam no seio das florestas virgens; obteve por sua autoridade e ajudado pela língua eloqüente de seus companheiros, que se lhes confiassem seus filhos, porque desejava conduzi-los para o litoral e educá-los no meio dos portugueses, ensinando-lhes as coisas da fé, depois de tê-los regenerado pela água do batismo. Era uma tarefa muito difícil que empreendia o R. Padre porque, para estas pessoas, retirar-lhes os filhos é a mesma coisa que arrancar-lhes o coração... (apud Almeida, 1989, p.27). 32 1 Educação Outras perguntas e questões relativas à experiência educacional em terras do Brasil poderão vir à sua mente. Isto porque todos temos a qualidade humana da curiosidade. Queremos entender as coisas que fazemos, e estas, como todas as ações humanas, têm história. Estamos sempre em atitude de abertura para construir conhecimento. Muitas vezes você não encontrará aqui o tratamento dessas questões, ou uma abordagem satisfatória. Procure consultar os livros e os textos indicados para outras leituras. Apresente suas questões ao seu tutor. Que concepção de educação traziam os jesuítas para o Brasil? Quais princípios fundamentaram o início das atividades educacionais no país? Estas são perguntas que devemos fazer, mas há outra questão relevante: que práticas sociais, de caráter educativo, os portugueses aqui encontraram entre os habitantes originais destas terras? O autor do trecho acima tinha consciência disso, pois registrou que, para os naturais da terra, retirar-lhes os filhos é a mesma coisa que arrancar-lhes o coração. Para buscar respostas a essas perguntas, é importante percorrer – ainda que brevemente – a experiência da prática e da reflexão pedagógicas no mundo ocidental até à data do desembarque dos que aqui chegaram com a intenção explícita de educar, isto é, de educá-los no meio dos portugueses, ensinando-lhes as coisas da fé. Como vimos no primeiro tema, uma interação marcada por uma intenção nítida de um projeto colonizador. A pedagogia tradicional e suas referências humanísticas Quem desembarca com os jesuítas das caravelas de Tomé de Souza e se instala, adaptada ou mutilada, nas terras do Brasil, é a denominada pedagogia tradicional. Um conjunto de idéias e normas que, com diferenças e peculiaridades, acompanhavam também os outros religiosos missionários que aqui chegaram antes e depois da Companhia de Jesus. É a partir da segunda metade do século XVI que podemos identificar o conjunto de manifestações que caracterizam o surgimento do que chamamos pedagogia tradicional como um modo de agir e de pensar a educação, dotado de identidade própria. Ao tentar apreender o processo histórico de sua formação e consolidação, é inevitável dirigir nossos olhos, principalmente, para os acontecimentos dos séculos XVI e XVII. Mas também é necessário identificar, em épocas anteriores e posteriores, o processo de gestação e de desenvolvimento desse importante movimento da educação. A pedagogia tradicional terá diferentes características nos diversos países da Europa e – o que para nós tem especial interesse – em Portugal. Entretanto, será sempre possível identificar alguns traços gerais, tais como: a seleção e ordenação de conteúdos cuidadosamente elaborada, a definição rigorosa de um método, o estabelecimento de uma relação exemplar e diretiva do mestre com o discípulo. Principalmente, o espaço físico que expressa essa pedagogia tradicional, a escola, adquire um mundo peculiar, que se esforça em se separar do quotidiano, visto, naquele momento, como mais ou menos hostil aos objetivos da educação. Educação na prática social brasileira 35 É nesse clima de Renascimento do Humanismo que, dentro da Igreja Católica Romana ou rompendo com ela, se concretiza a Reforma Religiosa. Embora, desde muito antes, movimentos reformadores manifestassem grande desconforto com aspectos doutrinários, estruturais ou comportamentais da Igreja, as exigências de reforma religiosa tornam-se agudas no século XVI. Em termos educacionais, a importância do movimento reformador é muito grande. Os humanistas haviam consolidado a idéia de que a mudança do homem e da sociedade envolve necessariamente a educação. Seja do lado da chamada Reforma (movimento iniciado na Alemanha, com a liderança de Lutero, e caracterizado pela ruptura com a Igreja Romana), seja por parte da chamada Contra-Reforma (movimento interno da própria Igreja Romana que tem, no Concílio de Trento, seu evento catalisador), vamos encontrar, na diversidade de suas concepções, uma evidente ação fortalecedora da pedagogia tradicional. A verdade é que, no século XVI, tanto de um lado como de outro, vemos um extraordinário esforço de estabelecer definições claras de conteúdos e métodos em consonância com objetivos educacionais. Também nessa época,os Colégios vão adquirir uma nova feição e consolidar-se como instituições de educação média e superior, não-universitárias, caracterizadas por marcante organização pedagógica e disciplinar. Certamente um dos suportes mais concretos da pedagogia que se constrói e que, ao encontrar condições favoráveis de continuidade e desenvolvimento, tende a conservar-se como verdadeira tradição. A convicção do humanismo quanto ao papel da educação como reformadora do homem está vigorosamente presente nos movimentos de Reforma e Contra-Reforma. Tanto Martinho Lutero (1483-1546), e seus companheiros e continuadores, quanto Inácio de Loyola (1491-1556) e os jesuítas são a mais viva demonstração disso. Nos dois campos, importantes traços do pensamento humanista sobre a educação podem ser identificados, mas também, em ambos os lados, há acentuadas adaptações, negações e contribuições novas. Vamos encontrar diversas abordagens, apresentadas das mais diferentes formas, que pretendem garantir a transmissão doutrinária. A pedagogia dos jesuítas Representativa da concepção dos colégios – e básica para o estudo da educação brasileira –, é importante analisar a prática pedagógica dos jesuítas, sobretudo percorrendo as orientações contidas na Ratio atque institutio studiorum Societatis Jesu, mais freqüentemente chamada Ratio Studiorum. Trata-se de uma série de regras práticas que esclarecem sucessivamente os objetivos da atividade pedagógica, as responsabilidades e tarefas do superior provincial, do reitor, do prefeito de estudos e dos professores. A metodologia baseia-se na preleção, fortemente inspirada na lectio dos doutores medievais, incluindo os diversos passos de ! resumo do texto, ! explicação do significado das expressões difíceis, ! identificação e exposição das regras de gramática e de retórica relacionadas ao texto, Recorrendo ao texto complementar número 2, que se encontra no final do módulo, você poderá ler a respeito da pedagogia da Reforma e da Contra-Reforma. Renascimento – nome dado à renovação literária, artística e científica que se produziu na Europa, nos séculos XV e XVI, especialmente sob a influência da cultura da Antigüidade. Na pedagogia jesuítica, os autores e as obras eram minuciosamente selecionados. Prevaleciam os “textos esco- lhidos”, evitando-se, assim, as passagens menos recomendáveis de autores que, apesar de exemplares, eram pagãos. Na história da Educação, só a pedagogia jesuítica selecionou textos? Pense a esse respeito, inclusive na atualidade. 36 1 Educação ! fornecimento dos conhecimentos históricos e geográficos necessários à compreensão do texto, ! comentário sobre o estilo e a beleza da linguagem, ! proposição de exercícios de memorização, de emulação (competição), de expressão e de imitação. A disciplina é o pano de fundo de toda a prática educativa e caracteriza- se por: ! extrema rigidez, temperada pelo uso de motivação baseada nos sentimentos de honra e emulação; ! regulamentação de castigos e reprimendas segundo o princípio de proporcionalidade em relação à falta cometida; ! adoção de um sistema de extremada vigilância, que acompanha todos os passos do aluno, justificando-se como uma providência preventiva. Em 1600 – 52 anos após terem iniciado o primeiro colégio, responsabilidade assumida pela Companhia de Jesus em 1548, um ano antes de sua chegada ao Brasil – os jesuítas já eram responsáveis por 245 instituições desse tipo. Esse fato já é suficiente para considerar o grande impacto que os religiosos tiveram sobre a sociedade do século XVI. Por outro lado, não se pode negar o quanto foi prestigiada a sua pedagogia por essa mesma sociedade. Pode-se até admitir outras explicações para esse sucesso estatístico, como a habilidade de envolvimento e o serviço aos detentores do poder. Mas seria leviano deixar de considerar todo o competente trabalho de construção de um sistema educacional que define e estabiliza o humanismo pedagógico cristão como o modelo do que será a educação secundária do mundo ocidental por muito tempo. Essa é a pedagogia que se implanta em nosso país em 1549 e que é praticada por aqueles que, oficialmente, durante 210 anos, tiveram o mandato régio de promover a educação no Brasil. Se é verdade que as diretrizes da Ratio Studiorum surgem bem depois da veloz implantação da educação jesuítica no Brasil, é também verdade que o Padre Nóbrega e seus companheiros – logo depois o Padre José de Anchieta e tantos outros – traziam já as marcas do que se praticava na formação dos religiosos da Companhia e no trabalho educativo de todos os dias. Essas marcas é que vão se confrontar com o modo de viver dos indígenas, inclusive sua maneira de educar. E vão se confrontar de acordo com o entendimento peculiar que esses educadores têm desses educandos. Poder – capacidade de produzir ou contribuir para resultados que afetem significativamente outras pessoas ou grupos de pessoas. Segundo Foucault, filósofo francês, o poder é exercido na sociedade não apenas através do Estado e das autoridades formalmente constituídas, mas de maneiras as mais diversas, em uma multiplicidade de sentidos, em níveis distintos e variados, muitas vezes sem nos darmos conta disso. O poder político significa a capacidade de ação e meios concretos para impor uma política à sociedade e aos grupos sociais. Emulação – sentimento que nos incita a igualar ou a superar outra pessoa. Educação na prática social brasileira 37 Em primeiro lugar – sobretudo no primeiro momento – há uma certa generalização, como se os índios formassem um coletivo sem distinções de tribo, de maneira de ser e agir. Daí a expressão facilitadora dessa abordagem “em bloco” em um conceito abrangente de gentio como bárbaros e indômitos, que parecem aproximar-se mais à natureza das feras do que à dos homens, na expressão daquele Anchieta, que tanto se esforçou para compreendê-los, em carta escrita em 1554 (apud Neves, 1978, p. 53-54). Mas eles são capazes de aprender, e com certa rapidez, porque – em carta de 10 de agosto de 1549, pouco mais de quatro meses desde a chegada ao Brasil – o Padre Nóbrega registra: Já sabem muitos as orações e as ensinam uns aos outros, de maneira que, dos que achamos mais seguros, batizamos já cem pessoas pouco mais ou menos, e começamos na festa do Espírito Santo, que é tempo ordenado pela Igreja. (idem, p. 46). Em um segundo momento, surge a distinção primeira que rompe a unicidade. Passa a existir o “índio índio” e o “índio converso”, e este passa a ter um novo nome. E, no decorrer do processo colonizador, outras distinções vão surgindo e, até, esmaecendo a primeira, quando não-portugueses (franceses ou, bem mais tarde, holandeses) pretendem conquistar o território. A distinção, então, passa a se relacionar à resistência ao invasor, em uma aliança com os portugueses, ou à adesão aos recém-chegados contra os portugueses. Irrelevante, no caso, qualquer consideração sobre o fato de ser “índio índio” ou “índio converso”. Processa-se, no tempo, um reconhecimento de diferenças e semelhanças. Sobretudo, o entendimento de uma forma de educar desses povos. E aqui um ponto de encontro de europeus e indígenas, na valorização do exemplo, e um de confronto na questão da disciplina. Os homens, escreve nosso primeiro historiador, Frei Vicente do Salvador, em sua História do Brasil, de 1627, logo ensinam aos filhos de pequenos a atirar ao alvo... também os ensinam a fazer balaios e outras coisas da mecânica, para as quais têm grande habilidade, se eles a querem aprender; que se não querem, não os constrangem, nem os castigam por erros e crimes que cometam... As mães ensinam as filhas a fiar o algodão e fazer redes de fio e nastros para os cabelos (p.81). Mas logo se acentuam as diversidades, e o mesmo historiador lembra que nenhuma palavra pronunciam com f, l ou r não só das suas, mas nem ainda das nossas, porque, se querem dizer Francisco, dizem Pancicu ... e o pior é que também carecem de fé, de lei e de rei, que se pronunciam com as ditas letras (p.78). Vale parar um pouco e refletir na razão de trazermos – com a velocidade e brevidade de uma simples referência – a percepção dos educadores sobre educandos tão diferentes. Dificilmente essas percepções de época e espírito colonizadores se repetirão hoje. Mas podemos nos apropriar, nessa história, da experiência humana de encontro na interação pedagógica de culturas diversas, de modos diferentes de ler o mundo, de produzir a existência. Estamos no momento em que se promoveu a institucionalização escolar da educação nestas terras brasileiras, onde a prática social educativa dos nativos era a interação intencionada dos mais velhos (guardiões da tradição oral dos usos e costumes da tribo) com os mais jovens (nova força de trabalho na caça, na pesca e no rudimentar plantio ou processamento do fruto natural colhido). 40 1 Educação Considerando que a condição preliminar de reforma é a abolição total das classes e escolas dos jesuítas, pode-se concordar com a afirmação de Fernando de Azevedo (1976, p.47): o que sofreu o Brasil não foi uma reforma de ensino, mas a destruição pura e simples de todo o sistema colonial do ensino jesuítico, que respondia pela quase totalidade das atividades educacionais do país. Ao afastar os jesuítas das instituições educacionais da Metrópole, seus lugares foram imediatamente ocupados por substitutos – religiosos ou leigos – disponíveis em Portugal. No Brasil, contudo, só em 1772 (mesma data da criação do subsídio literário), 13 anos após a edição do Alvará, uma ordem régia determina o estabelecimento de aulas de primeiras letras, gramática, latim e grego no Rio de Janeiro e nas principais cidades das capitanias. Só em 1799 – 40 anos após – é implantado um sistema regular de fiscalização das aulas e escolas régias. As iniciativas educacionais do Governo e da Igreja – por meio das outras Ordens Religiosas (franciscanos, carmelitas) e do trabalho educacional dos párocos, padres mestres e capelães de engenho –, embora dignas de registro, não chegaram a suprir minimamente um sistema organizado e em pleno funcionamento como o dos jesuítas. Tanto que, após sua expulsão e até a chegada da Família Real ao Brasil (1808), surgem apenas dois centros de excelência, refletindo a influência do Iluminismo e os principais postulados da reforma pombalina: em 1776, o Seminário dos Franciscanos no Rio de Janeiro e, em 1800, o Seminário Episcopal de Nossa Senhora da Graça, de Olinda, cujos estatutos foram elaborados em Portugal, em 1798, por D. José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, já designado Bispo daquela Diocese. A partir de 1808, a situação geral do Brasil – e, portanto, também a sua situação educacional – sofre uma significativa mudança com a instalação, aqui, da corte portuguesa. Assim, o processo de conquista da nacionalidade ganha impulso, as estruturas de governo desenvolvem-se e sofisticam-se e os atos de governo, diretamente voltados para o fortalecimento do poder português e para o atendimento aos interesses da Corte, indiretamente beneficiavam os – ainda oficialmente – colonizados. Como se expressa, de forma bastante incisiva, o historiador português Oliveira Marques, em sua Breve História de Portugal: de um dia para o outro o Brasil passava à situação de metrópole e Portugal à de colônia. A verdade é que a abertura dos portos brasileiros marca o fim do regime colonial, cuja oficialização só ocorrerá em 1815, quando o Brasil será elevado à categoria de reino. Conforme o modelo inglês, passa a existir o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, com igualdade recíproca de direitos e deveres (Marques, 1995, p. 422-427). Se você quiser ler sobre o que representou o Iluminismo para a sociedade, cultura e educação de nossos colonizadores, busque o texto complementar número 3 deste módulo. Educação na prática social brasileira 41 As ações em favor da educação – que muito precariamente poderíamos identificar como uma política – não fogem a esse jogo de beneficiamentos diretos e indiretos à nova sede da monarquia. Como observa Cunha (1980, p. 77), quando a sede do reino se transferiu para o Brasil (...) as agências do Estado (português) ficaram mais perto do ensino existente no Brasil, e, assim, o efeito de seus mecanismos foi maior. Não se pode negar a relevância para a educação brasileira das providências relacionadas à criação e organização de Cursos e Aulas Públicas (Anatomia, Cirurgia e Obstetrícia; Economia; Agricultura), à instalação das Academias Militar e de Marinha, ao estabelecimento de equipamentos culturais (Biblioteca, Arquivo, Jardim Botânico), ao funcionamento de uma imprensa oficial. Entretanto, não se pode identificar aí uma política educacional. As iniciativas refletem necessidades e interesses pontuais que vão aflorando e exigem providências – também pontuais. Como assinala Fernando de Azevedo: Sobre as ruínas do velho sistema colonial, limitou-se D. João VI a criar escolas especiais, montadas com o fim de satisfazer o mais depressa possível e com menos despesas a tal ou qual necessidade do meio a que se transportou a corte portuguesa (1976, p. 70). Também José Ricardo Pires de Almeida – um insuspeito defensor da monarquia, cuja obra História da Instrução Pública no Brasil (1500-1889) foi publicada em 1889, em francês, e dedicada ao Conde d’Eu, marido da Princesa Isabel – já registrava: Todas estas fundações e estes estabelecimentos literários, artísticos e científicos prestaram grandes serviços e a memória do primeiro monarca do Brasil será indelével, por tudo o que o país lhe deve. Entretanto, faltava uma ligação, um método, para dar às escolas, aos institutos, às academias, a unidade necessária à formação de um grande povo (p.49). É interessante notar como, nessa época, ainda que de maneira rara e localizada, começam a se manifestar, entre nossas preocupações educacionais: ! a especificidade de uma educação sistematizada para o desempenho de determinadas atividades na sociedade, inscrevendo-se aí os primeiros passos para a organização do ensino superior na área de Saúde; ! a introdução gradativa do ensino das ciências na educação secundária, como importante requisito de formação geral; ! o início da explicitação do dever do poder público em promover a “educação dos povos”, embora sem uma formulação clara da educação como direito; ! a gradativa determinação – ao menos formal – das condições de competência técnica e moral para o exercício da atividade docente. 42 1 Educação Justificativa da criação de uma cadeira de medicina clínica teórica e prática no Hospital Militar da Corte assinada pelo Príncipe Regente. Decisão de 12 de abril de 1809. Sendo de absoluta necessidade que no Hospital militar e de marinha desta Côrte se formem cirurgiões, que tenham também princípios de medicina, mediante os quais possam mais convenientemente tratar os doentes a bordo das náos, e os povos naqueles lugares em que hajam de residir nas distantes povoações do vasto continente do Brasil; sou servido crear como princípio de maiores e adequadas providências que sobre tão sisudo e importante objeto me proponho dar, uma cadeira de medicina clínica teórica e prática, cujo lente terá obrigação de dar lições aos ajudantes de cirurgia, e outros alunos que frequentarem o dito Hospital e de lhes ensinar os princípios elementares da matéria médica e farmaceutica, dando igualmente um plano de policia médica, de higiene geral e particular e de terapeutica, por cujo trabalho vencerá o ordenado de 600$ (apud Moacyr, 1936, p. 37). A educação no Brasil Imperial Mesmo depois da independência, o traço de formação de quadros dirigentes acompanha as discussões e as ações relacionadas à educação. Assim como a independência política se faz pela mão do Príncipe Regente – herdeiro do Trono Português, que se torna Imperador no Brasil – não será imediata a diferenciação do regime, das prioridades políticas, do comportamento na gestão da coisa pública e – conseqüentemente – da proposta de um sistema nacional de educação. Ao abrir a sessão de inauguração da Assembléia Constituinte (3 de maio de 1823) do proclamado independente Império do Brasil, D. Pedro I recomenda aos parlamentares suma consideração às questões educacionais, levantadas por ele em um trecho da Fala do Trono. Mais um relato do que foi feito – ações esparsas, na Corte – do que uma proposta consistente: Tenho promovido os estudos públicos quanto é possível, porém necessita-se para isto de uma legislação particular. Fez-se o seguinte: comprou-se para engrandecimento da Biblioteca Pública uma coleção de livros da melhor escolha; aumentou-se o número de escolas e algum tanto o ordenado de seus mestres, permitindo-se além disto haver um sem número delas particulares: conhecendo a vantagem do ensino mútuo, também fiz abrir uma escola pelo método Ao terminar a leitura desta parte do tema, referente à história da educação no Brasil Colonial, pense no que lhe chamou mais a atenção sobre as concepções e intenções da educação à época e sobre os métodos de ensino vigentes. Como você sistematizaria seu pensamento em três ou quatro parágrafos? Experimente esse exercício de análise e síntese, utilizando o Diário de Estudo para registro. Se considerar importante para seu estudo resgatar as idéias tratadas no texto, você poderá retomá-las, discutindo, por exemplo: ! a proposta educacional dos jesuítas; ! a reforma pedagógica do Marquês de Pombal e sua repercussão no Brasil; ! as ações educacionais do governo português instalado no Brasil a partir de 1808. Educação na prática social brasileira 45 presidentes de Província, em sua execução; embora estabeleça critérios e cuidados na designação de professores, aponta a adoção do método de ensino mútuo lancasteriano não-usual no país, recomendando que os professores que o desconheçam, por sua própria conta, desloquem-se às capitais para aprendê-lo; embora fixe faixa salarial (piso e teto) para as remunerações do magistério, estabelece-as em um valor não-convidativo, o que será sempre apontado nos relatórios. ! O Ato Adicional à Constituição, em 1834, consagra a descentralização de competências administrativas do Poder Central para as Províncias, inclusive a total responsabilidade pelas escolas de primeiras letras e secundárias. ! O Poder Central, desde o início, ainda que sem criar uma universidade, dedica especial atenção ao ensino superior, primeiramente privilegiando os cursos de Direito, responsáveis pela formação da elite governante, e depois ampliando as ofertas também dos cursos de Medicina e Engenharia, de elevado prestígio social. ! No campo do ensino secundário, em 1837/1838, é criado o Colégio Pedro II, estabelecimento padrão desse nível de ensino no país. ! A implantação das escolas normais para a formação de professores, a partir de 1831 – inicialmente nas províncias ( a primeira foi a de Niterói), já que a do município da Corte só foi criada em 1881 – vem responder à explicitada preocupação com a qualidade do ensino, mas também com a uniformização da preparação dos candidatos aos concursos para o magistério. ! Apesar de iniciar-se uma discussão mais consistente sobre a necessidade de uma educação profissional, sobretudo no reinado do Segundo Imperador, mesmo com algumas instituições mais sistematizadas, como os Liceus de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro e de São Paulo, respectivamente criados em 1856 e 1874, sua concretização não se realiza. Durante muito tempo permanecerá como área de assistência filantrópica, mesmo quando, em 1874, o Asilo de Menores Desvalidos do Rio de Janeiro se transforma em Escola Profissional Masculina. No campo das profissões da área de Saúde, excluindo os cursos de Medicina e Cirurgia, a monarquia e os governos do Império não foram muito diligentes. Cabe apenas mencionar que existiam os cursos de parteira, vinculado às Faculdades de Medicina. Segundo Santos (s.d.), poderiam ser identificados como o início do movimento de organização da enfermagem brasileira. Os mesmos autores consideram o Hospital de Alienados, que passou ao controle do Governo Republicano em 1890, denominando-se a partir de então Hospital Nacional de Alienados, o primeiro espaço institucional em que podem ser identificados trabalhadores desenvolvendo atividades próximas do cuidar de enfermagem. A seguir, são apresentados dois textos de dois grandes intelectuais brasileiros. O primeiro foi escrito por Rui Barbosa, na última década do regime monárquico, como documento oficial do Parlamento Brasileiro. Posteriormente, em 1910, seu autor se tornaria político republicano e candidato à Presidência da República. O segundo, escrito por Fernando de Azevedo, o mais eminente dos introdutores das Ciências Sociais no Brasil e um dos responsáveis pela 46 1 Educação reforma educacional no Distrito Federal, está inserido em obra de referência obrigatória que trata da cultura brasileira. Duas épocas, dois autores e um balanço que merece reflexão. Balanços da educação no Brasil Imperial I – RUI BARBOSA A verdade (...) é que o ensino público está à orla do limite possível a uma nação que se presume livre e civilizada; é que há decadência, em vez de progresso; é que somos um povo de analfabetos, e que a massa deles, se decresce, é numa proporção desesperadoramente lenta; é que a instrução acadêmica está infinitamente longe do nível científico desta idade; é que a instrução secundária oferece ao ensino superior uma mocidade cada vez menos preparada para o receber; é que a instrução popular, na Corte como nas províncias, não passa de um desideratum; é que há sobeja matéria para nos enchermos de vergonha, e empregarmos heróicos esforços por uma reabilitação, em bem da qual, se não quisermos deixar em dúvida nossa capacidade mental ou os nossos brios, cumpre não recuar ante sacrifício nenhum (...) Salvo exceções singulares, as crenças e as filosofias mais opostas, variando quanto à direção, reacionária, ou liberal, que mais convenha imprimir ao ensino, coincidem na idéia, cada vez mais geral de que, na fase atual da civilização, as instituições e encargos do Estado, em matéria de ensino, tendem inevitavelmente a crescer (...) A idéia hostil à interferência do governo no domínio da instrução pública não passa de uma concepção abstrata, contrariada pela evolução das idéias e dos fatos nos países mais livres. Em vez de vos propor medidas tendentes a enfraquecer a organização central do ensino, a vossa comissão encara, por conseguinte, como providência de largo alcance e urgência imperiosa a criação do ministério da instrução pública (Barbosa,1982, p. 89-97, 114). II – FERNANDO DE AZEVEDO Nessa sociedade, de economia baseada no latifúndio e na escravidão, e à qual, por isso, não interessava a educação popular, era para os ginásios e as escolas superiores, que afluíam os rapazes do tempo com possibilidades de fazer os estudos. As atividades públicas, administrativas e políticas, postas em grande realce pela vida da corte e pelo regime parlamentar, e os títulos concedidos pelo Imperador contribuíam ainda mais para valorizar o letrado, o bacharel e o doutor, constituindo, com as profissões liberais, o principal consumidor das elites intelectuais forjadas nas escolas superiores do país. Esse contraste entre a quase ausência de educação Fernando de Azevedo (MG, 1894 – SP, 1974) – educador, historiador e sociólogo –, participou intensamente do movimento das reformas educacionais da década de 1920, tendo promovido, como Diretor Geral da Instrução Pública, a reforma do sistema escolar do Distrito Federal (1926-1930). Em 1932 foi o relator do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Tendo participado da concepção e criação da Universidade de São Paulo, em 1934, exerceu grande influência na formação dos cientistas sociais brasileiros. Educação na prática social brasileira 47 popular e o desenvolvimento de formação de elites, tinha de forçosamente estabelecer como estabeleceu, uma enorme desigualdade entre a cultura da classe dirigida, de nível extremamente baixo, e a da classe dirigente, elevando sobre uma grande massa de analfabetos, – “a nebulosa humana desprendida do colonato” – uma pequena elite em que figuravam homens de cultura requintada e que, segundo ainda, em 1890, observava Max Leclerc, não destoaria entre as elites das mais cultas sociedades européias (Azevedo, 1958, p.81-82). A educação republicana Muitas vezes se pensa que uma mudança de regime político traz “automaticamente” significativas alterações na proposta e na prática educativa. Nem sempre – ou quase nunca – isso ocorre. Em várias ocasiões, inclusive, sem alteração de regime, registram-se verdadeiras e concretas transformações nos processos educacionais. Sem minimizar a importância dos aspectos políticos, cujas manifestações sempre refletem os movimentos da sociedade na produção de sua existência econômica e cultural, a História da Educação não segue rigorosamente os tempos e movimentos da História Política. Outros fatores influem decisivamente na velocidade de mudanças educacionais. O principal deles certamente se refere à concreta prioridade dada à questão da educação pela sociedade, ou por segmentos influentes dela, constituindo, portanto, força de pressão sobre antigos e novos regimes políticos. Em nosso caso, analisamos anteriormente a reforma educacional promovida em Portugal pelo Marquês de Pombal. Não havia mudança de regime, mas um movimento nas sociedades européias – economicamente muito significativo e influente na redefinição das relações de poder – que exigia mudanças modernizadoras. Esse quadro constituiu o contexto da reforma educacional pombalina. Vimos também que as condições de mudança em Portugal eram diferentes das existentes no Brasil. A mesma reforma teve aqui resultados diferentes. A proclamação da República ocorre em um momento de grande desgaste político do governo parlamentar, no regime monárquico constitucional. Ao cair o Poder Executivo, representado pelo Governo formado pelo Visconde de Ouro Preto, caiu com ele o Regime Monárquico e foi proclamada a República. Se é verdade que a pregação republicana vinha de muito caminhar na história de nossas rebeliões, revoltas e revoluções, é também verdade que a educação não era tema destacado de preocupação dos republicanos e, muito menos, mobilizador dos movimentos sociais da época. Geralmente a questão educacional não era sequer mencionada. Com base no estudo da educação no tempo em que o Brasil foi governado por Pedro I, pelos Regentes e por Pedro II, desafie-se a produzir um pequeno artigo de jornal. Sob o título Características da educação brasileira no período imperial, problematize a educação dos nossos dias frente às questões daquela época. Registre o produto do seu trabalho no Diário de Estudo. 50 1 Educação Sem dúvida alguma, é patente a opção enciclopédica comtiana, na ótica de sua classificação lógica. Contudo, não era comtiana a sistematização científica oferecida pelo ensino destinado a adolescentes. Comte preconizava essa sistematização para idade mais avançada. Porém, como registra Geraldo Bastos Silva (1969, p.222): (...) o ideal de formação enciclopédica, na forma em que o concebia Benjamin Constant, nem sequer poderia ser seriamente ensaiado. Seu intelectualismo e sua grandiosidade excediam inteiramente a capacidade de aprendizagem de adolescentes. Assim, o plano de estudos proposto por Benjamin Constant, além de contrariar a concepção preparatória do ensino secundário, ainda dominante na opinião pública, era intrinsecamente inexeqüível. Isto é sentido logo no primeiro ano de vigência da reforma, quando apenas se iniciava a observância progressiva do currículo proposto, e já se levantam vozes pedindo sua modificação. E, de fato, nos oito anos seguintes, sucedem-se constantes mudanças no currículo, até que Amaro Cavalcanti, em 1898, para harmonizar o embate entre humanismo e estudos modernos, adota a solução européia no Colégio Pedro II: o curso clássico e o curso realista. Entretanto, o Código de Ensino do Ministro Epitácio Pessoa (Decreto n.º 3.890, de 1º de janeiro de 1901) manda restabelecer o plano 1º ano Aritmética Álgebra Elementar – – – – Português Latim Francês Geografia Desenho Música Ginástica 2º ano Geometria Preliminar Trigonometria Retilínea Geometria Especial – – – Português Latim Francês Geografia Desenho Música Ginástica 3º ano Geometria Geral Álgebra Cálculo Diferencial Cálculo Integral – Revisão – Latim Francês Inglês ou Alemão Desenho Música Ginástica 5º ano Física Geral Química Geral – – – Revisão – Grego – Inglês ou Alemão – 4º ano Mecânica Geral Trigonometria Esférica Astronomia Geometria Celeste Mecânica Celeste Revisão – Grego – Inglês ou Alemão Desenho Música Ginástica 6º ano Biologia Zoologia Botânica – Revisão Revisão – – História Universal – – 7º ano Sociologia Moral Direito Pátrio Economia Política Revisão Revisão – – História do Brasil Hist. da Lit. Nacional – Educação na prática social brasileira 51 A figura dos exames preparatórios, que vem desde o período imperial com a mesma ou outras roupagens, está sempre presente nas discussões e ações reformuladoras da educação brasileira, seja como reconhecimento oficial de competências adquiridas, seja como mecanismo de controle do Estado ou das corporações, seja como – por que não? – uma legítima preocupação com as possibilidades formativas de experiências e aprendizagens não formais. de estudos unificado de Benjamin Constant, reduzindo o curso para seis anos e simplificando-o pela retirada da Biologia, da Sociologia e da Moral, substituídas pela Lógica. Em 1911, é feita nova reforma, por Rivadávia Correia (Lei de 5 de abril), retomando o ideário positivista nos seguintes aspectos: adoção de critério prático no estudo das disciplinas; ampliação da liberdade de ensino e de freqüência; transferência para as faculdades do exame de acesso ao ensino superior. Em 18 de março de 1915, pela reforma de Carlos Maximiliano, restaura-se a situação anterior e reoficializa-se o ensino secundário, com cinco anos de duração, mantendo os exames preparatórios nos colégios particulares. A influência positivista na educação brasileira produz fatos que a evidenciam a ponto de Luis Antônio Cunha (1980, p. 150) afirmar que a importância do positivismo e dos positivistas no desenvolvimento da educação escolar no Brasil é difícil de se exagerar. Entretanto, com o passar do tempo, vai assumindo novas características, distanciando-se da ortodoxia comtiana, para assumir complexidades e diferenciações de um movimento de idéias e aspirações ancoradas no desenvolvimento científico e tecnológico. Assim, é possível identificar traços de positivismo – mais ou menos comtianos – no desenrolar das concepções educacionais e na adoção de medidas de ação educacional, mesmo quando se analisam situações mais atuais. Na visão de Moacir Gadotti: A expressão do positivismo no Brasil inspirou a Velha República e o golpe militar de 1964. Segundo essa ideologia da ordem, o país não seria mais governado pelas “paixões políticas”, mas pela racionalidade dos cientistas desinteressados e eficientes: os tecnocratas. A tecnocracia instaurada a partir de 1964 nos oferece um exemplo prático do ideal social positivista, preocupado apenas com a manutenção dos “fatos sociais”, entre eles, a existência concreta das classes. Essa doutrina serviu muito às elites brasileiras quando sentiram seus privilégios ameaçados pela organização crescente da classe trabalhadora. Daí terem recorrido aos dirigentes militares, que são as elites “ordeiras” vislumbradas por Comte (1993, p.110). No período republicano, muitas são as discussões e constantes as proclamações de valores e intenções educacionais que não se tornam realidade. Entretanto, um processo significativo de industrialização vem ocorrendo, e a sociedade começa a contar com a afluência e influência de novas forças e movimentos sociais. Crescem as aspirações – que logo se tornam exigências – por mais e melhor educação. No âmbito federal, nem sempre esses movimentos encontravam repercussão objetiva entre os políticos e a burocracia. Embalados na generalidade de um discurso entusiasmado e em uma visão otimista da educação, os governos pouco fazem. Os movimentos sociais dividem-se na reivindicação da escolarização. Enquanto uns cobram do governo uma educação oficial e pública para todos (socialistas e comunistas) e disputam recursos públicos para suas iniciativas educacionais, os anarquistas partem para a ação direta, criando as Escolas Modernas ou Racionalistas. Estudar a história da educação brasileira nos ajuda a entender, por exemplo, as concepções que inspiram a construção dos nossos atuais currículos. Quando “historicizamos” as diversas reformas curriculares, evidencia-se que não estamos diante de uma questão apenas técnica. Afinal, educação é prática social, tendo, portanto, dimensão polít ica. Isso certamente o ajudará neste curso e, mais especificamente, no Módulo 7, no qual se vai estudar a questão do currículo. Em 1907 contava o país com 3.258 empresas industriais e 150.000 operários no setor. Em 1920 es tes números passam a 13.336 e 276.000, respectivamente. Anarquismo – doutrina política que, em nome da emancipação do indivíduo, rejeita toda organização do Estado e toda autoridade social repressiva que a ele se imponha. 52 1 Educação No âmbito dos governos estaduais, a década de 20 vai ser marcada pelas reformas locais, mencionando-se especialmente São Paulo, Distrito Federal e Bahia. Um grupo de educadores liberais, assumindo postos de direção nesses locais, promove essas mudanças. Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e Lourenço Filho são alguns desses intelectuais que, com notável sensibilidade pedagógica, realizam educação, refletindo sobre ela. A eles se somam socialistas e, no início da década de 30, em março de 1932, lançam o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. No período, as referências educacionais no campo da enfermagem também avançam. A partir de cursos realizados nos Estados Unidos, alguns médicos sanitaristas do Departamento Nacional de Saúde Pública conhecem o modelo de assistência à saúde por meio de visitas domiciliares de enfermeiras visitadoras distribuídas em distritos de saúde, as quais se tornavam responsáveis pelos moradores daquele distrito. Carlos Chagas trouxe, então, Ethel Parsons e um grupo de enfermeiras norte- americanas para realizar um estudo da situação brasileira. Sua missão teve o financiamento do Serviço Internacional de Saúde da Fundação Rockefeller. A recomendação desse estudo foi a criação de um serviço de enfermeiras no Departamento Nacional de Saúde Pública e de uma escola de enfermeiras a ele ligada. Em 1923 é criada a Escola Ana Néri (Santos, s.d.). A Escola de Enfermeiras Ana Néri, reconhecida como escola padrão, tornava-se critério de reconhecimento das demais, que começaram a surgir em atendimento ao crescimento da demanda por profissionais enfermeiros nos vários estados brasileiros. As enfermeiras formadas pela Escola Ana Néri passaram a chefiar os serviços ou dedicar-se ao ensino. Foram surgindo várias iniciativas para a preparação de pessoal auxiliar, as visitadoras sanitárias. O primeiro curso para auxiliares de enfermagem foi criado em 1936, na Escola de Enfermagem Carlos Chagas (atual Escola de Enfermagem da UFMG), em Belo Horizonte. A década de 30 termina com o início da 2ª Guerra Mundial, que perdura com seus horrores até 1945. Nos primeiros anos da década de 50, foram criados 37 novos cursos de auxiliares de enfermagem, refletindo um esforço concentrado de entidades de direito privado, que incluíam entre seus objetivos a manutenção de hospitais. Assim, tanto em educação quanto em saúde, o poder público se omite e, em ambos os campos, o que predomina é a iniciativa privada. De certa forma, ainda que não da mesma maneira e na mesma intensidade, cresce a consciência da população quanto às responsabilidades da esfera pública na áreas da Saúde e da Educação. Um desenvolvimento que Se você deseja conhecer esse Manifesto, leia algumas passagens dele, apresentadas como texto complementar no 5, ao final do módulo. Educação na prática social brasileira 55 Após 15 anos de tramitação, em 20 de dezembro de 1961, é aprovada a nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que refletia todas essas contradições . Sobre ela, Anísio Teixeira – claro defensor da escola pública comum e adepto de um modelo de sistema descentralizado, cujos pronunciamentos marcaram com competência e paixão os debates – vai manifestar-se em artigo publicado no Diário de Pernambuco, de 13 de abril de 1962, nos seguintes termos: Não se pode dizer que esta Lei de Diretrizes e Bases seja uma lei à altura das circunstâncias em que se acha o país em sua evolução para constituir-se a grande nação moderna que todos esperamos. Se isto não é, não deixa, por outro lado, de ser um retrato das perplexidades e contradições em que nos lança este próprio desenvolvimento do Brasil. Afinal, é na escola que se trava a última batalha contra as resistências de um país à mudança (Teixeira, 1969, p. 226-227). Essa manifestação do grande educador brasileiro surge em um momento de efervescência política e ideológica. No campo educacional, aparecem as idéias novas de valorização da cultura popular, aliadas à inquietação e desconforto diante de um deficit educacional que nos envergonhava no cenário internacional. Movimentos de educação popular surgem, com campanhas mais ou menos frustradas e frustrantes de alfabetização de massa e com ações mais duradouras de educação de base para trabalhadores urbanos e rurais. Uma grande pressão do enorme contingente histórica e politicamente excluído exige medidas para obter para seus filhos a educação que não teve. Nesse contexto, em que a universalização da educação faz parte da reivindicação das reformas de base, desponta um projeto experimental de alfabetização de adultos, cuja metodologia encontra sua base na cultura do sujeito que se educa, estimulando-o a assumir a consciência de sua realidade, na construção de uma vontade de um agir transformador. Com a experiência vitoriosa em Angicos, assumida como programa pelo governo federal, Paulo Freire ganha visibilidade nacional no cenário da educação brasileira. A visibilidade internacional ele terá, graças à repressão que se seguiu ao Golpe de 64, que o obriga ao exílio. O rompimento da ordem democrática, em 1964, esvazia significativamente os aspectos de descentralização da educação contidos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961. A LDB possibilita, no campo da enfermagem, a criação de muitos cursos de nível técnico, sendo que o primeiro deles surge vinculado à escola de Enfermagem Ana Néri (Santos, s.d). Com a repressão a pensamentos divergentes, inibe-se a ação dos movimentos sociais de educação popular, sob a alegação de ameaça de subversão. Os governos estaduais e locais, também no campo da educação, passam a ser tutelados pelo poder centralizado e centralizador da União. 56 1 Educação Privilegia-se uma mentalidade tecnicista, com sotaque economicista, que rapidamente se instala como uma tecnocracia. Nesse contexto, são promovidas as reformas de ensino de 1968, para o ensino superior e de 1971, para os ensinos de 1º e 2º graus. Não é preciso aprofundar a análise para perceber que as políticas educacionais se deixam comandar pela teoria do capital humano e pelo absolutismo da demanda do mercado. Profissionaliza-se compulsoriamente todo o segundo grau de ensino. A falta de recursos e de capacidade de gestão não permite que as escolas públicas se profissionalizem. As melhores escolas privadas continuaram a exercer seu papel propedêutico para um ensino superior, cada vez mais demandado, cumprindo formalmente a determinação profissionalizante, através de cursos minimalistas de “auxiliar técnico de...”. O acelerado desenvolvimento científico e tecnológico, que repercute em todos os campos da atividade humana, desafia os processos de formação profissional em geral. No setor da saúde, uma elevação de custos, correspondendo à sofisticação e ampliação de possibilidades terapêuticas, tem como contrapartida a diminuição do acesso da população aos serviços. Registra-se uma crise que leva a novas propostas para reorientação dos serviços de saúde. Internacionalmente, ocorrem eventos significativos: a Quarta Reunião Especial de Ministros de Saúde das Américas (1977) e a Conferência Internacional de Alma-Ata, que elaborou um documento sobre cuidados básicos de saúde (1978). A redemocratização, como conquista palmo a palmo de uma sociedade que manifesta não abandonar seu projeto histórico-político, expressa-se pedagogicamente pela revisão dos equívocos de concepção ou de execução da política do ensino de 1º e 2º graus e do ensino superior. A pesquisa e o debate fazem-se presentes em reuniões gerais, como as da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e específicas, como as Conferências Brasileiras de Educação e Congressos/Seminários temáticos. Desenvolve-se o conhecimento e a perplexidade diante da crise de paradigmas, diante das divergências de leitura e interpretação da realidade, diante de referenciais alternativos. A convivência da competência técnica com o compromisso político como componente básico dos objetivos educacionais fundamenta a busca negociada da escolha entre alternativas de solução, a eleição de prioridades, o estabelecimento de princípios e linhas de ação capazes de definir um projeto pedagógico, solidário ao projeto histórico-político da sociedade. As linhas gerais desse Projeto se encontram na Constituição promulgada em 1988. Tecnocracia – comando ou governo exercido por agentes administrativos, quer seja no setor público, quer no privado. Um de seus mais importantes pressupostos é a existência do suposto conhecimento “objetivo”, o qual pode ser apreendido e aplicado diretamente a problemas sociais, econômicos e técnicos. Segundo a doutrina, a decisão pretensamente neutra e técnica deve predominar sobre a decisão política. Teoria do capital humano – parte do pressuposto de que todas as pessoas são capacitadas, havendo apenas uma diferença de grau, e não de natureza, entre elas. Algumas possuem capital material, outras, capital humano (homem + educação) e outras, ainda, tanto um quanto outro. Segundo essa teoria, a educação é entendida como um investimento, como o que se faz em instalações físicas, máquinas, matérias-prima, sendo, portanto, produtora de capacidade de trabalho. Retomando, em 1980, o interrompido ciclo das Conferências Brasileiras de Educação, iniciado pela Associação Brasileira de Educação na década de 1920, a ANDE (Associação Nacional de Educação), a ANPED (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação) e o CEDES (Centro de Estudos Educação e Sociedade) realizam, em Goiânia, a IV Conferência Brasileira de Educação, que sistematiza a proposta de 21 princípios a serem inscritos na Constituição. Educação na prática social brasileira 57 A partir daí, inicia-se um novo ciclo de discussões para a elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Se é verdade que, ainda em 1988, o Deputado Octávio Elísio apresenta o projeto de lei, oriundo das discussões das Conferências Brasileiras de Educação e elaborado sob a liderança do Professor Dermeval Saviani, é também verdade que só oito anos depois é promulgada a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Uma lei elaborada com base em uma inacreditável correção daqueles rumos que balizaram o texto constitucional. Uma lei que, optando por dizer menos, abriu caminho para uma volumosa normatização do poder público federal, onde o duvidoso critério da governabilidade, que nada mais é do que a retração do fundo público, traça políticas que na verdade são as diretrizes e bases que a Lei deixou de explicitar. No que se refere à saúde, o Brasil, na década de 1980, é marcado pelo movimento sanitário, que apontou para novas estratégias de superação da crise da Previdência e de reorganização do setor saúde, adotando os princípios de igualdade, hierarquização do sistema e acesso universal. Em 1986, a Oitava Conferência Nacional de Saúde teve suas propostas levadas à Constituinte (Santos, s.d.). Após muitas lutas políticas, aprova-se, com algumas alterações, na Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS), modelo que preserva a unidade e a descentralização. E, também, cria a necessidade e desafio de reformular a política de formação de recursos humanos para a saúde, no sentido de atender às determinações e aos princípios do SUS. Menos como base histórica e mais como a vivência de um presente que ainda não conseguiu imprimir com nitidez as tendências do futuro, os fatos e as idéias continuam a polarização em torno do atrasado Plano Nacional de Educação, aprovado somente em 9 de janeiro de 2001, pela Lei nº 10.172. Assim como o projeto de lei, construído na discussão da sociedade, foi dilacerado pelos interesses menores, resultando em uma lei tímida e “cheia de vazios”, também a proposta de Plano Nacional de Educação, discutido na dinâmica social do “agir pedagógico”, foi preterida pela maioria governamental no Congresso Nacional, cuja preferência foi o projeto de Plano elaborado nos gabinetes governamentais. Mesmo as poucas incorporações, na versão aprovada pelo Legislativo, de propostas originadas da sociedade, receberam o veto do Presidente da República. Ao finalizar o estudo deste tema, analise que contribuições ele traz para a sua formação de e n f e r m e i r o - d o c e n t e comprometido com uma prática crítica, significativa e emancipadora. Registre essa avaliação, pessoal, no Diário de Estudo. A discussão das bases legais da Educação estará sendo retomada no Núcleo Estrutural, espe- cialmente nos Módulos 5 e 6. 60 1 Educação TEMA 3 Educação: interação e consciência social Desde o início, estamos nos ocupando com a interação e a intenção. Em nossos caminhos de constatação da realidade e de nossa reflexão sobre ela, esses dois processos se combinam, formando uma unidade que expressa o modo de existir humano como constitutivo da realidade. Mas não se pode deixar de ver as pessoas como seres que procuram compreender, interpretar, assumir como própria a realidade na qual vivem, movimentam-se e existem, nela interferindo para transformá-la. Se você achar que estamos teorizando, volte seu pensamento para a prática. Logo no princípio do primeiro tema deste módulo, justamente para não nos desvincularmos da prática, decidimos trazer para a nossa análise e discussão a nossa própria experiência. E o que constatamos? Uma maior facilidade de pensar uma situação real em que estivéssemos em relação com o outro. Não estamos solitários no mundo. Nós nos vimos relacionando-nos com as coisas e com as pessoas. A prática nos mostrou relacionados com o mundo dos homens, com o mundo dos seres vivos não humanos, com o mundo das coisas. Por isso procuramos entender a prática social em geral, refletir sobre ela e, conseqüentemente, sobre as diferentes práticas sociais que, encontrando-se ou até mesmo confrontando-se, conformam a sua totalidade. É neste sentido que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional se refere à necessária vinculação da educação e do ensino escolar “à prática social”. A prática social educativa precisa vincular-se à totalidade da vida social, tecida da confluência das distintas práticas que, na sociedade, se efetivam. Educação: interação e consciência social 61 Você encontrou, anteriormente, palavras como “relação”, “combinação”, “encontro”, “confluência” e outras, mas, sobretudo, “interação”. Certamente, a mais geral é “relação”, porque todas as outras, de maneiras diferentes, indicam relações. A relação se dá quando uma coisa, um conceito, uma pessoa está diante de outra, servindo uma de referência à outra. Por exemplo: não há relação entre esparadrapo e gaze, na simples contigüidade que os reúne sobre uma mesa, porque é o mesmo que cada um estivesse isolado e até distante um do outro. Estas mesmas coisas, colocadas em uma bandeja, para serem usadas no ferimento do joelho da criança, estão em relação, porque uma se refere à outra para fazer o curativo em que a gaze será fixada pelo esparadrapo. No exemplo, além de uma relação de combinação entre duas coisas, precisamos ter presente que essa relação é mediada por agentes humanos, sujeitos que se relacionam (a criança e quem faz o curativo) e – especialmente um deles, o autor do cuidado – objetivam a relação entre as coisas. Poderíamos ir mais longe nesse exercício de análise da relação que já, agora, se apresenta como um leque de mediações. Interessa-nos, entretanto, no quadro das relações, concentrar-nos na interação. Por mais que se use este termo abusivamente, principalmente em nossos dias, o conceito de interação implica uma relação altamente qualificada. A qualidade que a distingue é a reciprocidade da relação. São ações que não se esgotam em ser conjuntas, integradas, cooperativas; elas são mútuas, recíprocas. Há um agir de um sobre o outro e “do outro sobre o um”. Certamente agem conjuntamente, agem integradamente, agem cooperativamente, porém – mais do que isso – interagem, ou seja, cada um age em relação a cada outro. Observando a realidade, veremos interações (relações recíprocas) entre coisas. Mas é na realidade social, onde mulheres e homens a constituem pela convivência, que a interação adquire um significado todo especial. Por quê? Porque nessa relação interativa entre seres humanos há sempre a possibilidade de manifestar-se um aspecto peculiarmente humano, a intenção de interagir e a consciência de interagir intencionalmente. É por isso que, sendo múltipla troca de ações recíprocas, toda prática interativa faz-se necessariamente social. Sem qualquer prejuízo da individualidade atuante, a prática interativa se materializa em dimensão coletiva da ação. Vamos voltar a nos debruçar sobre a educação como prática social. E vamos fazê-lo sem evitar a complexidade das múltiplas relações que nela ocorrem, principalmente as que a qualificam como prática social, porque relações de interação. Mesmo que você julgue estarmos escolhendo um caminho difícil, certamente ele não é novo para você. Sua prática como profissional de enfermagem é uma prática social construída na complexidade de múltiplas relações, sendo que um grande número delas interativas. E a questão que se apresenta agora para nós, profissionais da enfermagem e profissionais docentes, é a da intencionalidade dessas interações. Desde logo, em ambos os campos – da saúde e da educação – se evidenciam como “naturais” as intenções imediatas do agir pedagógico e do Quem usou pela primeira vez o conceito de relação (em latim relatio) foi Quintiliano, na sua obra Institutio Oratoria, e o fez aplicando-o a termos referentes, isto é: termos que serviam de referência um ao outro. 62 1 Educação agir de promoção da saúde. O que pode ser grave é limitar-se a elas, em uma não rara redução dos temas, dos problemas, das soluções e das intenções aos limites mesmos de cada campo, daquela específica prática social, quase a excluir o campo e sua prática do contexto social amplo. Em um dos seus mais brilhantes artigos, Durmeval Trigueiro Mendes (1974), usando o exemplo da formação de médicos, nos lembra da centralidade do trabalho na constituição do sujeito humano e social, já que é por meio dele e nele que o indivíduo desenvolve sua cultura. Por outro lado, essa cultura transcende o trabalho “como instância crítica e criadora”. A escola média, segundo o autor dá a formação profissional, mas esta só é autêntica quando a tecné, na qual o indivíduo é instruído, constituir uma práxis autêntica, abrangente do seu projeto existencial global – o seu fazer que incorpora o seu ser ; o fazer é fazer-se refazendo o seu “entorno” – e abrindo, dentro dele, espaço para sua própria e permanente recriação. O indivíduo não cai dentro de uma profissão como um objeto passivo se encaixa dentro de um escaninho, ou um bicho-da-seda dentro de seu casulo. Ele se torna elemento ativo e criador, não só porque se movimenta dentro do seu emprego, como também porque é capaz de olhar o mundo, além deste, como um horizonte de possibilidades para sua promoção humana e social. Ele precisa estar armado de uma consciência crítica e prospectiva para não cair num emprego como uma pedra cai num poço, mas para mergulhar numa corrente que pode levá-lo sempre adiante. Sua habilidade fundamental é para exercer criadoramente seu ofício, aperfeiçoando-o, extraindo dele uma consciência gratificante que está ligada só a um opus – e nunca a uma tarefa – e transcendendo-o sempre para outros, mais próximos de sua ambição criadora e de sua capacidade. Muito importante, para nós, é ter sempre presente que o nosso aluno, que se estará formando como profissional técnico ou auxiliar de enfermagem, não pode ser dissociado de seu “projeto existencial global”, e este só subsiste em termos pessoais se inserido no projeto da sociedade. Aqui, então, é que esta intencionalidade da interação humana está chamada a se manifestar como consciência social, “crítica e prospectiva”, abrangente de uma totalidade que vai além e inclui a prática educativa. Dissemos está chamada a se manifestar como consciência social, porque ter consciência é um atributo humano natural, mas não é natural, e sim uma produção pessoal no contexto histórico e cultural, é mobilizar a capacidade de “saber que sabe” para níveis mais elaborados de consciência disso ou daquilo. Por isso é que podemos, diante de uma realidade, constatar presença ou ausência de consciência social. Identifique e analise uma situação concreta, vivida ou presenciada por você, em que você percebeu uma limitação ao campo específico, ou seja, o contexto social mais amplo não foi considerado. Registre em seu Diário de Estudos e, depois, confira com colegas, verificando se, na opinião deles, sua percepção foi adequada. Prática social educativa 65 ! o processo de planejar como instrumento privilegiado de promoção da construção coletiva do entendimento da realidade, das opções alternativas de interferência transformadora da realidade, da sistematização das ações cooperativas nos campos da educação e da saúde; ! o registro do processo de planejamento em documentos sistematizados como um mecanismo importante de explicitação de intenções, de opções de linhas de ação e procedimentos operacionais e de formas de acompanhamento, controle e avaliação das ações; e, ainda, que ! o planejamento e sua explicitação em planos ou projetos, porque são processos cuja origem é a análise crítica da realidade e a proposição de interferência conseqüente, estão permanentemente sob avaliação, abertos às necessárias mudanças e redirecionamentos; ! o planejamento, em qualquer nível e campo, deve estar compatibilizado com a concepção de sociedade que se assume coletivamente, sendo portanto inconcebível em uma sociedade que se concebe democrática, um planejamento fechado à mais ampla participação. Que projeto sustenta a prática educativa em sua escola? Como ele foi concebido? Seus objetivos intencionalizados estão se concretizando? Como? Registre no Diário de Estudo suas primeiras reflexões a respeito desse tema, que tornará como desafio ao longo de todo curso, especialmente a partir do Módulo 6. 66 1 Educação Textos complementares Texto complementar no 1 1. A proposta educativa de Erasmo Em sua obra, Elogia da Loucura, Erasmo de Roterdã (1469-1536) critica violentamente a prática educacional medieval, afirmando que o ensino das línguas latina e grega em nada poderia ser semelhante ao daqueles gramáticos que viviam plenamente satisfeitos consigo mesmos, enquanto apavoravam com as ameaças de seu rosto e de sua voz aquela multidão amedrontada de alunos, batendo nos coitados com chicotes e varas... Em De Ratione Studii, ele recomenda o hábito da conversação e dos jogos, acompanhados pelos mestres, que corrigem os erros e elogiam os acertos, devendo estimular o hábito da correção mútua. Para Erasmo de Roterdã, o mestre diligente e preparado deverá escolher os mais simples e breves dentre todos os preceitos dos gramáticos, dispondo-os na ordem mais adequada. Após tê-los ensinado, orientará seus alunos para o autor mais apto, treinando-os a falar e a escrever. Esse mesmo mestre deverá propor exercícios variados (tradução, versificação, escrita de cartas, de discursos), tendo a forma como grande preocupação. Essa metodologia visa a abolir a controvérsia e a discussão, manifestações das indesejadas e veementemente criticadas escolástica e dialética medievais. Para Erasmo, a arte da expressão suplanta a da discussão. Uma educação, portanto, eminentemente literária e estética, em que mesmo a ciência (sobretudo sob a forma da observação das plantas e animais) tem seu lugar, mas que se constitui também em ocasião para o exercício da linguagem. 2. A prática pedagógica de Vittorino da Feltre Vittorino da Feltre (1378-1446) deixou marcas profundas para o surgimento de uma nova concepção e maneira de educar. Embora não se tenha dele obras escritas, esse educador italiano – tendo vivido na passagem do século XIV para o XV – desenvolveu uma prática pedagógica que hoje reconhecemos como precursora de concepções e práticas que só foram difundidas muitos séculos depois. Escolástica – originariamente, significa “doutrina da escola”. Designa os ensinamentos de filosofia e teologia ministrados nas escolas eclesiásticas e universidades na Europa, sobretudo entre os séculos IX e XVII. Caracterizava-se principalmente pela tentativa de conciliar os dogmas da fé cristã e as verdades reveladas nas Sagradas Escrituras com o platonismo e o aristotelismo. Dialética medieval – técnica e arte da argumentação, que se exercita no contexto da escolástica. Alguns autores medievais utilizam o termo como equiparado à lógica. Educação: interação e consciência social 67 As linhas do trabalho educativo de Vittorino da Feltre eram: ! a importância exemplar do mestre; ! a formação do raciocínio independente; ! a adoção de um plano de estudos enciclopédico; ! a gradação das propostas de ensino, evoluindo desde os primeiros elementos da leitura até a filosofia de Platão e Aristóteles; ! a associação, com vistas a uma educação harmoniosa dos exercícios do corpo com os do espírito; ! a preocupação com um ensino interessante para crianças, com a criação de oportunidades de expressão da personalidade dos alunos, com a abolição de castigos e punições corporais, com o constante apelo à honra e à emulação. Por isso, em sua morte, um dos ex-alunos gravou uma inscrição no busto do mestre, que o exalta como Aquele cujas lições e exemplos ensinaram a conhecer a dignidade do homem. 3. Rabelais e Montaigne Na França do século XVI, contemporâneos já dos jesuítas, Rabelais (1494-1553) e Montaigne (1533-1592) contribuíram de uma forma mais sistemática e diferente para a reformulação das concepções e práticas pedagógicas. Rabelais Com a força destruidora da ironia e da sátira – concretizada na sua obra Gargantua, Rabelais manifesta todo o seu horror aos vícios da educação praticada em seu tempo. Critica tanto os mestres de gramática quanto os mestres universitários e apresenta suas idéias de como deveria ser a nova educação: ! não pode se basear exclusivamente em memória e palavras; ! a inteligência deve ser enriquecida com idéias e conceitos aprendidos gradualmente e de forma sistemática; ! o bom senso e a virtude devem ser desenvolvidos de maneira ativa; ! as bases do plano completo da educação são o humanismo (adquira perfeito conhecimento do outro mundo que é o homem), em que: ! o movimento substitui a vida sedentária; ! a observação direta dos objetos substitui as simples palavras; ! a escola não se fecha em quatro paredes, mas se abre no contato com a amplitude da vida no campo e na sociedade; ! a aprendizagem das línguas vivas modernas é tão útil quanto a das línguas antigas. Sátira – texto, discurso, panfleto manuscrito ou impresso que investe contra os costumes público ou privados, ou que ridiculariza alguém ou alguma coisa, em linguagem picante ou maldizente. 70 1 Educação A educação católica, então, passa a ter maior clareza de definições, devendo atingir os seguintes objetivos: ! fortalecimento dos católicos expostos à pregação reformista; ! reconquista para a Igreja Romana dos reformados; ! catequese, em terras de missão, dos povos pagãos para sua adesão à fé católica. E, na busca da consecução desses objetivos, podemos considerar como bastante adequada a expressão Contra-Reforma. Embora não se possa desconhecer a criação e importância dos colégios no ambiente reformado “protestante”, é no campo católico que seu papel vai ser extenso e fundamental. Vão constituir-se em espaço privilegiado de construção de um corpo de idéias e normas consolidadoras da pedagogia tradicional. A comprovação disso está clara na adesão e desenvolvimento dessas instituições pelas ordens religiosas surgidas no contexto da Reforma Católica, e muito especialmente pelos jesuítas. Na Idade Média, o colégio era uma comunidade de bolsistas, que nele viviam como em uma pensão, dirigindo-se a outro local para seguir os cursos. A partir do século XV, o ensino das Faculdades das Artes começa a deslocar-se para os Colégios. No século XVI, estes se afirmam como instituição de ensino secundário, desvinculados das universidades. Organizam sistematicamente suas atividades de ensino e, sobretudo, normatizam de forma ampla a vida dos alunos e a relação docente-discente. Seus objetivos são claros e abrangem o campo religioso, moral e literário: os alunos devem viver piedosamente e falar latinamente (et pie vivant et latine loquantur), como se expressou Mathieu Cordier, professor parisiense do século XVI, em seu De emendatione. Texto complementar no 3 Iluminismo: sociedade, cultura e educação O que é o Iluminismo? A Europa do século XVIII é o espaço e o tempo da manifestação de um movimento que recebeu o nome de Iluminismo (ou Movimento da Ilustração, ou das Luzes). Quem melhor o definiu foi o filósofo Emanuel Kant, em 1784: O ILUMINISMO é a saída do homem da sua menoridade, pela qual ele é responsável. Menoridade, isto é, incapacidade de servir-se do próprio entendimento sem a orientação de outrem, menoridade pela qual ele é o Educação: interação e consciência social 7171 1 Educação responsável porque a causa dessa incapacidade não está numa deficiência de seu entendimento, e sim na falta de decisão e de coragem para dele servir-se sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de servir-te do teu próprio entendimento! Eis a divisa das ‘Luzes’(apud Falcón,1989, p.19). O Renascimento humanista caracterizou-se pela recondução do homem como centro e referência da realidade a ser conhecida. O movimento iluminista instaura a racionalidade como referência principal e, de certa maneira, única para o humanismo. A razão é a única luz, a iluminação racional, que substitui tanto a iluminação mística quanto aquela proveniente da autoridade dos autores clássicos. Como se expressa D’Alembert, no Discurso Preliminar da Enciclopédia, publicada na França no Século XVIII: O universo e as reflexões são o primeiro livro dos verdadeiros Filósofos, e os Antigos, sem dúvida, o tinham estudado: era portanto necessário fazer como eles; não se podia substituir este estudo pelo de suas Obras, que foram destruídas em sua maioria e das quais um pequeno número, mutilado pelo tempo, não podia nos dar, sobre uma matéria tão vasta, senão noções muito incertas e muito alteradas (1989, p.65). O critério da verdade passa a ser a ciência, geradora de técnica e tecnologia, de progresso, de bem-estar para todos. Instituiu-se, portanto, a ousadia do saber (aude sapere) para cada um, a coragem de servir-se de seu próprio entendimento, em um movimento que promova, para um número cada vez maior de homens, o exercício de pensar por si mesmos, a conquista da autonomia. Nesse sentido, como afirma o verbete da Enciclopédia: A liberdade reside no poder que um ser inteligente tem de fazer o que quer de acordo com a sua própria determinação (1974, p.113). Esse traço geral da “ousadia de pensar por si mesmo” é que nos dificulta caracterizar o movimento iluminista através de outros aspectos comuns, porque essa autonomia de pensamento promove diferenciação e variedade. Assim, ao pretender caracterizá-lo como um movimento intelectual da burguesia, ou como um movimento anticlerical, cabe ter presentes as observações de Falcón (1989, p.28 e 34): Havia, é certo, idéias e intelectuais burgueses no movimento iluminista. Mas eram todos burgueses? Já vimos que aí se situam as divergências dos historiadores. O mais difícil, portanto, é saber como avaliar corretamente as idéias, hábitos, comportamentos e atitudes de natureza aristocrática (no sentido de nobreza e clero) presentes no movimento iluminista (...) O anticlericalismo, típico das “luzes” francesas, não é a regra do restante da Europa. O reconhecimento da diferença como raiz da autonomia do homem e do mundo faz parte também de um processo interior à própria Igreja. Com freqüência, a iluminação racional, longe de ser encarada como oposta à iluminação religiosa, foi entendida como uma espécie de expansão ou ampliação desta última. As interpretações categóricas e lineares comprometem a riqueza das diferenças e variedades, estas, sim, manifestação comum a todos os iluminismos, como “ousadia do homem em pensar por si mesmo”. 72 1 Educação O iluminismo português e a reforma educacional Em Portugal, como na Espanha, o Iluminismo sofre atraso em sua manifestação se comparado com os outros países da Europa. O movimento ilustrado português é caracterizado por Francisco J. C. Falcón (1982, p.197) como uma ... ideologia estruturada alhures e para ali transferida, modificando-se bastante no decurso desse movimento, que é não um simples reflexo mas uma verdadeira releitura, uma reinterpretação do discurso ilustrado em função das condições concretas ali existentes, de onde resultou uma construção ao mesmo tempo nova e original, cujas limitações e peculiaridades devem ser entendidas como resultantes de tais determinações de natureza histórica. Assim é que, apesar de suas variadas manifestações, é possível reconhecer alguns traços característicos do iluminismo português. Um deles é o fato de ser mantido dentro dos limites da prudente preocupação em não romper as barreiras da fé católica, importantes para a sustentação do poder monárquico absoluto e a coesão social. Na reforma pedagógica, que se concretiza na instituição das aulas régias em 1759, a razão invocada nos Alvarás Régios é a necessidade de se conservarem a união cristã e a sociedade civil (Carvalho, 1978, p.32). E a radicalização contra os jesuítas vai se justificar – oficialmente – por duas razões principais: ! eles teriam introduzido nas escolas destes Reinos e domínios [um] escuro e fastidioso método [do] estudo das letras humanas [que são] a base de todas as ciências que se vêem, neste Reino, extraordinariamente decaídas daquele auge em que se achavam quando as Aulas se confiaram aos religiosos jesuítas; ! [eles teriam uma doutrina] sinistramente ordenada à ruína não só das artes e ciências mas até da mesma Monarquia e Religião (Alvará de Lei, de 28 de Junho de 1759). O Iluminismo, em suas manifestações portuguesas, está presente nas reformas educacionais propostas pelo Marquês de Pombal. Não há dúvida alguma de que a questão da Ilustração – como prevalência da racionalidade científica sobre a autoridade religiosa ou filosófica ou retórica dos Antigos – vai ganhando espaço em Portugal. No campo da educação, a partir de 1730 evidencia-se uma reformulação para além dos métodos, com a introdução das ciências experimentais e da filosofia moderna, sobretudo por obra dos Padres Oratorianos que, desde o final do século XVII, vinham assumindo posições na educação portuguesa. Contudo, como nos adverte Falcón (1982, p. 210): Conviria (...) não exagerar o âmbito dos resultados anteriores a 1746, aproximadamente, pois, ainda aqui, é somente após o golpe do Verdadeiro Método que as posições se definem e as mutações têm lugar. Educação: interação e consciência social 75 Texto complementar no 4 O pensamento educacional de A. Comte Embora sem ter deixado o Tratado sobre a Educação Universal, que projetava publicar em 1858, Comte explicitou seu pensamento educacional em outras obras, o que nos permite conhecer suas principais idéias. Vejamos o que ele diz na segunda lição de seu Curso de Filosofia Positiva: O problema fundamental da educação consiste em fazer com que o entendimento, muitas vezes medíocre, em poucos anos chegue ao mesmo ponto de desenvolvimento atingido, durante uma longa série de séculos, por um grande número de gênios superiores, que aplicaram, sucessivamente, durante a vida inteira, todas as suas forças ao estudo de um mesmo assunto. Assim, a educação do indivíduo deve, segundo ele, reproduzir a da espécie, no sentido de transmitir não as etapas - o que seria impossível - mas o movimento e o produto. Em síntese, seu discípulo Émile Littré registra que o pensamento educacional de Comte consiste em: ! mudar de base mental, ! substituir pelo saber científico o saber literário, que deve manter seu lugar, mas não-prioritário, ! e universalizar, uniformizando-a, a educação (Littré, 1878, p.352-353). Dentre as principais características da educação, podem ser citadas as seguintes: ! é uma emanação do poder espiritual moderno, sendo, como tal, autoritária, no sentido em que a relação educador-educando é, na verdade, uma relação entre ascendente e descendente; ! é, toda ela, coordenada pela idéia e pelo culto do Grande Ser; ! é universal, para todos, portanto, também a mulher e o proletariado devem ser educados; ! a educação familiar é espontânea, especialmente materna (na família o poder espiritual é representado pela mãe), de grande importância, responsável sobretudo pela educação moral, porque somente sob a direção de uma mulher uma criança pode começar a difícil aprendizagem da luta interior, que dominará toda a sua vida, para subordinar gradualmente as impulsões egoístas aos instintos simpáticos; sua sistematização, pelos filósofos educadores, só ocorrerá nos últimos anos que precedem a maioridade; ! a educação pública completa e espontânea, familiar e materna, com a instrução teórica e prática; ! a educação “espontânea” é fortemente marcada pela estética, sendo que a presença da arte tem continuidade de influência também na educação “sistemática”; ! apesar da privilegiada preocupação científica, a educação positiva inclui no plano de estudos as disciplinas literárias, indicando, para o aprendizado das línguas estrangeiras, o critério da solidariedade atual, ou seja, deve-se aprender, em primeiro lugar, as línguas dos países limítrofes; ! o método geral da educação positiva apresenta diversificações em duas fases: ! antes da puberdade, preocupa-se com o concreto, a prática da observação e de exercícios tendentes a facilitar a adaptação do corpo à ação habitual; ! da puberdade em diante, preocupa-se com a sistematização, ou seja, com lições formais e programação orgânica das ciências, segundo classificação hierarquizada; ! os professores devem ser polivalentes, isto é, capazes de dirigir a iniciação de todas as ciências, devendo suscitar a submissão ativa e voluntária e não a discussão estéril e dispersiva, o que faz prevalecer o ensino oral, sendo raro o recurso a livros didáticos. Texto complementar no 5 A proposta dos intelectuais educadores da década de 1930 (Trechos do Manifesto dos Pioneiros) Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. No entanto, se, depois de 43 anos de regime republicano, se der um balanço ao estado atual da educação pública, no Brasil, verificar-se-á que, dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais, que era indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar à altura das necessidades modernas e das necessidades do país. Tudo fragmentário e desarticulado. A situação anual, criada pela sucessão periódica de reformas parciais e freqüentemente arbitrárias, lançadas sem solidez econômica e sem uma visão global do problema, em todos os seus aspectos, nos deixa antes a impressão desoladora de construções isoladas, algumas já em ruína, outras abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda não em termos de serem despojadas de seus andaimes... ... o educador, como o sociólogo, tem necessidade de uma cultura múltipla e bem diversa; as alturas e as profundidades da vida humana e da vida social não devem estender-se além do seu meio visual; ele deve ter o conhecimento dos homens e da sociedade em cada uma de suas fases, para perceber, além do aparente e do efêmero, “o jogo poderoso das grandes leis que dominam a evolução social”, e a posição que tem a escola, e a função que representa, na diversidade e pluralidade das forças sociais que cooperam na obra da civilização. Se tem essa cultura geral, que lhe permite organizar uma doutrina de vida e amplia o seu horizonte mental, poderá ver o problema educacional em conjunto, de um ponto de vista mais largo, para subordinar o problema pedagógico ou dos métodos ao problema filosófico ou dos fins da educação; se tem um espírito científico, 77 1 Educação empregará os métodos comuns a todo gênero de investigação científica, podendo recorrer a técnicas mais ou menos elaboradas e dominar a situação, realizando experiências e medindo os resultados de toda e qualquer modificação nos processos e nas técnicas, que se desenvolveram sob o impulso dos trabalhos científicos na administração dos serviços escolares. À luz dessas verdades e sob a inspiração de novos ideais de educação, é que se gerou, no Brasil, o movimento de reconstrução educacional. Nós assistíamos à aurora de uma verdadeira renovação educacional, quando a revolução estalou. Já tínhamos chegado, então, na campanha de divisão das águas. Mas, a educação que, no final de contas, se resume logicamente numa reforma social, não pode, ao menos em grande proporção, realizar-se senão pela ação extensa e intensiva da escola sobre o indivíduo e deste sobre si mesmo, nem produzir-se, do ponto de vista das influências exteriores, senão por uma evolução contínua, favorecida e estimulada por todas as forças organizadas de cultura e de educação. A educação nova, alargando a sua finalidade para além dos limites das classes, assume, com uma feição mais humana, a sua verdadeira função social, preparando-se para formar “a hierarquia democrática” pela “hierarquia das capacidades”, recrutadas em todos os grupos sociais, a que se abrem as mesmas oportunidades de educação. Ela tem, por objeto, organizar e desenvolver os meios de ação durável, com o fim de “dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma das etapas de seu crescimento”, de acordo com uma certa concepção do mundo. ...a doutrina de educação, que se apóia no respeito da personalidade humana, considerada não mais como meio, mas como fim em si mesmo, não poderia ser acusada de tentar, com a escola do trabalho, fazer do homem uma máquina, um instrumento exclusivamente apropriado a ganhar o salário e a produzir um resultado material num tempo dado. ...a escola socializada não se organizou como um meio essencialmente social senão para transferir do plano da abstração ao da vida escolar em todas as suas manifestações, vivendo-se intensamente, essas virtudes e verdades morais, que contribuem para harmonizar os interesses individuais e os interesses coletivos. ...do direito de cada indivíduo à sua educação integral, decorre logicamente para o Estado, que o reconhece e o proclama, o dever de considerar a educação, na variedade de seus graus e manifestações, como uma função social e eminentemente pública, que ele é chamado a realizar, com a cooperação de todas as instituições sociais. Afastada a idéia do monopólio da educação pelo Estado num país, em que o Estado, pela sua situação financeira não está ainda em condições de assumir a sua responsabilidade exclusiva, e que, portanto, se torna necessário estimular, sob sua vigilância, as instituições privadas idôneas, a “escola única” se entenderá, entre nós, não como “uma conscrição precoce”, arrolando, da escola infantil à universidade, todos os brasileiros, e submetendo-os durante o maior tempo possível a uma formação idêntica, para ramificações posteriores em vista de destinos diversos, mas antes como a escola oficial, única, em que todas as crianças, de 7 a 15, todas, ao menos que, nessa idade, sejam confiadas pelos pais à escola pública, tenham uma educação comum, igual para todos. A estrutura do plano educacional corresponde, na hierarquia de suas instituições escolares (escola infantil ou pré-primária; primária; secundária e superior ou universitária) aos quatro grandes períodos que apresenta o desenvolvimento natural do ser humano, uma reforma integral da organização e dos métodos de toda a educação nacional, dentro do mesmo espírito que substitui o conceito estático do ensino por um conceito dinâmico, fazendo um apelo, dos jardins de infância à universidade, não à receptividade, mas à 80 1 Educação Atividade de avaliação do módulo 80 limitados no tempo e no espaço (Capital, capitais); entretanto, no âmbito da sociedade cresce a exigência por mais e melhor educação, na mesma proporção em que os impactos da industrialização e modernização se fazem sentir mais fortes, a partir da década de 1920, quando intelectuais brasileiros, alçados a cargos de dirigentes da educação, promovem em seus estados (e muito mais, em suas capitais) reformas de cunho modernizador, no espírito do movimento de idéias e ações da Escola Nova, repercutindo suas idéias e feitos, em 1932, no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova; começa também a introduzir-se o processo de definição da educação profissional em geral e, especificamente, na área de Saúde; movimentos que se confrontam – e muitas vezes são utilizados – com um projeto ditatorial no qual o populismo, sustentado pelos interesses da oligarquia, reforça o dualismo pedagógico, sistematizando uma educação brasileira em compartimentos estanques como caminho da elite para as profissões liberais e caminho popular para as profissões manuais, ainda que exigentes de mão-de-obra mais bem qualificada; ! a história da redemocratização do país, após a Segunda Guerra Mundial, que se faz no desafio da velocidade das mudanças no mundo, quando a educação, redefinida em seus objetivos na perspectiva da liberal democracia inscrita na Constituição de 1946, discute durante 15 anos suas diretrizes e bases, sendo o confronto entre público e privado o centro de um debate que vai refletir-se em novo manifesto de intelectuais “mais uma vez convocados” em defesa de uma educação pública, universal, leiga e gratuita, em 1959; ! a inauguração de um longo período autoritário, em 1964, que se opõe ao impulso renovador exigente de reformas e rico em projetos alternativos de educação popular que ocorria desde 1961; esse período autoritário, primeiro de fato, depois através de medidas normativas, recentraliza a educação e, com a mais genuína fidelidade ao tecnicismo economicista, promove uma revisão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; ! o avanço do processo de redemocratização (embora mantido no modelo da liberal democracia), vinte anos após o golpe,através das reformas de políticas sociais, conseguindo um bom projeto pedagógico na Constituição de 1988; ! o retrocesso sofrido pela Constituição com o texto final da Lei de Diretrizes e Bases de 1996 que, não avançando, deixa espaços para atos normativos do poder executivo, com forte conotação de dualismo educacional, renovada crença na teoria do capital humano a serviço do mercado, flexibilização do uso do fundo público para a educação privada. Em todo o percurso, buscou-se estabelecer relações com o desenvolvimento da formação e da prática social de saúde no campo da enfermagem. 3 – Retomando a prática social educativa, cujo entendimento se reforçou com a análise da experiência histórica, foi discutida com mais profundidade a interação social e sua intencionalidade, para identificar no processo educativo as possibilidades de desenvolvimento de uma consciência social. Passou-se, então, a caracterizar a atividade de planejamento e sua objetivação em planos e projetos, como uma forma de explicitar a intencionalidade da interação pedagógica para a construção de ampliação do entendimento da realidade e de proposição sistematizada de estratégias como possibilidade de intervenções transformadoras no convívio social. Educação: interação e consciência social 81 Atividade de Avaliação do Módulo Para que seu tutor possa ir acompanhando sua formação/transformação ao longo deste Curso (educa- ção só acontece quando aquele que se educa realiza sua própria transformação), ao término do estudo de cada módulo, você deverá realizar uma atividade de avaliação. Repare que aqui estão apresentadas quatro proposições. Conheça as quatro, mas escolha apenas uma para desenvolver como atividade avaliativa. Poderá ser aquela em que você se sente mais confiante para de- monstrar seus avanços (e também dúvidas, por que não?) neste momento. Realize a atividade, envie-a ao seu tutor e receba dele os comentários. 1 – Com base no estudo desenvolvido neste módulo, exponha seus referenciais de educação em um pequeno texto (de duas a quatro páginas), abordando as seguintes questões: ! que significa para você a expressão “a educação é uma prática social” e como você relaciona intenção e interação a esse entendimento? ! em sua maneira de ver, quais os problemas que se apresentam quando o processo desconsidera a dimensão sociocultural do aluno? 2 – A exemplo do que fez Paulo Freire, em Cartas a Cristina, escreva para um companheiro(a) docente- enfermeiro(a) como você, refletindo criticamente, em razão da leitura deste módulo, sobre sua prática na saúde e na educação. Comente, nessa missiva (de duas a quatro páginas) seu pensamento em relação a conceitos aqui aprendidos. 3 – Leia, com atenção, o texto abaixo, extraído do Manifesto de Educadores, de 1959, que você conhe- ceu ao ler o Tema 2 deste módulo: (...) Não foi, portanto, o sistema de ensino público que falhou, mas os que deviam prever-lhe a expansão, aumentar-lhe o número de escolas na medida das necessidades e segundo planos racionais, prover às suas instalações, preparar-lhe cada vez mais solidamente o professorado e aparelhá-lo dos recursos indispensáveis ao desenvolvimento de suas múltiplas atividades. (...) ... a educação pública é a única que se compadece com o espírito e as instituições democráticas cujos progressos acompanha e reflete, e que ela concorre, por sua vez, para fortalecer e alargar com seu próprio desenvolvimento. (...) A escola pública, cujas portas, por ser escola gratuita, se franqueiam a todos sem distinção de classes, de situações, de raças e de crenças, é, por definição contrária e a única que está em condições de se subtrair a imposições de qualquer pensamento sectário, político ou religioso. A democratização progressiva de nossa sociedade (e com que dificuldades se processa ao longo da história republicana) exige pois, não a abolição – o que seria um desatino, – mas o aperfeiço- amento e a transformação constante de nosso sistema de ensino público. (Azevedo e outros,1959). Com base no estudo desenvolvido no módulo, especialmente no Tema 3, comente em um pequeno texto (de duas a quatro páginas) o trecho acima, abordando, os seguintes aspectos: ! a importância do planejamento como expressão de uma intencionalidade de uma prática social educativa; ! considerações fundamentais no planejamento da educação brasileira, hoje, particulamente em relação à educação dos profissionais da área de Saúde/Enfermagem. 82 1 Educação Bibliografia de referência 4 – Relate em um texto breve (de duas a quatro páginas) uma experiência (ou um conjunto de experiências) de prática educativa vivenciada por você ou a que você tenha assistido, seja na escola ou no serviço de saúde, analisando- a/o do ponto de vista da concepção pedagógica e da interação social estabelecida entre os sujeitos do processo. Observação importante: Para a realização da atividade que você escolher entre as quatro propostas, não deixe de recorrer, como fonte de consulta, ao seu Diário de Estudo, resgatando as idéias e reflexões anotadas no transcurso do seu estudo. 85 86 87
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