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Guias e Dicas
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Formação de Profissionais Técnicos de Saúde: Desafios da Competência Humana, Notas de estudo de Enfermagem

Neste módulo, o aluno aprenderá sobre as origens do ensino das profissões, a transição do ensino no local de trabalho para o local de estudo - escola, as diferentes fases da formação profissional no brasil, as orientações para a preparação de trabalhadores e a reflexão sobre a formação de profissionais de saúde. O documento aborda o sentido do ensino voltado para a aquisição de competências, a organização da formação profissional no brasil, as implicações da competência para a formação do cidadão-trabalhador e a reflexão sobre o novo paradigma de educação profissional.

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 27/07/2010

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allan-shielldonathotm-oliveira-9 🇧🇷

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Baixe Formação de Profissionais Técnicos de Saúde: Desafios da Competência Humana e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! F o r m a ç ã o P e d a g ó g i c a em Educação Profissional na Área de Saúde: E n f e r m a g e m 5Proposta pedagógica:o campo da ação MINISTÉRIO DA SAÚDE 2a edição revista e ampliada Brasília – DF 2003 Catalogação na fonte – Editora MS Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem. Fundação Oswaldo Cruz. Formação Pedagógica em Educação Profissional na Área de Saúde: enfermagem: núcleo estrutural: proposta pedagógica: o campo de ação 5 / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde.Departamento de Gestão da Educação na Saúde, Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem, Fundação Oswaldo Cruz; Carlos Alberto Gouvêa Coelho. – 2. ed. rev. e ampliada. – Brasília: Ministério da Saúde, 2002. 104 p.: il. – (Série F. Comunicação e Educação em Saúde) ISBN 85-334-0689-4 1. Educação Profissionalizante. 2. Auxiliares de Enfermagem. I. Brasil. Ministério da Saúde. II. Brasil. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde.Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem. III. Fundação Oswaldo Cruz. IV. Coelho, Carlos Alberto Gouvêa. V. Título. VI. Série. NLM WY 18.8 © 2001. Ministério da Saúde. Todos os direitos desta edição reservados à Fundação Oswaldo Cruz. Série F. Comunicação e Educação em Saúde Tiragem: 2.ª edição revista e ampliada – 2003 – 4.000 exemplares Elaboração, distribuição e informações: MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde Departamento de Gestão da Educação na Saúde Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem Esplanada dos Ministérios, bloco G, edifício sede, 7º andar, sala 733 CEP: 70058-900, Brasília – DF Tel.: (61) 315 2993 Fundação Oswaldo Cruz Presidente: Paulo Marchiori Buss Diretor da Escola Nacional de Saúde Pública: Jorge Antonio Zepeda Bermudez Curso de Formação Pedagógica em educação Profissional na Área da Saúde: Enfermagem Coordenação – PROFAE: Valéria Morgana Penzin Goulart Coordenação – FIOCRUZ: Antonio Ivo de Carvalho Colaboradores: Milta Neide Freire Barron Torrez, Lilia Romero de Barros, Carmen Perrota, Maria Inês do Rego Monteiro Bomfim, Elaci Barreto, Helena David, Gisele Luisa Apolinário, Zenilda Folly Capa e projeto gráfico: Carlota Rios e Letícia Magalhães Editoração eletrônica: Paulo Sérgio Carvalhal Santos Ilustrações: Flavio Almeida Revisores: Alda Lessa Bastos, Ângela Dias, Maria Leonor de Macedo Soares Leal, Mônica Caminiti Ron-Réin e Nina Ulup Impresso no Brasil/ Printed in Brazil Ficha Catalográfica 1 2 3 4 5 6 7 8 Educação Módulo Módulo Módulo Módulo Educação/ Sociedade/ Cultura Educação/ Conhecimento/ Ação Educação/ Trabalho/ Profissão Módulo Módulo Módulo Módulo Proposta pedagógica: o campo da ação Proposta pedagógica: as bases da ação Proposta pedagógica: o plano da ação Proposta pedagógica: avaliando a ação 9 10 11 Módulo Módulo Módulo Planejando uma prática pedagógica significativa em Enfermagem Imergindo na prática pedagógica em Enfermagem Vivenciando uma ação docente autônoma e significativa na educação profissional em Enfermagem Sumário Apresentação do Núcleo Estrutural 9 Apresentação do Módulo 5 – Proposta pedagógica: o campo da ação 11 Tema 1 – A preparação para o trabalho no Brasil: dos engenhos à escola 15 Tema 2 – A educação profissional como solução para os problemas nacionais 31 Tema 3 – A formação profissional em transformação 45 Tema 4 – O trabalhador da Saúde: necessidades e desafios para sua formação 61 Anexos 78 Síntese 96 Atividade de Avaliação do Módulo 99 Bibliografia de referência 100 7 Apresentação do Núcleo Estrutural Com este módulo, se inicia o Núcleo Estrutural de seu Curso de Formação Pedagógica em Educação Profissional na Área da Saúde: Enfermagem. O objetivo deste núcleo é oferecer conhecimentos para o desenvolvimento de uma prática pedagógica crítica e reflexiva no âmbito da formação de profissionais de nível técnico, nessa área, mediante a contextualização de referenciais teórico-práticos e histórico-sociais da educação profissional. Acreditamos que, partindo das competências (re)construídas no Núcleo Contextual, você esteja apto para enfrentar mais este desafio, prosseguindo seus estudos com vistas à melhoria de sua ação no processo de ensino da Enfermagem. Com vistas a assegurar a integração das competências necessárias ao exercício dessa prática formadora, este núcleo – que estabelece nexos entre o Núcleo Contextual e o Núcleo Integrador – foi organizado em quatro módulos, que assim subsidiam a análise da proposta pedagógica: ! Proposta pedagógica: o campo da ação – neste módulo, buscamos situar o campo da formação de profissionais técnicos, em especial na área da Saúde, oferecendo-lhe elementos teóricos e informações históricas para refletir a respeito do campo dessa ação educacional; ! Proposta pedagógica: as bases da ação – neste módulo compreendemos a escola com “grupo social”, sua organização, o que determina sua forma de ser e, também, as influências que a escola recebe no processo de construção e reconstrução do processo político- pedagógico. Nele refletimos sobre a possibilidade da escola de educação profissional em Saúde, considerando as bases legais referentes à educação e caminhos que se abrem a propostas inovadoras para as escolas no atual momento. ! Proposta pedagógica: o plano da ação – aqui, trabalhamos alguns conceitos necessários à interpretação e à organização de um plano de ação curricular, no intuito de subsidiar sua reflexão sobre: as relações que existem entre o planejamento do currículo e do ensino em uma escola e as políticas curriculares oficiais; as questões envolvidas no processo de selecionar os conteúdos de um currículo escolar; as implicações da organização de um currículo em disciplinas ou de forma integrada; 10 5 O campo da ação ! Situar historicamente a política pública de Saúde no Brasil em sua relação com as conquistas de direitos sociais dos trabalhadores, compreendendo, nesse quadro, as mudanças teórico-conceituais e legais por que passam os modelos de atendimento à saúde no país. ! Caracterizar as necessidades de formação dos profissionais de nível técnico para a área de Saúde no país. ! Avaliar a pertinência de uma proposta de educação do profissional de nível técnico em enfermagem que, direcionada para a formação de trabalhadores-cidadãos, além de competência técnica, desenvolva a consciência social. ! Participar ativamente do processo de construção e aplicação da proposta pedagógica do curso em que atua, de modo a imprimir nela o caráter formador almejado pelo coletivo da escola. O módulo está estruturado em quatro temas, a saber: Tema 1 – A preparação para o trabalho no Brasil: dos engenhos à escola Começamos nosso estudo fazendo um breve relato de como se deu a preparação para o trabalho ao longo da história, particularmente no Brasil e nas profissões dos níveis elementar e médio. Procuramos mostrar que essa preparação passa dos locais de trabalho para a escola, onde adquire características próprias, em um processo de disciplinarização das pessoas. Discutimos também a diferença entre profissão e ofício, procurando associar esses termos à valorização social das ocupações. Tema 2 – A educação profissional como solução para os problemas nacionais Aqui, atravessamos o século XX, apresentando um retrospecto das fases pelas quais passou a formação profissional em ambiente escolar no Brasil. Buscamos relacionar a legislação reguladora e a concepção de educação que está por trás de cada uma dessas fases, também as associando aos aspectos socioeconômicos do país. Tema 3 – A formação profissional em transformação Chegamos aos dias atuais, quando a formação profissional passa por mudanças significativas. O chamado modelo de qualificação é substituído pelo de competência, que vem atender à reestruturação no mundo do trabalho. Discutimos o sentido do ensino voltado para a aquisição de competências, resgatando sua origem na formação profissional e chegando aos conceitos mais amplos que são aplicados hoje à educação escolar. Trazemos um pouco da discussão travada em torno dos modelos em destaque, bem como apresentamos uma visão complementar, a da Escola Unitária, e principalmente as idéias de seu formulador, que podem servir de base para a concepção de cursos técnicos que privilegiem a formação integral do cidadão-trabalhador. A educação profissional como solução 11 Tema 4 – O trabalhador da Saúde: necessidades e desafios para sua formação Depois de oferecer um panorama da formação profissional, particularizamos nosso estudo na área da Saúde e nas características necessárias ao seu trabalhador. Visando a situar melhor a discussão, mapeamos as políticas públicas recentes voltadas para o setor da Saúde, até o SUS. Em seguida, abordamos a realidade dos profissionais de nível médio e de apoio na área, com as propostas que o setor vem elaborando para transformação dessa realidade, à luz da legislação educacional. Esperamos que você desenvolva o estudo deste módulo refletindo permanentemente sobre a leitura; procurando relacionar as informações recebidas com a sua realidade de vida e de trabalho. Possivelmente você entenderá a razão de algumas práticas sociais e educacionais, redescobrindo suas origens e a intencionalidade existente em cada uma. Anote os aspectos essenciais de suas reflexões, sejam aquelas provocadas naturalmente pela leitura, sejam as estimuladas pelos destaques, nas margens das páginas. Depois, desenvolva no Diário de Estudo uma redação mais extensa, quando julgar pertinente. Registre também suas dúvidas ao lado do texto ou em seu Diário de Estudo, neste caso identificando a página em que elas estão. Procure esclarecê-las com seu tutor. Suas anotações serão muito importantes para a trajetória de estudo e para construção da avaliação final do módulo. Marque as palavras desconhecidas ou de cujo significado você não tem certeza. Consulte um dicionário, uma enciclopédia ou outra fonte de referência e anote tais palavras e seu(s) significado(s) no próprio módulo, no seu diário ou em fichas, sendo uma ou mais por letra. Assim estará se formando seu glossário de termos. No caso daqueles assuntos que despertarem mais o seu interesse ou nos quais você desejar se aprofundar, vá aos livros e textos citados na bibliografia. Também consulte o seu tutor, para colher outras indicações de leitura. Busque saber quem são os autores que você lê. Seja um leitor crítico; dialogue com o autor; confronte as idéias e posições que ele assume com as de outros autores, quando possível; apreenda as questões centrais dos textos. Dessa maneira, suas leituras serão mais proveitosas. Não deixe de ler os textos recomendados. Servirão tanto para você ampliar a compreensão dos assuntos que está estudando como para ter contato com visões diferentes. Discuta com seus colegas esses assuntos. Analise a visão deles. Colha informações e confronte-as com o que você está lendo. Forme sua opinião, mas esteja aberto à reformulação. Bom estudo. 12 5 O campo da ação TEMA 1 A preparação para o trabalho no Brasil: dos engenhos à escola Compreender o trabalho como sendo marcado pela sua condição de mercadoria e pelas conseqüências da alienação/dominação daí derivadas representa o ponto de partida para o entendimento da relação educação–trabalho. Esse ponto também é referência básica para uma metodologia alicerçada nas determinações fundamentais impostas pelas relações sociais de produção. Carlos Minayo Gomez Neste primeiro tema do Módulo 5, queremos que você se familiarize com o processo histórico de preparação das pessoas para o trabalho, especialmente nas profissões dos níveis elementar e médio, acompanhando o trajeto dessa preparação, particularmente no Brasil, que passa dos locais de trabalho para a escola, mas que carrega a marca do preconceito com o fazer, tido como antagônico ao pensar. Vem de longe a separação entre quem pensa e quem faz O trabalho é um elemento-chave da cultura humana, necessário que é à sobrevivência da espécie. Porém, o exercício do trabalho físico – ou neuromuscular – é, até hoje, considerado algo inferior, sendo as profissões e os profissionais que exercem tal tipo de trabalho identificados com as camadas mais baixas da estrutura social. Vamos investigar as origens desse preconceito? A preparação para o trabalho no Brasil 15 sustento poderiam se tornar uma ameaça. Era preciso dar-lhes ocupação, desde pequenos. O início do ensino profissional para órfãos e desvalidos se dá na Bahia, em 1819, com a edificação do Seminário dos Órfãos. Como funcionava próximo ao trem (fábrica de armas) da capitania, achou-se útil que os asilados fossem ali aprender as artes e os ofícios mecânicos. O Regulamento de Instrução Pública de 1854 previa o recolhimento a asilos dos menores de doze anos que vagassem pelas ruas em mendicância. Os meninos receberiam instrução de 1o grau e seriam enviados para as companhias dos arsenais ou de marinheiros ou, ainda, para oficinas públicas ou particulares. Havia a indicação de que, aos que se mostrassem capacitados para o ensino superior, dar-se-ia o destino mais adequado. O ensino necessário à indústria, isto é, à fabricação de bens, tinha sido destinado inicialmente aos silvícolas, depois aos escravos, em seguida aos órfãos e aos mendigos e, mais adiante, seria estendido a outros desfavorecidos. Em 1854, D. Pedro II funda o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, hoje Benjamim Constant, e em 1856, o Imperial Instituto dos Surdos Mudos, sendo em ambos ensinadas profissões manuais. Somente em 1874 seria criada a primeira casa de asilo do Rio de Janeiro, pelo conselheiro João Alfredo, inaugurada em janeiro de 1875, com o nome de Asilo dos Meninos Desvalidos. Seu regulamento previa a instrução primária de 1o e 2o graus e o ensino de profissões. A educação escolar começou a se popularizar no Brasil no século XIX, passando a alcançar as camadas menos favorecidas da população. Para estas, porém, a educação oferecida não era a mesma que a destinada aos mais ricos, tampouco, era aquela de que necessitavam, mas sim a que as elites da sociedade consideravam adequada para os mais pobres e os trabalhadores. Até hoje essa diferenciação é perceptível, inclusive nas políticas públicas. Práticas manuais e trabalhos de agulha: a entrada de disciplinas de preparação para o trabalho nas escolas Em 1827, com o Brasil já independente, a educação escolar é organizada em quatro graus: Pedagogias (1o grau), Liceus (2o grau), Ginásios (3o grau) e Academias (4o grau). Na 3a série primária (ou das Pedagogias), institui-se o ensino de noções de geometria, mecânica e agrimensura. Nos Liceus, os alunos aprendem o desenho necessário às artes e ofícios, mas não há menção à aprendizagem prática. Para as meninas, inclui-se, no ensino público, a obrigatoriedade do aprendizado de costura e bordados. Essa é a primeira indicação encontrada da presença, na educação escolar, de matérias de ensino Você acredita que os mais pobres devem ser orientados para cursos que lhes dêem logo uma profissão ou que nossa sociedade poderia se organizar de modo a garantir a todos os cidadãos condições de atingir níveis mais altos de formação? Registre a seguir sua visão e, se considerar conveniente, amplie o comentário em seu Diário de Estudo. 16 5 O campo da ação relativas à formação profissional. O Ato Adicional de 1834 passa às províncias a competência relativa aos ensinos primário e secundário, cabendo ao governo central apenas a regulação do ensino superior e toda a educação ministrada no Município Neutro, isto é, na capital do Império. Isso determina grandes diferenças entre os sistemas educacionais das províncias, os atuais estados da federação. Em 1837, é fundado no Rio de Janeiro o Imperial Colégio de D. Pedro II, originado no Seminário São Joaquim, que passara a ministrar ensino de ofícios em 1818, voltara-se ao ensino religioso em 1821 e, em 1831, recebera o acréscimo de aulas literárias e de oficinas industriais. Foi o Decreto no 7.247, de 1879 que instituiu nas escolas primárias de 2o grau da Corte a prática manual de ofícios para meninos e trabalhos de agulha para meninas. Seu artigo 9o mandava criar ou auxiliar no município da corte e nos mais importantes das províncias, escolas profissionais (...), sem discriminar o tipo de aluno a que seriam destinadas. Em 1883, um novo regulamento inclui no Curso de Letras o ensino de História e Geografia do Brasil e, na parte profissional, a prática de exercícios físicos e de agricultura. A partir dessa época começa a se intensificar o discurso de autoridades em prol da criação de escolas profissionais, seja com o objetivo alegado de atender aos desvalidos, seja com o discurso ufanista de contribuir para o progresso do país. Na análise de Suckow da Fonseca (1961), o país entrava em uma fase de crescimento econômico, havendo demanda de profissionais mais especializados, o que se refletiria na educação escolar, agora vista como capaz de suprir ou pelo menos servir de base para a formação de tais profissionais, embora tardiamente em relação à Europa. Outras análises, porém, vêem a criação dessas escolas como uma estratégia política, pois sua localização não atendia às demandas de mão-de-obra, mas sim aos redutos eleitorais. A relação entre a criação das escolas de aprendizes artífices e o desenvolvimento econômico das regiões onde foram instaladas é algo secundário, segundo Kuenzer (1992, p.13). Para essa autora, os critérios políticos foram mais importantes que os de desenvolvimento urbano e socioeconômico, pois a maioria das escolas foi instalada em estados onde praticamente não existiam indústrias, e sempre nas capitais. A educação profissional está freqüentemente associada a campanhas políticas, a interesses de políticos ou, ainda, é usada como forma de atingir objetivos diversos daqueles que lhe são atribuídos. Como veremos no Tema 2, vários autores têm desvelado tais questões. Discurso ufanista – discurso que louva exageradamente as belezas e grandezas do Brasil (alusivo ao livro Por que me ufano do meu país, do Conde Afonso Celso). Desvelar – tirar o véu. Vários autores têm desvelado tais ques- tões, ou seja, eles têm esclareci- do tais questões. Quando você estiver lendo a respeito de propostas na área de Educação, ou mesmo em qualquer outra área, procure levantar pontos polêmicos ou aspectos que não estejam claros, para discussão com colegas que se interessem pelo assunto. Para uma discussão proveitosa, recorra a livros e/ou artigos que tratem do assunto, percebendo as diferenças e divergências na análise dos autores. Busque identificar os referenciais que sustentam diferentes posiciona- mentos. A preparação para o trabalho no Brasil 17 Uma oportunidade para os pobres: as escolas de aprendizes-artífices Com a proclamação da República, a situação financeira do país sofreu um revés, pela desconfiança dos investidores estrangeiros na capacidade do novo governo em honrar seus compromissos. Isso levou o ministro Rui Barbosa a adotar uma série de medidas econômicas que ficaram conhecidas como encilhamento: período de 1890-1891, em que surgiram diversos empreendimentos comerciais e industriais. Passada a febre dos empreendimentos, nas palavras de Suckow da Fonseca (1961), parece ter ficado a mentalidade empreendedora, o que o autor procura demonstrar com números: em 1889, o país contava com 636 estabelecimentos industriais e, entre esse ano e o de 1909, foram criados outros 3.362. O número de empregados nas indústrias passara, no mesmo período, de 24.369 para 34.362. Junto com os números, aumentara a complexidade das tarefas, e o governo era instado a tomar providências no sentido de suprir as indústrias do pessoal de que careciam. O presidente Afonso Pena, ao assumir o cargo em 15 de novembro de 1906, dissera em seu manifesto: A criação e a multiplicação de institutos de ensino técnico e profissional muito podem contribuir também para o progresso das indústrias, proporcionando- lhes mestres e operários instruídos e hábeis (apud Suckow da Fonseca, 1961, p.160). Em 29 de dezembro de 1906, o presidente sancionava um decreto criando o Ministério dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio, ao qual caberiam os assuntos relativos ao ensino profissional. Em 14 de junho de 1909, falecia o presidente Afonso Pena e o vice, Nilo Peçanha, assumia o cargo. Este, quando foi presidente (na época não era governador) do Estado do Rio de Janeiro, já havia criado, em 1906, quatro escolas profissionais, sendo três destinadas ao ensino de ofícios, em Campos, Petrópolis e Niterói, e uma destinada ao ensino agrícola, em Paraíba do Sul. Três meses após chegar à Presidência da República, assinaria o Decreto no 7.566, em 23 de setembro de 1909, criando nas capitais dos Estados da República Escolas de Aprendizes Artífices, para o ensino primário profissional e gratuito. O Decreto nº 7.566 representa o marco inicial das atividades do governo federal no campo do ensino de ofícios. No entanto, traz em seus considerandos a destinação explícita desse ensino às classes proletárias. O documento não especifica os ofícios a serem ensinados, mas em seu artigo 8o estabelece o ensino noturno primário, obrigatório para os alunos que não souberem ler, e de desenho, também obrigatório para os alunos que carecem dessa disciplina para o exercício satisfatório do ofício que aprenderem. A organização da formação profissional ocorre no Brasil posteriormente à da educação geral, possivelmente como resultado de nosso tardio processo de industrialização, em relação à Europa e aos Estados Unidos da América. A forma como se organizava o trabalho no Brasil Colônia, e mesmo no Império, não demandava profissionais especializados, nem em grande número, bastando lembrar a proibição da metrópole portuguesa de serem 20 5 O campo da ação Entretanto, o marco no ensino da Enfermagem moderna no Brasil é a criação da Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), no Rio de Janeiro, pelo Decreto nº 15.799, de 10 de dezembro de 1922. O DNSP era chefiado por Carlos Chagas e sua missão era o controle das endemias. Por intermédio da Fundação Rockfeller, Chagas trouxe enfermeiras americanas para estruturar o Serviço de Enfermagem desse Departamento e elas foram responsáveis também pela estruturação da escola e de seu currículo que, em 1931, pelo Decreto nº 20109, tornou-se padrão para instituições congêneres. Em 1926, a instituição passou a se denominar Escola de Enfermeiras Dona Ana Neri e desde 1946 está vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), então Universidade do Brasil (UB). Devemos observar que O currículo para a formação dos enfermeiros nasce para atender aos interesses políticos e econômicos hegemônicos. No período de 1923 a 1945 enfatizava-se a área da saúde pública, entendida como combate às epidemias que prejudicassem o comércio exterior, restrita às principais áreas portuárias do país, atendendo às metas governamentais e ao mercado de trabalho da época. Com o início da industrialização e urbanização brasileira, surge a necessidade de proteger a população produtiva, o que veio exigir a prestação de assistência médica individual, priorizando a prática hospitalar e a necessidade de pessoal de enfermagem qualificado para atender esta demanda (UFF, 1999). Da mesma forma como descrito para os ofícios ligados à indústria, desde o período colonial até o final do século XIX, o empirismo predominou no ensino de Enfermagem em nosso país. Tal ensino era desenvolvido nos próprios locais de trabalho, como as Santas Casas, não havendo exigência de qualquer nível de escolarização para quem exercia a Enfermagem (Medeiros; Tipple e Munari, 1999). Por certo que as demandas de consolidação de um estado capitalista influenciaram o desenho das ações de atenção à saúde pública. Nos anos 30, a política de atenção à saúde do trabalhador, que será abordada no Tema 4, promove o crescimento da rede de hospitais vinculados aos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs). Ocorre um declínio do enfoque sanitarista e a ascensão da política curativa individual, com a expansão do sistema hospitalar. Entretanto, o número de profissionais capacitados é limitado, em relação à população. Essa medicalização da saúde leva ao aumento da demanda desses profissionais especializados na área, como os de enfermagem, expandindo sua rede de formação. A preparação para o trabalho no Brasil 21 Entre os autores que atribuem importância menor à preocupação com a prevenção de doenças para a valorização da Enfermagem Profissional no Brasil, identificamos Maria Lucia Frizon Rizzotto. No livro resultante de sua dissertação de mestrado (Rizzotto, 1999), ela desenvolve o raciocínio – que afirma divergir da visão corrente – de que o movimento sanitarista do início do século XX não conseguiu implantar um sistema de atendimento descentralizado e regionalizado, como seria o projeto de Carlos Chagas, entre 1920 e 1926, com suas Unidades de Saúde Locais e Permanentes. Ao contrário, o que se consolidou a partir do final dessa década foi o modelo Vertical Permanente Especializado, deixando para a Enfermagem, principalmente, o espaço hospitalar. O ensino de Enfermagem cresce no Brasil como conseqüência do desenvolvimento do país, que precisava de uma força de trabalho saudável. Percebe-se a ligação entre saúde e economia, e não mais entre doença e caridade. No Núcleo Integrador você encontrará a abordagem de questões como essa, bem como travará contato com as modernas concepções de Enfermagem. Profissão ou ofício? Temos usado, até aqui, ambos os termos, mas os sociólogos fazem distinção entre eles. Para melhor compreender as relações sociais e suas implicações no âmbito do trabalho, vamos nos deter um pouco nessa questão, recorrendo a um texto de Martín e outros autores espanhóis, acerca da história da Enfermagem (Martín et alii, 1997). Esses autores lembram que, ao longo da História, tem existido pouca clareza em relação aos conceitos de profissão e ofício. O termo profissional é geralmente usado como o oposto de amador, isto é, de trabalhador não especializado. Lembram que os sociólogos costumam defini-lo utilizando como referência a demanda pela sociedade de um grupo ocupacional que cubra uma necessidade concreta, ou seja, é a sociedade que determina, e não o indivíduo, quem deve ser um profissional. A profissão é, assim, uma criação humana, à face de uma necessidade, surgida dos fatos naturais; portanto, é resultado de um processo histórico. Como tal, sua origem pode ser identificada muitas vezes a partir de um ofício, até que é reconhecida social e legalmente, ganhando o estatuto (status) de profissão. Os ofícios possuem a característica tradicional de serem ocupações manuais, enquanto que as profissões têm sido, embora não exclusivamente, ocupações intelectuais, e seguem hoje essa tendência. A razão da sociedade considerar os ofícios como “negativamente privilegiados”, a encontramos na História ao observar como na Grécia Clássica se falava de dois tipos de artes. De um lado, as artes servis exercidas pelos servos e escravos, e de outro as artes 22 5 O campo da ação liberais, exercidas pelos homens livres. As profissões clássicas do mundo greco-romano e mais tarde consolidadas na Idade Média são: o sacerdócio, o direito e a medicina (...), ainda que todas com um marcado caráter intelectual, somente a medicina foi capaz de assumir a ciência moderna, convertendo-se deste modo em paradigma de profissão (Martín et alii, 1997). O reconhecimento do trabalhador como profissional ocorre mais facilmente quando a atividade que exerce está relacionada a outra já reconhecida. Assim se deu com a Enfermagem, por sua ligação com a Medicina, e agora com o auxiliar de enfermagem, por sua ligação com a própria Enfermagem. A relação entre os profissionais, porém, deve estar no plano da colaboração, e não da subordinação. Contribui para a valorização do auxiliar de enfermagem o fato de outro profissional não precisar dizer-lhe, a cada momento, o que fazer e como fazer, como se o estivesse tutelando. Cada um tem suas atribuições, trabalhando em equipe e trocando informações, evidentemente respeitando as atribuições e responsabilidades inerentes à função. Tal relação é facilitada com a formação do profissional segundo uma visão que o dignifique como trabalhador e ser humano, contemplando as dimensões técnica, ética e humana. A maior parte das profissões na área da Saúde envolve procedimentos manuais, inclusive a cirurgia; o que as torna respeitadas é a exigência de conhecimentos técnicos especializados e a necessidade de sua aplicação criteriosa. As ocupações que demandam atividades manuais recorrentes – vistas como mera repetição de um aprendizado inicial, como algo mecânico – é que permanecem com estatuto inferior. O profissional de enfermagem torna-se, definitivamente, um técnico; mas como qualquer outro profissional, principalmente da área da Saúde, não pode perder a dimensão ética e humana de seu trabalho. Se em algum momento essa dimensão ficou em segundo plano na formação do enfermeiro ou do auxiliar de enfermagem, pela linha tecnicista que o ensino profissionalizante seguiu nas últimas décadas, você pode retomá-la ao planejar e desenvolver sua ação docente, vivenciando-a, como princípio formador, na relação com seus alunos. Seus alunos podem ser seus colegas de trabalho. Reflita sobre a relação que você mantém com eles e identifique atitudes em serviço que podem servir para vocês aprofundarem a observação sobre o que fazem e como fazem. Considere a importância de você registrar essa experiência de reflexão do grupo no Diário de Estudo. A preparação para o trabalho no Brasil 25 A disciplinarização dos homens destinava-se a formar pessoas dóceis, úteis ao processo produtivo, que se encontrava, como ainda hoje se encontra, em acelerada especialização de atividades. O poder, assim, passava a ser interior aos sujeitos, sem a necessidade de um aparato coercitivo externo. As pessoas introjetavam a submissão ao sistema social, que lhes era imposta pela formação escolar. O mecanismo de avaliação e promoção escolar, com base em exames e certificações, transfere-se para o espaço social mais amplo, levando as pessoas a acreditarem que uma situação social favorável é alcançada em razão de capacidades e aptidões do indivíduo, bem como uma condição desfavorável pode ser superada com esforço individual. É a chamada lógica do mercado; no caso, do mercado de trabalho, que se abre para os mais qualificados. Não negamos esse fato, mas sim a sua afirmação como algo natural, que não depende dos homens. Como você verá no próximo tema, existe uma abordagem, dita científica, empregada para defender a existência de oportunidades iguais para todos, que é a Teoria do Capital Humano. Segundo essa teoria, acumulando um certo tipo de capital por meio da formação profissional, as pessoas conseguem atingir uma condição social mais elevada. Assim, essa teoria possibilita que uma pessoa, tendo capacidade e estudando, supere as diferenças sociais. Entretanto, ela não explica como é possível adquirir o capital humano sem o financeiro; não há, portanto, igualdade de condições. Chamamos a sua atenção para tais proposições, uma vez que elas são dadas como verdades indiscutíveis. Controlando o conhecimento e moldando as pessoas: a disciplinarização da educação escolar As disciplinas escolares são o resultado do processo de disciplinarização dos saberes que vinha ocorrendo no interior das instituições de ensino, pelo qual são eliminados os pequenos saberes (processo chamado de seleção) e os remanescentes são normalizados, hierarquizados e centralizados, como esclarece Alves (1996). A seleção de certos conhecimentos implica a negação de outros conteúdos e formas; é uma escolha moral e autoritária, deixando de fora conhecimentos que possam enfraquecer a alma do educando, bem como saberes ditos inúteis, como os cotidianos. A normalização pode ser entendida como aceitação da passagem de um para outro assunto que nada tinha a ver com o que lhe vinha a seguir, o que é conseguido com a retirada dos saberes de seus contextos e das relações com outros aspectos do mesmo problema. A hierarquização é conseqüência e, ao mesmo tempo, exigência dos dois outros processos; assim, existem saberes mais importantes, que merecem mais tempo, e outros menos importantes, que merecem pouca ou nenhuma atenção. Introjetar – incorporar, passar a considerar seus os valores, as idéias e os conceitos de outras pessoas. 26 5 O campo da ação Para a consecução exitosa de todos esses processos, por tanto tempo e em tantos lugares, era preciso adotar a centralização, maneira pela qual a organização de tudo isto em sistemas, também eles hierarquizados, que permitiram que a tomada de decisões do centro para a periferia e de cima para baixo fosse vista como a melhor forma de construir a escola (Alves, 1996, p.7). As disciplinas tornam-se técnicas de adestramento e individualização. Segundo Chervel (1990, p.179), começam a se firmar na metade do século XIX como sinônimo de ginástica intelectual, passando a ser alternativa à inculcação que era praticada com os alunos; a partir de então, passa-se a disciplinar a inteligência das crianças. Pouco depois, esse procedimento genérico adquire um caráter particular, com o adestramento sendo feito nos diferentes campos do saber; disciplina escolar passa a significar, então, matéria de ensino suscetível de servir de exercício intelectual. Tal mudança é resultado do pragmatismo que começa a ser cada vez mais intenso na educação (Chevel, 1990, p.179). Chervel (1990, p.180) também ressalta que, até o início do século XX, a formação universitária tinha o caráter preponderante de formação do espírito, não sendo aceita uma educação que fosse unicamente matemática ou científica. Após a I Guerra Mundial, porém, o termo disciplina perde a força que o caracterizava até então e se torna sinônimo de denominação de matéria de ensino, sem fazer referência à formação do espírito. O verbo disciplinar tem, no entanto, um significado muito forte, e Chervel vê o termo disciplina, em qualquer campo em que se encontre, como um modo de disciplinar o espírito, isto é, dar-lhe os métodos e as regras para abordar os diferentes domínios do pensamento, do conhecimento e da arte (1990, p.180). Por que aprendemos e ensinamos determinados assuntos? Retornando ao sentido de matéria de ensino que é dado às disciplinas escolares, é importante observar os conteúdos que nelas são ensinados. É consensual, como aponta Chervel, que esses conteúdos são impostos à escola pela sociedade e pela cultura, cabendo aos pedagogos adaptá-los ao público jovem, por não ser possível transmiti-los em sua pureza e integridade. A tarefa dos pedagogos seria, assim, a de conseguir meios de levar os alunos a assimilarem, mais rapidamente e da melhor forma possível, o máximo de cada campo do saber ali representado. Vistas dessa forma, as disciplinas se reduzem a combinações de saberes e métodos pedagógicos (1990, p.184). A escola, na mesma linha de raciocínio, é vista como puro e simples agente de transmissão de saberes elaborados fora dela e, por isso mesmo, incapaz de acompanhar o progresso das ciências que se supõe que deva difundir. Exitosa – com êxito, bem sucedida. Adestramento – treinamento. O termo caracteriza o ensino voltado para promover respostas prontas. Inculcação – ato ou efeito de inculcar, demonstrar, repetir. A preparação para o trabalho no Brasil 27 Chervel, no entanto, diz que se a escola se limitasse a adequar os conhecimentos às crianças, a transparência de seus conteúdos e a evidência de seus objetivos seriam totais; a escola, então, ensina suas próprias produções, o que lhe empresta um caráter criativo. A escola, portanto, não forma somente os indivíduos, mas uma cultura que vem por sua vez penetrar, moldar, modificar a cultura da sociedade global (1990, p.184). Voltamos, aqui, à diferenciação entre saberes e saberes escolares. Estes últimos têm de ser saberes reconhecidos, ou seja, nascidos no interior das instituições consideradas legítimas; passam pelo processo de adaptação da escola, perdendo referências a conflitos sociais e outros aspectos perigosos, para ganharem o caráter de neutralidade. Varela (1995, p.93) esclarece que esse procedimento vem naturalizar e legitimar as relações de força, as relações de dominação que exercem determinados grupos sociais sobre outros, mas, citando Michel Foucault, lembra que surgiram resistências à submissão dos saberes, pois, ao lado dos saberes “oficiais”, disciplinados, continuaram se produzindo saberes que põem em questão os efeitos de poder ligados à organização institucional que os sustenta, o que favorece a oposição à tirania dos discursos globalizantes, com suas hierarquias e privilégios. Os saberes que, mesmo fazendo parte do conhecimento universal, não podem entrar na escola são negados aos estudantes (Alves, 1996); resgatá-los é uma forma de resistência exercida por professores e alunos. A organização escolar na forma atual não foi algo natural, como se vê, mas uma construção. Embora a fragmentação dos saberes e todos os processos que lhe são correlatos estejam claros nessa organização, dela não conseguimos nos afastar. Esperamos que você, ao acompanhar o desenvolvimento que procuramos imprimir a este primeiro tema, tenha percebido que as transformações no processo educacional guardam estreita relação com o que ocorre na sociedade. No Tema 2, deixaremos mais evidente essa relação, descrevendo as fases pelas quais a educação profissional passou no século XX, culminando na atual. No Módulo 7, você terá contato com as teorias relativas à formação do currículo escolar, ampliando e aprofundando a discussão que começamos aqui. Observe que a formação da personalidade das crianças e jovens passa de um ambiente mais solidário, como a família, para outro mais controlado, que é a escola. As atividades humanas se tornam passíveis de maior controle social por meio da escola, que introjeta desde cedo nas pessoas formas de pensar e agir adequadas aos interesses dominantes. Reflita sobre a possibilidade de romper com esse processo reprodutivo, começando por suas aulas, e enumere algumas ações que você pode desenvolver nesse sentido. Em seu Diário de Estudo, aprofunde sua análise da questão. 30 5 O campo da ação A industrialização desencadeada a partir de então necessita de contingentes cada vez maiores de mão-de-obra especializada. Voltando a consultar Suckow da Fonseca (1961), descobrimos que, no mesmo ano em que tomava o poder, o governo provisório de Vargas instalava o Ministério da Educação e da Saúde Pública. Em 1931, criava a Inspetoria do Ensino Profissional Técnico, à qual cabia a direção, orientação e fiscalização de todos os serviços relativos a tal ensino. Em 1934, esse órgão foi transformado em Superintendência do Ensino Profissional, vinculada diretamente ao ministro. Pelo mesmo decreto que efetivou tal transformação, o governo federal previa a instalação de novas escolas industriais que atendessem às necessidades das indústrias de cada região do país, bem como preconizava o entendimento com associações industriais, a fim de orientar o ensino. Estabelecia, ainda, que as instituições congêneres, estaduais, municipais e particulares que adotassem a organização didática e o regime escolar das escolas federais poderiam requerer as prerrogativas do reconhecimento oficial, desde que satisfizessem as exigências estabelecidas para tal fim e se submetessem à fiscalização da aludida superintendência. Em janeiro de 1937, o ministro Gustavo Capanema reformava seu ministério, que doravante se chamaria apenas Ministério da Educação e Saúde. Extinguia a Superintendência do Ensino Profissional e passava suas atribuições para a Divisão do Ensino Industrial, órgão do Departamento Nacional de Educação. Mudava, também, a denominação das Escolas de Aprendizes Artífices para Liceus. No mesmo ano de 1937, Vargas dá um golpe de estado e implanta o que chamou de Estado Novo. Em 10 de novembro, outorga uma constituição ao país, a primeira a tratar da questão do ensino profissional, em seu artigo 129, que prevê a criação de instituições públicas de ensino de todos os graus, para atender àqueles aos quais faltem recursos para freqüentar as particulares, bem como destina o ensino pré-vocacional e profissional aos menos favorecidos. Esse artigo também determina a criação de escolas de aprendizes por parte das indústrias e sindicatos, para os filhos de seus empregados e associados, prevendo ajuda oficial para tanto. Art. 129. À infância e à juventude a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais. A educação profissional como solução 31 O ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas, é em matéria de educação o primeiro dever do Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais. É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera de sua especialidade, escolas de aprendizes destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao Estado, sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo poder público (Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937). O Estado Novo explicitou a necessidade de uma educação própria para os trabalhadores e para seus filhos, bem como para as classes menos favorecidas. Tal educação visava a disciplinar os trabalhadores para desenvolverem as atividades cada vez mais complexas demandadas pelo processo de industrialização, sendo muito mais uma exigência do capital do que o atendimento às necessidades da população. Afinal, estava formalizado na Constituição da República o dualismo histórico entre a formação do espírito e a preparação para o trabalho. As leis orgânicas do ensino – os cursos técnicos tornam-se de nível médio Em 1942, foi promulgada a Lei Orgânica do Ensino Industrial, pelo Decreto-lei no 4.073, de 30 de janeiro. Seu texto assegurava a unidade nacional, em escolas públicas e particulares, dessa modalidade de ensino e permitia o alcance do nível de segundo grau, em paralelo – mas não equivalente – ao ensino secundário. O ensino industrial seria ministrado em dois ciclos: no primeiro estariam incluídos o industrial básico, o de mestria, o artesanal e a aprendizagem; no segundo, o técnico e o pedagógico. Com essa legislação, os cursos técnicos foram introduzidos nas escolas criadas a partir de 1909, ao lado dos cursos industriais básicos e de aprendizagem, já existentes. O capítulo V dessa Lei Orgânica, denominado Das Disciplinas, estabelecia que os cursos de mestria e os cursos técnicos seriam constituídos por duas ordens de disciplinas: as de cultura geral e as de cultura técnica, enquanto os cursos pedagógicos seriam constituídos por disciplinas de cultura pedagógica. Determinava que, no primeiro ciclo do ensino industrial, seriam obrigatórias as práticas educativas de educação física e canto orfeônico e, para as mulheres, educação doméstica. Em 1942, também por meio de decreto-lei, foi promulgada a chamada Lei Orgânica do Ensino Secundário. Canto orfeônico – canto coral, sem acompanhamento instrumental. Reflita sobre esse tipo de educação profissional, destinada às classes menos favorecidas. Se por um lado ela atende ao trabalhador, qualificando-o, por outro atende ao capital, reproduzindo a divisão social. A questão, porém, não é tão simples, já que o acesso à educação escolar, ainda que precária, abre às classes desfavorecidas novos horizontes culturais e intelectuais. Registre em seu Diário de Estudo suas observações relativas ao papel que a escola pode desempenhar para tais classes. Anote os pontos essenciais e, se possível, desenvolva-os. 32 5 O campo da ação Em 1943 foi a vez da Lei Orgânica do Ensino Comercial e, em 1946, da Lei Orgânica do Ensino Agrícola e da Lei Orgânica do Ensino Primário. Nesse ano, promulgou-se uma nova Constituição para o país, já redemocratizado com a queda de Vargas. A nova Carta determinou pronunciar-se a gratuidade do ensino primário nos estabelecimentos oficiais e impôs às empresas com mais de 100 empregados a obrigatoriedade da educação dos filhos de seus empregados e desses próprios, se menores de idade. Ainda dispôs a respeito da competência da União para legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional (Franco e Sauerbronn, 1984). Observa-se, nessa fase, uma acentuada diferença em relação aos documentos legais anteriores. A lei dá diretrizes gerais para a elaboração de programas, mas exige que estes sejam detalhados. Antes, a orientação pedagógica para o ensino de ofícios parecia reproduzir aquela formação que ocorria nos locais de trabalho, nos quais o mestre dominava todo o processo de produção e o transmitia ao aprendiz. Agora, a organização científica do trabalho chega à organização do currículo do ensino profissional, com a parcialização das tarefas para maior produtividade, mas também para tirar o domínio do trabalhador de todo o processo. Afinal, a equivalência plena entre cursos técnicos e o ensino médio: Lei no 4.024/61 – A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Após a queda de Vargas, em 1945, seguiu-se no país um período de liberalismo democrático até 1962. Em 1947, começou a ser gestada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – cuja aprovação ocorreria somente em 1961 (Lei no 4.024) –, que equiparou os cursos técnicos e propedêuticos. Antes disso, sucessivas leis, a partir de 1950, foram assegurando a continuidade de estudos aos concluintes de cursos profissionais, desde que fizessem complementação de disciplinas. Ainda em Franco e Sauerbronn (1984), fonte da qual extraímos essas informações, encontramos que O período que se inicia por volta de 1959/1960 pode ser caracterizado, em termos de política econômica, como modelo de “internacionalização” da economia brasileira ou de modelo de desenvolvimento “associado”. Esse modelo se inicia com o Programa de Metas do governo Kubitscheck, se implanta definitivamente em 1964 e, especialmente, após 1968 (ibidem, p.107). Curso propedêutico – é aquele que serve de introdução a outro. Na educação escolar, visa ao alcance dos níveis subseqüentes, até o ensino superior. Antes de 1961, nossos cursos profissionais técnicos tinham o caráter de terminalidade, pois os seus egressos só podiam seguir para o trabalho, não tendo direito à continuidade de estudos na universidade. A educação profissional como solução 35 parcela do contigente de jovens que pressionavam por mais vagas nas universidades públicas, eximindo o governo de maiores investimentos nessas instituições. Esse novo quadro, que conjugava a visível expansão industrial com um discurso oficial que não podia ser contestado, por estar o país no auge da repressão política, começou a atrair a classe média para as escolas técnicas, já que estas eram as únicas preparadas para oferecer o ensino profissionalizante desde o início da vigência da nova lei, pois já o faziam havia décadas. Acrescente-se que O novo discurso, fundamentado na Teoria do Capital Humano, apontava a baixa produtividade e a inadequação da proposta educacional em relação ao momento histórico que o país atravessava, principalmente no que diz respeito às necessidades do mercado de trabalho em função das metas de desenvolvimento econômico acelerado e de desmobilização política. Segundo esta lógica, a maioria dos cursos eram excessivamente acadêmicos e não preparavam para o exercício das funções produtivas, não atendendo às necessidades do mercado de trabalho, o que se considerava um dos fatores explicativos para a crise econômica em que mergulhara o país (Kuenzer, 1992, p.15). A política educacional expressa na Lei no 5.692/71 tem, como aponta Kuenzer (1992), a marca da racionalização imposta pelo governo militar pós-64. Tal racionalização vinha de modelos externos, tais como a Teoria do Capital Humano. Essa teoria, depois de ter sido criticada negativamente por uma intensa produção intelectual nas décadas de 1980 e 1990 e estar aparentemente superada, voltou a servir de fundo para a formulação de novas políticas educacionais. Quer mudar de vida? Estude e, assim, adquira um capital A Teoria do Capital Humano empresta à educação a dimensão de investimento, identificando quem a possui como detentor de um capital. A origem dessa concepção vem de longe. Na obra de Adam Smith, A Riqueza das Nações, de 1776, que estabeleceu os princípios do liberalismo, encontra-se, conforme transcreve Frigotto (1986, p.37), a comparação de um homem educado para um emprego a uma máquina cara, pois de ambos pode-se extrair lucro. Tal idéia encontra-se subjacente a todo o processo capitalista, mas é em 1958 que essa visão ganha tratamento científico, com a Teoria do Capital Humano, de Theodore Schultz. Por meio da Teoria do Capital Humano, quer se fazer crer que as diferenças sociais e o subdesenvolvimento podem ser eliminados graças à educação. A pobreza deriva, segundo essa concepção, da falta de preparo dos pobres, e os países subdesenvolvidos – a maioria deles – não estão em tal situação devido às relações econômicas imperialistas, mas tão somente pela má formação intelectual de sua população. O desvelamento da dificuldade de sustentação de tal teoria é feito, também, por Frigotto, na mesma obra, ao demonstrar seu caráter circular, bem como o verdadeiro interesse do capitalismo na defesa de sua validade. Brasil: ame-o ou deixe-o. O dístico acima é dessa época. Infelizmente, muita gente teve de deixar o país por não o amar, segundo a visão de quem mandava. O desamor que essa gente expressava resumia-se, na maioria das vezes, em querer uma sociedade mais justa, diminuindo a diferença entre a riqueza dos poderosos e a pobreza da maior parte da população. 36 5 O campo da ação A circularidade advém do fato de os alegados resultados econômicos da educação – ascensão social e elevação da renda, para o indivíduo, e desenvolvimento econômico, para o país – serem determinantes, na visão capitalista, para aquisição da educação. Ou seja, se as condições socioeconômicas são apontadas como as maiores responsáveis pelo acesso, permanência e rendimento escolar, como alguém que não as detém pode educar-se para vir a tê-las? Posto isto, que invalida em termos gerais a teoria em questão, resta identificar a razão pela qual é apresentada e defendida a todo o momento. Frigotto demonstra que a Teoria do Capital Humano é produzida tanto para evadir as relações entre os países mais desenvolvidos e menos desenvolvidos quanto para acobertar o intervencionismo do estado e mascarar as verdadeiras relações entre educação, trabalho e produção. A crítica imediata à Teoria do Capital Humano apontou a escola como instrumento de reprodução das condições de desigualdade social. Nesse caso, não havia mais o que se esperar dela, já que estaria unicamente a serviço do capital. E o que este espera da escola? Aparentemente, parece ser pouco. Os processos produtivos exigem trabalhadores cada vez mais especializados e, por isso mesmo, menos qualificados; o treinamento necessário pode ser dado no próprio local de trabalho, e isto ocorre corriqueiramente. Frigotto esclarece ainda que, em vez de requerer da escola mão-de-obra qualificada para a produção, o capital na verdade a utiliza para retardar o ingresso dos jovens no mercado de trabalho e para dela obter o pessoal que necessita para o trabalho improdutivo de administração, formando o crescente quadro de tecnocratas. O ensino médio não precisa mais dar profissão a todos: Lei no 7.044/82 Os pressupostos para a implantação da profissionalização compulsória em nível médio foram rapidamente sendo desmentidos. O milagre econômico brasileiro chega ao fim com a crise internacional de 1973, a crise do petróleo. Por outro lado, de forma constante e irreversível, o sistema produtivo vai se transformando e, com a inovação tecnológica, o setor secundário da economia passa por um processo de simplificação dos processos de trabalho, exigindo cada vez menos mão-de-obra qualificada (Kuenzer, 1992, p.18). As escolas resistiram à implantação da nova legislação, tanto pela tradição daquelas que mantinham a formação propedêutica voltada à preparação para a continuidade de estudos em nível superior quanto pela dificuldade de conseguir profissionais do ensino para as áreas específicas de formação profissional, de adquirir material necessário às atividades práticas e de promover as adequações materiais (laboratórios, oficinas, equipamentos) e curriculares. Circularidade – neste caso, tem o sentido de círculo vicioso, no qual se quer provar um princípio com a própria hipótese que se estabelece. É uma sucessão de fatos ou idéias que voltam sempre à mesma idéia ou fato inicial. Procure visualizar essa noção como alguém que tenta se levantar puxando os cordões dos próprios sapatos. Consegue? Evadir – desviar, iludir, esconder. Setor secundário da econo- mia – como são denominadas as atividades industriais, as indústrias. A educação profissional como solução 37 Com a substituição da qualificação para o trabalho, que ensejava a aquisição obrigatória de uma profissão, pela preparação para o trabalho, Voltou-se ao ponto de partida em situação pior do que no momento da largada. As escolas públicas de 2o grau foram desorganizadas, seus currículos transformaram-se num amontoado de disciplinas sem unidade. As escolas técnicas sofreram especialmente com esse desacerto, pois, por conseguirem manter um ensino de alta qualidade, viram-se procuradas por levas de estudantes que pouco ou nenhum interesse tinham por seus cursos profissionais. Desorganizado o ensino público de caráter geral nas escolas públicas de 2o grau das redes estaduais, e deteriorada sua qualidade, esses estudantes viam nas escolas técnicas industriais a única maneira de terem acesso a um ensino gratuito de alta qualidade, que lhes propiciava uma adequada preparação para os exames vestibulares aos cursos superiores (Cunha, 1998, p.15). A Lei no 7.044/82 veio para legalizar uma situação de fato: a impossibilidade de universalizar a profissionalização no ensino médio, em uma sociedade em que muito da atividade educacional é norteada pela busca do lucro financeiro (privado) ou pela economia de investimentos (públicos). A nova orientação, deixando a critério de cada escola ou sistema de ensino definir o tipo de formação oferecida, talvez pela imposição da fórmula anterior, promoveu um refluxo para a situação anterior à Lei no 5.692/71, reforçando a dualidade de nossa educação, que por sua vez reflete a estrutura da sociedade brasileira, a qual separa trabalhadores intelectuais e trabalhadores manuais, destinando-lhes diferentes formas e quantidades de educação, como lembra Kuenzer (1992, p.20). De acordo com a autora, são ingênuas as propostas que pretendem resolver, por meio da escola, os problemas da sociedade capitalista. Uma situação caótica, nas palavras de Kuenzer, foi criada pela Lei no 5.692/71 e pelos Pareceres 45/72 e 76/75, do Conselho Federal de Educação, que regulamentaram a Lei e, no caso do segundo, tentou suavizar suas exigências, instituindo as chamadas habilitações básicas. Com essa última medida, as escolas que atendiam às classes média e burguesa reassumem sua função propedêutica, continuando a preparar os alunos para o ingresso na universidade (idem, p.19). Além disso, destaca a autora, as escolas públicas que atendiam às classes menos favorecidas, pela já aludida falta de recursos financeiros, materiais e humanos, passam a oferecer um arremedo de profissionalização, que não serve nem como formação geral, nem como formação profissional. Para ela, Apenas as escolas que já ofereciam, desde as últimas décadas, ensino técnico industrial e agropecuário, continuaram a oferecer habilitação profissional em nível técnico, sem que as mudanças na legislação lhe impusessem alterações qualitativas significativas. O mesmo não ocorreu com as escolas que ministravam cursos de formação de magistério e de contabilidade em nível de 2o grau, que tiveram sua proposta de habilitação descaracterizada por currículos que, incorporando a obrigatoriedade do núcleo comum, passaram a ter caráter preponderantemente propedêutico (ibidem). Você teve alguma formação profissional no ensino médio? Se afirmativo, avalie a importância dessa formação para sua educação superior e para seu ingresso no mundo do trabalho. Se não teve, procure avaliar tal importância para os jovens trabalhadores. Enumere os pontos principais de sua avaliação e, se possível, desenvolva-os em seu Diário de Estudo. 40 5 O campo da ação profissionalização do aluno: “de modo a ser [ele] capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores” – é claro que isso não diz respeito à “preparação para a cidadania” (Cunha, 1988, p.24)! Quando as elites defendem educação para todos, mas ao mesmo tempo propõem modalidades diferentes de acordo com a classe social, não estão visando aos seus interesses de terem trabalhadores mais bem preparados, entre os quais possam escolher os que lhes trazem mais vantagens? Assim, se no processo capitalista a educação escolar não garante uma vida melhor e ainda ajuda tal processo em sua apropriação da riqueza produzida pelo trabalhador, não seria melhor que este recebesse apenas uma escolaridade mínima? Com esse tipo de visão, mesmo que não esteja tão clara quanto expressamos aqui, nasce, no seio da própria classe trabalhadora, a resistência contra a educação, pois ela é tida como opressora. Isso pode se traduzir no fracasso escolar e na conseqüente redução da sua educação formal. Tal resistência é, na maioria das vezes, inconsciente, despolitizada e desorganizada, contribuindo para o processo de reprodução das diferenças sociais. Adequando o currículo à nova organização formal – as Diretrizes Curriculares para a Educação Profissional de Nível Técnico (Resolução CNE/CEB 04/99) A legislação da educação profissional incorpora uma reforma curricular, que reorienta a prática pedagógica organizada em torno da transmissão de conteúdos disciplinares para uma prática voltada para a construção de competências (Ramos, 2001). A noção de formação por competências vem se espraiando na educação nacional, disseminada nas regulamentações emanadas do Conselho Nacional de Educação, por pareceres e resoluções, bem como por posteriores detalhamentos oriundos do Ministério da Educação. Para a educação profissional, foi elaborado o Parecer CNE/CEB 16/99, que consolida o novo paradigma e tem sua expressão legal na Resolução CNE/ CEB 04/99. Esta institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Nacional de Nível Técnico, apresentando, em anexo, a caracterização das áreas profissionais, em número de 20, bem como as competências profissionais gerais do técnico de cada área. Explica Ramos (2001) que, de acordo com a Resolução 04/99, um perfil profissional é definido por três classes de competências: competências básicas, desenvolvidas na educação básica; competências profissionais Dentro de uma categoria de trabalhadores, a resistência à educação pode se manifestar como um mecanismo de preservação dos que têm dificuldade em continuar sua formação. Assim, os saberes tácitos são privilegiados, em detrimento dos saberes formais, adquiridos pelo processo regular de ensino. Procure identificar esse comportamento entre os trabalhadores dos níveis fundamental e médio com os quais você trabalha e reflita sobre a questão, particularmente em como vencer tal barreira. Conheça a Resolução CNE/CEB 04/99, com a caracterização da área profissional Saúde e as competências profissionais gerais do técnico dessa área, buscando o texto em anexo, no final deste módulo. Tanto a Resolução quanto o Parecer CNE/CEB 16/99, que a inspirou, podem ser encontrados no Núcleo de Apoio Docente. Na Internet, eles estão disponíveis na página do Ministério da Educação: http://www.mec.gov.br . A educação profissional como solução 41 gerais, voltadas para o exercício de diversas atividades dentro de uma área profissional, independentemente da habilitação específica; e competências profissionais específicas, próprias de uma habilitação. Na definição dos perfis profissionais, as normas de competências são estabelecidas em três níveis: a) em um primeiro nível, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico (DCN) conferem caráter mandatório aos perfis de competências, acompanhados das respectivas cargas horárias mínimas a serem obedecidas pelas instituições quando da implementação de cursos; b) em um segundo nível, os Referenciais Curriculares Nacionais (RCN) descrevem as funções, as subfunções, as competências, as habilidades e as bases tecnológicas para cada área profissional. Sem caráter mandatório, esses referenciais subsidiam as escolas na elaboração dos perfis profissionais de conclusão e na organização e no planejamento dos cursos; c) em um terceiro nível, cabe às instituições formadoras a elaboração dos planos de curso, dos quais devem constar: justificativa e objetivos, requisitos de acesso, perfil profissional de conclusão, organização curricular, critérios de aproveitamento de competências; critérios de avaliação, recursos físicos e humanos, certificados e diplomas. Assim, partindo dessas orientações, as instituições educativas são levadas a construir seus planos de curso, propondo uma organização curricular com base em competências. No tema a seguir, discutimos o modelo de competências para a área da formação profissional, procurando esclarecer a sua concepção. No Tema 4, veremos como se encontra organizado o setor da Saúde e as implicações que tal organização traz para a formação dos trabalhadores desse setor. Outras Leituras ! WILLIS, Paul. Aprendendo a ser trabalhador: Escola, resistência e reprodução social. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. Uma referência para entender a resistência à educação formal entre jovens da classe trabalhadora é a pesquisa etnográfica realizada por Paul Willis, no início dos anos 70, na Inglaterra. A leitura do livro em que apresenta seu trabalho pode ser útil tanto a quem deseja se aprofundar no tema como a quem necessita realizar uma pesquisa desse tipo. 42 5 O campo da ação TEMA 3 A formação profissional em transformação A escola profissional não deve se tornar uma incubadora de pequenos monstros aridamente instruídos num ofício, sem idéias gerais, sem cultura geral, sem alma, mas apenas com olhos infalíveis e uma mão firme (...) É também através da cultura profissional que se pode fazer com que do menino brote o homem, desde que essa seja uma cultura educativa e não apenas informativa. Antonio Gramsci O presente tema aprofundará a discussão dos modelos propostos ou aplicados à educação propedêutica e à profissionalizante, procurando descobrir a intencionalidade presente em cada um, de formar para o fazer ou, também, para o ser e o pensar. Você terá a oportunidade de refletir sobre o novo paradigma disseminado de educação profissional, no qual o conceito de qualificação é substituído pelo de competência, e também sobre suas implicações para a formação do cidadão-trabalhador, bem como de travar contato com outras concepções de formação. Os docentes que vêm trabalhando com jovens em idade escolar podem perceber melhor os efeitos dessa mudança. Talvez não seja o seu caso, pelo fato de serem os seus alunos trabalhadores já atuantes no setor da Saúde e que receberão a formação profissional no próprio local de trabalho. De todo modo, a sociedade está recebendo muitas notícias do modelo oficial, seja por intermédio de pronunciamentos de autoridades educacionais, propaganda oficial Como você interpreta as palavras de Gramsci, que abrem este tema? No Módulo 4, você foi apresentado às idéias desse filósofo sobre o trabalho como princípio educativo. Aqui, você continuará a conhecer suas contribuições para o estudo da relação trabalho–educação. Se puder, visite o sítio Gramsci e o Brasil, em http://www.artnet.com.br/gramsci/. Leia o artigo A vida de Gramsci, de Otto Maria Carpeaux, buscando em http://www.artnet.com.br/ gramsci/arquiv79.htm. A formação profissional em transformação 45 pela Resolução CEB 04/99, do Conselho Nacional de Educação (CNE), forem simplesmente incluídas no planejamento de um curso, sem que este seja formulado dentro de uma concepção geral que promova o efetivo alcance daquelas competências. Gaudêncio Frigotto (1997, p.91), em debate na UFRJ, colabora com o entendimento que temos, ao dizer: Eu acho que toda a perspectiva da teoria das competências é aquilo que na década de 70 também a gente discutia, administração por objetivos, na administração e no ensino por objetivos. Quer dizer, você vai traduzindo: ser capaz de. O que eu chamo atenção, que isto é anacrônico em relação à própria demanda do que o mundo do trabalho necessita. Ou por outras, a questão que eu acho que os empresários, os políticos e os que trabalham no campo da formulação de políticas educacionais, é que nós chegamos à seguinte contradição: para ter um bom trabalhador tem também que superar a fase do peão. E para ter um bom trabalhador tem também de superar distinção do adestrado. Para você ter uma massa de trabalhadores que esteja com as competências, que enfrente uma tecnologia flexível, que enfrente, digamos entender o que é uma fábrica automatizada, robotizada, é preciso que ele tenha condições cognitivas e psicossociais. Discutiremos agora a concepção mais atual do ensino para competência. Em seguida, discutiremos o modelo de formação profissional que começou a ser desenhado pela nova LDB (Lei no 9.394/96) e pelo Decreto no 2.208/97, alcançando um detalhamento maior com o Parecer CEB 16/99 e a Resolução CEB 04/99, já apresentada, ambos do Conselho Nacional de Educação, que tratam das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico. O modelo da competência na atual idade A noção de competência já está bem disseminada no mundo do trabalho, bem como nos cursos voltados para a preparação de mão-de-obra, como vimos. Agora está chegando à educação regular. Deluiz (1996, p.73) identifica a origem dessa nova utilização do conceito: O conceito de competência começa a ser utilizado na Europa a partir dos anos 80. Não é um conceito preciso nem é empregado com o mesmo sentido nas várias abordagens. Origina-se das Ciências da Organização e surge num contexto de crise do modelo de organização taylorista e fordista, mundialização da economia, exacerbação da competição nos mercados, exigências de melhoria da qualidade dos produtos e flexibilização dos processos de produção e de trabalho. Neste contexto de crise, e tendo por base um forte incremento da escolarização dos jovens, as empresas passam a usar e adaptar as aquisições individuais da formação, sobretudo escolar, em função das suas exigências. A aprendizagem é orientada para a ação e a avaliação das competências é baseada nos resultados observáveis. 46 5 O campo da ação A passagem para a escola de educação geral também é apontada pela autora: A pedagogia das competências começa a ganhar forma nos anos 80, na Europa, e na França é definitivamente implementada na Charte des Programmes de 1992, que enuncia os princípios diretivos dos programas de ensino para todos os ciclos da educação geral. Este documento pode ser considerado como a expressão da passagem de um ensino centrado sobre os saberes disciplinares a um ensino definido para e visando a produzir competências verificáveis nas situações e tarefas específicas. Trata-se de uma pedagogia voltada para objetivos de referências (no ensino geral), referenciais (para o ensino profissional) e referenciais de atividades (nas empresas). O ensino técnico-profissional é, assim, voltado para objetivos definidos em termos de competências terminais a serem adquiridas ao final do curso, do ano, ou da formação, que são explicitamente detalhados e descritos em termos de saberes e ações (ibidem). Em relação à incorporação da abordagem de formação de competências pela educação escolar, Perrenoud nos faz duas perguntas: Desenvolver uma competência é assunto da escola? Ou a escola deve limitar-se à transmissão do conhecimento? (1999, p.10) Esse autor segue elaborando o raciocínio para formular sua resposta, pelo qual estabelece as seguintes associações: desenvolver competências = cabeças bem-feitas e transmitir conhecimentos = cabeças bem-cheias. A adoção de metodologia de ensino que privilegie apenas a transmissão de conhecimentos ou que os reduza muito, para desenvolver a capacidade de mobilizá-los, sem equilíbrio entre as abordagens do processo educativo, pode conduzir a situações extremas: uma consiste em percorrer o campo mais amplo possível de conhecimentos, sem preocupar-se com sua mobilização em determinada situação, o que equivale, mais ou menos abertamente, a confiar na formação profissionalizante ou na vida para garantir a construção de competências; a outra aceita limitar, de maneira drástica, a quantidade de conhecimentos ensinados e exigidos para exercitar de maneira intensiva, no âmbito escolar, sua mobilização em situação complexa (ibidem, p.10). Perrenoud resume a questão com mais uma pergunta: Conhecimentos profundos ou perícia na implementação? Por certo, o ideal seria ter ambos, mas dados os problemas de sempre – tempo limitado para o desenvolvimento de um curso com tamanha exigência, excesso de alunos por professor, entre outros – é comum ocorrer a opção pela a simples exposição de conteúdos. A formação de competências ficaria para o exercício profissional, quando muito para o estágio, confiada à capacidade do trabalhador, sem a orientação docente. A formação profissional em transformação 47 Cabe, então, ao professor a tarefa de fazer essa difícil conciliação: possibilitar ao estudante desenvolver os conhecimentos necessários de forma a conseguir associá-los e aplicá-los convenientemente, oferecendo oportunidades durante o curso para que exercite essa capacidade. De acordo com essa visão, Perrenoud apresenta uma possível definição para competência: capacidade de agir eficazmente em determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles (ibidem, p.7). Tentaremos sinalizar, mais adiante, caminhos a serem trilhados pelo docente para desenvolver o ensino nesse sentido. A formação de competências na visão oficial O paradigma oficial de preparação do trabalhador começou a ser divulgado pelo governo federal a partir de 1995 e pode ser mais bem compreendido pela leitura de documentos do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), entre eles o intitulado Habilidades, questão de competências ? (Brasil, 1996), que afirma ter sido o trabalho solitário, apoiado em destrezas, substituído por um trabalho no qual a comunicação no coletivo de trabalhadores se torna imprescindível. Segundo o mesmo documento do Ministério do Trabalho, até recentemente as instituições de formação profissional procuravam qualificar seus alunos para postos de trabalho, chamados de ocupações, que demandavam um saber-técnico configurado em conhecimentos, habilidades e atitudes; hoje, porém, tal saber estaria se transformando, em decorrência das inovações tecnológicas e das novas formas de organização do trabalho, com a qualificação dando lugar à idéia de competência. O chamado modelo de qualificação é identificado, de maneira simplificada, como aquele em que a formação profissional está centrada no que o indivíduo deve saber e, assim, são estabelecidos os conteúdos de um curso e as estratégias para o seu aprendizado, o qual é verificado pela avaliação específica de cada componente curricular. Já no modelo de competências, será trabalhada – e investigada – a capacidade do indivíduo fazer algo que exige a mobilização de diferentes conhecimentos, desempenhos e atitudes, que resultam de um processo de formação no qual esses elementos se articulem. Tais definições simplificadas omitem as questões de fundo, que procuramos desvelar com auxílio dos autores que estudam a relação trabalho–educação. Ferretti (1997), apoiado em Hirata (1994), trata da diferenciação entre o conceito de qualificação e o de competência, apontando para as múltiplas dimensões do primeiro, que compreende a qualificação do emprego, explicitada como o conjunto de exigências definidas pelo posto de trabalho; qualificação do trabalhador, explicitada como o conjunto de atributos dos trabalhadores e tida como mais ampla, por incluir qualificações sociais ou tácitas, e a qualificação como relação social, Se você já exerce a docência, reflita sobre a metodologia de ensino empregada na instituição em que atua, se houver uma formalmente adotada, ou em suas aulas, mesmo que você não tenha escolhido essa metodologia de forma consciente. Como sua prática docente se situa em relação às considerações de Perrenoud? Aprofundando a análise, procure estabelecer os procedimentos que lhe parecem os mais adequados para que seus alunos possam desenvolver as competências desejadas na enfermagem. Registre esse momento no Diário de Estudo. Ele certamente lhe será útil no decorrer da sua formação neste curso. 50 5 O campo da ação habilidades de gestão, compreendidas como competências de autogestão, associativas e de empreendimento, fundamentais para a geração de trabalho e renda; reconversão profissional: desenvolvimento de metodologias e implantação de programas adequados à dinâmica e características do processo de restruturação produtiva em curso no país (Brasil, 1995a). [grifos do original] O secretário de Formação e Desenvolvimento Profissional do Ministério do Trabalho, Nassim Mehedeff, explica em outra publicação oficial que a palavra empregabilidade foi lançada por especialistas em recolocação de executivos e profissionais de nível superior, significando, nesse contexto, o conjunto de conhecimentos, habilidades, comportamentos e relações que tornam o profissional necessário não apenas para uma, mas para toda e qualquer organização (Mehedeff, s.d., p.2). Em seguida, diz que a expressão tornou-se válida para o trabalhador em qualquer nível e que Agora, mais importante que apenas obter um emprego, é tornar-se empregável, manter-se competitivo em um mercado em constante mutação. Preparar-se, inclusive, para várias carreiras e diferentes trabalhos – às vezes simultâneos (Mehedeff, s.d., p.2). O mesmo autor afirma que a empregabilidade é constituída por vários componentes, mas ela pode ser resumida em três quesitos-chave: competência profissional, disposição para aprender e capacidade de empreender. Competência profissional é uma questão de aprendizado formal e de experiência. Envolve não só domínio de tarefas e operações, mas conhecimentos, habilidades sociais e intelectuais, atitudes e comportamentos. A competência (...) é permanentemente construída, aprimorada, renovada. Não é um estoque, mas um fluxo. Daí a importância da disposição para aprender, que alimenta esse fluxo. Mas, além de aprender, é preciso empreender (...) O cidadão produtivo é aquele capaz de apreender e gerir uma realidade que tem como constante única a transitoriedade permanente (ibidem). O entendimento das instâncias governamentais para a Educação Profissional está expresso no documento conjunto elaborado pelos ministérios do Trabalho e da Educação, intitulado Política para a Educação Profissional: cooperação MEC/MTE (Brasil, 1995b). Educação Profissional se coloca, nesse contexto, como complementar à Educação Básica, e alternativa à Educação Superior, embora com trânsito garantido para este nível (mediante sistema de certificação). Ministrada em bases contínuas, inclui alternativas de habilitação, qualificação, requalificação, especialização de trabalhadores, além de serviços e assessoria ao setor produtivo. Comporta ampla variedade de agências formadoras, públicas e privadas, como as instituições de formação profissional, as escolas livres, ONGs e toda a rede de ensino técnico, municipal, estadual e federal (Brasil, 1995b). [grifo no original] A formação profissional em transformação 51 Observa-se aqui a intenção de limitar a escolaridade dos trabalhadores, com a explicitação de que a Educação Profissional seria uma alternativa à Educação Superior. Ainda que se afirme estar o trânsito garantido para o nível superior, logo se coloca que isso se daria mediante sistema de certificação, em um retorno à separação da trajetória escolar entre aquele que pode ir para a universidade e aquele que deve ir logo para o trabalho. Como esse documento é de 1995, passaram-se dois anos entre sua edição e a do Decreto nº 2.208/97 ; houve o Projeto de Lei nº 1.603/96, que tanta reação provocou na sociedade, e alguns pontos foram aplainados. Assim, o ensino técnico não se tornou uma alternativa ao médio, sem possibilidade de prosseguimento direto para o ensino superior, como ocorria antes da Lei nº 4.024/61, mas foi separado do médio e deve ser cursado em concomitância, ou após esse. Ora, a realização simultânea dos dois cursos exige que o aluno estude em dois turnos, o que é inviável para quem trabalha, e a realização do técnico após o médio acaba fazendo com que o curso técnico substitua o superior. Com isso, na prática, deverá ser alcançada a terminalidade no técnico, desejada pelos formuladores de tal política. Avançando na reorganização da Educação Profissional, o Ministério da Educação publica as suas Diretrizes Curriculares, de cuja introdução extraímos outra conceituação, próxima dos autores referenciais: As competências enquanto ações e operações mentais, articulam os conhecimentos (o “saber”, as informações articuladas operatoriamente), as habilidades (psicomotoras, ou seja, o “saber fazer”, elaborado cognitivamente e socioafetivamente) e os valores, as atitudes (o “saber ser”, as predisposições para decisões e ações, construídas a partir de referenciais estéticos, políticos e éticos) constituídos de forma articulada e mobilizados em realizações profissionais com padrões de qualidade requeridos, normal ou distintivamente, das produções de uma área profissional. Em síntese, a realização competente tem nela agregados saberes cognitivos, psicomotores e socioafetivos. A competência caracteriza-se, essencialmente, pela condição de alocar esses saberes, como recursos ou insumos, através de análises, sínteses, inferências, generalizações, analogias, associações, transferências, ou seja, de esquemas mentais adaptados e flexíveis, em ações próprias de um contexto profissional específico, gerando desempenhos eficientes e eficazes (Brasil, 2000b). Em artigo de 1998, Kuenzer colabora para desvelar aspectos contraditórios do novo modelo educacional para a formação profissional. Lembra que apenas 25% dos jovens na faixa etária correspondente ao ensino médio estão nele matriculados e que, além disso, a taxa de evasão desse ensino é da ordem de 50%. Conclui que a estratégia de levar o ensino técnico para após o médio, além de conter o ingresso em cursos superiores, é também elitista, por reduzir o contingente dos que terão acesso ao técnico. Pergunta, ainda, se o ensino médio propedêutico, o qual vê como marcadamente academicista, livresco e de baixo custo, servirá como base adequada para os cursos técnicos pós-médios, sugerindo futuras pesquisas (Kuenzer, 1998, p. 376). Em absoluta concordância com as transformações ocorridas no mundo do trabalho, as políticas públicas de educação objetivam a contenção do acesso aos níveis mais elevados de ensino para os poucos incluídos, respondendo à lógica 52 5 O campo da ação da polarização; para estes, de fato são asseguradas boas oportunidades educacionais, de modo a viabilizar a formação dos profissionais de novo tipo: dirigentes, especialistas, críticos, criativos e bem sucedidos. Para a grande maioria, propostas aligeiradas de formação profissional que independem de educação básica anterior, como forma de viabilizar o acesso a alguma ocupação precarizada, que permita alguma condição de sobrevivência (ibidem, p.375). A mesma autora acrescenta que essa nova concepção nega os avanços ocorridos graças às legislações de 1961 e 1971, que reconheciam o saber sobre o trabalho como socialmente válido, buscando a construção de modelos pedagógicos que superassem a antinomia entre tecnologia e humanidades (ibidem, p.377). Numa visão determinista, o avanço científico e tecnológico é aceito como inevitável. Na visão crítica, porém, os efeitos benéficos da tecnologia não podem obscurecer os negativos. A sociedade deve estar atenta para o uso social da tecnologia. No mundo do trabalho, a introdução de máquinas livra o trabalhador de atividades repetitivas ou insalubres, mas também extingue muitos postos de trabalho e aumenta o desemprego. Os que permanecem empregados ou conseguem emprego são aqueles que apresentam as características e conhecimentos exigidos para as funções remanescentes ou para as novas funções. Os desempregados, porém, não conseguirão emprego necessariamente porque venham a adquirir as competências, já que não há emprego para todos. Um caminho para a educação, entre tantos outros Não existe uma receita para formar pessoas que sejam bons profissionais e bons cidadãos, mas podemos reconhecer certos princípios que, se aplicados na escola ou no curso em que atuamos e no nosso próprio trabalho pedagógico, podem contribuir para tal formação. Por certo, você já recolheu vários elementos neste curso, desde o primeiro módulo, que favorecerão o desenvolvimento de sua prática docente. Agora, vamos lhe apresentar mais alguns, encontrados no pensamento pedagógico de Antonio Gramsci (1891-1937), o intelectual e militante político italiano encarcerado pelo regime fascista de 1926 até sua morte. A discussão que Gramsci suscita em relação à escola clássica frente à escola que prepara para o trabalho nos fundamenta para melhor analisar e debater a situação presente, particularmente o debate em torno da educação integral. Apoiamo-nos na concepção gramsciana de escola única, cujo princípio educativo é o trabalho, para refletir sobre as formulações oficiais e construir um referencial teórico que nos permita extrapolar os limites impostos e avançar Antinomia – contradição entre dois princípios ou oposição recíproca. Na Saúde, assim como em outras áreas, a tecnologia produz efeitos benéficos, mas também pode estimular a vertente da redução de custos e da competitividade, causando a eliminação de empregos e o acúmulo de atividades sobre os que se mantêm empregados. No seu local de trabalho, está havendo redução de quadros e os profissionais remanescentes estão sendo mais exigidos ou os avanços tecnológicos estão facilitando sua atuação, sem ocorrer desemprego? Comente essa questão no seu Diário de Estudos, procurando relacionar o desenvolvimento tecnológico com o trabalho na área da Saúde, considerada, em geral, de mão-de-obra intensiva. A formação profissional em transformação 55 A proposta escolar de Gramsci nasce de uma elaboração própria, concebida com base em certos princípios, expostos desde seus escritos da juventude, amadurecidos em suas reflexões do cárcere. Agregando a concepção de politecnia de Marx e outras, elaborou o conceito de Escola Unitária, que freqüentemente é descrita de forma sintética pelo texto que se segue, mas que não pode ser restrita a essa definição: (...) escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre equanimemente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual. Deste tipo de escola única, através de repetidas experiências de orientação profissional, passar-se-á a uma das escolas especializadas ou ao trabalho produtivo (Gramsci, 1968, p.118). Para entender essa Escola Unitária, é preciso percorrer a exposição do pensamento de Gramsci, perceber que sua concepção de formação do homem não fica apenas no plano individual, mas objetiva essencialmente o coletivo: trata-se de preparar intelectuais para conduzirem a hegemonia da classe trabalhadora, o que levará a uma nova sociedade, mais justa e humana, o que, por sua vez, se refletirá no indivíduo. A construção dessa nova sociedade, na visão de Gramsci, pressupõe necessariamente a formação de um novo homem, conformado para ter disciplina mental, preparo intelectual e habilidade manual. A educação básica não pode conduzir o jovem a uma escolha profissional prematura. Nesse sentido, Gramsci propunha a continuidade de estudos até o nível superior, após o que se daria a entrada no mundo do trabalho. As academias e universidades seriam o ápice de uma formação escolar na qual o trabalho intelectual e o manual, entendido este como ligado à técnica e à produção, estariam sempre integrados, como uma exigência da vida atual na qual o trabalho e a ciência são indissociáveis. A base dessa formação é, pois, a Escola Unitária, com um primeiro nível ativo e um segundo mais criativo, de preparação para o ensino superior. Essa escola, como um todo, tem como objetivo maior a formação dos valores fundamentais do humanismo, isto é, a autodisciplina intelectual e a autonomia moral necessárias tanto para os estudos posteriores como para a profissão (Manacorda, 1990, p.163). A Escola Unitária elementar e média deve educar de forma conjunta para as atividades intelectuais e manuais, entendendo isto como a essência do moderno trabalho industrial, e propiciar uma orientação múltipla em relação às futuras atividades profissionais, sem predeterminar escolhas. Não nos podemos preparar para as modernas atividades profissionais, as quais se tornaram complexas e com as quais a ciência se encontra tão intimamente entrelaçada, sem ter como base uma cultura geral formativa teórico-prática (Manacorda, op. cit., p.165). A cientificização de toda atividade profissional é a característica marcante dos tempos atuais, e Gramsci entende que a construção de uma nova sociedade pela classe trabalhadora deve ter esse princípio norteador. Não basta, porém, expressá-lo, esperando que as pessoas e instituições o assimilem; é preciso promover uma educação escolar voltada para a verdadeira formação científica, além da tecnológica. Acreditamos que os cursos técnicos integrados ao ensino médio seriam, como já foram, um instrumento para alcance de tal objetivo. Educação politécnica – conceito que pressupõe a concepção de homem omnilateral, o trabalho produtivo e a articulação entre trabalho manual e intelectual e as bases científico-técnicas da produção industrial. Fundamenta-se, pois, em uma sólida base de formação científica (domínio dos princípios teóricos e metodológicos das operações e domínio da ciência em relação ao trabalho) e histórica, na qual os trabalhadores qualificam-se especificamente (saber técnico). Como você vê a possibilidade de todos atingirem os níveis mais elevados de escolaridade? A proposta subjacente à política de formação profissional parece incentivar os egressos de cursos técnicos a limitarem-se a essa escolaridade. Por que não podem ir galgando os patamares de formação ao longo da vida, à medida que consigam vencer dificuldades conjunturais (como falta de recursos para sustentar os estudos, sem trabalhar)? Registre sua visão no Diário de Estudo. 56 5 O campo da ação Aplicando os conceitos de formação integral na educação de adultos Muito antes de chegar à forma mais elaborada de seu modelo de educação escolar, que é a Escola Unitária, Gramsci já considerava o que chamou de outras vias educativas, tais como círculos de cultura, academias, publicações e cursos por correspondência – esses hoje incluídos nos métodos de educação a distância. Em todas, porém, defendia como condição básica a existência de um rigoroso método a ser seguido tanto pelos que elaboram ou organizam o processo educativo como por quem dele participa, bem como a adequada seleção dos temas e assuntos. Aqueles que já tenham saído da escola não devem, por isso, deixar de aprimorar-se intelectualmente. Toda a sociedade, principalmente a classe trabalhadora, pode ser educada progressivamente, não por uma necessidade de produzir mão-de-obra adequada às demandas do mercado e à evolução tecnológica, mas pela necessidade do ser humano preparar-se para a vida e para o trabalho, que é a forma digna de obter o necessário para si e para a coletividade. Vemos, então, que todos os conceitos encontrados no pensamento pedagógico de Gramsci podem ser adequados à educação continuada de jovens e adultos e que cabe aos sujeitos dessa educação a busca dessa adequação. A formação de competências é uma abordagem conveniente às necessidades do atual estágio da organização produtiva, na ordem social vigente. Aplicada de per si, sem uma visão educativa maior, pode levar um trabalhador a tornar-se útil aos interesses daqueles que se apropriam de sua força de trabalho, mas não a ele próprio ou ao conjunto da sociedade. Entretanto, se o processo educativo que procura formar as competências tiver como referência princípios como os que regem a Escola Unitária, será possível preparar um cidadão e não apenas um operário. O docente deve, portanto, ter clareza do seu compromisso social e não ser um simples aplicador de técnicas; para isso, precisa refletir seu papel como profissional com base em referenciais que compreenda e possa transformar em ações. Como podemos extrair da exposição do pensamento de Gramsci, um referencial que atenda à formação de competência humana é aquele que entende que todas as pessoas podem – e devem – atingir os níveis mais altos de formação; que todos possuem condições intelectuais para isso, sendo necessário um trabalho pedagógico disciplinado, com apoio da família e da escola; que a escolha profissional é do indivíduo, após orientação, não estando relacionada à sua origem social; que todos devem ser preparados para alcançar as posições mais elevadas e, mesmo não se tornando dirigente, o cidadão deve ter condição de dialogar com os que estejam nessa posição. No próximo tema, particularizamos as demandas por formação profissional de nível médio na área de Saúde, e você poderá, ao final, relacioná- las com os princípios educativos que está conhecendo, para construir uma proposta educativa que venha atender aos seus alunos, cidadãos-trabalhadores. A formação profissional em transformação 57 Outras leituras ! AMÂNCIO FILHO, Antenor. Reflexões sobre uma experiência de educação politécnica na Saúde. In: Boletim Técnico do SENAC, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, set./dez. 1998. Uma experiência bem-sucedida em educação integral é a da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. Veja, a respeito, o artigo de Antenor Amâncio Filho, que é Pesquisador Titular do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da Fiocruz e Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Você o encontrará também na Internet, procurando na página do SENAC, em http://www.senac.br. ! DELUIZ, Neise. A Globalização econômica e os desafios à formação profissional. In: Boletim Técnico do SENAC, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, maio/ago. 1996, p.73. Neise Deluiz é uma estudiosa do novo perfil profissional, professora-adjunta da UFRJ, especialista da Faculdad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO), socióloga e doutora em Educação pela UFRJ. Você o encontrará também na Internet, através do mecanismo de busca disponível na página do SENAC, em http://www.senac.br. ! DEMO, Pedro. Educação profissional: desafios da competência humana para trabalhar. In: BRASIL. Ministério do Trabalho. Educação profissional: o debate da(s) competência(s). Brasília: MTE, SEFOR, 1997. O Professor Pedro Demo, da Universidade de Brasília, colabora para o avanço na apropriação crítica do conceito de competência, em texto cuja leitura consideramos importante. ! TORREZ, Milta Neide Freire Barron. Qualificação e trabalho em saúde: o desafio de “ir além” na formação dos trabalhadores de nível médio, 1994, 282 F. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. A formação de trabalhadores de nível médio em saúde é motivo de reflexão e estudo por parte de diversos profissionais da área, mas também de trabalho sério e incessante por parte de outros. Milta Torrez contribui para a compreensão dessa problemática com sua dissertação de mestrado, referência para produções mais recentes. 60 5 O campo da ação Essa estrutura de privilégios gerou permanente tensão entre os atendidos e os não atendidos, bem como entre as diversas categorias atendidas, já que havia diferenças significativas de acesso entre elas. Tal tensão cresceu junto com a industrialização e com as conquistas políticas dos trabalhadores, levando à promulgação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), em 1960, que uniformizou os benefícios oferecidos por todos os institutos, mas os manteve separados. A unificação de todas as instituições previdenciárias ocorreu em 1966, com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Seguiu-se o aumento da oferta de serviços de saúde por particulares, por convênios e credenciamentos, junto com o sucateamento e a desativação dos serviços hospitalares próprios da Previdência. O atendimento ambulatorial, porém, continuou na rede própria e expandiu-se. A partir da década de 70, a cobertura do sistema entrou em constante ampliação, tanto pela incorporação de novos grupos de trabalhadores, como os domésticos, autônomos e rurais, quanto pela extensão dos serviços à população que não contribuía para a previdência. Os serviços médico-hospitalares tiveram, assim, um significativo aumento de demanda que, aliado à crescente incorporação de novas tecnologias e à política privatizante, fez os custos do sistema crescerem aceleradamente. A busca pela racionalização da área levou à criação do Sistema Nacional de Saúde, pela Lei no 6.229, de 1975, constituído pelo complexo de serviços, do setor público e do setor privado, voltados para ações do interesse da saúde. Por essa lei, o Ministério da Saúde assumia a função de formular a política pública de Saúde e promover ações visando ao interesse coletivo, enquanto o Ministério da Previdência (MPAS), por meio do INSS, assumia as ações médico-assistenciais individualizadas. Em 1977 é criado o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), com o propósito de simultaneamente articular as ações de saúde entre si e estas com o conjunto das políticas de proteção social. No primeiro caso, através do Sistema Nacional de Saúde, no segundo caso, através do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social. Como componente simultâneo do SNS e do SINPAS, esperava-se do INAMPS o cumprimento do papel de braço assistencial do sistema de saúde e de braço da saúde do sistema de proteção social (Carvalho, 1998, p.8). Na prática, o MPAS ditava a política da Saúde, por deter a maior parte das verbas. Entretanto, a maior fatia dos recursos desse ministério ia para os benefícios, como aposentadorias e pensões, sobrando cada vez menos para o INAMPS, responsável pela assistência à saúde. Trabalhador da Saúde 61 A crise financeira da Previdência Social vai crescendo pelas razões já citadas – entrada de mais trabalhadores no sistema, privatização progressiva dos serviços e atendimento a não-segurados, às quais se soma, agora, a política de recessão do país, que reduz a oferta de empregos e de salários, diminuindo a arrecadação. O agravamento dessa crise conduz à maior integração da rede pública de atenção à saúde, como forma de racionalizar a oferta de recursos e diminuir os custos. Nesse quadro, surge o Conselho Consultivo de Administração de Saúde Previdenciária (CONASP), criado pelo Decreto no 86.329, de 1981, composto por notáveis da Medicina, representantes de diversos ministérios, representantes dos trabalhadores e dos empresários. Tinha como missão reorganizar a assistência médica, estudar seu financiamento, elaborar processos para racionalizar a aplicação de recursos e para o controle de custos. Tais informações continuamos a colher em Carvalho (1998), que acrescenta: Os dois programas mais importantes do CONASP foram a implantação do Sistema de Atenção Médico-Hospitalar da Previdência Social (SAMHPS) e o das Ações Integradas de Saúde: o primeiro voltado para disciplinar o financiamento e o controle da rede assistencial privada contratada; o segundo com a finalidade de revitalizar e racionalizar a oferta do setor público, estabelecendo mecanismos de regionalização e hierarquização da rede pública das três esferas governamentais, até então completamente desarticuladas (ibidem, p. 11). As Ações Integradas de Saúde (AIS) construíram uma base técnica e lançaram princípios estratégicos que culminaram na mudança do sistema, ao final da década de 1980. A partir delas, caminhou-se progressivamente para a universalização de clientelas, para a integração/unificação operacional das diversas instâncias do sistema público e para a descentralização dos serviços e ações em direção aos municípios (ibidem, p.11). As transformações ocorridas em 1985 na vida política do país, com a chegada ao poder de um governo civil, que ficou conhecido como Nova República, levaram à derrota da solução ortodoxa privatista para a crise da Previdência e ao predomínio de uma visão publicista, comprometida com a reforma sanitária (ibidem, p.13). Nesse processo de transformação, foram criados, por decreto de julho de 1987, os Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde (SUDS). Essa medida, como assinala Carvalho (ibidem), apontava os estados e municípios como gestores do futuro sistema de saúde, representando a extinção legal da idéia de assistência previdenciária, redefinindo as funções e atribuições das três esferas gestoras no campo da saúde, reforçando a descentralização e restringindo o nível federal apenas às funções de coordenação política, planejamento, supervisão, normatização, regulamentação do relacionamento do setor privado (ibidem, p.14). A partir daí, o INAMPS foi transferindo progressivamente para os estados e municípios seus recursos humanos e financeiros, suas unidades e suas 62 5 O campo da ação atribuições, até ser extinto, em 1993, como conseqüência natural da emergência do SUS. A saúde é um direito de todos e um dever do Estado, mas sua garantia precisa ser conquistada, assim como tantos outros direitos assegurados pelas leis e ignorados na realidade. As transformações ocorridas na seguridade social desde o governo Vargas não foram concessões, mas conquistas dos trabalhadores. A organização da nossa sociedade, porém, não faculta a todos seus cidadãos um emprego regular, com carteira assinada, que era o passaporte para a assistência à saúde. Assim, a luta voltou-se para extensão dessa assistência a toda a população, não excluindo duplamente os desempregados e os trabalhadores informais. Também mudou a concepção da assistência à saúde, que agora empresta a mesma relevância à prevenção e à cura das doenças. O SUS: origem e caracterização A nova orientação para a política pública de Saúde no Brasil começa a surgir mais nitidamente com a Nova República. Essa nova fase não se resumiu à troca de Presidente, mas promoveu mudanças em todo o país, principalmente com o início dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, em 1987. Nessa época, a sociedade se organizou de diversas maneiras, por intermédio dos próprios partidos políticos, além de sindicatos, entidades profissionais, organizações não-governamentais e movimentos populares, entre outras, buscando oferecer propostas para a nova Constituição e sua regulamentação, nos mais diferentes aspectos da vida nacional. Em 1986, realizou-se em Brasília a VIII Conferência Nacional de Saúde, com aproximadamente três mil participantes, sendo mil votantes, representando diversos segmentos sociais. Para lá foram levados os resultados de debates anteriores, realizados nos estados, e que delinearam o SUS. Dessa conferência resultou um consenso crítico a respeito do sistema de saúde e uma agenda de mudanças, que ficou conhecida como a Agenda Sanitária (Carvalho, 1998, p.16). As bases do texto da Constituição Federal de 1988 sobre a Saúde, incluídas no capítulo relativo à Seguridade Social, foram ali lançadas, partindo do lema Saúde: direito de todos, dever do Estado. Os princípios da política setorial estabelecida pela nova Constituição são resumidos por Carvalho (ibidem), nos seguintes pontos básicos: ! as necessidades individuais e coletivas são consideradas de interesse público e seu atendimento um dever do Estado; Trabalhador da Saúde 65 tanto públicos como privados, a universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência e a integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema. Atinge, então, sua forma atual com a normativa NOB-96, que acelera a descentralização dos recursos federais em direção aos estados e municípios, consolidando a tendência à autonomia de gestão das esferas descentralizadas e cria incentivos às mudanças na lógica assistencial, rompendo com o produtivismo e implementando incentivos aos programas dirigidos às populações mais carentes (como o PACS) e às práticas fundadas numa nova lógica assistencial (como o PSF) (Carvalho, 1998, p. 35). Essa normativa, no dizer do mesmo autor, considera que a atenção à saúde compreende todo o conjunto de ações desenvolvidas pelo SUS, em todos os níveis de governo, para o atendimento das demandas pessoais e das exigências ambientais, compreendendo três grandes campos: a) o da assistência, em que as atividades são dirigidas às pessoas, individual ou coletivamente, e que é prestada no âmbito ambulatorial e hospitalar, bem como em outros espaços, especialmente no domiciliar; b) o das intervenções ambientais, no seu sentido mais amplo, incluindo as relações e as condições sanitárias nos ambientes de vida e de trabalho, o controle de vetores e de hospedeiros e a operação de sistemas de saneamento ambiental (mediante o pacto de interesses, as normatizações, as fiscalizações e outros); e c) o das políticas externas ao setor saúde, que interferem nos determinantes sociais do processo saúde-doença das coletividades, de que são partes importantes as questões relativas às políticas macroeconômicas, ao emprego, à habitação, à educação, ao lazer e à disponibilidade e à qualidade dos alimentos (Carvalho, 1998, p. 37-8). O espectro de ações de atenção à saúde passa pela promoção, proteção e recuperação da saúde, devendo ser priorizado o caráter preventivo. Como você pôde acompanhar pela exposição feita aqui, o setor Saúde no Brasil adquiriu uma nova concepção, resumida no parágrafo anterior. Esta foi desenhada pela ação organizada de segmentos sociais e precisa ser consolidada. Uma boa parcela já foi construída, mas ainda existe um longo caminho a ser trilhado, ultrapassando a concepção antiga, eminentemente curativa e centrada nos hospitais, até uma abordagem sistêmica, trabalhando com todos os fatores que contribuem ou interferem na saúde, tais como os ambientais e as condições de vida das pessoas. Essa discussão será retomada no Núcleo Integrador. Parte importante na implantação do novo modelo cabe aos profissionais da saúde, como você e aqueles que você formará. Quais são as exigências de tal formação, no sistema descrito? É isso que pretendemos explorar a seguir. Macroeconomia – ramo da ciência econômica que estuda os aspectos globais da economia de um país, especialmente seu nível geral de produção e renda, e as inter-relações entre os diferentes setores. É importante que você conheça as leis que regem o SUS. Com a abordagem que fazemos aqui, será mais fácil a leitura. Portanto, leia as Leis no 8.080/90 e no 8.142/90, procurando destacar os aspectos relevantes mais relacionados ao seu trabalho, bem como aqueles que você considera que ainda necessitam ser implantados ou que estão sendo esquecidos. 66 5 O campo da ação O profissional da saúde na concepção do SUS Os conceitos centrais do novo paradigma setorial são sintetizados em documento do Ministério da Saúde (MS) intitulado A Política de Recursos Humanos para a Área da Saúde (Brasil, 1999b), o qual tomamos como referência para as nossas considerações. São os conceitos: ! o reconhecimento de que a saúde é produto de um amplo espectro de fatores relacionados com a qualidade de vida; ! a compreensão de que a promoção da saúde é o resultado de um conjunto articulado de atividades, processos e recursos de origem governamental, institucional e comunitária. Trabalhar para que esse paradigma seja de fato aplicado significa suplantar o modelo assistencialista anterior, passando ao de promoção da saúde, que inclui prevenção, diagnóstico precoce, recuperação e reabilitação. O novo modelo implica dispor de profissionais capazes de reconhecer a amplitude necessária de atuação e sua inserção em um conjunto articulado de ações. Devem conhecer essas ações e dar-lhes continuidade em seu segmento, mantendo relação com os demais. Devem ser agentes ativos na produção dos serviços, conscientes de sua importância para o alcance dos objetivos maiores. Assim, a formação de pessoal é reconhecida pelo MS como ponto fundamental para a consecução dos princípios e das diretrizes gerais do SUS, dando-lhe factibilidade, coerência, viabilidade e capacidade de resposta aos problemas que se propõe a resolver e superar (Brasil, 1999b). Hoje, todas as análises e levantamentos apontam para um grande contingente de pessoal de nível médio na área da Saúde sem qualificação específica para atuar em suas diferentes áreas, tais como Enfermagem, Nutrição e Dietética, Odontologia, Farmácia, Saúde Ambiental, Vigilância Sanitária, Registro em Saúde e Apoio Diagnóstico-terapêutico. Estudos feitos pelo PROFAE indicam um total de 250.000 trabalhadores nessa situação somente na área de Enfermagem, sendo que, destes, 105.000 não concluíram o ensino fundamental (antigo primeiro grau) completo (ibidem). Esses trabalhadores de nível médio sem qualificação constituem uma força de trabalho de baixo custo, o que contribui para sua manutenção em serviço e para a falta de interesse de outras pessoas em prepararem-se para essas ocupações. Pode-se defender a permanência da situação como está, alegando que esses trabalhadores executam suas funções e o sistema funciona. Tal posição é vantajosa do ponto de vista econômico, pois evita o investimento em formação/qualificação de pessoal e mantém o baixo custo da mão-de-obra. Está, Trabalhador da Saúde 67 porém, em flagrante oposição aos princípios de atendimento às necessidades sociais, que demandam qualidade nos serviços de saúde, e também aos interesses dos trabalhadores em melhorar suas próprias condições de vida e de atuação, como apontam Santos e Christófaro (1996, p. 50): (...) a formação desses trabalhadores torna-se indispensável porquanto sua legitimidade, reduzida ao âmbito interno de cada locus de trabalho, obstrui sua legitimação e identidade social, impondo-lhes um processo de marginalidade real, que desfigura sua identidade e dilui a sua participação nos resultados e na qualidade do trabalho em saúde. Essas autoras observam que tais trabalhadores não-qualificados são capazes de atender às necessidades concretas de serviço, à medida que estas lhes chegam traduzidas na forma de tarefas específicas a serem realizadas. Desse modo, são convertidos em cumpridores de ordens de trabalho e, assim, tornam-se descartáveis, pois não detêm conhecimentos e, logo, não detêm poder. Acrescentam que as práticas de saúde dependem de requisitos específicos a serem previamente adquiridos por aqueles que se ocuparão do trabalho em saúde como forma primária e primeira de proteger a sociedade e as pessoas que precisam destes serviços e reconhecer – social e materialmente – aqueles que as executam (Santos e Christófaro, 1996, p.50). Voltando ao quadro dos trabalhadores de nível médio do SUS, encontramos um número elevadíssimo de pessoas que já atuam no sistema e que não podem ser desprezadas. Assim, antes de partir para a formação escolar de pessoal, deve-se qualificar os que estão inseridos. Somente dessa forma esse segmento terá possibilidade de elevação salarial, atraindo jovens para os cursos técnicos na área da Saúde, para posterior ingresso nos postos de trabalho. Defrontamo-nos com o desafio de atender a uma clientela bastante heterogênea, em idade e em formação escolar, dispersa por todo o território nacional e atuando em serviço nos mais diversos locais (hospitais, centros de saúde e ambulatórios, entre outros). Fazer com que essas pessoas retornem à escola é muito difícil, mas levar a escola até elas talvez não seja. Aqui fazemos uma diferenciação entre a formação escolar e o treinamento em serviço. Este último é muito importante para atualização e reciclagem dos profissionais que já tenham uma formação regular na área, mas será pouco útil para fornecer o conhecimento geral, básico para a atuação em uma área tão sensível. Daí a realização de cursos vinculados a um processo educativo e formativo, os quais podem ser desenvolvidos nos próprios locais de trabalho, mas sob a orientação de instituições de ensino, tais como as Escolas Técnicas de Formação em Saúde, e ministrados por profissionais com preparo técnico e pedagógico, como você está adquirindo. A formação necessária ao trabalhador em Saúde está expressa, de forma objetiva, nos instrumentos legais, como a Resolução CEB 04/99, do CNE, e as Diretrizes Curriculares, do MEC. Entretanto, você deve trabalhar com tais instrumentos como pontos de partida e desenvolver sua própria abordagem, com base na concepção educacional adotada pelo coletivo de seu curso ou escola, através do projeto político-pedagógico. Você pode retornar ao Tema 1 e rever a discussão sobre a aceitação social de uma dada categoria de trabalhadores como profissionais. Identificando, normalizando e certificando as competências do auxiliar de enfermagem O PROFAE vem desenvolvendo desde 2000, de forma pioneira no país, um Sistema de Certificação de Competências, com o objetivo de contribuir para corrigir a situação em que se encontram muitos dos trabalhadores de nível médio em Saúde. Nesse processo, considera-se a noção de competência humana, entendendo que a nova visão de qualidade da assistência inclui, além de aspectos técnico-instrumentais, a humanização do cuidado em sua dimensão ética. A Certificação de Competências é o processo de validação de competências adquiridas pelo trabalhador, com base em normas pactuadas entre os atores interessados no processo – em geral, empresários e trabalhadores de um dado setor, mediados ou não por instância governamental (Brasil, 2000a). Os níveis de competência atingidos e ainda a atingir pelo trabalhador podem ser identificados comparando o desempenho profissional demonstrado frente ao desejado e, assim, indicar-lhe caminhos para seu desenvolvimento profissional (Brasil, 2000a). As competências devem ser estabelecidas por meio de um perfil, elaborado mediante estudos das atividades profissionais, ouvidos os setores interessados, inclusive trabalhadores e empregadores, sendo permanentemente atualizados, conforme o art. 7º do Decreto 2.208/97. O PROFAE identificou o Perfil de Ações do Auxiliar de Enfermagem (Brasil, 2001) de forma participativa, mobilizando pessoal da área, de várias regiões do país, de acordo com o preconizado no decreto. Com base nesse perfil, o Ministério da Saúde elaborou sua Norma para Certificação de Competências Profissionais do Auxiliar de Enfermagem, que serão consideradas para fins de avaliação e certificação dos egressos dos cursos de Qualificação Profissional de Nível Técnico em Auxiliar de Enfermagem implementados pelo Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores na Área de Enfermagem – PROFAE. Como nos esclarece Ramos (2001), A estrutura da educação profissional com base em competência é constituída pelas seguintes etapas: a) análise do processo de trabalho para a definição do perfil de competências; b) normalização das competências, quando se estabelece um acordo social em torno do perfil, gerando a norma de competências, que serve de referência para os desenhos curriculares e para a avaliação; Veja, como anexo a este módulo, a íntegra da Norma para Certificação de Competên- cias Profissionais do Auxiliar de Enfermagem do PROFAE. No sítio http://www.profae.gov.br você encontrará também a íntegra do Perfil de Ações do Auxiliar de Enfermagem, das Referências Conceituais para a Organização do Sistema de Certificação de Competências/ PROFAE e do Termo de Referência do Processo de Avaliação/Certificação do Auxiliar de Enfermagem Egresso dos Cursos PROFAE. c) formação por competência, realizada por meio de um currículo desenhado com base no perfil de competência; d) avaliação por competência, com base na norma definida. Percebemos que todas as etapas estão, agora, adequadamente atendidas no âmbito do PROFAE. Formação profissional – para além das fórmulas padronizadas Na medida em que o processo de formação profissional tende a se diversificar e é direcionado para a aquisição e certificação de competências, cabe a questão: que tipo de formação melhor prepara o ser humano para a sociedade tecnológica, em mudança permanente? Será a generalista, na qual as questões do trabalho não estão necessariamente presentes e o contato com a tecnologia é vago e casual? Ou será um curso de formação para a área da Saúde, para a área Tecnológica ou outra área, no qual estejam presentes e integrados os conhecimentos científicos, os tecnológicos, as técnicas específicas e as relações humanas? Devemos aprofundar a separação entre preparação para o trabalho e educação? Ou devemos aproveitar a produção dos educadores que refletem sobre a formação profissional em ambiente escolar? Quem pensa e quem faz educação vem se preocupando intensamente com essas questões. Você atuará em cursos que estarão sendo construídos – face às mudanças na legislação, às demandas específicas e às muitas diferenças entre os estudantes – e permanentemente reconstruídos – em função das transformações tecnológicas e da sua incorporação às necessidades da Saúde. Nesses cursos, poderá aplicar muitos dos princípios da formação integral que embasam a concepção de Escola Unitária, já que neles estarão presentes aspectos que unem os conteúdos ensinados ao trabalho concreto. Ao formar o trabalhador de Saúde sob uma ótica de integralidade – unindo a técnica à ciência, o saber fazer ao saber por quê, a preocupação com o resultado à preocupação com o ser humano – você estará contribuindo para a atuação harmônica de todos que trabalham na área da Saúde, nos seus mais diversos níveis e especificidades, e para o sucesso da política setorial. Vamos encontrar na proposta de diretrizes curriculares para a área da Saúde (Brasil, 1999a, p.6), já mencionada, a clara expressão dessa visão. O reconhecimento da integralidade como um princípio ou diretriz que contemple as dimensões biológicas, psicológicas e sociais do processo saúde-doença através de ações de promoção, proteção, recuperação e reabilitação que respeitem a integridade do ser humano deve ser, progressivamente, difundido como uma nova cultura da saúde na educação profissional. As estratégias para essa formação não devem, portanto, confundir a atenção primária à saúde com tecnologia simplificada e capacitação insuficiente. A Certif icação de Competências, como vimos, está prevista na legislação atual e tem sido definida como um processo por meio do qual se verifica – e, se confirmado, reconhece e certifica – que um indivíduo demonstra possuir o conjunto de competências para atuar em uma determinada ocupação. Pode ser também aplicada no caso de prosseguimento de estudos, para os quais certas competências são necessárias à realização de uma nova etapa, como pré-requisitos. Curso generalista – é aquele que prioriza os conhecimentos gerais (educação geral), em vez do saber técnico, específico, especializado. O desenvolvimento de hábitos e atitudes é muito importante na área da Saúde, ao lado da aquisição de conteúdos técnicos, pois de nada adianta conhecer algo e não aplicar. Certamente, isso constitui uma competência. Relacione alguns exemplos de sua área nos quais os profis- sionais devem associar esses aspectos, comentando a respeito deles em seu Diário de Estudo. Trazendo isso para a nossa abordagem, significa que os trabalhadores em Saúde devem ter o conhecimento do todo, mesmo que só executem uma parte. Não precisam saber executar tudo, mas saber que ações e processos estão encadeados e qual é a sua posição nessa cadeia. O mesmo texto continua: A formação de agentes das práticas de saúde inspirada no paradigma da promoção da saúde aponta para a multisensorialidade, de um lado, e a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, de outro (ibidem). O trabalho coletivo exige a capacidade comunicativa entre os membros da equipe e também entre esses e os que recebem seus cuidados. Assim, a formação desse novo trabalhador requer habilidades cognitivas (o saber por quê), técnicas (o saber fazer) e afetivas (o saber relacionar-se). Ele deve ter conhecimentos gerais da área, conhecimentos específicos relacionados à sua atividade, capacidade de pensar de forma abstrata (sobre o que não está diretamente à sua frente, por exemplo), capacidade de relacionar os conhecimentos entre si e estes com a realidade, capacidade de analisar as situações e compreendê-las corretamente, capacidade de trabalhar de forma cooperativa em grupo e pelo aperfeiçoamento do grupo, capacidade de avaliar o resultado do seu trabalho e agir para melhorá-lo. Alcançar todos esses aspectos por intermédio da formação exige mais do que a transmissão de conteúdos das chamadas matérias de ensino. Requer todo um conjunto de ações e procedimentos dos agentes do processo educativo – os docentes e o pessoal técnico-pedagógico – articulados entre si. A definição desse conjunto faz parte do planejamento pedagógico, e a articulação se dá nos diversos momentos em que a equipe se reúne e também nas atividades cotidianas. Antecedendo o detalhamento, está a concepção maior do processo educativo, expressa no projeto político-pedagógico. A construção desse projeto será assunto do Módulo 6; aqui apenas tratamos de sua importância. O papel do docente é decisivo para a viabilidade da proposta pedagógica, como afirma o documento do Ministério da Saúde sobre a formação de recursos humanos: A adequação da formação dos profissionais às necessidades do SUS sem dúvida dependerá do preparo pedagógico dos docentes frente às novas exigências educacionais. Isto significa adotar uma ação educativa crítica, autonomizadora, criativa, capaz de referenciar-se na realidade das práticas e nas transformações políticas, tecnológicas e científicas relacionadas à saúde. Desta forma será possível a construção das competências humanístico-profissionais requeridas pela promoção, desospitalização, vigilância em saúde (Brasil, 1999b, p. 9). 5 O campo da ação Anexos 1. DECRETO N.º 2.208, DE 17 DE ABRIL DE 1997 (Publicado no Diário Oficial de 18 de abril de 1997/Seção 1) Regulamenta o § 2º do art.36 e os arts. 39 a 42 da Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, DECRETA: Art. 1º A educação profissional tem por objetivos: I - promover a transição entre a escola e o mundo do trabalho, capacitando jovens e adultos com conhecimentos e habilidades gerais e específicas para o exercício de atividades produtivas; II - proporcionar a formação de profissionais, aptos a exercerem atividades específicas no trabalho, com escolaridade correspondente aos níveis médio, superior e de pós-graduação; III - especializar, aperfeiçoar a atualizar o trabalhador em seus conhecimentos tecnológicos; IV - qualificar, reprofissionalizar e atualizar jovens e adultos trabalhadores, com qualquer nível de escolaridade, visando a sua inserção e melhor desempenho no exercício do trabalho. Art. 2º A educação profissional será desenvolvida em articulação como o ensino regular ou em modalidades que contemplem estratégias de educação continuada, podendo ser realizada em escolas do ensino regular, em instituições especializadas ou nos ambientes de trabalho. Art. 3º A educação profissional compreende os seguintes níveis: I - básico: destinado à qualificação, requalificação e reprofissionalização de trabalhadores, independentes de escolaridade prévia; II - técnico: destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos matriculados ou egresso de ensino médio, devendo ser ministrado na forma estabelecida por este Decreto; III - tecnológico: corresponde a cursos de nível superior na área tecnológica, destinados a egressos do ensino médio e técnico. Art. 4º A educação profissional de nível básico é modalidade de educação não- formal e duração variável, destinada a proporcionar ao cidadão-trabalhador conhecimentos que lhe permitiam reprofissionalizar-se, qualificar-se e atualizar- se para o exercício de funções demandadas pelo mundo do trabalho, compatíveis com a complexidade tecnológica do trabalho, o seu grau de conhecimento técnico e o nível de escolaridade do aluno, não estando sujeita à regulamentação curricular. 75 76 5 O campo da ação 76 §1º As instituições federais e as instituições públicas e privadas sem fins lucrativos, apoiadas financeiramente pelo Poder Público, que ministram educação profissional deverão, obrigatoriamente, oferecer cursos profissionais de nível básico em sua programação, abertos a alunos das redes públicas e privadas de educação básica, assim como a trabalhadores com qualquer nível de escolaridade. §2º Aos que concluírem os cursos de educação profissional de nível básico será conferido certificado de qualificação profissional. Art. 5º A educação profissional de nível técnico terá organização curricular própria e independente do ensino médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou seqüencial a este. Parágrafo único: As disciplinas de caráter profissionalizantes, cursadas na parte diversificada do ensino médio, até o limite de 25% do total da carga horária mínima deste nível de ensino, poderão ser aproveitadas no currículo de habilitação profissional, que eventualmente venha a ser cursada, independente de exame específicos. Art. 6º A formulação dos currículos plenos dos cursos do ensino técnico obedecerá ao seguinte: I - o Ministério da Educação e do Desporto, ouvido o Conselho Nacional de Educação, estabelecerá diretrizes curriculares nacionais, constantes de carga horária mínima do curso, conteúdos mínimos, habilidades e competências básicas, por área profissional; II - os órgãos normativos do respectivo sistema de ensino complementarão as diretrizes definidas no âmbito nacional e estabelecerão seus currículos básicos, onde constarão as disciplinas e cargas horárias mínimas obrigatórias, conteúdos básicos, habilidades e competências, por área profissional; III - o currículo básico, referido no inciso anterior, não poderá ultrapassar setenta por cento da carga horária mínima obrigatória, ficando reservado um percentual mínimo de trinta para que os estabelecimentos de ensino, independente de autorização prévia, elejam disciplinas, conteúdos, habilidades e competências específicas da sua organização curricular; §1º Poderão ser implementados currículos experimentais, não contemplados nas diretrizes curriculares nacionais, desde que previamente aprovados pelo sistema de ensino competente. §2º Após avaliação da experiência e aprovação dos resultados pelo Ministério da Educação e do Desporto, ouvido o Conselho Nacional de Educação, os cursos poderão ser regulamentados e seus diplomas passarão a ter validade nacional. Art. 7º Para a elaboração das diretrizes curriculares para o ensino técnico, deverão ser realizados estudos de identificação do perfil de competências necessárias à atividade requerida, ouvidos os setores interessados, inclusive trabalhadores e empregadores. 77 Parágrafo único. Para atualização permanente do perfil e das competências de que trata o caput, o Ministério da Educação e do Desporto criará mecanismos institucionalizados, com a participação de professores, empresários e trabalhadores. Art. 8º Os currículos do ensino técnico serão estruturados em disciplinas, que poderão ser agrupadas sob a forma de módulos. §1º No caso de o currículo estar organizado em módulos, estes poderão ter caráter de terminalidade para efeito de qualificação profissional, dando direito, neste caso, a certificado de qualificação profissional. §2º Poderá haver aproveitamento de estudos de disciplinas ou módulos cursados em uma habilitação específica para obtenção de habilitação diversa. §3º Nos currículos organizados em módulos, para obtenção de habilitação, estes poderão ser cursados em diferentes instituições credenciadas pelos sistemas federal e estaduais, desde que o prazo entre a conclusão do primeiro e do último módulo não exceda cinco anos. §4º O estabelecimento de ensino que conferiu o último certificado de qualificação profissional expedirá o diploma de técnico de nível médio, na habilitação profissional correspondente aos módulos cursados, desde que o interessado apresente o certificado de conclusão do ensino médio. Art. 9º As disciplinas do currículo do ensino técnico serão ministradas por professores, instrutores e monitores selecionados, principalmente, em função de sua experiência profissional, que deverão ser preparados para o magistério, previamente ou em serviço, através de cursos regulares de licenciatura ou de programas especiais de formação pedagógica. Parágrafo único. Os programas especiais de formação pedagógica a que se refere o caput serão disciplinados em ato do Ministério de Estado da Educação e do Desporto, ouvido o Conselho Nacional de Educação. Ar. 10º Os cursos de nível superior, correspondentes à educação profissional de nível tecnológico, deverão ser estruturados para atender aos diversos setores da economia, abrangendo áreas especializadas, e conferirão diploma de Tecnólogo. Art. 11º Os sistemas federal e estaduais de ensino implementarão, através de exames, certificado de competência, para fins de dispensa de disciplinas ou módulos em cursos de habilitação do ensino técnico. Parágrafo único. O conjunto de certificados de competência equivalente a todas as disciplinas em módulos que integram uma habilitação profissional dará direito ao diploma correspondente de técnico de nível médio. Art. 12º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 17 de abril de 1997; 176ª da Independência e 109ª da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Paulo Renato Souza 77 5 O campo da ação 80 5 O campo da ação Art. 11. A escola poderá aproveitar conhecimentos e experiências anteriores, desde que diretamente relacionados com o perfil profissional de conclusão da respectiva qualificação ou habilitação profissional, adquiridos: I - no ensino médio; II - em qualificações profissionais e etapas ou módulos de nível técnico concluídos em outros cursos; III - em cursos de educação profissional de nível básico, mediante avaliação do aluno; IV - no trabalho ou por outros meios informais, mediante avaliação do aluno; V - e reconhecidos em processos formais de certificação profissional. Art. 12. Poderão ser implementados cursos e currículos experimentais em áreas profissionais não constantes dos quadros anexos referidos no artigo 5º desta Resolução, ajustados ao disposto nestas diretrizes e previamente aprovados pelo órgão competente do respectivo sistema de ensino. Art. 13. O Ministério da Educação organizará cadastro nacional de cursos de educação profissional de nível técnico para registro e divulgação em âmbito nacional. Parágrafo único. Os planos de curso aprovados pelos órgãos competentes dos respectivos sistemas de ensino serão por estes inseridos no cadastro nacional de cursos de educação profissional de nível técnico. Art. 14. As escolas expedirão e registrarão, sob sua responsabilidade, os diplomas de técnico, para fins de validade nacional, sempre que seus planos de curso estejam inseridos no cadastro nacional de cursos de educação profissional de nível técnico referido no artigo anterior. § 1º A escola responsável pela última certificação de determinado itinerário de formação técnica expedirá o correspondente diploma, observado o requisito de conclusão do ensino médio. § 2º Os diplomas de técnico deverão explicitar o correspondente título de técnico na respectiva habilitação profissional, mencionando a área à qual a mesma se vincula. § 3º Os certificados de qualificação profissional e de especialização profissional deverão explicitar o título da ocupação certificada. § 4º Os históricos escolares que acompanham os certificados e diplomas deverão explicitar, também, as competências definidas no perfil profissional de conclusão do curso. Art. 15. O Ministério da Educação, em regime de colaboração com os sistemas de ensino, promoverá processo nacional de avaliação da educação profissional de nível técnico, garantida a divulgação dos resultados. Art. 16. O Ministério da Educação, conjuntamente com os demais órgãos federais das áreas pertinentes, ouvido o Conselho Nacional de Educação, organizará um sistema nacional de certificação profissional baseado em competências. § 1º Do sistema referido neste artigo participarão representantes dos trabalhadores, dos empregadores e da comunidade educacional. § 2º O Conselho Nacional de Educação, por proposta do Ministério da Educação, fixará normas para o credenciamento de instituições para o fim específico de certificação profissional. 81 Art. 17. A preparação para o magistério na educação profissional de nível técnico se dará em serviço, em cursos de licenciatura ou em programas especiais. Art. 18. A observância destas diretrizes será obrigatória a partir de 2001, sendo facultativa no período de transição, compreendido entre a publicação desta Resolução e o final do ano 2000. § 1º No período de transição, as escolas poderão oferecer aos seus alunos, com as adaptações necessárias, opção por cursos organizados nos termos desta Resolução. § 2º Fica ressalvado o direito de conclusão de cursos organizados com base no Parecer CFE n.º 45, de 12 de janeiro de 1972, e regulamentações subseqüentes, aos alunos matriculados no período de transição. Art. 19. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário, em especial o Parecer CFE n.º 45/72 e as regulamentações subseqüentes, incluídas as referentes à instituição de habilitações profissionais pelos Conselhos de Educação. ULYSSES DE OLIVEIRA PANISSET Presidente da Câmara de Educação Básica Anexo à Resolução CEB 4/99 Área profissional: Saúde Caracterização da Área Compreende a promoção da saúde, por meio de ações integradas de proteção e prevenção de educação e de recuperação e reabilitação, referentes às necessidades de saúde individuais e coletivas, com base na adoção de modelo que ultrapasse a ênfase na assistência médico-hospitalar. A atenção e a assistência à saúde abrangem todas as dimensões do ser humano – biológica, psicológica, social, espiritual, ecológica – e são desenvolvidas por meio de atividades diversificadas, dentre as quais biodiagnóstico, enfermagem, estética, farmácia, nutrição, radiologia em saúde, reabilitação, saúde bucal, saúde e segurança no trabalho, saúde visual e vigilância sanitária. As ações integradas de saúde são realizadas não só em estabelecimentos específicos de assistência à saúde, tais como postos, centros, hospitais, laboratórios e consultórios profissionais. Realizam- se, também em outros ambientes como domicílios, escolas, creches, centros comunitários, empresas e demais locais de trabalho. Competências Profissionais Gerais do Técnico da Área ! Identificar os determinantes e condicionantes do processo saúde-doença. ! Identificar a estrutura e organização do sistema de saúde vigente. ! Identificar funções e responsabilidades dos membros da equipe de trabalho. ! Planejar e organizar o trabalho na perspectiva do atendimento integral e de qualidade. ! Realizar trabalho em equipe, correlacionando conhecimentos de várias disciplinas ou ciências, tendo em vista o caráter interdisciplinar da área. 82 5 O campo da ação ! Aplicar normas de biossegurança. ! Aplicar princípios e normas de higiene e saúde pessoal e ambiental. ! Interpretar e aplicar legislação referente aos direitos do consumidor/usuário. ! Identificar e aplicar princípios e normas de conservação de recursos não renováveis e de preservação do meio ambiente. ! Aplicar princípios ergonômicos na realização do trabalho. ! Avaliar riscos de iatrogenias, ao executar procedimentos técnicos. ! Interpretar e aplicar normas do exercício profissional e princípios éticos que regem a conduta do profissional de saúde. ! Identificar e avaliar rotinas, protocolos de trabalho, instalações e equipamentos. ! Operar equipamentos próprios do campo de atuação, zelando pela sua manutenção. ! Registrar ocorrências e serviços prestados de acordo com exigências do campo de atuação. ! Informar o cliente/paciente, o sistema de saúde e outros profissionais sobre os serviços prestados. ! Orientar clientes/pacientes a assumirem, com autonomia, a própria saúde. ! Coletar e organizar dados relativos ao campo de atuação. ! Utilizar recursos e ferramentas de informática específicos da área. ! Realizar primeiros socorros em situações de emergência. Competências Específicas de cada Habilitação A serem definidas pela escola para completar o currículo, em função do perfil profissional de conclusão da habilitação. Carga Horária Mínima de cada Habilitação da Área 1.200 horas. 85 no Ministério da Saúde, o direito de conclusão dos respectivos estudos em cursos organizados com base nas normas e diretrizes anteriores, uma vez que o projeto foi planejado antes da definição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico e está iniciando sua implementação no ano de transição previsto pela Resolução CNE/CEB nº 04/99. 13. As Escolas que tenham condições, devidamente orientadas pela coordenação do PROFAE e previamente autorizadas pelo respectivo Sistema de Ensino, podem oferecer aos seus alunos, com as devidas adaptações, a opção por cursos de qualificação profissional de Auxiliar de Enfermagem ou de habilitação profissional de Técnico de Enfermagem, organizados nos termos da Resolução CNE/CEB nº 04/99 e parecer CNE/CEB 16/99. Brasília-DF, 05 de Abril de 2000. Conselheiro Francisco Aparecido Cordão - Relator IV - DECISÃO DA CÂMARA A Câmara de Educação Básica acompanha o voto do Relator. Sala das Sessões, 05 de Abril de 2000. Conselheiros Ulysses de Oliveira Panisset - Presidente Francisco Aparecido Cordão - Vice-Presidente 86 5 O campo da ação 4. NORMA PARA CERTIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS DO AUXILIAR DE ENFERMAGEM Apresentação Esta Norma apresenta as competências profissionais que serão consideradas para fins de avaliação e certificação dos egressos dos cursos de Qualificação Profissional de Nível Técnico em Auxiliar de Enfermagem implementados pelo Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores na Área de Enfermagem - PROFAE. Estas competências profissionais foram definidas a partir do perfil do Auxiliar de Enfermagem, validado nacionalmente. 1. Finalidades A presente Norma tem como finalidades: a) Subsidiar a construção dos instrumentos que serão utilizados na avaliação das competências profissionais dos egressos dos cursos de qualificação profissional de nível técnico em auxiliar de enfermagem, implementados pelo PROFAE. b) Subsidiar processos de construção de currículos baseados em competências para a formação do Auxiliar de Enfermagem. 2. Descrição da Profissão Auxiliar de Enfermagem é uma profissão da área da saúde, cuja formação e exercício profissional estão regulados e regulamentados nacionalmente. O seu exercício profissional está inscrito no âmbito de supervisão e delegação do enfermeiro e se sustenta no Código de Ética Profissional. O Auxiliar de Enfermagem é um dos profissionais que compõem a equipe de enfermagem e realiza atividades, procedimentos e técnicas requeridos à prestação dos cuidados de enfermagem nas unidades e serviços de saúde públicos ou privados, conveniados ou não ao Sistema Único de Saúde – SUS (hospitais, policlínicas, unidades básicas de saúde, serviços de atendimento pré-hospitalar/resgate), estando em expansão sua inserção em equipes de enfermagem que realizam atendimento domiciliar. 3. Campo de aplicação e validade Esta Norma aplica-se exclusivamente ao Sistema de Certificação de Competências (SCC) do PROFAE. Sua validade é de até dois anos a partir de sua homologação pelo Conselho Consultivo Nacional (CCN) do SCC/PROFAE. 4. Abrangência Esta Norma abrange egressos dos cursos de Qualificação Profissional de Nível Técnico em Auxiliar de Enfermagem implementados pelo PROFAE, em todo território nacional. 5. Referências Esta Norma tem como referência os seguintes documentos: a) Perfil de Ações do Auxiliar de Enfermagem. Ministério da Saúde/PROFAE, 87 2001. Mimeo. b) Referências Conceituais para a Organização do Sistema de Certificação de Competências/PROFAE. Ministério da Saúde/PROFAE, 2000. Mimeo. c) Avaliação e Certificação de Competências Profissionais dos Auxiliares de Enfermagem/PROFAE – Subsídios e Parâmetros. Ministério da Saúde/PROFAE, 2001. Mimeo. d) MEC/SEMTEC. Educação Profissional. Legislação Básica. Brasília, 2001, 5ª edição. e) MEC. Educação Profissional. Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico. Área Profissional: Saúde. Brasília, 2000. f) Parecer10/2000 do Conselho Nacional de Educação. g) Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem e dá outras providências. h) Decreto nº 94.406, de 08 de junho de 1987. Regulamenta a Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o exercício da Enfermagem e dá outras providências. i) Código de Ética Profissional. 6. Definições de termos Para os efeitos desta Norma, aplicam-se as seguintes definições: a) competência – capacidade de mobilizar e articular habilidades, conhecimentos e atitudes para realizar, em equipe, cuidados de enfermagem orientados para a prevenção de agravos, promoção e recuperação da saúde. b) certificação de competência profissional – processo de validação das competências adquiridas pelo trabalhador. É realizado com base na norma de certificação pactuada entre os atores interessados no processo. 7. Competências do Auxiliar de Enfermagem – PROFAE Detalham-se, a seguir, as competências do Auxiliar de Enfermagem, para fins de certificação pelo SCC/PROFAE. 7.1. Competências/Habilidades 7.1.1. Desenvolver, em equipe, ações de promoção da saúde e prevenção de agravos, visando a melhoria da qualidade de vida da população. a) Identificar meios de comunicação existentes na área de abrangência do serviço de saúde; b) organizar dados, informações e grupos de discussão; c) elaborar material informativo; d) orientar a população quanto a medidas de proteção à saúde (alimentação, higiene pessoal, limpeza, acondicionamento e destino do lixo, água, dejetos); e) orientar a população quanto a medidas para prevenção de acidentes; f) estabelecer articulação com equipamentos sociais (creches, asilos, escolas etc.); g) realizar ações de prevenção e controle das doenças prevalentes, conforme normas do serviço; h) reconhecer indivíduos com sinais e sintomas de alterações da saúde e encaminhá-los para os atendimentos específicos; 90 5 O campo da ação 7.2.1.4 – Relações humanas e comunicação: relacionamentos intra e interpessoal, conceitos, elementos, meios, formas e barreiras, instrumentos de comunicação utilizados nos serviços de saúde. 7.2.2. O processo saúde-doença: 7.2.2.1 – determinantes decorrentes da inserção no sistema de produção, da cultura e das características pessoais. 7.2.2.2 – Indicadores de saúde e dados demográficos. 7.2.2.3 – Principais problemas de saúde da população e meios de intervenção. 7.2.3. Necessidades humanas básicas no ciclo vital e nas fases da vida: 7.2.3.1 – corpo humano: anatomia, fisiologia e desenvolvimento dos sistemas orgânicos e suas especificidades no ciclo vital (recém-nascidos, criança, adolescente, adulto e idoso). 7.2.3.2 – Conceitos, evoluções, principais agravos e cuidados de Enfermagem relativos a fases específicas da vida: reprodução humana, gravidez, parto, puerpério, exercício do trabalho, processo de adoecimento, processo de morte e morrer. 7.2.3.3 – Necessidades humanas básicas: conceito, implicações das alterações e cuidados de enfermagem. 7.2.4. Promoção de saúde e prevenção de agravos (conceitos e estratégias): 7.2.4.1 – vigilância à saúde: conceito, sistema de informação em saúde, sistema nacional de vigilância epidemiológica. 7.2.4.2 – Educação para a saúde: conceito, processos educativos, métodos e técnicas utilizados no trabalho educativo. 7.2.4.3 – Doenças transmissíveis prevalentes na área de abrangência: características, sinais e sintomas, cadeia de transmissão, medidas de prevenção/ controle e ações de enfermagem. 7.2.4.4 – Vacinação: conservação, transporte, indicação e aplicação de vacinas. Programa Nacional de Imunização. 7.2.4.5 – Biossegurança: conceito, normas de prevenção e controle de infecção. 7.2.4.6 – Processos de esterilização/desinfecção: conceito e normas técnicas de descontaminação, limpeza, desinfecção e esterilização. Finalidades e formas de preparo, estocagem e manuseio de materiais. 7.2.4.7 – Precauções Padrão: uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s), prevenção de acidentes com material biológico, imunização específica. 7.2.4.8 – Doenças crônicas e degenerativas prevalentes na população da área de abrangência: características, sinais e sintomas, medidas de prevenção/controle e ações de enfermagem. 7.2.4.9 – Saúde mental: transtornos mentais prevalentes na área de abrangência, sinais e sintomas, organismos e grupo de apoio a usuários com demandas especiais, medidas de prevenção/controle e ações de enfermagem. 91 7.2.4.10 - Saúde do trabalhador: agravos decorrentes do processo de trabalho, sinais e sintomas, legislação específica, medidas de prevenção/controle e ações de enfermagem. 7.2.5. Recuperação e Reabilitação: 7.2.5.1 – procedimentos e técnicas básicas de enfermagem para a higiene, hidratação, conforto, segurança, locomoção, recreação e alimentação do usuário em ambulatórios, hospitais e domicílios. 7.2.5.2 – Atendimento médico e de enfermagem: finalidades, preparo do usuário, materiais e equipamentos de acordo com a especificidade do atendimento. 7.2.5.3 – Medicamentos e soluções: classificação, mecanismos de ação, formas de apresentação, administração e efeitos colaterais. 7.2.5.4 – Cuidados de enfermagem no pré, trans e pós-operatório. 7.2.5.5 – Principais exames laboratoriais, radiológicos e especializados: finalidades, preparo do usuário, materiais, equipamentos e procedimentos de enfermagem. 7.2.5.6 – Feridas: tipos, características, processo de cicatrização, técnicas de curativos, medicamentos, soluções e coberturas mais utilizadas. 7.2.5.7 – Primeiros socorros em situações de emergência mais freqüentes. 7.2.5.8 – Equipamentos e artigos hospitalares utilizados na assistência de enfermagem: parâmetros de funcionamento, utilização e conservação. 7.2.6 - Organização do trabalho: 7.2.6.1 – processo de trabalho em saúde; processo de trabalho em enfermagem. 7.2.6.2 – Modelos de organização do trabalho na saúde/enfermagem: conseqüências para a assistência de enfermagem e para o trabalhador. 7.2.6.3 – Planejamento em saúde. 7.2.6.4 – Estrutura e funcionamento das unidades de serviço. 7.2.6.5 – Regulação da formação e do exercício profissional em enfermagem; organismos e entidades de classe. 7.2.6.6 – Legislação e Regulamentação: Constituição Federal; Lei Orgânica de Saúde; Estatuto da Criança e do Adolescente; Código de Defesa do Consumidor; Código de Ética e Legislação do Exercício Profissional; Dispositivos legais para a proteção e direitos de usuários de serviços de saúde e das pessoas portadoras de necessidades especiais. 7.3. Competência/Atitudes O Auxiliar de Enfermagem, no desempenho de suas funções, deve se pautar por atitudes de solidariedade, civilidade, compartilhamento, responsabilidade e ética. a) Interagir com o usuário e seus familiares. b) Estar atento à linguagem corporal do usuário. c) Respeitar os valores e os direitos do usuário. d) Buscar alternativas frente a situações adversas. e) Recorrer à supervisão para a solução ou encaminhamento dos problemas identificados. f) Compreender a pertinência, a oportunidade e a precisão das ações e dos procedimentos que realiza, com relação ao usuário e à equipe. 92 5 O campo da ação g) Interagir com equipe de trabalho, usuário e familiares em prol da organização e eficácia da assistência de enfermagem. h) Reconhecer seus direitos e deveres como trabalhador. Disponível em http://www.profae.gov.br/pagina_norma.htm . Acessado em 07 de novembro de 2002. Trabalhador da Saúde 95 Gramsci também propõe que todo trabalhador seja preparado para chegar a dirigente. Não chegando a tal posição, o cidadão-trabalhador deve ter plena condição de participar da condução da sociedade e interagir com os dirigentes. Na proposta gramsciana, a educação tem de ser integral, não privilegiando o conhecimento, em detrimento dos aspectos laborativos, isto é, do fazer, como acontece na educação das elites, nem o contrário, como ocorre na preparação para o trabalho destinada às camadas populares. A discussão de uma proposta pedagógica torna-se mais objetiva se conhecida a realidade à qual vai atender. Aqui, trata-se de preparar profissionais de nível médio para a área da Saúde, no Brasil. A política pública de Saúde em nosso país pode ser mais bem compreendida se acompanhado o seu trajeto desde o governo Vargas, quando os direitos sociais dos trabalhadores começaram a ser conquistados de forma sistemática. Desde então, até a atualidade, deu-se a passagem do modelo de atendimento a categorias profissionais regulamentadas para o modelo que prevê o atendimento a toda a população. O atual modelo para o setor Saúde foi construído a partir do início da década de 1980, na esteira da liberalização política do Brasil, e consolidou-se na Constituição Federal de 1988, com a formatação do SUS. Os princípios desse sistema são a universalidade, a eqüidade e a integralidade da atenção e suas diretrizes organizacionais são a descentralização e a participação da sociedade. O panorama do quadro de profissionais de nível médio na saúde mostra ser predominante a não- qualificação entre eles. As necessidades de formação para esses profissionais, no contexto do SUS, e os caminhos legais para a implantação das bases dessa formação devem ser os elementos iniciais na concepção do projeto pedagógico dos cursos que venham a atendê-los. Neste primeiro módulo do Núcleo Estrutural, procuramos situar você no campo da ação, isto é, na área em que você irá atuar: a formação de trabalhadores da Saúde. Para isso, mostramos aspectos da origem e do desenvolvimento da formação profissional; descrevemos particularidades dessa formação na área da Saúde; tratamos da legislação educacional e da legislação da Saúde; identificamos modelos educacionais que sustentam a formação profissional; desenvolvemos análises e apresentamos críticas aos modelos mais recentes; sugerimos um modelo alternativo; historiamos as políticas setoriais na Saúde nas últimas décadas; levantamos o quadro atual dos profissionais de nível médio no setor; discutimos as possibilidades legais para transformação desse quadro; apresentamos princípios educativos que podem servir de base para a formação dos recursos humanos na área e tratamos do papel do professor nessa formação. Esperamos que você tenha refletido sobre os aspectos que destacamos ao longo do texto e, quem sabe, sobre muitos outros apresentados. Agora, realize uma das atividades de avaliação propostas. Boa sorte! 96 5 O campo da ação Atividade de Avaliação do Módulo A seguir, são apresentadas três proposições de avaliação. Escolha apenas uma delas e desenvolva-a em um pequeno texto (de duas a quatro páginas), sustentando sua opinião própria. Quando necessário, faça referência à legislação e/ou regulamentação pertinentes. 1. Entrevistando os profissionais de nível técnico da área de Enfermagem do seu local de trabalho, identifique se todos possuem formação específica para as funções que exercem e quais as necessidades de qualificação e/ou atualização por eles sentidas. Você já pôde observar diferenças no trabalho realizado por quem possui e quem não possui formação específica? Como se expressam essas diferenças? Considerando os dados das entrevistas e suas observações, formule uma proposta de ações formativas para esse grupo de profissionais. 2. Com base em sua realidade de trabalho, analise como a área de Enfermagem pode contribuir para atender às diversas ações pertinentes ao modelo de promoção da saúde, que inclui prevenção, diagnóstico precoce, recuperação e reabilitação. Em sua opinião, a qualificação dos profissionais que atuam nessa área está sendo adequada a tais preceitos do sistema de saúde? Que pode ser feito, em termos da formação de nível técnico, para a melhoria dos serviços prestados à população? 3. Analise o perfil do auxiliar de enfermagem do PROFAE, expresso na Norma para Certificação de Competências Profissionais do Auxiliar de Enfermagem, frente aos conceitos de formação integral do trabalhador discutidos neste módulo e aos princípios norteadores da política de saúde no Brasil. Procure associar as competências ou conjunto de competências à formação preocupada com valores éticos, voltada aos interesses maiores da sociedade e centrada no ser humano, sinalizando caminhos para alcançar o desenvolvimento pleno do profissional de saúde, como técnico e como cidadão. 97 Bibliografia de referência ALVES, Nilda. Compassos e descompassos do fazer pedagógico. In: Seminário sobre psicopedagogia e o cotidiano escolar. Franca, SP: 1996. BRASIL, Ministério da Educação. Educação profissional: referenciais curriculares para a educação profissional de nível técnico. Volume 1: Introdução. Brasília: MEC, 2000b. BRASIL, Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Organização Panamericana de Saúde. Proposta de diretrizes curriculares nacionais para o ensino técnico na área da Saúde. Brasília, MS/MEC/OPAS, 27 de abril de 1999, mimeo. BRASIL, Ministério da Saúde. Perfil de ações do auxiliar de enfermagem PROFAE: Relatório final. Brasília: PROFAE, 2001. BRASIL, Ministério da Saúde. Política de recursos humanos para Saúde. Brasília: SPS/CGDRH/SUS, 1999b, mimeo. BRASIL, Ministério da Saúde. Referências conceituais para a organização do Sistema de Certificação de Competências/PROFAE. Brasília: PROFAE, 2000a. BRASIL, Ministério do Trabalho, Ministério da Educação e do Desporto. Política para a educação profissional: cooperação MEC/MTb. Brasília: MTb/MEC, 1995b. BRASIL, Ministério do Trabalho, Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional (SEFOR). Educação profissional: um projeto para o desenvolvimento sustentado. Brasília: SEFOR, 1995a. BRASIL, Ministério do Trabalho, Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional (SEFOR). Habilidades, questão de competências? Brasília: SEFOR, 1996, mimeo. CARVALHO, Antonio Ivo de. Política de saúde e organização setorial do país. Rio de Janeiro: ENSP/ FIOCRUZ, 1998, mimeo. CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. In:Teoria e Educação. 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