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Rudimentos da teoria das equações derivadas parciais, Notas de estudo de Matemática

Rudimentos da teoria das equações derivadas parciais

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 03/05/2010

pedro-miranda-9
pedro-miranda-9 🇧🇷

4.6

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Baixe Rudimentos da teoria das equações derivadas parciais e outras Notas de estudo em PDF para Matemática, somente na Docsity! Caṕıtulo 11 Rudimentos da Teoria das Equações a Derivadas Parciais Conteúdo 11.1 Definições, Notações e Alguns Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 543 11.2 Algumas Classificações de Equações a Derivadas Parciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 550 11.2.1 Equações Lineares, Não-Lineares, Semi-Lineares e Quase-Lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . 550 11.2.2 Classificação de Equações de Segunda Ordem. Equações Parabólicas, Eĺıpticas e Hiperbólicas . . 552 11.3 O Método de Separação de Variáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 555 11.3.1 O Método de Separação de Variáveis. Caso de Equações Lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . 555 11.3.2 O Método de Separação de Variáveis. Caso de Equações Não-Lineares . . . . . . . . . . . . . . . 558 11.4 O Método das Caracteŕısticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 560 11.4.1 Exemplos de Aplicação do Método das Caracteŕısticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 565 11.4.2 Caracteŕısticas. Comentários Adicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 577 11.5 Problemas de Cauchy e Superf́ıcies Caracteŕısticas. Definições e Exemplos Básicos . . . 578 11.6 Alguns Teoremas de Unicidade de Soluções de Equações a Derivadas Parciais . . . . . . . 587 11.6.1 Casos Simples. Discussão Preliminar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 587 11.6.2 Unicidade de Solução para as Equações de Laplace e Poisson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 591 11.6.3 Unicidade de Soluções. Generalizações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 594 11.7 Exerćıcios Adicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 601 N este caṕıtulo apresentaremos uma breve introdução à teoria das equações a derivadas parciais. Serão apresen-tados alguns métodos de resolução mais comummente empregados e alguns teoremas de unicidade de soluçãode importância na justificativa daqueles métodos. Assim como as equações diferenciais ordinárias, introduzidasno Caṕıtulo 6, página 291, equações a derivadas parciais são de grande importância nas Ciências Naturais por expressarem leis f́ısicas. Ainda que tenham se desenvolvido em paralelo, a teoria das equações diferenciais ordinárias distingue-se um tanto da teoria das equações a derivadas parciais, pois na segunda menos resultados gerais são conhecidos e os métodos de resolução e de análise qualitativa são mais intrincados e limitados em escopo. Por exemplo, não existem na teoria das equações a derivadas parciais resultados sobre existência e unicidade de solução que sejam tão gerais quanto os Teoremas de Peano e de Picard-Lindelöf, válidos para equações diferenciais ordinárias (vide Teorema 6.1, página 307 e Teorema 6.2, página 308). Uma outra observação geral que deve ser feita sobre a teoria das equações a derivadas parciais é que nem sempre encontram-se resultados válidos para equações de ordem arbitrária com um número arbitrário de variáveis. Há mais resultados, e mais fortes, sobre equações envolvendo duas variáveis que mais de duas variáveis e, igualmente, há mais e mais fortes resultados sobre equações de ordem um ou dois que para equações de ordem três ou mais. Alguns métodos de resolução de equações a derivadas parciais, como o método de separação de variáveis e o método das caracteŕısticas, envolvem a resolução de equações diferenciais ordinárias e vamos nos dedicar a eles aqui. Nosso propósito neste caṕıtulo é apresentar primordialmente idéias da teoria geral das equações a derivadas parciais. O caṕıtulo 16, página 720, é dedicado a exemplos de aplicações de métodos espećıficos de resolução e sua leitura complementa a deste caṕıtulo de maneira essencial. A Seção 11.6, página 587, dedica-se a alguns teoremas de unicidade de solução, os quais são evocados nos exemplos do Caṕıtulo 16. A leitura da Seção 11.6 dispensa a leitura das seções precedentes. Há uma vasta literatura sobre equações a derivadas parciais e nossas pretensões no presente caṕıtulo são infimamente modestas. Para um estudo mais completo recomendamos [36, 37], [86], [132], [55], [45], [159], [42], [88]. 542 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 543/1507 11.1 Definições, Notações e Alguns Exemplos • Notação de multi-́ındices e diversas outras notações Devido à freqüente ocorrência de derivadas parciais mistas na teoria das equações a derivadas parciais é conve- niente introduzir algumas notações simplificadoras. Um n-multi-́ındice, ou simplesmente multi-́ındice, é uma n-upla α = (α1, . . . , αn) onde cada αk é um número inteiro maior ou igual a zero. A ordem de um multi-́ındice α, denotada por |α|, é definida por |α| := α1+· · ·+αn. O multi-́ındice (0, . . . , 0) é denominado multi-́ındice nulo e denotado por 0. Dados dois n-multi-́ındices α = (α1, . . . , αn) e β = (β1, . . . , βn) denotamos por α+β o n-multi-́ındice (α1 +β1, . . . , αn+βn). Seja u um a função de n variáveis x1, . . . , xn. Dado um multi-́ındice α, denotamos por D αu ou por ∂αu a derivada parcial mista de u univocamente definida por Dαu ≡ ∂αu := ∂ |α|u ∂xα11 · · · ∂xαnn , sendo que, se 0 = (0, . . . , 0) for o multi-́ındice nulo, define-se D0u := u. Note-se também que DαDβu = Dα+βu. Dado um operador diferencial Dα o valor de |α| é dito ser o grau de Dα. Neste texto denotaremos por Mnm o conjunto de todos os n-multi-́ındices de ordem menor ou igual a m: Mnm := { (α1, . . . , αn) ∈ Nn0 , 0 ≤ |α| ≤ m } = { (α1, . . . , αn) ∈ Nn0 , 0 ≤ α1 + · · · + αn ≤ m } (11.1) e denotaremos por Nnm o conjunto de todos os n-multi-́ındices de ordem igual a m: Nnm := { (α1, . . . , αn) ∈ Nn0 , |α| = m } = { (α1, . . . , αn) ∈ Nn0 , α1 + · · · + αn = m } . (11.2) O número de elementos do conjunto Nnm é denotado por |Nnm| e tem-se |Nnm| = ( n+m− 1 m ) = (n+m− 1)! (n− 1)!m! (11.3) (vide Exerćıcio E. 10.9, página 489). Pelo Exerćıcio E. 10.10, página 490, tem-se também que |Mnm|, o número de elementos do conjunto Mnm, é dado por |Mnm| = ( n+m m ) = (n+m)! n!m! . (11.4) É de se notar a validade da relação DαDβ = Dα+β = DβDα , onde, se α = (α1, . . . , αn) e β = (β1, . . . , βn), denotamos α+ β := (α1 + β1, . . . , αn + βn) = β + α. Para um n-multi-́ındice α = (α1, . . . , αn) definimos o śımbolo α! como sendo o produto α! = α1! · · · αn! . Para z ∈ Cn (ou Rn) da forma z = (z1, . . . , zn) e um n-multi-́ındice α = (α1, . . . , αn) definimos o śımbolo zα como sendo o produto zα = zα11 · · · zαnn . Além da notação de multi-́ındices, empregaremos outras notações para as derivadas parciais de uma função u. Por exemplo, ∂ u ∂x ≡ ∂xu ≡ ux são três śımbolos que representam a derivada parcial de u em relação a x. Analogamente, ∂2 u ∂x2 ≡ ∂xxu ≡ uxx , ∂2u ∂x∂y ≡ ∂xyu ≡ uxy etc. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 546/1507 • Equação de Helmholtz3: ∆u+ k2u = 0 , onde k2 é um parâmetro fixo ou um autovalor a ser fixado pela imposição de condições de contorno. • Equação de difusão ou Equação do calor (provavelmente proposta pela primeira vez por Fourier4): ∂ u ∂t −D∆u = φ , onde D é uma constante positiva e φ uma função, a qual pode ser identicamente nula. • Equação de onda homogênea: ∂2 u ∂t2 − c2∆u = 0 , onde c é uma constante positiva. • Equação de onda homogênea com amortecimento: ∂2 u ∂t2 + γ ∂ u ∂t − c2∆u = 0 , onde c > 0 e γ > 0 são constantes. • Equação do telégrafo: ∂2 u ∂t2 − c2 ∂ 2 u ∂x2 + γ ∂ u ∂t + ηu = 0 , onde c > 0, γ > 0 e η são constantes. • Equação de Tricomi5, também conhecida como equação de Euler-Tricomi: ∂2 u ∂y2 − y ∂ 2 u ∂x2 = 0 . • Equação de Schrödinger6 dependente do tempo: i~ ∂ u ∂t = − ~ 2 2m ∆u+ V u , (11.9) onde u ≡ u(~x, t) é uma função de ~x e t, ~ (a constante de Planck) e m são constantes positivas, e V ≡ V (~x, t) é uma função de ~x e t. • Equação de Schrödinger independente do tempo: − ~ 2 2m ∆u + V u = Eu , onde u ≡ u(~x) é uma função apenas de ~x, assim como a função V , sendo E um autovalor a ser fixado por condições de contorno e pela condição ∫ |u(~x)|2dn~x <∞. • Equação de Schrödinger não-linear: i~ ∂ u ∂t = − ~ 2 2m ∆u+ α|u|2u , α sendo uma constante positiva (geralmente). 3Hermann Ludwig Ferdinand von Helmholtz (1821–1894). 4Jean Baptiste Joseph Fourier (1768–1830). 5Francesco Giacomo Tricomi (1897–1978). 6Erwin Rudolf Josef Alexander Schrödinger (1887–1961). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 547/1507 • Equação de Klein-Gordon7: ∆u− 1 c2 ∂2 u ∂t2 −m2u = 0 , c e m constantes positivas. • Equação de Korteweg-deVries8, também abreviada para Equação KdV: ∂η ∂t = √ g l [ 3 2 η ∂η ∂x + 2σ ∂3η ∂x3 ] , com σ = l 3 3 − Tlρg . Essa equação descreve o movimento de um fluido de densidade ρ e tensão superficial T em um canal unidimensional de profundidade l, A constante g sendo a aceleração da gravidade. Após algumas transformações simples a equação pode ser rescrita em uma forma na qual a equação de Korteweg-deVries é usualmente apresentada na literatura moderna: ∂ u ∂t + ∂3 u ∂x3 + 6u ∂ u ∂x = 0 . (11.10) • Equação de Burgers9: ∂ u ∂t − η∂ 2 u ∂x2 + u ∂ u ∂x = 0 , (11.11) η sendo uma constante positiva. A equação de Burgers é uma espécie de versão unidimensional da equação de Navier-Stokes da Mecânica dos Fluidos (sem gradiente de pressão e forças externas). Para η = 0 tem-se a Equação de Burgers invisćıvel (i.e., sem viscosidade): ∂ u ∂t + u ∂ u ∂x = 0 . (11.12) Essa equação também coincide com a versão unidimensional da equação de Euler da Mecânica dos Fluidos na ausência de gradiente de pressão e forças externas. Vide [105]. • Equação da Óptica Geométrica: (grad u)2 = 1 , ou seja, ( ∂ u ∂x1 )2 + · · · + ( ∂ u ∂xn )2 = 1 . • Equação de Black10-Scholes11, usada em análise financeira: ∂u ∂t + σ2x2 2 ∂2u ∂x2 + rx ∂u ∂x − ru = 0 . • Exemplos de sistemas de equações a derivadas parciais de interesse • Equações de Maxwell12 no vácuo, do Eletromagnet́ısmo: ∇ · ~E = ρ ǫ0 , ∇ · ~B = 0 , ~∇× ~B = µ0 ~J + µ0ǫ0 ∂ ~E ∂t , ~∇× ~E = −∂ ~B ∂t , onde ~E e ~B são o campo elétrico e magnético, respectivamente, ρ sendo a densidade de carga elétrica e ~J sendo a densidade de corrente elétrica. As equações acima estão escritas no chamado sistema internacional de unidades (SI). Para a forma das equações de Maxwell em outros sistemas, vide e.g. [90]. Uma conseqüência imediata das equações acima é a lei de conservação de carga elétrica, expressa na forma ∂ ρ∂t + ∇ · ~J = 0. 7Oskar Klein (1894–1977). Walter Gordon (1893–1939). A equação de Klein-Gordon foi, em verdade, originalmente proposta por Schrödin- ger como equação de onda para uma part́ıcula quântica relativ́ıstica, antes mesmo de Schrödinger propor a equação (não-relativ́ıstica) que leva seu nome (e, portanto, antes de Klein e Gordon). 8Diederik Johannes Korteweg (1848–1941). Gustav deVries (1866-1934). A referência original ao trabalho de Korteweg e de deVries é “On the Change of Form of Long Waves Advancing in a Rectangular Canal and on a New Type of Long Stationary Waves”, Philosophical Magazine, 5th series, 36 (1895) 422–443. 9Johannes Martinus Burgers (1895–1981). 10Fischer Sheffey Black (1938–1995). 11Myron Samuel Scholes (1941–). 12James Clerk Maxwell (1831–1879). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 548/1507 • Equações de Maxwell em meios materiais: ∇ · ~D = ρ , ∇ · ~B = 0 , ~∇× ~H = ~J + ∂ ~D ∂t , ~∇× ~E = −∂ ~B ∂t , onde ~D = ~D( ~E, ~B) e ~H = ~H( ~E, ~B) são funções de ~E e ~B (essas relações são ditas constitutivas). Por exemplo, no caso de meios isotrópicos e lineares tem-se ~D = ǫ ~E e ~H = 1µ ~B, sendo ǫ e µ dependentes do meio. • Equação de Dirac13 livre da Mecânica Quântica Relativ́ıstica (em 3 + 1 dimensões): ( iγµ ∂ ∂xµ −m1)ψ = 0 , (11.13) onde m > 0 é a massa da part́ıcula, ψ = ( ψ1 ψ2 ψ3 ψ4 ) ∈ C4 e γµ são matrizes 4 × 4 satisfazendo γµγν + γνγµ = 2gµν1, onde g é a matriz ( 1 0 0 0 0 −1 0 0 0 0 −1 0 0 0 0 −1 ) . Em (11.13) adotou-se a convenção de Einstein: ı́ndices repetidos são somados. • Equação de Euler14 da Mecânica dos Fluidos: ρ ( ∂ ~v ∂t + ( ~v · ~∇ ) ~v ) + ~∇p = ~f , onde ρ é a densidade do fluido, ~v o campo de velocidades, p a pressão e ~f um campo de forças externas (por exemplo, ~f = ρ~g, para o caso do campo gravitacional). Essa equação deve ser complementada pela equação de continuidade ∂ ρ∂t + ∇ · (ρ~v) = 0. • Equação de Navier15-Stockes16 da Mecânica dos Fluidos: ρ ( ∂ ~v ∂t + ( ~v · ~∇ ) ~v ) + ~∇p− η∆~v − ( ζ + η 3 ) ~∇ (∇ · ~v) = ~f , onde η e ζ são coeficientes de viscosidade do fluido. Essa equação difere da de Euler, acima, por incluir efeitos de viscosidade. No caso de fluidos incompresśıveis o termo que contém ∇ · ~v pode ser desconsiderado. • Condições de contorno, iniciais e subsidiárias Uma equação diferencial definida em um domı́nio Ω ⊂ Rn vem em muitos exemplos de interesse acompanhada de condições a serem satisfeitas pelas soluções e suas derivadas na fronteira de Ω (que eventualmente pode estar no infinito). Tais condições são genericamente denominadas condições de contorno, ou condições de fronteira, ou condições iniciais, dependendo da interpretação que possuam. Em aplicações, condições de contorno usualmente são ditadas ou por leis f́ısicas17 ou por restrições f́ısicas ou geométricas que devem ser impostas à solução nos pontos da fronteira de Ω. Há diversos tipos de condições de contorno e tradicionalmente desenvolveu-se uma nomenclatura para denominar certas condições de contorno, empregada especialmente no caso de equações de segunda ordem. Se Ω ⊂ Rn é um conjunto limitado, condições que fixem o valor da solução u na fronteira de Ω são denominadas condições de Dirichlet18. Condições envolvendo apenas as primeiras derivadas da solução u são denominadas condições de Neumann19. Há também condições mistas, envolvendo tanto a função quanto suas primeiras derivadas na fronteira. Condições de contorno também podem ser lineares (se dependerem linearmente da solução e suas derivadas) ou não-lineares e as lineares podem ser homogêneas ou não-homogêneas. 13Paul Adrien Maurice Dirac (1902–1984). 14Leonhard Euler (1707–1783). 15Claude Louis Marie Henri Navier (1636–1785). 16George Gabriel Stokes (1819–1903). 17No Eletromagnetismo, por exemplo, as condições de contorno impostas aos campos elétrico e magnético são conseqüência das próprias equações de Maxwell. 18Johann Peter Gustav Lejeune Dirichlet (1805-1859). 19Carl Neumann (1832–1925). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 551/1507 De modo geral, uma equação diferencial linear de ordem m em n variáveis x1, . . . , xn é da forma ∑ α∈Mnm aα(x1, . . . , xn)D αu(x1, . . . , xn) = b(x1, . . . , xn) , (11.15) onde, usando a notação de multi-́ındices introduzida acima, aα, α ∈ Mnm, e b são funções em prinćıpio arbitrárias das variáveis x1, . . . , xn (recordar a definição de M n m em (11.1)). Muito freqüentemente denotaremos uma equação diferencial linear por Lu = b, onde L é um operador diferencial linear, como definido acima. Analogamente ao que ocorre para equações diferenciais ordinárias, uma equação linear Lu = b é dita ser homogênea se a função b for identicamente nula e não-homogênea, caso contrário. Também como no caso de equações ordinárias, vale para equações homogêneas o prinćıpio de sobreposição: se u1 e u2 são duas soluções de uma equação homogênea, então qualquer combinação linear γ1u1 + γ2u2 é igualmente uma solução. Note-se que aqui não foram levadas em conta condições iniciais ou de contorno, que podem limitar as combinações lineares posśıveis. • Parte principal de uma EDP. Equações semi-lineares e quase-lineares A parte de uma equação a derivadas parciais que contém as derivadas de maior ordem é denominada parte principal da equação. Por exemplo, a parte principal da equação linear de ordem m de (11.15) é ∑ α∈Nnm aα(x1, . . . , xn)D αu(x1, . . . , xn) (recordar a definição de Nnm em (11.2)). Diversas propriedades de equações diferenciais dependem de sua parte principal, de modo que é relevante classificá-las de acordo com propriedades de sua parte principal. Uma equação diferencial é dita ser uma equação semi-linear se sua parte principal for um operador linear. Assim, a forma geral de uma equação semi-linear de ordem m em n variáveis x = (x1, . . . , xn) é ∑ α∈Nnm aα(x)D αu(x) = H(x, u, Dβ1u, . . . , Dβku) , onde aα são funções apenas de x e H depende eventualmente de x, de u e de k derivadas do tipo D βlu, l = 1, . . . , k, com |βl| ≤ m− 1. Naturalmente, acima k é um número natural satisfazendo k ≤ |Mnm−1| = ( n+m−1 m−1 ) . Uma equação diferencial é dita ser uma equação quase-linear se sua parte principal depender linearmente das derivadas de maior ordem. Assim, a forma geral de uma equação quase-linear de ordem m em n variáveis x = (x1, . . . , xn) é ∑ α∈Nnm aα(x, u, D β1u, . . . , Dβku)Dαu(x) = H(x, u, Dβ1u, . . . , Dβku) , onde H e as funções aα dependem eventualmente de x, de u e de k derivadas do tipo D βlu, l = 1, . . . , k, com |βl| ≤ m−1. Novamente, k ≤ |Mnm−1| = ( n+m−1 m−1 ) . Assim, a forma geral de uma equação quase-linear de primeira ordem é: n∑ k=1 ak(u, x) ∂ u ∂xk = b(u, x) , onde x = (x1, . . . , xn) são as n variáveis das quais a função u depende e onde as funções b(u, x) e ak(u, x), k = 1, . . . , n, são funções de x e de u, mas não de derivadas de u. A forma geral de uma equação quase-linear de segunda ordem é (por simplicidade, mas sem perder em generalidade, consideraremos apenas funções em duas variáveis: x e y): a(x, y, u, ∂xu, ∂yu) ∂2 u ∂x2 + b(x, y, u, ∂xu, ∂yu) ∂2u ∂x∂y + c(x, y, u, ∂xu, ∂yu) ∂2 u ∂y2 = d(x, y, u, ∂xu, ∂yu) onde as funções a, b, c e d dependem de x, y, u, e das duas derivadas parciais de primeira ordem de u. É de se notar que toda equação linear é semi-linear e toda equação semi-linear é quase-linear. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 552/1507 Um outro comentário é que diversas equações diferenciais quase-lineares de primeira ordem podem ser resolvidas por um método denominado método das caracteŕısticas, do qual falaremos na Seção 11.4, página 560. Diversas equações diferenciais lineares e homogêneas podem ser resolvidas pelo método de separação de variáveis, sobre o qual falaremos na Seção 11.3, página 555. 11.2.2 Classificação de Equações de Segunda Ordem. Equações Parabólicas, Eĺıpticas e Hiperbólicas • Transformação da parte principal de uma EDP Dada uma equação a derivadas parciais de tipo quase-linear, é importante, para diversos propósitos, saber como sua parte principal se transforma por uma mudança (local, eventualmente) de variáveis (x1, . . . , xn) → (ξ1, . . . , ξn) (suposta diferenciável e de Jacobiano não-nulo). No que segue, para não carregar em excesso a notação, consideraremos equações semi-lineares, mas o caso de equações quase-lineares e ı́dêntico, como o leitor pode facilmente perceber. Se considerarmos o operador ∂ a ∂xa k , a ∈ N, é muito fácil constatar, aplicando a regra da cadeia, que após a referida mudança de variáveis o mesmo transforma-se em ∑ β∈Nna   n∏ j=1 ( ∂ ξj ∂xk )βj   ∂a ∂ξβ11 · · · ∂ξβnn + · · · , (11.16) sendo que os termos omitidos envolvem derivadas de ordem menor que a. Se α é um n-multi-́ındice, segue disso que o operador ∂ |α| ∂x α1 1 ···∂x αn n transforma-se segundo ∂|α| ∂xα11 · · · ∂xαnn −→ ∑ β1∈Nnα1 · · · ∑ βn∈Nnαn    n∏ k=1   n∏ j=1 ( ∂ ξj ∂xk )(βk)j      ∂|α| ∂ξγ11 · · ·∂ξγnn + · · · , (11.17) ou seja Dαx −→ ∑ β1∈Nnα1 · · · ∑ βn∈Nnαn    n∏ k=1   n∏ j=1 ( ∂ ξj ∂xk )(βk)j      Dγξ + · · · , (11.18) onde γ é o n-multi-indice γ = β1 + · · · + βn e onde novamente omitimos devivadas de ordem menor que |α|. Se a parte principal da equação considerada for de ordem m e possuir a forma ∑ α∈Nnm aα(x1, . . . , xn)D α u(x1, . . . , xn) = ∑ α∈Nnm aα(x) ∂m u ∂xα11 · · · ∂xαnn (x) , é muito fácil constatar, usando as expressões acima, que após a referida mudança de variáveis a mesma torna-se ∑ α∈Nnm aα ( x(ξ) ) ∑ β1∈Nnα1 · · · ∑ βn∈Nnαn    n∏ k=1   n∏ j=1 ( ∂ ξj ∂xk )(βk)j      ∂m u ∂ξγ11 · · · ∂ξγnn ( x(ξ) ) , onde γ é o n-multi-indice γ = β1 + · · · + βn e onde novamente omitimos devivadas de u de ordem menor que m, já que nosso interesse está apenas na transformação da parte principal. Essa última expressão é a parte principal da equação nas variáveis ξ e pode ser escrita na forma ∑ γ∈Nnm ãγ(ξ1, . . . , ξn) ∂m u ∂ξγ11 · · ·∂ξγnn ( x(ξ) ) , onde ãγ(ξ1, . . . , ξn) := ∑ α∈Nnm ∑ β1∈Nnα1 · · · ∑ βn∈Nnαn aα ( x(ξ) )    n∏ k=1   n∏ j=1 ( ∂ ξj ∂xk )(βk)j      n∏ l=1 δγl, (β1)l+···+(βn)l . JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 553/1507 • Transformação da parte principal de uma EDP de segunda ordem O caso de equações a derivadas parciais de segunda ordem é de particular importância em aplicações e por essa razão vamos olhá-lo com mais detalhe. Consideremos uma equação a derivadas parciais de segunda ordem definida em Rn da forma n∑ a=1 n∑ b=1 Aab ∂2 u ∂xa∂xb = F ( x, u, ∂ u ∂x1 , . . . , ∂ u ∂xn ) , onde os coeficientes Aab são reais, satisfazem a condição de simetria Aab = Aba, não são todos identicamente nulos e são eventualmente também funções de x, u, ∂ u∂x1 , . . . , ∂ u∂xn , não dependendo de derivadas de ordem maior que 1 de u. A função F é real. A parte principal da equação acima é n∑ a=1 n∑ b=1 Aab ∂2 u ∂xa∂xb (11.19) e sua versão no sistema de coordenadas ξ será n∑ c=1 n∑ d=1 Bcd ∂2v ∂ξc∂ξb + · · · , onde omitimos os operadores diferenciais de ordem menor que 2, onde v(ξ) = u ( x(ξ) ) e onde Bcd := n∑ a=1 n∑ b=1 Aab ∂ξc ∂xa ∂ξd ∂xb . Essa relação é melhor escrita em forma matricial: B = JAJT , (11.20) onde B é a matriz real simétrica n×n cujos elementos de matriz são Bjk, A é a matriz real simétrica n×n cujos elementos de matriz são Ajk, e J é a chamada matrix Jacobiana 21, cujos elementos de matriz são Jkl = ∂ξk ∂xl . A transformação (11.20) é uma transformação de congruência (vide página 220). O fato de os coeficientes da parte principal de um operador de segunda ordem se transformarem segundo uma transformação de congruência tem conseqüências interessantes a serem exploradas. Como discutimos na Seção 4.5.2, página 218, o número de autovalores positivos, o número de autovalores negativos e o número de autovalores nulos (incluindo multiplicidade) de uma matriz real simétrica (ou auto-adjunta) é conservado por transformações de congruência. Esse é o conteúdo do Teorema 4.16, página 219, conhecido como Lei de Inércia de Sylvester. Esse fato permite classificar operadores de segunda ordem de modo análogo à classificação de matrizes simétricas reais apresentada à página 220. Essa classificação é de grande importância na teoria das equações a derivadas parciais. • Classificação de EDPs de segunda ordem Equações a derivadas parciais em Rn, de segunda ordem, e cujas partes principais são quase-lineares, ou seja, da forma (11.19), podem ser classificadas em cada ponto de acordo o número de autovalores positivos, negativos e nulos (incluindo a multiplicidade) que possui a matriz dos coeficientes Aab de sua parte principal. Essa classificação é de grande importância na teoria das equações a derivadas parciais. Dizemos que a equação é • Parabólica, se ao menos um dos autovalores da matriz A for nulo (em cujo caso A é singular); • Eĺıptica, se todos os autovalores da matriz A forem positivos ou se todos forem negativos; • Hiperbólica (ou Estritamente Hiperbólica), se todos os autovalores da matriz A forem positivos, exceto um que é negativo, ou o oposto: se todos os autovalores da matriz A forem negativos, exceto um que é positivo; • Ultra-hiperbólica, se pelo menos dois dos autovalores forem negativos e pelo menos dois forem negativos, nenhum sendo nulo. Esse caso só pode ocorrer em n ≥ 4. 21Carl Gustav Jacob Jacobi (1804–1851). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 556/1507 para as quais esse método é eficaz22, uma das razões da sua popularidade. Uma segunda vantagem desse método reside no fato de o mesmo transformar um problema de equações a derivadas parciais em uma série de problemas de equações diferenciais ordinárias, sobre as quais muito mais é conhecido no que concerne a métodos de solução. Uma terceira razão para o interesse no método de separação de variáveis reside no fato de o mesmo permitir explorar simetrias de determinados problemas (por exemplo, a simetria por rotações), o que é de particular utilidade em certas situações. O método de separação de variáveis foi originalmente descoberto (ou inventado) por Daniel Bernoulli23 no estudo de diversas equações diferenciais lineares, como a equação da corda vibrante (vide Seção 16.3, página 730). Vamos ilustrar o emprego do método de separação de variáveis no tratamento de uma equação a derivadas parciais linear e homogênea de segunda ordem em duas variáveis reais, digamos x e y, definidas em um certo domı́nio de R2, mas é importante que se diga que o método é também eventualmente aplicável se mais variáveis estiverem envolvidas e/ou se a ordem da equação for diferente de dois. Seja a equação a derivadas parciais linear e homogênea da forma A(x) ∂2u ∂x2 +B(y) ∂2u ∂y2 + C(x) ∂u ∂x +D(y) ∂u ∂y + ( E(x) + F (y) ) u = 0 , (11.22) sendo que ou A ou B não é identicamente nula (de modo que a equação seja de segunda ordem em pelo menos uma das variáveis, mas não-necessariamente em ambas) a ser satisfeita por uma função incógnita de duas variáveis u(x, y). Como claramente indicado acima, as funções A, C e E são funções de uma única variável, a saber x, enquanto que B, D e F são funções de uma única variável, a saber y. É preciso supor muito pouco sobre essas funções, por exemplo, que as mesmas são cont́ınuas, mas mesmo essa hipótese pode ser enfraquecida, o que ocorre em muitos exemplos de interesse (vide as próximas seções). Por enquanto, deixemos de lado considerações sobre o domı́nio de validade D ⊂ R2 da equação acima e sobre condições de contorno e concentremo-nos em procurar soluções particulares de (11.22). O método de separação de variáveis consiste em procurar soluções particulares para a equação (11.22) que sejam da forma u(x, y) = F(X(x), Y (y)) := X(x)Y (y). Antes de fazermos perguntas sobre a aplicabilidade dessa idéia, vejamos a que a mesma conduz. Inserindo o Ansatz u(x, y) = X(x)Y (y) na equação (11.22), obtem-se A(x)X ′′(x)Y (y) +B(y)X(x)Y ′′(y) + C(x)X ′(x)Y (y) +D(y)X(x)Y ′(y) + ( E(x) + F (y) ) X(x)Y (y) = 0 . Dividindo-se essa expressão por X(x)Y (y), obtem-se A(x) X ′′(x) X(x) +B(y) Y ′′(y) Y (y) + C(x) X ′(x) X(x) +D(y) Y ′(y) Y (y) + E(x) + F (y) = 0 . Aqui, é de se observar que cada termo da expressão acima é função de uma única variável. Separando os termos que dependem de cada variável em cada lado da igualdade, obtem-se da última expressão ( A(x) X ′′(x) X(x) + C(x) X ′(x) X(x) + E(x) ) = − ( B(y) Y ′′(y) Y (y) +D(y) Y ′(y) Y (y) + F (y) ) . Chegamos agora ao ponto crucial que justifica o que foi feito até aqui. Do lado esquerdo da igualdade acima encontra-se uma função que depende apenas de x e do lado direito uma função apenas de y. Ora, como ambas as variáveis são independentes, uma tal igualdade só é posśıvel se ambos os lados forem iguais a uma mesma constante, que denotaremos por λ, a qual é denominada constante de separação. Assim, ( A(x) X ′′(x) X(x) + C(x) X ′(x) X(x) + E(x) ) = − ( B(y) Y ′′(y) Y (y) +D(y) Y ′(y) Y (y) + F (y) ) = λ , o que implica o par de equações desacopladas A(x)X ′′(x) + C(x)X ′(x) + ( E(x) − λ ) X(x) = 0 , (11.23) B(y)Y ′′(y) +D(y)Y ′(y) + ( F (y) + λ ) Y (y) = 0 , (11.24) 22Por trás do fato de muitos sistemas de interesse serem solúveis pelo método de separação de variáveis residem propriedades profundas ligadas a simetrias das equações. 23Daniel Bernoulli (1700–1782). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 557/1507 cada qual sendo uma equação diferencial ordinária. Ambas as equações podem agora, em prinćıpio, ser tratadas se- paradamente com os métodos de solução dispońıveis para equações diferenciais ordinárias lineares como por exemplo, o método de expansão em série ou o método de Frobenius. É de se lembrar, porém, que ambas as equações não são totalmente independentes, pois têm em comum a presença da mesma constante de separação ainda indeterminada λ. Em muitos problemas de F́ısica as constantes de separação desempenham o papel de autovalores de operadores diferenciais e são fixadas por condições de contorno que garantam que esses operadores sejam auto-adjuntos em um espaço de Hilbert conveniente. Uma pergunta que se coloca nesse momento é se a equação (11.22) é a forma mais geral de uma equação linear de segunda ordem em duas variáveis para a qual o Ansatz u(x, y) = X(x)Y (y) conduz a equações separadas para X e para Y . Não é do conhecimento do autor que sejam conhecidas condições necessárias e suficientes para a separabilidade de equações a derivadas parciais lineares, de modo que a forma da (11.22) é apenas uma condição suficiente para separabilidade. Um pouco de experimentação (faça!) permite concluir que a separação dificilmente se dá caso haja na equação um termo com uma derivada mista ∂ 2u ∂x∂y , ou se as funções A, B etc. não forem funções de uma única variável especificamente como explicitado em (11.22), mas há exceções, como mostra o exemplo do Exerćıcio E. 11.4, abaixo. Outrossim, não é do conhecimento do autor que tenham sido determinadas classes gerais de equações a derivadas parciais não-lineares para as quais o método é de separação de variáveis seja eficaz. A aplicabilidade desse método é, portanto, mais uma matéria de arte que de ciência, mas considerações sobre simetrias são por vezes de grande utilidade (vide [14] e [131]). Alguns exemplos de aplicações do método de separação de variáveis para equações a derivadas parciais não-lineares são discutidos na Seção 11.3.2, adiante. É de se notar, porém, que o método de separação de variáveis não se restringe a equações envolvendo apenas duas variáveis, nem a equações de segunda ordem. Nosso interesse pelas equações de segunda ordem provem do fato de que a grande maioria das equações a derivadas parciais encontrada na F́ısica é de segunda ordem. E. 11.2 Exerćıcio. Encontre uma classe de equações a derivadas parciais de primeira ordem lineares e homogêneas em duas variáveis x e y para as quais o Ansatz u(x, y) = X(x)Y (y) conduz a equações separadas para X e para Y . Obtenha essas equações. 6 E. 11.3 Exerćıcio. Encontre uma classe de equações a derivadas parciais de terceira ordem lineares e homogêneas em duas variáveis x e y para as quais o Ansatz u(x, y) = X(x)Y (y) conduz a equações separadas para X e para Y . Obtenha essas equações. 6 E. 11.4 Exerćıcio. Mostre que uma equação diferencial da forma A(x) ∂2u ∂x2 +B(y) ∂2u ∂x∂y + ( C(x) +D(y) )∂u ∂x = 0 (11.25) permite separação de variáveis na forma u(x, y) = X(x)Y (y). Sugestão: substitua esse Ansatz na equação e divida-a por X ′(x)Y (y), obtendo, com uma constante de separação λ, A(x)X ′′(x) + ( E(x) − λ ) X ′(x) = 0 , B(y)Y ′(y) + ( D(y) + λ ) Y (y) = 0 . Outra sugestão é observar que a equação (11.25) pode ser reduzida a uma equação linear de primeira ordem para ∂u∂x , a qual é separável. 6 O que determina a constante de separação λ? Em situações t́ıpicas ela é determinada pela imposição de condições de contorno, ou de outras condições subsidiárias à solução, tais como que ela seja cont́ınua, ou que ela seja periódica, ou que ela seja limitada, ou que ela seja de quadrado integrável (o que tipicamente ocorre na Mecânica Quântica) etc. Os exemplos que se seguirão ilustrarão essas diversas situações. Um certo cuidado aqui é necessário. Para a imposição de condições de contorno ou subsidiárias às soluções particulares da forma de um produto X(x)Y (y) é necessário que essas condições de contorno possam ser expressas separadamente como condições sobre a dependência em x e sobre a dependência em y. Geralmente24, isso só é posśıvel se o domı́nio 24Para um contra-exemplo, vide Exerćıcio E. 16.35, página 772. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 558/1507 D de validade da equação (entenda-se, a região onde o problema está definido) for um retângulo tal como {(x, y) ∈ R2, 0 ≤ x ≤ L, 0 ≤ y ≤ M}, um disco {(x, y) ∈ R2, 0 ≤ x ≤ L, 0 ≤ y ≤ 2π} com uma dependência periódica de peŕıodo 2π na variável y (que representaria um ângulo, em algum sistema de coordenadas) ou talvez um toro {(x, y) ∈ R2, 0 ≤ x ≤ 2π, 0 ≤ y ≤ 2π} com uma dependência periódica de peŕıodo 2π em ambas as variáveis. Os exemplos são os melhores mestres nessa discussão e vários deles são apresentados no Caṕıtulo 16, página 720. Assim, mesmo que uma equação diferencial tenha a forma (11.22) o método de separação de variáveis será ineficaz se as condições de contorno e subsidiárias não forem compat́ıveis com soluções particulares na forma de um produto. Um fato importante observado na prática (vide os exemplos tratados no Caṕıtulo 16, página 720) é que já a imposição de algumas das condições de contorno ou subsidiárias fixa todos os valores posśıveis para a constante de separação λ e, em muitos casos, esse conjunto de valores posśıveis é um conjunto contável: {λn, n ∈ N}. Para cada uma dessas constantes λn haverá possivelmente duas soluções independentes para a equação (11.23) e duas soluções independentes para a equação (11.24) (pois são equações de segunda ordem25). Assim, para cada n ∈ N teremos associada uma constante de separação λn, duas soluções linearmente independentes, X (1) n e X (2) n , para a equação (11.23) (a solução geral sendo uma combinação linear de ambas) e duas soluções linearmente independentes, Y (1) n e Y (2) n , para a equação (11.24) (a solução geral sendo uma combinação linear de ambas). A solução particular fornecida pelo Ansatz u(x, y) = X(x)Y (y) assume assim, para cada n, a forma ( αnX (1) n (x) + βnX (2) n (x) )( γnY (1) n (y) + δnY (2) n (y) ) , onde αn, βn, γn e δn são constantes. Como a equação (11.22) é linear e homogênea, e as condições de contorno são homogêneas, o prinćıpio de sobreposição se aplica e uma solução mais geral seria obtida somando-se as soluções obtidas para cada n, ou seja, ∑ n∈N ( αnX (1) n (x) + βnX (2) n (x) )( γnY (1) n (y) + δnY (2) n (y) ) . (11.26) As constantes αn, βn, γn e δn devem ainda ser fixadas através das demais condições de contorno e subsidiárias (que não aquelas que já foram usadas para fixar os λn’s) e, após isso, é preciso também demonstrar que a série (11.26) assim obtida converge. Será, afinal, a expressão (11.26) a solução completa do problema, que resolve a equação diferencial e satisfaz todas as condições de contorno e subsidiárias? Em muitos casos, a resposta é sim, o que pode ser provado por teoremas que garantem a unicidade de soluções de certas equações diferenciais que satisfaçam certas condições de contorno. Vide Seção 11.6, página, 587. Como comentamos, e como ilustram os exemplos do Caṕıtulo 16, página 720, o método de separação de variáveis delineado acima é feliz em resolver vários problemas envolvendo equações a derivadas parciais lineares de interesse em F́ısica. Todavia, o estudante não deve adquirir a falsa impressão de que o método de separação de variáveis é o único método de solução dispońıvel para equações a derivadas parciais. Muitos outros métodos são oferecidos na gigantesca literatura sobre o assunto (vide para tal [36, 37] ou mesmo [189]), cada qual empregável em uma classe espećıfica de equações. Para nos limitarmos a um único exemplo, citamos o chamado método das caracteŕısticas (vide Seção 11.4, página 560), que também permite a resolução de certas equações a derivadas parciais em termos de equações diferenciais ordinárias. Boa parte do estudo de equações a derivadas parciais não é voltado à procura de soluções para as equações, mas sim a análises qualitativas de propriedades das soluções. Muitas vezes, advêm dessas análises informações úteis sobre o comportamento do sistema de interesse que não são facilmente obteńıveis diretamente das soluções, mesmo caso estas sejam conhecidas (vide para tal [55], [45], [132], [36, 37]). 11.3.2 O Método de Separação de Variáveis. Caso de Equações Não- Lineares O método de separação de variáveis pode ser também empregado na resolução de algumas equações a derivadas parciais não-lineares. Vejamos alguns exemplos. Seja a equação da Óptica Geométrica em duas dimensões: (∂xu) 2 + (∂yu) 2 = 1 . (11.27) Se procurarmos soluções na forma u(x, y) = F(X(x), Y (y)) = X(x) + Y (y), obtemos (X ′(x))2 + (Y ′(y))2 = 1 ou seja (X ′(x))2 = 1 − (Y ′(y))2 . 25Nada impede, porém, que se tenha A ≡ 0 ou B ≡ 0, em cujo caso uma das equações (11.23) ou (11.24) será de primeira ordem. Tal ocorre, por exemplo, na equação de difusão. Vide página 721. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 561/1507 para uma função incógnita u(x) ≡ u(x1, . . . , xn) ∈ R. Note-se que as funções b(x, u(x)) e ak(x, u(x)), k = 1, . . . , n, são funções de x e de u, mas não de derivadas de u. Se u(x) é uma solução de (11.28) a aplicação E ∋ x 7→ (x, u(x)) ∈ T define uma superf́ıcie n-dimensional em T. Essa superf́ıcie será denominada superf́ıcie-solução (de (11.28)). Como é bem conhecido, o vetor n+1-dimensional dado por ( ux1(x), . . . , uxn(x), −1 ) é um vetor normal à superf́ıcie- solução no ponto (x, u(x))26. Com isso em mente, podemos interpretar (11.28) como sendo a afirmação que o vetor n+ 1-dimensional definido por ( a1 ( x, u(x) ) , . . . , an ( x, u(x) ) , b ( x, u(x) )) é tangente à superf́ıcie-solução no ponto (x, u(x)). Essa interpretação geométrica terá significado no que segue. Vamos supor que a função u(x) satisfaça condições iniciais que fixam seu valor em alguma superf́ıcie n−1 dimensional C de E. Assumiremos que na superf́ıcie C tenha-se a condição inicial u(x) = u0(x), x ∈ C, onde u0 é uma função dada definida em C. A superf́ıcie C é denominada superf́ıcie de Cauchy. O problema de resolver (11.28) com u fixada em C, como acima, é dito ser um problema de Cauchy. Suporemos que C seja uma variedade, ou seja, que os pontos da superf́ıcie C possam ser localmente descritos por um conjunto de n − 1 parâmetros reais, que denotaremos por s2, . . . , sn. Assim, os pontos x = (x1, . . . , xn) de C são (localmente) descritos por n funções cont́ınuas ψi, i = 1, . . . , n de n− 1 variáveis: x1 = ψ1(s2, . . . , sn) , . . . , xn = ψn(s2, . . . , sn) . Denotando Ψ = (ψ1, . . . , ψn), escrevemos as relações acima como x = Ψ(s2, . . . , sn) para x ∈ C. Em termos dos parâmetros s2, . . . , sn que descrevem a superf́ıcie de Cauchy C, a condição inicial escreve-se u(Ψ(s2, . . . , sn)) = u0(Ψ(s2, . . . , sn)). Com um certo abuso de linguagem, escreveremos u0(Ψ(s2, . . . , sn)) ≡ u0(s2, . . . , sn). • Curvas caracteŕısticas e curvas caracteŕısticas planas Seja I um certo intervalo da reta real (compacto ou não). Uma curva L no espaço T definida por I ∋ s1 7→( x1(s1), . . . , xn(s1), U(s1) ) ∈ T é dita ser uma curva caracteŕıstica da equação quase-linear (11.28) se as funções x1(s1), . . . , xn(s1) e U(s1) forem cont́ınuas, diferenciáveis e satisfizerem o sistema de equações diferenciais ordinárias ẋ1(s1) = a1 ( x(s1), U(s1) ) , ... ẋn(s1) = an ( x(s1), U(s1) ) , U̇(s1) = b ( x(s1), U(s1) ) . (11.29) As curvas em E dadas por I ∋ s1 7→ (x1(s1), . . . , xn(s1)) ∈ E são denominadas curvas caracteŕısticas planas ou curvas caracteŕısticas base. Como estudamos nos caṕıtulos dedicados a equações diferenciais ordinárias, sob condições de continuidade para as funções b e ak pode-se garantir a existência ao menos local de soluções de (11.29). Sob condições de diferenciabilidade, é posśıvel garantir também unicidade de soluções (11.29) para problemas de valor inicial. • O método das caracteŕısticas Seja u(x) uma solução dada de (11.28). Suponha que haja uma curva cont́ınua e diferenciável, definida no espaço E, parametrizada por s1 ∈ I e definida por n funções (x1(s1), . . . , xn(s1)) ≡ x(s1) com a propriedade que as que as 26Recordando, para variações “infinitesimais” (dx1, . . . , dxn) tem-se du = ux1 (x)dx1 + · · · + uxn(x)dxn e, portanto, o vetor ` ux1(x), . . . , uxn(x), −1 ´ é ortogonal aos vetores (dx1, . . . , dxn, du), que são tangentes à superf́ıcie-solução. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 562/1507 funções xk(s1), k = 1, . . . , n, satisfaçam o sistema de n equações diferenciais ordinárias ẋ1(s1) = a1 ( x(s1), u(x(s1)) ) , ... ẋn(s1) = an ( x(s1), u(x(s1)) ) . (11.30) Como estudamos nos caṕıtulos dedicados a equações diferenciais ordinárias, sob condições de continuidade para as funções b e ak pode-se garantir a existência ao menos local de soluções de (11.30). Sob condições de diferenciabilidade, é posśıvel garantir também inicidade de soluções de (11.30) para problemas de valor inicial. Pela regra da cadeia temos, naturalmente, d ds u(x(s1)) = n∑ k=1 ẋk(s1) uxk(x(s1)) = n∑ k=1 ak ( x(s1), u(x(s1)) ) uxk(x(s1)) (11.28) = b ( x(s1), u(x(s1)) ) , (11.31) e conclúımos que a curva em T definida por I ∋ s1 7→ ( x(s1), u(x(s1)) ) ∈ T é uma curva caracteŕıstica da equação (11.28). De (11.30) e (11.31) vê-se que os vetores tangentes a essa curva caracteŕıstica são paralelos em cada ponto ao campo definido pelos vetores (a1, . . . , an, b) e, portanto, essas curvas caracteŕısticas encontram-se inteiramente sobre a superf́ıcie-solução da equação (11.28) definida pela solução u. Esse fato deve ser retido em mente para o que segue. Vemos, portanto, que dada uma função u, solução de (11.28), obtem-se curvas caracteŕısticas procurando soluções do sistema de n equações diferenciais ordinárias (11.30). A questão que se põe é se é posśıvel inverter esse procedimento: será posśıvel recuperar a solução u(x) de (11.28) se for dada a famı́lia de curvas caracteŕısticas de (11.28), ou seja, as soluções de (11.29)? Como veremos, sob hipóteses convenientes a resposta é sim e esse método de determinar a solução de (11.29) a partir da determinação das curvas caracteŕısticas de (11.28), ou seja, as soluções de (11.29), é denominado método das caracteŕısticas. A idéia do método das caracteŕısticas é interpretar as diversas soluções U(s1) de (11.29) como U(s1) = u(x(s1)) para alguma solução u de (11.28) e procurar determinar essa u a partir da função U . Geometricamente, o que se faz é aproveitar a observação feita acima de que, as curvas caracteŕısticas definidas por uma solução dada u de (11.28) encontram-se inteiramente dentro da superf́ıcie-solução definida por u e tentar recuperar essa superf́ıcie-solução (e portanto a solução u) a partir do conjunto de todas as curvas caracteŕısticas associadas à equação (11.28). No que segue descreveremos como essas idéias podem ser implementadas, discutiremos as virtudes e limitações desse método e estudaremos exemplos. • Obtendo soluções com uso das curvas caracteŕısticas O sistema (11.29) é um sistema de n + 1 equações diferenciais ordinárias de primeira ordem e iremos supor que um tal sistema possua solução única para um dado conjunto de condições iniciais. A resolução de (11.29) geralmente requer a fixação de n+ 1 condições iniciais x1(0), . . . , xn(0) e U(0). Vamos supor que as curvas caracteŕısticas planas s1 7→ (x1(s1), . . . , xn(s1)) cruzem C em exatamente um ponto e que tal se de para s1 = 0. Portanto, escolhemos o ponto (x1(0), . . . , xn(0)) ∈ E sobre a superf́ıcie C onde as condições iniciais para (11.28) foram definidas. Assim, x(0) = (x1(0), . . . , xn(0)) ∈ E é tal que x(0) = Ψ(s2, . . . , sn) para algum conjunto de parâmetros s2, . . . , sn. Como desejamos interpretar U(0) = u(x(0)) para uma solução u de (11.28), é natural impormos U(0) = u0(s2, . . . , sn) . (11.32) As relações x(0) = Ψ(s2, . . . , sn) e U(0) = u0(s2, . . . , sn), ou seja, ( x(0), U(0) ) = ( Ψ(s2, . . . , sn), u0(s2, . . . , sn) ) , (11.33) fazem cada curva caracteŕıstica s1 7→ (x(s1), U(s1)) ∈ T depender também dos n − 1 parâmetros s2, . . . , sn que fixam a condição inicial (11.33). Introduzindo a notação s ≡ (s1, . . . , sn) ∈ Rn, podemos escrever as funções xk(s1), k = 1, . . . , n, e U(s1) como funções de s1 e desses parâmetros: x1(s1, . . . , sn) = x1(s) , . . . , xn(s1, . . . , sn) = xn(s) (11.34) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 563/1507 e U(s1, . . . , sn) = U(s) . Para s1 = 0 o ponto x(s1 = 0, s2, . . . , sn) encontra-se sobre C e, portanto, T ∋ ( x(s1 = 0, s2, . . . , sn), U(s1 = 0, s2, . . . , sn) ) = ( x1(s1 = 0, s2, . . . , sn), . . . , xn(s1 = 0, s2, . . . , sn), U(s1 = 0, s2, . . . , sn) ) = ( x(s1 = 0, s2, . . . , sn), u0(s2, . . . , sn) ) . (11.35) Se o Jacobiano ∂x∂s = ∂(x1, ..., xn) ∂(s1, ..., sn) não se anular, podemos inverter as n funções de (11.34) e escrever os parâmetros s1, . . . , sn em termos de x1, . . . , xn: s1(x1, . . . , xn) = s1(x) , . . . , sn(x1, . . . , xn) = sn(x) . Sob essa hipótese estamos supondo que as funções s → x(s) e x → s(x), definidas entre certos abertos de Rn, são bijetoras, uma sendo a inversa da outra. Com as escolhas descritas acima, cada curva caracteŕıstica é fixada pelos parâmetros s2, . . . , sn e parametrizada pelo parâmetro s1 quando a curva é percorrida. Para s1 = 0 a curva inicia-se no ponto de T dado em (11.35). Com a introdução dos parâmetros s podemos re-escrever as equações para as curvas caracteŕısticas dadas em (11.29) trocando a derivada total em relação a s1 por uma derivada parcial (levando em consideração, assim, a presença das outras variáveis s2, . . . , sn): ∂ x1 ∂s1 (s) = a1 ( x(s), U(s) ) , ... ∂ xn ∂s1 (s) = an ( x(s), U(s) ) , ∂ U ∂s1 (s) = b ( x(s), U(s) ) . (11.36) Vamos agora descrever de que forma o exposto acima pode ser empregado na resolução da equação (11.28). Defina-se u(x) := U(s(x)) , ou seja, u(x1, . . . , xn) := U ( s1(x1, . . . , xn), . . . , sn(x1, . . . , xn) ) . Vamos provar que u assim definida é uma solução de (11.28) e satisfaz as condições iniciais desejadas. De fato, calculando- JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 566/1507 temos a parametrização x2 = s2 com s2 ∈ R e, como x2(0) = β, podemos identificar β ≡ s2. Com isso escrevemos x1(s1, s2) = s1 , x2(s1, s2) = (s1) 3 3 + s2 , U(s1, s2) = exp ( − (s1) 4 12 − s1s2 + γ ) . A imposição U(0, s2) = u0(x2(0, s2)) = u0(s2) significa exp (γ) = u0(s2). Portanto, temos x1(s1, s2) = s1 , (11.39) x2(s1, s2) = (s1) 3 3 + s2 , (11.40) U(s1, s2) = exp ( − (s1) 4 12 − s1s2 ) u0(s2) . (11.41) Isso determina a expressão das curvas caracteŕısticas em termos dos parâmetros s1 e s2. Fixar o parâmetro s2 fixa uma curva caracteŕıstica, a qual é percorrida fazendo-se variar o parâmetro s1. Como se vê, para cada curva caracteŕıstica plana vale x2 = (x1) 3/3+ s2. As curvas caracteŕısticas planas de (11.38) encontram-se desenhadas, para diversos valores de s2, na Figura 11.2, página 567. O próximo passo é inverter as relações (11.39)-(11.40), acima, e expressar s1 e s2 em termos de x1 e x2. Para o Jacobiano dessa transformação temos ∂(x1, x2) ∂(s1, s2) = 1 , (verifique!) e a inversão é posśıvel para todos (x1, x2) ∈ R2. Como é fácil constatar, obtem-se s1(x1, x2) = x1 , s2(x1, x2) = x2 − (x1) 3 3 . A solução de (11.38) é, portanto, u(x1, x2) = U ( s1(x1, x2), s2(x1, x2) ) , ou seja, u(x1, x2) = exp ( (x1) 4 4 − x1x2 ) u0 ( x2 − (x1) 3 3 ) , (11.42) como facilmente se calcula. E. 11.14 Exerćıcio. Verifique explicitamente que (11.42) é de fato solução de (11.38) e satisfaz a condição u(0, x2) = u0(x2). 6 Como cada curva caracteŕıstica é definida por x2 − (x1) 3 3 = s2, vemos de (11.42) (e também de (11.41)) que o valor u0(s2) fixado para u na superf́ıcie C propaga-se ao longo da caracteŕıstica sendo “corrigido” pelo fator exp ( (x1) 4 4 − x1x2 ) . Isso fornece uma certa intuição sobre o método, ao menos no caso de equações lineares, como (11.38): em equações como as de acima, as curvas caracteŕısticas planas são as curvas ao longo das quais a “influência” da condição inicial se propaga a partir de cada ponto da superf́ıcie de Cauchy. A solução (11.42) é uma solução clássica da equação diferencial (11.38) sob o pressuposto que u0 seja cont́ınua e diferenciável. Se não o for, (11.42) representa uma solução fraca de (11.38). Se u0 for descont́ınua em um ponto s2, então vemos por (11.42) (e também de (11.41)) que essa descontinuidade propaga-se no espaço ao longo da curva caracteŕıstica fixada por s2, ou seja ao longo da curva x2 − (x1) 3 3 = s2. O mesmo se dá se a derivada u ′ 0 for descont́ınua em s2. Isso ilustra um fenômeno válido para equações lineares como (11.38): a propagação de singularidades a partir de uma condição inicial se dá ao longo de curvas caracteŕısticas. No caso de equações não-lineares, ensinam-nos inúmeros exemplos e alguns teoremas gerais que a propagação de singularidades a partir de uma condição inicial pode ser bem mais complexa. ◊ JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 567/1507 0 x1 x2 Figura 11.2: Curvas caracteŕısticas planas da equação (11.38) no plano x1–x2. A superf́ıcie de Cauchy C é eixo vertical x2. Vamos tratar agora de um exemplo bem mais simples, mas com o qual podemos identificar e discutir alguns problemas do método das caracteŕısticas. Exemplo 11.2 Consideremos u como uma função de duas variáveis (x1, x2) ∈ R2 satisfazendo a equação diferencial ux1(x1, x2) = 0 . (11.43) Naturalmente, a solução dessa equação é u(x1, x2) = h(x2), para uma função h em prinćıpio arbitrária, a qual deve ser fixada por condições iniciais (vide abaixo). Como nesse caso a1(x, u) = 1 e a2(x, u) = b(x, u) = 0, as equações (11.29) da curva caracteŕıstica são ẋ1(s1) = 1 , ẋ2(s1) = 0 , U̇(s1) = 0 . (11.44) A solução desse sistema é x1(s1) = s1 + α , x2(s1) = β , U(s1) = γ , (11.45) onde α, β e γ são constantes. Dessas expressões inferimos que as curvas caracteŕısticas planas é a famı́lia de todas as retas paralelas ao eixo x1. De (11.45) observamos que, para a equação aqui discutida, U(s1, s2) é constante ao longo das curvas caracteŕısticas planas (pois U(s1, s2) não depende de s1). Vamos agora discutir a solução sob alguns tipos de condições iniciais. 1. A superf́ıcie de Cauchy C é a reta x1 ≡ 0, a qual podemos parametrizar como C = { (x1, x2) ∈ R2, x1 = ψ1(s2) = 0 , x2 = ψ2(s2) = s2, s2 ∈ R } . JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 568/1507 Para a condição inicial em C fixamos, na parametrização acima, u(ψ1(s2), ψ2(s2)) = u0(s2), u0 sendo uma função dada. Por (11.45) podemos adotar α = 0, β = s2 e γ = u0(s2). Assim, x1(s1, s2) = s1 , x2(s1, s2) = s2 , U(s1, s2) = u0(s2) , (11.46) Claramente, para o Jacobiano da transformação (s1, s2) 7→ (x1, x2) tem-se ∂(x1, x2)∂(s1, s2) = 1 e a transformação inversa existe em toda parte, sendo dada por s1(x1, x2) = x1, s2(x1, x2) = x2. Logo, a solução u é dada por u(x1, x2) = U(s1(x1, x2), s2(x1, x2)) = u0(x2) . Assim, para esse tipo de condição inicial tem-se h(x2) = u0(x2). 2. A superf́ıcie de Cauchy C é a reta x2 ≡ 0, a qual podemos parametrizar como C = { (x1, x2) ∈ R2, x1 = ψ1(s2) = s2 , x2 = ψ2(s2) = 0, s2 ∈ R } . Para a condição inicial em C fixamos, na parametrização acima, u(ψ1(s2), ψ2(s2)) = u0(s2), u0 sendo uma função dada. A especialidade desse problema é que a superf́ıcie de Cauchy C é paralela ao eixo x1 e, portanto, é uma das curvas caracteŕısticas planas do problema. O problema em questão é, portanto, um problema de Cauchy caracteŕıstico. Por (11.45) podemos adotar α = s2, β = 0 e γ = u0(s2). Assim, x1(s1, s2) = s1 + s2 , x2(s1, s2) = 0 , U(s1, s2) = u0(s2) , (11.47) Claramente, para o Jacobiano da transformação (s1, s2) 7→ (x1, x2) tem-se ∂(x1, x2)∂(s1, s2) = 0 e não existe a trans- formação inversa (x1, x2) 7→ (s1, s2) em nenhum ponto de R2. Já observamos que, para a equação aqui tratada, a função U(s1, s2) é constante ao longo das caracteŕısticas planas (pois independe de s1, como se vê em (11.47)). Como nesse caso a própria superf́ıcie de Cauchy é uma curva caracteŕıstica plana, conclúımos que u0 deve ser constante. Nesse caso, então, uma solução pode ser obtida para u, a saber, u(x1, x2) = u0, constante. Percebe-se que nesse caso, no qual a superf́ıcie de Cauchy é uma curva caracteŕıstica plana, nem sempre é posśıvel encontrar uma solução para o problema de valor inicial, somente em casos especiais, a saber quando u0 for constante. 3. A superf́ıcie de Cauchy C é a parábola (x2) 2 − x1 = 0, a qual podemos parametrizar como C = { (x1, x2) ∈ R2, x1 = ψ1(s2) = (s2)2 , x2 = ψ2(s2) = s2, s2 ∈ R } . Para a condição inicial em C fixamos, na parametrização acima, u(ψ1(s2), ψ2(s2)) = u0(s2), u0 sendo uma função dada. Por (11.45) podemos adotar α = (s2) 2, β = s2 e γ = u0(s2). Assim, x1(s1, s2) = s1 + (s2) 2 , x2(s1, s2) = s2 , U(s1, s2) = u0(s2) , (11.48) Claramente, para o Jacobiano da transformação (s1, s2) 7→ (x1, x2) tem-se ∂(x1, x2)∂(s1, s2) = 1 e a transformação inversa existe em toda parte, sendo dada por s1(x1, x2) = x1 − (x2)2, s2(x1, x2) = x2. Logo, a solução u é dada por u(x1, x2) = U(s1(x1, x2), s2(x1, x2)) = u0(x2) . Assim, para esse tipo de condição inicial tem-se h(x2) = u0(x2). 4. A superf́ıcie de Cauchy C é a parábola (x1) 2 − x2 = 0, a qual podemos parametrizar como C = { (x1, x2) ∈ R2, x1 = ψ1(s2) = s2 , x2 = ψ2(s2) = (s2)2, s2 ∈ R } . JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 571/1507 x0 1 1 R 2x Figura 11.3: As curvas caracteŕısticas no interior de R para diversos valores de β > 0. A superf́ıcie de Cauchy C é a fronteira de R, indicada por linhas grossas. Exemplo 11.4 [A equação de Burgers invisćıvel e ondas de choque]. Vamos agora considerar um exemplo de uma equação não-linear, a saber a equação de Burgers invisćıvel27 (i.e., sem viscosidade) (11.12): u∂ u∂x + ∂ u ∂t = 0, com uma condição inicial u(x, 0) = u0(x). Comummente a função u(x, t) é interpretada como representando a velocidade no ponto x e no instante de tempo t de um fluido unidimensional. Vamos nos ater a essa interpretação no que segue. Cada ponto do fluido se move com velocidade u e suporemos que nele não ajam quaisquer forças, quer externas quer das outras part́ıculas do fluido. A ausência de aceleração dudt = 0 implica, pela regra da cadeia, ∂ u ∂t + dx dt ∂ u ∂x = 0, ou seja, ∂ u ∂t + u ∂ u ∂x = 0. Essa é a forma mais simples de deduzir a equação de Burgers invisćıvel. Com essa interpretação em mente as curvas caracteŕısticas representam, como veremos, a trajetória de cada part́ıcula do fluido a partir de uma posição e velocidade inicial. Como part́ıculas situadas em pontos diferentes em t = 0 podem ter velocidades iniciais diferentes e movem-se sem interagir umas com as outras, as mesmas podem se sobrepor em uma mesma posição em instantes futuros. Essa é a origem das chamadas ondas de choque que veremos surgir formalmente no que segue. A equação de Burgers invisćıvel (11.12) é uma equação quase-linear (mas não-linear) com a1(x, t, u) = u, a2(x, t, u) = 1 e b(x, t, u) = 0. A superf́ıcie de Cauchy nesse caso é C := {(x, t) ∈ R2 : t ≡ 0} e podemos parametrizá-la por C := { (x, t) ∈ R2 : x = ψ1(s2) = s2 , t = ψ2(s2) ≡ 0 } . O sistema de equações para as curvas caracteŕısticas é ẋ(s1) = U(s1) , ṫ(s1) = 1 , U̇(s1) = 0 , (11.53) cujas soluções são, x(s1) = γs1 + α , t(s1) = s1 + β , U(s1) = γ , com α, β e γ constantes. Impondo que para s1 = 0 estejamos sobre C, temos α = s2 e β = 0. Impondo U(0) = u0(s2), teremos γ = u0(s2). Com isso, x(s1, s2) = u0(s2)s1 + s2 , t(s1, s2) = s1 , U(s1, s2) = u0(s2) . (11.54) 27Essa equação coincide com a equação de Euler da Mecânica dos Fluidos, sem gradiente de pressão e forças externas. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 572/1507 R x110 2x Figura 11.4: As curvas caracteŕısticas em todo plano x1-x2 para diversos valores de α e β, positivos e negativos. Como se vê, as curvas caracteŕısticas planas dependem da escolha da condição inicial u0. A t́ıtulo de exemplo, tomemos u0 da forma u0(x) =    1 , x ≤ 0 , (1 − x2)2 , 0 < x < 1 , 0 , x ≥ 1 . (11.55) Essa função é cont́ınua e tem derivada cont́ınua em toda reta R. Seu gráfico é exibido na Figura 11.5, página 573. Para essa escolha de u0 as famı́lias de curvas caracteŕısticas planas são descritas por ( x(s1, s2), t(s1, s2) ) =      ( s1 + s2, s1 ) , s1 ∈ R , s2 ≤ 0 , ( (1 − (s2)2)2s1 + s2, s1 ) , s1 ∈ R , 0 < s2 < 1 , ( s2, s1 ) , s1 ∈ R , s2 ≥ 1 . Essas relações implicam que, para cada s2, vale x = u0(s2)t + s2 que, como dissemos descreve a trajetória de uma part́ıcula partindo da posição s2 movendo-se com velocidade constante u0(s2). No plano x–t essas curvas correspondem JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 573/1507 1 1 x u0 Figura 11.5: A condição inicial u0 dada em (11.55) representa um perfil inicial de velocidades no qual todo ponto do fluido situado em x < 0 move-se com velocidade 1. A velocidade decai a zero continuamente (e diferenciavelmente) no intervalo 0 ≤ x ≤ 1 e é nula para x > 1. Dessa forma, todo o ponto do fluido situado em x < 1 tem uma velocidade inicial positiva. Como vemos na solução da equação de Burgers invisćıvel, essa condição conduz ao aparecimento de uma onda de choque no fluido. à famı́lia de linhas retas t = x− s2 , x ∈ R , s2 ≤ 0 , t = x− s2 (1 − (s2)2)2 , x ∈ R , 0 < s2 < 1 , x = s2 , t ∈ R , s2 ≥ 1 , tal como desenhadas na Figura 11.6, página 574. Nessa figura exibimos apenas o semi-plano t ≥ 0. É importante recordar que, pela última equação de (11.53), U é constante ao longo de cada curva caracteŕıstica plana. O fato mais notável observado na Figura 11.6 é a existência de regiões no plano x–t onde se dá cruzamento das curvas caracteŕısticas planas28. Nas regiões em que não ocorre cruzamento, u é constante ao longo das caracteŕısticas planas e, portanto, é univocamente determinado pelo valor de u0 no ponto em que cada caracteŕıstica plana cruza o eixo x em t = 0. Nas regiões em que ocorre cruzamento de curvas caracteŕısticas planas a aplicação (s1, s2) 7→ (x, t) não é bijetora (pois a inversão não é uńıvoca) e, não havendo inversa, é de se esperar a existência de singularidades na solução. Na Figura 11.7, página 575, é exibida a evolução temporal do perfil de velocidades u(x, t) para diversos instantes de tempo após o instante inicial t = 0, quando foi fixada a condição inicial u0(x) dada em (11.55) e exibida na Figura 11.5. O surgimento de singularidades é notado na formação de uma descontinuidade na função u como função de x. Esse fenômeno é denominado choque, em referência ao fenômeno fisicamente conhecido das chamadas ondas de choque, e é sempre, matematicamente falando, associado à ocorrência de cruzamento de curvas caracteŕısticas planas. E. 11.15 Exerćıcio. Estudando a Figura 11.6, convença-se da validade do quadro exibido na Figura 11.5, que descreve a evolução temporal do sistema considerado. 6 O fenômeno de ondas de choque é observado em outras equações diferenciais não-lineares, um exemplo sendo a equação de Korteweg-deVries (11.10), página 547. Para uma discussão mais extensa do fenômeno de ondas de choque em Mecânica dos Fluidos e sua relação com a teoria das equações a derivadas parciais, vide [55] ou [105]. ◊ 28É de se observar, também, que as curvas caracteŕısticas no espaço x–t–u não se cruzam. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 576/1507 u = 1 0 x t u = 0 0 0 Figura 11.8: Curvas caracteŕısticas planas para a equação de Burgers invisćıvel com a condição inicial u0 = 0 para x ≤ 0 e u0 = 1 para x > 0. Acima, exibimos apenas o semi-plano t ≥ 0. As retas do lado esquerdo são verticais e as do lado direito têm inclinação 1. Observe que as curvas caracteŕısticas planas não visitam a região t ≥ x com x > 0. Esse fenômeno é relacionado às chamadas ondas de rarefação da Mecânica dos Fluidos. sendo u0(x) =    0 , x ≤ 0 , x , 0 < x ≤ 1 , 1 , x > 1 . 6 E. 11.17 Exerćıcio. Resolva a equação de Burgers invisćıvel u∂ u∂x + ∂ u ∂t = 0, com uma condição inicial u(x, 0) = u0(x), sendo u0(x) =    1 , x ≤ 0 , 1 − x , 0 < x ≤ 1 , 0 , x > 1 . Aqui também ocorrem ondas de choque. 6 E. 11.18 Exerćıcio. Resolva a equação de Burgers invisćıvel u∂ u∂x + ∂ u ∂t = 0, com uma condição inicial u(x, 0) = u0(x), sendo u0(x) =      0 , x ≤ 0 , ( 1 − (1 − x)2 )2 , 0 < x ≤ 1 , 1 , x > 1 . (11.56) Vide Figura 11.9, página 577. 6 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 577/1507 0 x u 0 1 1 Figura 11.9: A condição inicial u0 de (11.56). 11.4.2 Caracteŕısticas. Comentários Adicionais • Curvas caracteŕısticas e mudanças de coordenadas Se for realizada uma mudança de variáveis (x1, . . . , xn) 7→ (y1, . . . , yn) na equação (11.28) a mesma transforma-se em n∑ j=1 Aj ( y, v(y) ) vyj (y) = B ( y, v(y) ) , (11.57) onde y := (y1, . . . , yn), v(y) = u(x(y)), Aj(y, v(y)) := n∑ k=1 ak ( x(y), v(y) )∂ yj ∂xk (y) , B(y, v(y)) := b ( x(y), v(y) ) . (11.58) Para a nova equação (11.57) as curvas caracteŕısticas seriam dadas pelo sistema (vide (11.36)) ∂ y1 ∂s1 (s) = A1 ( y(s), U(s) ) , ... ∂ yn ∂s1 (s) = An ( y(s), U(s) ) , ∂ V ∂s1 (s) = B ( y(s), U(s) ) . (11.59) Expressando essas curvas em termos das coordenadas x teremos ∂ xl ∂s1 (s) = n∑ j=1 ∂ xl ∂yj ∂ yj ∂s1 (s) = n∑ j=1 ∂ xl ∂yj Aj ( y(s), U(s) ) = n∑ k=1 ak ( x(y(s)), v(y(s)) ) n∑ j=1 ∂ xl ∂yj ∂ yj ∂xk (s) ︸ ︷︷ ︸ = ∂ xl ∂x k = δl, k = al ( x(y(s)), v(y(s)) ) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 578/1507 e ∂ V ∂s1 (s) = b ( x(y(s)), U(s) ) . Percebemos tratar-se do mesmo sistema de (11.36). A conclusão disso é que as curvas caracteŕısticas de uma equação quase-linear de primeira ordem não dependem do particular sistema de coordenadas usado para escrevê-la tendo, portanto, um carácter intŕınseco. Esse comentário justifica, aliás, o adjetivo “caracteŕısticas” para designar tais curvas. Em Matemática esse quali- ficativo é utilizado para designar objetos que independem das coordenadas ou sistemas de referência usados para sua descrição (mais ou menos como, no jargão da F́ısica, se emprega a palavra “invariante”). Por exemplo, se M é uma matriz quadrada, o polinômio PM (x) := det(x1−M) é denominado polinômio caracteŕıstico de M pois independe da base usada para descrever M . De fato, PM (x) := det(x1−M) = det(T−1(x1 −M)T ) = det(x1− (T−1MT )) =: PT−1MT (x) para qualquer matriz inverśıvel T (lembrar que T−1MT representa a transformação de M pela mudança de base descrita por T ). Retornando a (11.57), suponhamos que as novas coordenadas y coincidam com as coordenadas s usadas para para- metrizar as curvas caracteŕısticas de (11.28). Para (11.58) teremos, usando (11.36), Aj(s, v(s)) := n∑ k=1 ak ( x(s), v(s) )∂ yj ∂xk (s) = n∑ k=1 ∂ xk ∂s1 (s) ∂ sj ∂xk (s) = ∂ sj ∂s1 = δj, 1 e, assim, (11.57) reduz-se a vs1(s) = B ( s, v(s) ) , (11.60) que trata-se, em essência, de uma equação diferencial ordinária para v. Essa equação não é distinta da última equação de (11.36) ou de (11.29), mas permite um novo entendimento das curvas caracteŕısticas: a famı́lia das curvas caracteŕısticas representa um sistema de coordenadas no qual alguns termos são eliminados da parte principal da equação quase-linear de primeira ordem (11.28), de modo a torná-lo o mais simples posśıvel. Essa idéia é importante, pois pode ser reproduzida em equações de ordem superior a 1, levando à noção de superf́ıcies caracteŕısticas. 11.5 Problemas de Cauchy e Superf́ıcies Caracteŕısticas. De- finições e Exemplos Básicos Problema de Cauchy é o nome dado a uma classe de problemas envolvendo equações a derivadas parciais e que merece particular atenção devido à sua relevância em aplicações (especialmente em F́ısica). Problemas de Cauchy são também conhecidos como problemas de condição inicial, mas no caso de EDPs essa nomenclatura pode ser enganosa e um certo cuidado é recomendado ao estudante. • Problemas de Cauchy Um problema de Cauchy envolve a resolução de um sistema de equações a derivadas parciais independentes, como o sistema (11.6), do seguinte tipo: 1. O número de equações é igual ao número m ≥ 1 de funções incógnitas. 2. Para uma das variáveis, que sem perda de generalidade suporemos ser a variável xn, tem-se o seguinte: (a) Para cada i = 1, . . . , m, seja ni o maior grau das derivadas parciais da função ui que ocorre no sistema. Então, suporemos que cada derivada parcial de grau máximo ∂ ni ui ∂x ni n pode ser resolvida do sistema, de modo que o mesmo assume a forma ∂ni ui ∂xnin = Fi ( x1, . . . , xn, u1 ( x1, . . . , xn ) , . . . , um ( x1, . . . , xn ) , . . . , ∂k uj ∂xk11 · · · ∂x kn−1 n−1 ∂x kn n , . . . ) , (11.61) i = 1, . . . , m, sendo que para cada j = 1, . . . , m tem-se k = k1 + . . .+ kn−1 + kn ≤ nj mas com kn < nj . JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 581/1507 tratados acima. Nas situações descritas acima os dados de Cauchy eram oferecidos em uma superf́ıcie plana xn = ζ, constante. Desejamos tratar da situação mais geral no qual procuramos a solução de um sistema como (11.6), definido em Rn, n ≥ 2, que aqui escrevemos de forma simplificada como Gi ( x, uj , · · · , Dα jl x uj , · · · ) = 0 , (11.64) para i = 1, . . . , m, com m ≥ 1 equações independentes e igual número de funções incógnitas ui, sendo fornecidos dados de Cauchy sobre uma superf́ıcie n− 1-dimensional C não necessariamente plana. Para sermos mais espećıficos, seja, como acima, definido por ni o maior grau das derivadas da função ui que ocorre no sistema (11.64). Seja uma superf́ıcie n − 1 dimensional C, orientável, suposta suficientemente suave, e para cada i = 1, . . . , m, sejam fornecidos em cada ponto de C o valor da função ui e de suas ni − 1 primeiras derivadas normais (à C): ∂k ui ∂nk (x) = φi, k(x) para todo x ∈ C e para todos k = 0, . . . , ni−1 e i = 1, . . . , m, sendo φi, k funções dadas. Acima, ∂ k ∂nk := ( n̂(x)·~∇ )k , onde n̂(x) é um vetor unitário normal a C em x ∈ C. Suporemos que o campo C ∋ x 7→ n̂(x) seja cont́ınuo e suficientemente diferenciável31. A orientação do campo n̂ é decidida pelo problema. Suporemos que seja posśıvel construir um sistema de coordenadas (ao menos em uma vizinhança de C), que deno- taremos por ξ1, . . . , ξn tais que C corresponda à superf́ıcie de ńıvel ξn = ζ, para alguma constante ζ e tal que, em C ∂k ∂nk = ∂j ∂ξjn para todo j ≥ 1. Geometricamente, isso significa dizer que as curvas (−ǫ, ǫ) ∋ s 7→ ( ξ1, . . . , ξn−1, ζ + s ) (definidas para algum ǫ > 0, pequeno o suficiente) são normais a C nos pontos ( ξ1, . . . , ξn−1, ζ ) ∈ C. Suporemos também que em C (e, devido à continuidade, em uma vizinhança de C, portanto) o Jacobiano da transformação de coordenadas x 7→ ξ seja não-nulo. No sistema de coordenadas ξ os dados de Cauchy ficam ∂k vi ∂ξki (ξ1, . . . , ξn−1, ζ) = φ̃i, k(ξ1, . . . , ξn−1) k = 0, . . . , ni − 1 e i = 1, . . . , m, onde vi(ξ) ≡ ui ( x(ξ) ) e φ̃i, k = φi, k ( x(ξ) ) , a última valida, naturalmente, em C. Uma ponto importante é expressar o próprio sistema (11.64) nas novas variáveis ξ. Para tal podemos fazer uso das transformações (11.17)-(11.18) e com isso obtemos Gi   ξ, vj , · · · , ∑ β1∈Nn (αjl)1 · · · ∑ βn∈Nn (αjl)n    n∏ k=1   n∏ j=1 ( ∂ ξj ∂xk )(βk)j      Dγξ vj + · · · , · · ·    = 0 , (11.65) i = 1, . . . , m, onde, como em (11.17)-(11.18), omitidos as derivadas de ordem inferior na transformação. Também como em (11.17)-(11.18), γ é o n-multi-́ındice γ = β1 + · · · + βn. Em (11.65), a expressão ∑ β1∈Nn (αjl)1 · · · ∑ βn∈Nn (αjl)n    n∏ k=1   n∏ j=1 ( ∂ ξj ∂xk )(βk)j      Dγξ vj + · · · (11.66) entrou em substituição a Dα jl x uj. É importante notarmos que em (11.66) somente teremos um termo proporcional às derivadas de grau máximo em relação a ξn, ou seja, a ∂nj vj ∂ξ nj n , se houver nos somatórios n-múlti-́ındices γ na forma γ = (0, . . . , 0, nj). Como γ é dada pela soma de n-multi-́ındices γ = β1 + · · · + βn, conclúımos que cada βa, a = 1, . . . , n, deve ser da forma βa = (0, . . . , 0, ba) com b1 + · · ·+ bn = nj . Como cada βa pertence a Nn(αjl)a , ou seja, satisfaz |βa| = (α jl)a, conclúımos que (αjl)a = ba. Assim, só surgirão termos com ∂nj vj ∂ξ nj j no argumento que substitui ∂njuj ∂x b1 1 ···∂x bn n com b1 + · · · + bn = nj e esses termos são do tipo { n∏ k=1 ( ∂ ξn ∂xk )bk } ∂nj vj ∂ξ nj n , 31Pelo menos tantas vezes quando max ni − 1. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 582/1507 e vale ( ∂njuj ∂x b1 1 ···∂x bn n ) ( ∂nj vj ∂ξ nj n ) = n∏ k=1 ( ∂ ξn ∂xk )bk . Desse fato, conclúımos, evocando novamente o Teorema da Função Impĺıcita e usando a regra da cadeia, que o sistema (11.65) só pode ser resolvido nas variáveis ∂nj vj ∂ξ nj n , j = 1, . . . , m, se for não-nulo o determinante da matriz m×m cujos elementos de matriz Hij são definidos por Hij := ∂Gi ( ∂nj vj ∂ξ nj n ) = nj∑ b1, ..., bn =0 b1+···+bn = nj     ∂Gi ( ∂njuj ∂x b1 1 ···∂x bn n )     ( ∂ ξn ∂x1 )b1 · · · ( ∂ ξn ∂xn )bn . (11.67) i, j = 1, . . . , m. Compare com (11.62). Como em (11.62) assumimos aqui implicitamente que as funções Gi se- jam cont́ınuas e diferenciáveis em suas variáveis. A continuidade garantirá que esse determinante é não-nulo em uma vizinhança da superf́ıcie C definida por ξn = ζ. Note que det H depende (especialmente em sistemas não-lineares) da solução u e dos dados de Cauchy. Se para uma dada u e determinados dados de Cauchy tivermos det H = 0 em algum ponto P de C, então C é dita ser uma superf́ıcie caracteŕıstica em P . Uma superf́ıcie C que seja caracteŕıstica em algum de seus pontos é dita ser uma superf́ıcie caracteŕıstica, ou simplesmente caracteŕıstica, para o problema de Cauchy em questão. A equação det H = 0 é denominada equação caracteŕıstica do problema em questão. Em valendo det H 6= 0 em toda superf́ıcie C, C é dita ser uma superf́ıcie não-caracteŕıstica e podemos em uma vizinhança de C escrever o sistema (11.65) na forma de Kovalevskaya, explicitando as derivadas de maior ordem em ξn, a saber, ∂nj vj ∂ξ nj n , j = 1, . . . , m, obtendo o sistema ∂ni vi ∂ξnin = Fi ( ξ1, . . . , ξn, v1 ( ξ1, . . . , ξn ) , . . . , vm ( ξ1, . . . , ξn ) , . . . , ∂k vj ∂ξk11 · · · ∂ξ kn−1 n−1 ∂ξ kn n , . . . ) , (11.68) i = 1, . . . , m, sendo que para cada j = 1, . . . , m tem-se k = k1 + . . .+kn−1 +kn ≤ nj mas com kn < nj . Isso generaliza (11.61). Se C for caracteŕıstica e não for posśıvel resolver as derivadas ∂ ni vi ∂ξ ni n para que se possa ter (11.68), então o sistema de equações a derivadas parciais (11.64) representa restrições aos dados de Cauchy em C, sendo por isso denominado interno. • Planos caracteŕısticos Consideremos ainda o sistema (11.64)-(11.65). Muito útil saber se uma superf́ıcie é caracteŕıstica ou não para um sistema de equações como as de acima (vide exemplos mais adiante) é a noção de plano caracteŕıstico. Seja P ∈ Rn um ponto com coordenadas (p1, . . . , pn), seja ~a = (a1, . . . , an) um vetor não-nulo e seja o hiperplano (n− 1)-dimensional H~a, P , que passa por P , definido por H~a, P := { (x1, . . . , xn) ∈ Rn ∣ ∣ ∣ ∣ n∑ k=1 ak(xn − pn) = 0 } . Como é bem sabido, o vetor ~a = (a1, . . . , an) é normal ao hiperplano H~a, P . Dizemos que H~a, P é um plano caracteŕıstico do sistema (11.64)-(11.65) se for nulo no ponto P o determinante da matriz m×m cujos elementos de matriz Jij são definidos por Jij := = nj∑ b1, ..., bn = 0 b1+···+bn = nj     ∂Gi ( ∂njuj ∂x b1 1 ···∂x bn n )     (a1) b1 · · · (an)bn . (11.69) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 583/1507 i, j = 1, . . . , m. Compare com (11.67). Repare que como (11.69) é homogênea nas componentes de ~a (pois b1+· · ·+bn = nj), podemos sem perda de generalidade considerar sempre vetores ~a unitários, ou seja, com ‖~a‖2 = (a1)2+· · ·+(an)2 = 1. Outra normalização tem apenas o efeito de multiplicar as colunas da matriz J por constantes não-nulas, o que não altera a equação det J = 0. Percebemos dessa definição e de (11.67) que se a superf́ıcie C definida por ξn = ζ passa pelo ponto P , então ela é uma superf́ıcie caracteŕıstica em P do sistema (11.64)-(11.65) se e somente se o plano tangente a C em P for um plano caracteŕıstico do sistema (11.64)-(11.65). Isso é útil, pois geralmente é muito mais fácil lidar com a equação det J = 0 que com a equação det H = 0. Determinando os planos caracteŕısticos de um sistema de equações diferenciais parciais saberemos que todas as superf́ıcies que lhes tangenciam são caracteŕısticas. Os exemplos adiante tornarão isso mais claro. • Alguns exemplos Equações de segunda ordem do tipo n∑ a, b=1 a≥b Aab ∂2 u ∂xa∂xb +B = 0 (11.70) ocorrem com muita freqüência em problemas f́ısicos. No que segue podemos considerar os coeficientes Aab e B como sendo funções de x, de u e das derivadas de primeira ordem de u. Como é fácil constatar, a equação caracteŕıstica de (11.70) é n∑ a, b=1 a≥b Aab ∂ ξn ∂xa ∂ ξn ∂xb = 0 . (11.71) e a equação dos planos caracteŕısticos é n∑ a, b=1 a≥b Aab aaab = 0 . (11.72) Analisemos com mais detalhe alguns casos espećıficos, onde tomaremos B da forma n∑ c=1 Bc ∂ u ∂xc +C, onde os coeficientes Bc e C podem ser funções de x, de u e das derivadas de primeira ordem de u. 1. Para a equação n∑ a=1 ∂2 u ∂x2a + n∑ c=1 Bc ∂ u ∂xc + C = 0 (11.73) a superf́ıcie ξn = constante será caracteŕıstica em um ponto P se a a equação caracteŕıstica (11.71) for satisfeita em P . Em nosso caso (11.71) fica n∑ a=1 ( ∂ ξn ∂xa )2 = 0. Se essa equação é satisfeita em P então nesse ponto todas as derivadas ∂ ξn∂xa anulam-se. Mas isso implica que o Jacobiano da transformação x 7→ ξ anula-se em P , o que não é aceitável para o novo sistema de coordenadas ξ. Assim, a equação (11.73) não possui caracteŕısticas (reais). Observe-se que as equações de Laplace e de Poisson em R3, importantes em diversos problemas de F́ısica, são do tipo (11.73) e, portanto, não têm caracteŕısticas (reais). A equação (11.73) faz parte de uma classe de equações denominadas equações eĺıpticas. 2. Para a equação n∑ a=1 Aa ∂2 u ∂x2a + n∑ c=1 Bc ∂ u ∂xc + C = 0 (11.74) com Aa > 0 para todo a, a equação caracteŕıstica (11.71) fica n∑ a=1 Aa ( ∂ ξn ∂xa )2 = 0. Como no caso anterior conclúımos que a equação (11.74) não possui caracteŕısticas (reais). A equação (11.74) faz parte de uma classe de equações denominadas equações eĺıpticas. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 586/1507 Dessa forma, a derivada normal ∂ v∂ξn só é determinada pelos dados de Cauchy em C e suas derivadas primeiras ao longo de C se C for não-caracteŕıstica. A equação dos planos caracteŕısticos é det ( n∑ k=1 Ak ( x, u(x) ) ak ) = 0 , (11.82) onde o vetor ~a é suposto ser normalizado: (a1) 2 + · · · + (an)2 = 1. E. 11.20 Exerćıcio-exemplo. A equação de Dirac. Determinenos os planos caracteŕısticos da equação de Dirac (11.13). Como facilmente se vê, a equação dos planos caracteŕısticos é det ( 3∑ µ=0 γµaµ ) = 0 . A maneira mais elegante de resolver essa equação é a seguinte. Tomando o quadrado de ambos os lados e usando o fato que (detA)2 = det(A2), temos 0 = det ( 3∑ µ=0 3∑ ν=0 γµγνaµaν ) . Agora, 3∑ µ=0 3∑ ν=0 γµγνaµaν = 1 2 3∑ µ=0 3∑ ν=0 ( γµγν + γνγµ ) aµaν = ( 3∑ µ=0 3∑ ν=0 gµνaµaν ) 1 = ((a0)2 − (a1)2 − (a2)2 − (a3)2)1 , onde usamos o fato de que as matrizes γµ satisfazem γµγν + γνγµ = 2gµν1, sendo g a matriz ( 1 0 0 00 −1 0 00 0 −1 0 0 0 0 −1 ) . Logo, conclúımos que 0 = ( (a0) 2 − (a1)2 − (a2)2 − (a3)2 )4 det1 e, portanto, os planos caracteŕısticos são definidos por (a0)2 = (a1) 2 + (a2) 2 + (a3) 2. Essa é precisamente a mesma situação que obtivemos no caso da equação (11.75). Como naquele caso, temos também a normalização (a0) 2 + · · ·+ (a3)2 = 1 e conclúımos que a0 = ± √ 2 2 . Geometricamente isso significa que os planos caracteŕısticos da equação de Dirac têm uma normal que forma um ângulo de 45o com o eixo x0 ≡ ct (a direção temporal). Assim, uma superf́ıcie é caracteŕıstica para a equação de Dirac em um determinado ponto se nesse ponto a normal a seu plano tangente formar um ângulo de 45o com o eixo x0. Como naquele caso, os cones de luz V ± y são caracteŕısticos em todos os seus pontos para a equação de Dirac. Tais fatos não são inesperados pois, como é bem conhecido, as soluções de equação de Dirac são também soluções da equação de Klein-Gordon, que é do tipo (11.75). 6 E. 11.21 Exerćıcio-exemplo. Como veremos, esse exerćıcio ilustra três situações básicas de equações de segunda ordem em duas dimensões. I. Mostre que o sistema         0 1 1 0     ∂ ∂x +     1 0 0 −1     ∂ ∂y         u1 u2     = 0 (equações de Cauchy-Riemann) não possui superf́ıcies caracteŕısticas (reais). Em um doḿınio simplesmente conexo de R2 esse sistema equivale à equação de Laplace ∂ 2 u ∂x2 + ∂2 u ∂y2 = 0. Para ver isso, suponha que u satisfaça a equação de Laplace e defina u1 := ∂ u ∂y e u2 := ∂ u ∂x . Então, é fácil checar que ∂ u2 ∂x + ∂ u1 ∂y = 0 e ∂ u1∂x − ∂ u2 ∂y = 0, ou seja, ( u1 u2 ) satisfaz o sistema acima. Reciprocamente, se ( u1 u2 ) satisfaz o sistema acima defina-se u(x, y) = ∫ (x, y) (x0, y0) ( u2dx + u1dy ) , onde a integral é tomada em uma curva suave orientada entre entre um ponto fixo (x0, y0) ∈ R2 e (x, y) ∈ R2. Devido à equação ∂ u2∂y − ∂ u1 ∂x = 0 a integral independe do caminho de integração. Com essa definição é fácil verificar que u1 = ∂ u ∂y e u2 = ∂ u ∂x . Logo, a equação ∂ u2 ∂x + ∂ u1 ∂y = 0 implica ∂2 u ∂x2 + ∂2 u ∂y2 = 0. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 587/1507 II. Mostre que as superf́ıcies caracteŕısticas do sistema         1 0 0 0     ∂ ∂t +     0 −1 1 0     ∂ ∂x         u1 u2     +     0 u2     = 0 são dadas por t = constante. Sob condições adequadas esse sistema equivale à equação de difusão ∂ u∂t − ∂ 2 u ∂x2 = 0 com u1 = u e u2 = ∂ u ∂x . As condições a que nos referimos, são a imposição que u2 = ∂ u1 ∂x na superf́ıcie de Cauchy C considerada, um caso particular da condição mais geral onde u1 e u2 são escolhidos independentemente em C. Para entendermos esse exemplo melhor, notemos que o sistema acima é composto pelas equações (a) ∂ u1∂t = ∂ u2 ∂x e (b) ∂ u1 ∂x = u2. Se tomarmos a superf́ıcie caracteŕıstica t = 0, os dados de Cauchy seriam u1(x, 0) e u2(x, 0). A equação (b) mostra que esses dados não são independentes, pois ∂ u1∂x (x, 0) deve ser igual a u2(x, 0). Assim, uma das equações do sistema força a existência de uma relação entre os dados de Cauchy ao longo da superf́ıcie caracteŕıstica. A equação (a) permite determinar a derivada de u1 normal à superf́ıcie caracteŕıstica (ou seja, ∂ u1 ∂t ) a partir de ∂ u2 ∂x (x, 0) (que pode ser obtida dos dados de Cauchy), mas não há nenhuma outra relação no sistema de equações que forneça a derivada de u2 normal à superf́ıcie caracteŕıstica (ou seja, ∂ u2 ∂t ) em termos dos dados de Cauchy ou suas derivadas primeiras em relação à variável x. III. Mostre que as superf́ıcies caracteŕısticas do sistema         0 1 1 0     ∂ ∂t +     −c2 0 0 −1     ∂ ∂x         u1 u2     = 0 são dadas por x± ct = constante. Em um doḿınio simplesmente conexo de R2 esse sistema equivale à equação de onda ∂ 2 u ∂t2 − c2 ∂ 2 u ∂x2 = 0. Para ver isso, suponha que u satisfaça a equação de onda e defina u1 := ∂ u ∂x e u2 := ∂ u ∂t . Então, é fácil checar que ∂ u2 ∂t − c2 ∂ u1∂x = 0 e ∂ u1∂t − ∂ u2 ∂x = 0, ou seja, ( u1 u2 ) satisfaz o sistema acima. Reciprocamente, se ( u1 u2 ) satisfaz o sistema acima defina-se u(x, y) = ∫ (x, t) (x0, t0) ( u1dx + u2dt ) , onde a integral é tomada em uma curva suave orientada entre entre um ponto fixo (x0, t0) ∈ R2 e (x, t) ∈ R2. Devido à equação ∂ u1∂t − ∂ u2∂x = 0 a integral independe do caminho de integração. Com essa definição é fácil verificar que u1 = ∂ u ∂x e u2 = ∂ u ∂t . Logo, a equação ∂ u2 ∂t − c2 ∂ u1 ∂x = 0 implica ∂2 u ∂t2 − c2 ∂ 2 u ∂x2 = 0. 6 11.6 Alguns Teoremas de Unicidade de Soluções de Equações a Derivadas Parciais Como já comentamos, teoremas de unicidade de soluções de equações a derivadas parciais submetidas a condições iniciais e de contorno são de importância crucial para justificar certos métodos de resolução, como por exemplo o método de separação de variáveis e de expansão em modos (como os modos de vibração de cordas ou membranas vibrantes, por exemplo), tal como discutido em diversos dos problemas tratados no Caṕıtulo 16, página 720. No que segue, apresentaremos alguns desses teoremas, concentrando-nos em casos de maior interesse em problemas f́ısicos. Alguns desses teoremas são evocados na discussão do Caṕıtulo 16, página 720. 11.6.1 Casos Simples. Discussão Preliminar Primeiramente, exporemos o leitor aos teoremas de unicidade de solução mais simples e seus métodos de demonstração. A intenção é pedagógica e por isso escolhemos dois tipos de equações de interesse f́ısico, as equações de difusão e de JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 588/1507 onda com coeficientes constantes em uma dimensão espacial. Generalizações serão apresentadas adiante na Seção 11.6.3, página 594. O caso das equações de Laplace e Poisson é discutido na Seção 11.6.2, página 591. • Unicidade de soluções para a equação de difusão em um intervalo finito A proposição que segue apresenta condições que garantem unicidade para as soluções da equação de difusão a coefi- cientes constantes definida em um intervalo finito da reta sob certas condições iniciais e de contorno. Proposição 11.1 Considere a equação diferencial ∂u ∂t −K ∂ 2u ∂x2 = F (x, t) , (11.83) com K > 0 constante, e F é uma função dada (em prinćıpio arbitrária). Acima, x ∈ [0, L] para algum L > 0 e t ≥ 0. As condições iniciais são u(x, 0) = u0(x), (11.84) onde u0 : [0, L] → R é uma função arbitrária. Considere os seguintes tipos de condições de contorno. I. Condições de Dirichlet: u(0, t) = f1(t), u(L, t) = f2(t) . II. Condições de Neumann: ∂u ∂x (0, t) = f3(t), ∂u ∂x (L, t) = f4(t) . Acima, fi são funções arbitrárias. Então, caso exista, a solução de (11.83) sob as condições iniciais (11.84) é única tanto sob condições de contorno do tipo de Dirichlet quanto sob condições de contorno do tipo de Neumann. 2 A proposição acima garante unicidade da solução para qualquer função F (x, t) e quaisquer funções fi, mas não garante a existência de soluções. Para garantir existência e exibir uma solução (por exemplo em termos de séries de Fourier) é preciso ser mais restritivo quanto à função F e às funções fi. A demonstração da Proposição 11.1 é apresentada na forma do exerćıcio dirigido que segue. Generalizações encontram-se na Proposição 11.6, página 594, e a Proposição 11.7, página 597. E. 11.22 Exerćıcio. Prova da Proposição 11.1. Para demonstrar a unicidade de solução da equação diferencial (11.83) sob as condições acima procede-se da seguinte forma. Suponha que haja duas soluções u e v da equação acima, ambas satisfazendo as mesmas condições de contorno e as mesmas condições iniciais. Defina w(x, t) := u(x, t) − v(x, t). Desejamos mostrar que w = 0, implicando que as duas soluções u e v são em verdade iguais. a. Mostre que w satisfaz a equação diferencial homogênea ∂w ∂t −K ∂ 2w ∂x2 = 0 . (11.85) b. Mostre que w satisfaz a condição inicial w(x, 0) = 0. c. Mostre que w satisfaz as condições de contorno w(0, t) = 0, w(L, t) = 0 , (11.86) no caso de condições de Dirichlet ou ∂w ∂x (0, t) = 0, ∂w ∂x (L, t) = 0 , (11.87) no caso de condições de Neumann. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 591/1507 e. Mostre que E(0) = 0. (Use as condições iniciais de w). f. Mostre, diferenciando dentro da integral e usando integração por partes, que E′(t) = 2 ∫ L 0 ∂w ∂t [ ∂2w ∂t2 − c2 ∂ 2w ∂x2 ] dx . Para a integração por partes é preciso usar as condições de contorno (11.92) ou (11.93) para w. g. Usando a equação diferencial de w conclua que E′(t) = −2γ ∫ L 0 ( ∂w ∂t )2 dx . e, portanto, E′(t) ≤ 0 para todo t. h. Conclua de g, d e e que E(t) = 0 para todo t. i. Conclua dáı que w(x, t) é uma constante, ou seja, não depende de x e t. Disso, conclua pela condição inicial w(x, 0) = 0 que w é identicamente nula. 6 • Unicidade de solução de EDP’s. Um contra-exemplo Sob a luz das Proposições 11.1, 11.2, 11.3, 11.4, 11.6 e 11.7 (páginas 588, 589, 590, 591, 594, e 597, respectivamente), o estudante não deve ser levado a pensar que a unicidade seja uma propriedade comum a todas as equações a derivadas parciais lineares com as condições iniciais e de contorno como as que tratamos. Vejamos um contra-exemplo. E. 11.24 Exerćıcio. Seja a equação diferencial linear e homogênea (1 − 2x)t∂u ∂t − x(1 − x)∂u ∂x = 0 , para x ∈ [0, 1], t ≥ 0, com a condição inicial u(x, 0) = 0 e as condições de contorno u(0, t) = u(1, t) = 0. Esse problema tem infinitas soluções. Mostre que todas as funções da forma u(x, t) = f ( tx(1−x) ) , onde f é uma função cont́ınua e diferenciável em [0, ∞), satisfazendo f(0) = 0, satisfazem a equação diferencial, a condição inicial e as condições de contorno acima. Por exemplo, para qualquer α > 0 a função vα(x, t) := ( tx(1 − x) )α satisfaz a equação diferencial, a condição inicial e as condições de contorno. O problema acima foi estudado sob a luz do método das caracteŕısticas no Exemplo 11.3 da página 569. 6 11.6.2 Unicidade de Solução para as Equações de Laplace e Poisson • Unicidade de solução para as equações de Laplace e Poisson em regiões finitas De grande importância em problemas de Eletrostática, Magnetostática, Mecânica dos Fluidos ou em problemas de transporte de calor é a questão da unicidade de solução da equação de Laplace ∆φ(~x) = 0 ou da de Poisson32 ∆φ(~x) = ρ(~x) sob certas condições de contorno. Para o caso de regiões limitadas essa questão é respondida na seguinte proposição. Proposição 11.4 Considere-se o problema de determinar a solução da equação de Poisson ∆φ(~x) = ρ(~x) (a equação de Laplace é o caso particular em que ρ(~x) ≡ 0) em três dimensões em um volume R, compacto, conexo, limitado por uma superf́ıcie fechada, retificável e orientável ∂R, de forma que φ seja cont́ınua e diferenciável em ∂R satisfazendo em ∂R uma das seguintes condições de contorno: 32Siméon Denis Poisson (1781–1840). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 592/1507 1. Condição de Dirichlet. Para todo ~x ∈ ∂R vale φ(~x) = f(~x), para uma função f dada. 2. Condição de Neumann. Para todo ~x ∈ ∂R vale ∂φ∂n (~x) = g(~x), para uma função g dada, onde ∂φ ∂n (~x) := ( ~∇φ(~x) ) · ~n(~x) é a chamada derivada normal de φ em ~x ∈ ∂R, ~n(~x) sendo um versor normal a ∂R em ~x ∈ ∂R, apontando para fora de R. 3. Condição mista. Para todo ~x ∈ ∂R vale φ(~x) + a(~x) ∂φ∂n (~x) = h(~x), onde h é uma função dada e a é cont́ınua por partes, não-identicamente nula e não-negativa, ou seja, a(~x) ≥ 0 para todo ~x ∈ ∂R. Então, no caso de uma condição de Dirichlet ou mista a solução, se existir, é única e no caso de uma condição de Neumann a solução, se existir, é única a menos de uma constante aditiva. No caso de uma condição de Neumann, uma condição necessária à existência de solução é que valha ∫ R ρ(~x) d3~x = ∫ ∂R g(~x) dσ(~x) . (11.94) Mutatis mutantis, as afirmações acima são também válidas em duas dimensões, ou mesmo em quatro ou mais dimensões. 2 Prova. Vamos supor que haja duas soluções u e v da equação ∆φ(~x) = ρ(~x) em R, ambas satisfazendo a mesma condição de contorno, de Dirichlet, de Neumann ou mista, em ∂R. Então, a função w := u− v obviamente satisfaz ∆w = 0 em R e uma das seguintes condições de contorno homogêneas: 1) w(~x) = 0 para todo ~x ∈ ∂R (no caso de uma condição de Dirichlet), 2) ∂w∂n (~x) = 0 para todo ~x ∈ ∂R (no caso de uma condição de Neumann) ou 3) w(~x) + a(~x)∂w∂n (~x) = 0 para todo ~x ∈ ∂R (no caso de uma condição mista). Considere-se a quantidade U := ∫ R ( ~∇w(~x) )2 d3~x . É evidente pela definição que U ≥ 0. Como ∇· ( w~∇w ) = ( ~∇w )2 +w∆w = ( ~∇w )2 (pois ∆w = 0), temos, pelo Teorema de Gauss, Teorema 13.3, página 651, U = ∫ R ∇ · ( w~∇w ) (~x) d3~x Gauss = { ∂R w(~x) ∂w ∂n (~x) dσ(~x) , (11.95) dσ(~x) sendo a medida de integração de superf́ıcie em ∂R. No caso de uma condição de Neumann ou de Dirichlet o lado direito de (11.95) anula-se, pois ou w(~x) = 0 para todo ~x ∈ ∂R (Dirichlet) ou ∂w∂n (~x) = 0 para todo ~x ∈ ∂R (Neumann). No caso de uma condição mista o lado direito de (11.95) fica − { ∂R a(~x) ( ∂w ∂n (~x) )2 dσ(~x) ≤ 0, pois a foi suposta não-negativa. Como, de acordo com a definição, U ≥ 0, conclúımos novamente que U é nulo. Assim, para cada uma das três condições conclúımos que U = 0, o que implica que ~∇w = 0 em todo R. Logo, u(~x) = v(~x) + c, onde c é uma constante. No caso de uma condição de Dirichlet essa constante deve anular-se, pois u e v satisfazem as mesmas condições em ∂R. O mesmo se dá para uma condição mista. No caso de uma condição de Neumann essa constante pode ser arbitrária. Ainda no caso de Neumann, vê-se que a condição (11.94) é necessária aplicando a φ a terceira identidade de Green, relação (13.A.29) do Teorema 13.5, página 651. Mutatis mutantis, a demonstração das afirmações de acima não se altera em duas ou mais dimensões. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 593/1507 • Unicidade de solução para as equações de Laplace e Poisson em R3 A Proposição 11.4, página 591, estabelece condições que garantem a unicidade de solução das equações de Poisson e Laplace em regiões finitas. Uma generalização para equações de Poisson e Laplace definidas em todo R3 pode ser obtida, mas certos cuidados com as hipóteses são necessários. Contemplando a demonstração da Proposição 11.4, vemos que a mesma pode ser estendida para equações definidas em todo R3 desde que se possa garantir que a expressão { ∂R w(~x) ∂w ∂n (~x) dσ(~x) , (11.96) do lado direito de (11.95), convirja a zero no limite quando R → R3, pois isso garantirá que U := ∫ R3 ( ~∇w(~x) )2 d3~x é nula e, portanto, que w é constante em todo R3. Agora, a condição que lim ‖~x‖→∞ ‖~x‖2w(~x) ∥ ∥ ∥~∇w(~x) ∥ ∥ ∥ = 0 é suficiente para garantir que a expressão de (11.96) anule-se quando R → R3 e, portanto, é suficiente para garantir a unicidade de solução das equações de Laplace e Poisson em R3. Como veremos abaixo, porém, essa condição pode ser modificada. Ainda assim, podemos provisoriamente apresentar a seguinte extensão da Proposição 11.4: Proposição 11.5 Considere-se o problema de determinar a solução da equação de Poisson ∆u(~x) = ρ(~x) (a equação de Laplace é o caso particular em que ρ(~x) ≡ 0) em R3 de forma que u satisfaça lim ‖~x‖→∞ ‖~x‖2 |u(~x)| ∥ ∥ ∥~∇u(~x) ∥ ∥ ∥ = 0 . Então, se existir, a solução é única a menos de uma constante aditiva. 2 Para certas aplicações esse resultado é um tanto restritivo. Para irmos além dele, necessitamos um estudo mais detalhado de propriedades de soluções da equação de Laplace. De fundamental importância é o chamado Teorema do Valor Médio para funções harmônicas, que apresentamos na Seção 13.B, página 657. Teorema 11.1 Considere-se o problema de determinar a solução da equação de Poisson ∆u(~x) = ρ(~x) (a equação de Laplace é o caso particular em que ρ(~x) ≡ 0) em R3 de forma que u satisfaça lim ‖~x‖→∞ |u(~x)| = 0. Então, se existir, a solução é única. 2 Prova. Se houver duas soluções u e v do problema, a diferença w = u − v satisfaz lim‖~x‖→∞ |w(~x)| = 0 e é uma função harmônica, ou seja, satisfaz a equação de Laplace ∆w = 0. Para todo ~x ∈ R3 vale, portanto, o Teorema do Valor Médio, Teorema 13.9, página 657, que afirma que, para qualquer R > 0, w(~x) = 1 4πR2 { ∂BR w(~y) dσ(~y) . (11.97) onde BR é uma esfera de raio R centrada em ~x. Definindo K(R) = max{|w(~y)|, ~y ∈ ∂BR}, extráımos facilmente de (11.97) que |w(~x)| ≤ K(R). Tomando R → ∞ e lembrando que lim‖~x‖→∞ |w(~x)| = 0 (o que implica limR→∞K(R) = 0), segue que |w(~x)| = 0. Como isso vale para todo ~x ∈ R3, segue que u = v em toda parte, provando a unicidade. O Teorema a seguir generaliza o Teorema 11.1 e sua demonstração é idêntica. Teorema 11.2 Considere-se o problema de determinar a solução da equação de Poisson ∆u(~x) = ρ(~x) (a equação de Laplace é o caso particular em que ρ(~x) ≡ 0) em R3 de forma que u satisfaça, para cada versor x̂, lim R→∞ |u(Rx̂)| = Φ(x̂) , onde Φ é ums função dada definida na esfera unitária. Então, se existir, a solução é única. 2 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 596/1507 iniciais e as mesmas condições de contorno, quer sejam de Dirichlet, de Neumann ou mistas, descritas acima. Conside- remos a função w definida por w(~x, t) := u(~x, t) − v(~x, t). Como (11.98) é linear, é fácil constatar que w satisfaz a equação homogênea γ(~x) ∂w ∂t (~x, t) − ~∇ · ( κ(~x, t)~∇w(~x, t) ) + η(~x)w(~x, t) = 0 , (11.100) para todo ~x ∈ D e todo t ≥ 0, assim como a condição inicial w(~x, 0) = 0, ∀~x ∈ D. Quanto às condições de contorno teremos, para o caso de condições de Dirichlet, w(~x, t) = 0 para todo ~x ∈ ∂D e todo t ≥ 0. Para o caso de condições de Neumann, ∂w∂n (~x, t) = 0 para todo ~x ∈ ∂D e todo t ≥ 0. Para o caso de condições mistas, w(~x, t) + α(~x, t)∂w∂n (~x, t) = 0 para todo ~x ∈ ∂D e todo t ≥ 0. Desejamos mostrar que w é identicamente nula, o que prova que u e v são idênticas, estabelecendo unicidade de solução sob as condições mencionadas. Para tal, consideremos a expressão A(t) = ∫ D γ(~x) ( w(~x, t) )2 dn~x+ 2 ∫ t 0 (∫ D η(~x) ( w(~x, t′) )2 dn~x ) dt′ . (11.101) É evidente que A(t) ≥ 0 para todo t ≥ 0. Tem-se, porém, A(0) = 0, pois em t = 0 a função w anula-se (pela condição inicial para w). Como w é diferenciável em relação a t, podemos calcular a derivada ddtA(t) por dA dt (t) = ∫ D γ(~x) ∂ ∂t ( w(~x, t) )2 dn~x+ 2 ∫ D η(~x) ( w(~x, t) )2 dn~x = 2 ∫ D w(~x, t)γ(~x) ∂w ∂t (~x, t) dn~x+ 2 ∫ D η(~x) ( w(~x, t) )2 dn~x (11.100) = 2 ∫ D w(~x, t) [ ~∇ · ( κ(~x, t)~∇w(~x, t) ) − η(~x)w(~x, t) ] dn~x+ 2 ∫ D η(~x) ( w(~x, t) )2 dn~x = 2 ∫ D w(~x, t) ~∇ · ( κ(~x, t)~∇w(~x, t) ) dn~x = 2 [∫ D ~∇ · ( κ(~x, t)w~∇w ) dn~x− ∫ D κ(~x, t) ( ~∇w )2 dn~x ] Gauss = 2 [∫ ∂D κ(~x, t)w ∂w ∂n ds(~x) − ∫ D κ(~x, t) ( ~∇w )2 dn~x ] , onde ds(~x) é a medida de integração n − 1 dimensional em ∂D. Agora, no caso de condições de Dirichlet, a integral ∫ ∂D κ(~x, t)w ∂w ∂n ds(~x) anula-se pois w anula-se em ∂D, o mesmo se sucedendo no caso de condições de Neumann, quando ∂w ∂n anula-se em ∂D. Conclúımos que em ambos os casos dA dt (t) = −2 ∫ D κ(~x, t) ( ~∇w )2 dn~x . (11.102) No caso de condições mistas, tem-se dA dt (t) = −2 [ ∫ ∂D α(~x, t)κ(~x, t) ( ∂w ∂n )2 ds(~x) + ∫ D κ(~x, t) ( ~∇w )2 dn~x ] . (11.103) Ora, como κ(~x, t) ≥ 0 e α(~x, t) ≥ 0 , o lado direito de (11.102) e de (11.103) são ambos claramente menores ou iguais a zero. Porém, como A(0) = 0, se a derivada dAdt (t) fosse negativa para algum t ≥ 0, a função A assumiria valores negativos, o que é imposśıvel pois, como observamos, A(t) ≥ 0 para todo t ≥ 0. Logo, devemos ter dAdt (t) = 0 para todo t, ou seja, A é constante. Mas como A(0) = 0, vale A(t) = 0 para todo t ≥ 0. Sendo A(t) dada em (11.101) como a soma de duas integrais maiores ou iguais a zero, isso implica que ambas se anulam, ou seja, em particular,∫ D γ(~x) ( w(~x, t) )2 dn~x = 0 para todo t ≥ 0. Como w é cont́ınua e γ(~x) se anula apenas em um conjunto de medida JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 597/1507 nula, isso implica que w é identicamente nula em todo D, para todo t ≥ 0, para a condição inicial e para cada uma das condições de contorno consideradas, que é o que queŕıamos mostrar. Uma idéia semelhante à da demonstração acima será seguida quando tratarmos da equação que descreve vibrações em meios elásticos na Proposição 11.8, página 597. A Proposição 11.6 pode ser estendida, sob certas condições, como mostra a seguinte proposição, que generaliza a Proposição 11.2 da página 589. Proposição 11.7 Consideremos para uma função real u a equação diferencial linear dada por γ(~x) ∂u ∂t (~x, t) − ~∇ · ( κ(~x, t)~∇u(~x, t) ) − ~θ(~x, t) · ~∇u(~x, t) + η(~x)u(~x, t) = ϕ(~x, t) , (11.104) definida sob as mesmas hipóteses da Proposição 11.6, mas assumindo ainda que ~θ é continuamente diferenciável e ~∇ · ~θ(~x, t) ≥ 0 para todo ~x ∈ D e t ≥ 0. Seja u submetida a condições iniciais que fixam seu valor em t = 0: u(~x, 0) = u0(~x) , (11.105) ∀~x ∈ D, onde a função real u0 é um dado do problema (denominado dado de Cauchy) e a condições de contorno do tipo de Dirichlet na fronteira ∂D: u(~x, t) = φ(~x, t) para todo ~x ∈ ∂D e todo t ≥ 0, φ(~x, t) sendo uma função real dada. Então, a solução do problema de Cauchy de determinar a solução (11.104) para as condições iniciais (11.105) é única, caso exista. 2 O leitor deve notar que a equação diferencial (11.104) difere de (11.98) pela introdução do termo contendo o campo ~θ, sendo que supomos que o divergente desse campo seja maior ou igual a zero em D. É de se notar também o fato de a proposição limitar-se a condições de contorno do tipo de Dirichlet. Prova. A prova segue os mesmos passos do caso da Proposição 11.6, mas obtem-se agora dA dt (t) = −2 ∫ D κ(~x, t) ( ~∇w )2 dn~x− ∫ D ( ~∇ · ~θ ) w2 dn~x+ ∫ ∂D w2 ( ~θ · ~n(~x) ) ds(~x) , (11.106) em lugar de (11.102). A integral sobre ∂D é nula sob condições de Dirichlet, pois para elas w anula-se na fronteira. Assim, se ~∇ · ~θ ≥ 0, obtem-se novamente dAdt (t) ≤ 0 sob condições de Dirichlet36, conduzindo às mesmas conclusões que no caso da Proposição 11.6. • Unicidade de solução para a equação de vibrações elásticas em regiões finitas A proposição que segue estende os resultados de unicidade que obtivemos para a equação de difusão na Proposição 11.6, acima, para uma forma bastante geral da equação que descreve vibrações em meios elásticos, definida em um conjunto limitado e conexo D de Rn, para todo n ≥ 1, sob certas condições iniciais e certas condições de contorno, que podem ser do tipo de Dirichlet, de Neumann ou mistas. Um caso particular importante é a equação de ondas, de grande relevância em F́ısica, tratado na Proposição 11.3 da página 590 no caso unidimensional. Proposição 11.8 Consideremos para uma função real u a equação diferencial linear, dada por ρ(~x) ∂2u ∂t2 (~x, t) + γ(~x, t) ∂u ∂t (~x, t) − ~∇ · ( τ(~x)~∇u(~x, t) ) + η(~x)u(~x, t) = ϕ(~x, t) , (11.107) definida para ~x em um conjunto não-vazio, aberto, conexo e limitado D ⊂ Rn, n ≥ 1. D é, assim, limitado e conexo. Assumiremos que τ é cont́ınua e diferenciável e que ρ, γ e η sejam cont́ınuas por partes. Suporemos também que ρ(~x) > 0 e τ(~x) > 0, exceto em conjuntos de medida nula, onde podem anular-se. Assumiremos também que η(~x) ≥ 0 e que γ(~x, t) ≥ 0 para todo ~x ∈ D e todo t ≥ 0. 36O leitor poderia pensar que podeŕıamos incluir condições mistas de contorno e ainda obter dA dt (t) ≤ 0 em (11.106) se adicionalmente supuséssemos que ~θ · ~n(~x) ≤ 0 em todo ∂D, mas isso é incompat́ıvel com ~∇ · ~θ ≥ 0, pelo Teorema de Gauss, Teorema 13.3, página 651. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 11 598/1507 Denotaremos por D o fecho de D (que é compacto, pois D é limitado) e denotaremos por ∂D = D \D a fronteira de D. Sobre a região D, suporemos ainda que ∂D seja diferenciável e orientável, de modo que em qualquer ponto ~x de ∂D possamos definir o versor (vetor de comprimento 1) ~n(~x) normal à ∂D no ponto ~x e apontando para fora de D. Iremos supor que a função u esteja submetida a condições iniciais que fixam seu valor em t = 0 assim como o de sua derivada temporal: u(~x, 0) = u0(~x) , ∂u ∂t (~x, 0) = v0(~x) . (11.108) ∀~x ∈ D, onde as funções reais u0 e v0 são dados do problema (denominados dados de Cauchy). Além disso, iremos supor que u(~x, t) esteja submetida a condições na fronteira ∂D, as chamadas condições de contorno. Trataremos dos seguintes tipos de condições de contorno: I. Condições de Dirichlet: u(~x, t) = φ(~x, t) para todo ~x ∈ ∂D e todo t ≥ 0, φ(~x, t) sendo uma função real dada. II. Condições de Neumann: ∂u ∂n (~x, t) = −ψ(~x, t) para todo ~x ∈ ∂D e todo t ≥ 0, ψ(~x, t) sendo uma função real dada. Acima, ∂u∂n representa a derivada normal de u à superf́ıcie ∂D, ou seja, ∂u∂n (~x, t) = ~n(~x) · ~∇u(~x, t), ~x ∈ ∂D. III. Condições mistas: para uma função cont́ınua ζ(~x, t) ≥ 0, definida em ∂D para todo t ≥ 0, tem-se ∂u ∂t (~x, t) + ζ(~x, t) ∂u ∂n (~x, t) = χ(~x, t) para todo ~x ∈ ∂D e todo t ≥ 0, χ(~x, t) sendo uma função real dada. IV. A expressão τ(~x)∂u∂t ∂u ∂n anula-se identicamente na fronteira ∂D. Então, para cada uma das condições de contorno descritas acima, a solução do problema de Cauchy de determinar a solução (11.107) para as condições iniciais (11.108) é única, caso exista. 2 A equação (11.107) descreve vibrações elásticas em um meio material de densidade ρ(~x) localizado em D. O termo γ(~x, t)∂u∂t (~x, t) descreve uma dissipação (por exemplo, por atrito viscoso com um meio externo) e τ(~x) deve ser inter- pretado como a tensão do meio no ponto ~x. O termo η(~x)u(~x, t) provem de uma força harmônica restauradora (caso η positivo) agindo sobre cada ponto do meio. Por fim, ϕ(~x, t) representa uma força externa (por unidade de volume) agindo sobre o sistema no ponto ~x no instante t. Para uma dedução parcial dessa expressão no caso unidimensional vide, por exemplo, [42]. Um caso particular importante é aquele em que γ, η e ϕ são nulas e ρ e τ são constantes positivas, caso esse em que (11.107) assume a forma da equação de ondas livres ∂2u ∂t2 (~x, t) − c2∆u(~x, t) = 0 , c = √ τ ρ . A constante c tem a interpretação de velocidade de propagação das ondas. Prova da Proposição 11.8. Afirmamos que sob as condições descritas na proposição, a solução de (11.107) é única, caso exista. Para tal, vamos supor que u e v sejam duas soluções reais de (11.107), ambas satisfazendo as mesmas condições iniciais e as mesmas condições de contorno, quer sejam de Dirichlet, de Neumann ou mistas, descritas acima. Consideremos a função w definida por w(~x, t) := u(~x, t) − v(~x, t). Como (11.107) é linear, é fácil constatar que w satisfaz a equação homogênea ρ(~x) ∂2w ∂t2 (~x, t) + γ(~x, t) ∂w ∂t (~x, t) − ~∇ · ( τ(~x)~∇w(~x, t) ) + η(~x)w(~x, t) = 0 , (11.109)
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