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Promoção da Saúde em Atividades Físicas para Idosos: Perspectivas do Projeto Fênix, Notas de estudo de Matemática

Este documento discute o objetivo específico de analisar a fundamentação teórica e as ações do projeto fênix para estabelecer a perspectiva filosófica de saúde, autonomia e promoção da saúde. O texto aborda as divergências e convergências conceituais que dão base às práticas encontradas no âmbito da promoção da saúde, além de refletir sobre as implicações desse estudo no cenário geral de programas de atividades físicas para adultos e idosos.

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 23/02/2010

pedro-miranda-9
pedro-miranda-9 🇧🇷

4.6

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Baixe Promoção da Saúde em Atividades Físicas para Idosos: Perspectivas do Projeto Fênix e outras Notas de estudo em PDF para Matemática, somente na Docsity! UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA ANA LÚCIA LAGO NAKAMURA ENVELHECIMENTO: UM OLHAR SOBRE A PERSPECTIVA DE SAÚDE , AUTONOMIA e PROMOÇÃO DA SAÚDE EM PROGRAMA DE ATIVIDADE FÍSICA. São Paulo, 2007 Nakamura, Ana Lúcia Lago Envelhecimento: um olhar sobre a perspectiva de saúde, autonomia e Promoção da Saúde em programa de atividade física / Ana Lúcia Lago Nakamura. - São Paulo, 2007. Aa119 f. : il. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2007. Orientador: Profª. Dra. Maria Luiza de Jesus Miranda. 1. Envelhecimento. 2. Saúde. 3. Autonomia 4. Promoção da Saúde 5. Educação física para idosos. I. Título CDD- 796 Ficha catalográfica: Elizangela L. de Almeida Ribeiro - CRB 8/6878 Agradecimentos Agradeço a todas as pessoas que colaboraram para o meu crescimento pessoal e profissional: meus pais, meus irmãos, meus tios, meu esposo e a minha orientadora. SUMÁRIO RESUMO............................................................................................................... iii ABSTRACT........................................................................................................... iv APRESENTAÇÃO................................................................................................. v 1. INTRODUÇÃO.............................................................................................. 01 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1 Envelhecimento..................................................................................... 08 2.2 Promoção da Saúde e envelhecimento................................................ 13 2.3 Atividade Física e envelhecimento........................................................ 21 2.4 Envelhecimento e a Educação Física brasileira ................................... 24 2.5 Década de 1990 e a população idosa brasileira... ................................ 28 2.5.1 Economia, saúde, educação....................................................... 28 2.6 Programas de atividade física para idosos ......................................... 33 2.6.1 Descrição dos programas de atividade física voltados à população idosa...................................................................................................... 40 3. MÉTODO....................................................................................................... 53 3.1 Categorização do estudo........................................................................ 53 3.2 Participantes da pesquisa....................................................................... 53 3.2 Instrumentos........................................................................................... 53 3.3 Procedimentos........................................................................................ 54 3.4 Fase de análise do discurso................................................................... 56 4. PROJETO FÊNIX: BASES TEÓRICAS........................................................ 58 4.1 Descrição.............................................................................................. 59 4.2 Análise documental............................................................................... 64 4.3 Coordenadoras do Projeto Fênix: análise dos discurso........................ 73 i 4.3.1 Caracterização dos sujeitos........................................................ 73 4.3.2 Caracterização dos temas.......................................................... 73 4.4 Discussão Geral.................................................................................... 88 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................... 94 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................. 96 7. ANEXOS............................................................................................................. 105 ii Apresentação O presente estudo, discorre sobre a análise da prática pedagógica de um programa de atividade física voltado à população idosa – o Projeto Fênix Terceira Idade com Qualidade, desenvolvido entre os anos de 1998 a 2004 na Faculdade Integrada de Guarulhos. As constantes reflexões e questionamentos sobre divergências e convergências conceituais sobre saúde, autonomia e Promoção da Saúde, observadas pela pesquisadora no período em que atuou como docente no referido Projeto, geraram a necessidade de desenvolver o estudo aqui proposto. Na introdução, procuramos apontar toda a problemática que envolve o processo de envelhecimento, e que poderiam vir a influenciar o direcionamento prático e teórico de um programa de atividade física voltado à população idosa. A partir da delimitação dos objetivos a que nos propomos responder, no capítulo seguinte, discorremos sobre o processo de envelhecimento, abordando os aspectos biológicos com suas modificações e adaptações fisiológicas, bem como os aspectos sociais e históricos incidentes sobre essa população, como a categorização social do envelhecimento, a construção da velhice como um problema social e o interesse do envelhecimento como objeto de estudo. Em seguida, passamos a discutir as ações que compõem uma perspectiva de trabalho no âmbito da Promoção da Saúde e o incremento que a mesma proporcionaria ao processo de envelhecimento e, para tanto, dividimos esse capítulo em três períodos distintos, iniciados na valorização da Promoção da Saúde pela Medicina Social do século XIX, passando pelo movimento moderno da Promoção da Saúde em 1974 e, finalizando com a Primeira Conferência Internacional sobre a Promoção da Saúde e divulgação da Carta de Ottawa em 1986. Já em relação ao capítulo três, este aborda os benefícios proporcionados pela prática regular de atividade física e a importância da associação do direcionamento prático da Educação Física, com a perspectiva da Promoção da Saúde que, diretamente, contribuiria para um crescimento integral dos indivíduos v em relação ao discernimento da importância da adesão e da prática de exercícios em si. Dando continuidade a discussão sobre a atividade física e envelhecimento, no quarto capítulo procuramos construir um panorama geral sobre a atuação da Educação Física brasileira em relação ao processo de envelhecimento desde a sua implantação no Brasil-República até os dias atuais. Dentro desse panorama histórico, no quinto capítulo desse estudo, realizamos uma reconstrução da realidade social-histórica brasileira da década de 1990, incidente sobre a população idosa, buscando a partir desse levantamento histórico compreender as intenções, justificativas e objetivos descritos para a implantação do Projeto Fênix na Faculdade Integrada de Guarulhos. E, com o intuito de ampliar a compreensão sobre a década de 1990, em relação ao direcionamento prático da Educação Física, o capítulo seis analisa alguns programas de atividade física voltados à população idosa desenvolvidos em universidades brasileiras do período em questão. Para a execução dessa tarefa, o próximo capítulo discorre sobre a trajetória metodológica utilizada neste estudo, além de revelar os motivos pelos quais optamos pela pesquisa qualitativa e, apresentamos também os participantes deste estudo, os instrumentos e os procedimentos utilizados para a coleta de dados. A partir dessa descrição metodológica, iniciamos a descrição do Projeto Fênix e a ampliação de suas bases teóricas. De posse dessas informações, voltamos o nosso olhar aos responsáveis pela elaboração e coordenação do Projeto, a principal finalidade desse enfoque seria, captar a essência dos objetivos práticos e teóricos desenvolvidos entre os anos de 1998 e 2004 através da percepção individual de suas coordenadoras sobre o processo de envelhecimento, conceitos de saúde, autonomia, e a perspectiva de um trabalho pautado no âmbito da Promoção da Saúde. A essência desses direcionamentos nos dá subsídios para que possamos discorrer sobre a presença de convergências e/ou divergências conceituais dentro do Projeto Fênix, entre o que fora proposto em seu documento de implantação, com as ações que realmente foram empreendidas no decorrer de suas atividades. vi Tal proposição nos leva a responder o último objetivo desse estudo, que visa refletir sobre o quanto a análise e compreensão do Projeto Fênix contribuiria para dar-nos indícios sobre o que ocorre no cenário geral de programas de atividade física para adultos e idosos. vii Além dessa tendência oriunda das ciências médicas, encontramos como característica da Educação Física brasileira, o direcionamento de suas práticas associadas às realidades políticas, sociais e econômicas do país, como por exemplo: as práticas físicas em prol da eugenização1 da raça brasileira (Castellani Filho, 1988b; Marinho, 1943); as influências européias no direcionamento da pedagogia a ser utilizada, destacando-se o método francês (Marinho, 1943); o “Esporte para Todos” na ditadura militar (Betti, 1991; Coletânea de autores, 1992); e a tendência mundial pela busca de conhecimentos sobre a infância (NERI, 1995; KOLYNIAK FILHO, 1996). Dentro dessa construção histórica, sobre os direcionamentos pedagógicos da Educação Física, não encontramos indicações sobre a inclusão da população idosa em relação à prática de exercícios físicos até meados 1936. Nesse período em questão até 1970, não existia uma preocupação direta com população idosa, que se exercitava em conjunto de demais coortes etários e, em programas desenvolvidos para a população em geral, que eram ofertados em praças públicas, programas de rádio, clubes privados, entre outros (FARIA JÚNIOR et al., 2005a; MARINHO, 1943). Uma preocupação mais efetiva, porém discreta, frente ao processo de envelhecimento, só veio ocorrer no Brasil a partir da década de 1970, fruto de uma primeira mudança paradigmática, no campo do conhecimento das atividades físicas e do envelhecimento. Essa transição, veio em decorrência do aumento demográfico da população idosa, das influências teóricas mundiais sobre a inclusão de idosos e adultos na prática de atividades físicas e também, das idéias sobre a terceira idade adulta como a fase da crescente diminuição do rendimento motor – demonstrando dessa forma, a necessidade de atenção e incremento nas capacidades físicas dessa população (FARIA JÚNIOR, 2004). 1 Eugenia: movimento criado no ano de 1882, para fortalecer a raça brasileira através da oferta de exercícios físicos às mulheres brasileiras para que os filhos por elas gerados fossem fortes. O intuito era de que essas crianças “fortes” defendessem a pátria quando necessário para assim, sobrepujar os negros que cresciam vertinosamente (CASTELLANI FILHO, 1988b; MARINHO, 1943). 3 Essa mudança paradigmática, segundo o referido autor, trouxe à população idosa uma gama de programas de atividade física, sem orientação específica; sem delimitação de coorte etário; sem uma pedagogia diferenciada que, na maior parte das vezes, era adaptada de outros modelos populacionais. Sobre essas adaptações, encontramos em Neri e Cachione (2004), que as mesmas, são corriqueiras e decorrentes da escassez de trabalhos específicos que contribuam diretamente na construção de pedagogias voltadas ao processo de envelhecimento. Avançando em nossas pesquisas, observamos na Educação Física da década de 1980, além de uma abordagem biológica sobre o processo de envelhecimento, a ampliação de temas que até então, pouco se haviam tido dentro da área, como as influências sociais incidentes sobre a população idosa, a necessidade de uma pedagogia própria para atuar com essa população e o direcionamento das ações encontradas no âmbito da Promoção da Saúde (FARIA JÚNIOR et al., 2005b). Sobre a Promoção da Saúde, gostaríamos de salientar que até então, suas práticas eram organizadas a partir de um enfoque mais behaviorista da década de 1970, oriundos das discussões promovidas pela divulgação do Informe de Lalonde que colocou em pauta a necessidade de políticas públicas que viessem contribuir com a qualidade da saúde da população (BUSS, 2003). Tal reconhecimento, foi convertido em ações que promovessem a modificação de “livre e espontânea vontade” do estilo de vida dos indivíduos. Ser responsável pelos seus atos e ações em relação a saúde, seria crucial dentro dessa perspectiva, que demonstrava claramente o direcionamento de suas ações para o fenômeno da culpabilização da vítima2 (CARVALHO, 2004). Apesar dessa característica, as discussões iniciadas no Informe de Lalonde, serviram de alerta para a importância de inovações na área de Saúde em rumo a construção 2 Culpabilização da vítima: na área da Promoção da Saúde, a expressão é utilizada para fazer uma crítica ao modelo biomédico que, a partir do reducionismo nos estudos do processo saúde-doença, atribui única e exclusivamente ao sujeito a responsabilidade pela suas condições de saúde, desconsiderando que, muitas vezes, ele é submetido a relações sociais desiguais impostas pelo seu meio capaz de torná-lo mais vulnerável e sem poder de reação (GEREZ, 2006). 4 de um novo paradigma em saúde que veio a ocorrer em 1986 com a divulgação da Carta de Ottawa (BUSS, 2003). A Carta em questão, se opunha ao enfoque behaviorista que a Promoção da Saúde vinha adotando desde então, apontando a necessidade de revisão das intervenções práticas da Promoção da Saúde, da importância da presença de políticas públicas no direcionamento de suas ações, da necessidade de fortalecimento da autonomia dos indivíduos e comunidades e, principalmente, na importância de uma educação para a saúde pautada em uma pedagogia crítica (OPAS, 2002a). Foi o conjunto dessas ações que contribuíram para o início do movimento da “nova” Promoção da Saúde que viabilizava aos indivíduos agir com base em suas escolhas. O reconhecimento dessa ampliação conceitual em torno da saúde, autonomia e Promoção da Saúde dentro da Educação Física, passa efetivamente a conquistar um espaço dentro da área em meados da década de 1990. Nesse período, pode-se observar, também, a ampliação de discussões em torno dos deveres e responsabilidades políticas e sociais dos governos sobre essa população como, por exemplo, a promulgação da Política Nacional do Idoso (Brasil, 1994) e a Resolução 46/91 da Assembléia Geral das Nações Unidas de 16/12/1991 (ONU, 2000) que recomendava cinco princípios relevantes ao manejo dessa população como, a independência, a participação, a assistência, a auto- realização, a dignidade, entre outras. A soma dessas discussões ocorridas dentro da Educação Física brasileira, pode ser observada no direcionamento de suas práticas frente ao processo de envelhecimento e na produção científica e literária produzida no período (FARIA JÚNIOR et al., 2005b). E, por esse motivo, acreditamos que exista certa dificuldade prática na utilização das ações que envolvem a visão de saúde, autonomia e Promoção da Saúde. Parece-nos que durante a trajetória de estruturação e implementação desses programas, tais conceitos não foram incorporados em sua essência apesar de estarem implícitos em suas propostas. 5 2 - Revisão de Literatura 2.1 Envelhecimento Conforme Debert (1999) a velhice não é uma categoria natural, mas uma categoria socialmente construída que faz distinção, entre um fato natural (ciclo biológico, do ser humano), e um fato universal (fatores sociais e históricos) que proporcionam por sua vez, formas diferentes de se conceber e viver o envelhecimento. No ciclo biológico encontramos em Brach et al. (2004); Fried et al. (2000); Hayflyck (1996); Nelson et al. (2004) descrições sobre as alterações orgânicas que acompanham um indivíduo durante todo o seu processo de envelhecimento como, por exemplo, a diminuição da força muscular, VO2 máximo, acuidade visual, densidade mineral óssea; modificações hormonais; aumento de peso; demências; entre outras. Apesar da evidência dessas alterações, isso não significa que um indivíduo idoso, irá se deteriorar da noite para o dia, perdendo toda sua capacidade funcional, motora, cerebral, entre outras funções. Isso não ocorre porque tanto para os mais jovens quanto para os mais velhos, existem mecanismos compensatórios que procuram ajustar o indivíduo fisiologicamente a sua nova realidade, fazendo com que, no caso dos idosos, a qualidade funcional, seja preservada pelo maior espaço de tempo, limitando-se apenas às forças inexoráveis do envelhecimento (HAYFLYCK, 1996). Já em relação aos fatores sociais e históricos a sua visão, nos possibilita compreender, pelo menos nas sociedades ocidentais, como é o caso do Brasil, as questões que estão imbricadas dentro desse processo como, os estereótipos negativos, os termos classificatórios, a imagem de fragilidade, dependência, improdutividade, entre outras. Com base nessas informações podemos, a partir daí, refletir sobre o grau de impacto que esses fatores, desencadeiam na construção de um conceito individual e/ou coletivo sobre o envelhecimento, e o 8 quanto esse conceito pode vir a interferir em ações voltadas a essa população, principalmente na área de Educação Física. O que chama a atenção, quando se discute o envelhecimento em nossa sociedade é a segmentação das discussões que envolvem este processo, dando- se a impressão de que os fatores biológicos ocorrem em separado às questões sociais e históricas e vice e versa. Mas, encontramos na literatura que a recíproca não é verdadeira, pois o processo de envelhecimento dá-se através da interação de diversos fatores sejam eles, sociais, políticos, econômicos, históricos, ambientais e biológicos (ALVES JÚNIOR, 2004; BRASIL, 2003; SILVA, 2004). Sob o ponto de vista e estudo da antropologia segundo Debert, (1999) esta segmentação, estaria relacionada a três problemas característicos: o primeiro se dá por ser o envelhecimento uma categoria socialmente produzida, que possui como referência os processos biológicos universais; o segundo diz respeito as questões que, nas sociedades ocidentais contemporâneas, passaram a ser problemas sociais e o último estaria relacionado aos temas em torno dos quais o envelhecimento é transformado em objeto de estudo. 2.1.1 Categorização social do envelhecimento A “categorização” pode ser observada através das grades específicas de idades, construídas e desconstruídas ao longo dos séculos em nossa sociedade (Debert, 1999; Motta, 2002; Neri, 1995) que, segundo a antropologia (abandonando-se a visão da psicologia clássica sobre as fases do desenvolvimento humano), seria um princípio constitutivo de grupos sociais, para se impor deveres e obrigações, como o tempo, para se educar, entrar na faculdade, casar, ter filhos, se aposentar e tornar-se velho. Essa tendência, também se estendem às dimensões do mundo doméstico, do trabalho e do consumo (MINAYO e COIMBRA JR., 2004; HECKHAUSEN e SHULTZ, 1997). Um exemplo simples dessa categorização, são as idades estipuladas para ingresso de idosos em programas de atividades físicas que variam, entre a idade de 50 anos (pré-aposentadoria), geralmente com o intuito de preparar o indivíduo 9 para o enfrentamento do envelhecimento e, acima de 60 anos (aposentadoria) visando, na maior parte das vezes, amenizar a falta de lazer, convívio social e capacidade funcional. Um exemplo clássico dessa categorização seria o termo mais comumente utilizado em nossa sociedade a “terceira idade”. 2.1.2 A velhice como um problema social A transformação da velhice como um “problema social”, segundo Debert, (1999) não seria decorrente do aumento demográfico dessa população assim como sugere os demógrafos e freqüentemente os cientistas sociais, mas sim, viria como resultado, da própria construção social do envelhecimento que, em nossa sociedade, assume um contexto de novas dimensões e definições, como o termo mais comumente utilizado “terceira idade” (Minayo e Coimbra Jr., 2002). Essa expressão, nascida na França da década de 1960 em pleno desenvolvimento capitalista, tinha como função estabelecer o período que uma pessoa deveria se aposentar. Essa estratégia criada para que os industriais da época aumentassem os seus lucros, foi realizada a partir do vinculo da imagem de trabalhadores experientes à incapacidade e à improdutividade. Dessa forma, justificou-se a troca da mão de obra “velha” e onerosa por uma mão de obra “jovem” e mais barata. Esse simples remanejamento empresarial transformou o benefício da aposentadoria em um estereótipo para a população idosa, em um problema sócio-econômico às empresas que posteriormente atingiram o Estado (PEIXOTO,1998). Além do termo “terceira idade”, observa-se, pelo menos nas sociedades ocidentais, a existência de adjetivos com o propósito de substituir a visão negativa atrelada à condição de velhice, dentre esses, destacamos: adulto maduro, melhor idade, pessoa idosa, idade de ouro, idade da razão, idoso, pessoa na meia idade, idade madura, maturidade, idade legal, entre outros (CARLOS, 1999; PEIXOTO, 1998). Entretanto, essa realidade conforme Debert (1999), pode vir a assumir novos direcionamentos principalmente se um indivíduo possuir, destaque na mídia, status social, político, econômico e intelectual. Nessa condição, os 10 2.2 Promoção da Saúde e envelhecimento Nesse capítulo, abordaremos as ações encontradas no âmbito da Promoção da Saúde, por entender que a sua indicação também contribui para o incremento da manutenção da qualidade do processo de envelhecimento, através da educação para a saúde pautada em uma pedagogia crítica, assim como sugere o Relatório final da XI Conferência Nacional de Saúde, no capítulo em que se refere à Democratização das Informações: “As políticas de Informação, Educação e Comunicação devem [...] estar voltadas para a promoção da saúde, que abrange a prevenção de doenças, a educação para saúde, a proteção da vida, a assistência curativa e a reabilitação sob responsabilidade das três esferas de governo, utilizando pedagogia crítica, que leve o usuário a ter conhecimento também de seus direitos; dar visibilidade à oferta de serviços e ações do SUS; motivar os cidadãos a exercer os seus direitos e cobrar as responsabilidades dos gestores públicos e dos prestadores de serviços de saúde”. (CNS, 2000: 165-166) Levando em consideração a complexidade das ações que circunscreve o âmbito da Promoção da Saúde, e visando facilitar uma linha de raciocínio em nossas discussões, sobre ações que já são empreendidas frente ao processo de envelhecimento, decidimos por dividir nossos discurso em três momentos distintos: iniciados na valorização da Promoção da Saúde pela Medicina Social do século XIX, passando pelo movimento moderno da Promoção da Saúde em 1974 e, finalizando com a Primeira Conferência Internacional sobre a Promoção da Saúde e divulgação da Carta de Ottawa em 1986. Para tanto, necessitamos abordar que a organização das práticas que envolvem o movimento da Promoção da Saúde, se iniciaram a partir de conceitos objetivos não da saúde, mas da doença, construídos ao longo da história da Saúde Pública (CEZERESNIA, 2003). Essa característica, por sua vez, veio em decorrência das doenças que assolavam as sociedades ocidentais, fazendo com que muitos não chegassem a 13 fase adulta, e poucos passassem pela velhice. Foi diante dessa realidade iniciada no período medieval, que a doença e sua cura tornaram-se foco exclusivo de atenção e a saúde passou a ser entendida como a ausência de doenças, restringida inicialmente a termos mágicos-religiosos, organizada posteriormente em termos científicos-concretos e percebida no século XIX em termos sócio- econômicos (BAGRICHEWISKY e PALMA, 2005; ROSEN, 1994; SOUTO MAIOR, 1976). 2.2.1 Valorização da Promoção da Saúde A Promoção da Saúde como a conhecemos modernamente, começou a ser construída na metade do século XIX em plena era bacteriológica. Foi nesse ínterim que as políticas públicas financeiras, começaram a sofrer os impactos proporcionados pela expectativa de vida, que vinha aumentando com decorrer dos séculos, em associação dos fenômenos urbanos e dos desajustes sociais (CANGUILHEM, 1978; PALMA et al., 2003; ROSEN, 1994). Diante deste quadro, a Saúde Pública adota um novo discurso, valoriza a Promoção da Saúde e reconhece a existência de uma relação entre o status saúde e as condições de vida de um indivíduo que, até então, eram negadas desde o período greco-romano (CZERESNIA, 2003; ROSEN, 1994). Apesar dessa valorização, o campo de atuação da Promoção da Saúde, continuou vinculado às ações do modelo preventivo, vindo a conquistar o seu espaço e identidade apenas no século XX (Buss, 2003; Nunes, 1992; Teixeira, 2002a), com a ampliação do conceito de saúde oriundos, de mobilizações voluntárias de países industrializados, que se preocupavam com o bem-estar de sua população – principalmente em relação a classe operária (ROSEN, 1994). Essas ações voluntárias, dirigidas em sua maior parte ao campo da saúde, foram movidas apenas pelo senso de cidadania da população e, serviram como modelo e estímulo para as ações oficiais empreendidas posteriormente pelos governos. Foi através desses movimentos, que surgiram, serviços de saúde pautados em novas concepções, sobre a saúde e a doença, que até então, eram 14 inexistentes e apenas desenvolvidos em agências voluntárias de saúde4 (ROSEN, 1994). Em meados dos anos 70, especialmente nos países como Canadá, Estados Unidos e Europa Ocidental, encontramos o início de questionamentos dentro da área da Saúde a respeito dessas novas concepções que envolviam o processo saúde-enfermidade-cuidado. Tudo isso porque as ações empreendidas não estavam direcionadas a uma determinada doença ou desordem, mas sim focadas em aumentar a saúde e o bem-estar geral de um indivíduo, de uma comunidade ou de uma população, transcendendo a idéia original de saúde como ausência de doenças, dando origem ao movimento moderno da Promoção da Saúde (BUSS, 2003). 2.2.3 Movimento Moderno da Promoção da Saúde O movimento moderno da Promoção da Saúde surge no Canadá em 1974 em decorrência das discussões ocorridas com a divulgação do Informe de Lalonde. Segundo Buss (2003), este documento foi o primeiro passo rumo a definição de um novo paradigma em saúde, abrindo portas para o reconhecimento político da necessidade de inovações na área e da importância das inter-relações com a eqüidade social (PALMA et al., 2003). Os fundamentos desse documento contemplavam a decomposição dos chamados determinantes da saúde em quatro componentes: biologia humana (genética), ambiente (natural e social), estilos de vida (comportamentos individuais que afetariam a saúde) e a organização dos sistemas de saúde que poderiam, desse modo, ser mais abrangentes em suas atuações (BUSS, 2003; OPAS, 2002b). Entretanto, as estratégias elaboradas no Informe de Lalonde, não estavam focadas única e exclusivamente as questões relacionadas à Promoção da Saúde, 4 Agências voluntárias de saúde: A sua origem deu-se na luta contra a pobreza e a privação da população, principalmente nos Estados Unidos, procurando demonstrar o papel destrutivo da insalubridade e das doenças nas vidas dos pobres que necessitavam de ações mais vigorosas para combater as enfermidades e suas conseqüências. Atuavam também na representação do interesse público no terreno da saúde; procuravam mostrar meios para que os serviços de saúde melhorassem; ocupavam-se em fazer avançar as pesquisas e legislações referentes á saúde estimulando-as por meio da educação (ROSEN, 1994). 15 Agora, em relação ao processo de envelhecimento, entendemos que o direcionamento das práticas encontradas no âmbito da Promoção da Saúde, contribuiriam diretamente no incremento da qualidade dessa fase da vida, que não pode ser entendida apenas como o período de perdas e estagnação, mas como um período de ganhos vislumbrados pela singularidade do envelhecimento de cada indivíduo. A viabilidade desse incremento, ocorreria, por ser a autonomia um dos construtos básicos da Promoção da Saúde, que utiliza para a promulgação de suas ações a educação para saúde, pautada em uma pedagogia crítica, que leva em consideração as experiências e impressões diversificadas sobre a vida de cada indivíduo, que valoriza as potencialidades individuais, que facilita o diálogo e a construção de conhecimentos independente do status de saúde, condição social e econômica (AZANHA, 2006; OPAS, 2002a; PEREIRA, 2003). Segundo a Carta de Ottawa, “as pessoas não podem realizar completamente seu potencial de saúde se não forem capazes de controlar os fatores determinantes de sua saúde” (OPAS, 2002a: 2). Nesse trecho podemos observar a importância da capacidade em se “poder controlar” demonstrando, que o exercício da autonomia de um indivíduo, pode fazer toda a diferença em relação não só a sua saúde. A falta do ato de decidir por si só Freire (1997), contribuiria para o enfraquecimento da iniciativa e esforços individuais, que podem, por sua vez, afetar a auto-estima, o respeito próprio, produzindo um sentimento de incapacidade e até a submissão que, segundo Sen (2000), explicaria em parte a falta de iniciativas individuais em prol da saúde e do bem-estar. Apesar, da condição de fortalecimento da autonomia dos indivíduos apresentar-se bem definida nas práticas da Promoção da Saúde, é possível encontrar o conceito de autonomia atrelado ao desenvolvimento da condição física e motora de um indivíduo e não associada ao poder de decidir. Segundo Farinatti (2000), essa dificuldade em se distinguir a autonomia, dependeria diretamente da visão de saúde que os indivíduos possuem, mas se observarmos atentamente podemos acrescer a esse fato, toda a dificuldade de 18 compreensão de um conceito complexo que, culturalmente, não é observado na população brasileira e nem da América Latina (Galeno, 1987; Litvak, 1990 apud Chaimowicz, 1997), por sermos fruto de um país cujo sistema sempre foi assistencialista. Como podemos cobrar que o fortalecimento da autonomia de indivíduos, se circunscreva dentro de um ambiente crítico, se tanto para quem oferece informações quanto para quem recebe, essa oportunidade culturalmente é pouco desenvolvida? Como demonstrar que o “verdadeiro conhecimento” pode ser produzido através do diálogo? Como demonstrar que a adoção de uma pedagogia crítica possibilita para ambos os lados (profissionais e população) uma participação mais ativa na construção de conhecimentos? (FREIRE, 1997; AZANHA, 2006; PEREIRA, 2003; QUEIROZ, 2003) Essa é uma questão digna de discussão entre as áreas que atuam diretamente com a população idosa, pois podemos encontrar divergências conceituais no que tange a utilização da autonomia na área da Saúde, atrelada a significados como: dependência, invalidez, deficiência, incapacidade, dependência social, aptidão e desempenho (FARINATTI, 2000). Caberia a quem informar que a autonomia não se organiza apenas à relação de capacidade ou funcionalidade motora? Por esse motivo seria crucial aos profissionais que atuam com essa população, o questionamento sobre o tipo de autonomia que estão desenvolvendo, para que dessa forma, divergências conceituais deixem de ocorrer no direcionamento prático de ações em prol dessa população. Nesse contexto, entendemos que o ideário da Promoção da Saúde faz uma ligação harmoniosa no que diz respeito a interação da educação com os aspectos que norteiam a saúde, pois envolve os indivíduos e comunidades na ação, dando poder de voz para que, os mesmos, escolham o melhor caminho a ser trilhado dentro de seu próprio curso de vida. Por esse motivo acreditamos que a extensão dessa possibilidade dentro da Educação Física, no direcionamento de suas práticas, incrementaria os trabalhos desenvolvidos agregando aos benefícios fisiológicos proporcionados 19 pela prática de atividade física o fortalecimento de suas potencialidades em prol de seu bem-estar e de sua saúde. 20 mas com propostas educacionais que possibilitem o acesso a informações sobre essa fase da vida e o entendimento da necessidade da prática em si que, por sua vez, podem ser desenvolvidas dentro da Educação Física. Entendemos que a área em questão, como já diz o próprio nome, é um processo de “Educação” que, segundo Steinhilber (1996), seria um meio privilegiado por abranger o ser humano em sua totalidade, não se circunscrevendo apenas à relação de causa e efeito oriundos de estímulos biológicos (atividades físicas), mas de acordo com Mira (2003 p.174), representando um “fenômeno de múltiplas dimensões” associando questões biológicas, psicológicas, sociais e culturais, nos quais os componentes da Educação se fazem presentes. 23 2.4 Envelhecimento e Educação Física Brasileira Esse capítulo tem como intuito, mostrar um panorama geral de como o tema envelhecimento vem sendo discutido no âmbito da Educação Física brasileira, levando em consideração suas transições, mudanças paradigmáticas e suas ampliações para as dimensões e realidades sociais, culturais, políticas e econômicas desde a sua implantação. Diante dessas transições, encontramos o direcionamento das práticas da Educação Física frente ao processo de envelhecimento, focados em maior parte às questões biológicas e ao desenvolvimento das capacidades motoras e funcionais. Essa característica que não se aplica apenas à população idosa seria decorrente da adoção do paradigma biomédico pela área (TOJAL, 1998; ROLIM e FORTI, 2004). Essa característica se inicia durante o período de implantação da Educação Física brasileira no Brasil República (1889-1930). Foi devido a ausência de um Ministério, que viesse assumir as responsabilidades da implantação da Educação Física no território nacional, que as Forças Armadas assumiram a primeira administração da área, fazendo com que os padrões higienistas da Medicina por eles utilizados, se estendessem a prática física escolar (MARINHO, 1943). Esse modelo higienista-militar, baseado nos conceitos anátomo- fisiológicos foi substituído na década de 1940, por um modelo mais abrangente baseado nas questões biosócio-filosóficas (DARIDO, 2003). Segundo a autora, essa mudança impulsionou a Educação Física a assumir um novo discurso, o qual se auto-afirmava como um “meio” para se educar, pois a educação do movimento por seu entendimento, seria a única forma capaz de promover a chamada educação integral. Entre as décadas de 1960 e 1970, observamos a pressão da ditadura militar em transformar o Brasil em uma potência através do esporte (BETTI, 1991; COLETÂNEA de AUTORES, 1992). Também houve o direcionamento de suas práticas para o processo mecânico de gestos em busca da perfeição, ocorrendo a super valorização das habilidades motoras e a discriminação dos menos 24 habilidosos (CASTELLANI FILHO, 1993a; CASTELLANI FILHO, 1988b). É nesse período que ocorre o surgimento do movimento “Esporte para Todos” e a frase “Esporte é Saúde”, segundo indicou Darido, (2003), expressão bem atual em decorrência da mercadorização da saúde e dos fatores de risco associados às pessoas que não se exercitam (BAGRICHEVISY E PALMA, 2005; CAPONI, 2003; PALMA et al., 2003). Dentro desses direcionamentos pedagógicos ao longo da construção da Educação Física, não observamos indicações sobre a inclusão da população idosa a prática de exercícios físicos até meados 1936. Nesse período em questão até 1970, não existia uma preocupação direta com população idosa, existia sim, uma preocupação com a “possibilidade” do envelhecer principalmente em torno do sexo feminino. A população idosa nesse sentido se exercitava em conjunto de demais coortes etários e, em programas desenvolvidos à população em geral que eram ofertados, em praças públicas, programas de rádio, clubes privados, entre outros (FARIA JÚNIOR et al., 2005a; MARINHO, 1943). Uma preocupação mais efetiva, porém ainda discreta, frente ao processo de envelhecimento só veio ocorrer no Brasil a partir da década de 1970, fruto de uma primeira mudança paradigmática, no campo do conhecimento das atividades físicas e do envelhecimento. Essa mudança, conforme Faria Júnior (2004), deu-se em decorrência da transição demográfica do envelhecimento associada a quatro influências teóricas: o Esporte para Todos de Per Hauge-Moe; o estímulo e a inclusão de adultos e idosos nos programas de atividades físicas de Kenneth H. Cooper; a matroginástica (atividade entre mães e filhos de diferentes idades) de Helmt Schultz e das idéias de Kurk Meinnel que caracterizava a terceira idade adulta como a fase da crescente “diminuição do rendimento motor”. Essa nova realidade paradigmática, fez com que a oferta de programas de atividade física, voltados à população idosa, aumentasse demasiadamente, sem uma fundamentação teórica adequada, sem uma delimitação de coorte etário, sem qualidade e segurança nas sessões, que poderiam variar entre funções profiláticas e reparadoras (FARIA JÚNIOR et al., 2005b). 25 2.5 Década de 1990 e a população idosa brasileira 2.5.1 Economia, saúde, educação: influências sobre o envelhecimento A década de 1990 foi um período de mudanças na política econômica brasileira, caracterizada por um processo de abertura comercial abrangente, que se iniciou no governo Fernando Collor de Melo estendendo-se até o governo Fernando Henrique Cardoso. Os acontecimentos que mais se destacaram dentro desta década e que causaram um impacto direto na vida dos brasileiros foram: os déficits na balança comercial; a vulnerabilidade de segmentos industriais; as privatizações, o controle de preços; as flutuações no câmbio; a inflação; os pacotes econômicos (Plano Collor, confisco de poupanças e aplicações financeiras; Plano Real, inflação chegando 1100% em 1992 e quase 6000% em1993); a desvalorização da moeda brasileira; os cortes nos gastos em áreas cruciais de aprendizado econômico, educação, pesquisa e desenvolvimento, entre outras (Averbug, 1999; DIEESE, 2003; SEADE, 1990; VILLASCHI, 2005; WIKIPÉDIA, 2006). Esses acontecimentos segundo Serra e Serra (2006) especialmente nas décadas de 80 e 90, atingiram, e ainda atingem, as camadas mais pobres da sociedade brasileira. Segundo os autores, a sociedade é deixada de lado pelas políticas governamentais, que davam maior ênfase aos planos de estabilização econômica do que aos problemas sociais da população brasileira, que por via de regra seriam decorrentes da estrutura no qual a nossa sociedade foi organizada. A população idosa no Brasil conforme o Censo de 2000 era de 14.536.029 pessoas, contra 10.722.705 em 1991. No início da década de 1990 o peso dessa população representava 7,3%, passando para 8,6% em 2000 representando neste período um aumento de quase quatro milhões de idosos. As previsões da década de 1990 também apontavam o aumento de quinze vezes da população centenária ou mais que passaria da razão aproximada de 145 000 pessoas em 1999 para 2,2 milhões em 2050 (IBGE, 2001; BERQUÓ, 1999). Neste período, a classificação da população idosa era realizada segundo as orientações da Organização das Nações Unidas de 1985, que adotava como 28 idosa a população com idade igual ou superior a 60 anos para os países subdesenvolvidos e 65 anos para os países desenvolvidos (SEADE, 1990). Sendo o envelhecimento um fenômeno mundial, podemos observar na década de 1990 uma ampliação da preocupação com o bem-estar e com a qualidade desse envelhecimento. A resolução 46/91 da Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU, 2000), demonstra claramente a preocupação com o envelhecimento mundial, apontando através dessa resolução cinco princípios relacionados: à independência, à participação, à assistência, à auto-realização e dignidade dos idosos. Esses cinco princípios tinham por objetivo informar e alertar que a população idosa deveria ter acesso e continuidade ao convívio social na fase do envelhecimento; autonomia preservada e estimulada através da participação direta na formulação e implementação de políticas que viessem a afetar diretamente o seu bem-estar; dignidade, através do acesso à educação, cultura, lazer e principalmente a garantia de acesso à saúde, pois segundo a ONU (1991) apud OPAS (2002a) a saúde seria uma forma para que essa população, pudesse manter ou adquirir um bem-estar físico, mental e emocional, prevenindo desta forma a incidência de doenças. Já no Brasil encontramos a promulgação da Lei no 8.842/94 (Brasil, 1994), que dispõe sobre a Política Nacional para o Idoso (PNI). De acordo com o texto da referida lei, teria por objetivo assegurar os direitos sociais dos idosos criando condições para promover a sua autonomia, a sua integração e a sua participação efetiva na sociedade, incentivando a criação de programas de esporte, lazer e atividade física em prol da melhoria da qualidade de vida dos idosos; promoveria também incentivos e apoio a estudos e pesquisas relativas ao envelhecimento, no que se refere a adequação de currículos, metodologia, material didático, como também a inclusão da Gerontologia e Geriatria nas disciplinas curriculares dos cursos de ensino superior, que no ano de 2003 deixou de ser um item obrigatório devido a Lei nº 10.741/03 (BRASIL, 2003). A sociedade brasileira na década de 1990, esperava ansiosamente a ampliação dos direitos dos trabalhadores através da reforma da previdência 29 social, que só veio a se confirmar em Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998. Até então, a população brasileira estava sujeita a realidade política da época que se refletia no acesso a previdência social e a aposentadoria (BELTRÃO et al., 2000; CAMARANO, 1988; 2002). A previdência social sequer conseguia assegurar ao contribuinte a proteção dos seus direitos adquiridos diante dos riscos de declínio social, nem mesmo as aposentadorias por tempo de serviço e aposentadorias especiais escapariam da tendência ao declínio do valor absoluto dos benefícios, que poderiam vir a se tornar vulneráveis frente às crises econômicas, ao desemprego, à informalização da economia, aos baixos salários e à concentração de renda; (BELTRÃO et al., 2000; CAMARANO, 2002; Debert 1999). O analfabetismo dentro da população idosa era elevado, representando 40% para os homens e 48% para as mulheres conforme PNAD de 1993 (IBGE, 1993). Dos idosos que freqüentaram as escolas, apenas 50% conseguiram terminar o curso primário e este quadro educacional, segundo Berquó (1999), declina com o coorte etário. Mas, para que possamos considerar essas porcentagens, Berquó (1999) salienta a necessidade de levarmos em consideração que esses indivíduos remontam a períodos nos quais as chances de acesso à educação se davam de forma bastante assimétrica, por classe social e gênero. A população masculina se beneficiava com o maior acesso a educação, pois o homem, socialmente, tinha o papel de “provedor” e a mulher de “cuidadora” indicando assim a sua menor participação em processos educativos. A realidade desse quadro educacional emerge no momento em que a falta de escolaridade, influência diretamente nas tentativas de busca por condições de existência e de sobrevivência, principalmente para as mulheres idosas. Essa diferença entre homens e mulheres de 65 anos ou mais se torna inverso quando observamos a taxa de mortalidade entre ambos. Em 1991 a expectativa em anos para as mulheres idosas pulou de seis para sete anos a mais de vida em relação aos homens. Esse quadro vem a confirmar segundo, 30 2.6. Programas de atividade física para idosos no Brasil Neste capítulo abordaremos as características de programas de atividade física voltados à população idosa na década de 1990. A seleção desses programas, foi realizada através da obra de Lamartine DaCosta intitulado “Atlas Atividade Física no Brasil” do ano de 2005, no qual Faria Júnior e colaboradores, discutem um mapeamento regional preliminar sobre programas de atividade física voltados a essa população. Nesse mapeamento, identificamos quatorze programas de universidades brasileiras, eleitos por Faria Júnior e colaboradores (2005c), como programas de “excelência nacional” voltados à população idosa. Destacam-se nessa excelência, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ-RJ); Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ); Universidade de São Paulo (USP-SP); Universidade Estadual de São Paulo (UNESP de Rio Claro-SP); Universidade de Campinas (UNICAMP-SP); Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS); Universidade Federal de Viçosa (UFV, Uberlândia-MG); Universidade Federal de Uberlândia (UFU-MG); Universidade Estadual de Londrina (UEL de Londrina-PR); Universidade Federal do Paraná (UFPR, Curitiba-PR); Universidade de Brasília (UNB-DF); Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC, Florianópolis-SC); Universidade Estadual do Amazonas (UFA-AM) e Universidade Federal do Pará (UFPA, Belém-PA). Devido a relevância das ações contidas nesses programas, que reflete todo momento histórico da década de 1990 incidentes sobre a população idosa e que nos mostram o reflexo desse momento na construção de suas atividades ao longo da década e na atualidade, adotamos por critério de inclusão apenas os programas que atuaram com a população idosa, independentemente destes se organizarem na oferta prática de atividades físicas e/ou na discussão teórica dos benefícios obtidos. Como critério de exclusão, optamos por não analisar as universidades cujo trabalho não estava disponível na rede mundial de computadores e que não 33 disponibilizavam, em suas respectivas páginas eletrônicas, informações suficientes para compreensão da estrutura de suas propostas. Com base nesses critérios, excluímos, Universidade Estadual de Londrina (PR); Universidade Federal do Paraná (PR); Universidade Federal Fluminense (RJ); Universidade Federal de Viçosa (MG); Universidade Federal do Amazonas (AM), Universidade de Campinas (UNICAMP-SP), Universidade de Brasília (UnB- DF); Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC, Florianópolis-SC) e Universidade Federal do Pará (UFPA, Belém-PA), restando para nossa análise, cinco universidades e seus respectivos programas. A coleta dessas informações foi obtida através da rede mundial de computadores, diretamente na página eletrônica de cada universidade. O procedimento adotado para análise desses programas, foi realizado através da comparação das intenções e justificativas descritas no enunciado de cada programa com seus respectivos objetivos. Após o processo de triagem dos documentos e transcrição das informações, conforme procedimento descrito por Gil (1991); Lakatos (2001) e Laville e Dione (1999), realizamos uma leitura minuciosa sobre os mesmos para elaboração de significados. Foi durante esse processo que percebemos, em alguns programas, uma relativa divergência entre o enunciado de suas propostas e os objetivos descritos, principalmente em relação a visão de envelhecimento e aos conceitos de saúde, autonomia e Promoção da Saúde. Essa observação, por sua vez, nos fez refletir sobre a possibilidade de que um programa de atividade física elaborado para a população idosa poderia vir a sofrer influências no direcionamento de suas práticas quando tais conceitos divergissem dentro de sua proposta. A intenção nesse capítulo não é criticar ou julgar os programas de atividade física selecionados, mas sim, buscar informações que ajudem compreender e refletir como essas divergências conceituais estão evidenciadas na estrutura desses programas, no que se refere ao direcionamento de atividade física voltadas à população idosa. E, para tanto, tomamos o cuidado de pesquisar todo o contexto social, político e econômico incidente sobre a população idosa 34 brasileira da década de 1990, bem como as ampliações conceituais da área da Saúde e das práticas de Educação Física frente a população idosa do período em questão. Mas, para que se possa compreender a relevância de nossas observações e questionamentos, retornaremos a alguns pontos que entendemos serem importantes para compreensão da visão de envelhecimento adotada pelos organizador(es) dos respectivos programas, bem como os fatores que podem diretamente contribuir para a falta de concordância conceitual em relação a utilização dos termos saúde, autonomia e Promoção da Saúde. Em relação a velhice, encontramos em Debert (1999) que essa fase da vida não seria uma categoria natural, mas sim uma categoria socialmente construída que faz distinção entre um fato natural (ciclo biológico, do ser humano) e um fato universal (fatores sociais e históricos), fatos que proporcionam aos idosos formas diferentes de se conceber e viver o envelhecimento e, aos indivíduos, visões diferenciadas sobre essa fase da vida. No ciclo biológico pode-se observar toda uma discussão, principalmente na área da Saúde, que visa minimizar e/ou adiar as modificações fisiológicas ocorridas durante a velhice (GOBBI et al., 2002; NELSON et al., 2004; STELLA, 2002). Isto somado às questões sociais e históricas incidentes sobre essa população está acompanhado de estereótipos negativos, de termos classificatórios, da vinculação da imagem do idoso à fragilidade e dependência, contrapondo-se a uma visão mais positiva da velhice, com possibilidade de desenvolvimento (PEIXOTO, 1998). Sem querer generalizar, foi com base nessa realidade social incidente sobre a população idosa, facilmente percebida pelas modificações biológicas e pelo estigma de improdutividade, que nos questionamos sobre a possibilidade de que essa representação social de envelhecimento construída ao longo do desenvolvimento de um indivíduo possa ter influenciado ou possa vir a influenciar o direcionamento das práticas de Educação Física frente a população idosa. O que reforça esse nosso questionamento seria a possibilidade descrita por Baltes e Silverberg, (1995) e Motta, (2003), de que nem a ciência se isentaria 35 um conceito tão complexo quanto a Promoção da Saúde, ou ainda por falta de discussões dentro da área de Educação Física. Outro fator que contribui para que ocorram divergências entre o enunciado de uma proposta de atividade física e a descrição de seus objetivos estaria na utilização do termo autonomia. Segundo Farinatti (2000), a atribuição do status de autonomia como valor, ao lado da saúde, representou um grande avanço teórico para a área da saúde, pois a autonomia de um indivíduo poderia vir a influenciar diretamente o status de saúde de outrem. Entretanto, essa condição vislumbrada a partir do entendimento de que o poder de agir com base em suas escolhas seria a base desse conceito e, por esse motivo, nossas escolhas poderiam realmente interferir no status de saúde de outrem, precisamos entender que, ao longo da construção desse conceito tão complexo, noções como justiça, liberdade e independência foram atribuídos ao termo autonomia, produzindo uma gama de significados que na área da Saúde, conforme aponta (Farinatti, 2000), foram associados à dependência motora e social, invalidez, deficiência, incapacidade, aptidão e desempenho. Talvez por esse motivo e pela complexidade de discussões em torno da autonomia de um indivíduo, seja comum encontrarmos o termo autonomia na área da Saúde e também na Educação Física, vinculado à independência motora que, dentro de uma intervenção prática de ambas as áreas, estaria voltada a repelir a condição de dependência. Por esse motivo, entender o enfoque utilizado em torno do conceito de autonomia, nesses programas nos daria subsídios para identificarmos ações que realmente são empreendidas em prol da população idosa, que estariam coerentes com a perspectiva da Promoção da Saúde ou não. Enfim, estamos tentando explicar que existe a possibilidade de que a percepção sobre o processo de envelhecimento estaria relacionada à visão de saúde e autonomia adotada, ou vice-versa, tanto por parte de quem organiza, quanto de quem atua diretamente com idosos dentro um programa de atividade física. 38 Essa possibilidade nos levaria a diferentes formas de desenvolver um trabalho com essa população. Partido do princípio de que o envelhecimento é um período de modificações não apenas de ordem biológica, um programa de atividade física poderia ser desenvolvido apenas na perspectiva preventiva, com intuito de reverter tais modificações, Mas, por outro lado, poderia ser construído de acordo com a perspectiva da Promoção da Saúde, que engloba as ações preventivas atividades que possibilitem o desenvolvimento das habilidades individuais dessa população, para que os mesmos passem a atuar com base em suas escolhas. Dentro dessas duas vertentes, nas quais as intenções de trabalho estão bem definidas, é que podemos observar o aparecimento de divergências no enunciado de uma proposta de atividade física em relação ao direcionamento prático das atividades (objetivos) que são acompanhados pela falta de alinhamento conceitual sobre saúde, autonomia e Promoção da Saúde. Citamos como exemplo, um programa de atividade física de enfoque coerente com a perspectiva da Promoção da Saúde, com abordagem apenas preventiva nas ações que empreende. Levando em consideração as demandas necessárias para a população idosa em nossa sociedade, não importa como os programas de atividade física estão organizados desde que suas intenções e justificativas para uma intervenção direta com essa população apresentem-se coerentes com o direcionamento de suas atividades (objetivos), principalmente quando observamos as propostas dos projetos para viabilizar, através de suas atividades, um maior engajamento social dos idosos em prol da qualidade de seu processo de envelhecimento. Por esse motivo, a divergência conceitual, ao nosso ver, resultaria em ações que impossibilitariam a população idosa de se beneficiar das intenções realmente elaboradas por um programa de atividade física que, em um primeiro momento pode estar coerente com uma perspectiva positiva sobre essa fase da vida, passível de realizações e desenvolvimento, mas que se encerram no direcionamento de práticas focadas apenas nas modificações biológicas do 39 envelhecimento, como se a prática motora em si fosse a solução de todos os problemas dessa população. Acreditamos que a atividade física, simplesmente ofertada, não tenha o poder de abranger o envelhecimento como um todo sem que exista por trás um suporte técnico multidisciplinar. Após essa discussão, acreditamos que a análise dos programas de atividade física de universidades brasileiras por nós selecionadas, poderá contribuir diretamente para uma maior reflexão e discussão na área de Educação Física em relação à construção de propostas de atividades físicas voltadas à população idosa. 2.6.1 Descrição dos programas de atividade física voltados à população idosa Universidade Federal de Uberlândia (UFU-MG)6 O Projeto Vida Ativa - AFRID (Atividades Físicas e Recreativas para a Terceira Idade), é desenvolvido pela Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Uberlândia, e vêm desenvolvendo, desde 1989, um conjunto de atividades teóricas e práticas para indivíduos com idade superior a 50 anos, com a finalidade de estimular a participação ativa e dinâmica da comunidade idosa, buscando minimizar o estigma a que sempre estão submetidos, valorizando suas potencialidades. O projeto AFRID é organizado a partir de uma equipe interdisciplinar composta por médicos, enfermeiras, fisioterapeutas, psicólogos e educadores físicos que procuram contribuir, “cada um em sua especialidade para o enriquecimento e valorização dessa iniciativa”. Em relação à atuação da Educação Física, seu(s) idealizador(es) deixa(m) claro o enfoque nas atividades corporais e nos movimentos expressivos, incluindo em suas atividades aulas de natação e hidroginástica e assistência a indivíduos institucionalizados. Além desse enfoque, o projeto AFRID visava colaborar no sentido de “reeducar esses indivíduos para valorização de suas potencialidades” 6 Universidade Federal de Uberlândia, disponível em: www.afrid.faefi.ufu.br/ 40 O Núcleo Integrado de Estudos e Apoio à Terceira Idade (NIEATI), é realizado no Centro de Educação Física e Desportos, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS) e vêm desenvolvendo desde 1984, um conjunto de atividades físicas de caráter extensionista, com a comunidade idosa e adulta acima de cinqüenta e cinco anos de Santa Maria e região. O projeto tem por intenção valorizar a pessoa idosa a partir do “reconhecimento de seu potencial individual”, incentivando-o para um maior engajamento responsável e participativo dentro da sociedade, para que dessa forma, possam “interagir no equacionamento e na transformação das questões sociais incidentes sobre essa fase da vida” O NIEATI é um programa de atividade física integrado aos demais cursos oferecidos na UFSM. O intuito dessa interação entre áreas tem, por objetivo principal, oferecer “novos conhecimentos e intercâmbio de experiências” através da possibilidade de atualização cultural, política e do convívio social entre gerações a partir do acesso livre aos cursos de pós-graduação e graduação da universidade. Em relação à atuação da Educação Física, seu(s) idealizador(es) deixa(m) claro o direcionamento de suas atividades voltadas aos estímulos biológicos compatíveis ao status de saúde e realidade funcional de cada indivíduo, visando a melhoria da “autonomia de movimento” e servindo de laboratório para os futuros profissionais de Educação Física que atuavam tanto no campus da universidade quanto nos próprios grupos de convivência existentes na comunidade de Santa Maria. Apesar do enfoque exclusivo da área de Educação Física nos benefícios biológicos, seu(s) idealizador(es) entendia(m) que a prática de atividade física não era suficiente para atender o desejo de tornar essa população mais engajada nas questões sociais, políticas e econômicas refletem-se sobre o processo de envelhecimento. E, talvez por esse motivo, não encontramos referências sobre ações pedagógicas dentro da Educação Física, fato que parece ter sido delegado às demais áreas de saberes científicos da UFSM. 43 Durante a análise desse documento, não fica clara a transição das atividades desenvolvidas pelo NIEATI da década de 1990 para os dias atuais, entretanto observamos toda a influência da década de 1980 e 1990 incidentes sobre a população idosa no direcionamento de suas justificativas e intenções que podem ser observadas por entre a da descrição, da necessidade de socializar os idosos através de uma maior interação entre gerações, do acesso a educação e cultura, bem como a melhoria da “autonomia de movimento”. Nesse sentido, podemos observar a visão de envelhecimento relacionada às perdas sociais, motoras, culturais, em que o direcionamento das atividades visa amenizar ou reverter essa realidade, adotando-se um posicionamento mais biológico e preventivo. Porém, como seu(s) idealizador(es) entende(m) que a atividade física não seria suficiente para dar conta dos objetivos propostos para essa população “um maior engajamento social”, observamos a associação da oferta de atualização cultural e educacional dentro do NIEATI, por intermédio da interação dos demais cursos da UFSM. Isto é, notamos a ampliação da visão biológica sobre o envelhecimento, para uma velhice passível de “ação social”, sem que o projeto perdesse o enfoque biológico de suas atividades. Durante a análise desse projeto, não encontramos menção da ampliação do conceito de saúde dentro da perspectiva de Promoção da Saúde. Contudo, observamos referências sobre a ampliação do direcionamento das práticas da Educação Física frente a população idosa, quando seu(s) idealizador(es) aponta(m) que a atuação da área não pode estar organizada apenas na oferta de estímulos biológicos e, por esse motivo, viabiliza o acesso a educação e cultura. Com base nessa oferta educacional, procuramos referências sobre processos pedagógicos e não encontramos indicações quanto à utilização de uma pedagogia específica elaborada para a população idosa. Mas, acreditamos que na intenção de seu(s) idealizador(es) em proporcionar(am) uma maior interação com as demais faixas etárias da universidade, essa perspectiva pedagógica tenha sido pouco explorada e, por esse motivo, não aparece descrita em seu enunciado. 44 Já em relação à utilização do termo autonomia, encontramos a sua citação dentro da área de Educação Física atrelada à condição de independência motora, mas observamos citações condizentes com a perspectiva de uma autonomia vislumbrada no fortalecimento das potencialidades individuais na parte que cerne os processos educativos como: “incentivar o seu engajamento responsável e participativo na sociedade [...] interagir no equacionamento e na transformação das questões sociais incidentes sobre os idosos”. Acreditamos, dessa forma, que as ações que compõem o NIEATI estejam coerentes com uma perspectiva mais preventiva e biológica do processo de envelhecimento, que vislumbra a importância de processos educativos para o incremento na qualidade de vida desses indivíduos, demonstrando uma coerência entre a utilização da visão de envelhecimento, conceito de saúde e autonomia em relação aos objetivos traçados. Universidade Estadual de São Paulo (UNESP) Rio Claro8 O Programa de Atividade Física para a Terceira Idade (PROFIT), foi elaborado a partir de uma interface entre ensino, pesquisa e extensão em 1989, vindo a se consolidar em 1991, nas instalações do Departamento de Educação Física - UNESP - Campus de Rio Claro. Seu(s) idealizador(es) deixa(m) claro que o foco de atenção do projeto AFRID seria o atendimento da comunidade idosa, dos portadores de doença de Parkinson e demência de Alzheimer, bem como idosos institucionalizados, e a sua produção de conhecimentos estariam direcionados apenas aos benefícios proporcionados para a saúde (física e mental) e para a capacidade funcional da população idosa. No início, as atividades estavam voltadas apenas a atender as demandas e as carências sociais da população idosa. Porém em decorrência da ampliação do conceito de velhice, passando de um “...desengajamento para uma efetiva participação social contextualizada com suas limitações e ganhos referentes a 8Universidade Estadual de São Paulo – Rio Claro, disponível em: www.rc.unesp.br/ib/efisica/fef2002/projetos/profit.doc 45 Neste contexto, seus objetivos visavam o direcionamento de suas práticas ao “saber o que fazer”, “como fazer” e “quando fazer” atividades motoras em relação aos diferentes sistemas corporais; visavam a mudança de comportamentos individuais para uma prática sistemática de atividades físicas, a promoção de experiências motoras prazerosas e com sucesso, e a manutenção e/ou melhoria das capacidades físicas, motoras e funcionais. Dentro desse intuito, apesar de não existir uma citação literal sobre a utilização das ações que envolvem a “nova” Promoção da Saúde, acreditamos que a proposta elaborada pelo PAAF, esteja coerente com tal perspectiva com a intenção de “instrumentalizar idosos” através de processo pedagógico que vise a construção de “conhecimentos para o auto-cuidado, ensinando-os a saber o que fazer, como fazer e quando fazer atividades físicas”. Quanto a utilização do termo autonomia, também não encontramos a sua citação literal no referido documento, e nem o termo atrelado à condição de independência motora, mas observamos a organização de suas práticas a partir de uma pedagogia crítica, com intuito de construir conhecimentos relacionados ao poder de gerir e escolher uma atividade física coerente ao seu desejo e sua realidade funcional. Nesse sentido, suas atividades pedagógicas trabalhavam em sincronia com o conteúdo teórico desenvolvido (informações elementares de anatomia e fisiologia) com o conteúdo prático (atividades motoras) que eram divididos, em seis partes relacionadas ao estímulo dos diferentes sistemas corporais (cardiovascular, respiratório, neurológico, músculo-esquelético e articular). A análise desse projeto vêm demonstrar a utilização de uma ação pedagógica dentro de um programa de atividade física que dá oportunidade para que seus alunos incorporem informações e as transformem em ações em prol de seus benefícios demonstrando que um programa de atividade física pode vir a ser incrementado com processos educativos. Dentro desse contexto, não observamos no PAAF divergências entre a visão de envelhecimento, conceito de saúde e autonomia adotados na 48 elaboração de sua proposta e construção de seus objetivos que, parecem estar coerentes com a perspectiva da “nova” Promoção da Saúde. Apesar de encontrarmos coerência entre intenções, justificativas e objetivos descritos nos referidos programas de atividade física no que refere a visão de envelhecimento, conceitos de saúde, autonomia e Promoção da Saúde, gostaríamos de discutir alguns pontos que nos chamaram atenção na composição desses programas, em relação ao termo “educação”,com a adoção de processos pedagógicos e a perspectiva de trabalho no âmbito da Promoção da Saúde. Nos programas por nós analisados encontramos o termo “educação” relacionado com “qualquer atividade que possa vir a enriquecer ou promover a qualidade de vida dessa população” AFRID (UFU-MG); como um meio de proporcionar “um maior engajamento social” NIEATI (UFSM-RS) e visando instrumentalizar os idosos na prática de atividade física PROFIT (UNESP-Rio Claro) e PAAF (USP-SP). De tal modo, podemos observar vários significados atribuídos a Educação como um componente necessário para incrementar a qualidade do processo de envelhecimento incluindo, além da atividade física, o acesso à educação, cultura e o fortalecimento das capacidades individuais dessa população. Mas apesar dessa indicação, não encontramos referências específicas no enunciado dessas propostas sobre os processo pedagógicos utilizados para obtenção de seus objetivos, nos deixando apenas indícios e possibilidades de estratégias utilizadas, e, por esse motivo, não pudemos discorrer em profundidade sobre esse processo tão importante na elaboração de uma intervenção para a população idosa. Por esse motivo não podemos afirmar que a questão educacional e a adoção de um processo pedagógico elaborado para assistir a população idosa não tenha sido considerada, porém podemos refletir sobre a atribuição dada à educação nos respectivos programas, no sentido de contribuir para uma maior discussão em torno dos fatores que podem vir a influenciar a indicação e/ou elaboração de processos educativos voltados a essa população. 49 Pois, conforme Neri e Cachione, (2004), existe uma escassez de pedagogias voltadas à população idosa que poderiam estar relacionadas a imagem do idoso associada com a dependência, improdutividade e às regras sociais que, por sua vez, acabam por determinar os comportamentos individuais e coletivos. Só que, no caso da população idosa, essas regras fazem com que nós, sociedade, esperemos a todo o momento que estes idosos comportem-se de maneira dependente, mesmo que não haja necessidade para tal (BALTES E SILVERBERG, 1995). Essa consideração nos leva a refletir sobre a possibilidade de que uma proposta educativa relacionada ao envelhecimento seja atribuída de acordo com a visão que se possui sobre o que é ser velho. Isto é, o grau de relevância da necessidade de uma intervenção pedagógica elaborada especificamente para essa população, dependeria desse posicionamento e da finalidade que se atribui à educação. Isso, segundo Martins de Sá (2004), poderia ser algo permanente e co-existente à própria vida, se voltada a um processo de humanização e de transformação social dos indivíduos. Por esse motivo, o acesso à educação pode nos proporcionar conhecimentos, experiências e impressões diversificadas sobre a vida, mas não acreditamos que a sua oferta seja suficiente para dar conta da expectativa de que a população idosa possa, através desta, tornar-se apta para decidir, recusar, escolher, discernir o que é pertinente à sua vida principalmente em relação a sua maior participação social em ações em prol de seu envelhecimento. Para tanto, o componente pedagógico crítico se faz necessário para a obtenção de um objetivo tão amplo que envolve procedimentos que transcendem a simples transmissão de conhecimentos – isso porque quem nunca na vida pode decidir por si só alguma coisa não poderia apenas com acesso a educação e cultura ter o “poder” de se auto-governar, pois conforme Freire (1997), o “poder” para se auto-governar vai se constituindo ao longo da vida das pessoas, dentro de um processo contínuo de decisões. Dessa maneira, intervenções que tenham como propósito o fortalecimento das potencialidades individuais em prol da auto-gestão de atividades físicas ou do 50 3. Método 3.1 Caracterização do estudo Para que possamos refletir sobre o quanto a análise e compreensão do Projeto Fênix poderia vir indicar o que ocorre no cenário geral de programas de atividade física para adultos e idosos, adotamos a metodologia da pesquisa qualitativa por entender que outro método não nos possibilitaria compreender um fenômeno em toda sua essência. Para tanto, realizamos um estudo de caso, que nos possibilitou uma análise esclarecedora do Projeto Fênix e de toda a sua organização e significado social em relação a população idosa assistida (DEMO, 2001; GIL, 1999; THOMAS e NELSON, 2002). 3.2 Participantes Fizeram parte desse estudo os profissionais que organizaram e coordenaram o Projeto Fênix, entre os anos de 1998 a 2004. Escolhemos analisar apenas os coordenadores porque esse estudo pretende averiguar a partir da perspectiva teórica da Promoção da Saúde, as divergências e convergências conceituais de saúde, autonomia e Promoção da Saúde no direcionamento das práticas de atividade física desenvolvidas pelo Projeto Fênix. Isso significa que posicionamentos e perspectivas individuais desses profissionais estariam imbricados na elaboração e direcionamento de suas atividades. Os participantes foram informados dos objetivos e procedimentos do estudo e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (Anexo I), segundo as normas do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Judas Tadeu. 3.3 Instrumentos Para a obtenção de todas as informações necessárias a respeito do projeto a ser analisado, vários instrumentos foram utilizados e, serão descritos a seguir: 53 1. Documentos do Projeto Fênix: Projeto pedagógico e proposta de implantação do programa para realizar a descrição de suas bases teóricas; Planejamentos das aulas, contendo objetivos e conteúdos propostos; relatórios semanais e semestrais de atividades desenvolvidas e trabalhos científicos, para compreender as bases teóricas do Projeto Fênix, que nos dará subsídios para compreendê-lo em sua profundidade em relação ao direcionamentos prático de suas atividades. 2. Entrevista semi-estruturada, realizada com as coordenadoras, para compreender o significado de sua atuação no direcionamento teórico- prático das atividades realizadas no Projeto Fênix. 3.4 Procedimento para coleta de dados Para a realização desse estudo, primeiramente, enviamos uma carta à reitoria das Faculdades Integradas de Guarulhos, demonstrando o nosso interesse e solicitando autorização para utilizarmos, como objeto de pesquisa, os dados referentes ao extinto programa de extensão comunitária denominado Projeto Fênix – Terceira Idade com Qualidade (ANEXO II). Com o deferimento dessa solicitação iniciamos a coleta de dados na instituição. Documentos do Projeto Como pesquisadora e participante no referido Projeto, obtive livre acesso a todos os documentos sem prazos e datas de entrega, que possibilitou, através do agrupamento cronológico do projeto de implantação; do projeto pedagógico; das descrições dos planos de aula; dos relatórios semestrais, das anamneses e trabalhos científicos, compreender o início da trajetória do Projeto Fênix, bem como a construção de seus objetivos e o direcionamento de suas atividades em relação à população idosa. Entrevista com as coordenadoras 54 As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas individualmente, seguindo os procedimentos indicados pela estrutura da entrevista narrativa, que têm por objetivo estimular o entrevistado a contar uma história sobre um acontecimento importante. Esse procedimento foi adotado para captar as impressões pessoais das coordenadoras sobre a atividade física em relação a população idosa, a construção e a utilização de conceitos como saúde, autonomia, Promoção da Saúde e envelhecimento, no direcionamento das atividades realizadas. A escolha pela estrutura da entrevista narrativa deu-se pelo fato de considerá-la a mais adequada ao objetivo em questão, pois segundo Bosi (2003), os procedimentos tradicionais da pesquisa empírica não seriam capazes de entender o mundo amolecido pela opinião, isto é, a percepção alheia à experiência. A autora coloca que a entrevista narrativa propicia um ambiente favorável para que o entrevistado se expresse e estabeleça uma ordenação pessoal aos fatos obedecendo uma lógica afetiva cujo os motivos nós ignoramos. Sendo assim, o resgate da memória oral, faz intervir pontos de vista contraditórios, distintos entre eles e ricos em conteúdo. Pela memória, segundo a autora: “o passado não só vêm à tona das águas presentes, misturando com percepções imediatas, como também empurra ‘descola’ estas últimas, ocupando o espaço todo da consciência. A memória aparece como força subjetiva ao mesmo tempo profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e invasora”. (BOSI, 2003:36) É a partir dessa subjetividade que podemos colher uma gama de informações factuais, onde o pesquisador deve fazer emergir desse conteúdo uma visão de mundo. Isto é, interpretar as pausas, a rememoração, o esquecimento, a decomposição dos pensamentos, idéias, episódios vividos e as “curvas melódicas da fala” (Bosi, 2003:46). Para a realização das entrevistas, elaboramos um roteiro de temas que não permitissem passar pontos fundamentais e essenciais para a análise desse programa de atividade física como: a visão sobre envelhecimento, aspectos que 55 4. Projeto Fênix: bases teóricas Antes de iniciarmos esse capítulo que tem por intuito discutir profundamente o Projeto Fênix – Terceira Idade com Qualidade, gostaria de assumir um discurso em primeira pessoa que abre espaço à pesquisadora, no momento, compartilhar suas experiências e observações como docente dentro do referido projeto entre os anos de 2003 e 2004. Acredito que dessa forma o conteúdo da análise pode vir a ser enriquecido. E, para discutir em profundidade o Projeto Fênix e a fundamentação teórica que deu base às ações empreendidas em seu programa de atividade física, iniciei essa análise a partir do conteúdo descrito no documento original de implantação do projeto e de sua posterior reformulação; em sua proposta pedagógica; nos relatórios semanais e semestrais de atividades desenvolvidas, bem como na utilização de trabalhos científicos que diretamente contribuam para a descrição prática de suas atividades. Através disso, decidi dividir essa análise em três momentos distintos, iniciando pela descrição do Projeto Fênix tal como aparece em seu documento original de implantação e de sua posterior reformulação no ano de 200410, passando para um segundo momento em que me utilizo dos princípios da análise documental descritos por Flick (2004); Gil (1991); Lakatos (2001); Laville e Dione (1999), para discorrer sobre a fundamentação teórica que dava suporte ao Projeto Fênix em relação a concepção de velhice e as perspectivas de saúde, autonomia e Promoção da Saúde que o norteava e, que deram base ao direcionamento prático de suas ações. De posse das informações teóricas que davam suporte ao Projeto, iniciei a última fase dessa análise, que envolveu o discurso das experiências vivenciadas pelas coordenadoras que organizaram o Projeto Fênix, dando subsídios para discorrer sobre o direcionamento prático das atividades desenvolvidas sobre a presença de divergências e convergências entre o enunciado de sua proposta 10 Documento de implantação: no ano de 2003 a coordenação do Projeto Fênix foi alterada e junto a essa mudança, valores foram agregados ao trabalho até então desenvolvido que por sua vez, passaram a constar em seu documento original de implantação. 58 (intenções e justificativas) e os objetivos descritos, bem como as ações que de fato foram empreendidas nesse programa de atividade física. De tal modo, o confronto desse conteúdo teórico com as experiências práticas narradas por suas coordenadoras, possibilita uma visão concreta das atividades e posicionamentos adotados para o desenvolvimento do Projeto Fênix. 4.1 Descrição Por ser o Projeto Fênix, um programa de atividade física oriundo da década de 1990, inicio essa descrição procurando situar o leitor sobre a realidade social brasileira incidente sobre a população idosa que, por sua vez, dá base às justificativas de implantação desse Projeto, bem como ao direcionamento de suas intenções de trabalho. Nesse período a população idosa era classificada segundo os padrões estabelecidos pela Organização das Nações Unidas de 1985 (ONU, 2000), que considerava uma pessoa idosa aquela que possuísse idade igual ou superior a sessenta anos para os países subdesenvolvidos e sessenta e cinco anos para países desenvolvidos. Assim como em outros períodos, os adjetivos negativos atrelados a condição de velhice como dependência, incapacidade e improdutividade, também se faziam presentes na década de 1990 (PEIXOTO, 1998). No caso do Brasil, esses estereótipos eram reforçados pela crise econômica e a falta de investimentos na Previdência Social, que comprometia o valor do benefício das aposentadorias fazendo com que a população idosa, principalmente a menos afortunada, que tinha nesse benefício sua única fonte de rendimento, sofresse com a diminuição do poder de compra, perda de papéis sociais, restrição de atividades de lazer e cultura, comprometendo a sua sobrevivência sócio- econômica sem a dependência de outrem (BELTRÃO et al., 2000; BERQUÓ, 1999; SEADE, 2006;). A carência de ações tão básicas à sobrevivência dessa população foi um reflexo da falta de investimentos do período ditatorial que veio se acumulando ao longo das décadas e se agravando na década de 1990 com a crise econômica 59 que, segundo (Serra e Serra, 2006), fez com que as ações de cunho social, mais uma vez, ficassem em segundo plano de atenção, pois o enfoque governamental até então, era controlar o caos econômico brasileiro. Com base nesses acontecimentos político-econômicos, encontramos no trecho do livro “O Tempo Vivo da Memória” que: “quando um acontecimento político mexe com a cabeça de um determinado grupo social, a memória de cada um de seus membros é afetada pela interpretação que a ideologia dominante dá desse acontecimento. Portanto, uma das faces da memória pública tende a permear as consciências individuais”. (BOSI, 2003:21) Nesse sentido, venho colaborar com minha consciência individual sobre a década de 1990, pois durante os pacotes econômicos e a transição da moeda brasileira, pude observar atividades como lazer e cultura se tornarem supérfluas e alimentos, antes indispensáveis na mesa dos brasileiros, transformarem-se em artigo de luxo. Por esse motivo, acredito que a consciência individual da organizadora do Projeto Fênix se fez presente na elaboração de tal proposta de atividade física, quando descreve no enunciado do Projeto que a “população brasileira além de apresentar problemas comumente relacionados à velhice possuía o estigma de ter vivido a sua juventude e sua fase adulta em condições desfavoráveis que tenderiam a se deteriorar ainda mais na velhice e que seriam influenciadas para mais ou para menos de acordo com o acesso ao sistema de saúde e as condições satisfatórias de vida que, por sua vez, determinariam o grau de saúde e de autonomia destes indivíduos”. Com base neste panorama, o programa de extensão comunitário de atividade física voltado à população idosa, o assim denominado Projeto Fênix – Terceira idade com Qualidade, foi implementado nas Faculdades Integradas de Guarulhos (atual Unimesp), no ano de 1998 sendo encerrado no ano de 2005 quando da criação da Faculdade da Idade da Razão na Instituição. 60 O espaço físico para o desenvolvimento das atividades compreendia sala de aula - para reuniões e aulas teóricas; sala de ginástica – para as atividades semanais; quadra coberta e externa – para caminhadas e jogos coletivos; piscina - para hidroginástica; pista de atletismo – para caminhadas; laboratório de avaliação física; anfiteatro - para palestras e projeção de filmes. Apesar desta estrutura, havia o desejo de fornecer transporte; assistência social; exame médico e a interação com os outros cursos oferecidos na Instituição. Desejos que, infelizmente, não foram concretizados. Utilizando como base de seu referencial teórico, os dados fornecidos pela Fundação SEADE do ano de 1990 e da Organização das Nações Unidas do ano de 1985 sobre a perspectiva do envelhecimento da população idosa brasileira no âmbito demográfico, político, econômico e social e, levando em consideração a diminuição do tempo livre das pessoas mais jovens para com os idosos (devido a sua intensa atividade econômica), os objetivos traçados para o programa visavam: 1. Qualificar os futuros profissionais de Educação Física para que possam atuar junto a esta população; 2. Proporcionar aos participantes atividades e conhecimentos que possibilitassem viver esta fase da vida com maior qualidade, maior autonomia e satisfação, produzidos através do sentimento de produtividade e a efetiva inserção na sociedade como cidadão ativo e participativo que levaria a uma melhor perspectiva para a sociedade futura; 3. Desenvolver atividades físicas, sociais e culturais para buscar preencher, de forma produtiva, as carências destas pessoas, visando preservar por maior espaço de tempo a autonomia, saúde, integração social, produtividade e participação política e social; 4. Instrumentalizar adultos e idosos com conhecimentos referentes ao processo de envelhecimento através da troca de experiências, discussões, convívio com indivíduos de mesma faixas etárias para tornar essa fase de transição menos agressiva e traumática, diminuindo a sensação de solidão, abandono e inutilidade que acometia essa faixa etária. 63 5. Favorecer a manutenção e/ou melhoria das capacidades funcionais e motoras. Com essa descrição, procurei apresentar a estrutura do Projeto Fênix levantando algumas possibilidades que parecem ter norteado as suas ações, além da preocupação sócio-econômica incidente sobre a população idosa, como a perspectiva de saúde, autonomia e Promoção da Saúde implícito nessa proposta de atividade física. Portanto, pretendo prosseguir com essa análise a partir do que ficou explícito e, também, implícito no procedimento de descrever o Projeto. Por exemplo, questiono qual teria sido a perspectiva filosófica de saúde, autonomia e Promoção da Saúde que o norteou? Como as divergências e convergências conceituais sobre essas perspectivas influenciaram o direcionamento de suas práticas? Sobre esse contexto, acredito que o fato de ter vivenciado o Projeto Fênix como docente, participante do grupo de estudos e ter contribuído para a construção das atividades elaboradas, possuo ferramentas suficientes para uma análise mais profunda na tentativa de colaborar com a reflexão sobre as implicações que o desacordo entre proposições e ações têm sobre os mais interessados, os participantes idosos. 4.2 Análise documental Para discorrer sobre a fundamentação teórica que dava suporte ao Projeto Fênix, em relação a visão de velhice e as perspectivas de saúde, autonomia e Promoção da Saúde, se faz necessário compreender como tais perspectivas aparecem no contexto teórico desse Projeto que, por sua vez, encontra-se dividido em dois períodos: implantação e primeira coordenação (1998 a 2003) e fase de transição de gestão e, segunda coordenação (2003 a 2005). E, para tanto, analisei os documentos de implantação; planos de aula (relatórios semanais); relatório semestral das atividades realizadas; proposta pedagógica; trabalhos científicos; avaliações sócio-demográficas e anamneses. Quanto a visão de velhice no contexto do Projeto Fênix, a análise documental, possibilitou visualizar em parte a construção de certos 64 posicionamentos teóricos sobre o processo de envelhecimento tanto no âmbito biológico quanto no social. Segundo Debert (1999), a velhice seria uma categoria socialmente construída que faz distinção entre os fatores biológicos do ser humano e os fatores sociais e históricos que norteiam essa fase da vida – pode-se considerar que o envelhecer, nesse sentido, tanto para quem envelhece quanto para quem o assiste, possuiria formas diferenciadas de percepção e vivência. Tendo como base esse contexto, pude notar a clareza de tal distinção no conteúdo teórico da proposta de implantação do Projeto Fênix. Só que ao contrário de outras propostas de atividade física analisados para compor esse estudo e ampliar conhecimentos, a questão biológica prima em maior parte com justificativa de implantação de uma intervenção, embora no caso do Projeto Fênix a necessidade de uma intervenção biológica é construída através da percepção de que os fatores sociais e históricos incidentes sobre essa população influenciam diretamente o status de saúde e a qualidade de vida da população idosa brasileira. Tal indicação de cunho social e histórico, pode ser observado quando sua organizadora descreve que “o brasileiro, na sua grande maioria, além dos problemas comuns do processo de envelhecimento [...] viveu a sua juventude e a sua fase adulta em condições desfavoráveis, que tendem a deteriorar-se ainda mais na velhice” ou quando refere-se a permanência do período de saúde e autonomia de um indivíduo que, “... poderá ser maior ou menor, dependendo do acesso que este tenha, ou não ao sistema de saúde, às condições mais satisfatórias de vida e de trabalho”. Graças a essa observação, o direcionamento de políticas públicas como metas “preventivas” que visassem investimentos em educação, cultura, melhores condições de vida e trabalho seriam cruciais para evitar em um futuro próximo, um colapso social, principalmente em relação ao aumento demográfico previsto para a população idosa que, com a virada do século XX, representaria um contingente de quatro milhões de idosos a mais no Brasil, isto é 8,6% a mais em relação ao ano de 1991 (BERQUÓ,1999; IBGE, 2001). 65 motora e no desejo de socializá-los. Apesar das reuniões do grupo de estudo e atividades educacionais e culturais permearem outras vertentes do processo de envelhecimento não apenas o biológico, essa vertente biológica primava em nossas aulas. Essa constatação me fez refletir sobre a diferença que existe em afirmar que o processo de envelhecimento é passível de realizações e reverter essa afirmação em ações condizentes a esse desejo. Se o grupo de profissionais que atuava no Projeto Fênix entre os anos de 2003 e 2004, não vislumbravam o envelhecimento como uma etapa da vida constituída por perdas, incapacidades e dependência, por que o direcionamento prático de nossas atividades mostrava o contrário? Será que apesar de todas as nossas discussões sobre a abrangência do processo de envelhecimento, atuávamos com base no que acreditávamos ser o melhor para essa população? Nesse sentido, teria a concepção individual de cada profissional sobre a velhice, imperado durante a elaboração das atividades? Que implicação essa divergência trazia ao Projeto Fênix? Estes são questionamentos que gostaria de responder ao longo desse capítulo. Dando continuidade a essa análise, passarei a discorrer sobre a perspectiva de saúde e a indicação de ações que compõe o âmbito da Promoção da Saúde adotada no contexto teórico do Projeto Fênix. Em relação à saúde, sua organizadora, tendo por base os dados obtidos pela Fundação SEADE de 1990, deixa claro que o status de saúde de um indivíduo, estaria relacionado a vários fatores e, cita como exemplo desse posicionamento: “as condições de uma vida inteira de trabalho e existência desfavoráveis que, em um futuro próximo, viriam a influenciar na qualidade do processo de envelhecimento de um indivíduo, bem como na sua condição física e mental”. De tal modo o status de saúde e a autonomia de um indivíduo, estariam relacionados as condições de vida, trabalho, bem como ao acesso à educação e à saúde, sendo necessário para tanto “políticas públicas” que permitissem suprir tais demandas para que, em um futuro próximo essa população tivesse a 68 manutenção e/ou um incremento na qualidade de seu processo de envelhecimento. Um conceito de saúde nesse sentindo ultrapassaria a atenção na doença, vislumbrando a saúde como um conjunto de valores como paz, saúde, educação, eqüidade, entre outras, assim como podemos observar na Carta de Ottawa (OPAS, 2002a). Nesse sentido, uma perspectiva coerente com as ações que compõem a Promoção da Saúde, cabem a descrição do Projeto Fênix que, apresenta coerência entre o enunciados de sua proposta (intenções e justificativas) como os objetivos propostos. E, para ilustrar essa indicação citamos como exemplo, o objetivo principal do Projeto, que visava proporcionar aos seus participantes atividades e conhecimentos que possibilitassem viver esta fase da vida com maior qualidade, maior autonomia e satisfação. Pois, conforme sua organizadora “o sentimento de produtividade e a efetiva inserção na sociedade como cidadão ativo e participativo” faria a diferença, por levar essa população a uma melhor perspectiva de vida para uma sociedade futura no qual a população idosa seria numericamente representativa. Isto é, para quem envelhece, uma intervenção voltada ao processo de fortalecimento de suas potencialidades proporcionaria além de uma perspectiva melhor de vida no decorrer de seu processo de envelhecimento, diminuiria seu grau de dependência em relação a população mais jovem, que segundo a organizadora do Projeto, cada vez mais em decorrência de sua atividade econômica, vinha diminuindo o seu tempo livre para lidar com essa população. Outra referência estaria na proposta de instrumentalizar adultos e idosos com conhecimentos referentes ao processo de envelhecimento através da troca de experiências, discussões, convívio com indivíduos de mesma faixa etária para tornar essa fase de transição menos agressiva e traumática, diminuindo a sensação de solidão, abandono e inutilidade que acometia essa faixa etária na década de 1990. Assim sendo, parece que o direcionamento pedagógico do Projeto Fênix estaria pautado dentro de uma pedagogia crítica, pois pode-se observar tanto no 69 enunciado de sua proposta quanto nos objetivos descritos, o desejo de discutir e trocar conhecimentos e experiências sobre o processo de envelhecimento com base na realidade vivida por essas pessoas na década de 1990. Entretanto, como o enunciado dessa proposta não apresenta uma descrição direta de tal proposição e sim, indicações condizentes com uma pedagogia crítica, esse direcionamento pedagógico, só poderá ser confirmado através da análise de discurso da entrevista realizada com suas coordenadoras. Seguido essa seqüência procurei referências quanto a utilização do termo autonomia, encontrando três referências, a primeira vêm descrevendo a realidade social brasileira e a falta das condições favoráveis de vida que acabam por influenciar o futuro de quem irá envelhecer, no qual um indivíduo poderá se “manter sadio e autônomo, dependendo do acesso que este tenha, ou não, ao sistema de saúde e à condições mais satisfatórias de vida” como o acesso à educação e cultura. Desse modo, a autonomia estaria relacionada ao poder que um indivíduo tem em gerir a sua vida. A segunda referência “proporcionar atividades e conhecimentos que possibilitem viver essa fase da vida com maior qualidade, maior autonomia e satisfação”, da forma com que é colocada, poderia indicar tanto a dependência motora quanto o fortalecimento da autonomia, porém o complemento desse objetivo que visa “produzir o sentimento de produtividade e efetiva inserção na sociedade”, volta a utilização desse termo ao fortalecimento da autonomia dos indivíduos. Em relação a terceira referência, que aparece na indicação de “atividades físicas, sociais e culturais que busquem preencher as carências (demandas) dessa população, visando preservar por maior espaço de tempo a autonomia, saúde, integração social, produtividade e participação política e social” - o termo autonomia nesse contexto, também faz menção ao fortalecimento das potencialidades individuais porque, durante descrição do Projeto Fênix, sua organizadora deixa claro a diferença da dependência motora e do exercício da autonomia de um indivíduo. 70 elaborar posteriormente esse estudo e tentar responder porque tais conceitos deixam de ser ampliados ou divergem dentro do enunciado de uma proposta de atividade física. E, com intuito de complementar as informações colhidas nessa análise documental passaremos a discorrer sobre a análise de discurso dos atores que deram vida ao Projeto Fênix. 4.3 Coordenadoras do Projeto Fênix: análise dos discurso 4.3.1 Caracterização dos sujeitos Sujeito A (SA) Mulher, profissional de Educação Física, formada em 1974, com mestrado em Educação, organizou em 1997 o documento que daria início, no ano subseqüente as atividades do Projeto Fênix – Terceira Idade com Qualidade. Atuou à frente desse Projeto como coordenadora, entre os anos de 1998 a 2002. Sujeito B (SB) Mulher, profissional de Educação Física, formada em 1995, com mestrado em Educação, participou como observadora das atividades realizadas no Projeto Fênix, no segundo semestre de 2002 (período de transição de gestão), atuou à frente desse Projeto como coordenadora, entre os anos de 2003 à 2004. 4.3.2 Caracterização dos temas A abordagem dos temas, será realizada a partir de seis enfoques: (1) Origem do Projeto Fênix – discorre sobre a idéia inicial e aprovação das atividades; (2) Interesse em trabalhar com a população idosa – visão de envelhecimento: que trará a idéia de como uma concepção de velhice era trabalhada dentro do Projeto Fênix; (3) Perspectiva de saúde – aborda a percepção individual do que seria saúde para as entrevistadas; (4) Ações que 73 compõem uma perspectiva de trabalho pautado no âmbito da Promoção da Saúde – discute a coerência e/ou a falta desta no direcionamento das atividades sobre as ações que compõem o âmbito da Promoção da Saúde, bem como identificar o conceito de autonomia a partir da percepção das entrevistadas e (5) Ensino - quais eram as prioridades em relação a orientação pedagógica de monitores, estagiários e voluntários sobre o processo de envelhecimento e no direcionamento prático das atividades. Origem do Projeto Fênix: Em relação a origem do Projeto Fênix, apenas SA discorreu sobre o processo de criação e aprovação do Projeto, que surgiu do desejo do coordenador do curso de Educação Física das Faculdades Integradas de Guarulhos, em desenvolver um trabalho voltado à terceira idade, que atendesse a comunidade local. SA coloca que a partir de uma conversa informal, ela se ofereceu para montar a matriz do Projeto elaborado em 1997 e deferida no ano posterior. Interesse em trabalhar com a população idosa: visão de envelhecimento Sobre esse tema, observei que o desejo da coordenadora, em participar da elaboração do Projeto, vinha de sua experiência pessoal no trato com seus familiares – pais idosos e uma avó com quase cem anos de idade. Dessa realidade cotidiana, o questionamento sobre a perspectiva de vida de seus pais e de sua avó eram freqüentes, e nesse contexto o que mais lhe chamava atenção era o isolamento proporcionado pelo avanço da idade: “....eu percebia que as pessoas se sentiam muito sozinhas e tinham apenas o vínculo familiar, que muitas vezes se acabavam”. (SA) A partir dessa percepção, SA passa a discutir outros fatores que justificam um olhar crítico sobre o processo de envelhecimento, como a construção social da velhice e a sua influência sobre a população mais jovem: 74 “...na verdade, o jovem não conhece a velhice, existe uma imagem do idoso sempre associada a uma visão frágil, incapaz, como uma pessoa que não progride e que não avança, essa é a concepção que o jovem tem do idoso, isso é culturalmente e socialmente colocado, e eu sempre via essa dificuldade de aceitação do idoso inclusive em nossas práticas [...] essa era uma colocação que eu discutia muito com os estagiários do Projeto - o que de fato acontece com o idoso nesse contexto social?”. (SA) No caso do sujeito B, o seu interesse em desenvolver um trabalho voltado ao processo de envelhecimento, veio do convite realizado pelo sujeito A. Até então, SB nunca havia desenvolvido um trabalhado direto com a população idosa. Com intuito de ampliar seus conhecimentos, SB se propôs a participar como observadora do Projeto, durante o período de seis meses, (fase de transição de gestão) antes de coordenar o Projeto Fênix. Segundo SB, a experiência como observadora a fez desmistificar gradualmente alguns conceitos sobre o processo de envelhecimento: “Antes, eu não tinha noção de como era o trabalhar com a população idosa, então para mim, o trabalho era uma coisa muito distante da população mais jovem. Achei que teria muita dificuldade”. (SB) “Mas, com a proposta do Fênix, eu comecei a ter uma nova visão, no sentido da grandeza que seria uma população idosa trabalhar com a atividade física, que embora tenham limitações, essas limitações são superadas a partir do momento que tais atividades comecem, ou seja, que o corpo comece a se exercitar”. (SB) Dessa forma, o sujeito B complementa que o trabalho desenvolvido, com a população idosa, a fez perceber o quanto seria importante pensar no envelhecimento futuro, isto é: “O que eu posso fazer para que eu me torne uma idosa com mais habilidade e com condições melhores de movimentação? O quanto essa preocupação seria importante para o futuro de quem ainda vai envelhecer?”. (SB) 75 “...um lado de Saúde Pública, visando melhorar a qualidade de vida dos indivíduos como um todo, mas o que seria qualidade de vida dentro do contexto da Educação Física? Será que só o exercício físico seria responsável por essa qualidade?”. (SA) Para ela, o exercício físico era um componente importante, entretanto não teria todo esse poder, isso porque: “...se as pessoas não possuírem no mínimo, condições de resgatar a sua vida social [...] eu acho que as pessoas não sentiriam força nem para buscar a atividade física para melhorar a sua condição de saúde”. (SA) Segundo Minayo et al. (2000), o patamar mínimo e universal para se falar em qualidade de vida, diz respeito a satisfação das necessidades mais elementares do ser humano, como alimentação, água potável, educação, saúde, elementos matérias que gerem conforto, lazer, bem-estar, realização individual e coletiva. No entanto, em sociedades ocidentais o fator desemprego, exclusão social e a violência, de acordo com a autora, são reconhecidos como a negação da qualidade de vida de um indivíduo. Dessa forma, o sujeito A discorre que preocupar-se apenas com a oferta de exercícios para melhorar a condição física dos idosos não bastaria, seria necessário, para quando fosse o caso, “o resgate da auto-estima e do prazer de viver”. A intenção de SA, era fazer com que os idosos incorporassem uma nova perspectiva de vida, pautada em um envelhecimento positivo, independente de seu status de saúde. Ela costumava dizer aos idosos que: “...não importa quanto tempo eu vou viver, eu posso viver só um dia, mas eu posso viver muitos anos e, o que eu posso fazer com esses anos de vida que eu tenho pela frente?”. (SA) Agora, em relação ao discurso do sujeito B, não obtive um posicionamento claro sobre um conceito de saúde, apenas uma percepção a partir de sua atuação frente ao Projeto Fênix, desde seu estágio de observação, que a fez refletir sobre a condição real da velhice: 78 “...eu passei a valorizar mais o momento em que eu estava vivendo, enxergando aquilo que eu poderia fazer para que eu me torne uma idosa com mais habilidade e com condições melhores de movimentação. A saúde não é só física, ela estaria relacionada com a saúde mental, então a partir do momento que a atividade física me proporcione alegria e bem-estar, esse bem-estar, refletiria no lado físico”. (SB) Segundo SB, o trabalho desenvolvido, no projeto, teria por intuito fazer com que os idosos percebessem que a velhice não era uma limitação e sim, aquilo que a pessoa espera, pensa e percebe enquanto visão de mundo. Em suma, a percepção de saúde para o sujeito B, encontra-se dentro de uma perspectiva biológica-preventiva, na qual a condição motora e os aspectos psicológicos, contribuem para aumentar o bem-estar e o sentimento de felicidade desses indivíduos. Para o sujeito A, o conceito de saúde estaria relacionado à reunião de vários fatores como: a qualidade de vida antes e durante o processo de envelhecimento que envolvem dignidade; bem-estar; o acesso a educação; políticas públicas condizentes; entre outras. A atividade física nesse contexto, seria um componente integrante dessa qualidade que, não poderia ser ofertada apenas pela prática exclusiva de exercícios vislumbrado pelo status de saúde dos indivíduos. Do ponto de vista geral, esse conceito mais biológico adotado pelo sujeito B, estaria relacionado a visão de saúde, a partir da perspectiva de doença construída ao longo do desenvolvimento da Saúde Pública. E, vencer um paradigma com essa magnitude, não seria uma tarefa fácil, pois aceitar que a saúde pode se circunscrever a partir da doença e que a falta de trabalho, a exclusão social, o acesso a educação, entre outras, são determinantes para o status de saúde de um indivíduo, requereria, conforme Capra (1999) apud Moreira (2001), uma expansão não apenas de nossas percepções, mas também de nossos valores. 79 Ações que compõem a perspectiva de um trabalho pautado no âmbito da Promoção da Saúde As ações que compõem a Promoção da Saúde após divulgação da Carta de Ottawa, apresentam algumas características específicas como: um conceito de saúde vislumbrado a partir de um conjunto de valores; a necessidade de interação com vários segmentos da sociedade (governo, mídia, profissionais diversos, setores privados, entre outros); uma educação para a saúde pautada em uma pedagogia crítica e, a autonomia vislumbrada no poder que um indivíduo possui em agir com base em suas escolhas (OPAS, 2002a). Em relação a um conceito de saúde vislumbrado a partir de um conjunto de valores, o sujeito A, discorre sobre essa necessidade: “A responsabilidade social de instituições, seja ela de ensino ou empresas, como é o caso da Faculdade, engajada em programas de extensão comunitária, passa a cumprir o seu papel quando esse trabalho [...] realmente faz uma diferença na vida de uma comunidade, [...] se houvesse a sensibilidade do ponto de vista das instituições e dos órgãos públicos e, se a gente pudesse transferir essa responsabilidade social para a formação das pessoas, principalmente em relação ao envelhecimento, poderíamos proporcionar um maior envolvimento de outros profissionais não só na área de Educação Física”. (SA) Agora, em relação a utilização de uma pedagogia crítica, o direcionamento das atividades desenvolvidas no Projeto Fênix durante a gestão do sujeito A, indicam a utilização dessa perspectiva pedagógica, iniciada em um primeiro momento a partir da oferta de um ambiente em que os alunos se sentissem acolhidos: “...não adianta nada entrar com o processo de malhação, se as pessoas não estabelecerem vínculos. Se eu imagino que a atividade física trás benefícios - que já foram comprovados por pesquisas [...] para que os benefícios possam ocorrer eu preciso de regularidade na participação dos alunos que, não seja apenas pela pressão de perder a vaga”. (SA) 80 Um fato que se tornou foco de discussão e que SA frisava constantemente, era a questão da dependência que eles criavam para a realização de várias coisas, como por exemplo: o desejo em constantemente passear, que conforme SA, tal constância era inviável dentro do Projeto, conseqüentemente, o posicionamento adotado e narrado pela orientadora era: “...Vocês não precisam só da gente para fazer as coisas [...] sobre os passeios e excursões, vocês já sabem como fazê-lo, se organizem. E foi o que eles fizeram [...] descobriram que eles não precisavam pagar a passagem de ônibus [...] descobriram que existe vários passeios culturais que não custam nada ou quase nada”. (SA) Fazê-los experienciar contribuiu para que os alunos se organizassem em outras atividades. Era visível o prazer que os alunos tinham em mostrar aos seus familiares sua produção e o grande responsável por essa maior autonomia, argumenta SA, foi o sentimento de produtividade desses alunos. Indubitavelmente, o desejo de SA era fazer com que os idosos acordassem para a vida, que se questionassem sobre o cerceio de sua liberdade imposta por seus familiares e que pelo menos pensassem a respeito do quão produtiva poderia ser a vida, independente de sua idade e de seu status de saúde. Já em relação ao sujeito B, a autonomia seria um componente fundamental para o andamento das atividades desenvolvidas no Projeto Fênix, que tinha por objetivo dentro desse contexto: “...fazer com que os idosos desenvolvessem sua autonomia a partir das atividades desenvolvidas no Projeto [...] a autonomia seria fundamental para que eles pudessem evoluir, pois não adianta que os idosos fiquem esperando que os outros façam alguma coisa por eles”. (SB) Tanto para os idosos quanto para os monitores, o sujeito B enfatizava a liberdade de expressão: “...eu dava essa liberdade e priorizava que tudo fosse discutido em grupo, eu queria que fosse uma troca de aprendizagem 83 valorizando a experiência de cada componente do grupo [...] essa liberdade, era importante para que ninguém ficasse chateado quando discutíamos algum problema, idéias, sugestões e até nas correções dos monitores no direcionamento das atividades”. (SB) O sujeito B relata que quanto mais “se abria espaço para a autonomia” mais retorno positivo ela obtinha dos idosos. Isto é, manifestações individuais e/ou coletivas dos alunos quanto ao direcionamento das atividades, das propostas de passeios, atividades culturais e até na modificação de exercícios. Quanto a utilização de uma pedagogia crítica, durante as atividades que proporcionassem o fortalecimento da autonomia desses alunos, o sujeito B não discorre sobre essa possibilidade pedagógica, porém comenta sobre a falta de “autonomia” de parte do grupo: “Todo grupo tem as pessoas que conseguem expor mais as suas idéias. Para alguns foi fácil, mas para outros, nem tanto. O que a gente poderia ter feito para estimular isso? Talvez se a gente tivesse um pouco mais de conhecimento para tal proposição”. (SB) Discutir autonomia ou o poder de se auto-governar não seria uma tarefa fácil, porque ao longo da construção desse conceito, noções diversificadas foram atribuídas ao termo como: justiça; liberdade e independência (FARINATTI, 2000). E essa atribuição pode ser observada no discurso de SB, que atribui a noção de liberdade ao conceito de saúde. Possuir liberdade, nesse sentido, não seria um indicativo para que um indivíduo realmente se auto-governe, pois a liberdade não seria apenas a ausência de obstáculos externos para fazermos o que queremos, ou seja, a liberdade dependeria de circunstâncias pessoais, sociais, e ambientais. (SCHENEEWIND, 2001). Ensino: trabalho desenvolvido com os monitores Em relação ao ensino, o direcionamento pedagógico desenvolvido no estágio de monitoria segundo o sujeito A, deveria abranger três vertentes: (1) 84 visão de envelhecimento (quebra de estereótipos); (2) interação professor-aluno (valorização das experiências individuais) e (3) incentivo ao ato de experenciar. Todo trabalho era iniciado pela revisão dos estereótipos atrelados à condição da velhice, pois os monitores e estagiários chegavam ao Projeto com uma percepção negativa sobre o processo de envelhecimento, baseado na comparação das capacidades motoras entre jovens e velhos, acrescenta SA. A estratégia utilizada para tanto era de situá-los na perspectiva real sobre o que seria a velhice e posteriormente discorrer sobre as atribuições da Educação Física em prol dessa população, cito como exemplo desse direcionamento pedagógico, o trecho a seguir: “...Quando se trabalha com crianças você sempre vê a evolução, eles melhoram, eles crescem, ficam mais fortes. O idoso você trabalha, trabalha e vê melhorias. Fazendo uma analogia, eu diria que o idoso é como se colocar água sobre a mão, e por mais que você feche seus dedos, a água vai escorrendo, isto é, eles vão perdendo. Existe uma perspectiva de avanço, mas as perdas são inevitáveis. Então, qual é o trabalho que nós profissionais de Educação física fazemos? Lutamos para que esse processo de perda seja mais lento, mas ele é inevitável”. (SA) O sujeito A, deixa claro que o processo de envelhecimento transita na perspectiva de avanço e de perdas, nesse sentido, o profissional de Educação Física deveria ultrapassar essa visão estereotipada de incapacidade, para que o direcionamento prático de suas atividades não visasse apenas a independência motora. Já em relação a interação professor-aluno, a orientação era para que os monitores e estagiários acolhessem os idosos com intuito de criar um ambiente agradável e acolhedor, para que os mesmos tivessem prazer em retornar na próxima aula. Isso garantiria a adesão dos idosos, contribuindo diretamente para: “...melhorias de suas condições físicas [...] nós fazíamos todo o trabalho de desenvolvimento das capacidades motoras e funcionais como: desenvolvimento da capacidade cardiovascular; musculação; coordenação; alongamentos; entre outras, mas a atividade 85
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