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Guias e Dicas
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Introdução ao Gerenciamento de Rec Hidricos - ANA - ANEEL, Manuais, Projetos, Pesquisas de Gestão Ambiental

Livro publicado em parceira da ANA com a ANEEL

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

Antes de 2010

Compartilhado em 16/10/2009

viviane-japiassu-viana-12
viviane-japiassu-viana-12 🇧🇷

4.9

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Baixe Introdução ao Gerenciamento de Rec Hidricos - ANA - ANEEL e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Gestão Ambiental, somente na Docsity! INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS 2ª edição Brasília, 2001 2 Autores: Arnaldo Augusto Setti – Engenheiro Civil e Sanitarista Jorge Enoch Furquim Werneck Lima – Engenheiro Agrícola Adriana Goretti de Miranda Chaves – Engenheira Civil Isabella de Castro Pereira – Engenheira Química Coordenador: Marcos Aurélio Vasconcelos de Freitas – SIH / ANEEL Capa: Bayron Valença de Oliveira - SCS / ANEEL EDIÇÃO MULTIMÍDIA – novembro/2001 Coordenadação: Marcos Aurélio Vasconcelos de Freitas – Diretor / ANA Valdemar Santos Guimarães – SIH / ANA José Edil Benedito - STC / ANA Isaque Dy La Fuente Costa – SIH / ANA Programação Multimídia: Og Arão Vieira Rubert – SIH / ANA Albano Henrique Revisão: Eliana Nogueira – STC / ANA Introdução ao gerenciamento de recursos hídricos / Arnaldo Augusto Setti, Jorge Enoch Furquim Werneck Lima, Adriana Goretti de Miranda Chaves, Isabella de Castro Pereira. 2ª ed. – Brasília: Agência Nacional de Energia Elétrica, Superintendência de Estudos e Informações Hidrológicas, 2000. 207 p. : il. ; 23 cm. CDU XX.XXX.X 5 Manifesto do Chefe Seattle Em 1855, o Presidente Ulysses Grant, dos Estados Unidos da América do Norte, propôs ao chefe índio Seattle a compra das terras comunais de sua nação. É a resposta do velho chefe ao Grande Chefe de Washington que remetemos à reflexão. "Como podeis comprar ou vender o céu, a tepidez do chão ? A idéia não tem sentido para nós. Se não possuímos o frescor do ar ou o brilho da água, como podeis querer comprá-los ? Qualquer parte desta terra é sagrada para o meu povo. Qualquer folha de pinheiro, qualquer praia, a neblina dos bosques sombrios, o brilhante e zumbidor inseto, tudo é sagrado na memória e na experiência de meu povo. A seiva que percorre o interior das árvores leva em si as memórias do homem vermelho. Os mortos do homem branco esquecem a terra de seu nascimento, quando vão pervagar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta terra maravilhosa, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumosas são nossas irmãs; os gamos, os cavalos, a majestosa águia, todos nossos irmãos. Os picos rochosos, a fragrância dos bosques, a energia vital do pônei e o homem, tudo pertence a uma só família. Assim, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossas terras, ele está pedindo muito de nós. O Grande Chefe manda dizer que nos reservará um sítio onde possamos viver confortavelmente por nós mesmos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Se é assim, vamos considerar a sua proposta sobre a compra de nossa terra. Mas tal compra não será fácil, já que esta terra é sagrada para nós. A límpida água que percorre os regatos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos ancestrais. Se vos vendermos a terra, tereis de lembrar a vossos filhos que ela é sagrada, e que qualquer reflexo espectral sobre a superfície dos lagos evoca eventos e fases da vida de meu povo. O marulhar das águas é a voz dos nossos ancestrais. Os rios são nossos irmãos, eles nos saciam a sede. Levam as nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se vendermos nossa terra a vós, deveis vos lembrar e ensinar a vossas crianças que os rios são nossos irmãos, vossos irmãos também, e deveis a partir de então dispensar aos rios a mesma espécie de afeição que dispensais a um irmão. Nós sabemos que o homem branco não entende nosso modo de ser. Para ele um pedaço de terra não se distingue de outro qualquer, pois é um estranho que vem de noite e rouba da terra tudo de que precisa. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga; depois que a submete a si, que a conquista, ele vai embora, à procura de outro lugar. Deixa atrás de si a sepultura de seus pais e não se importa. A cova de seus pais é a herança de seus filhos, ele os esquece. Trata a sua mãe, a terra, e a seu irmão, o céu, como coisas a serem compradas ou roubadas, como se fossem peles de carneiro ou brilhantes contas sem valor. Seu apetite vai exaurir a terra, deixando atrás de si só desertos. Isso eu não compreendo. Nosso modo de ser é completamente diferente do vosso. A visão de vossas cidades faz doer aos olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e como tal nada possa compreender. Nas cidades do homem branco não há um só lugar onde haja silêncio, paz. Um só lugar onde ouvir o farfalhar das folhas na primavera, o zunir das asas de um inseto. Talvez seja porque sou um selvagem e não possa compreender. 6 O barulho serve apenas para insultar os ouvidos. E que vida é essa onde o homem não pode ouvir o pio solitário da coruja ou o coaxar das rãs à margem dos charcos à noite? O índio prefere o suave sussurrar do vento esfrolando a superfície das águas do lago, ou a fragrância da brisa, purificada pela chuva do meio-dia ou aromatizada pelo perfume das pinhas. O ar é precioso para o homem vermelho, pois dele todos se alimentam. Os animais, as árvores, o homem, todos respiram o mesmo ar. O homem branco parece não se importar com o ar que respira. Como um cadáver em decomposição, ele é insensível ao mau cheiro. Mas se vos vendermos nossa terra, deveis vos lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar insufla seu espírito em todas as coisas que dele vivem. O ar que nossos avós inspiraram ao primeiro vagido foi o mesmo que lhes recebeu o último suspiro. Se vendermos nossa terra a vós, deveis conservá-la à parte, como sagrada, como um lugar onde mesmo um homem branco possa ir sorver a brisa aromatizada pelas flores dos bosques. Assim consideraremos vossa proposta de comprar nossa terra. Se nos decidirmos a aceitá-la, farei uma condição: o homem branco terá que tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos. Sou selvagem e não compreendo outro modo. Tenho visto milhares de búfalos a apodrecerem nas pradarias, deixados pelo homem branco que neles atira de um trem em movimento. Sou um selvagem e não compreendo como o fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante que o búfalo, que nós caçamos apenas para nos mantermos vivos. Que será do homem sem os animais? Se todos os animais desaparecessem, o homem morreria de solidão espiritual. Porque tudo isso pode, cada vez mais, afetar os homens. Tudo está encaminhado. Deveis ensinar a vossos filhos que o chão onde pisam simboliza as cinzas de nossos ancestrais. Para que eles respeitem a terra, ensinai a eles que ela é rica pela vida dos seres de todas as espécies. Ensinai a eles o que ensinamos aos nossos: que a terra é a nossa mãe. Quando o homem cospe sobre a terra, está cuspindo sobre si mesmo. De uma coisa temos certeza: a terra não pertence ao homem branco; o homem branco é que pertence à terra. Disso temos certeza. Todas as coisas estão relacionadas como o sangue que une uma família. Tudo está associado. O que fere a terra fere também os filhos da terra. O homem não tece a teia da vida: é antes um de seus fios. O que quer que faça a essa teia, faz a si próprio. Mesmo o homem branco, a quem Deus acompanha, e com quem conversa como amigo, não pode fugir a esse destino comum. Talvez, apesar de tudo, sejamos todos irmãos. Nós o veremos. De uma coisa sabemos – e que talvez o homem branco venha a descobrir um dia: nosso Deus é o mesmo Deus. Podeis pensar hoje que somente vós o possuís, como desejais possuir a terra, mas não podeis, Ele é o Deus do homem e sua compaixão é igual tanto para o homem branco, quanto para o homem vermelho. Esta terra é querida d'Ele, e ofender a terra é insultar o seu Criador. Os brancos também passarão; talvez mais cedo do que todas as outras tribos. Contaminai a vossa cama, e vos sufocarei numa noite no meio de vossos próprios excrementos. Mas no vosso parecer, brilhareis alto, iluminados pela força do Deus que vos trouxe a esta terra e por algum favor especial vos outorgou domínio sobre ela e sobre o homem vermelho. Este destino é um mistério para nós, pois não compreendemos como será no dia em que o último búfalo for dizimado, os cavalos selvagens domesticados, os secretos recantos das florestas invadidos pelo odor do suor de muitos homens e a visão das brilhantes colinas bloqueada por fios falantes. Onde está o matagal? Desapareceu. Onde está a águia? Desapareceu. O fim do viver e o início do sobreviver." 7 ÍNDICE 1. Introdução 2. Meio ambiente 2.1 O conceito de meio ambiente 2.2 O sistema meio ambiente 2.3 Cultura e meio ambiente 2.4 Recursos ambientais renováveis e não renováveis 2.5 Exemplos de sistemas de meio ambiente 3. Recursos hídricos 3.1 Uso, controle e gestão dos recursos hídricos 3.1.1 Usos consuntivos 3.1.2 Usos não consuntivos 3.1.3 Controle dos recursos hídricos 3.1.4 Gestão dos recursos hídricos 3.2 Recursos hídricos no Brasil e no mundo 3.2.1 Recursos hídricos no mundo 3.2.2 Recursos hídricos no Brasil 4. Aspectos conceituais do gerenciamento dos recursos hídricos 4.1 Engenharia de recursos hídricos 4.2 Demandas de recursos hídricos 4.2.1 Vantagens do uso múltiplo integrado 4.2.2 Desvantagens do uso múltiplo integrado 4.3 Interdisciplinaridade da gestão de águas 4.4 Princípios orientadores da gestão de águas 4.5 Evolução dos modelos de gerenciamento de águas 5. Aspectos organizacionais do gerenciamento dos recursos hídricos 5.1 Matriz do gerenciamento ambiental 5.2 Organização da gestão dos recursos hídricos 6. Planejamento institucional da gestão dos recursos hídricos 6.1 Aspectos gerais do planejamento 6.2 Proposta de planejamento 7. Aspectos institucionais do gerenciamento de recursos hídricos 7.1 Legislação brasileira sobre recursos hídricos 7.1.1 Legislação federal de recursos hídricos 7.1.2 Legislação estadual de recursos hídricos 7.2 A experiência brasileira no gerenciamento de recursos hídricos 7.2.1 Comitês de bacias 7.2.2 Agências de água 7.2.3 Considerações 7.3 Marcos da evolução da administração de águas no Brasil 7.4 Organização da administração pública federal 7.5 Exemplos de organização institucional em alguns países 10 O trabalho foi baseado em extensa pesquisa, constituindo-se, em parte, de trechos de obras de renomados autores da área de recursos hídricos, inseridos no texto em conformidade com o artigo 46, incisos I e VIII da Lei no 9.610, de 19/02/1998, e organizados numa seqüência tal que o resultado final apresentasse um amplo enfoque a respeito da questão do gerenciamento dos recursos hídricos. Espera-se, assim, que este material possa contribuir para a evolução do entendimento desse tema, reconhecidamente atual e de grande importância para o futuro do país. 11 2. MEIO AMBIENTE 2.1 O conceito de meio ambiente A Ciência da Ecologia, como todas as áreas do conhecimento, teve, ao longo da história, um desenvolvimento gradual. As obras de Hipócrates, Aristóteles e outros filósofos gregos já continham material de natureza ecológica, entretanto, eles não tiveram uma palavra para designá-la. Anton Van Leeuwenhoek, de Delft, Holanda, nos anos setecentos, foi o pioneiro no estudo das “cadeias alimentares” e da regulação da população, duas áreas importantes da ecologia moderna. A palavra Ecologia foi proposta pela primeira vez pelo biólogo alemão Ernest Haeckel, em 1869. Haeckel descobriu que existiam relações entre ambiente e hereditariedade, utilizando o termo Ecologia (do grego oikos = casa, e em sentido mais amplo ambiente; logos = ciências, estudo) para designar o ramo da biologia que se ocupa dessas relações. Os estudos prosseguiram, mais tarde, com Forel, na Suíça, em 1892; Warmins, na Dinamarca, em 1896, e com os norte-americanos Birge, Schimper, Cowles e Clements, entre 1891 e 1905, dando base à nova ciência. Em sentido literal, a ecologia é o estudo dos organismos “em suas casas”. A ecologia é definida, usualmente, como o estudo das relações dos organismos ou grupos de organismos e o seu meio ambiente, ou a ciência das inter-relações entre os organismos com o seu meio ambiente. Uma vez que a ecologia se ocupa, principalmente, da biologia de grupos de organismos e de processos funcionais na terra, no mar e na água doce, pode ser definida como o estudo da estrutura e do funcionamento da natureza, considerando a humanidade como parte dela. A Lei nº 6.938, de 31/08/81, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente, seus fins, mecanismos de formulação e sua aplicação no Brasil, define meio ambiente como: “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. O conceito apresentado por CEPAL1/PNUMA2, em 1979, estabelece que meio ambiente é o entorno biofísico que contém a sociedade humana. O conceito de dimensão ambiental foi desenvolvido e apresentado pelas Nações Unidas e seu alcance pode ser verificado na seguinte definição: “A dimensão ambiental é, entre outras, uma variável do processo de desenvolvimento que os planejadores reconhecem como indispensável para alcançar o objetivo do mesmo”. A dimensão ambiental é o conjunto de interação dos processos sociais com os naturais, dentro dos quais os de produção e consumo são muito importantes no planejamento do desenvolvimento. 1 CEPAL: Comissão Econômica para a América Latina 2 PNUMA: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente 12 A dimensão ambiental é uma dimensão global dentro da qual se condicionam e relacionam os processos sociais e econômicos. Portanto, é necessário que o tratamento de todas as dimensões seja inter-relacionado integralmente.”“. A dimensão ambiental caracteriza o entorno de um dado sistema, tomando-o de forma integral enquanto afetar o ente considerado. As definições anteriores fundamentam os seguintes pontos: - o processo de planejamento, ao considerar políticas, programas e projetos, já leva em conta as modificações nos sistemas ambientais; - as modificações podem ser explícitas ou implícitas, tanto para as pessoas que têm poder de decidir quanto para os seus objetivos e; - considerar a dimensão ambiental significa explicar as modificações do meio em termos de finalidade e quantidade de vida a curto e longo prazo. 2.2 O sistema meio ambiente Considerando o meio ambiente humano como o entorno biofísico que contém a sociedade humana, poderemos estabelecer um grande sistema integral dividido em dois subsistemas principais: o subsistema natural, não antrópico, e o subsistema sócio-econômico. No subsistema natural, não antrópico, distinguimos os seguintes conjuntos de elementos: energia, minerais, ar, água, solo, plantas verdes, animais herbívoros, animais carnívoros, bactérias e fungos. Esses conjuntos estão inter-relacionados como produtores e consumidores, constituindo cadeias fechadas de alimentação (Carrizosa, 1982). No subsistema social, distinguimos os seguintes conjuntos: consumidores, produtores, distribuidores, conhecedores, comunicadores, ordenadores e administradores. Estes conjuntos estão também inter-relacionados, apresentando fluxos em ambas as direções, porém, apenas de energia e de massa, como no caso anterior. No subsistema social, as inter-relações existentes são também constituídas por fluxos de informação, em forma de conhecimento ou de decisão. Entre os dois subsistemas existem inter-relações de dependência. A existência do subsistema social depende da energia e da massa que utiliza em todos os seus processos, sejam estes de extração, como os minerais; de transformação, como os de construção; de translação, como os de irrigação; de introdução, como os de contaminação; ou de simples ocupação, como ocorre com os recreativos. Esses fluxos de energia e massa estão condicionados a um meio ambiente humano específico, de acordo com a organização social predominante. Os fluxos tiveram níveis mínimos nas sociedades primitivas, sofreram mudanças rápidas e apreciáveis na revolução industrial e, a partir dos anos 50, mudanças ainda mais substanciais com a chamada sociedade de consumo. Os processos existentes entre ambos os sistemas podem originar outros processos dentro do mesmo subsistema. Um processo como a agricultura, por exemplo, pode gerar a extinção de espécies no subsistema natural e, ao mesmo tempo, provocar mudança demográfica no sistema social. 15 A Resolução CONAMA nº 001, de 23/01/86, definiu Impacto Ambiental como qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; - as atividades sociais e econômicas; - a biota; - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; - a qualidade dos recursos ambientais. É comum a classificação dos recursos naturais em renováveis e não renováveis ou exauríveis, apesar de a fronteira entre essas duas categorias de recursos não ser muito clara. Essa classificação depende, principalmente, do horizonte de planejamento do uso dos recursos ambientais, do tipo de utilização, da tecnologia disponível, da perspectiva de novas tecnologias, do custo de exploração e da sua valoração pela sociedade. Como exemplo, podemos citar o petróleo, que é considerado um bem não renovável, porque o tempo de sua formação é contado em milhares de anos, sendo seu consumo previsto para alguns séculos. O urânio também é não renovável, embora não se possa prever que a energia atômica passe ao domínio de tantos países que esse elemento venha a ser exaurível. Uma floresta é um recurso renovável, podendo tornar-se exaurível se, no processo de sua exploração, forem destruídas as condições de sua reconstituição, naturalmente ou pela ação do homem. A água é considerada um recurso renovável devido à sua capacidade de se recompor em quantidade, principalmente pelas chuvas, e por sua capacidade de absorver poluentes. Porém, a classificação de recurso renovável para a água também é limitada pelo uso, que vai pressionar a sua disponibilidade pela quantidade existente e pela qualidade apresentada. 2.5 Exemplos de sistemas de meio ambiente São apresentados a seguir, exemplos do sistema de meio ambiente em que o foco é centrado nos processos existentes entre o subsistema natural não antrópico e o sistema sócio-econômico na área de recursos hídricos. Estudos de casos em algumas regiões do mundo são apresentados de forma a proporcionar uma visão global da aplicabilidade do conceito de sistema de meio ambiente exposto neste trabalho. É importante a observação dos aspectos econômicos, sociais, políticos e ecológicos presentes, para uma adequada percepção da abrangência do conceito de um sistema de meio ambiente. a) O Sistema Nam Pong (Tailândia) 16 O objetivo do projeto de pesquisa foi o Sistema Nam Pong, situado no nordeste da Tailândia, que cobre uma área de 12.000 km2 e consiste de: - bacia hidrográfica na margem direita do Rio Mekong; - reservatório Nam Pong, formado a partir da construção da barragem; - área de irrigação e; - reassentamento das populações. A barragem foi construída de 1963 a 1966 e criou um lago de 500 km2. Os propósitos do Sistema Nam Pong eram os de gerar energia elétrica e permitir a irrigação de uma área de 500 km2, durante todo o ano (UNESCO, 1984). Os objetivos específicos do projeto foram: - definir as mudanças relativas ao desenvolvimento de recursos hídricos que ocorreram e que estavam ocorrendo no Sistema Nam Pong; - desenvolver conhecimento sobre as causas e efeitos dessas mudanças; - implementar ações de subsídio ao gerenciamento do Sistema Nam Pong, de modo a redirecioná-lo para os fins desejados e; - avaliar a significância dos resultados para a formulação dos procedimentos de planejamento e gerenciamento relativos ao desenvolvimento de outros projetos na Bacia do Mekong, principal rio da Tailândia. A conceituação adotada para o projeto foi baseada no princípio de que o sistema consiste na interação de unidade da natureza física, química e biológica, incluindo impactos oriundos do gerenciamento realizado pelo homem. O sistema pode também ser definido como um ecossistema humano, o qual é caracterizado por realimentação direta. As realimentações positivas podem ocorrer diretamente no meio ambiente, como por exemplo, com o aumento da viabilidade de recursos e desenvolvimento de novos recursos, ou por interação de fatores, como por exemplo, com o aumento da capacitação da população. As realimentações negativas são sentidas no meio ambiente, por exemplo, com a deterioração dos recursos, resultado do uso de técnicas não apropriadas, da degradação do meio ambiente devido aos resíduos de atividades humanas, da proliferação de doenças e outros. O projeto, baseado nessa conceituação, identificou cinco necessidades fundamentais: - avaliação do uso de recursos primários na bacia hidrográfica e modificações na natureza como resultado do desenvolvimento; - identificação dos fatores negativos resultantes do projeto e seus aspectos sobre o homem e o conjunto; - avaliação das mudanças nas condições sócio-econômicas da população; - avaliação da importância das contribuições das áreas contíguas e para as mesmas e; - formulação de propostas para implementar o gerenciamento da bacia hidrográfica com vista à otimização dos benefícios do Sistema e de sua operação em relação ao meio ambiente, e 17 vice-versa, mantendo como foco o desenvolvimento a partir do uso dos recursos hídricos para a geração de eletricidade, irrigação, pesca e recreação. De modo a obter dados para a elucidação dos aspectos fundamentais acima referidos, seis grupos de pesquisa foram selecionados: - estudos hidrológicos3; - estudos limnológicos4; - estudos sobre pesca: criação, produção e produtividade; - estudos do solo e de seu uso; - estudos sócio-econômicos e; - estudos sobre saúde. Resultados Após dois anos de trabalho desenvolvidos por especialistas tailandeses, foram obtidos resultados específicos de cada grupo de pesquisa. Esses resultados, integrados, apresentaram: - a situação ecológica da área após a implantação do Sistema Nam Pong e; - o potencial futuro do Projeto. Foi detectada pelos especialistas tailandeses uma desarmonia entre o uso econômico e o potencial ambiental advindo das falhas de planejamento e gerenciamento, além da falta de condições oferecidas pelo Sistema Nam Pong para que a população recebesse treinamento e pudesse utilizar seu potencial através da otimização da utilização dos instrumentos técnicos disponíveis. Apesar do grande esforço das instituições do governo, a população, especialmente os fazendeiros das terras altas e das áreas irrigadas, não apresentaram preparo para otimizar o uso da tecnologia disponível. Os fazendeiros das terras altas deram demasiada ênfase à produção de plantas fibrosas e raízes, e muito pouca à de frutas e vegetais, de maior retorno econômico. Os fazendeiros das áreas irrigadas, por sua vez, não estavam preparados para uma agricultura com disponibilidade de água durante todo o ano e não foram educados de forma a compensar a perda de produção das terras inundadas pelo barramento. Práticas como as de rotação de culturas e técnicas de fertilização eram praticamente inexistentes. Para os moradores à beira da represa, especialmente os pescadores, as dificuldades estavam, principalmente, da dependência do intermediário. Nesse caso, melhores e mais intensivos instrumentos, regulamentos, ou a instalação de cooperativas, melhorariam a situação. No que diz respeito à saúde, o descompasso ocorreu devido à falta de educação escolar e de saúde da população, causada pela falta de assistência das instituições públicas. Como a população local não participou da instalação do Sistema Nam Pong, não foi possível a devida avaliação dos efeitos do Projeto. Esforços devem ser desenvolvidos no sistema educacional para que o mesmo se enquadre às novas demandas da população. 3 Estudos Hidrológicos: estudos que permitem conhecer a quantidade de água de um ecossistema e seu comportamento; 4 Estudos limnológicos: estudos da águas dos lagos; 20 O projeto de aproveitamento do Rio Cauca, que originou o sistema do Rio Cauca, tem como objetivo principal evitar inundações provocadas pelo seu transbordamento em enchentes de freqüência de 1 (uma) vez cada 30 (trinta) anos. A superfície de terra beneficiada tem uma extensão de 131.700 hectares, é composta de 68.900 hectares que são afetados diretamente pelas inundações e 62.800 hectares que sofrem limitações em sua drenagem. O benefício adicional consiste em não sofrer as perdas causadas pela inundação, além de buscar maior produtividade agropecuária com a melhoria da qualidade do solo, fixando um sistema de drenagem apropriado, contendo o avanço da salinização (CVC, 1984). A Solução Proposta A solução ótima proposta foi aquela que atingia os objetivos almejados, dentro do mínimo custo. O sistema foi dividido em 2 (duas) partes quanto às obras hidráulicas, conforme apresentado a seguir: a) A Barragem de Salvagina, na parte alta do Rio Cauca, é destinada ao controle de inundações, geração de energia elétrica, melhoria da qualidade das águas, maior disponibilidade de água para a irrigação e como oportunidade de desvio parcial das águas para o atendimento da região do Pacífico. b) O conjunto de obras na planície é constituído de diques em ambas as margens do Rio Cauca e nos tributários localizados em seus trechos inferiores, visando evitar os transbordamentos. Também fazem parte deste projeto canais interceptores que impedem a penetração de águas da parte alta da bacia hidrográfica na zona protegida. Resultados Os resultados da implantação do Sistema do Rio Cauca foram: a) Aspectos econômicos - Permitiu a estabilização agrícola no Vale do Rio Cauca e a sua evolução, conforme mostra o Quadro 2.1 - Acabou com os prejuízos devido às inundações; - Estabeleceu o fornecimento de 270.000 kW, com geração média de 1.050 milhões de kWh- ano; - Permitiu, devido à regularização de vazão do Rio Cauca, o desvio de 80m3/s a 165m3/s de água, de acordo com a estação do ano, para a Bacia Hidrográfica do Rio Calina, dando a esse rio condições de viabilizar a produção de energia elétrica nas barragens de Calina III e Calina IV; - Melhorou as condições de navegação e recreação. 21 Quadro 2.1 – Evolução da área plantada na região do Rio Cauca (CVC, 1984) Área Plantada em Hectares Ano 1955 Ano 1984 1. Cultivos Temporários Arroz 13000 14000 Trigo 12000 18000 Feijão 9000 2000 Algodão - 10000 Milho - 60000 Soja - 45000 Outros 3000 5000 Subtotal 37000 154000 2. Cultivos Permanentes Cana-de-Açúcar 49000 130000 Cacau 13000 1000 Vários 11000 11000 Subtotal 73000 142000 3. Outros Usos Pastos 215000 75000 Terras não utilizadas 70000 24000 Subtotal 285000 99000 Total 395000 395000 b) Aspectos sociais - Contribuiu para a fixação da população no meio rural, mantendo sua cultura e melhorando sua condição de vida. c) Aspectos políticos - A longa luta para viabilizar o Sistema do Rio Cauca, de 1943 a 1984, mostrou que a população local, quando organizada, pode vencer seus obstáculos para uma melhor condição de vida; - O estabelecimento da “Corporación Autónoma Regional Del Vale Del Cauca – CVC”, que coordena o desenvolvimento do Vale do Rio Cauca, institucionalizando as necessárias capacidades técnicas, organizacionais, financeiras e administrativas, age de forma racional e eficaz para a estabilização do Sistema do Rio Cauca. Observações Finais O Sistema do Rio Cauca, devido à sua grande maturação e à sua origem regional, com o engajamento da população, é um exemplo de caso de sucesso, que traz os benefícios esperados. 22 Figura 2.3 - Região do sistema do Rio Cauca, Colômbia (IHE/DELFT, 1993). c) O Sistema do Rio Ribeira do Iguape (Brasil) O objetivo principal desse sistema era a otimização do aproveitamento territorial da bacia hidrográfica tendo em vista as diversas possibilidades de uso da água para a melhoria do nível de vida da população. A bacia do Rio Ribeira do Iguape situa-se entre as latitudes 23º30’ e 25º30’ Sul e longitudes 46º50’ e 50º00’ Oeste, e abrange uma área de 24.980 km2, dos quais 61% pertencem ao Estado de 25 No que tange ao turismo, destacam-se as cavernas calcárias da região de Eldorado e Iporanga (Caverna do Diabo e outras) que, no entanto, ainda não receberam condições para exploração condizentes com seu potencial. Quadro 2.4 – Produção mineral da bacia hidrográfica do Rio Ribeira do Iguape – 1980/1981 (DNPM, 1982; In: DNAEE, 1985). SÃO PAULO PARANÁ Bem Mineral Produção Bruta (Ton) Participação no Estado (%) Produção Bruta (Ton) Participação no Estado (%) Argila 353.216 25.5 - - Brita 372 100.0 680 100,00 Calcário 5.775.866 47,5 2.448.927 71,3 Calcita 19.944 100,0 - - Caulim 2.688 0,8 - - Chumbo 4.206 100,0 81.114 100,00 Cobre 705 100,0 - - Dolomita 43.882 10,5 194.681 53,1 Fosfato 4.329.940 100,0 - - Mármore - - 657 100,0 Talco 32.370 75,0 - - O Sistema lagunar Iguape-Cananéia e as demais interações A região que integra o Sistema Lagunar Iguape-Cananéia estende-se por aproximadamente 110 km e abrange uma área de 10.000 ha, composta por lagunas de águas salobras7, várias ilhas, praias e mangues, tendo como corpo d’água principal o Mar Pequeno. Com a abertura do canal do Valo Grande, concluído por volta de 1850, com o objetivo de permitir o acesso direto das embarcações provenientes do Rio Ribeira ao Porto de Iguape e ao Mar Pequeno, esse sistema passou a ter características estuarino-lagunares. Tendo em vista a recomposição da condição do sistema lagunar existente antes de 1850, o DAEE-SP promoveu o fechamento do Valo Grande, concluído em agosto de 1978. A partir de então, novas e importantes transformações vêm ocorrendo no sistema, tendo sido efetuados diversos estudos que, embora sem permitir o perfeito conhecimento do seu complexo regime, dão indícios de seu comportamento e apresentam recomendações sobre pesquisas e levantamentos futuros. Na década de 80, o governo de São Paulo rebaixou a barragem, minorando as inundações freqüentes na área. A exploração mineral na Bacia Hidrográfica é particularmente importante pelas diversas interfaces com o uso e controle dos recursos hídricos. Entre os principais problemas, destaca-se o da poluição das águas, que poderá ser causada pela disposição inadequada de rejeitos minerais, especialmente de metais pesados8, o que pode comprometer seu uso para abastecimento humano, além de apresentar repercussões negativas em todo o meio ambiente. 7 Água Salobra: Água imprópria para o consumo humano. Água que contém sais em concentrações menores do que na água do mar, variando entre 1.000 e 10.000 mg/1 (UNESCO, 1984). 8 Metais Pesados: Metais que, se ingeridos, acumulam-se no organismo. 26 Por outro lado, a exploração mineral no vale do Ribeira poderá assumir papel relevante no desenvolvimento regional, sendo ainda as grandes empresas de mineração usuárias potenciais de hidreletricidade das usinas planejadas para a região. Os diversos planos setoriais de utilização de água mencionados neste capítulo apresentam interferência entre si, geram conflitos pelo uso da água, precisam de equacionamento e compatibilização dentro de um enfoque de aproveitamento múltiplo dos recursos hídricos. Resultados O Sistema do Rio Ribeira do Iguape pode dar início a um processo de desenvolvimento regional de uma região particularmente subdesenvolvida e deve ser feito de forma harmoniosa, com a proteção e conservação do meio ambiente. Para a realização desse objetivo, recomendou-se a elaboração de um plano de desenvolvimento regional abrangente, multidisciplinar, onde, ao lado de medidas estruturais, representadas pela execução de obras hidráulicas com o propósito principal de controle de cheias, sejam feitas recomendações de medidas educacionais, contemplando prioritariamente o disciplinamento do uso do solo, em especial das várzeas, e a adoção de práticas conservacionistas dos recursos naturais, com ênfase no controle de erosão. É fundamental o envolvimento e a participação efetivos da população na elaboração e execução do Plano. Entretando, para elaboração desse plano, onde as questões ambientais relativas ao sistema lagunar Iguape-Cananéia devem ser abordadas com especial atenção, são fundamentais os levantamentos de dados básicos, entre outros, os das regiões do Baixo Ribeira e do Mar Pequeno, e a realização de estudos que melhor definam, por exemplo: - as vazões máximas admissíveis em diversas seções hidrográficas e as correspondentes áreas inundáveis; - o efeito do conjunto de reservatórios planejados ou existentes no controle de cheias na bacia; - os volumes de cheias acumulados nas várzeas, os efeitos da polderização sobre os níveis e vazões de cheias e as conseqüências das modificações na Barragem do Valo Grande e; - o comportamento ecológico e hidrodinâmico do Mar Pequeno em face das eventuais descargas de água doce do Rio Ribeira do Iguape. No Quadro 2.5 estão sintetizados os principais projetos e obras do Sistema do Rio Iguape, as mútuas interferências e as possíveis soluções para saná-las. 27 Quadro 2.5 – Interferência de projetos e obras na bacia hidrográfica do Rio Ribeira do Iguape (DNAEE, 1985). Obra/Projeto Interferência Razões de Interferência Medidas Preconizadas para Minimizar os Efeitos das Interferências Barragem do Valo Grande Aproveitamento de Varzéas Agrava inundações a montante Medidas emergenciais e provisórias como, por exemplo, o rebaixamento da Barragem do Valo Grande e, posteriormente, a realização de levantamentos e estudos para o encaminhamento da solução definitiva. Pôlderes Barragem do Valo Grande Provoca o aumento das descargas de pico das cheias devido à diminuição do volume de armazenamento nas várzeas Não construção de outros pôlderes antes da definição de uma solução para o Valo Grande, sendo que, nessa solução, os estudos hidrológicos deverão prever essa possibilidade de polderização. Barragens do Ribeira (Descalvado, Tijuco e Mato Preto) Barragem de Eldorado Os planos existentes não prevêem controle de cheias nos reservatórios de montante Revisão do esquema de aproveitamento do Ribeira, contemplando o controle de cheias. Plano Juquiá – São Lourenço Hidrelétrica da CBA no Rio Juquiá Reversão de 6,3 m3/s de Rosas e Ribeirão Grande em caráter transitório. Sendo a reversão do Juquiá um plano de longo prazo, reestudar o assunto conforme a evolução da demanda de água para RMSP. Reversão do Alto Juquiá Hidrelétrica da CBA no Rio Juquiá Reversão de 19,3m3/s para abastecimento da RMSP em caráter permanente, com possibilidade de maiores vazões, em longo prazo, estendendo-se a reversão para jusante, até a UHE Serraria. Sendo a reversão do Juquiá um plano de longo prazo, reestudar o assunto conforme a evolução da demanda de água para RMSP. Hidrelétrica da CBA no Rio Juquiá Aproveitamento de Várzeas Abertura da comportas durante as cheias Estudo de regras operativas e rede telemétrica UHE Capivari/Cachoeira (UHE Parigot de Souza) Aproveitamento de Várzeas Abertura de comportas durante as cheias Estudo de regras operativas e rede telemétrica9. Abastecimento de RM de Barragens no Ribeira Curitiba Barragens no Ribeira Prejuízo energético em face da reversão do rio Açungui Eventual compensação financeira ou reposição da energia perdida. Abastecimento da RM de Curitiba UHE Capivari/ Cachoeira (UHE Parigot de Souza) Prejuízo energético em face da reversão do rio Capivari Eventual compensação financeira ou reposição da energia perdida Para realização dos levantamentos, estudos e planos propostos, há necessidade de definição de mecanismo institucional que promova a coordenação das entidades e órgãos atuantes ou com interesse na região e, também, que facilite a canalização dos recursos financeiros para as medidas e obras que forem recomendadas para etapas futuras. Observações Finais O Sistema do Rio Ribeira do Iguape foi citado como exemplo devido ao seguinte: a) Aspectos econômicos A área do sistema constitui grande potencial econômico para produção de energia elétrica, agricultura, mineração, lazer, turismo, pesquisa científica, ostreicultura, pesca comercial e abastecimento de água para São Paulo. 9 Rede Telemétrica: Rede automática de medidores hidrológicos. 30 3. RECURSOS HÍDRICOS Neste capítulo se verá que, dada a sua utilidade, a água é considerada um recurso finito, escasso e de valor econômico. É um recurso tão importante que define o desenvolvimento que uma região, país ou sociedade pode alcançar. 3.1 Uso, controle e gestão dos recursos hídricos. A quantidade e a natureza dos constituintes presentes na água variam principalmente conforme a natureza do solo de onde são originárias, das condições climáticas e do grau de poluição que lhes é conferido, especialmente pelos despejos municipais e industriais. Uma análise completa de uma água natural indicaria a presença de mais de cinqüenta constituintes nela dissolvidos ou em suspensão. Esses elementos, em geral, são sólidos dissolvidos ionizados, gases, compostos orgânicos, matéria em suspensão, incluindo microorganismos e material coloidal. Durante o ciclo hidrológico, a água sofre alterações em sua qualidade. Isso ocorre nas condições naturais, em razão das inter-relações dos componentes do sistema de meio ambiente, quando os recursos hídricos são influenciados devido ao uso para suprimento das demandas dos núcleos urbanos, das indústrias, da agricultura e das alterações do solo, urbano e rural. Os recursos hídricos têm capacidade de diluir e assimilar esgotos e resíduos, mediante processos físicos, químicos e biológicos, que proporcionam a sua autodepuração. Entretanto, essa capacidade é limitada em face da quantidade e qualidade de recursos hídricos existentes. Os aspectos de quantidade e qualidade são indissociáveis. O tratamento prévio de esgotos urbanos e industriais é fundamental para a conservação dos recursos hídricos em padrões de qualidade compatíveis com a sua utilização para os mais diversos fins. As águas subterrâneas, embora mais protegidas da poluição, podem ser seriamente comprometidas, pois sua recuperação é mais lenta. Há substâncias que não se autodepuram e causam poluição cumulativa das águas, com sérios riscos ao homem, à fauna e à flora, quando não tratadas e lançadas nos rios, lagos e mesmo no solo. A água pode servir, ainda, de veículo para a transmissão de doenças, principalmente quando recebe lançamento de esgotos sanitários não tratados, constituindo sério risco à saúde pública. O lançamento de resíduos sólidos e detritos é fator de poluição e obstrução dos corpos de água. A erosão do solo urbano e rural e o assoreamento dos cursos de água são fatos extremamente danosos. Essencial à vida, a água constitui elemento necessário para quase todas as atividades humanas, sendo, ainda, componente da paisagem e do meio ambiente. Trata-se de bem precioso, de valor inestimável, que deve ser, a qualquer custo, conservado e protegido. Presta-se para múltiplos usos: geração de energia elétrica, abastecimento doméstico e industrial, irrigação de culturas agrícolas, 31 navegação, recreação, aqüicultura, piscicultura, pesca e também para assimilação e afastamento de esgotos. Quando há abundância de água, ela pode ser tratada como bem livre, sem valor econômico. Com o crescimento da demanda, começam a surgir conflitos entre usos e usuários da água, a qual passa a ser escassa e, então, precisa ser gerida como bem econômico, devendo ser-lhe atribuído o justo valor. Essa escassez também pode decorrer devido aspectos qualitativos, quando a poluição afeta de tal forma a qualidade da água que os valores excedem os padrões admissíveis para determinados usos. Os setores usuários das águas são os mais diversos, com aplicação para inúmeros fins. A utilização pode ter caráter consultivo, ocorrendo quando a água é captada do seu curso natural e somente parte dela retorna ao curso normal do rio, ou não consultivo, onde toda a água captada retorna ao curso d’água de origem. Cada uso da água deve ter normas próprias, mas são necessárias normas gerais que regulamentem as suas inter-relações e estabeleçam prioridades e regras para a solução dos conflitos entre os usuários. O Quadro 3.1, a seguir, apresenta uma classificação sistemática dos usos da água, explicitando algumas características (Barth, 1987): - existência ou não de derivação de águas do seu curso natural; - a finalidade e os tipos de uso; - as perdas por uso consultivo da água; - os requisitos de qualidade exigidos para cada uso e; - os efeitos da utilização, especialmente as alterações de qualidade. Situação específica ocorre quando da reversão de águas de bacias hidrográficas. Para a bacia da qual é captada a água, tudo se passa como se o uso consultivo fosse de 100%, enquanto a bacia que recebe as águas revertidas tem acréscimo artificial do seu potencial hídrico. 32 Quadro 3.1 – Usos da água (adaptado de Barth, 1987) Forma Finalidade Tipo de Uso Uso Consultivo Requisitos de qualidade Efeitos nas águas Abastecimento urbano Abastecimento doméstico industrial comercial e público Baixo, de 10%, sem contar as perdas nas redes Altos ou médios, influindo no custo do tratamento Poluição orgânica e bacteriológica Abastecimento industrial Sanitário, de processo, incorporação ao produto, refrigeração e geração de vapor Médio, de 20%, variando com o tipo de uso e de indústria Médios, variando com o tipo de uso Poluição orgânica, substâncias tóxicas, elevação de temperatura Irrigação Irrigação artificial de culturas agrícolas segundo diversos métodos Alto, de 90% Médios, dependendo do tipo de cultura Carreamento de agrotóxicos e fertilizantes Abastecimento Doméstico ou para dessedentação de animais10 Baixo, de 10% Médios Alterações na qualidade com efeitos difusos Com derivação de águas Aqüicultura Estações de piscicultura e outras Baixo, de 10% Altos Carreamento de matéria orgânica Geração Hidrelétrica Acionamento de turbinas hidráulicas Perdas por evaporação do reservatório Baixos Alterações no regime e na qualidade das águas Navegação fluvial Manutenção de calados mínimos e eclusas Não há Baixos Lançamento de óleo e combustíveis Recreação, lazer e harmonia paisagística Natação e outros esportes com contato direto, como iatismo e motonáutica Lazer contemplativo Altos, especialmente recreação de contato primário Não há Pesca Com fins comerciais de espécies naturais ou introduzidas através de estações de piscicultura Não há Altos, nos corpos de água, correntes, lagos, ou reservatórios artificiais Alterações na qualidade após mortandade de peixes Assimilação de esgotos Diluição, autodepuração e transporte de esgotos urbanos e industriais Não há Não há Poluições orgânicas, físicas, químicas e bacteriológicas Sem derivação de águas Usos de preservação Vazões para assegurar o equilíbrio ecológico Não há Médios Melhoria da qualidade da água 10 Dessedentação de animais: destinada ao uso por animais. 35 As doenças relacionadas à água e que afetam a saúde do homem são muito comuns nas áreas rurais dos países em desenvolvimento. A incidência dessas doenças depende do clima, da geografia, da cultura, dos hábitos sanitários e, certamente, da quantidade e qualidade da água utilizada no abastecimento local, além dos métodos de tratamento e deposição de seus dejetos. As mudanças que ocorrem nos sistemas de abastecimento de água podem afetar diversos grupos de doenças, de diferentes modos: um grupo pode depender das alterações na qualidade da água, outro da disponibilidade de água, e outro, dos efeitos indiretos da água estagnada. Por exemplo, a instalação de um sistema de abastecimento de água potável em uma dada comunidade tropical pode proteger as pessoas de doenças como cólera, esquistossomose, doenças de pele e diarréias resultantes da falta de higiene pessoal, e de febres disseminadas por mosquitos que têm a água parada como seu habitat. Algumas das importantes doenças infecciosas relacionadas com a água estão resumidas no Quadro 3.4. Elas são agrupadas em cinco categorias gerais que ajudam a prever os prováveis efeitos das mudanças verificadas no abastecimento de água para a saúde do homem. É de se notar que esses grupos não são necessariamente mutuamente exclusivos e que não foi possível delimitar com precisão em qual das duas primeiras categorias vários tipos de diarréia melhor se encaixariam. Dos cinco grupos, quatro são diretamente relacionados à água, ao passo que o quinto é determinado, principalmente, pela adequação da disposição de dejetos. Na apresentação deste quadro, observa-se o grande número de doenças vinculadas aos recursos hídricos e, conseqüentemente, a importância de a água potável estar sempre disponível para a população. Quadro 3.4 - Doenças relacionadas à deficiências no abastecimento de água ou na disposição de dejetos (Saunders & Warford, 1983). Grupo Doenças Via de saída do corpo humano Via de entrada no corpo humano Cólera F O Febre tifóide F, U O Leptospirose U, F. P, O Giardíase F O Amebíase F O Doenças transmitidas pela água Hepatite infecciosa F O Escabiose Sepsia dérmica C C Bouba C C Lepra C C Piolhos e tifo N(?) ? Tracoma B B Conjuntivite C C Disenteria bacilar C C Salmonelose F O Diarréias por enterovirus F O Febre paratifóide F O Ascaridiáse F O Tricurose F O Enterobiose F O Doenças controladas pela limpeza com água Ancilostomose F O 36 Esquistossomose urinária U P Esquistossomose retal F P Doenças associadas à água Dracunculose C O Febre amarela B B mosquito Dengue e febre hemorrágica por dengue b B mosquito Febre do oeste do Nilo e do Vale do Rift B B mosquito Encefalite por arbovirus B B mosquito Doenças cujos vetores se relacionam com a água Filiarose Bancroft B B mosquito Malária B B mosquito Ancorcercose B B mosca simulium Doenças cujos vetores se relacionam com a água Doenças do sono B B Tsé – Tsé Necatoriose F P Clonorquíase F Peixe Difilobotríase F Peixe Fasciolose F Planta Comestível Doenças associadas ao destino de dejetos Paragonimíase F,S Camarão-de-água- doce * F= fezes; O = oral; U = urina; P = percutâneo; C = cutâneo; B = picada; N = nariz; S = saliva. Os grupos do quadro 3.4 têm a seguinte origem: - Doenças transmitidas pela água A água atua somente como um veículo passivo para o agente infeccioso. Todas essas doenças dependem também das precárias condições da disposição de dejetos. - Doenças controladas pela limpeza com água. A falta de água e a higiene pessoal insuficiente criam condições favoráveis para a sua disseminação. As infeções intestinais neste grupo resultam também da falta de disposição adequada de dejetos - Doenças associadas à água Parte necessária do ciclo de vida do agente infeccioso se passa num animal aquático. Algumas são também afetadas pela disposição de dejetos. Não incluímos aqui as infeções que não tenham sido propagadas pelo contato da água ou por sua ingestão. - Doenças cujos vetores se relacionam com a água As doenças são propagadas por insetos que nascem na água ou picam perto dela. O encanamento nas casas faria com que as pessoas se afastassem das áreas onde são picadas, ou permitiria que elas dispensassem o uso de potes para a armazenagem de água, onde os insetos proliferam. Não são afetadas pela disposição de dejetos. - Doenças associadas ao destino de dejetos e Estas constituem o extremo de um espectro de doenças, na maioria controladas pela limpeza com a 37 muito pouco afetadas pela água mais diretamente água, juntamente com um grupo de infeções do tipo associadas à água, que podem ser transmitidas somente através da ingestão de peixe ou de outros organismos aquáticos crus. Os hábitos de uso de água aliados à tradição, cultura, e à falta de conhecimento determinam, em grande parte, a magnitude dos benefícios relativos à saúde que uma população pode obter a partir de investimentos em abastecimento público de água. Quando um sistema de abastecimento de água é introduzido numa comunidade, os hábitos dos moradores podem ser modificados por um programa de educação e demonstração do uso racional da água. Por exemplo, é razoável supor que as formas de uso de água de uma população irão se alterar gradualmente, à medida que o abastecimento de água se tornar mais acessível e confiável. Embora as melhorias na saúde possam não ser notadas de imediato, a médio prazo os benefícios serão evidentes. Um programa de educação sanitária, ambiental e de uso racional da água poderia aumentar os benefícios resultantes de melhorias no sistema de abastecimento de água e de tratamento de dejetos. Em contrapartida, a população deve estar disposta a pagar tarifas de água mais elevadas, de forma a reduzir a necessidade de subsídios e assegurar a melhor operação e manutenção dos seus sistemas de abastecimento. Por outro lado, os programas de educação são complexos e, dependendo do seu modelo e aceitação, podem ou não exercer um impacto significativo sobre a comunidade. Como qualquer outra forma de investimento nessa área, antes que um programa de educação seja iniciado, seus custos e benefícios deverão ser examinados. Embora um programa de educação sanitária possa ser o meio mais eficaz, em termos de custo, para reduzir as doenças associadas à água, sua eficiência é de difícil comprovação a curto prazo. Há alguma evidência, contudo, da importância do fator tempo em combinação com um programa de educação sanitária. Em Santa Lúcia, no Caribe, por exemplo, cerca de 3 anos depois da provisão de vários sistemas de abastecimento de água para uma população rural de aproximadamente 2.000 pessoas, o consumo de água cresceu de 15 para 40 a 50 litros per capita por dia. Esse número inclui o abastecimento de água para lavanderias públicas, chuveiros e torneiras em cada casa. Com o aumento significativo de consumo, os problemas de saúde pública foram reduzidos e a qualidade de vida das pessoas aumentou consideravelmente. É importante salientar que o montante de investimento necessário para servir uma dada população depende diretamente do uso racional da água, com a redução do desperdício. Se uma população faz uso adequado da água, é possível, presumivelmente, a obtenção de um alto nível de benefícios de saúde com menores custos. Por outro lado, isso implica no atendimento de maior número de pessoas com o mesmo montante de capital investido. A água é utilizada para muitos fins e há grandes variações na quantidade de água que as pessoas requerem ou podem usar. Em levantamento realizado pela Organização Mundial de Saúde – OMS, foram encontrados os seguintes valores médios de consumo diário, em litros per capita por dia (l c d), para as áreas rurais dos países em desenvolvimento das regiões citadas. 40 Demanda per capita Média Diária (l/hab/dia) Demanda per capita máxima Diária (l/hab/dia) Localidade * 1970 1980 1990 1970 1980 1990 Brasília 535 560 590 695 730 765 Sobradinho, Taguatinga, Gama, Guará, Núcleo Bandeirante 300 330 360 390 430 470 Brazlândia e Planaltina 200 220 240 260 285 310 b) Abastecimento industrial Há vários tipos de uso da água nos processos industriais, como para refrigeração e geração de vapor, incorporação aos produtos, higiene e limpeza. As demandas industriais dependem de coeficientes de uso e de perdas de cada tipo, de cada ramo industrial e, ainda, da tecnologia adotada. Para fins de determinação da demanda de água, há dois grupos de indústrias, um altamente consumidor de água e outro de pequenas demandas, em geral abastecidas por redes públicas ou poços profundos. Devem ser lembradas as usinas termoelétricas e nucleares. O Quadro 3.7 apresenta alguns consumos específicos de água para fins industriais, considerando o tipo de indústria e o seu produto. Tratam-se de valores médios, sendo extremamente variáveis em função da tecnologia empregada. Quadro 3.7 – Consumo de água nas indústrias (Barth, 1987) Tipo de indústria Consumo Laminação de aço 85 m3 por t de aço Refinação do petróleo 290 m3 por barril refinado Indústria têxtil 1.000 m3 por t de tecido Couros-Curtumes 55 m3 por t de couro Papel 250 m3 por t de papel Saboarias 2 m3 por t de sabão Usinas de açúcar 75 m3 por t de açúcar Fábrica de conservas 20 m3 por t de conserva Laticínios 2 m3 por t de produto Cervejaria 20 m3 por m3 de cerveja Lavandeira 10 m3 por t de roupa Matadouros 3 m3 por animal abatido O quadro 3.8 mostra os principais poluentes de despejos industriais, o que representa uma visão qualitativa dos cuidados que devem ser tomados ao se instalar uma determinada indústria. 41 Quadro 3.8 - Principais poluentes de despejos industriais (Braile, C., 1979). Poluentes Origem dos despejos Acetaldeído Plásticos, borracha sintética, corante. Ácido acético Vinícolas, indústrias têxteis, destilação de madeira, indústria químicas Acetileno Sínteses orgânicas Acrilonitrila Plásticos, borracha sintética, pesticidas Amônia Manufatura de gás de carvão, operações de limpeza com “água amônia” Acetato de amônia Tintura em indústria têxteis e preservação da carne. Cloreto de amônia Tintura, lavagem do curtimento. Dicromato de amônia Mordentes, litografia, fotogravação. Fluoreto de amônia Tintura em indústrias têxteis e preservação da madeira. Nitrato de amônia Fertilizantes, explosivos, indústrias químicas. Sulfato de amônia Fertilizantes. Anilina Tinturas, vernizes, borrachas Bário (acetato) Mordente em tinturaria. Bário (cloreto) Manufatura de tintas, operações de curtimento Bário (fluoreto) Tratamento de metais. Benzeno Indústrias químicas nas síntese de compostos orgânicos, tinturas e outras operações têxteis Butil (acetato) Plástico, couro artificial e vernizes Carbono Indústrias químicas. Cromo (hexavalente) Decapagem de metais, galvanização, curtumes, tintas, explosivos, papéis, águas de refrigeração, mordente, tinturaria em indústrias têxteis, fotografia, cerâmica. Cabalto Tecnologia nuclear, pigmentos Cobre (cloreto) Galvanoplastia do alumínio, tintas deléveis. Cobre (nitrato) Tinturas têxteis, impressões fotográficas, inseticidas. Cobre (sulfato) Curtimento, tintura, galvanoplastia, pigmentos Diclorobenzeno Solvente para ceras, inseticidas Dietilamina Indústria petroquímica , fabricação de resinas, indústria farmacêutica, tintas Etilamina Refino de óleo, sínteses orgânicas e fabricação de borracha sintética Sulfato ferroso Fábricas de conservas, curtumes têxteis, minas, decapagem de metais Formaldeído Curtumes, penicilinas, plantas e resinas Furfural Refino de petróleo, manufatura de vernizes, inseticidas, fungicidas e germicidas Chumbo (acetato) Impressoras, tinturarias e fabricação de outros sais de chumbo Chumbo (cloreto) Fósforo, explosivos, mordente. Chumbo (sulfato) Pigmentos, baterias, litografia. Mercaptana Alcatrão de carvão e celulose Kraft. Mercúrio (cloreto) Fabricação de monômetros Mercúrio (nitrato) Explosivos. Composto orgânico-mercuroso Descargas de “água branca” em fábricas de papel Metilamina Curtimento e sínteses orgânicas Níquel (cloreto) Galvanoplastia e tinta invisível. Níquel (sulfato amoniacal) Banhos em galvanoplastia Níquel (nitrato Galvanização Piridina Piche de carvão e fabricação de gás Sódio (bissulfato) Têxteis Sódio (cloreto) Indústria cloro-álcali. Sódio (carbonato) Sódio (cianeto) Indústria química e de papel Banhos eletrolíticos. Sódio (fluoreto) Pesticidas Sódio (hidróxido) Celuloses e papel, petroquímicos, óleos minerais e vegetais, couro, recuperação de borracha, destilação de carvão Sódio (sulfato) Fabricação de papel Sódio (sulfeto) Curtumes, celulose Kraft Sulfúrico (ácido) Produção de fertilizante e outros ácidos, explosivos, purificação de óleos, decapagem de metais, secagem de cloro. Uréia Produção de resinas e plásticos, sínteses orgânicas Zinco Galvanoplastia. Zinco (cloreto) Fábrica de papel 42 c) Irrigação A irrigação de culturas agrícolas é uma prática utilizada de forma a complementar a necessidade de água, naturalmente promovida pela precipitação, proporcionando teor de umidade ao solo suficiente para o crescimento das plantas. É o uso da água de maior consumo, demandando cuidados e técnicas especiais para o aproveitamento racional com o mínimo de desperdício. Quando utilizada de forma incorreta, além de problemas quantitativos, a irrigação pode afetar drasticamente tanto a qualidade dos solos quanto a dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos (fertilizantes, corretivos e agrotóxicos) 3.1.2 Usos não consuntivos a) Geração de energia elétrica O ciclo hidrológico propicia a elevação da água das cotas mais baixas para as maiores altitudes e, em sua descida, ela apresenta potencial energético. Como trata-se de um ciclo, adquire caráter renovável. O homem dominou a tecnologia de aproveitamento desse potencial hidrelétrico que, em alguns países, é a opção mais econômica e de menor efeito sobre o meio ambiente para a geração de energia. O potencial hidrelétrico é produto das vazões e das quedas de água, e, como decorrência, tem o mesmo caráter aleatório das vazões, sendo essa a principal característica de tal fonte de energia. A disponibilidade de energia hidrelétrica é, portanto, associada a riscos. O aproveitamento da energia hidrelétrica é a principal forma de uso não consuntivo de água. Merecem menção os seguintes aspectos: a construção de barragens de regularização causa alterações no regime dos cursos d’água, perdas por evaporação da água dos reservatórios, principalmente em regiões semi-áridas, e diversas alterações no meio físico. b) Navegação fluvial Para que sejam obtidas condições de navegação comercial em rios, faz-se necessário que, durante o maior período possível, exista vazão suficiente no curso d’água para garantir a passagem de embarcações de determinado calado11 mínimo, viabilizando a utilização comercial da hidrovia. Em condições naturais, normalmente os rios são navegáveis apenas nos períodos de águas altas. Entretanto, através de obras nos canais e da regularização de vazões, essas condições podem ser melhoradas, alargando-se os períodos em que a navegabilidade é assegurada. A criação de reservatórios pode trazer melhorias à navegabilidade de um dado curso d’água. No entanto, as barragens, caso não sejam planejadas para tal, podem configurar sérios obstáculos à navegação, o que pode ser solucionado com a construção de eclusas de transposição de níveis. c) Recreação e harmonia paisagística 11 Calado: altura da parte submersa de uma embarcação. 45 Alguns princípios fundamentais que devem nortear qualquer processo de gerenciamento de recursos hídricos que se queira implementar são: - acesso aos recursos hídricos deve ser um direito de todos; - a água deve ser considerada um bem econômico; - a bacia hidrográfica deve ser adotada como unidade de planejamento; - a disponibilidade da água deve ser distribuída segundo critérios sociais, econômicos e ambientais; - deve haver um sistema de planejamento e controle; - a cooperação internacional deve visar ao intercâmbio científico e tecnológico; - desenvolvimento tecnológico e desenvolvimento de recursos humanos deve ser constante; - quando os rios atravessam ou servem de fronteiras entre países, a cooperação internacional é indispensável; - os usuários devem participar da administração da água; - a avaliação sistemática dos recursos hídricos de um país é uma responsabilidade nacional e recursos financeiros devem ser assegurados para isso e; - a educação ambiental deve estar presente em toda ação programada. A gestão dos recursos hídricos é decisão política, motivada pela escassez relativa de tais recursos e pela necessidade de preservação para as futuras gerações. Historicamente, essa gestão tem acontecido em países ou regiões em que a pouca água decorre da aridez do clima ou da poluição, havendo limitação ao desenvolvimento econômico e social. A decisão política é, normalmente, tomada em condições em que a escassez já é efetiva. Somente na década de 60, países como Estados Unidos, França, Alemanha e Grã-Bretanha renovaram suas leis e instituições à procura de maior eficácia na recuperação e conservação dos recursos hídricos. Quando a escassez é prevista para médio ou longo prazo, apenas preocupações conservacionistas podem levar à gestão dos recursos hídricos. De forma ainda lenta, isso tem ocorrido, principalmente, a partir da década de 70, com os ambientalistas organizando-se e agindo de forma a provocar a antecipação de ações que visem a conservação dos recursos hídricos, antes que as situações atinjam índices críticos. Em qualquer circunstância, a informação ao público dos conflitos potenciais quanto ao uso dos recursos hídricos é fundamental para a motivação política à discussão e participação nos processos gerenciais de tomada de decisão de uma dada região. Uma política para a gestão dos recursos hídricos deve conter formas de estabelecimento do conjunto de princípios definidores de diretrizes, objetivos e metas a serem alcançados. Essa política estará consubstanciada em aspectos técnicos, normas jurídicas, planos e programas que revelem o conjunto de intenções, decisões, recomendações e determinações do governo e da sociedade quanto à gestão dos recursos hídricos. O sistema institucional de administração de recursos hídricos é de tal complexidade e se relaciona com interesses tão relevantes, que não pode ser estabelecido a curto prazo e sem obstáculos. Para isso, é preciso definir uma estratégia. As pessoas, convencidas da necessidade de 46 definição de uma política de recursos hídricos, precisam conhecer os seus aliados e os seus opositores, e empreender ações de congregação dos interessados no estabelecimento da política e desarticulação dos que a ela se opõem. Para tanto, será fundamental selecionar as pessoas e grupos que colocam o interesse público acima dos interesses particulares e corporativistas, pois as preocupações de gestão dos recursos hídricos somente podem prosperar em ambiente em que o interesse público prevaleça. As obras de aproveitamento e controle dos recursos hídricos exigem vultosos investimentos, principalmente para países do porte do Brasil e ainda carentes de infra- estrutura básica. 3.2 Recursos hídricos no Brasil e no mundo 3.2.1 Recursos hídricos no mundo ∗ Atualmente, há mais de 1 bilhão de pessoas sem suficiente disponibilidade de água para consumo doméstico e se estima que, em 30 anos, haverá 5,5 bilhões de pessoas vivendo em áreas com moderada ou séria falta d’água (Population Reference Bureau, 1997). A população mundial e suas atividades antrópicas já atingiram uma escala de utilização dos recursos naturais disponíveis que obriga a todos a pensar no futuro de uma nova forma. É previsto que a população mundial estabilize-se, por volta do ano 2050, entre 10 e 12 bilhões de habitantes, o que representa cerca de 5 bilhões a mais que a população atual, enquanto a quantidade de água disponível para o uso permanece a mesma (OMM/UNESCO, 1997). Considera-se, atualmente, que a quantidade total de água na Terra, de 1.386 milhões de km³, tem permanecido de modo aproximadamente constante durante os últimos 500 milhões de anos. Vale ressaltar, todavia, que as quantidades estocadas nos diferentes reservatórios individuais de água da Terra variaram substancialmente ao longo desse período (Shiklomanov, 1999). A distribuição dos volumes estocados nos principais reservatórios de água da Terra é demonstrada no Quadro 3.10 e nas Figuras 3.1 e 3.2, nas quais verifica-se que 97,5% do volume total de água da Terra são de água salgada, formando os oceanos, e somente 2,5% são de água doce. Ressalta-se que a maior parte dessa água doce (68,7%) está armazenada nas calotas polares e geleiras. A forma de armazenamento em que os recursos hídricos estão mais acessíveis ao uso humano e de ecossistemas é a água doce contida em lagos e rios, o que corresponde a apenas 0,27% do volume de água doce da Terra e cerca de 0,007% do volume total de água. ∗ Adaptado de Lima, 2000. 47 Quadro 3.10 – Distribuição da água na Terra (Shiklomanov, 1997). Reservatório Volume (10³ km³) % do Volume Total % do Volume de Água Doce Oceanos 1338000,0 96,5379 - Subsolo: Água doce Água salgada 23400,0 10530,0 12870,0 1,6883 0,7597 0,9286 - 30,0607 - Umidade do solo 16,5 0,0012 0,0471 Áreas congeladas: Antártida Groenlândia Ártico Montanhas 24064,0 21600,0 2340,0 83,5 40,6 1,7362 1,5585 0,1688 0,0060 0,0029 68,6971 61,6629 6,6802 0,2384 0,1159 Solos congelados 300,0 0,0216 0,8564 Lagos: Água doce Água salgada 176,4 91,0 85,4 0,0127 0,0066 0,0062 - 0,2598 - Pântanos 11,5 0,0008 0,0328 Rios 2,1 0,0002 0,0061 Biomassa 1,1 0,0001 0,0032 Vapor d'água na atmosfera 12,9 0,0009 0,0368 Armazenamento total de água salgada 1350955,4 97,4726 - Armazenamento total de água doce 35029,1 2,5274 100,0 Armazenamento total de água 1385984,5 100,0 - Observa-se que, mesmo tendo a Terra um volume total de água da ordem de 1.386 milhões de km³, o que efetivamente está disponível ao uso humano é muito pouco (0,007%). Água Salgada 97,5% Água Doce 2,5% Água doce no Subsolo 30,1% Outros 1,2% Figura 3.1 – Total de água da Terra. Figura 3.2 – Distribuição da água doce na Terra. Água Congelada 68,7% 50 Com rios renovando-se tão rapidamente, a humanidade tem acesso não somente aos cerca de 2.100 km³ de água estocados nas suas calhas (Quadro 3.10), mas também aos valores correspondentes às suas descargas líquidas globais de longo período. Com a utilização dos dados hidrológicos existentes, têm-se realizado estimativas do volume médio anual de todos os rios do mundo, representando a soma dos recursos hídricos superficiais da Terra. Esse volume é utilizado como o limite máximo de consumo da água no mundo em um ano (OMM/UNESCO, 1997). Figura 3.4 – Variação do volume médio escoado em todos os rios do mundo (Shiklomanov, 1998; In: Lima, 2000). Pode-se observar na Figura 3.4 que os volumes disponíveis para o uso humano e os ecossistemas, nos 65 anos analisados, oscilaram entre 39.600 km³/ano e 44.500 km³/ano, sendo a média do período de 42.600 km³/ano. Estima-se que a demanda total de água no mundo no ano 2000 será de 3.940 km³ (Quadro 3.15), o que representa menos de 10% do volume total disponível. Portanto, em nível global, não há escassez hídrica, porém, a má distribuição espacial e temporal dos recursos hídricos faz com que algumas áreas sofram permanentemente por falta d’água. Outro fator importante para a determinação de zonas em que a água é um recurso escasso é a distribuição populacional na Terra. 39000 40000 41000 42000 43000 44000 45000 Anos Es co am en to S ep er fic ia l d a Te rr a (k m ³) 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 42600 51 Quadro 3.12 – Disponibilidade hídrica em alguns países do mundo (Adaptado de Shiklomanov, 1998). Disponibilidade hídrica Volume disponível (km³/ano) por área per capita País Área (10³ km²) População (10³ hab) médio máximo mínimo (m³/km².ano) (m³/hab.ano) Austrália 7680 17900 352 701 228 45833,3 19664,80 Albânia 30 3410 18,6 42,9 13,1 620000,0 5454,55 Argélia 2380 27300 13,9 5840,3 509,16 Argentina 2780 34200 270 610 150 97122,3 7894,74 Bolívia 1100 7240 361 487 279 328181,8 49861,88 Brasil* 8512* 157070* 5745* 7640 5200 674918,9* 36575,46* Burkina Faso 270 10000 14,7 54444,4 1470,00 Canadá 9980 29100 3290 3760 2910 329659,3 113058,42 Chile 760 14000 354 465789,5 25285,71 China 9600 1209000 2700 3930 1970 281250,0 2233,25 Colômbia 1140 34300 1200 1052631,6 34985,42 Congo 2340 42600 987 1328 786 421794,9 23169,01 Cuba 110 11000 84,5 768181,8 7681,82 Equador 280 11200 265 946428,6 23660,71 Espanha 510 39600 108 253 27,2 211764,7 2727,27 Estados Unidos 9360 261000 2810 3680 1960 300213,7 10766,28 França 550 57800 168 263 90,3 305454,5 2906,57 Gambia 10 1080 3,2 320000,0 2962,96 Guatemala 110 10300 116 1054545,5 11262,14 Honduras 110 5490 102 927272,7 18579,23 Índia 3270 919000 1456 1794 1065 445259,9 1584,33 Itália 300 57200 185 616666,7 3234,27 Jordânia 100 5200 0,96 9600,0 184,62 Jamaica 10 2430 8,3 830000,0 3415.64 Kasaquistão 2720 17000 70,2 111 39,3 25808,8 4129,41 Líbano 10 3060 2,8 280000,0 915,03 Líbia 1760 5220 5,29 3005,7 1013,41 Madagascar 590 14300 395 669491,5 27622,38 Mali 1240 10500 50 40322,6 4761,90 Mauritânia 1030 2220 0,4 388,3 180,18 México 1970 91900 347 645 229 176142,1 3775,84 Marrocos 447 26500 30 67114,1 1132,08 Nicarágua 130 4270 175 1346153,8 40983,61 Nigéria 920 109000 274 437 148 297826,1 2513,76 Nova Zelândia 270 3500 313 405 246 1159259,3 89428,57 Paquistão 810 137000 85 140 48 104938,3 620,44 Panamá 80 2580 144 1800000,0 55813,95 Peru 1280 23300 1100 859375,0 47210,30 Polônia 310 38300 49,5 159677,4 1292,43 Portugal 90 9830 18,5 157 15,2 205555,6 1881,99 Rússia 17080 148000 4059 4541 3533 237646,4 27425,68 Senegal 200 8100 17,4 87000,0 2148,15 Sudão 2510 27400 22 8764,9 802,92 Suriname 160 420 230 1437500,0 547619,05 Suécia 450 8740 164 364444,4 18764,30 Tailândia 510 58200 199 390196,1 3419,24 Tunísia 160 8730 3.52 22000,0 403,21 Uruguai 180 3170 68 377777,8 21451,10 Uzbequistão 450 20300 9,52 19,7 4,98 21155,6 468,97 1. Fonte: ANEEL, 1999. 52 Como é possível observar no Quadro 3.12, a distribuição espacial dos recursos hídricos no mundo é muito variável, assim como a distribuição demográfica. O dado de volume total de água de cada país não é de grande importância, pois está diretamente relacionado com a sua área geográfica. Entretanto, nota-se que a variabilidade entre os valores máximos e mínimos de recursos hídricos disponíveis é muito alta, podendo contribuir para a geração de problemas sazonais de escassez. Na análise dos dados de disponibilidade hídrica por unidade de área de cada país, são facilmente perceptíveis as grandes diferenças existentes na distribuição geográfica dos recursos hídricos. Tais valores, nos dados apresentados, variaram de 388,3 m³/km².ano na Mauritânia a 1.800.000,0 m³/km².ano no Panamá. O mesmo ocorre com a disponibilidade de recursos hídricos por habitante em cada região. Tanto a má distribuição espacial dos recursos hídricos quanto a da população sobre a Terra acabam gerando os mais diferentes cenários. Há situações em que a escassez hídrica decorre da baixa disponibilidade de água na região em dado momento e, em outros casos, mesmo havendo um alta disponibilidade, a escassez é ocasionada devido a uma excessiva demanda de utilização desses recursos. O conceito de estresse hídrico está baseado nas necessidades mínimas de água per capita para manter uma qualidade de vida adequada em regiões moderadamente desenvolvidas situadas em zonas áridas. A definição baseia-se no pressuposto de que 100 litros diários (36,5 m³/ano) representam o requisito mínimo para suprir as necessidades domésticas e manutenção de um nível adequado de saúde (Beekman, G.B, 1999). Segundo Beekman (1999), a experiência tem demonstrado que países em desenvolvimento e relativamente eficientes no uso da água requerem entre 5 a 20 vezes o valor de 36,5 m³/hab.ano para satisfazer também às necessidades da agricultura, indústria, geração de energia e outros usos. Baseado nessas determinações, foram definidos patamares específicos de estresse hídrico. Quadro 3.13 – Patamares específicos de estresse hídrico (Beekman, 1999). Volume disponível per capita m³/hab.ano Situação > 1.700 - Somente ocasionalmente tenderá a sofrer problemas de falta d’água. 1.000 - 1.700 - O estresse hídrico é periódico e regular. 500 - 1.000 1. A região está sob o regime de crônica escassez de água; - Nesses níveis, a limitação na disponibilidade começa a afetar o desenvolvimento econômico, o bem estar e a saúde. < 500 - Considera-se que a situação corresponde a escassez absoluta. Com base nos valores dos Quadros 3.12 e 3.13, pode-se observar que muitos países já apresentam patamares de disponibilidade hídrica por habitante correspondentes a um quadro de escassez. Os países que encontram-se com os piores índices são Mauritânia, Jordão, Tunísia e Uzbequistão, com volumes abaixo de 500 m³/hab.ano, e, Argélia, Paquistão e Líbano, com disponibilidade hídrica entre 500 e 1.000 m³/hab.ano. 55 grãos são necessárias, aproximadamente, mil toneladas de água (1.000 m³), no mínimo, pois esse valor não considera as perdas devido à ineficiência dos sistemas de irrigação. A irrigação permite a obtenção de até três safras por ano em uma mesma área, o que faz com que essa prática tenha grande importância para a produção mundial de alimentos. As terras irrigadas, que atualmente representam aproximadamente 16% das terras cultivadas no mundo, são responsáveis pela produção de cerca de 40% dos alimentos (Iturri, 1999). Em 1995, o mundo consumia, direta ou indiretamente (produtos pecuários), cerca de 300 kg de grãos por habitante por ano. Com base nesse nível de consumo, para se produzirem grãos suficientes para uma população atual de cerca de 6 bilhões de habitantes, são necessários, aproximadamente, 1.800 km³ de água por ano. Volume considerável diante da estimativa de que hoje são consumidos, considerando-se todos os usos, cerca de 4.000 km³ de água por ano. Com os dados do Quadro 3.15, tem-se que, em 1998, foram captados para o uso agrícola, aproximadamente, 2.503 km³, e, desse valor, 1.952 km³ foram efetivamente consumidos, o que significa que apenas 551 km³ dos 2.503 km³ captados, em média, retornaram aos rios, ou seja, 22%. Devido à necessidade de captação de grandes volumes, 70% do total e baixa taxa de retorno da água captada aos rios, o setor agrícola, principalmente quanto a irrigação, é considerado o maior usuário de água entre todos os setores, consumindo 93,4% do total de água captada e que não retorna aos rios, isto é, é efetivamente consumida. 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500 5000 5500 1900 1925 1950 1975 2000 2025 Ano U so d a ág ua (k m ³/a no ) Uso agrícola Uso industrial abastecimento reservatórios total Figura 3.7 – Evolução do volume de água utilizado por diversos setores ao longo dos anos (Shiklomanov, 1997). Através da Figura 3.7 pode-se notar como o volume de água utilizado pelo Homem vem crescendo ao longo dos anos. No início do século XX, o volume utilizado era de aproximadamente 580 km³/ano e chega, ao final do século, a um valor de cerca de 4000 km³/ano, o que representa um aumento entre seis e sete vezes o valor inicial. Enquanto isso, no mesmo período, a população apresentou um aumento de aproximadamente 2 bilhões de habitantes para cerca de 6 bilhões. Portanto, enquanto a população na Terra aumentou em aproximadamente 3 vezes durante o século XX, o volume de água utilizado aumentou de seis a sete vezes. As crescentes demandas de água estão ocasionando problemas aos recursos hídricos em muitas partes do mundo. Em alguns casos, o uso indiscriminado da água tem chegado até ao 56 secamento total de rios, açudes, lagos e aqüíferos subterrâneos. Lamentavelmente, grande parte da água extraída para as atividades humanas, de qualquer que seja a fonte, é utilizada de maneira muito ineficaz. Na irrigação, por exemplo, cerca de 60% da água captada infiltra pelos canais dos sistemas de distribuição e se perde por evaporação. Não sendo o bastante, a água que infiltra eleva o lençol freático, promovendo o encharcamento e a salinização de aproximadamente 20% das terras irrigadas no mundo, o que reduz consideravelmente o rendimento dos cultivos. Outra conseqüência da gestão deficiente dos recursos hídricos e do solo á a erosão, que ocasiona perdas na produção e degrada os recursos hídricos ao introduzir grandes volumes de sedimentos nos cursos d’água. O desperdício de água não é exclusividade da irrigação. A indústria e os sistemas de abastecimento também apresentam considerável ineficiência (OMM/UNESCO, 1997). Os problemas existentes hoje no Mar de Aral transmitem uma clara mensagem sobre o uso excessivo dos recursos hídricos. Alimentado pelos rios Amu Daria e Syrdania, aproximadamente 50 km³/ano, deveria ser uma das principais massas de águas interiores do mundo. Desde 1960, grande parte da vazão desses rios passou a ser derivada para a irrigação de algodão, arroz e outros cultivos. Desde essa época, a área inundada do Mar de Aral já foi reduzida em aproximadamente 50% e seu nível já desceu cerca de 15 m. O resultado é catastrófico para as pessoas que habitam essa bacia. A indústria pesqueira desapareceu, a concentração de sais é muito elevada, tornando a água tóxica para as pessoas e nocivas para os cultivos, e a irrigação ineficaz tem causado o encharcamento e salinização dos solos. Esses e outros problemas, como a contaminação da água pelos dejetos domésticos e industriais, acabam por caracterizar um panorama de ecossistema totalmente destruído (OMM/UNESCO, 1997). Existem muitos outros exemplos de locais onde a falta de manejo adequado dos recursos hídricos tem causado problemas. No norte da China, o nível das água subterrâneas tem reduzido, em média, cerca de 1,5 m/ano. Os poços dessa região estão secando e obrigando os agricultores irrigantes a aprofundar seus poços de captação, ou então abandonar a agricultura irrigada para voltar a praticar a agricultura de sequeiro. Na Índia, onde a população superou 1 bilhão de habitantes em 1999, o bombeamento da água subterrânea tem sido tão intenso que especialistas estimam que a produção de grãos nesse país deverá ser reduzida em mais de 25%, como resultado do rebaixamento dos níveis de seus aqüíferos. Nas planícies do sudeste dos Estados Unidos, a depleção do aqüífero de Ogallala tem ocasionado reduções à agricultura irrigada. Texas, Oklahoma, Kansas e Colorado têm reduzido suas áreas irrigadas há duas décadas. O Texas, por exemplo, tem reduzido sua área irrigada em aproximadamente 1% ao ano, desde 1980, devido à escassez de água. O Rio Amarelo (“Yellow River”), o berço da civilização chinesa, secou pela primeira vez em 1972. Desde 1985 ele permanece seco durante determinado período do ano. Em 1997 ele permaneceu seco durante 7 meses (Brown & Halweil, 2000). Além dos prejuízos às prática agrícolas, estima-se que mais de 5 milhões de pessoas morrem anualmente de doenças vinculadas com o consumo de água contaminada, serviços sanitários inadequados e falta de higiene (OMM/UNESCO, 1997). Conflitos bélicos devido à escassez de água é uma constante em determinadas regiões do mundo. Atualmente, o conflito mais grave é vivenciado por Israelenses e Palestinos, cujos mananciais disponíveis dependem de acordos entre Jordânia, Síria, Líbano, Egito e Arábia Saudita. O território Palestino, sob controle de Israel desde 1967, corresponde às áreas de recarga dos aqüíferos que fluem nessa região tão escassa em recursos hídricos. 57 Recursos hídricos no Brasil ∗ Com uma área de 8.512.000 km² e cerca de 170 milhões de habitantes, o Brasil é hoje o quinto país do mundo, tanto em extensão territorial como em população. Com dimensões continentais, os contrastes existentes quanto ao clima, distribuição da população, desenvolvimento econômico e social, entre outros fatores, são muito grandes, fazendo com que o país apresente os mais variados cenários. Quadro 3.16 – Informações básicas sobre as bacias hidrográficas brasileiras (SIH/ANEEL, 1999). Área População* Disponibilidad e Hídrica** Nº BACIA HIDROGRÁFICA 10³ km² % hab. % Densidade hab/km² Vazão m³/s km³/an o % Disponibilida de Per Capita m³/hab.ano 1 Amazônica** 3.900 45,8 6.687.893 4,3 1,7 133.380 4206 73,2 628.940 2 Tocantins 757 8,9 3.503.365 2,2 4,6 11.800 372 6,5 106.220 3a Atlântico Norte/Nordeste 1.029 12,1 31.253.068 19,9 30,4 9.050 285 5,0 9.130 4 São Francisco 634 7,4 11.734.966 7,5 18,5 2.850 90 1,6 7.660 5 Atlântico Leste 545 6,4 35.880.413 22,8 65,8 4.350 137 2,4 3.820 6a Paraguai** 368 4,3 1.820.569 1,2 4,9 1.290 41 0,7 22.340 6b Paraná 877 10,3 49.924.540 31,8 56,9 11.000 347 6,0 6.950 7 Uruguai** 178 2,1 3.837.972 2,4 21,6 4.150 131 2,3 34.100 8 Atlântico Sudeste 224 2,6 12.427.377 7,9 55,5 4.300 136 2,-4 10.910 BRASIL 8.512 100 157.070.163 100 18,5 182.17 0 5.745 100 36.580 1. IBGE, 1996 ** Produção hídrica brasileira Como pode-se observar, o Brasil tem uma posição privilegiada perante a maioria dos países quanto ao seu volume de recursos hídricos (Quadro 3.12). Porém, como demonstra o Quadro 3.16, mais de 73% da água doce disponível do País encontra-se na bacia Amazônica, que é habitada por menos de 5% da população. Portanto, apenas 27% dos recursos hídricos brasileiros estão disponíveis para 95% da população. A idéia de abundância serviu durante muito tempo como suporte à cultura do desperdício da água disponível, à não realização dos investimentos necessários para seu uso e proteção mais eficientes, e à sua pequena valorização econômica. Os problemas de escassez hídrica no Brasil decorrem, fundamentalmente, da combinação do crescimento exagerado das demandas localizadas e da degradação da qualidade das águas. Esse quadro é uma conseqüência do a aumento desordenado dos processos de urbanização, industrialização e expansão agrícola, verificada a partir da década de 1950. O crescimento demográfico brasileiro associado às transformações por que passou o perfil da economia do país refletiu-se de maneira notável sobre o uso de seus recursos hídricos na Segunda metade do século. ∗ Adaptado de Lima, 2000. 60 Nacional, mas pela própria mídia, que constantemente tem apresentado programas de televisão ou matérias em jornais e revistas sobre os problemas relacionados ao tema. Só o fato da abertura dos problemas para a reflexão e debate por parte, não só de técnicos, como de toda a sociedade, já é um grande passo que o Brasil está dando para que futuramente tenhamos um modelo sustentável de desenvolvimento no que diz respeito ao aproveitamento deste recurso natural de suma importância, a água. Na atualidade brasileira é evidente o crescimento dos conflitos entre os diversos usuários dos recursos hídricos. Exemplos em grande escala podem ser observados na bacia do rio São Francisco, onde as projeções de demanda de água para a irrigação, para a navegação, para o projeto de transposição, para o abastecimento humano e de animais e para a manutenção dos atuais aproveitamentos hidrelétricos mostram-se preocupantes quanto à disponibilidade de água do rio. No Sudeste, evidenciam-se os conflitos pela da utilização das águas dos rios Paraíba do Sul, Piracicaba e Capivari, para citar apenas alguns casos. No Sul do país, a enorme demanda de água para a irrigação de arrozais e a degradação da qualidade da água, principalmente em regiões de uso agropecuário intenso, são os casos mais visíveis. Quadro 3.17 – Disponibilidade hídrica e utilização dos recursos hídricos por estado brasileiro (Adaptado de Rebouças, A.C. et al., 1999). Estados Potencial hídrico* (km³/ano) População** (habitantes) Densidade (hab/km²) Disponibilidade per Capita (m³/hab.ano) Utilização total*** (m³/hab.ano) Utilização no Estado (km³/ano) Nível de Utilização (%) Rondônia 150.2 1,229,306 5.81 122,183 44 0.054 0.04 Acre 154.0 483,593 3.02 318,450 95 0.046 0.03 Amazonas 1848.3 2,389,279 1.5 773,581 80 0.191 0.01 Roraima 372.3 247,131 1.21 1,506,488 92 0.023 0.01 Pará 1124.7 5,510,849 4.43 204,088 46 0.253 0.02 Amapá 196.0 379,459 2.33 516,525 69 0.026 0.01 Tocantins 122.8 1,048,642 3.66 117,104 Maranhão 84.7 5,222,183 15.89 16,219 61 0.319 0.38 Piauí 24.8 2,673,085 10.92 9,278 101 0.270 1.09 Ceará 15.5 6,809,290 46.42 2,276 259 1.764 11.38 R.G.do Norte 4.3 2,558,660 49.15 1,681 207 0.530 12.32 Paraíba 4.6 3,305,616 59.58 1,392 172 0.569 12.36 Pernambuco 9.4 7,399,071 75.98 1,270 268 1.983 21.10 Alagoas 4.4 2,633,251 97.53 1,671 159 0.419 9.52 Sergipe 2.6 1,624,020 73.97 1,601 161 0.261 10.06 Bahia 35.9 12,541,675 22.6 2,862 173 2.170 6.04 M.Gerais 193.9 16,672,613 28.34 11,630 262 4.368 2.25 E.Santo 18.8 2,802,707 61.25 6,708 223 0.625 3.32 R.Janeiro 29.6 13,406,308 305.35 2,208 224 3.003 10.15 São Paulo 91.9 34,119,110 137.38 2,694 373 12.726 13.85 Paraná 113.4 9,003,804 43.92 12,595 189 1.702 1.50 Sta.Catarina 62.0 4,875,244 51.38 12,717 366 1.784 2.88 R.G.do Sul 190.0 9,634,688 34.31 19,720 1015 9.779 5.15 M.G.do Sul 69.7 1,927,834 5.42 36,155 174 0.335 0.48 M.Grosso 522.3 2,235,832 2.62 233,604 89 0.199 0.04 Goiás 283.9 4,514,967 12.81 62,880 177 0.799 0.28 D.Federal 2.8 1,821,946 303.85 1,537 150 0.273 9.76 BRASIL 5732.8 157,070,163 18.5 36,498 283.13 44.5 0.78 1. DNAEE, 1985; ** Censo do IBGE, 1996; 61 *** Rebouças, 1994. Analisando-se o Quadro 3.17 em relação aos patamares específicos de escassez hídrica apresentados no Quadro 3.13, observa-se que nenhum estado brasileiro está sob o regime de crônica escassez de água. Porém, seis estados encontram-se com sua disponibilidade hídrica entre 1.000 m³/hab.ano e 1.700 m³/hab.ano, o que configura situação de estresse hídrico periódico e regular. Ainda existem quatros estados que se encontram com tendências a sofrer ocasionalmente problemas de falta d’água. Quadro 3.18 – Situação dos estados brasileiros em pior situação quanto à disponibilidade de recursos hídricos por habitante (Lima, 2000). Nº Estado Disponibilidade* per Capita (m³/hab.ano) Situação** 1 Pernambuco 1.270 2 Paraíba 1.392 3 D. Federal 1.537 4 Sergipe 1.601 5 Alagoas 1.671 6 R.G. do Norte 1.681 - O estresse hídrico é periódico e regular 7 Rio de Janeiro 2.208 8 Ceará 2.276 9 São Paulo 2.694 10 Bahia 2.862 - Somente ocasionalmente tenderá a sofrer problemas de falta d’água. 1. Quadro 3.17 – Modificado de Rebouças, 1999. ** Quadro 3.13 – Beekman, 1999. Conforme citado anteriormente, a existência de uma rede hidrométrica bem distribuída e gerenciada, em dada região, para a elaboração de um banco de dados consistente e confiável, é fundamental para subsidiar as tomadas de decisão dos órgãos gestores dos recursos hídricos. Apesar de que, não apenas os dados hidrológicos são importantes, mas também dados ambientais, de obras e empreendimentos hidrelétricos, meteorológicos, climatológicos, censitários, fisiográficos e outros. Atualmente, a maior parte da rede hidrométrica nacional pertence ao Ministério de Minas e Energia e é gerenciada pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, que assumiu essa atribuição, anteriormente desempenhada pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAEE, já extinto. Portanto, além da rede hidrométrica, a ANEEL também é responsável pelo gerenciamento do banco de dados gerado por essa rede. Quadro 3.19 – Distribuição da rede hidrométrica de estações convencionais operada pela ANEEL – 1999 (SIH/ANEEL, 1999). Bacia Área Pluviometria Fluviometria Sedimentometria Qualidade da Água (10³ km²) Quant. (km²/Est) Quant. (km²/Est) Quant. (km²/Est) Quant. (km²/Est) Amazônica 3.900 352 11.080 243 16.049 57 68.421 57 68.421 Tocantins 757 182 4.159 94 8.053 16 47.313 16 47.313 Atlântico Norte/Nordeste 1.029 234 4.397 193 5.332 40 25.725 42 24.500 62 São Francisco 634 237 2.675 169 3.751 32 19.813 32 19.813 Atlântico Leste 545 392 1.390 317 1.719 73 7.466 71 7.676 Paraná/Paraguai 1.245 572 2.177 347 3.588 118 10.551 121 10.289 Uruguai 178 122 1.459 84 2.119 47 3.787 47 3.787 Atlântico Sudeste 224 169 1.325 109 2.055 44 5.091 44 5.091 BRASIL 8.512 2.260 3.766 1.556 5.470 427 19.934 430 19.795 Os dados obtidos da rede hidrométrica nacional, da qual a rede demonstrada acima faz parte, são a base para os estudos dos parâmetros do ciclo hidrológico. Porém, como visto anteriormente, o conhecimento das vazões requeridas pelos diferentes usuários da água de cada região e bacia, também são de fundamental importância para subsidiar as tomadas de decisão do órgão gestor dos recursos hídricos. Sendo o setor de agricultura irrigada o maior usuário dos recursos hídricos e, devido ao seu crescimento acelerado no Brasil, a sua evolução deve ser mais bem monitorada para que novos conflitos pelo uso da água sejam evitados mediante a implantação Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, como previsto na Lei nº 9.433, de 1997. Figura 3.8 – Evolução das áreas irrigadas no Brasil (Christofidis, D., 1999; In: Lima et al., 1999). Estima-se que os solos aptos à irrigação no Brasil totalizem aproximadamente 29,6 milhões de hectares, quando somadas as áreas em terras altas (16,1 milhões de hectares) com as das várzeas (13,5 milhões de hectares), aptas à irrigação (Christofidis, D., 1999). Portanto, atualmente, menos de 10% das áreas aptas estão sendo exploradas, 2,87 milhões de hectares, o que demonstra e configura- se em grande potencial, não só de expansão dessa prática como de geração e ampliação dos conflitos pelo uso da água. 141 320 545 796 1100 1600 2100 64 2756 2870 2700 2800 2600 2656 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 1950 1954 1958 1962 1966 1970 1974 1978 1982 1986 1990 1994 1998 Anos Á re a Irr ig ad a (1 03 h a) 65 Quadro 3.21 – Situação atual das captações de água doce no Brasil por setor (Lima, 2000). Setor Volume captado (km³/ano) % Agrícola* 33,8 72,5 Abastecimento** 8,4 18,0 Industrial** 4,4 9,5 TOTAL 46,6 100,0 1. Christofidis, D., 1999. ** Adaptado de SRH/MMA, 1998. Figura 3.9 – Situação estimada atual das captações de água doce no Brasil por setor (Lima, 2000). As Águas Subterrâneas no Brasil(*) No Brasil, as águas subterrâneas ocupam diferentes tipos de reservatórios, desde as zonas fraturadas do embasamento cristalino até os depósitos sedimentares cenozóicos. Dessa diversificação resultaram sistemas aqüíferos que, pelo seu comportamento, podem ser reunidos em: a) sistemas porosos (rochas sedimentares); b) sistemas fissurados (rochas cristalinas e cristalofilianas); c) sistemas cársticos (rocha carbonáticas com fraturas e outras descontinuidades submetidas a processos de dissolução cárstica). A utilização das águas subterrâneas tem crescido de forma acelerada nas últimas décadas, e as indicações são de que essa tendência deverá continuar. A comprovar esse fato, temos um crescimento contínuo do número de empresas privadas e órgãos públicos com atualização na pesquisa e captação dos recursos hídricos subterrâneos. Também é crescente o número de pessoas interessadas pelas águas subterrâneas, tanto nos aspectos técnico-científico e sócio-econômico como no administrativo e legal. (*) Adaptado de Leal, 1999. Uso Agrícola 72,5 % Abastecimento 18,0 % Uso Industrial 9,5 % 66 As águas subterrâneas, mais do que uma reserva de água, devem ser consideradas um meio de acelerar o desenvolvimento econômico e social de regiões extremamente carentes, e do Brasil como um todo. Essa afirmação é apoiada na sua distribuição generalizada, na maior proteção às ações antrópicas e nos reduzidos recursos financeiros exigidos para sua explotação. Conhecer a disponibilidade dos sistemas aqüíferos e a qualidade de suas águas é primordial ao estabelecimento de política de gestão das águas subterrâneas. A exploração de água subterrânea está condicionada a três fatores: a) quantidade, intimamente ligada à condutividade hidráulica e ao coeficiente de armazenamento dos terrenos; b) qualidade, influenciada pela composição das rochas e condições climáticas e de renovação das águas; c) econômico, que depende da profundidade do aqüífero e das condições de bombeamento. Quadro 3.22 – As reservas de águas subterrâneas do Brasil (Leal, 1999). Domínios Aqüíferos Áreas (km2) Sistemas Aqüíferos Principais Volumes Estocados (km3) Embasamento Aflorante 600.000 Zonas fraturadas 80 Embasamento Alterado 4.000.000 Manto de intemperismo e/ou fraturas 10.000 Bacia sedimentar Amazonas 1.300.000 Depósito clásticos 32.500 Bacia sedimentar do Maranhão (Parnaíba) 700.000 Corda-Grajaú, Motuca, Poti-Piauí, Cabeças e Serra Grande 17.500 Bacia Sedimentar Potiguar-Recife 23.000 Grupo Barreiras, Jandaíra, Açu e Beberibe 230 Bacia sedimentar Alagoas-Sergipe 10.000 Grupo Barreiras Muribeca 100 Bacia Sedimentar Jatobá-Tucano- Recôncavo 56.000 Marizal, São Sebastião, Tacatu 840 Bacia sedimentar Paraná (Brasil) 1.000.000 Bauru-Caiuá, Serra Geral, Botucatu- Pirambóia-Rio do Rastro, Aquidauana 50.400 Depósitos diversos 823.000 Aluviões, dunas (Q) 411 Total 8.512.000 112.000 67 3. ASPECTOS CONCEITUAIS DO GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS(*) A gestão de águas12 é uma atividade analítica e criativa voltada à formulação de princípios e diretrizes, para o preparo de documentos orientadores e normativos, estruturação de sistemas gerenciais e tomada de decisões que têm por objetivo final promover o inventário, uso, controle e proteção dos recursos hídricos. Fazem parte dessa atividade os seguintes elementos: - Política de Águas: trata-se do conjunto consistente de princípios doutrinários que conformam as aspirações sociais e/ou governamentais no que concerne à regulamentação ou modificação nos usos, controle e proteção das águas. - Plano de Uso, Controle ou Proteção das Águas: qualquer estudo prospectivo que busca, na sua essência, adequar o uso, o controle e o grau de proteção dos recursos hídricos às aspirações sociais e/ou governamentais expressas formal ou informalmente em uma Política das Águas, através da coordenação, compatibilização, articulação e/ou projetos de intervenções. Obviamente, a atividade de fazer tais planos é denominada Planejamento do Uso, Controle ou Proteção das Águas. - Gerenciamento de Águas: Conjunto de ações governamentais destinadas a regular o uso, o controle e a proteção das águas, e a avaliar a conformidade da situação corrente com os princípios doutrinários estabelecidos pela Política das Águas. As ações governamentais são refletidas através das leis, decretos, normas e regulamentos vigentes. Como resultado dessas ações fica fixado o que é denominado modelo de gerenciamento de águas, entendido como a configuração administrativa adotada na organização do Estado para gerir as águas. Por exemplo, o modelo que vem sendo amplamente utilizado adota a bacia hidrográfica como unidade administrativa, ao contrário de serem adotadas unidades de caráter político, como o Estado, Município, ou outra divisão político – administrativa. No Brasil, a lei específica para o gerenciamento da águas é a Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que instituiu a Política e o Sistema Nacional de Recursos Hídricos. Existem vários instrumentos legais que detalham e disciplinam as atividades do setor. Eles são provenientes de um modelo de gerenciamento das águas orientado por tipos de uso, o que estabelece freqüentemente conflitos, superposições e a desarticulação da legislação, exigindo, portanto, aperfeiçoamentos. As definições anteriores de gestão e gerenciamento das águas propõem entre elas uma diferenciação, embora, freqüentemente, essas palavras sejam tomadas como sinônimos. Neste texto a gestão é considerada de forma ampla, abrigando todas as atividades, incluindo o gerenciamento, que é considerado uma atividade de governo. - Sistema de gerenciamento das águas: conjunto de organismos, agências e instalações governamentais e privadas, estabelecidos com o objetivo de executar a Política das Águas através do modelo de gerenciamento das águas adotado e que tem por instrumento o planejamento do uso, controle e proteção das águas. (*) Adaptado de Lanna, 1995. 12 Recursos hídricos são a água destinada a usos; quando se tratar das águas em geral, incluindo aquelas que não devem ser usadas por questões ambientais o termo correto é simplesmente “águas” (POMPEU, 1995). Neste texto sempre que as questões ambientais referentes à proteção das águas forem também consideradas, será usado o termo “águas”, em lugar de “recursos hídricos”. Quando se tratar apenas do uso desse elemento, a referência será aos recursos hídricos. 70 e, menos freqüentemente, com suprimento irrigado. À medida que a civilização se desenvolveu, outros tipos de necessidades foram surgindo, disputando águas muitas vezes escassas e estabelecendo conflitos entre usuários. Elas acham-se inseridas em três classes: - Infra-estrutura social: refere-se às demandas gerais da sociedade nas quais a água é um bem de consumo final; - Agricultura e aquicultura: refere-se às demandas de água como bem de consumo intermediário visando a criação de condições ambientais adequadas para o desenvolvimento de espécies animais ou vegetais de interesse para a sociedade; - Industrial: demandas para atividades de processamento industrial e energético nas quais a água entra como bem de consumo intermediário. Quanto à natureza da utilização existem três possibilidades: - Consuntivo: refere-se aos usos que retiram a água de sua fonte natural diminuindo suas disponibilidades quantitativas, espacial e temporalmente; - Não-consuntivo: refere-se aos usos que retomam à fonte de suprimento, praticamente a totalidade da água utilizada, podendo haver alguma modificação no seu padrão temporal de disponibilidade quantitativa; - Local: refere-se aos usos que aproveitam a disponibilidade de água em sua fonte sem qualquer modificação relevante, temporal ou espacial, de disponibilidade quantitativa. Os conflitos de uso das águas podem ser classificados como: - Conflitos de destinação de uso: essa situação ocorre quando a água é utilizada para destinações outras que não aquelas estabelecidas por decisões políticas, fundamentadas ou não em anseios sociais, que as reservariam para o atendimento de necessidades sociais, ambientais e econômicas; por exemplo, a retirada de água de reserva ecológica para a irrigação; - Conflitos de disponibilidade qualitativa: situação típica de uso em corpos de água poluídos. Existe um aspecto vicioso nesses conflitos, pois o consumo excessivo reduz a vazão de estiagem deteriorando a qualidade das águas já comprometidas pelo lançamento de poluentes. Tal deterioração, por sua vez, torna a água ainda mais inadequada para consumo; - Conflitos de disponibilidade quantitativa: situação decorrente do esgotamento da disponibilidade quantitativa devido ao uso intensivo. Exemplo: uso intensivo de água para irrigação impedindo outro usuário de captá-la, ocasionando, em alguns casos, esgotamento das reservas hídricas. Esse conflito pode ocorrer também entre dois usos não-consuntivos: operação de hidrelétrica com estabelecimento de flutuações nos níveis de água que acarretam prejuízos à navegação. Em conjunto com esses conflitos ocorrem incrementos das demandas hídricas devido ao aumento populacional, agravando o problema de abastecimento, particularmente nas regiões semi- 71 áridas. Outra dificuldade é o controle de inundações, que se tornou imperativo nas regiões que sofreram o efeito simultâneo da urbanização não planejada, que impermeabilizou o solo e invadiu o leito maior dos rios, e do manejo do solo não adequado, que assoreou os cursos de água. Conclui-se que o uso múltiplo das águas pode ser uma opção inicial, mas é também uma conseqüência natural do desenvolvimento econômico. A integração harmônica desses usos é a opção existente para a solução de conflitos entre usuários. Vantagens do uso múltiplo integrado Ao implantar ou expandir um sistema de recursos hídricos com atendimento integrado a múltiplos usos, a capacidade final do sistema pode não ser necessariamente igual à soma das capacidades individuais daqueles sistemas que teriam capacidade de atender a um único uso cada um. Isso decorre da própria natureza das demandas hídricas. Com freqüência, o padrão diário ou sazonal da demanda de um tipo de uso pode ser tal que o sistema de suprimento trabalhe com folga em determinados períodos. Durante tais períodos pode ser previsto, sem qualquer expansão, o atendimento a outro uso. Exemplo: suponha que um sistema deva abastecer de água um distrito de agricultura irrigada. Apenas durante certos períodos do ano ocorrem déficits agrícolas que necessitam ser atenuados pela irrigação. O sistema estaria sem uso no restante do tempo. Seria possível, nesse caso, prever uso alternativo em tais períodos de ociosidade. Deve ser notado, porém, que o sistema de abastecimento agrícola durante o período sem uso pode estar na fase de formação de reservas hídricas essenciais para garantir o abastecimento futuro. Não há nessa situação perspectiva de se dar um uso alternativo à água em acumulação. Outro tipo de possibilidade ocorre quando a captação e retorno de água destinada a um uso não consuntivo se faz de forma a permitir o seu uso alternativo. Nesse caso não existirão conflitos e o sistema poderá atender a ambos usos sem aumento de capacidade. Porém, à medida que os padrões temporais das demandas hídricas alternativas não sejam coincidentes entre si nem com o padrão temporal das disponibilidades, pode haver conflitos. Exemplo: suponha que um sistema seja composto por um reservatório que estabeleça a adequação do padrão temporal da disponibilidade com o padrão temporal da demanda hídrica para a geração de energia elétrica, um uso não-consuntivo. Caso se pretenda incluir o atendimento ao abastecimento agrícola, o padrão temporal da demanda agrícola dever ser sintonizado com o da demanda de energia elétrica. Em outras palavras, a demanda de energia em qualquer instante deve exigir um turbinamento de água cujo volume seja pelo menos igual à demanda agrícola. Na situação em que isso não ocorra, o atendimento ao abastecimento agrícola poder ser feito apenas de forma parcial. A promoção do uso conjunto sem expansão de sistemas de recursos hídricos pode ser referida como compartilhamento do sistema. No exemplo apresentado, o compartilhamento foi realizado sobre a própria descarga hídrica. Em outros casos poder haver o compartilhamento das estruturas. Por exemplo, um reservatório deve Ter um vertedouro para escoar grandes cheias. A dimensão do vertedouro depende da hidrologia da bacia de drenagem e não da capacidade do reservatório em atender a uma dada demanda hídrica. Assim, seja para promover o atendimento a uma demanda singular ou a várias demandas, o vertedouro terá a mesma dimensão e possivelmente o mesmo custo. 72 Ao serem agregadas ao sistema diversas demandas, o custo deste vertedouro poder ser rateado entre elas. A Segunda vantagem do uso múltiplo e integrado está nas economias de escala captadas na implantação do sistema. Elas ocorrem quando os custos de investimento, operação e manutenção por unidade da dimensão do projeto diminuem com a dimensão total. Isso faz com que a construção de um projeto que atenda a vários usos seja mais vantajosa do que se construir vários projetos isolados que atendam a usos singulares. Essa vantagem é obtida por causa de outro tipo de compartilhamento, decorrente da obtenção de uma produtividade maior do trabalho, por meio da especialização, da maior diluição dos custos fixos que independem do número de usuários e de um maior poder de barganha com a aquisição de grandes quantidades de insumos. Como esse efeito decorre da escala maior do empreendimento, ele é denominado economia de escala. 4.2.2 Desvantagens do uso múltiplo integrado As desvantagens do uso múltiplo e integrado dos recursos hídricos são de caráter gerencial. 0 compartilhamento dos recursos hídricos por diversos usuários dever exigir o estabelecimento de regras operacionais, freqüentemente complexas, para que a apropriação da água seja realizada de forma harmônica. Além disso, haverá necessidade de centralização das decisões, com a possibilidade de serem estabelecidas entidades multissetoriais de porte considerável e difícil administração ou de previsão da articulação das políticas de entidades setoriais, através, por exemplo, de colegiados administrativos. Em uma administração pública grandemente centralizada e organizada por setores econômicos, a constituição de tais tipos de arranjos apresenta grandes dificuldades políticas e institucionais. Não obstante esse aspecto, é importante frisar que o uso dos recursos hídricos não é uma opção que faz o planejador, mas realidade que ele enfrenta com o desenvolvimento econômico. As alternativas existentes são integrar tais usos de forma harmônica, em que pese a complexidade da administração, ou deixá-los de forma desarticulada, enfrentando, como conseqüência, conflitos entre os usuários que comprometerão a eficiência do uso. 1.3 Interdisciplinaridade da gestão de águas Como mostrado ao longo deste trabalho, o uso da água para diferentes finalidades acarreta, exceto no caso dos usos de preservação, alterações em sua qualidade. Constata-se também, que os vários tipos de práticas do meio social (obras, desmatamento, urbanização e outros tipos) podem influir no ciclo hidrológico. Os problemas ambientais são por natureza complexos. Essa complexidade se evidencia pelos diferentes aspectos observados quando se analisa um problema ambiental qualquer. Via de regra é raro encontrar um problema ambiental cujas causas não se situem no meio social. Entretanto, no momento em que se busca por exemplo, reparar um problema como desmatamento, poluição do ar, de um rio ou de uma bacia hidrográfica, ou ainda, praticar ações preventivas para que eles não ocorram, necessita-se saber, além das causas relacionadas diretamente com os efeitos observados, aquelas não explicitadas. A relação de causa e efeito, comumente utilizada para explicação de fenômenos físicos, químicos, geológicos e outros, não tem sido eficaz para a compreensão da questão ambiental. Em sua 75 interdisciplinares para a execução da gestão de águas. Como conseqüência, surge o problema de inter-relacionamento de profissionais com conhecimentos distintos. Para possibilitar isso, há necessidade de que cada profissional atuante em uma equipe de gestão de águas tenha conhecimentos básicos em diversas outras disciplinas que não aquela que domine. Por exemplo, um especialista na área dos recursos hídricos deve ter boa base em diversas disciplinas técnicas e conhecimentos gerais de várias disciplinas classificadas como não-técnicas ou semi-técnicas. Quadro 4.2 – Disciplinas do planejamento dos recursos hídricos. TÉCNICAS SEMI-TÉCNICAS NÃO TÉCNICAS Planejamento territorial Economia DOMÍNIO PRINCIPAL DOMÍNIO CONEXO Meteorologia Administração Hidráulica Computação Oceanografia Direito Hidrologia Modelagem matemática Engenharia de Minas Ciências políticas Saneamento ambiental Análise numérica Geografia Sociologia Saneamento básico Instrumentação Biologia Psicologia Estruturas hidráulicas Geoprocessamento Botânica Comunicação Erosão e sedimentação Sensoreamento remoto Zoologia Estatística Piscicultura Análise sistêmica Turismo, recreação e lazer Saúde pública Antropologia Geologia Agronomia Química Ecologia 4.4 Princípios Orientadores da Gestão de águas Os princípios orientadores da gestão racional do uso, controle e proteção das águas foram sintetizados por Veiga da Cunha et al. (1980): - "A avaliação dos benefícios coletivos resultantes da utilização da água deve ter em conta as várias componentes da qualidade de vida: nível de vida, condições de vida e qualidade do ambiente." Esse princípio é auto-explicativo. Os benefícios devem ser considerados da forma mais ampla e abrangente, em termos de suas contribuições à qualidade de vida. Isso leva em conta o nível e condições de vida, ou seja, dentro de determinada condição que pode ser ditada pelo ambiente, tradições e cultura, qual nível de vida, representado pela possibilidade material de acesso à satisfação, pode ser atingido e que padrão mínimo deve ser alcançado compulsoriamente. A inserção da qualidade ambiental reflete a íntima relação entre a qualidade do ambiente e a satisfação, no presente e a longo prazo. 76 - “A unidade básica de gestão dos recursos hídricos deve ser a bacia hidrográfica”. A bacia hidrográfica, através da rede de drenagem fluvial, integra grande parte das relações causa-efeito que devem ser tratadas na gestão. Embora existam outras unidades político- administrativas a serem consideradas, como os municípios, estados, regiões e países, essas unidades não apresentam necessariamente o caráter integrador da bacia hidrográfica, o que poderia tomar a gestão parcial e ineficiente caso fossem adotadas. - "A capacidade de autodepuração dos cursos de água deve ser considerada como um recurso natural cuja utilização é legitima, devendo os benefícios resultantes dessa utilização reverter para a coletividade; a utilização dos cursos de água como meio receptor de efluentes rejeitados não deve, contudo, provocar a ruptura dos ciclos ecológicos que garantem os processos de autodepuração." O transporte, diluição e depuração de efluentes são considerados usos dos recursos hídricos. Os corpos de água têm uma capacidade de assimilação de resíduos que deve ser obedecida sob pena de haver poluição e degradação das águas. Essa capacidade de assimilação deve ser adequadamente rateada entre a sociedade, evitando o seu comprometimento unilateral. Por exemplo, uma indústria, ao lançar seus efluentes em um rio poderá utilizar toda sua capacidade de assimilação, impedindo que outros usuários o façam, sem que ocorra a poluição. Tal capacidade deve ser rateada entre os potenciais usuários promovendo o máximo de satisfação para a sociedade. - ”A gestão de águas deve abranger tanto as águas interiores superficiais e subterrâneas como as águas marítimas costeiras." Esse princípio introduz na gestão de águas a unidade do ciclo hidrológico, que acarreta a inviabilidade de gerir separadamente o que é naturalmente unificado. A qualidade das águas interiores afetará a qualidade das águas costeiras. A gestão quantitativa e qualitativa das águas superficiais afetará a quantidade e a qualidade das águas subterrâneas e vice-versa. - “A gestão dos recursos hídricos deve considerar a estreita ligação existente entre os problemas de quantidade e qualidade das águas." Esse princípio amplia o anterior ao evidenciar que os aspectos qualitativos da água são indissociáveis dos aspectos quantitativos. A qualidade da água é estabelecida pela concentração de substâncias que nela são diluídas. O aumento de concentração e o conseqüente comprometimento da qualidade podem acontecer tanto pelo aumento da emissão dessas substâncias quanto pela diminuição do volume de água que as dilui. Ao serem estabelecidas obras que afetem o regime quantitativo dos corpos de água a sua qualidade será também afetada, e tais questões devem ser tratadas de forma conjunta. - "A gestão dos recursos hídricos deve processar-se no quadro do ordenamento do território, visando a compatibilização, nos âmbito regional, nacional e internacional, do desenvolvimento econômico e social com os valores do ambiente”. O ordenamento territorial estabelece a compatibilização entre a disponibilidade e a demanda de uso dos recursos ambientais, evitando conflitos e promovendo a articulação das ações. O uso de um 77 recurso ambiental raramente ocorre de forma isolada. Para ficar apenas em um exemplo, a gestão dos recursos hídricos tem repercussões no uso do solo, e vice-versa. Dessa forma, as águas não podem ser geridas de forma isolada, sua gestão deve ser articulada no quadro da gestão de todos os recursos ambientais, que deve ser realizada pelo ordenamento territorial. - "A crescente utilização dos recursos hídricos bem como a unidade destes em cada bacia hidrográfica acentuam a incompatibilidade da gestão de águas com sua propriedade privada." Alguns recursos ambientais, como o solo, podem ser geridos com razoável eficiência através da admissão da propriedade privada. Isso decorre de que a maioria das conseqüências de uma boa ou má gestão. Por exemplo, o grau de fertilidade e de erosão decorrentes do manejo agrícola é especialmente limitado, atingindo, via de regra, a própria área onde se verifica, ou seja, a propriedade agrícola. As perdas de fertilidade e de solo têm ocorrido, em certas regiões de forma preocupante, mas os proprietários tendem a reagir adequadamente às campanhas de conservação, pois os prejuízos decorrentes de não fazê-1o serão sofridos na sua maior parte por eles mesmos. Isso significa que os efeitos colaterais ou externalidades negativas são pequenos. No caso dos recursos hídricos isso geralmente não ocorre pelo fato de ser um recurso fluido e móvel. A poluição de um rio é um exemplo que mostra que nem sempre o seu causador é o que sofre suas conseqüências. Existem certas correntes que argumentam que se a água fosse propriedade privada o problema de poluição não ocorreria. O proprietário, ao constatar a poluição, poderia exigir de seus causadores ressarcimento dos prejuízos. No entanto, existem enormes dificuldades para que essa tarefa seja devidamente realizada. Inicialmente, a constatação da poluição, que somente pode ser realizada visualmente quando atinge níveis elevados. Depois, a sua quantificação, para o que são necessários a amostragem freqüente e exames laboratoriais caros e inacessíveis a grande parte da população. Em seguida, o problema da identificação dos poluidores, tarefa que exige uma fiscalização permanente, incompatível de ser assumida por uma parte privada. Finalmente, a questão de responsabilização legal, que gera contenciosos que se arrastam por vários anos, com custos inacessíveis para grande parte da sociedade. Ocorrem, nesse caso, dificuldades insuperáveis de negociação e de responsabilização legal entre as partes envolvidas, devido às dificuldades de identificação do problema e de seus causadores, ao longo do tempo, e aos altos custos necessários para o acerto entre as partes. Diante disso, há uma tendência mundial de estabelecer a água como bem de propriedade do Estado (União e suas divisões). Isso no Brasil é objeto de dispositivo constitucional. - “Todas as utilizações dos recursos hídricos, com exceção das correspondentes a captações diretas de água de caráter individual, para a satisfação de necessidades básicas, devem estar sujeitas a autorização do Estado” Esse princípio visa assegurar na prática o exercício de propriedade ou domínio da água pelo Estado e estabelecer um instrumento importante de gestão, pela possibilidade de compatibilizar o uso com a disponibilidade dos recursos hídricos. - “Para pôr em prática uma política de gestão de águas é essencial assegurar a participação das populações por meio de mecanismos devidamente institucionalizados”. A participação direta da sociedade nas decisões visa o estabelecimento de uma descentralização de decisões, da consideração de diversos pontos de vista na gestão e de um comprometimento consciente da população com as medidas que sejam implementadas. Esse processo 80 modelo à lentidão da justiça e à inoperância, ou mesmo venalidade, do poder público, conjugados com atitudes ambientalmente criminosas dos agentes econômicos. O gerenciamento de águas toma-se uma questão de polícia, desconhecendo-se que esses sintomas têm como causa fundamental a carência de um sistema efetivo, eficaz e eficiente para sua promoção. Apesar de ter fracassado na produção de um gerenciamento eficiente das águas no Brasil, esse modelo encontrou condições propícias para ser reformulado com o preparo das novas constituições federal e estaduais, a partir de 1988. A ótica do que poderia ser denominado modelo neo-burocrático é que agora seria possível o preparo de leis adequadas, pela produção de uma legislação totalmente nova e, desta vez, articulada e eficiente, em conjunto com seus licenciamentos, outorgas, controles e punições. No entanto, deve ser compreendido que, por um lado, a legislação anterior não foi resultado da incompetência dos administradores, juristas e legisladores, mas da limitação do processo que tal opção acarreta. Sendo assim, ao ser novamente adotado tal modelo, a tendência é de se cometerem outra vez os mesmos erros. Por outro lado, a dificuldade em se aplicá-lo não resulta unicamente da incompetência ou venalidade da administração pública, ou da lentidão da justiça, mas das limitações do próprio modelo. Há necessidade, portanto, de um modelo de gerenciamento das águas operacionalizado e instrumentalizado por uma legislação efetiva, que encontre no processo civil ou criminal uma alternativa extrema de negociação, mas nunca sua única opção para promoção do desenvolvimento sustentável. b) Modelo Econômico – Financeiro Esse modelo pode ser considerado um desdobramento da política econômica preconizada por John Maynard Keynes, que destacava a relevância do papel do Estado como empreendedor, utilizada na década de 30 para superar a grande depressão capitalista e que teve como uma das conseqüências a criação, nos EUA, da Tennessee Valley Authority, em 1933, como a primeira Superintendência de Bacia Hidrográfica. É também fruto da análise custo-benefício, cujas bases de aplicação aos recursos hídricos foram estabelecidas pelo Flood Control Act, novamente nos EUA, em 1936. No Brasil, tem como marco de sua aplicação a criação, em 1948, da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco – CODEVASF. Ele é caracterizado pelo emprego de instrumentos econômicos e financeiros, ministrados pelo poder público, para promoção do desenvolvimento econômico nacional ou regional e indução à obediência das disposições legais vigentes. Podem apresentar duas orientações: em uma delas ele é alicerçado em prioridades setoriais do governo. Tem como força motora programas de investimentos em setores usuários dos recursos hídricos, como saneamento, irrigação, eletrificação e outros usos, e como entidades privilegiadas, autarquias e empresas públicas. Na outra orientação, mais moderna, ele busca o desenvolvimento integral e, portanto, multissetorial da bacia hidrográfica. Essa segunda orientação é mais rara, devido ao fato de a organização institucional do Estado ser orientada por setores econômicos, dificultando e até inviabilizando o preparo de planos multissetoriais. As superintendências de bacia hidrográfica ficariam vinculadas, via de regra, ao ministério ou à secretaria estadual setorial cujas atribuições são limitadas ao setor específico. Dentro da visão da administração de organizações, esse modelo guarda similaridades com o modelo sistêmico. Os instrumentos econômicos e financeiros são aplicados tendo em vista uma concepção de sistema: setorial, como o de saneamento, e o de energia ou integral, como o sistema da bacia hidrográfica. São reconhecidas as necessidades e limitações impostas pelo meio, e estabelecidos planos estratégicos para consecução da missão da organização. É entendido que não existe um único método para isso, e busca-se o mais efetivo. 81 A principal falha desse modelo é que adota concepção relativamente abstrata para servir de suporte para a solução de problemas contingenciais: o ambiente mutável e dinâmico exige grande flexibilidade do sistema de gerenciamento para adaptações freqüentes e diversas. No caso do gerenciamento de águas ele esbarra na necessidade de criar um enorme sistema que compatibilize as intenções espaciais e temporais de uso e proteção das águas, ficando ainda mais evidenciada a necessidade de flexibilidade. Essa dificuldade leva à definição de sistemas parciais, relativamente fechados, como demonstra a experiência brasileira. Nessa orientação, a injeção de recursos financeiros acarreta o desenvolvimento dos setores selecionados pelos programas governamentais. Isso pode causar um desbalanceamento entre os diversos usos dos recursos hídricos e desses usos com os objetivos de proteção das águas. Pode ocorrer uma apropriação excessiva por certos setores, o que restringe a utilização social ou mesmo economicamente ótima da água. Possibilita a intensificação do uso setorial não integrado em certas bacias de importância econômica, acarretando quase sempre os mesmos conflitos do modelo burocrático, neste caso, com caráter intersetorial e, até mesmo, intrassetorial. Finalmente, tende a subdimensionar a questão ambiental, ou a superdimensioná-la, no processo do planejamento integrado da bacia, dando origem a processos traumáticos de contestação por parte de grupos desenvolvimentistas ou ambientalistas. Não obstante essas críticas, tal modelo, mesmo com a orientação setorial adotada, representa um avanço em relação ao anterior, já que, pelo menos setorial e circunstancialmente, possibilita a realização do planejamento estratégico da bacia e canaliza recursos financeiros para implantação dos respectivos planos diretores. Isso permite a ocorrência de um certo grau desenvolvimento no uso, no controle ou na proteção das águas. Pode falhar, porém, na promoção do gerenciamento integral, pois não assegura o tratamento global de todos os problemas e oportunidades de desenvolvimento e proteção, porque depende das diretrizes estabelecidas pelo poder público, que eventualmente é distante e insensível aos problemas locais e, do ponto de vista organizacional é restrito ao tratamento setorial. Tende a criar entidades públicas com grandes poderes, que estabelecem conflitos com outras pré-existentes, resultando em impasses políticos de difícil solução. E tem uma grave conseqüência, que aparece quando os programas são encerrados: muitas vezes são perdidos grandes investimentos realizados para propiciar um uso setorial dos recursos hídricos que não será mais privilegiado no futuro, ou a bacia se toma extremamente vulnerável a atividades com potencial de degradação ambiental. As críticas a esse modelo podem ser contestadas pela argumentação de que algumas bacias brasileiras apresentam tal grau de carência quantitativa ou de deterioração qualitativa, real ou potencial, que somente programas de desenvolvimento ou proteção, envolvendo grandes investimentos, poderão solucioná-los. O estabelecimento de programas de investimentos não é aqui condenado, nem poderia sê-lo. O que se alega é que o gerenciamento das águas não pode ser efetivado exclusivamente por programas setoriais, através da mediação do poder executivo. Há necessidade de estabelecimento de um modelo de gerenciamento que possibilite o desenvolvimento econômico integral ou seja, multissetorial da bacia, socialmente eficiente e ambientalmente sustentável. Isso implica no fomento, articulação e coordenação dos programas que sejam necessários para atender demandas e oportunidades de curto e longo prazo, e não apenas a implementação de programas setoriais não integrados e de caráter transitório. Um modelo que aumente a eficácia da geração e emprego de instrumentos legais, ao contrário de produzir uma legislação caótica. Enfim, há necessidade de um modelo de gerenciamento das águas com a capacidade de abordar como um todo os problemas e oportunidades de desenvolvimento (crescimento econômico, eqüidade social e sustentabilidade ambiental), gerando e aplicando com eficiência os instrumentos legais e econômicos necessários, integrando e articulando as instituições públicas, privadas e comunitárias interessadas, dentro de uma concepção sistêmica e, por isso, multi e intersetorial do gerenciamento. 82 Esse modelo pode ser obtido com a segunda orientação do modelo econômico – financeiro, que visa o desenvolvimento integral da bacia hidrográfica. O problema dessa opção, já comentado previamente, é a necessidade de criação de entidades multissetoriais de grande porte que concorrem pelo espaço político e administrativo com as demais entidades públicas setoriais atuantes na bacia. Isso dificulta a necessária articulação institucional, com usuários e com a comunidade. c) Modelo Sistêmico de Integração Participativa Trata-se do modelo mais moderno de gerenciamento das águas, objetivo estratégico de qualquer reformulação institucional e legal bem conduzida. Ele se caracteriza pela criação de uma estrutura sistêmica, na forma de matriz institucional de gerenciamento, responsável pela execução de funções gerenciais específicas, e pela adoção de três instrumentos: - INSTRUMENTO 1. Planejamento estratégico por bacia hidrográfica: Baseado no estudo de cenários alternativos futuros, estabelecendo metas alternativas específicas de desenvolvimento sustentável (crescimento econômico, eqüidade social e sustentabilidade ambiental) no âmbito de uma bacia hidrográfica. Vinculados a essas metas são definidos prazos para concretização, meios financeiros e os instrumentos legais requeridos. - INSTRUMENTO 2. Tomada de decisão através de liberações multilaterais e descentralizadas: Implementação da negociação social, baseada na constituição de um Comitê de Bacia Hidrográfica do qual participem representantes de instituições públicas, privadas, usuários, comunidades e de classes políticas e empresariais atuantes na bacia. Esse comitê tem para si assegurada a análise e aprovação dos planos e programas de investimentos vinculados ao desenvolvimento da bacia, permitindo o cotejo dos benefícios e custos correspondentes às diferentes alternativas. - INSTRUMENTO 3. Estabelecimento de instrumentos legais e financeiros: Tendo por base o planejamento estratégico e as decisões, são estabelecidos os instrumentos legais pertinentes e as formas de captação de recursos financeiros necessários para implementação de planos e programas de investimentos. No que diz respeito ao planejamento estratégico por bacia hidrográfica, deve ser entendido que os interesses de uso, controle e proteção das águas provêm de diversos setores. Há necessidade de serem conhecidos os diversos planos setoriais de longo prazo, quantificando e hierarquizando as intenções de uso, controle e proteção de forma que seja possível a elaboração de um plano multissetorial de longo prazo, que buscará articular os interesses entre si e com as disponibilidades dos recursos hídricos. Como no planejamento de longo prazo não há possibilidade de obtenção de previsões confiáveis, devem ser formulados cenários alternativos de uso, controle e proteção das águas que servirão de base para os planos setoriais. Em uma sociedade, demandas e valores mudam, e assim não será encontrada em qualquer momento uma solução final para os problemas. O planejamento deve ser um processo contínuo de julgamentos e decisões para atender a novas situações em futuro incerto. Sendo assim, muitas decisões que comprometeriam o atendimento de determinados setores na ocorrência de dado cenário deverão ser evitadas e o gerenciamento de águas deverá privilegiar aquelas decisões que preservem opções futuras de uso, controle e proteção. De acordo com Tonet & Lopes (1994), "o comportamento passivo, de aguardar a manifestação da demanda para então procurar atendê-la, deixa a organização vulnerável, compromete a eficiência e muitas vezes inviabiliza soluções rápidas e práticas, exigindo maior montante de recursos para corrigir desvios que poderiam ser evitados. No ambiente mutável é preciso antecipar-se às demandas; quando 85 - Rateio de custo das obras de interesse comum entre os seus beneficiários. Trata-se de desdobramento do instrumento anterior, que conjuga o caráter financeiro com a promoção da justiça fiscal, e impõe o custeio de uma obra aos seus beneficiários diretos. É necessário entender que o gerenciamento das águas comporta investimentos de grande monta. Eles se dirigem para medidas estruturais, tais como reservatórios, sistemas de abastecimento e de esgotos, de irrigação, criação e fiscalização de reservas, e outras obras ou serviços. E também para medidas não estruturais voltadas para a consecução do gerenciamento propriamente dito, na forma de operação de entidades devidamente equipadas de pessoal e material, promoção de programas de extensão rural e educação comunitária, entre outras. Não se pode pretender que toda a sociedade pague por isso através de impostos, mas que parcela substancial dos recursos financeiros seja gerada na própria bacia, onde se encontram os benefícios diretos dos investimentos. Duas das formas de geração de recursos financeiros são: a cobrança pelo uso dos recursos hídricos e, mais diretamente, o rateio das obras de interesse comum entre seus beneficiários. A execução destes instrumentos de participação financeira nos investimentos pode ser facilitada à medida que seu estabelecimento e aplicação sejam realizados com ampla participação dos envolvidos. Essa é mais uma das justificativas para a criação dos comitês de bacias e ocorre na linha do princípio “nenhuma taxação sem representação”, que orientou a criação dos parlamentos nas democracias modernas. A questão da cobrança pelo uso dos recursos hídricos causa reações de pessoas ou grupos que entendem ser mais uma forma de aumento de imposto, e por isso a desaprovam enfaticamente. A idéia subjacente é que a bacia deve gerar os recursos financeiros para seus próprios investimentos, assim como o faz um condomínio de edifício. A alternativa para a cobrança é o financiamento dos investimentos justamente pelos impostos que seriam cobrados de toda a sociedade e não daquele segmento diretamente beneficiado, que se insere na bacia. Isso poderia, inclusive, reforçar as discussões sobre a necessidade de diminuição de impostos, pois seria estabelecido um instrumento de arrecadação alternativo, que tem a vantagem de poder ser controlado pelos próprios pagadores, por meio da atuação do comitê de bacia. Nas bacias sem capacidade de pagamento haveria ainda a necessidade de se buscar suas fontes de financiamento nos impostos pagos por toda sociedade. Em tal caso, haveria a legitimação desse instrumento por estar coadunado com objetivos de eqüidade social, como os de diminuição de diferenças regionais, estabelecimento de pólos alternativos de desenvolvimento, ampliação da fronteira agrícola, melhoria da distribuição de renda e outros benefícios. Em resumo, os instrumentos comentados facultam o comprometimento consciente da sociedade e dos usuários dos recursos hídricos com os planos, programas e instrumentos legais requeridos para o desenvolvimento da bacia hidrográfica. É criada uma vontade política regional que, junto com a geração de recursos financeiros, torna-se o vetor mais relevante do sucesso da administração pública na promoção do uso e proteção das águas. Sob a ótica da administração de organizações, esse modelo poderia ser classificado como sistêmico contingencial. Segundo tal modelo, sendo a organização um sistema aberto, o que nela ocorre depende ou resulta do que ocorre no ambiente. É, portanto, enfatizado o ambiente em que se insere a organização, e como suas necessidades mutáveis e diversificadas agem sobre a dinâmica da organização, e a rede resultante de relações formadas em decorrência das demandas surgidas e das respostas emitidas. Nada é fixo, tudo é relativo e, por isso, leva à valorização do papel da negociação social pelo gerenciamento das águas, e prevê a criação de instâncias específicas para realizá-lo. 86 5. ASPECTOS ORGANIZACIONAIS DO GERENCIAMENTO DOS RECURSOS HÍDRICOS 5.1 Matriz do gerenciamento ambiental (∗) O gerenciamento de um recurso ambiental multifuncional e escasso deve ser realizado por um sistema representado por estrutura matricial na qual uma das dimensões trata do gerenciamento de seus múltiplos usos e a outra do gerenciamento de sua oferta. A Figura 5.1 ilustra essa estrutura. Figura 5.1 – Dimensões do Gerenciamento Ambiental GERENCIAMENTO DO USO DOS RECURSOS AMBIENTAIS DIMENSÕES DO GERENCIAMENTO AMBIENTAL AB AS TE CI ME NT O PÚ BL IC O AS SI MI LA ÇÃ O DE RE SÍ DU OS AG RI CU LT UR A EN ER GI A TR AN SP OR TE LA ZE R OU TR OS U SO S SOLO AR ÁGUA FAUNA FLORA GE RE NC IA ME NT O DA OF ER TA D OS R EC UR SO S AM BI EN TA IS OUTROS RECURSOS O gerenciamento da oferta de um recurso ambiental para os diferentes setores sócio- econômicos visa antecipar e dirimir conflitos intra-setoriais (entre demandas do mesmo setor), conflitos intersetoriais (entre demandas de diferentes setores) e conflitos entre o uso pela geração presente e pelas gerações futuras. O gerenciamento da oferta dos recursos ambientais não pode ser realizado de forma isolada, posto que o uso de um recurso pode comprometer quantitativa ou qualitativamente a oferta de outro e/ou alterar a demanda sobre ele. É o caso típico da vinculação entre os recursos solo e água: o uso do solo pode aumentar a demanda por água e, em paralelo, diminuir sua disponibilidade. Dessa necessidade surge o gerenciamento global da oferta dos recursos ambientais, que integra as linhas da matriz. No cruzamento de cada linha e cada coluna localiza-se o gerenciamento de um recurso natural para uso em dado setor. Para promover a compatibilidade entre as diversas demandas e a oferta de recursos ambientais, a sociedade deve tomar decisões políticas e estabelecer sistemas jurídico-administrativos adequados, o que leva a uma terceira dimensão, de caráter institucional, do gerenciamento ambiental: o gerenciamento interinstitucional. (∗) Adaptado de Lanna, 1996. 87 A complexidade de se considerar em um espaço geográfico demasiadamente amplo essas três dimensões determina a busca de delimitação geográfica mais restrita, que contenha a maioria das relações causa-efeito e que seja viável do ponto de vista operacional. Existe a tendência de adotar a bacia hidrográfica como a unidade ideal de planejamento e intervenção devido ao papel integrador das águas, no aspecto físico, bioquímico e sócio-econômico. Nem sempre, porém, ela será a unidade ideal de planejamento. As experiências brasileiras que mais se aproximam de um gerenciamento ambiental no sentido adotado foram realizadas adotando-se microbacias ou grandes bacias hidrográficas. A seguir, são detalhadas as funções do Modelo Sistêmico de Integração Participativa, adaptado ao gerenciamento de águas (Lanna et al., 1990): a) Gerenciamento do uso setorial dos recursos hídricos Trata das medidas que visam o atendimento das demandas setoriais de uso da água. Esse gerenciamento é levado a efeito por meio de planos setoriais e ações de instituições públicas e privadas ligadas a cada uso específico das águas: abastecimento público e industrial, esgotamento sanitário, irrigação, navegação, geração de energia, recreação, e outros usos. Idealmente, os planos setoriais deverão ser compatibilizados entre si, no âmbito de cada bacia hidrográfica, e com o planejamento global do uso dos recursos ambientais, no âmbito regional ou nacional. Essas funções de compatibilização, entretanto, são objeto de gerenciamentos outros que serão apresentados a seguir. As entidades que cumprem tal função gerencial devem ter natureza executiva. b) Gerenciamento da oferta de águas O gerenciamento da oferta das águas acha-se dividido, por questões de apresentação, em duas classes – da quantidade e da qualidade. Isto deriva da tradição institucional brasileira, no âmbito federal e de alguns estados, que estabeleceu entidades distintas para atender a cada uma dessas funções. O gerenciamento da oferta de águas é a função deliberativa e executiva de compatibilização dos planos multissetoriais de uso dos recursos hídricos, propostos pelas entidades que executam o gerenciamento das intervenções na bacia hidrográfica, adiante definido, com os planos e diretrizes globais de planejamento estabelecidos pelo poder público que, constitucionalmente, tem o domínio das águas. No exercício dessa função gerencial deve ser adotado o instrumento de planejamento estratégico por bacia hidrográfica, o que caracteriza o modelo sistêmico de integração participativa, e realizado o planejamento, monitoramento, outorga e administração das medidas indutoras do cumprimento das diretrizes estabelecidas pela negociação social efetivada nesse modelo. Os instrumentos para atingi-los devem ser baseados em amplo leque de normas administrativas e legais: estabelecimento de programas e projetos, enquadramento das águas em classes de usos preponderantes, estabelecimento de padrões de emissão, cobrança pelo uso e poluição das águas, multas por infrações, promoção de ações legais e outras medidas. c) Gerenciamento das intervenções na bacia hidrográfica Trata da projeção espacial das duas funções anteriores no âmbito específico de cada bacia hidrográfica, visando a: 90 instituições de formação e investigação e pelas implicações culturais das utilizações dos recursos hídricos; as obras relacionadas com os recursos hídricos, por serem indispensáveis ao aproveitamento, à conservação e ao desenvolvimento desses recursos; e as finanças, pela importância fundamental da atribuição de recursos financeiros aos projetos de conservação, controle e desenvolvimento dos recursos hídricos. Os órgãos e organismos que têm a seu cargo a gestão dos recursos hídricos devem estar integrados numa estrutura de gestão das águas. Desses órgãos e organismos, uns intervêm nacionalmente, outros em âmbito regional e outros localmente. A coerência entre as intervenções nos vários níveis é assegurada pelo sistema de relações hierárquicas. Assim, essa intervenção múltipla pode ser analisada segundo dois critérios sobrepostos: um correspondente às intervenções paralelas das diferentes categorias de órgãos e organismos e o outro correspondente aos vários níveis administrativos hierarquicamente dependentes. A organização, a composição e as atribuições de uma estrutura orgânica de gestão das águas dependem de um conjunto de condicionantes de diversas naturezas, o que dificulta a escolha de um modelo de estrutura orgânica com aplicação universal. Dentre os fatores condicionantes mais importantes, destacam-se os seguintes: - aspectos relacionados com a disponibilidade e a demanda de água, quais sejam, as condições climáticas, fisiográficas, demográficas, econômicas e sociais, considerando que podem determinar a existência ou a preponderância de órgãos ou organismos necessários à realização de ações específicas; - regime jurídico referente à propriedade, ao domínio e à administração da água, já que o âmbito da ação dos organismos executivos depende da extensão do domínio público da água e da repartição da autoridade administrativa sobre tal domínio; - grau de participação atribuído às entidades privadas, à população e à sociedade em geral na tomada de decisões, em particular pelos seus reflexos na composição dos organismos consultivos; - eficácia do aparelho estatal, que justifique ou não a criação de organismos de gestão com autonomia administrativa e financeira; - organização política e administrativa tradicional que enquadre os utilizadores da água, apresentando maior ou menor dependência das autoridades regionais e locais em relação ao governo central. Não obstante os referidos condicionantes, há determinadas regras básicas às quais deve obedecer a concepção das estruturas de gestão das águas, para que possam eficazmente colocar em prática os princípios e desenvolver as ações anteriormente referidas. O estudo das estruturas orgânicas de gestão das águas existentes em países que dispõem de legislação moderna corrobora essa opinião, apesar de se verificarem diferenças na organização dessas estruturas orgânicas, na composição e nas atribuições de alguns dos seus órgãos e organismos, por efeito da maior ou menor força assumida pelos fatores que as condicionam. 91 Uma das regras básicas que se deduz das considerações anteriores é a da indispensável coordenação das intervenções dos órgãos e organismos que têm a seu cargo a conservação e o desenvolvimento dos recursos hídricos, com as das duas outras categorias de entidades da administração anteriormente citadas: os órgãos e organismos responsáveis pelo planejamento das atividades econômico-sociais e os órgãos e organismos que exercem jurisdição em domínios relacionados com a água. Com efeito, os vários setores da administração têm normalmente perspectivas particulares dos problemas da água, o que torna indispensável a conciliação, por meio de órgãos representativos, dos interesses dos diferentes setores e, para tanto, encarregados da formulação das políticas do planejamento da gestão das águas. Desse modo, tais órgãos devem ter funções deliberativas e coordenadoras, e ser constituídos por representantes dos setores da administração mais intimamente relacionados com os problemas da água. Por razões óbvias, é também essencial a necessidade de se concentrar a responsabilidade das funções executivas da política de gestão das águas num único sistema coerente de órgãos e organismos. Esse sistema poderá integrar aquele que tradicionalmente detém a autoridade sobre a conservação e o desenvolvimento dos recursos hídricos ou, de forma mais radical, substituir completamente o sistema pré-existente por um sistema integrado. Todavia, a procura de coordenação através da integração nem sempre é bem sucedida, pois a coordenação funcional é um processo muitas vezes independente da integração estrutural. Acresce ainda outro aspecto básico, que é o da participação de representantes dos usuários e de outros setores interessados nos problemas relativos à água na formulação das políticas de gestão dos recursos hídricos. Resulta, assim, que a estrutura orgânica de gestão das águas carece de órgãos por meio dos quais aquelas entidades possam manifestar a sua opinião sobre problemas que as afetem diretamente. Na Conferência das Nações Unidas de 1977 foram feitas extensas considerações sobre organizações e estruturas institucionais de administração das águas, como resultado do estudo dos problemas da gestão dos recursos hídricos em vários países em diferentes situações de desenvolvimento. Considerou-se, na ocasião, que não há maneira única de organizar e administrar um programa de desenvolvimento de uma bacia hidrográfica. Concluiu-se, também, que é necessário, em cada caso, adaptar o sistema de gestão à estrutura geral do Estado, às particularidades e às tradições políticas dos países e regiões interessados, e que pode haver diversas formas de organização e de estrutura em diferentes países, tendo em conta a variedade dos tipos e das combinações de funções que a água exige nos diversos estágios do desenvolvimento administrativo: construção e manutenção, planejamento e operação, orçamento e despesas, financiamento e comercialização, aspectos científicos e técnicos, serviços e regulamentação. Todos esses elementos têm dificultado a construção de modelos de organização em matéria de administração das águas. Relativamente ao quadro institucional de gestão dos recursos hídricos, a Conferência da Água de 1977, das Nações Unidas, estabeleceu que as soluções institucionais adotadas pelos diversos países devem assegurar o desenvolvimento e a gestão dos recursos hídricos no contexto do planejamento nacional e garantir uma coordenação efetiva entre todas as entidades responsáveis pelo estudo, desenvolvimento e gestão dos recursos hídricos. Considerou-se, ainda, que a definição da infra-estrutura institucional, mais adequada deve ser permanentemente reexaminada e que se deve dedicar particular atenção à criação de órgãos eficientes capazes de assegurar a necessária coordenação. Para atingir tais objetivos, a Conferência da Água recomendou que os vários Estados membros: 92 - adotassem um sistema institucional que permita o planejamento e a utilização eficazes dos recursos hídricos, bem como, se fosse o caso, a utilização de técnicas avançadas; a organização institucional de gestão das águas deveria ser modificada sempre que necessário, de modo a assegurar boa coordenação das administrações centrais e locais competentes; - despertassem nos usuários o interesse pela gestão das águas, proporcionando-lhes adequada participação e representação nessa gestão; - considerassem, sempre que necessário, a conveniência de se criarem organismos encarregados do abastecimento de água nas zonas rurais, distintos dos que se ocupam do abastecimento nas zonas urbanas, dado que as técnicas, prioridades, e outras condições não são as mesmas nos dois casos; - considerassem a urgência e a importância de se criarem administrações de bacias hidrográficas ou de reforçar as que existam, a fim de permitir melhor planejamento integrado do desenvolvimento das bacias, contemplando todos os usos, quando justificados por benefícios administrativos e financeiros; - assegurassem a ligação apropriada entre o organismo encarregado da coordenação e os responsáveis pelas decisões. 95 No que diz respeito à economia, o planejamento pode envolver vários setores, caso em que seria multissetorial. Quando são envolvidas todas as funções de um único setor da economia, trata-se de um planejamento setorial, como por exemplo, o planejamento agropecuário, que envolve a pecuária e a agricultura, irrigada ou não. Quando o planejamento se refere a uma função apenas, será funcional, como no caso do planejamento da irrigação, que estabelece um programa nacional ou estadual. O planejamento multissetorial abrange e coordena o planejamento de todos os setores. Planos nacionais de desenvolvimento são produtos do planejamento multissetorial, assim como os planos de uso, controle e proteção das águas. Esse plano dever considerar todos os usos, controles e medidas de proteção afetos às águas visando as suas articulações e compatibilizações. Quando se lida com plano de recursos hídricos, a rigor, o enfoque seria sobre a água destinada ao uso (recurso) e não à preservação ou conservação. O planejamento setorial e funcional se dirige a um setor ou a uma função de dado setor econômico. Devido à setorização institucional, que ocorre em vários países, esse planejamento é o mais comum. Existe no Brasil, relacionada com a área dos recursos hídricos, a Política Nacional de Irrigação, que gerou o Programa Nacional de Irrigação (PRONI) e o Programa de Irrigação do Nordeste (PROINE). Existem planos nacionais de energia elétrica, por exemplo, oriundos de uma gestão de natureza setorial. Podem ser encontrados também planejamentos nos âmbitos estaduais. A necessidade de planejamento por parte dos setores usuários de água é evidente diante dos potenciais conflitos internos e externos do uso deste recurso, que têm sido agravados com o aumento da demanda. A oportunidade de um planejamento multissetorial do uso, controle e proteção das águas talvez não seja tão evidente à primeira vista. No entanto, deve ser considerada a forte relação entre as águas e os setores como o de transporte (hidrovias), saúde (saneamento), agricultura (irrigação), urbano (abastecimento, saneamento e lazer) e energia (hidrelétrica). Na verdade, tal separação em setores é resultado mais da organização político-administrativa do que de uma clivagem real das atividades inerentes a cada um. Há necessidade de coordenação entre as atividades envolvidas, que poderá ser obtida apenas com a interveniência do planejamento multissetorial. Outra necessidade para esse tipo de planejamento surge dos macrozoneamentos regionais, entre eles o chamado zoneamento ecológico-econômico, a fim de que estabeleçam as vocações de cada região e promovam uso sustentável dos seus recursos naturais. Os recursos hídricos são alguns dos componentes principais desse macrozoneamento e, por isso, um planejamento regional multissetorial deve originar o documento mencionado. c) Estágios de planejamento A gestão das águas deve ser orientada por um processo de planejamento que, para ser efetivo, deve promover adequada compatibilização entre a escala espacial abordada e o nível de detalhe que é atingido. Quanto maior a escala, menor deverá ser o detalhamento do plano. É preconizado um processo de planejamento organizado por estágios diferenciados quanto à abrangência espacial e o detalhamento das análises, resumidamente apresentado no Quadro 6.2. O processo de planejamento adota a estratégia de ordenar temporalmente o preparo dos planos, do mais geral e abrangente (política), ao mais específico e localizado (projeto). Isso permite, antes de se passar ao detalhamento de programas e projetos, a rápida localização dos problemas-chave e a realização de sínteses em situações nas quais o maior esforço consiste em esclarecer as interações entre os diversos processos atuantes no sistema, para se entender sua dinâmica e coerências internas. 96 No entanto, devido à complexidade das análises, existe o risco de se dificultar a participação pública no gerenciamento. Uma alternativa para se atenuar este risco é que, em primeira instância, os estudos técnicos sirvam como insumo a ampla discussão, da qual seriam gerados os planos referenciados. Outra alternativa para possibilitar a participação pública é a manifestação dos interesses dos comitês de bacias hidrográficas previamente ao preparo do plano estadual de recursos hídricos que, por sua vez, vinculará os planos de bacias hidrográficas a serem preparados pelos mesmos comitês. Ambos os planos pré-referenciados são do tipo multissetorial. A política de águas, que pode ter âmbito nacional, regional interestadual ou estadual, é um estágio inicial de planejamento em que a visão geral das demandas e potencialidades é mais relevante do que os detalhes sobre programas e projetos a implementar. Deverão ser considerados o uso do solo e as distribuições de renda, da população, dos recursos ambientais. Por isso, a política de águas deve ser dirigida para jurisdições de planejamento mais amplas. Quadro 6.2 – Proposta de estágios de planejamento na gestão de águas ESTÁGIOS DE PLANEJAMENTO ABRANGÊNCI A ESPACIAL ENTIDADES INTERVENIENTE S NÍVEL DE DETALHAMENTO Política de Águas País, região interestadual ou estado Conselho Nacional ou Estadual de Recursos Hídricos ou de Meio Ambiente. Estabelecimento de princípios doutrinários e diretrizes gerais de atuação visando à coordenação das intervenções a serem implementadas na gestão das águas. Plano Geral de Uso Controle e Proteção de Águas País, região interestadual, grande bacia hidrográfica Conselho Nacional de Recursos Hídricos, Comitê de Bacia Hidrográfica. Identificação das necessidades, anseios e oportunidades sociais e de problemas, conflitos e vocações ambientais regionais; avaliações preliminares sobre adequação dos recursos ambientais e financeiros disponíveis ao atendimento das demandas; inventário dos dados e informações básicas existentes; recomendação de investigações para as sub-bacias que requeiram análises mais detalhadas. Plano Diretor de Bacia Hidrográfica Bacia ou sub- bacia hidrográfica Comitês de Bacia Hidrográfica e Conselhos Municipais de Meio Ambiente Avaliação das necessidades, anseios e oportunidades sociais, de forma ainda geral, e de programas alternativos que prevejam medidas estruturais (obras civis) e não-estruturais para atendê- las. Estudo de Viabilidade Sub-bacia ou microbacia Comitês de Bacia Hidrográfica e Conselhos Municipais de Meio Ambiente Suficiente para permitir a decisão sobre os programas e projetos a serem executados. Projeto Básico Microbacia e projetos de intervenção em bacias hidrográficas. Conselhos Municipais de Meio Ambiente e entidades públicas com atribuições específicas. Detalhamento e orçamento de programas e projetos. Projeto Executivo Obra ou equipamento. Conselhos Municipais de Meio Ambiente, associações comunitárias ou Processamento do detalhamento das obras civis e dos equipamentos, necessários às suas execuções e montagens, respectivamente; preparo de manuais de usuário para orientação 97 entidades públicas com atribuições específicas. de programas. No plano geral de uso, controle e proteção das águas ainda não existe a consideração específica sobre projetos. É a fase adequada para realização de estudos globais de impacto ambiental, que avaliem a compatibilização dos planos com os zoneamentos ecológico-econômicos ou outros documentos relacionados com o estabelecimento de restrições gerais à apropriação dos recursos ambientais (incluindo a água), dentro de uma visão regional. O Quadro 6.3 apresenta os elementos que deverão constar e que poderão ser abordados em um plano desta natureza. De forma resumida, a tônica desse estágio de planejamento é dirigida para o inventário de informações, meios disponíveis, soluções alternativas e áreas prioritárias para ações imediatas. São recomendados estudos complementares de aspectos relevantes sobre os quais existem informações insuficientes. Quadro 6.3 - Elementos de um plano geral de uso, controle e proteção das águas Elementos que devem constar Elementos que poderão também ser abordados − identificação geral dos problemas, conflitos inter e intra- setoriais, necessidades e oportunidades; − listagem das possíveis alternativas para solução; − inventário dos recursos hídricos disponíveis e das oportunidades gerais para seu desenvolvimento; − avaliação preliminar da adequação global dos recursos hídricos disponíveis ao atendimento às demandas; − recomendação de investigações específicas a serem realizadas. − inventário e avaliação preliminar das informações disponíveis; − avaliações e projeções preliminares dos usos e demandas de recursos hídricos; − avaliação preliminar das disponibilidades de recursos hídricos; − avaliação do Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos existente e sua adequação à abordagem do problema; − inventário do estado presente de desenvolvimento e apropriação dos recursos hídricos; − inventário geral dos meios disponíveis para satisfação das necessidades; − avaliação preliminar das soluções alternativas para atendimento às metas de planejamento; − identificação de áreas problemáticas que necessitem atenção prioritária, incluindo conflitos intersetoriais; − recomendação de ações que possam ser executadas de imediato e daquelas que necessitem de estudos complementares para serem consideradas. A partir do preparo dos planos diretores de bacia hidrográfica existe a consideração específica de programas e projetos, com intervenções na forma de medidas estruturais e não-estruturais. O plano resultante deve se constituir em guia para o detalhamento das intervenções no estágio seguinte, devendo identificar e recomendar projetos a serem executados por entidades federais, estaduais, municipais e privadas. A ênfase deverá ser dirigida para estabelecer os cursos de ação a serem executados, que se integrem às opções de ação que estarão disponíveis no futuro a longo prazo. O estudo dirige-se a programas, projetos e medidas de caráter localizado sobre uma bacia hidrográfica, já havendo neste estágio uma seleção prévia daqueles mais adequados, com base em análises preliminares de custo-efetividade, custo-benefício e de estudos de impacto ambiental. As alternativas selecionadas serão analisadas em detalhe no estágio seguinte. O Quadro 6.4 detalha os elementos componentes desse estágio.
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