Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Guia de PSF 1, Notas de estudo de Enfermagem

Guia completo do Programa de Saúde da Família, depoimentos de profissionais atuantes na área e as principais responsabilidades do programa

Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010

Compartilhado em 16/09/2009

vivian-furlan-de-camargo-9
vivian-furlan-de-camargo-9 🇧🇷

4.6

(13)

8 documentos

1 / 69

Documentos relacionados


Pré-visualização parcial do texto

Baixe Guia de PSF 1 e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! Guia prático do Programa Saúde da Família PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA Pertencentes à comunidade onde atuam, os Agentes Comunitários de Saúde são capacitados para ajudar a melhorar a qualidade de vida de seus vizinhos O agente é O Agente Comunitário de Saúde (ACS) é capacitado para reunir informações de saúde sobre a comunidade onde mora. É um dos moradores daquela rua, daquele bairro, daquela região. Tem bom relacionamento com seus vizinhos. Tem condição de dedicar oito horas por dia ao trabalho de ACS. Orientado pelo médico e pela enfermeira da unidade de saúde, vai de casa em casa e anota tudo o que pode ajudar a saúde da comunidade. Em sua grande maioria, os agentes são mulheres. Contamos aqui sobre o trabalho de cinco agentes: Izete, da Ilha do Combu, perto de Belém; Cleison, de Brumadi- nho, perto de Belo Horizonte; Ivaneide, de Caruaru, Pernambuco; Ana Lúcia, de Pedras de Fogo, na Paraíba, perto de Campina Grande; e Sílvia de Piraju, São Paulo. a gente Guia Prático do PSF 29 30 Guia Prático do PSF Ferver a água, usar plantas da região Izete dos Santos Costa, 37 anos, nasceu, cresceu e sempre viveu na Ilha do Combu, onde é Agente Comu- nitária de Saúde. Antes (e desde os 9 anos de idade) era empregada doméstica: “Aqui não tem muita opção de emprego”. O trabalho de Agente Comunitária de Saúde é duro, mas compensador: “São oito horas diárias, umas oito visi- tas por dia. Mas ganho R$ 204, o dobro do que ganhava em meu emprego anterior”. Ainda mais compensador, para Izete, é fazer parte de um trabalho que está ajudando a melhorar a vida da sua comunidade: “A assistência à saúde melhorou 100% com a implantação do PSF”. Como a ilha é cortada por rios e igarapés, as visitas dos cinco agentes em ação na Ilha do Combu têm que ser fei- tas em pequenas canoas, ou cascos, como se diz na região: “Cada agente tem seu casco e seu remo. Às vezes a maré está agitada, ou passa uma lancha e balança o casco”. Os principais problemas dos moradores, segundo Izete, são a desnutrição, devido à carência alimentar, e a diarréia, causada pela pouca água potável. Nas visitas, ela ensina a ferver a água, a colocar gotas de água sanitária (hipoclorito) antes de beber: “As casas não têm água encanada, nem esgoto. Os moradores bebem a água do rio”. Outro problema do Combu é o alto índice de anemia entre as crianças, segundo levantamento feito pelo PSF em parceria com o hospital da Universidade Federal do Pará. Izete conhece bem esse problema: “A alimentação é pobre. Nós orientamos as mães a utilizarem as plantas da região, como a verônica e o cipó”. Guia Prático do PSF 33 Agentes em ação A implantação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) é considerada uma estratégia transitória para o estabelecimento de vínculos entre os serviços de saúde e a população. É estimulada até que seja possível a plena expansão do Programa Saúde da Família (PSF), ao qual os Agentes Comunitários são gradativamente incorporados. O Agente Comunitário de Saúde é responsável pelo acompanhamento de aproximadamente 150 famílias que vivem no seu território de atuação. Ele é necessariamente um morador da localidade onde trabalha e, por isso, está totalmente identificado com a sua comunidade, com seus valores, seus costumes e sua linguagem. Sua capacidade de liderança se converte em ações que melhoram as condições de vida e de saúde da comunidade. Nas áreas onde o PSF ainda não foi implantado, os Agentes Comunitários estão vincula- dos às unidades básicas tradicionais e são capacitados e supervisionados por enfermeiros para o desenvolvimento de ações de prevenção de doenças e de promoção da saúde. O Brasil já tem mais de 140 mil Agentes Comunitários, que estão em ação em mais de 4 mil municípios de todas as regiões do país. Isso significa dizer que quase metade da população brasileira já recebe o acompanhamento dos Agentes. procedimentos. Integrante do PSF desde 1999, Ana Lúcia diz que sua atuação hoje é mais fácil, porque há mais integração entre médico, enfermeira, auxiliar, enfim, toda a equipe: “Nos tornamos mais próximos das famílias. É como se hoje eles se sentissem mais protegidos”. Ana Lúcia confessa que tinha receios em relação ao programa, achava que representaria apenas mais trabalho para o agente: “Hoje vejo que o PSF é fundamental na vida da comunidade e na minha vida. Mesmo com todo empenho que precisamos ter, vale a pena”. A principal mudança, para Ana Lúcia, foi a sensação de tranqüilidade: “Existia em mim um certo medo, da morte de crianças por exemplo. Hoje, tenho mais segurança no resul- tado do nosso trabalho”. Ana Lúcia participa também de um grupo católico que alia ajuda material a orientações sobre saúde, educação e outras áreas, em comunidades carentes. Treinamento no dia-a-dia Sílvia Schmidt Domingues, 42 anos, de Piraju-SP, come- çou a trabalhar aos 14 anos, como auxiliar de escritório. Mais tarde, foi auxiliar de monitora, numa creche, emprego de 8 horas por dia. Lembra que ganhava “razoavelmente bem”. Casou-se e parou de trabalhar fora de casa até os 35 anos, quando passou a integrar o PSF, por sugestão do marido, integrante da associação dos amigos do bairro. Como preenchia os requisitos básicos — ser moradora do bairro, ter bom engajamento na sociedade, estar disposta a trabalhar oito horas por dia —, Sílvia se inscreveu, passou por uma entrevista e conseguiu ser contratada. Depois de admitida, Sílvia recebeu um treinamento, orientada pelas enfermeiras e por toda a equipe do PSF. Ela acredita que o maior treinamento é o do dia-a-dia, quando observa os pacientes e ouve os comentários dos profissionais de saúde. Caminhando pelas ruas de sua área de trabalho, ela vai apontando as casas e comentando sobre a situação de cada morador: “Um paciente, o seu Almino, quando eu não o visito, aparece na unidade e pergunta: ‘Cadê a Sílvia?’. Ele é hipertenso, tem problema de coração e às vezes esquece de pegar o remédio, atrasa. Daí eu vou atrás”. Cada paciente é controlado por meio de uma carteiri- nha: “Tudo é registrado. Quem precisa pegar medicamento, quem é hipertenso, gestante, desnutrido, deficiente mental, alcoólatra…” Para Sílvia, o pior numa comunidade são os problemas sociais, porque produzem reflexos em cascata. Com o desemprego, por exemplo, “o chefe de família fica desiludido e começa a beber. Isso repercute em tudo: a mulher se torna hipertensa, a filha se descuida e engravida … uma coisa vai levando a outra”. Guia Prático do PSF 35 Os pacientes se sentem respeitados nas localidades onde é implantado o PSF. Recebem assistência constante da equipe, gostam de ser tratados como pessoas Um dos pontos mais fortes do Programa de Saúde da Família (PSF) é a busca ativa: a equipe vai às casas das pes- soas, vê de perto a realidade de cada família, toma provi- dências para evitar as doenças, atua para curar os casos em que a doença já existe, dá orientação para garantir uma vida melhor, com saúde. Os pacientes notam grande diferença em relação ao tipo de medicina que antes recebiam (quando recebiam). Apresentamos aqui cinco pacientes: a paulista Sônia Maria, de Piraju; a paraense Cleuza, da Ilha do Combu, perto de Belém; a catarinense Maria, de Florianópolis; a matogros- sense Conceição, de Lucas do Rio Verde; e a mineira Hilda, de Brumadinho, na região de Belo Horizonte. Atenção desde o início da vida Cabe aos prefeitos a decisão política de adotar o PSF. Depois, é preciso vontade política e competência, para implantar o programa A força de quem decide As cidades implantam o Programa Saúde da Família por insistência da comunidade (que vê bons resultados em mu- nicípios vizinhos), por necessidade de achar uma solução para os graves problemas de saúde locais, por influência de algum médico da rede pública, por estímulo do Ministério da Saúde, da Secretaria Estadual de Saúde. Qualquer que seja a razão determinante, no final de tudo o sucesso da implantação do PSF vai depender do prefeito. É ele quem toma a decisão. Na fase seguinte, o prefeito precisa ser determinado, perseverante, competente. Ele tem que estar consciente de que os bons resultados virão, com certeza, mas vão exigir paciência, tempo. Mostramos aqui o pensamento e a ação de três prefeitos que implantaram o PSF em suas cidades: Luiz Paulo Vellozo Lucas, de Vitória-ES; André Puccinelli, de Campo Grande-MS; e Guilherme Menezes, de Vitória da Conquista-BA. Guia Prático do PSF 39 40 Guia Prático do PSF O novo conceito é desospitalizar Com a palavra o prefeito de Vitória-ES, o economista e engenheiro Luiz Paulo Vellozo Lucas: “O êxito do Programa Saúde da Família, em Vitória, pode ser medido pela perspectiva real de virmos a ter cobertura de 100% da cidade até o final de meu man- dato. Começamos pelas áreas habitadas pela população de renda mais baixa. Essas áreas já estão cobertas. Agora estamos levando cobertura para as áreas habita- das pela população de classe média”. “Para toda a população coberta, as Equipes de Saú- de da Família levam a promoção da saúde, a prevenção das doenças e também a resolutividade, a capacidade de resolver a grande maioria dos problemas de saúde”. “A partir do cadastramento criterioso e atualizado de toda a população assistida pelo PSF, dedicamos atenção especial às crianças, às mulheres, aos idosos, às pessoas que sofrem doenças crônicas. Mas é igual- mente muito grande a preocupação com as pessoas que não estão doentes. Em Vitória, o PSF segue exata- mente a orientação do Ministério da Saúde, de dar atenção integral. Por isso está sendo bem-sucedido”. ”O novo conceito, que colocamos em prática em Vitória, é o da desospitalização. Qual o significado prá- tico desse termo? É a soma de promoção, prevenção e resolutividade, que resulta no tratamento efetivo das pessoas na própria Unidade de Saúde da Família, sem necessidade de atendimento no hospital”. “O mais comum, nas grandes cidades brasileiras, são aquelas filas enormes nos hospitais da rede pública, por falta desse trabalho feito na ponta, que é de fato um trabalho de ponta, moderno. Dando assistência integral na Unidade de Saúde da Família, a grande maioria dos problemas de saúde se resolve lá mesmo. Nos casos especiais, o atendimento pode ser feito até na casa da pessoa”. “Apesar dessa dificuldade, a implantação do PSF em Sobral tem dado ótimos resultados porque, desde o início, contamos com o entusiasmo, a disposição e o compromisso dos Agentes Comunitários de Saúde. Temos deficiências, como já disse, mas podemos afir- mar que graças a esse empenho foi possível estender, a todo o município, o sistema de atenção básica. É preciso destacar, aliás, a atuação de toda a equipe da Secretaria de Saúde.” Eles recebem carinho, atenção O médico André Puccinelli, prefeito de Campo Grande, desde o início apoiou a decisão de sua equipe de implan- tar o PSF no município: “Estou consciente do potencial de retorno que esse trabalho pode dar à saúde do município a curto, médio e, principalmente, a longo prazo”. Antes do PSF, o atendimento da saúde em Campo Grande era desenvolvido nos moldes tradicionais, com alguns postos funcionando 24h. Segundo o prefeito, o PSF estabeleceu uma nova relacão de atendimento: “Os principais resultados falam por si, pelos números de identificação de problemas e doenças que antes não eram detectadas em postos de saúde. Mas o principal resultado é a satisfação daqueles que recebem as equi- pes do PSF. Além de cuidados médicos e odontológicos, eles recebem informação, carinho e atenção”. Outro resultado visível é a diminuição da procura pe- los convênios particulares de saúde: “Com os investimen- tos da administração municipal na saúde, mais a política de qualidade total nos serviços oferecidos à comunidade, os pacientes desses convênios migraram para a assistência pública municipal”. Desde 1998, Campo Grande é uma das cidades que apresentam melhores indicadores de desenvolvimento humano, em todo o Brasil. No ano 2000, o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) destacou Campo Grande entre as capitais brasileiras com menor taxa de mortalidade infantil. — O que falta fazer para aprimorar o PSF em Campo Grande? — Precisamos agir para ampliar. Assim o programa poderá chegar a todos os cidadãos. Responsável direto pela operação e manutenção do PSF, o Secretário Municipal de Saúde muitas vezes é também um dos maiores inspiradores da implantação do programa no município. da operação 44 Guia Prático do PSF A própria unidade resolve os problemas O secretário de saúde de Caruaru, Oscar Capistrano dos Santos, 42 anos, começou a trabalhar como médi- co no município pernambucano de Ribeirão, onde esta- giou no hospital geral e depois especializou-se como ci- rurgião. Teve o primeiro contato com o PSF no municí- pio vizinho de Bezerros, onde implantou o programa como secretário de saúde: “Sempre acreditei que o PSF poderia revolucionar por dar importância à atenção bá- sica, com promoção da saúde, disseminando conceitos de forma educativa e preventiva junto à comunidade”. Os resultados do programa em Caruaru são visíveis e vão ao encontro das necessidades da população, na avali- ação do secretário. Ele cita o controle de doenças como tuberculose, hipertensão e diabetes, além da redução da mortalidade infantil e do acompanhamento às gestantes no pré-natal, entre outros indicadores: “O vínculo das equipes de saúde com as famílias faz com que conheçam melhor a realidade e trabalhem com mais dedicação”. Uma das ações mais recentes e que está alcançando grande êxito é a utilização de motocicletas para coleta descentralizada de material para os exames de labora- tório. São três motos, chamadas de módulos volantes de coleta, que atendem a todas as unidades do PSF com datas pré-agendadas. Transportam o material co- letado e dias depois retornam à Unidade de Saúde da Família com os resultados dos exames. Com essa solução, Caruaru ampliou a relação entre a USF e a rede local de saúde. Observação do secretário Oscar Capistrano: “O paciente não precisa sair de seu trabalho para ir à cidade fazer exame. A equipe de saúde passa a ter informações que permitem resolver os proble- mas na própria unidade. Só mesmo os casos excepcionais é que são encaminhados ao hospital”. A máquina federal é mais avançada A médica Ana Tereza da Silva Pereira Camargo, ex-se- cretária de Saúde do município de São Gonçalo, na Grande Rio, formou-se no Rio de Janeiro, com mestrado no Instituto de Medicina Social da UERJ. Fez carreira em importantes setores da Secretaria Estadual de Saúde, no Rio de Janeiro, e no Ministério da Saúde, em Brasília. Em dezembro de 2000 iniciou, em São Gonçalo, sua primeira experiência municipalista, encerrada com seu afastamento em setembro de 2001. Ana Tereza comenta: “no Ministério, há um computa- dor para cada dois funcionários, enquanto na esfera municipal é preciso mandar consertar máquina de datilo- grafia. A máquina federal é muito mais avançada”. Ainda assim, ficou fascinada com o que começou a fazer em São Gonçalo. Uma grande vantagem é que, como secretária da Saúde, também gerenciava o Fundo Municipal de Saúde (que controla as verbas e antes ti- nha gestor separado). A realidade do município, cons- tatou Ana Tereza, é bem diferente da visão que se tem à distância: “Não dá para dizer que toda a culpa é do município. Há falta de quadros nos municípios, por exemplo. Não há corpo técnico. As contratações mui- tas vezes têm que ser improvisadas, à margem do que a legislação prevê”. O sucesso vem da vontade política O médico baiano Jorge Solla, de Salvador, 40 anos, é casado com a enfermeira Marília Fontoura, professora da Escola de Enfermagem da UFBA. Ele é secretário municipal de Saúde em Vitória da Conquista. Ela é secretária municipal de Saúde de Alagoinhas. Solla se formou em medicina em 1984, na UFBA. Fez residência em medicina social, nos dois anos seguintes. Tem mestrado em saúde comunitária, também na UFBA. Pertencente aos quadros do Instituto de Saúde Coletiva, da UFBA, desde 1987, foi assessor da Secretaria Municipal de Saúde de Salvador, em 1997-1998. Cuidou de vigilância epidemiológica no Hospital São Jorge. Atuou também no Departamento de Assistência à Saúde, da Secretaria Estadual de Saúde. Deu aula de saúde pública, epidemiologia, medicina e nutrição, coordenou residência de medicina social. Exerceu a direção executiva do Pólo Estadual de Capa- citação em Saúde a Família. Com toda essa experiência, Solla afirma: “O suces- so da Saúde da Família em Vitória da Conquista vem da vontade política do prefeito e sua equipe. São altos os níveis de competência e comprometimento. Também é alto o nível de investimento em saúde pública. O Centro de Processamento de Dados (CPD) municipal dá suporte total. O trabalho de saúde bucal é feito em sintonia com a com administração. A Secretaria de Obras entrou firme na reforma do Hospital Esaú Matos. A manutenção da frota do PSF é garantida pela admi- nistração. A Secretaria de finanças também trabalha muito próxima, afinada”. O elogio de Jorge Solla ao engajamento da Prefeitura é retribuído pelo prefeito, o também médico Guilherme Menezes, que aponta a Secretaria da Saúde e o PSF como fatores decisivos para a integração de toda a admi- nistração municipal. A integração, aliás, é um dos pontos que Jorge Solla destaca na Saúde da Família: “A atenção às gestantes garantiu o acesso aos exames que permitiram a constatação de nove casos de mulheres que tinham o vírus da AIDS, eram soropositivas, mas com os devidos cuidados os bebês nasceram sem o vírus. Tudo é assim, na Saúde da Família. Nenhum caso é cuidado de maneira isolada. Todos os integrantes das Equipes de Saúde da Família são conscientes da importância de dar assistên- cia a todas as pessoas de cada casa, a todas as casas de cada rua, num processo que beneficia a comunidade toda e que articula outros setores da administração, para melhorar a saúde da população”. Guia Prático do PSF 45 Fazer o curativo, trocar o curativo, aplicar a injeção, dar o banho, tirar os pontos — a atividade do auxiliar de enfermagem é múltipla e fundamental nas equipes do Programa de saúde da Família. Em estreita ligação com o médico, a enfermeira e o Agente Comunitário de Saúde, os auxiliares de enfermagem também conhecem pelo nome as pessoas da comunidade que ajudam a atender. Contamos aqui o trabalho de dois auxiliares de enfermagem: Amália Rosane, de Florianópolis e Veliton Geraldo, de Brumadinho, perto de Belo Horizonte. A enfermagem está nas veias Enquanto caminha pelas estreitas vielas do bairro Monte Cristo, um dos mais carentes da cidade, localiza- do na parte continental de Florianópolis, a técnica em enfermagem Amália Rosane Oliveira da Silveira, 35 anos, vai alternando cumprimentos aos moradores com o relato de sua paixão pelo trabalho: “A enfermagem está nas veias. Quando criança, em minha cidade natal (Jaguarão-RS), meus pais já praticavam a enfermagem, aplicando injeções, fazendo curativos ou atendendo alguém picado por cobra. Só que sem a base teórica e científica que pude ter. Mas essa visão comunitária sempre me acompanhou”. Amália ingressou no PSF em 1996. Gosta tanto da ati- vidade externa que estabeleceu um esquema com as três colegas da área de enfermagem, que atuam nas duas equipes de PSF do bairro, cabendo a ela fazer os atendi- mentos domiciliares: “Prefiro estar na rua. Se tiver que ficar trancada no posto de saúde, enlouqueço”. Enquanto as colegas se encarregam da triagem, da aplicação de vacinas e dos curativos, na unidade de saúde, Amélia circula entre as 3.500 famílias do bairro, num total de cerca de 16 mil pessoas. Ainda encontra vitalidade para a jornada dupla, uma vez que, à noite, trabalha na Maternidade Carmela Dutra, como funcio- nária da Secretaria Estadual de Saúde. 48 Guia Prático do PSF Nas equipes do Programa de Saúde da Família, o auxiliar de enfermagem prepara os usuários para consultas, exames, tratamentos, zela pela limpeza dos equipamentos, participa da busca ativa dos casos de tuberculose, hanseníase e outras doenças. Auxiliar para salvar Ela se sensibiliza com as situações que encontra, como a de dona Maria Cardoso Vargas, 56 anos, e o filho Evaldo, de 27. Fazendo bicos como carregador de caminhões, Evaldo ficava num trevo da BR-101, onde acabou sendo atropelado. Sofreu traumatismo crânio-encefálico e, após um ano e três meses de internação hospitalar, recebeu alta, mas não podia andar, falar nem se alimentar direito. É Amália quem ajuda dona Maria a cuidar do filho, que aos poucos se recupera. Descobri que esta é a minha profissão Longas trancinhas soltas sobre a roupa branca, Veliton Geraldo Lopes, 30 anos, é auxiliar de enfermagem da equipe do PSF no bairro Progresso, região urbana de Brumadinho- MG. Contratado para uma jornada de 8 horas, ele conta que normalmente vai além, chegando a 10 ou mesmo 12 horas. Antes, Veliton era cabeleireiro e trabalhava menos: “Hoje trabalho o dobro, mas em compensação ganho melhor e, principalmente, estou mais satisfeito. Desco- bri que esta é a minha profissão”. Formado em auxiliar de enfermagem pelo curso ofe- recido pela Secretaria de Saúde em Brumadinho, Veliton é responsável pelos curativos nos pacientes, no posto de saúde. Também costuma atendê-los em casa. Num caso e noutro, é atencioso, dedicado: “Me sinto como se tivesse na minha casa. As pessoas me tratam como membro da família e isso é muito bom”. Segundo Veliton, o contato com as famílias torna o profissional mais humano: “O mais importante do PSF é que a equipe acompanha integralmente o paciente e não só sua dor de cabeça. No modelo antigo de atendi- mento, as pessoas ficavam distantes”. Os enfermeiros acompanham e promovem a capacitação dos agentes e auxiliares, são co-responsáveis pela administração da unidade, e ainda acham tempo para atuar na assistência. Ocupação plena e qualificada Na formação de uma Equipe de Saúde da Família, o profissional mais difícil para se contratar é o médico. Muitos são especialistas que não querem mudar para a prática da clínica geral. Outros preferem pular de emprego em emprego, de plantão em plantão, para no fim do mês somar um salário que lhes parece mais vantajoso. Há ainda os que não entendem a grande reviravolta para o bem que o PSF representa. Apesar de toda a dificuldade, milhares de médicos já aderiram ao programa, no Brasil, e estão satisfeitos com a escolha. Conhecem as pessoas de quem tratam, sabem onde e como elas vivem, sentem-se responsá- veis pela preservação da saúde da comunidade onde atuam. Contamos, aqui, o trabalho desenvolvido por quatro médicos: o Dr. Alcides, da periferia de São Paulo; o Dr. Colemar, de Lucas do Rio Verde, interior do Mato Grosso; e o Dr. Moacir, de Brumadinho, perto de Belo Horizonte. 54 Guia Prático do PSF Aqui você se sente mais útil Com a palavra do médico de família Alcides de Olivei- ra Jr, 48 anos, formado há 25 anos, com especialização em Anatomia Patológica: “Todo mundo acha que eu trabalho demais, mas te- nho prazer, gosto do que faço. As últimas férias de 30 dias que tirei foi há mais de vinte anos. Agora, tenho férias programadas para o período de 18 de fevereiro a 18 de março de 2002. Vou para Santa Catarina, procu- rar emprego lá, mas dentro do PSF. Sou suspeito para falar do PSF, pois sou o fã nº 1. É muito motivador”. “Aqui, enfrentamos as dificuldades normais de uma unidade instalada na periferia. Às vezes, no começo do dia, recebemos um aviso assim: ‘não dá para entrar na área hoje, que a barra tá pesada’”. “Às vezes é a Polícia que está nas imediações, captu- rando alguém. São enfim as leis informais que regem a periferia, assim como as que regem o presídio do Carandiru, por exemplo. Não queira invadir o ponto do outro, que você morre. Sabendo respeitar essas leis, dá para conviver. Só quem não conhece a periferia é que tem medo dela. Isso aqui está recheado de gente maravilhosa”. “Estudei fitoterapia e medicina natural, comecei meu trabalho como médico nessa área mais alternativa. Antes do PSF, eu fazia um trabalho como clínico geral, já gostava de saúde pública. Eu tinha uma noção geral da medicina, porque na Anatomia Patológica você é obrigado a estudar todos os órgãos, todos os sistemas, todas as doenças. Não tenho formação como sanitaris- ta, mas acho que meu negócio é ir para a prática”. “Sempre tive uma impressão boa do PSF. Li o livro A Ilha, do jornalista Fernando Morais, que fala da saúde em Cuba. Quando eu soube que, no Brasil, havia alguma coisa semelhante à medicina de Cuba, me interessei. Fiquei sabendo que abriria um Qualis na Zona Sul de São Paulo, apresentei meu currículo, passei por uma entre- vista. Me chamaram, e estou aqui”. “Foi uma grande transformação em minha vida, a começar pela vinda para a periferia. É só vir para cá que você não precisa mais fazer terapia. Você vê outro sentido na vida. Fora daqui, a maioria das pessoas tem problemas existenciais. Aqui, os problemas são reais. Tem rato passeando no seu barraco, leptospirose, hepati- te, desnutrição, anemia”. “Aqui você se sente mais útil. Muito mais poderia ser feito. Nossa farmácia, por exemplo, é um pouco fraca. Poderia haver uma quantidade maior de medicação”. “Hoje sou casado com uma auxiliar de enfermagem. Ela é da área 3, eu sou da 2. Os nossos bairros são vizi- nhos. Chego em casa e a gente continua conversando sobre o trabalho. Minha vida inteira se resume a isso aqui”. A qualidade de vida compensa Não foi apenas a população que se beneficiou com a implantação do PSF em Lucas do Rio Verde. Também os profissionais da saúde passaram a ter melhores condições de trabalho. Segundo o médico-ortopedista Colemar Pereira Vasconcelos, 57 anos, a maior con- quista do programa foi evitar a superlotação dos Postos de Saúde, resultando em atendimento com qualidade superior. Médico há 30 anos, formado na Universidade Federal de Goiás, com especialização em ortopedia e trauma- tologia e título concedido pela Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumotologia, Vasconcelos há dois anos trabalha no PSF. Chegou, portanto, com a experiência de quem viveu 28 anos no modelo de assistência médica tradicional, mais voltada para curar a doença que para evitar que a pessoa adoeça. Vasconcelos começou a trabalhar em Goiânia, como especialista em ortopedia e traumologia: “Atuei em minha especialidade, prestei os meus ser- viços a hospitais particulares e também na saúde pública. Sempre trabalhei de dez a doze horas por dia, além dos plantões que são uma constante na nossa profissão”. Hoje, como médico do PSF, Vasconcelos trabalha menos: as 40 horas semanais do programa, sem plantão em hospital. Ganha menos? — Sim. Mas a qualidade de vida que tenho hoje recompensa. Nos muitos anos em que viveu e trabalhou como especialista, Vasconcelos não tinha conhecimento do PSF: “Meu primeiro contato aconteceu basicamente há dois anos, quando cheguei aqui em Lucas do Rio Verde, contratado para fazer parte de uma equipe de Unidade de Saúde Família”. Vasconcelos conta que a principal mudança que sentiu foi no estado emocional: “Quem atende casos de emergência vive um desgaste emocional e físico muito grande. Você nunca sabe o que vai atender na hora seguinte, no dia seguinte. No PSF, trabalha-se na assistência com enfoque especial na prevenção, por isso há menos casos de urgência. E você não tem que atender a uma multidão de pessoas diariamente”. Frente a frente com as doenças Doença, na roça, quer dizer silêncio, reserva, ninguém fala nela. Isso é coisa do passado na igreja Santo Antônio, em Inhotim, distrito de Brumadinho-MG, onde todos os meses há uma reunião de todas as pessoas que têm algum tipo de doença e falam disso em voz alta, contam casos, riem, conscientes de que doença é para ser enfrentada, evitada — e não para ser escondida. A igreja é pequena, limpa, com flores nas jarras e co- res nas paredes. As pessoas são idosas, na maioria, vestidas com roupa de domingo e acompanhadas das crianças. O motivo que as leva ali — a doença de cada um — é falado em voz alta e não sussurrado. Como se o problema de um fosse de todos. “E é”, ressalta o médico Moacir Cerqueira Júnior, ao comentar a importância do Programa Saúde da Família para a comunidade. “Antes, a doença era uma coisa ruim, escondida. Nem a família comentava. Agora, eles discutem entre si o que fazer, e até a família participa mais”. Na região, a hipertensão predomina entre os adultos. En- tre as crianças é a bronquite, provocada pela estrada de terra. Moacir Cerqueira tem 37 anos, formou-se na UFMG e fez especialização em Saúde da Família. Trabalhou na área rural na primeira fase de implementação do PSF em Bru- madinho, em 1994: “Acho importantíssimo este programa. A família fica mais mobilizada; o paciente, mais autônomo e participante”. Segundo ele, após a reunião mensal, se preciso, ele agenda as pessoas para as consultas médicas e orienta os ACS para visitarem os pacientes que não pude- ram participar do encontro. Por que a reunião na igreja? “Pelo espaço disponível e pela religiosidade das pessoas. Aqui elas se sentem melhor”. doença vai embora A sabedoria popular, que a estratégia da Saúde da Famí-lia respeita e considera, afirma: “o que não arde, não cura; o que não aperta, não segura”. Nesse sentido, o PSF é um programa ardido. Dá trabalho para implantar, mas de fato contribui para reorganizar os serviços de saúde de qualquer município, dos menores aos maiores. O PSF existe em mais de 3.200 municípios brasileiros. Naqueles em que está adequadamente implantado, com profissionais capacitados e integrado ao sistema municipal de saúde, o PSF tem condições de dar solução efetiva a mais de 85% dos casos de saúde da população atendida. A assistência na gravidez, a atenção ao crescimento das crianças, o tratamento e prevenção das doenças mais fre- qüentes — todos esses cuidados são garantidos pelas Equipes de Saúde da Família (ESF). Essas equipes, formadas por um médico, uma enfer- meira, uma auxiliar de enfermagem e de 4 a 6 agentes comunitários de saúde, atuam nas Unidades de Saúde da Família (USF), onde contam com os equipamentos e instalações indispensáveis para garantir bom atendimento à comunidade. Sempre que possível, as USF utilizam o mesmo endereço onde antes funcionavam os centros ou postos de saúde. Mas atenção! A diferença vai muito além da mudança de nome. Enquanto os postos e centros de saúde tradicio- nais adotam um modelo passivo de atenção, limitados a encaminhar doentes para centros especializados ou para o hospital mais próximo, as Equipes de Saúde da Família (ESF), em atividade na USF, identificam os problemas e necessida- des das famílias e da comunidade, planejando, priorizando e organizando o atendimento. Mais ainda, as ESF dispõem de meios e profissionais capazes de resolver a maioria dos problemas de saúde ali mesmo, na USF. Quando necessário, as ESF realizam atendimento no próprio domicílio. Só os casos excepcionais, que representam menos de 15% do total atendido pelas USF bem instaladas, são encaminhados para unidades onde haja profissionais especializados e equipamentos mais sofisticados. Guia Prático do PSF 5 6 Guia Prático do PSF Essa nova maneira de organizar o sistema local de saúde explica por que, nos municípios onde o PSF está bem im- plantado, com equipes capacitadas e dispondo de estrutura física e equipamentos adequados, • diminui o número de mortes de crianças por causas evitáveis; • aumenta a quantidade de gestantes que chegam saudáveis e bem-informadas ao parto; • melhora a qualidade de vida dos idosos; • melhoram os índices de vacinação; • os hipertensos e diabéticos são diagnosticados, tratados e acompanhados; • os casos de tuberculose e hanseníase são localizados e tratados; • diminuem as filas para atendimento nos hospitais da rede pública de saúde. Na realidade, é interminável a relação dos defeitos dos serviços de saúde para os quais o PSF pode dar conserto seguro. Se é assim — e é assim! —, por que dizer que o PSF é um programa ardido? Porque implantar o Programa Saúde da Família exige paciência, determinação, teimosia, coragem, dinheiro, tempo, caráter, vontade política e espírito público nos graus mais elevados. Implantar o PSF significa reorganizar o sistema de saúde em vigor no município — e isso significa substituir as antigas diretrizes, baseadas na valorização do hospital, mais voltadas para a doença, e introduzir novos princípios, com foco na promoção da saúde, na participação da comunidade. A própria população precisa ser convencida de que desta vez a mudança é a sério — e isso significa uma luta tremenda contra a desconfiança crônica existente entre pessoas que há décadas e décadas vêm sendo mal atendidas e, com grande freqüência, iludidas. Este Guia Prático está dizendo, com todas as letras, que a resistência ao PSF é forte. Mais forte ainda, entetanto, é o apoio que o Ministério da Saúde dá aos municípios que entendem e adotam a Saúde da Família. Em 1994, quando o Programa Saúde da Família foi lançado no Brasil, os primeiros 55 municípios colocaram em ação 328 Equipes de Saúde da Família. Hoje, segundo semestre de 2001, são mais de 12 mil ESF atuando em mais de 4.500 municípios. Esse crescimento extraordinário é a melhor prova de que, apesar de todos os sacrifícios e dores de cabeça, compensa implantar o PSF. Dá prestígio para os prefeitos que querem ter prestígio. Dá emprego para municípios atormentados pelo desemprego. Dá orgulho para profis- sionais da área de saúde que trabalhavam sem motivação. Dá, sobretudo, saúde para as crianças, as mulheres, os adultos, os idosos, para as famílias, para a comunidade. Guia Prático do PSF 7 Neste Guia Prático, estamos explicando: 2 como o PSF bem implantado está dando resultados em vários municípios; 2 que diretrizes e princípios orientam o PSF; 2 as diretrizes e princípios para inclusão da saúde bucal no PSF; 2 o que os municípios precisam fazer para implantar, expandir e manter o PSF; 2 que providências é preciso tomar para receber os incentivos que o Ministério da Saúde fornece para a implantação, expansão e manutenção do PSF; 2 como selecionar e capacitar os profissionais para as Equipes de Saúde da Família. Para 2002, o Ministério da Saúde fixou como meta chegar a 20 mil Equipes de Saúde da Família em ação no Brasil. Será mais um avanço para a consolidação, em definitivo, do PSF. Em Esperança, interior da Paraíba, nasceram 605 crianças no ano 2000 e apenas 8 morreram antes de completar um ano — o que dá um dos mais baixos índices brasileiros de mortalidade infantil, com 13,2 mortes para 1.000 nascidos vivos. Outro dado impressionante de Esperança, em 2000: 93% das gestantes fizeram o pré-natal e não se regis- trou nenhum caso de morte no parto. Em Vitória, capital do Espírito Santo, o PSF já atende 45% da população. Onde o programa está implantado, 100% das gestantes recebem orientação para o parto, tomam todas as vacinas, fazem exames de DST/Aids, aprendem a impor- tância do aleitamento materno. Nessas áreas, todas as crianças estão vacinadas e todos os casos de crianças com diarréias são identificados e tratados. Em Vitória da Conquista, interior da Bahia, todas as gestantes das áreas cobertas pelo PSF fazem o pré-natal, recebem todas as vacinas, fazem exames de DST/Aids. Desde que o progra- ma foi implantado, em 1998, já se detectaram nove casos de mães que tinham o vírus da Aids. Eram soropositivas, como se diz. Mas seus bebês nasceram sem o vírus, porque a Saúde da Família garantiu o atendimento necessário. Se o PSF produz resultados tão bons, por que ainda existem prefeitos e municípios que não implantaram o programa? Por que o programa não cobre 100% da população de todos os municípios onde está implantado? Porque não é fácil implantar o PSF. Dá trabalho. Exige liderança, perseverança, capacidade de articulação. Não é só estalar os dedos e colher os aplausos. Quem testemunha essa dificuldade são profissionais e autoridades das próprias cidades onde o PSF funciona bem, onde a população atendida está satisfeita. “A Saúde da Família é o caminho mais difícil. Requer decisão política. A Saúde da Família dá muito trabalho: contratar, gerenciar, enfrentar as empresas privadas de saúde. E é importante não ficar contra a iniciativa privada e deixar claro, para a iniciativa privada, que o PSF é a favor da saúde pública. Aos poucos a população percebe a dife- rença, nota que o PSF resolve mesmo os problemas de saúde, e de maneira mais humana”. Médico Guilherme Menezes, prefeito de Vitória da Conquista “Com o PSF cresce a demanda e as necessida- des de saúde aumentam. É preciso organizar a parte seguinte, para que o paciente captado pelo programa tenha boas condições de atendimento, garantindo ações de saúde de maneira integral”. Médico Oscar Capistrano dos Santos, secretário de Saúde de Caruaru “Para que o PSF continue avançando, é preci- so investir mais em saneamento e na geração de emprego, porque saúde não caminha sozinha”. Cidadã Ana Lúcia da Silva, 31 anos, agente comunitária de saúde do PSF em Pedras de Fogo 12 Guia Prático do PSF exemplos:Alguns “A maior dificuldade do PSF está na contrata- ção do profissional de saúde. O perfil é diferente. Ele precisa saber trabalhar em equipe. Outro desa- fio é a criação de estratégia para a manutenção do profissional na equipe”. Rita de Cássia Costa da Silva, coordenadora do PSF em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte “O PSF torna-se barato no futuro, mas inicial- mente custa caro. O pré-natal que não era feito, por exemplo, levava ao parto com risco, mas não representava desembolso. A adoção do pré-natal resulta em melhores índices de saúde e economia, a médio prazo, mas no início representa um de- sembolso que não existia”. Médica Ana Tereza da Silva Pereira Camargo, que até setembro de 2001 foi secretária de Saúde de São Gonçalo-RJ Guia Prático do PSF 15 Apopulação cresceu demais, e muito rapidamente,em Lucas do Rio Verde. A toda semana chegava mais e mais gente, vinda principalmente do Sul do Brasil. A migração que inquietou Lucas do Rio Verde tem núme- ros conhecidos: em l998, a população do município era de 13.500 habitantes, e no censo de 2000 a contagem do IBGE chegou a 19.932 moradores. O crescimento po- pulacional foi superior a 47%, o que representou ameaça concreta à qualidade dos serviços prestados pelo municí- pio, inclusive na área de saúde pública. Por sorte, o PSF foi implantado em Lucas do Rio Verde no mesmo 1998 em que a migração se intensificava. A primeira unidade de saúde atendeu a 900 famílias de três bairros, na periferia, onde eram mais preocupantes os in- dicadores sociais: população de baixa renda e deficitária infra-estrutura de saneamento. No ano seguinte, a Prefeitura fez um levantamento sobre o número de pessoas do local, as condições de vida e os problemas de saúde mais freqüentes. Verificou que 48% das famílias tinham renda de um a três salários mí- nimos; condições insalubres de moradia; baixa cobertura vacinal; hipertensos e diabéticos sem acompanhamento médico; alto índice de crianças menores de seis meses em aleitamento artificial (apenas 32% alimentando-se exclusivamente do peito da mãe); além de uma grande incidência de crianças, menores de dois anos, com doen- ças diarréicas (163 casos, em 1999). Em 2000, duas outras unidades foram implantadas em Lucas do Rio Verde, elevando a cobertura para 58% da população. Em 2001 foram criadas mais duas unida- des, o que possibilitou o atendimento de todos os mora- dores da zona urbana de Lucas do Rio Verde. Atualmente (inclusive naqueles três bairros de situação mais precária em 1999), estão vacinados todos os mora- dores que precisam de vacina. Ou seja: é de 100%, em Lucas do Rio Verde, a cobertura vacinal referente às doenças que mais afetam a população do município. Só há uma exceção, entre essas vacinas primordiais: a BCG, que atinge 93% da população necessitada dessa vacina. Hoje, 100% das gestantes cadastradas fazem pré-natal, em Lucas do Rio Verde, o que diminui as complicações pós- parto. Também os pacientes com diabetes e hipertensão são atendidos e acompanhados em 100% dos casos, com garantia de medicamentos e exames laboratoriais. Fica no médio norte de Mato Grosso, a 330 Km de Cuiabá. Tem 20 mil habitantes. Implantou o PSF em outubro de 1998. Hoje, 96% dos problemas do município são resolvidos pela USF. Garante 100% de cobertura vacinal em todas vacinas, exceto BCG (93%). Entre as mães cadastradas, 100% fazem pré-natal. 16 Guia Prático do PSF Belém Capital do Pará, 1,5 milhão de habitantes, ruas centrais arborizadas com mangueiras. PSF está implantado há dois anos e atende a mais de 100 mil famílias em 40% da área do município. Tem 77 Equipes de Saúde da Família e 42 “casas família”, como são chamadas em Belém as unidades de saúde pertencentes ao programa. Agentes a bordo dos barcos “popopô” OPrograma Saúde da Família está implantado em Belémdesde 1999 e atende a mais de 100 mil famílias, dis- tribuídas pelos oito distritos administrativos que formam a cidade. O PSF cobre 40% da área do município, incluindo boa parte da região formada por ilhas. Iniciado com apenas cinco equipes, o PSF de Belém pas- sou por um grande processo de expansão de setembro de 1999 até agosto de 2000. Hoje, conta com 77 equipes e 42 “casas família”, como são chamadas em Belém as unidades de saúde pertencentes ao programa. Nessas unidades atuam as Equipes de Saúde da Família. Cada equipe é formada por um médico, uma enfermeira, uma auxiliar de enfermagem e quatro agentes comunitários de saúde. As visitas domiciliares do PSF ocorrem com uma freqüên- cia mínima de uma vez ao mês. Essa freqüência pode ser maior se na família houver uma pessoa que requeira atenção especial, como os portadores de diabetes, hipertensão arterial ou outro tipo de doença crônica. O trabalho das equipes não consiste apenas em examinar e medicar o paciente, mas tam- bém em orientá-lo sobre como transformar sua moradia em um lugar mais saudável. Em uma cidade como Belém, onde a maior parte das áreas de periferia não possui rede de esgoto, nem água encanada, essa é uma tarefa fundamental. Entre outros cuidados, os agentes comunitários de saúde ensinam o morador a acondicionar melhor o lixo doméstico e a tratar a água que bebe. Desde que esse trabalho começou a ser feito, diminuíram em 30% as internações por diarréia e desidratação. Outra conseqüência do trabalho das equipes é o aumen- to do índice de aleitamento exclusivo, ou seja, do número de crianças que até os seis meses de idade alimentam-se apenas com o leite materno. Na média geral da cidade, Belém tem 48% de suas crianças nessa situação. Esse índice é ainda maior nas áreas atendidas pelo PSF, chegando a 72% das crianças de até seis meses. Uma das áreas atendidas é a Ilha do Combu, onde pouco mais de 300 famílias vivem da pesca e da venda do açaí. Usando-se os pequenos barcos da região, os chamados “popopô”, leva-se cerca de 20 minutos da orla de Belém até o Combu. Antes do PSF, os moradores da ilha tinham que ir atrás de assistência no município de Acará. Hoje, além de receber as visitas em suas casas, eles contam com o atendi- mento de uma Casa Família implantada na ilha. Guia Prático do PSF 17 Os índices de vacinação no município são surpreen-dentes, atingindo mais de 95% das crianças. No aleitamento materno exclusivo, o índice ultrapassa os 60%. Entre as doenças mais graves registradas no municí- pio estão as DSTs, com notificação de sete casos de Aids. A incidência de câncer, de vários tipos, também é elevada. Chega-se a cogitar que o problema tenha ori- gem no nível de radiotividade da formação rochosa predominante na região. A população se abastece, em grande parte, dos tanques escavados na rocha. Esperança foi o segundo município paraibano a im- plantar o PSF, em 1998, antecedido apenas pelo projeto- piloto de Campina Grande, em 1994. O programa come- çou pela zona rural, onde havia maior carência de serviços de saúde. “O perfil epidemiológico indicava maior índice de agravos (casos de doença) entre aquela população”, diz a se- cretária de Saúde Lúcia de Fátima Gonçalves Derks. A maior dificuldade foi levar as pessoas a aceitarem a idéia de fazer consultas e exames na própria Unidade de Saúde da Família: “Não tinham a cultura de procurar os postos de saúde, iam direto para os hospitais, que eram a porta de entrada do sistema”. Outro problema: para tudo, todos achavam que a única solução era procurar os especialistas em Campina Grande, a metrópole regional mais próxima. Hoje a população de Esperança, inclusive a da zona rural, já confia no PSF. A cidade está com quatro unida- des em atuação e outras duas em implantação. Entre os bons resultados, há os índices de gestantes no pré-natal (93%), com quase 80% de partos naturais. A saúde local ainda demanda cuidados em relação à prevenção da gravidez na adolescência: 30% das gestantes são jovens entre 10 e 19 anos, especialmen- te na zona rural. “As mulheres costumam procurar os serviços de saúde, mas voltadas à prevenção ao câncer. É preciso um trabalho anterior, para evitar a gravidez precoce. Devemos implantar um programa de saúde da mulher, para tratar melhor essa questão”, diz a secretá- ria de Saúde. Um problema: as adolescentes grávidas Esperança Fica na região conhecida como brejo, no Planalto da Borborema, a 147 Km da capital, João Pessoa, e a 23 Km de Campina Grande (a segunda maior cidade no estado). Tem 28 mil habitantes. Começou o PSF pela zona rural. Mais de 95% das crianças estão com vacinação em dia. No aleitamento materno, o índice ultrapassa os 60%. Em 2000, não houve mortalidade materna e quase 80% dos partos foram naturais. 20 Guia Prático do PSF Segundo a coordenação do PSF de Campo Grande, amaior dificuldade está na baixa adesão dos médicos e na falta de entendimento de alguns usuários, que desejam o atendimento de urgência, como antigamente. Não entendem que, com o PSF, a medicina quer dizer saúde, e não doença. Mas há também, em Campo Grande, o problema oposto: pessoas de fora da área das unidades de Saúde da Família que insistem em ser atendidas, pois, dizem, “o PSF atende melhor”. Na realidade, em Campo Grande o PSF vem produ- zindo significativa melhoria em indicadores como: alto número de gestantes com pré-natal iniciado no primeiro trimestre; alto número de crianças de 0 a 6 meses com aleitamento materno exclusivo; baixo número de crian- ças desnutridas, entre outros. Capital do Mato Grosso do Sul, mais de 660 mil habitantes, maior pólo de comercialização de bois no Brasil. Implantou o PSF em maio de 1999. Na aplicação de várias vacinas, costuma apresentar índices acima de 100% (por exemplo: BCG, 125%; Sabin, 110%; anti- Sarampo, 122%) porque pessoas de cidades vizinhas aparecem. Campo Grande A Saúde da Família atende melhor Guia Prático do PSF 21 Em março de 1996, o PSF começou a ser efetivamen-te implantado em Caruaru. O programa teve boa aceitação nas comunidades e os resultados logo apare- ceram em indicadores como redução dos casos de diar- réia, infecções respiratórias agudas e outros fatores de mortalidade infantil. A maior dificuldade foi sensibilizar os médicos e enfermeiras para o trabalho preventivo. “Essa dificulda- de permanece até hoje, embora em menor grau”, afir- ma a atual coordenadora do PSF de Caruaru, Joseneide Barreto Oliveira. Muitos profissionais de saúde ainda procuram o programa pela vantagem financeira. A ro- tatividade é maior entre os médicos: “Muitos deles, quando atingem certa capacitação no programa, saem em busca de especialização”. A reação positiva das comunidades é o que mais im- pulsiona as ações do PSF em Caruaru. Sete das unida- des instaladas em 2001 foram solicitadas pela comuni- dade. “O programa tem credibilidade, há interesse pelo PSF nas áreas onde não foi ainda implantado”, assegura Joseneide. A cidade conta com 34 equipes atuando, duas em implantação e quatro para serem criadas até o final de 2001. Metas de vacinação atingidas, maior pro- cura pelo pré-natal e redução da desnutrição infantil são alguns dos resultados já registrados. A coordenadora do PSF cita alguns dados como exemplo: em julho de 2001, das 1.179 crianças de zero a quatro meses cadastradas, 697 tinham aleitamento exclusivo (um bom índice de 59,12%), e outras 365 tinham aleitamento misto. Na pesagem de 3.209 crianças de até um ano, apenas 154 estavam desnutridas (menos de 5%). De um a dois anos, foram pesadas 3.239 crianças e 384 (quase 12%) apresentavam sinais de desnutrição. Esses dados represen- tam melhora em relação aos anos anteriores, mostrando queda dos casos de desnutrição infantil em Caruaru. Fica a 130 quilômetros do Recife. Tem 248 mil habitantes, economia voltada princi- palmente para o comércio e serviços. Famosa pelo artesanato, a feira livre e os festejos juninos. Começou a implantar o PSF em 1996. Tem 34 ESF atuando, duas em implan- tação e outras quatro serão criadas até o final do ano. Os índices de vacinação estão acima dos 90% em todas as faixas. Mais aleitamento, menos desnutrição Caruaru 22 Guia Prático do PSF OPSF foi implantado em Pedras de Fogo em 1998.“De início, houve dificuldade para conscientizar as comunidades sobre a filosofia do programa. Queriam procurar médico sem encaminhamento e resolver tudo com remédio, desprezando o enfoque preventivo”, recor- da a coordenadora do PSF, Maria Mercês Salvador Alves. Hoje, a dificuldade é atender à demanda com as equipes disponíveis. “Nas áreas onde não há o progra- ma, a população está reivindicando. São necessárias mais unidades”, diz Mercês. Outras dificuldades, se- gundo a coordenadora, são encontrar médicos com o perfil adequado, e a insuficiência de recursos. O empe- nho da administração municipal e a aceitação dos mo- radores, após a fase inicial, são apontados como facili- dades na execução do PSF. O município conta atualmente com seis unidades do programa. Os resultados aparecem na cobertura de crian- ças imunizadas e de gestantes com pré-natal, na redução dos índices de mortalidade infantil, no acompanhamento de praticamente todos os casos de hipertensos e diabéticos. Município de atividade canavieira, 26 mil habitantes, a 56 quilô- metros da capital, João Pessoa. Não tem jornais nem emissoras de rádio e televisão. Implantou o PSF em 1998, hoje tem seis Unidades de Saúde da Família — e grande parte dos índices referentes à saúde pública melhoraram. Pedras de Fogo A população quer mais PSF Guia Prático do PSF 25 Atenção completa, consultas sem filas No município de Vitória, o PSF foi implantado emfevereiro de 1998, como uma estratégia para con- solidar e aprimorar o Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente são 31 equipes distribuídas em 11 unidades de saúde, atendendo a uma população de 140.901 mora- dores (45% do total). A meta da Secretaria Municipal de Saúde é atender a toda a população até 2004. Em Vitória, os eixos do PSF são a saúde da criança, da mulher, do idoso, prevenção de hipertensão, diabetes, tuberculose e hanseníase, ações de saúde mental e bucal. Os resultados apurados mostram uma cobertura de 100% das gestantes onde o PSF foi implantado: todas recebem orientação para o parto, vacinas, fazem exames de DST/ Aids, aprendem a importância do aleitamento materno. Vitória A capital do Espírito Santo é um arquipélago costeiro, com 24 ilhas e 81 quilômetros quadrados, onde vive uma população de 266 mil habitantes. Implantou o PSF em 1998. Atualmente, 31 equipes, distribuídas em 11 USF, atendem a 45% da população. Na área coberta, 100% das crianças estão com as vacinas em dia, 100% das gestantes recebem orientação para o parto, vacinas e fazem exames de DST/Aids. A previsão é de cobertura de 100% da cidade até 2004. O programa identifica todos os casos de crianças com diarréias, imuniza 100% das crianças nas áreas atendidas, cadastra os diabéticos, previne e trata a hi- pertensão e outras doenças que podem causar problemas no coração, derrames. Cada família cadastrada recebe pelo menos uma visita mensal do Agente Comunitário de Saúde. Os demais profissionais são acionados na medida das necessidades: enfermeiros e médicos visitam os pacientes acamados e os demais em situação de risco. Além da atenção na unidade de saúde, é assegurado o atendimento de espe- cialistas, quando necessário. E nada daquelas filas das noites e madrugadas, que não garantem vagas: as con- sultas são previamente agendadas. 26 Guia Prático do PSF Davi Capistrano, ex-prefeito de Santos-SP, foi um con-selheiro importante para a implantação do PSF em Vitória da Conquista. Outra pessoa decisiva foi o secretá- rio de Saúde, Jorge Solla. Vitória da Conquista é um bom modelo de implantação, manutenção e expansão do Programa Saúde da Família, no Brasil. Em Conquista, como dizem os da cidade, o PSF está de fato integrado na estrutura de saúde local. Labo- ratórios, hospitais, profissionais especializados — em toda a rede de saúde de Vitória da Conquista, a Saúde da Família é hoje o núcleo principal. A população (pobres e ricos) conta com equipamentos de saúde modernos. O computador constitui presença na- tural, rotineira na Saúde da Família em Vitória da Conquista. Do centro da cidade à área rural mais remota, a infor- mação sobre qualquer problema de saúde de qualquer cidadão chega rapidamente a um banco de dados infor- matizado. Chega por rádio, no caso das localidades mais afastadas. Chega por telefone (inclusive orelhão), na- queles pontos onde já existe telefonia instalada. Chega pela internet, onde funcionam computadores. Nesse banco de dados informatizado, estão armaze- nadas — e atualizadas, graças ao trabalho permanente dos Agentes Comunitários de Saúde — informações sobre a situação de saúde de todos os moradores daquelas áreas cobertas pelo PSF. Quando atende a um desses moradores, o médico o conhece pelo nome, possivel- mente já esteve na casa dele, e vê na ficha todas as infor- mações a respeito do paciente. Vitória da Conquista O médico aparece todo dia e fica o dia todo O atendimento do PSF tem como prioridade, em Conquista, a periferia, onde não existe nenhum serviço de saúde. Um exemplo é o distrito de José Gonçalves, onde antes o médico aparecia a cada dois ou três meses. Ficava só na parte da manhã, no posto mal equipado e atendia a umas 60 pessoas, demorando 2 ou 3 minutos com cada uma. Com o PSF, inicialmente o médico aparecia uma vez por semana, em José Gonçalves, ficando o dia todo. Depois, passou a ir duas vezes por semana e acompa- nhado da enfermeira, da auxiliar de enfermagem e tendo seu trabalho precedido pelas visitas dos agentes comuni- tários de saúde (ACS) às casas dos moradores. Hoje, os 25 mil moradores do distrito de José Gonçalves contam com a presença do médico todo dia, o dia inteiro, de segunda a sexta. Há duas equipes do PSF que se revezam em José Gonçalves. São equipes completas, com médico, enfermeira, auxiliar de enfermagem, quatro ACS cada. Como no restante do município, a hipertensão é a doença que mais aparece em José Gonçalves. Os remédios para hipertensos chegam a representar 50% do material distribuído à comunidade. Antes, a maioria das pessoas nem sabiam que sofria de hipertensão. Dormiam mal, sen- tiam indisposição para todo tipo de trabalho, queixavam- se de dor de cabeça constante — e achavam que isso era normal. A partir do momento em que passaram a receber o atendimento e os medicamentos constantes para a hi- pertensão, descobriram o que é de fato uma vida normal. Na sala de espera, na unidade de José Gonçalves, a TV passa filmes sobre hipertensão, vacinação, cuidados com higiene, o que fazer com o lixo. Ali, na Unidade de Saúde da Família, fica sempre um profissional de nível superior, de segunda a sexta, o dia inteiro: se a enfer- meira sai para ver um paciente em casa, o médico fica na unidade. Se ele sai, ela fica. A Equipe de Saúde Bucal, em José Gonçalves, se divide entre as duas equipes de saúde. Fica dez dias com a equipe 1, depois dez dias com a equipe 2. Os agentes comunitários também participam da atenção à saúde bucal. Por falta de sala-gabinete dentário, dentistas fazem trabalho preventivo, de orientação. Em 2000, a prefeitura de Conquista comprou mais de 100 mil escovas de dentes. Guia Prático do PSF 27 Com mais de 300 mil habitantes, a 520 quilômetros de Salvador, tem mais de 900 metros de altitude e inverno rigoroso, com temperaturas abaixo dos 10º C. Implantou o PSF em 1998. É hoje um dos municípios com melhor estrutura de Saúde da Família, no Brasil, incluindo atenção à saúde bucal (em 2000, o município comprou 100 mil escovas de dentes). Antes do PSF, a mortalidade infantil registrava taxa de 44 mortos por 1.000 nascidos vivos. Atualmente, a proporção está em 23 mortos por 1.000 nascidos vivos. Hipertensão é a doença que mais aparece. Remédios para hiper- tensos chegam a ser 50% dos medicamentos distribuídos. – os serviços públicos de saúde de seu município merecem confiança? – você deixaria seu filho ser atendido em uma unidade básica de saúde de seu município? por favor, responda sinceramente: Guia Prático do PSF 59 Até aqui, neste Guia Prático do PSF, demos exemplos de cidades brasileiras onde os prefeitos começam a ter condições de responder sim a essas per- guntas. São municípios em que o Programa Saúde da Família está adequadamente implantado. Em vários deles, o PSF dá cobertura a toda a população. Em outros, a co- bertura está aumentando e há planos de se chegar aos 100% do município o mais rápido possível. Em todos eles, a implantação do programa nasceu de uma decisão políti- ca firme, voltada para o bem da comunidade. É a decisão de reorganizar o sistema de saúde do município. Reorganizar por quê? Porque o sistema anterior não deu resultados satisfa- tórios. Por razões históricas, que entram pelo território da economia e passam pelas práticas políticas e costumes culturais, o modelo de saúde predominante no Brasil criou grande distância entre as equipes de saúde e a população. Por esse modelo, a especialização teve destaque absoluto, praticamente apagando a visão integral das pessoas e a preocupação em trabalhar com a prevenção das doenças, a promoção de hábitos saudáveis. Por esse modelo, os serviços básicos de saúde não têm profissionais nem equipamentos capazes de dar solução para os problemas mais comuns da população. Não se criam, de fato, vínculos entre a população e os serviços de saúde. Não há, igualmente, articulação entre a rede básica e os demais setores ligados à saúde, o que impede um diagnóstico preciso para se traçar o combate efetivo às causas dos problemas. Como resultado, ainda convivemos em nosso país com crianças desnutridas; gestantes sem garantia de pré-natal adequado, chegando despreparadas à hora do parto; idosos desasistidos; falta de atendimento e de acompanha- mento permanente aos casos de hipertensão e diabete; baixa capacidade de diagnóstico e tratamento dos casos de tuberculose e hanseníase; insuficiência no cuidado com a saúde bucal da população, entre tantas outras falhas. Reorganizar para quê? Para que passe a existir, entre a comunidade e os profissionais da saúde, uma nova relação — de confiança, de atenção, de respeito. Essa nova relação é um dos principais pontos de apoio dos profissionais que com- põem as Equipes de Saúde da Família (ESF). Para que eles possam desempenhar bem o seu papel é necessário garantir os medicamentos, os exames complementares, os locais apropriados para os atendimentos, para os partos, para as internações hospitalares, para as urgên- cias e emergências. É preciso entender bem qual é a idéia de Saúde da Família. Em primeiro lugar, esse conceito prevê a partici- pação de toda a comunidade — em parceria com a ESF — na identificação das causas dos problemas de saúde, na definição de prioridades, no acompanhamento da avalia- ção de todo trabalho feito. Sem privilégio para ninguém, sem discriminação de ninguém, é fundamental a atuação dos conselhos locais, igrejas e templos dos mais diferen- tes credos, associações, os vários tipos de organizações não-governamentais (ONGs), clubes, entidades de todos os gêneros. Em harmonia com as leis e normas que regulamentam a saúde, no Brasil, o Programa Saúde da Família pressupõe que os municípios estejam preparados para atuar de for- ma regionalizada e hierarquizadada. Cada município deverá dar solução aos problemas mais comuns e mais freqüentes na saúde da sua população e definir para onde encaminhar os casos que exigem atendimento especializa- do. É um erro, portanto, imaginar o PSF como um serviço paralelo, isolado. Pelo contrário, o PSF se integra ao ser- viço de saúde do município e da região, enriquecendo-o, organizando-o e caracterizando-se como a porta de en- trada do sistema municipal de saúde. A organização da atenção básica, propiciada pelo PSF, trata as pessoas, controla as doenças crônicas (como hipertensão, diabetes), diminui a solicitação de exames desnecessários, racionaliza os encaminhamentos para os serviços de maior complexidade, reduz a procura direta aos atendimentos de urgência e hospitalares. 60 Guia Prático do PSF Outro erro é pensar que as ESF são responsáveis ape- nas pelas visitas domiciliares e atividades coletivas ou indi- viduais de prevenção a doenças, enfermidades, patologias em geral, enquanto a assistência curativa continua sob responsabilidade de outros profissionais do modelo ante- rior, tradicional. Essa é uma grave distorção, que põe por terra pontos básicos do PSF, que são a Integralidade e a Resolutividade: nos territórios onde estejam implantadas, as Unidades de Saúde da Família são as responsáveis por toda atenção básica das comunidades, sem que haja pa- ralelismo na assistência prestada. Mais um erro de entendimento que leva a distorção grave: achar que os recursos financeiros encaminhados pelo Governo Federal, como incentivo, representam todo o dinheiro necessário para implantar e manter o Programa Saúde da Família. Nunca é demais lembrar, a propósito, que a legislação do Sistema Único de Saúde (SUS) tem como princípio, para sua consolidação, os investimentos das três esferas de governo: federal, estadual e municipal. Outro princípio básico do SUS é a descentralização. Isso quer dizer que, em toda estratégia de atenção à saúde adotada, o município é responsável pela organização e operacionaização dos serviços, pela forma de contratação e pagamento dos recursos humanos, pelo acompanhamento e avaliação das ações desenvolvidas. Nunca é demais lembrar, igualmente, que o Programa Saúde da Família faz parte de um contexto muito maior, que é o SUS. Os profissionais do PSF não têm a pretensão de solucionar todos os problemas de saúde. Mas devem estar conscientes de que uma atenção básica de qualida- de é parte fundamental desse objetivo, de acordo com as responsabilidades definidas na NOAS – 2001. Principais responsabilidades da Atenção Básica a serem executadas pelas ESF e ESB nas áreas prioritárias da Atenção Básica à Saúde - NOAS 2001: Responsabilidades Vigilância Nutricional Imunização Assistência às doenças prevalentes na infância Assistência e prevenção às patologias bucais na infância I. Ações de Saúde da Criança Atividades Acompanhamento do crescimento e desenvolvimento Promoção do aleitamento materno Realização ou referência para exames laboratoriais Combate às carências nutricionais Implantação e alimentação regular do SISVAN Realização do Esquema Vacinal Básico de Rotina Busca de faltosos Realização de Campanhas e intensificações Alimentação e acompanhamento dos sistemas de informação Assistência às IRA em menores de 5 anos Assistência às doenças diarréicas em crianças menores de 5 anos Assistência a outras doenças prevalentes Atividades Educativas de promoção da saúde e prevenção das doenças Garantia de acesso a referência hospitalar e ambulatorial especializada, quando necessário, de forma programada e negociada com mecanismos de regulação Realização ou referência para exames laboratoriais Realização de ações de prevenção e cura das patologias bucais, buscando o restabelecimento das funções da boca, com foco no desenvolvimento neuro- lingüístico e no processo de socialização da criança Garantia de acesso a referência hospitalar e ambulatorial especializada, quando necessário (fonoaudiologia, ortodondia preventiva, etc.), de forma programada e negociada com mecanismos de regulação Guia Prático do PSF 63 Responsabilidades Diagnóstico de casos Cadastramento dos portadores Busca ativa de casos Tratamento dos casos Monitorização dos níveis de glicose do paciente Diagnóstico precoce de complicações 1º Atendimento de urgência Encaminhamento de casos graves para outro nível de complexidade Medidas preventivas e de promoção da saúde Atividades Investigação em usuários com fatores de risco Alimentação e análise de sistemas de informação Visita domiciliar Acompanhamento ambulatorial e domiciliar Educação terapêutica em diabetes Fornecimento de medicamentos Curativos Realização de exame dos níveis de glicose (glicemia capilar) pelas unidades de saúde Realização ou referência laboratorial para apoio ao diagnóstico de complicações Realização ou referência para ECG 1º Atendimento às complicações agudas e outras intercorrências Acompanhamento domiciliar Agendamento do atendimento Ações educativas sobre condições de risco (obesidade, vida sedentária) Ações educativas para prevenção de complicações (cuidados com os pés, orientação nutricional, cessação do tabagismo e alcoolismo; controle da PA e das dislipidemias) Ações educativas para auto-aplicação de insulina Ações educativas e de controle das patologias bucais buscando proporcionar condições para o autocuidado IV. Controle da Diabetes Melittus Atividades Identificação de Sintomáticos Respiratórios (SR) Exame clínico de SR e comunicantes Realização ou referência para baciloscopia Realização ou referência para exame radiológico em SR com baciloscopias negativas (BK -) Alimentação e análise dos sistemas de informação Tratamento supervisionado dos casos BK+ Tratamento auto-administrado dos casos BK - Fornecimento de medicamentos Atendimentos às intercorrências Busca de faltosos Vacinação com BCG Pesquisa de comunicantes Quimioprofilaxia Ações educativas V. Controle da Tuberculose Responsabilidades Busca ativa de casos Notificação de casos Diagnóstico clínico de casos Acesso a exames para diagnóstico e controle: laboratorial e radiológico Cadastramento dos portadores Tratamento dos casos BK+ (supervisionado) e BK (auto-administrado) Medidas preventivas A) capacitação, ou seja, os treinamentos necessários para que sejam reorientadas as ações e práticas de acordo com as áreas prioritárias da atenção básica e o diagnósti- co da realidade local; B) supervisão e acompanhamento permanente nos aspectos técnicos e gerenciais para garantir o suporte ne- cessário para superar os problemas que forem surgindo no desenvolvimento dos trabalhos. 64 Guia Prático do PSF Responsabilidades Cadastramento de usuários, Planejamento, Execução e Acompanhamento de ações Atividades Adequação aos cadastros disponíveis pela ESF e PAC Alimentação e análise dos sistemas de informação específicos Análise dos demais bancos de dados disponíveis para planejamento e programação integrada às demais áreas de atenção do PSF Participação do processo de planejamento, acompanhamento e avaliação das ações desenvolvidas no território de abrangência das Unidades de Saúde da Família Identificação das necessidades e expectativas da população em relação à saúde bucal Construção de mapas inteligentes buscando visão espacial das famílias, crianças, gestantes, hipertensos, diabéticos, demais situações de agravo de interesse à saúde bucal, equipamentos sociais governamentais ou não como creches, escolas entre outros Organização do processo de trabalho de acordo com as diretrizes do PSF e do plano de saúde municipa Desenvolvimento de ações intersetoriais para a promoção da saúde bucal VII. Ações de Saúde Bucal Atividades Identificação de sintomáticos dermatológicos entre usuários Exame de sintomáticos dermatológicos e comunicantes de casos Classificação clínica dos casos (multibacilares e paucibacilares) Alimentação e análise dos sistemas de informação Acompanhamento ambulatorial e domiciliar Avaliação dermato-neurológica Fornecimento de medicamentos Curativos Atendimento de intercorrências Avaliação e classificação das incapacidades físicas Aplicação de técnicas simples de prevenção e tratamento de incapacidades Atividades educativas Pesquisa de comunicantes Divulgação de sinais e sintomas da hanseníase Prevenção de incapacidades físicas Atividades educativas Responsabilidades Busca ativa de casos Notificação Diagnóstico clínico de casos Cadastramento dos portadores Tratamento supervisionado dos casos Controle das incapacidades físicas Medidas preventivas VI. Eliminação da Hanseníase ATENÇÃO! É muito importante, no início dos trabalhos, que as equipes se sintam amparadas e estimuladas pela gestão municipal. Guia Prático do PSF 65 É muito mais que uma simples mudança de nome, em relação aos centros e postos de saúde, ainda que eventualmente o endereço continue o mesmo. Só é in- dispensável construir uma nova estrutura física quando se implanta o PSF numa área onde até agora não existia nenhum tipo de atendimento. ATENÇÃO! Se for usado o imóvel antigo, onde até agora funcionou o centro ou posto, é indispensável fazer uma boa vistoria da estrutura física, antes da ins- talação da USF, com especial cuidado em relação às instalações elétricas e hidráulicas, à ventilação, à ilumina- ção natural, aos espaços para a circulação das pessoas, buscando adequar os fluxos de atendimento às normas de controle de infecção. No modelo tradicional, a função dos centros de saúde,ou postos de saúde, se caracteriza pela passividade. Sem vínculo efetivo com as pessoas, sem responsabilidade maior com a saúde da comunidade, essas unidades se limi- tam a abrir suas portas (às vezes só pela manhã, ou só à tarde) e a esperar que cheguem as crianças para serem va- cinadas ou pacientes para serem encaminhados a hospitais. Já a Unidade de Saúde da Família (USF) trabalha dentro de uma nova lógica, com maior capacidade de ação para atender às necessidades de saúde da população de sua área de abrangência. A função da USF é prestar assistência contí- nua à comunidade, acompanhando integralmente a saúde da criança, do adulto, da mulher, dos idosos, enfim, de todas as pessoas que vivem no território sob sua responsabilidade. Onde antes existia o centro de saúde ou posto de saúde, pode agora estar uma Unidade de Saúde da Família. Mas atenção: a mudança não é só de nome! Unidade de Saúde da Família
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved