Baixe revista sobre etnomatemática e outras Notas de estudo em PDF para Matemática, somente na Docsity! EDIÇÃO ESPECIAL
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EDIÇÃO ESPECIAL ETHOMATEMÁTICA
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BHETOR RESPONSÁVEL: Alfredo antas
ALGUNS DIAS ANTES DO fechamento desta edição
estava conversando com o professor Vanísio Luiz
da Silva, um dos nossos colaboradores no especial, e
ele disse algumas coisas que sintetizam por que é tão
importante falarem emmomatemática,
Ele explicou como às vezes é dificil lidar com a resis-
tência que alguns matemáticos têm em aceitar esse ramo
das pesquisas. Essarixa se refleieementraves paraaimple-
mentação de propostas educacionais que levem em conta
olado histórico, cultural antropológico dessamatemática
quevem do dia-a-dia, da dinâmica familiar, dos ancestrais
de cada um. “É uma visão de mundo anterior, que nãoé
nem maiscertanem mais errada que a matemática tradicio-
nal, masque devescrlevada em contana horadeensinar”,
Por que ernomatemática?
defende Silva, co-autor do artigo sobre a “matemática
mítico-religiosa-corporal do negro brasileiro”.
Para ilustrar seu ponto de vista, ele contou a dificuldade enfrentada por professores
“brancos” que foram ensinar contas para uma mibo de índios quetem uma forma peculiar
de encarar as unidades. “Se cles têm várias coisas iguais, por exemplo, várias bananas,
e uma laranja, eles contam como se tivessem só duas unidades porque as bananas, por
serem iguais, representam uma coisa só. Não adianta tentar ensinar que ali existem dez
coisas sem levar em conta essa cultura anterior.”
Esse modo próprio de compreender o mundo com uma visão matemática é espe
cialmente rico no Brasil. Tal característica pode ser encontrada não só nos índios, como
também nos negros, nos sem-terra, até mesmo na conta do menino que vende bala no
semáforo, como mostra a professora Maria do Carmo Demite em seu artigo. Por isso,
nos preocupamos em enriquecer esta revista com textos que retratem a emomatemática
brasileirae discutama sua abordagem em sala de aula. Pioneiro dos estudos nessaárea, o
professor brasileiro Ubiratan D' Ambrosio, que escreveo amigo de introdução do especial
& prestou uma assessoria técnica para à confeeção de todo o material, resume essa idéia:
“a matemática é a marca da civilização humana em sua pluralidade”.
Aolongo das páginas da revista, mostramos que povos de todas as partes do riundo
desenvolveram um método próprio de contar, de medir, de marcarotémpo, de entender
o Universo, Alguns são de uma genialidade que impressiona até hoje pesquisadores das
nais diversas áreas, É o caso, por exemplo, dos incas. Eles criaram um complexo siste
ma de nós em coidas, us quipos, que não só regisravam a contabilidade das transações
comerciais e as datas comemorativas como talvez tenham sido uma forma de escrever a
língua quíchua. Mais impactante ainda é descobrir que há 20 mil anos algumas mibos
africanas desenvolveram um pensar matemáticoe registraram seus “números” com riscos
em ossos (vor imagem acima). Aproveite essa viagem e tenha uma boa leimira!
Giovana Girardi
redacaosciamêPduettoeditorial com br
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 3
1 Ponto de Vista
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INTRODUÇÃO
Volta ao mundo em
Por Ubiratan D'Ambrosio
maté
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as
Incas, egípcios, maias, celtas, inuítes, papuas, pigmeus, indianos, chineses,
japoneses. Todos esses povos inventaram sua própria maneira de contar e medir
matemática é quase tão antiga quanto a espécie huma-
na. Bem antes da invenção dos números, os primeiros
homens tiveram de desenvolver métodos para resolver
problemas cotidianos, como localizar-se no tempo eno
espaço, e para tentar descrever e explicar o mundo físico, Eles cria-
ram maneiras de comparar, classificar ordenar, medir, quantificar,
inferir — elementos fundamentais que a tradição cultural ocidental
nomeia matemática.
Mascomo esses formidáveis meios de investigação se desenvol-
veram? Os primeiros elementos de resposta delinciam um paralelo
entre sua emergência e a da linguagem, das ferramentas, da are, da
música e até do humor.
Desde tempos pré-históricos (ver artigo “África, berço das
matemáticas”, pág, 42), os humanos acumulam conhecimentos
para responder a suas necessidades é seus desejos. Essas respostas
dependiam, em grande medida, das regiões e das culturas. Assim,
os povos das florestas elaboraram meios de medir terrenos diferen-
tes daqueles dos povos das pradarias, é portanto desenvolveram
geo-metrias (medidas da terra) diferentes. Aqueles que viviam nas
proximidades da linha do equador percebiam dias e noites de mes-
ma duração durante todo o ano, enquanto os que viviam além dos
trópicos eram testemunhas do efeito das estações sobre a duração
dosdias e das noites. Além disso, os calendáriose, portanto, osmeios
de organização do trabalho, da urbanização e de numerosas ouras
práticas, se distinguiram conforme as regiões.
No final, diferenciaram-se tanto as estratégias de organização
de quantificação como os sistemas de numeração. Por essa razão, o
sistema de contagem des índios mundurucus, no coração do Brasil,
nos mostra que não é necessário saber contar além de cinco para
& SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
viver em harmonia com o ambiente, Matemáticas como essa, que
surgiram em contextos naturaise especificos, são o objeto de estudo
dos emomaremáticos,
No final do século XV e durante todo o século XVI, as nações
européias — sobretudo Espanha e Portugal, seguidos de Holanda,
Inglaterrae França — estabeleceram colônias em quase todo o plane-
ta. Como impulso do regime colonial, os meios locais de produção e
comércio foram alinhados ao modelo europeu. Simultancamente, as
especificidades intelectuais dos povos conquistados foram, na maior
parte dos casos, ignoradas e, às vezes, proibidas.
ASubordinação Histórica
Dessa MANEIRA DESAPARECERAM, Ou quase desapareceram, os
modos tradicionais de medida, organização e quantificação dos
conjuntos des objetos, do mesmo modo que as linguas, asreligiões, a
medicina e tantas outras expressões culturais. Na América do Sul, as
técnicas de numeração dos incas (verartigo na pág. 20) e aaritmética
maia(vertextos na pág. !6) não sobreviveram à conquista espanhola:
Numerosas outras tradições matemáricas — como a dos sonas, na
África subsaariana (ver texto no pág. 68)- também sumiram no
século XX ou estão à caminho de desaparecer.
O fim da era colonial foi marcado pelo renascimento de culturas
ignoradas por séculos, e nos últimos anos temos resgatado uma ex-
plosão de novas formas de arte, de práticas medicinais, de religiões
e de costumes, Mesmo linguas esquecidas (às vêzes proibidas), são
hoje novamente faladas. Para outras, infelizmente é tarde demais.
Essa renascença teve seus pioneiros. No primeiro quarro do
século XX, o historiador Oswald Spengler apresentou sua visão da
história: “Não há uma escultura, uma pintura, uma matemática,
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
RE SCAGDA E SAS MA,
uma física, mas muitas, e cada uma é essencialmente diferente das
auiras, é limitada no tempo e autônoma, da mesma maneira que
cada espécie de planta tem sua flor ou fruta particular, seu desabro-
chamento e declínio”,
Diversas décadas mais rirde, uma referência mais direta a outros
enfoques da matemática foi revelado pelo algebrista Yasuo Akizuki:
“As filosofias e as religiões orientais são de natureza difereme das
pinar que existam diferentes modos
de pensar, mesmo no campo da matemática. Não deveriamos nos
limitar à aplicação direta dos mésodos atualmente considerados na
Europa e na América como os melhores, mas estudar de periovo
ensino da matemática na Ásia. Tal estudo poderia se mostrar inte-
ressante e frutifero para o Ocidente e para o Oriente”,
acidentais. Posso então ima
Intercâmbio Cultural Mundial...
ÁsTROCAS ENTRE EUROFA, Ásia é África do norte foram intensas
desdea Amtigiiidade, mas foi realmente com as grandes navegações
dostculoXV queo horizonte cultural se expandiu a todo o mundo.
Asrepresentações dos visitantes estrangeiros foram incorporadas ao
imaginário coletivo dos indigenas, ao mesmo tempo que as narrati-
vas dos viajantes inflamavam o
imaginário europeu. Às novas
terras deixavam entrever novas
riquezas. Os europeus entra-
quecem o poder de negociação
e a resistência das populações
locais por alianças comerciais.
Simultancamente, missões
religiosas ecivilizadoras conso-
lidaram a conquista. O roteiro
foro mesmo em todo lugar.
Assim, antes que o Japao se
fechassc por diversos séculos,
portugueses e holandeses riva-
lizatam por acordos comerciais
no pais. À vantagem foi dos pri-
meiros enquanto 6 catolicismo
foi tuleradoe dos segundos após
essa religião ter sido desfavorecida. Ao mesmo tempo, indiferentes
às disputas comerciais dos europeus, matemáticos japoneses discu-
tam entre si com suas tábuas votívas, mantidas nos remplos (Der "A
geometria a serviço dos deveses no Japao”, pág. 30).
O periodo colonial propagou a civilização ocidental por todo
o planeta. Instituições sociais, políticas é econômicas de origem
européia se tomaram universais. Sociedades adotaram objetivos de
progresso e de desenvolvimento, quantificados de acordo com os
iss propostos pelas potências colôniais.
“gável centralismo cultural dos ceidentais é ilustrado pela
pio que sempre destacou um único lado do encontro de cris-
tãos e muçulmanos após as cruzadas: os europeus incorporaram
WIN VILSCIAM COM BR
as componentes interessantes da cultura islâmica, nada mais: Eles
esqueceram os quadrados mágicos (ver artigo na pág. 36) eos poemas
matemáticos (púg, 0) que os árabes redigiam “para descansar”.
Não havia muito espaço para quem não partilhasse a cultura,
vcomporamento e, em numerosos casos, os mesmos valores dos
europeus. Essa distinção é particularmente clara na matemática.
Reencontraro conhecimento das civilizações desaparecidas ou de
povos marginalizados no grande tabuleiro da globalização é apro-
fundar a compreensão da matemática em seu maior sentido.
Ela não nasceu de um estado primitivo que teria evoluído
uniformemente em direção à matemática ocidental. Segundo essa
opinião “européia”, um sistema que se desenvolve em uma cultura
à parte da corrente principal é, na melhor das hipóteses, visto como
algo intrigante ou como um ramo folclórico.
Muitas histórias fundadas sobre descobertas arqueológicas can-
mopológicas mostram que diversas atividades requerem o desenvol-
vimento da matemática; arquitetura (ver "Fractais urbanos africanos”,
pág. 66), recelagem, agricultura, decoração, atividades religiosas
(ver "A arte dos adivinhos de Madagascar”, pxjy, 72), música (ver
“Música e Ritmos”, pág: 60), 0 estabelecimento de calendários etc.
Em consegj a, encontramos
| Vestígios de atividades mate-
áticas em todos os cantos do
mundo. Por quenão os explorar,
porexemploinmoduzindo-osna
prática escolar?
Cultura Matemática
PARA ALGUNS críricos isso seria
inútil com base na alegação de
quetaisatividadesse restringem
ao campo lúdico. Sem dúvida
as estudantes em busca de um
emprego serão avaliados porseu
conhecimento da matemática
clássica. Noentanto, aeducação
é mais que uma transmissão de
instrumentos utilitários direcio-
nados para o sucesso profissional. Ela deve valorizar a diversidade
cultural e desenvolver a criatividade.
Oensino da matemática pode ter uma importante contribuição
na reafirmação e, em numerosos casos, na restauração da dignidade
cultural das crianças. O essencial do conteúdo dos programas atuais
tepousa sobre uma tradição estrangeira aos alunos. De outro lado,
clesvivem em uma civilização dominada pela matemáticae por meios
de comunicação sem precedentes, mas as escolas lhes apresentam
uma visão de mundo bascada em dados.
Como a ernomaremática pode ajudar na pedagogia maisampla
noséculo XXI? Há uma tendência a uma visão simplista dessa área.
Façamos uma reflexão maior sobre a natureza do saber.
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 7
O conhecimento é criado e organizado intelectualmente pelo
indivíduo em resposta a um ambiente natural, cultural e soci
depois de ter sido difundido pela comunicação, ele é organizado
socialmente, tómando-se assim pare integrante de uma comu-
nidade (uma cultura), essencialmente por reconhecer e explicar
fatos e fenômenos. Observadores, cronistas, teóricos, sábios,
universitários e “guardiões do poder” se apropriam desses co-
nhecimentos, classificam-nos e dão-lhes uma etiqueta, antes de
e difundi-los. Assim nascem as formas estruturadas
de conhecimento: a língua, a religião, a culinária, a medicina,
vestimentas, os valores, a ciência, a matemática, todas interdepen-
dentes eem resposta à percepção da realidade desse ambiente. E:
conhecimento, “congelado” em estruturas coerentes, é transmitido
e difundido pelos agentes, em particular os professores.
Ao reconhecer “mais de uma matemática”, aceitamos que exis-
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Cultura dos indios!
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temdiversas respostas a ambientes diferentes. Do mesmo modo-que
há mais de uma religião, mais de um sistema de valores, pode haver
mais de uma maneira de explicar e de compreender a realidade.
Matemática e Antropologia
AMATEMATICA OCIDENTAL sempre se desenvolveu
àdopovooudas profissões, isto é, à emomatemática. Na Idade Mé-
dia, porexemplo, os artesãos desenvolviam suas medições de modo
diferente às dos monastérios e universidades. E ainda o caso hoje,
encontramos a matemática onde menos se espera, por exemplo nos
curtumes e nas sacolas de entregadores de jornal.
A história prova sua parcialidade ao não reconhecer que uma
nova emomatemática era à etapa preliminar pela qual passavam as
novas práticas e teorias antes de serem incorporadas pelaciência. Eis
a razão por que a área deve abordar a antropologia ca história oral.
Basdrados
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L.DUAS PÁGINAS DO códice Tro-Corteslanus, mantido em Madel Hesse almaraque gado à apicultura [os obelhos estdo em vermelho), as datas indicadas por pontos e barras são
as da calendário religiaso, chamada do ranlhin
pedra”abandonadas havia séculos: foi um dos primeiros a entrarem
umsitiomaia. Em 1787, voltando de Palenque, Antonio del Rioredi-
giu um relatório com numerosos mapas e medidas dos monumentos.
Em 1836, o advogado americano John Lloyd Stephens encontra o
desenhista inglês Frederuck Canhenwood, e ambos partem a Yucatân.
Em julho de 1840, voltam a Nova York. Stephens publica ali, em
1841, Incidents of Tiwoel im Central America, Chiapas and Yucatán.
Olivro causa sensação. Os dois homens revelam ao prande público a
civilização maia com sua arquitetura, sua escultura, seus afrescos, suas
estelas, sua escrita. E ali dão im a elucubrações fantasiosas.
As Primeiras Decifrações
A DECIFRAÇÃO DA ESCRITA maia começou pelas datas e durações
dastextosastronômicos. À essa altura, jácra admitida a idéia de quea
América amiga havia produzido-civilizações tão importantes quanto
as do Velho Mundo, À redescoberta dos códices e das inscrições
gravadas, junto com a da obra de De Landa ea de textos indigenas
posteriores à conquista, marea o início verdadeiro das decifrações.
Osprimeiros trabalhos revelaram que os maias utilizaram um sistema
de unidade de tempo e dois tipos de numeração de base 20: com-
preende-se uma unidade principal, o tum (um ano de 360 ou 400
dias), seus múltiplos, como o hatun (20441), 0 bakstan (ADO tun ou 20
featien) cre. e suias duas subunidades, o sinal (mês ou 1/18 de tum) e
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okin (diaou 1/20 de sinal ou 1/360 de tum). Uma das nunicrações
é posicional e destinam-se à notação de algarismos isolados, a outra
é não-pesicional e liga cada algarismo à indicação da unidade que
ele determina. Os deis tipos de numeração possuem zeros, tanto na
posição final como na posição interior,
O único uso amplamente atestado das numerações maias é a
notação das datas e durações. Desse ponto de vista, os maias se dis-
tinguem dosincas, que tinham vegistrosda administraçãodo império.
Os monumentos e os códices maias mostram esses conhecimentos
numéricos aplicados aos calendários e às efemérides dos principais
planetas vistos a olho nu.
4 5 5 2 8 9
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“ 15 = | 7 » | 8
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2 O SISTEMA PONTO-BARRA, Criado quatro ou tic séculos antes de Cristo, era
utilizado pelos mesoamericanos para representar números de 1 a 19
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 14
Dias. do calendário religioso
[5] CIMI g CHUEN
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: TEC & VAR 8º MUANT ã LArES
3 Es SEAL SA Dreligioso, chamado de trúlkin, é baseado em
dois ciclos, um de 13 posições ou números, materializado pelas algarismos de 1
a 13, e outro de 20 nomes de dias (tobelo 0). O calendário civil, chamado de hacb,
di constituído de 18 “meses” [tabela b) de 20 dias e de um periodo de cinco dias,
adlayeb: Os calendários se combinavam, e uma data se exprimia sob a forma
ciX PY, em que ct é o coeficiente [entre 1.613), X o dia religinsa, [ho indicador do
dia [entre De 19, ou entre De 4 para o Uogab e Y o mês civil
VAXKIN a CEH
MOL MAL
Osistema "ponto-barra” (cer figura 2), característico das culturas
mesoamericanas, jácra conhecido dos olmecas, mas não foi utilizado
pelos astecas. Sabemos pelos Livros de Chilam Balam, redigidosem
1793 por um nativo aculturado, que os maias utilizavam pontos e
barras para representar os inteiros de 1a 13€ também que vano
eraa unidade principal de medida do tempo. Todos os especialistas
verificaram a legitimidade dessas informações para compreender a
estrita maia dos inteiros de 1 a 19.
No fim do século XIX, Emst Fórstemann descreve precisa-
mente o uso desses algarismos na notação das numerosas datas e
durações do códice de Dresden. Ele observa quea coréurilizada
paradiferenciar os números que representavam datas, escritas em
vermelho, das durações, escritas em preto. Por exemplo, em um
dos diversos almanaques do códice de Dresden, encontramos a
sério: 13-Ahau + 99-Milue + 11 7-Ahat + 6 1-Ahau + 10 TI-
Ok +15 13-Chicchan + 99-Ix + 11 7-Chicchan + G 1-Chicchan
+ 10 11-Men + 15 13-00 + 9 9-Cuuac + 11 7-0 + G 1-Oc + 10
H-Abate + 15 13-Men + 99-Kan + 11 7-Men + G 1-Men + 10
N=Chicchan + 15 13-Ahau, Ele descobre que tais segiiências
descreviam um curso no tempo: partindo da data de origem
13-Ahut, chegamos em nove dias (+9) à data 9-Muuc, de lá
em 11 dias (+11) chegamos à data 7-Abau, depois em 20 dias
(marcado G) à data 1-Ahau etc. Esse curso percorre exatamente
umanoreligioso, chamado de tzolkin, de 260 dias, que se encerra
seguindo um percurso em quatro etapas de 65 dias, cada uma
composta por passos de 9, 1, 20, 106 15 dias,
Ao perceber que 9+11 = 20 e que 10+15 = 2045, pode-se
supor que os diferentes passos de deslocamento nesse almanaque
poderiam tersido motivados pela idéia deaproximartão bem quanto
12 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
possívelo percursonoanosolarde 18 mesesde 20 dias, completados
porum período de cinco dias chamado de Uapeb.
Percebe-se também que os números das datas registradas pelo
escriba se deduzem unsdos outros portma adição mádido 13(7+20
= 1, 1+10= 11, 11+15 = 13) e que os momes dos dias se deduzem
por uma adição módulo 20 (Ahau + 20 = Ahau). Esso está ligado
à natureza das datas maias (ver figura 3): os 20 dias (ordenados)
X do ano religioso são afetados por um número e variando de 1 a
13, deforma que cada uma das 260 datas religiosas é da forma cx.
Deduz-se que +13 (ou +20) opera como uma translação que deixa
invariantes os números ct de uma data religiosa.
O glifo marcado por G representa o número 20. Fomecendo
um novo número de apoio aditivo, esse simbolo estende, assim
como os algarismos romanos X e €, a capacidade do sistema
“ponto-barra” e permite escrever números superiores a 20. Para
representar do número 21 ao 39, os escribas prefixavam um dos
19 algarismos “ponto-barra” ao glifo G, que se lia uínic, “homem”,
oukal, “vintena”.
Sabia-se, especialmente pela obra do bispo De Landa, que a
numeração maia, falada e escrita, era toda de caractere vigesimal,
Eórstemann mostrou que os 19 signos precedentes, eseritos na
morfologia “ponto-barra”, eram utilizados, fora dos almanaques,
paramarcaros algarismos dos números que representavam períodos
grandes e muito grandes e que, nesse uso, os maias haviam adício-
nado um 20º signo, um zero, cardinal, frequentemente escrito em
vermelho nos códices.
Esses 20 algarismos (de 0a 19) eram utilizados para representar
númerose, assim, eferuarcilculosaritméticoseiou pôrem evidência
os resultados obridos. Tememos por exemplo a página 24 do códice
de Dresden. Além de uma tabela de 16 múltiplos de 2.920 (cinço
vezes 584, número de dias do ano venusiano) e de quaro múlti-
plos de 260, essa página contém, embaixo e à esquerda, em três
colunas adjacentes, algarismos que formam três números — 6.2.0.,
B9,160.0, e 9.:9.9.16,0. Esses números vigesimais se transpõem
mecanicamente em numeração decimal (6.2.0. = 6x360 + 2x20 +
0= 2.200; 9.9.16.0.0. = 9x144.000 + 957.200 + 16%360 + 0420
+ 0 = 1.366.560; 9,9,9.16,0, = 9x 144.000 + 2x7,200 + 9x360 +
16320 + 0 = 1.364.360). Eles são religados por uma relação sim-
ples: o terceiro é a diferença do segundo e do primeiro 9,9.9,16.0.
=9.9.16.0.0.-6.2/0.(1.364.360 = 1.366.560 - 2.200).
Duas Sintaxes
Os NUMEROSOS EXEMPLOS contidos nos códices confirmaram à
hipótese de que essa é uma numeração de posição. No entanto, a
escolha de umano de cálculo de 360 dias ( 18 meses de 20 dias) gerou
muita discussão e ainda condur certos autores a não reconhecerem
queos maias inventaram uma verdadeira numeração de posição, com
um aero que não vem de um simples branco de separação.
Um fato notável é que os escribas maias usaram de modo
pertinente as duas dimensões da página. Fizeram isso distinguin-
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
do o espaço (horizontal) de separação dos
constituintes de um número. No contexto
maia, não confundimos jamais os números
a Are,
Ostesultados obtidos foram utilizados para
decifrar as inscrições em monumentos. Dife-
rentemente dos códices, nas estelasenas cons-
truções as durações são representadas como
“números de”, isto é, por notações em que os
algarismos sãoseguidos do nome das unidades
que eles denominam: por exemplo, 9-baktan
17-hatum O-tem O-uinal O-kin aparece na estela
de Quirigua (ver figura 4), e não 9.17.0,0.0..
como seria escrito em um códice. Essa duração
equivale a 1.418.400 kins, ou dias.
Os constituintes numéricos são escritos em
ordem decrescente (mais raramente crescente)
dos glifos de ponto ou unidade de tempo. Os
zeros, redundantes nesse sistema numérico de
disposição, são entretanto sempre escriros, tan-
to em posição final como em posição interior.
Os escribas utilizavam, além dos algarismos
“pomo-barra” um segundo jogo de algarismos
cefalomárficos (em forma de cabeças). A maior
parte das durações era representada por nú-
meros com cinco algarismos, começando por
um 9 (quatro pontos cuma barra) ou poruma
“cabeça barbuda”. Esse glifo cefalomórfico
devia ser 0 9 do segundo jogo de algarismos.
Excepcionalmente, os maias representaram
os coeficientes das unidades de tempo por
personagens inteiros, Esse sistema não difere
fundamentalmente do cefalomórfico e não foi
difícil decifrá-lo.
A exemplo do sistema posicional, inumeráveis verificações
confirmaram as hipóteses da decifração das durações marcadas em
sistemas não-posicionais de estilo normal e de estilo cefalomóriico.
Os Calendários
Como seus vizINHOS mesvamericanos, os maias tinham umano
religioso de 260 dias, 0 tzolkin. Cada dia era designado por uma
expressão da forma LX, composta por um número «1 e um nome
de dia X, obtido pelo produto de dois ciclos. Os números c: são os
imteiros de 1 a 13. Os nomes dos dias constituem um ciclo de 20
elementos (ver figura 3). Como nossa segunda-feira 3, terça-feira
4, quarta-feira 5, os números é os nomes crescem ambos em uma
unidade quando se passa de um dia ao seguinte.
Os maias tinham também um'anosolarde 365 dias, o haab, com
18 meses de 20 diaseum período complementarde 5 diaschamado
Uiyeb, Cada dia do ano solar era designado por uma expressão do
WWWLSCIAM.COM BR
Gilfo introdutória. À cabeça gratesca, do centro, designa o
“mês” do ano civil em que cai a data indicada; aqui, é Cunha
Encontra-se a indicação do mês de Curnhu no última glifo,
embaixo ed direita, mas gols uma outra forma
IF KATUNS
Aitw20xaÚ dias.
[= 122.400 dias)
SUÍNA
OxZ0 dias
Posipãn do mês lunar
emçurno no semana
hunar [aqui 2º posição)
Significado
sescanhacida
o) 18 cume
CALRSRES mta do calendário civil)
4 DATA DE CONSTHUÇÃO da estoia do Quirigua Após um glifa introdutória (a), que indica o mês em que o
monumento foi crguido, lá-sa nos cinco primeiros ghifos (b) a númeso de dias transcosidas desde o início
vá era maia, contados er anos de 360 dias e em base 20: 9 boitun 17 kaqun O tum Q viral Din [1.418.400
dias), Trata-se de uma numeração de di ição, mas que inclui um zero [cardinal), Lê-se também a data fc)
do calendário religioso [13 Ahou Jo a data do calendário civil fa, indicada embaixo [ 18 Cimmhu ; e datas cuja
<igrificado teria sido passível deduzir dos glifos precedentes
tipo PY (constituído de um número [3 e de um nome de mês Y),
obrida pelo produto desses dois ciclos. Os números fi dos dias são
os inteiros de O a 19,€ os números dos dias do período Uupeb são
esinteirosde 0a 4.Osnomes dos 18 meses mais o do periodo com-
plementar formam um ciclo de 19 elementos (ver figura 3). Como
nosso à de julho, 4 de julho... os números crescem em uma unidade
enquanto permanecemos no mesmo mês, senão O número passa a
zero e o nome do mês é substituído pelo seguinte da lista.
Uima data maia se apresenta assim soba forma XY, obrida pelo
produto do ano religioso e de solar, por exemplo 4 Ahau B Cumbeu,
Adata do dia seguinte será 5 Imix'9 Cumltu. A coordenação do ano
religiosouX edo solar ['Y énipicados maias. O produro uXBY é por
sua vez um novo ciclo, uma espécie de “superano” de 18.080 dias
(o minimo múltiplo comum entre 365 e 260). Fala-se de um ciclo
de calendário igual a 52 anos solares e a 73 anos religiosos.
Quando se tem uma data de origem, pode-se identificar data
SCIENTIFICAMERICAN BRASIL 13
Os maias, especialistas
na análise numérica,
são os únicos a ter
distinguido o zero
cardinal (indicador
de quantidades) para
contar durações do zero
ordinal (marcador de
posição), utilizado para
as datas
1 ESCRIBAS maias faziam truques com datas e
durações; ao lado, desenho em vaso do período
clássico (séc. Nl aa 1X) mostra um dia de trabalho
Os dois
odasas línguas distinguem singularidade e pluralida-
de, o que permite exprimir não são par, a unidade e
a metade, mas também a ausência, a quantidade nula.
Nesse sentido, os números são instrumentos univer-
sais para a aventura aritmética. O uso do algarismo zero, porém, é
uma curiosidade bem mais rara. Ele aparece somente em culturas
com uma escrita numérica de tipo particular, a de posição, em
que os números são registrados cor algarismos cuja ordem indica
as quantidades a que ela se refere — por exemplo, as unidades,
as dezenas as centenas... Até hoje, arqueólogos e historiadores
descobriram quatro numerações escritas de posição com zero: na
Mesopotâmia, na Mesoamérica, na Índia e na China.
A mais antiga numeração de posição nasceu na Mesopotâmia,
ligada às necessidades de contagem e de medida das primeiras
civilizações. Era de uso corrente em 1900 a.€,, mas desprovida
dezero. Os escribas se contentavam em deixar um espaço branco
emtre os algarismos. Como o espaço não era medido, uma série
16 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
Por André Cauty e Jean-Michel Hoppan
eros maias
de algarismos sucessivos podia formar números diferentes, mas a
ambiguidade não incomodava os escribas.
O primeiro zero conhecido apareceu tardiamente, na Babi-
lónia, alguns séculos antes de Cristo, sob a forma de uma marca
gráfica usada para indicar uma separação. Seu uso permaneceu
limitado e não eliminou todas as ambigiiidades: sua ausência na
posição final equivale a não conferir precisão à unidade em uso. O
emprego desse primeiro zero, porém, não teve continuidade.
Origens do Zero
O zero que usamos hoje veio da Índia, onde uma diversão era
nomear números grandes e caleular, por exemplo, combinações de
versos possíveis segundo uma dada estrutura poética ou gramatical.
Oxeroeraentão indispensável, e da palavra usada para designá-lo,
sunpa (“vazio”), vieram nossos termos “cifra” e “zero”. Depois ele
ganhou a Europa por intermédio dos árabes, mas pormuito tempo,
essa numeração decimal foi tida como diabólica no Ocidente.
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
one
Umavez que essa numeração foi aceita, a produção de outras
civilizações ficou um pouco esquecida, Com efeito, a transparên-
cia do sistema provoca a ilusão de que o número é uma abstração
cardinal, que pura € simplesmente:se anotaria na superfície de
escrita, sem tradução. Seria a numeração decimal o fruto de uma
gênese ou de uma evolução necessária? Um bem universal?
Essas convicçõessimplistas são falsas, pois, de um lado, ozero
decimal não é universal — sua difusão planetária deve menos à
necessidade aritmética do que à expansão árabe-muçulmanae seu
legado ao Ocidemte, que também disseminou sua cultura. Além
disso, o número não se reduz a seu aspecto cardinal, Ele possui
outras facetas, em especial a ordinal e a fracionária. Por culpa de
velhos reflexos emocêntricos, esse deslumbramento acaba obscure-
cendoas realizações de outras culturas, como a dos maias da época
clássica (do século IH ao IX). Restabeleçamos os fatos.
Assim como seus predecessores, os maias parecem não
ter tratado numericamente questões da administração de suas
cidades: o escriba não mede as coisas ou os seres, mas clé anota
datas e mede durações. Para esse uso, os exemplos de grandes
números são abundantes.
Os maias dispunham de dois calendários (ver artigo na pág.
10). Um religioso (o Izalkin), constituído de 260 dias, é outro
solar ou civil (o haah), de 365 dias. A combinação dos dois calen-
dários fomece a data completa de um dia, como a encontramos
em numerosos documentos, marcada pelas quatro informações
aXPY, por exemplo 4 Ahaw 8 Curmiku. O conjunto das com-
binações rotaliza 18.980 dias, o chamado ciclo do calendário.
WIWWESCIAM COM BR
Os maias inventaram os glifos de ponto (similares à vírgula de
nossosistema decimal), contmibuindoassim para aprimorar o sistema
& para racionalizar a escrita das durações. Os glifos de ponto apre-
sentam numerosas variantes que distinguem entre o estilo normal é
ocefilomóriico (o signo tinhaa forma de uma cabeça). Graçasa essa
concretização do sistema das unidades de tempo, os escribas maias
exprimiam todas as durações sob a forma Zc;P). P, representa expli-
citamente um período determinado e é afetado de um coeficiente,
ocy correspondente (ver figura 3). Assim, a escrita “9,15,0,0,0. nos
códices corresponde à escrita nos monumentos “9 balittens 15 atras
Otcar O uinal O kin”, que indica todas as unidades sucessivas.
À escrita não-redundante (ou concisa) obriga a escrever os
coeficientes em uma ordem estrita e a marcar os zeros (o que os
babilônicos não faziam). Por outro lado, a escrita redundante não
obriga nem amarcar os zeros nem mestoa respeitar ordem, ainda
que essa “facilidade” não renha sido utilizada.
O sistema de glifos de ponto servia para exprimir grandes dura-
ões, que podiam ser lidas como um tipo de data absoluta. Oriundas
de durações, essas datas sãoanotadas de acordo com sua distância de
uma origem arbitrária, Assim, toda duração Ec;P, podia ser traduzida
por ciXPY evice-versa. Por exemplo, a duração 9-balztum 1 -katun
O-tun O-uinal O-kin, ou 9.1,0,0.0,, na escrita dos códices conduz à
data 6 Ahau 13 Yaxin dentro do Cielo do Calendário.
Tais equações são numerosas nos monumentos do período
clássico e mostram que os escribas maias marcavam todos os zeros
sistematicamente, mesmo quando em posição final e ainda que eles
sejam redundantes nesse ripo de notação de duração/data,
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 17
ZERO CARDINAL [DURAÇÕES)
ZERO ORDINAL (DATAS)
(o
(e ç
Estilo normal I
2. ESTELA 19 deUmeactún facima) omais antigo
usado zero cardinal maia. LB-se a data [expressa paruma
duração desde a origem dada] 8 boktun [azul 16 kótum
fveemeslho) O tun O utnal O fin fuerdie), ou 2 de fevereiro de
352 segundo a comelação mais aceita (GMT)
JA CLASSIFICAÇÃO DOS ZEROS maias [esq] evidentiao
ser cardinal (empregado nas eurações) e 0 zem orinal
[nas datas), Aforma dos zeros escritos nos-códices difere
das des nas monumentos. Enfim, distingue-se o
estilo novmal do cefalomóriico
Zeros Diferentes
Extri A APARIÇÃO DO glifos de ponto (séc. [lj e o do zero (séc.
TV), es escribas maias se contentaram, como os babilônios, em
não escrever nada quando uma unidade particularnão contribuia
à expressão de uma duração. No entanto, ao contrário do uso
babilônico, esse branco é verificado quando os zeros caem no fim
de um número. Não resultava dai nenhuma ambigiidade, já que
todas as unidades eram explicitamente inscritas.
O rigor da análise dos números (as datas em lógica ordinal e
as durações em lógica cardinal) e a precisão dos escritos condu-
ziram os maias a distinguir dois signos de zero. Jamais os escribas
confundiram as duas noções ou trocaram as notações,
Assim como os outros 19 algarismos da numeração, o
primeiro signo, ou zero cardinal, serve para formar à escrita
das durações. Ele marca à não-contribuição de uma unidade
particular. Sua mais antiga expressão remonta a 2 de fevereiro
de 357 (ver figura 2).
O segundo, ou zero ordinal, é mais antigo. Serve para marcar
o primeiro dia de um ciclo que forma cada um dos meses do ano
civil. É um número de ordem, um ranque, que se encontra na
escrita de datas Y do lab, sempre seguido de um glifo de mês,
como O Pop, equivalente a nosso 1º de janeiro.
Os dois signos apresentam variantes e têm distribuições di-
ferentes. Nos códices em que o escriba não escrevia os glifos de
ponto, ozero cardinal é um algarismo que não deve ser precedido
ou seguido por outro algarismo para formar a escrita de um núme-
ro. Por outro lado, nos monumentos, o zeto é um determinante
18 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
(um coeficiente) e é seguido do glifo de ponto da unidade que
não contribui, nesse-caso, à exp! jo-da duração. O zero ordinal
não aparece jamais nesses contextos, mas sempre diame de um
nome de mês para indicar seu primeiro dia.
Noiniciodo século XX, o antropólogo Sylvanus Morley estu-
dou essas distribuições e distinguiu os dois zeros. Ele classificou
igualmente o conjunto de suas variantes cruzando o suporte (se
era escrito em um códice ou em algum outro objeto) e o estilo
(normal ou cefalomórico) da escrita (ver figura 3). Essa elassif-
cação demonstra que esses glifos levam, independentemente do
suporre e do estilo, à dois conceitos diferentes; os dois zeros maias.
Às origens diferentes dos dois signos confirmam igualmente a
O zero ordinal deriva da idéia de ascensão. de advento,
capresenta poucas variações.
O zero cardinal se associa à idéia de conclusão, de fim, de
realização, talvez também de bifurcação: apresenta variantes. Por
exemplo, em estilo cefalomórhico, o zero cardinal é caracterizado
pelamão de conclusão, a qual pode tero polegar em direção oposta
ou paralelo aos dedos: o nome de um lugar, gravado sobre um
monumento (a estela E de Quiriguá) e na superficie 3 do sítio
Q, provou recentemente que essas duas representações da mão
são substituíveis.
O fato de o zero cardinal maia evocar a idéia de conclusão
permite compreender que ele admite a variante, paradoxal a um
ocidental, de substituir o signo 20,0 que vemos na estela 5 de
Pixoy: 0 zero cardinal foi representado pelo glifo do 20 lunar na
inscrição 9-baktun 1 3-katun 20/0-tm 20/0-uinal 20/0-Kin.
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
da enfileiradas e presas em volta de uma
feerfiguraao
conhecidos como
quichua, a língua do
além de servirem para nume-
s quipucamaposs,
ave dos quip
ptdões que estavam arm
em Cuzco foi desmuida pelos
iras ou por padres
ndiavam ídolos e objeros de culto
daquela
Anatomia de um Quipo
Os RAROS EXE tee
que podemos admirar hoje nos museus
foram encontrados em funerários,
ais 08 incas eram enterrados com os ob-
jetos que utilizavam quando vivos
De acordo com os relato: por
RUÍNAS DE UM BASTÃO inca [6 esq ), em Ingapirca,
d recursos humanos ou nlimentícios
tram enumerados, coma em toda o império, em livros
contábeis originais: os quipas [á dir) dispositivos:
ddos de cordas em que nós exprimem números,
tre outras informações. Os quipucamayocs, isto é,
os guardiões dos quipos, eram os únicos detentores do
aber referente à confecção desses artefatos
CIT
asa
e
Ec
R
RES ESSES
A
)
Ê
;
É
q
[A
q
Lu
Do seda 14 UR
SCIENTIF
mr
de la Vega, o amefato era constituído de
uma corda espessa, a principal, à qual são
ligadas outras de 20 a 50 em de compri-
mento. Um quipo pode conter até 2 mil
cordas. Se ele for esticado sobre um plano
horizontal (ver figura abaixo), é possível
observar que algumas dessas cordas, as
pendentes, são orientadas em um sentido,
e as superiores em outro (as amarras:são
bem presas e não deixam dúvidas quanto
à orientação das cordas), Algumas outras,
as secundárias, são presas às superiores ou
às pendentes, Por fim, a maior parte das
cordas tem nós.
Oqueelessignificam? Apesar de infor-
mações recolhidas por cronistas espanhóis,
o mistério não oi revelado até 1912, quan-
do o americano Leland Locke descreveu
um quipo do Museu de História Natural
de Nova York (ver figura na pág. 25).
Por causa dos escritos deixados por
de la Vega, Locke sabia que o valor dos
números codificados pelos nós dependia
de sua posição ao redor das cordas. Cada
uma normalmente continha três grupos de
nós: um inférior, que ele interpretou como
o das unidades; um central, para as deze-
nas; é um próximo à corda principal, para
as centenas. Suas hipóteses foram con-
firmadas quando ele percebeu que cada
grupo de cordas pendentes era enlaçado
poruma corda superior cujo valor indicado
correspondia à soma das outras.
Três Tipos de Nó
DessemoDo, arepresentação dos núme-
ros sobre os quipos é similar ao nosso sis-
tema de posição de base 10), no qual dispo-
mos de dez simbolos distintos, os algaris-
mos de 039. Em um número como 6,489,
UM DURO é comstiuldo de uma corda principal, onde são presas cordas laterais par nós reforçados. Algumas são
pendentes, outras são superiores. Porfim, cordas secundárias são às vezes presas a esses dos últimos tipos.
E2 SCIENTIFICAMERICAN BRASIL
198
DIFERENTES TIPOS de nó representam os números em
dal re
a númera de voltas equivale ao número de unidades.
[b = duas;e - cince, deito); es nós simples [2]
representam as outras potências de 10,05 nós em
oito (f] são utilizados para marcar uma unidade, pais
um nó longo com uma única valia é um nó simples.
cada algarismo corresponde à quantidade
de uma potência n de 10, n variandode O,
àdireita, eaumentando em 1 cada vez que
se passa uma casa à esquerda. Por exem-
plo, 6.489 é igual a 6.000+400+80+9, ou
6x0) 4x10?.8x10] 94101. Notemos
que há sistemas posicionais que não são
ligados à base 10, Por exemplo, os maias
(verartigosnas págs. 8 e 14) contavam em
sistema vigesimal, isto é, em base 20, euti-
lizavam também um sistema posicional.
Às cordas podiam conter três tipos de
nó(ver ilustração na pág. 23): 0 simples, o
longo (um simples pelo qual se davam di-
versasvoltas antes de atá-lo) co nó em oito.
Em uma corda, os nós cram repartidos em
grupos de um a nove nós (encontramos
nossos nove algarismos, exceto o zero),
cada grupo sujeito a uma potência de 10,
crescente à medida que se aproxima da
corda principal,
Na maioria dos casos, as unidades
eram registradas por nós longos, nos quais
onúmero de voltas indicava o número de
unidades, enquanto as outras potências
de LO etam marcadas por nós simples. No
entanto, quando há apenas uma unidade,
aparece um nó em oito, já que o nó longo
com uma única volta é um nó simples.
Nas cordas, ozero é indicado pela au-
sência de nós em um grupo. As unidades
são facilmente identificadas pelo tipo de
nó, e os grupos são alinhados na mesma
posição em todas as cordas, de modo que
é fácil reparar as posições desprovidas de
nós. Além disso, como não hã ambiguida-
de para as unidades, às vezes percebem-se
diversos números indicados sobre uma
mesma corda.
Conteúdo “Extranumérico"
Esta pecIFRAÇÃO se limita ao aspecto
numérico dos quipos e jamais foi con-
testada. Por outro lado, e a expressão
de idéias e fatos? O debate está longe de
encerrado, Novamente, os cronistas, de la
Vegaá frente dos quais, fomecem algumas:
indicações. Segundo o historiador mestiço,
podemos conhecer o significado extranu-
mérico das cordas graças às cores — alguns
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
fios eram de uma única cor, outros de
duas, de três ou mais. As cores simples
e as combinações teriam, cada uma, seu
próprio significado.
Em alguns quipos, idemtificon-se a
expressão do recurso armamentista de um
grupo, emquea combinação de cores indica
de modo hierárquico as armas: na primeira
corda, as mais nobres, como as lanças, na
segunda, os dardos, e depoisosarcos, as fle-
chas, os maços, os machados « as fundas,
O sentido da torção dos fios da corda
teria igualmente um si cado. Giro
para a direita representaria coisas posi-
tivas, enquanto aqueles virados para a
esquerda, coisas negativas. Tal sentido
oculrona confecção resolveria o mistério
da ausência de escrita; como uma civili-
zação altamente elaborada — que esten-
diaseu poder sobre um território na atual
região do Peru, da Bolívia, do Equadore
do norte do Chile e da Argentina — pôde
se privar de esci É como imaginar os
gregos sem língua.
Gary Unon, da Universidade Harvard,
sugere uma linguagem em código binário
transcrita nas cordas dos quipos. Seria um
sistema completamente inédito — ainda
sujeito a debate — e radicalmente diferente
donosso sistema de escrita. De acordo com
Urron, cada um dos nós seria o resultado
de uma sucessão de seis decisões (08 ar-
queólogos do neolítico europeu falavam
de cadeias operacionais). O nó deve ser
feito de alpaca ou de la? A corda aponta
paracima ou para baixo? No que conceme
ás cores, Urron utiliza a terminologia e o
simbolismo das 24 tonalidades ainda em
uso pelos tecelões bolivianos.
Norotal, o antropólogo distinguiu seis
decisões binárias e uma de escolha múltipla
(a cor). Por fim, o repertório de um quipo
conteria 20x24 = 1.536 simbolos distintos
de informação — maior que o da escrita
cunciforme da Mesopotâmia ou que o
dos hieróglifos egípcios, Um quipo seria,
portanto, mais que uma pró-memória,
Uron empenhou-se em informatizar
todos os detalhes disponíveis e em tornar
acessíveis esses dados a todos aqueles que
WIWVLSCIAM.COM BR
as ente 280 en)
DQUIPO QUE LELAND LOCKE estudou levou à descoberta da chave da
ão inca Ds incas contavam em base
10, segunda um sistema posicional. Os nós longos [em raro) representam as unidades, nas extremidades dos
condães. Quando há apenas uma unidade, ela é marcada por um má em oito fem laranja) para não confundida
com os nós simples que marcavam as outras potências de 1D [em verde, as dezenas; em vermelho, as centenas;
em azul os milhares) À cada uma delas corresponde um grupo de nós, + as potências de 10 numentam da
extremidade em direção à corda principal, Ds números codificados nas cordas supesiores são a soma dos.
números das contas pendentes que elas cercavam
desejassem se debruçar sobre o código.
Em junho de 2003, Came Brezine,
tecela e matemática, trabalhou em trans-
erições de quipos encontrados um pouco
antes em uma caverna próxima ao lago
dos Condores, no norte do Peru. Lon-
gas séries de nós eram quase idênticas
em três dos aricfatos, mostrando que a
informação era copiada de um a outro,
do mesmo modo que 0s monges copistas
da Idade Média reproduziam os manus-
critos à mão.
O conteúdo extranumérico é defen-
dido também por Laura Laurencich Mi-
nelli, da Universidade de Bolonha. Ela
recentemente descreveu um manuscrito
do século XVII, aparentemente de Joan
Antonio Cumis e de Joan Anello Oliva,
que conteria informações detalhadas so-
breos“quipos literários”, No documento
dos dois jesuítas, estavam intercaladas
três páginas de desenhos assinados “Blas
Valera” é um envelope onde havia um
fragmento de quipo.
Segundo Cumis, os quipos reais se
distinguiam daqueles utilizados como
pró-memória de contabilidade. No
entanto, poucos teriam sobrevivido aos
autos-de-fé dos espanhói
Sobre o modo como a língua quichua
era “escrita”, por méio des nós, Cumis
aponta: “A raridade de palavras e de pos-
sibilidades de modificar um termo com
partículas ou sulixos permitiu aos incas
confeccionar um dicionário sem papel,
nem tinta, nem caneta. (...) Meu inter-
logutor em seguida elaborou a lista das
principais palavras bem como o modo de
codificá-los em um quipo”.
Talvez ainda estejamos longe de ler
esses artefatos do mesmo modo que faziam,
as quipucamapocs. Até agora, só as regras
numéricas foram decifradas com certeza, e
resta elucidar o mistério das combinações
de simbolos, cores e posições. E
Loie Mangin é redutor-chefe-adjúnto
de Pour la Science, edição francesa da
revista Setentmirio AMERICAN.
[E TRT
Crackingthe Khipu Code. Charles Mann emScience,
vol 300, nº 5.626, págs. 1,650-1,651, 2003.
Mathematics ofthe Incas: Code of the Quipu. Mar-
Ela e Robert Ascher. Dover Edition, 1997
SCIENTIFICAMERICAN BRASIL 23
C
jeitandoà maremárica o modelo geométrico
do Universo assim concebido.
Essa idéia, que influenciou por longo
tempoo Islãea Europa, combinou-se com
ateoria anterior de Aristóteles sobre aimu-
tabilidade do céu e deu força à concepção
deleis da Natureza fixas e de tipo matemá-
tico. Quando Copérmico inverteu a antiga
concepção geocêntrica ao situar o Sal no
centro de mundo, a idéia de Prolomeu foi
abandonada, após forte resistência. À idéia
dasubmissão do Universo a leis matemáti-
«as, contudo, continuava a reinar.
“O Universo é escrito em linguagem
matemática”, dizia Galileu, e aprender essa
26 SCIENTIFICAMERICAN BRASIL
ECk
A.
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pref báclo ;
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ESPADA |
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iria PRE £|
asim jemtir 8,
linguagem permite compreender tudo.
Essa convicção triunfou nos séculos XVII
€ XIX, com as leis da gravitação universal
eda mecânica celeste de Newton. Comas
idéias do inglês, o matemático Pierre Simon
de Laplace pretendia conhecer teóricamen=
te o estado do Universo em um momento
qualquer do passado ou do futuro pela
autoridade única da matemática. Assim, a
panir da Antiguidade, o desenvolvimento
da astronomia matemática fundada sobre a
tradição grega se desdobrou para descobrir
a verdade matemática absoluta, que daria
acesso ao conhecimento tanto do estado
futuro como do passado dos maiores corpos
celestes e dos corpúsculos mais infimos.
Os chineses também utilizaram à mate-
mática como instrumento de análise racional
para prever fenômenos astronômicos que
não lhes pareciam irregulares, como as po-
sições do Sol, da Lua e dos planctas, as fases
da Lua, os eclipses (ver figura 5) é outros
fenômenos. No entanto, eles jamais consi-
deraram a matemática suficiente para realizar
* previsões infalíveis. Ao contrário, pensavam
que todo sistema de astronomia matemática
preditiva era por princípio limitadoe deveria
necessariamenteser “aposentado” apóscero
período de tempo:
Oschineses persuadiram-se dissopouco
a pouco, percebendo, a partir de meados do
século Il a.C, quesua matemática preditiva
não conseguia sempre calcularcometameme
A: CLÁVCIO PTOLOMEU [emboixo, desquenda) sobseu
sistema de mundo na quala Terra está no contro do
Univsrso, Essa figura Está ne infeio cia Epitormo do
Alinagesto, do asirbnama alemão Regiomortanmus
Inepaesentode em baixa, à direitos)
3. TRECHO DE ASTRUONÚMIA DANICA [Astronomia
dinamarquesa), do astrónomo Christian Severir o),
discípulo de Tycha Brahe, mostra que as movimentos.
do planeta Marte sãos na século YVIL estudados
com ousa de combinações de circutos, comona
ema Idade Média, O movimento de Marto
[4] ao redor do Sal [4] é descrito com a ajuda de dois
epécicias, isto é, dai pequenas circubos. O primeiro dor
circudo cujo certo [C) está situsado no grande circula,
eo segundo, de centro À está stundo no círculo.
precedente O ponto M representa a Tora, as redar
da qual sa mevimemaria à Sol, Publicada em 1522, 0
Astronomia donico fol artaptado para a chinês [b] em
certa de 1628, pouco tempo após sua publicação. A
figura chisesa é a mesma, salva que as letras foram,
substituldas poe caracteres dá escrita local. O teto é
uma tradução das explicações acima
as datas de fenômenos astronômicos regu-
lares, seja aqueles que aimda não tinham
acontecido, ouaqueles cujas datas jáestavam
registradas nos antigos anais.
Assim, nem sempre eles conseguiam
prever os fenômenos celestes ou calculá-los
remroativamente. Para tanto, eles se empe-
nhavam em melhorar seus sistemas de predi-
ção:o poder imperial favoreceu as pesquisas
apconceder-lhes bons recursos financeirose
ligando-as a serviços permanentes de equi-
pes competentes durante séculos.
O império chinês via na astrologia
um meio de governo, graças ao conhe-
cimento do futuro que ela pretendia
fomecer. Como à astronomia € a mate-
mática podiam ajudar à astrologia, clas
foram objeto de uma atenção particular.
Devido à idéia da ressonância reciproca
entre o céu € a Terra por intermédio da
figura do imperador (ver figura 2), even-
tos teatrais anunciavam o que poderia no
futuro acontecer de fasto e, sobretudo,
de nefasto. Por exemplo; inundações ou
revoltas campesinas eram sinais de uma
troca iminente de dinastia. À intenção
era a de que o imperador pudesse mudar
o curso do futuro alterando sua política, se
conseguisse um meio de saber sobre tais
eventos antecipadamente.
O poder imperial criou então um escri-
tório de astronomia oficial cujas predições
guiaram a política como se fossem as
pesquisas de opinião atuais. Astrônomos
e matemáticos foram recrutados é encar-
regados de observar o céu, de construir
instrumentos dé medida do tempo e de
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
observação, de anotar suas investigações
edeelaborar sistemas de astronomia ma-
temática preditiva.
Competições Astronômicas
Á FIM DE AUMENTAR as chances de êxito,
foram organizadas competições entre siste-
mas rivais de astronomia matemática, Por
exemplo, no Tuanshi, à tratado de cáleulos
astronômicos reproduzidos nos anais da
dinastia mongol de Yuan (1277-1367),
encontra-se uma avaliação estatística com-
parativa da capacidade de seis sistemas
de cálculo. Cada um deveria encontrar as
datas, consignadas nos anais chineses da
Antiglidade, de-49 solstícios de inverno
ocorridos desde o periodo das primaveras
e dos outonos (722 a.C, - 4Bl aC Jato
ano 1280 — distribuídas num intervalo de
mais de 2 mil anos. O sistema adotado sob
adinastia Yuan calculaa data cometa em 39
casose falha em 10,0 modeloescolhidoera
amelhorsem ser perfeito, pois seus cálculos
não eram sempre bem-sucedidos.
A superioridade do sistema escolhido
era questionada com frequência: isso por-
que seu poder preditivo, especialmente sua
capacidade de prever eclipses da Lua e do
Sol, degradava-se. O sisterna de Yuan, pro-
mulgado em 1280, foi climinado em 1368,
menos de um século mais tarde; após uma
nova competição, organizada pela dinastia
seguinte, à Ming (1368-1644). O novo
sistemia foi julgado temporariamente melhor,
mas sucumbiu em 1644, depois de ter sido
posto em disputa com duas outras técnicas
de cálculo, uma utilizando tabelas astronô-
micas árabes € a outra, européias.
Os exemplos precedentes são tardios,
pois o mais antigo data apenas do final do
século XII. Eles são, no entanto, repre-
sentativos de uma situação que remonta à
púmeira reforma da astronomia matemática
chinesa, promulgada em 104 2C, Desde
essaépocaaté 191 |, istoé, ara queda do re-
gime imperial, os chineses reformaram suas
técnicas de astronomia matemática SO vezes
(em média uma reforma a cada 40 anos). À
cada vez, as reformas eram selecionadas em
competições entre sistemas rivais.
WINWESCIAM. COM.BR
O CALENDÁRIO CHINÊS
OS MAIS ANTIGOS calendários chineses que chegaram a nós datam dos dois primeiros séculos antes
do início da era cristã; são gravados sobre fichas de bambu ou pranchetas de madeira. Cinquenta
outros são manuscritos ou impressos em papel; remontam aos séculos [Xe X As origens do
calendário chinês são, no entanto, muito mais antigas e remontam ao reinado arcaico dos Shang
[1600 5.€..1100 3), quando os chineses: a contar bs dias cicllcamente por grupos de
EO, número resultante da ão simultânea de duas séries de símbolos, uma de 10 sipnos [os
10 wonços] e outra de 12 [os 12 galhos), associadas aos
42 animais frato, boi, tigre ete. |, a partir do século Vil.
ho longa do milênio seguinte, esse sistema de numeração
foi gradualmente enriquecida de uma representação
hinissolar empírica do ternpo, bastada também em um ano.
solar [0 ana das estações) e em um ano lunar de 12 meses
de 28 ou 30 dias sincronizados com 0 Sal graças à inserção
ocasional de um 13º mês lunar [Um mês intercalar].A
panirde 104 aC o calendário se tornou monopólio do
Estado e começou a depender de cálculos matemáticos
constantemente reformados: 05 mais antigos dapenderam
detoda sorte de ciclos luniesolares [ por exemplo, um ciclo
composto de 391 anos com 144 meses intercalares),
mas 8 mais comum envolve cálculos cuja complexidade.
Frequentemente excede o entendimento. O calendário
chinês possui uma estrutura muito irregular de um anoa
eutro, é impossivel determinar sem cálculo a duração dos.
meses lunares, sua repartição, 6 mamentado eventual mês
imercalar É o mesmo no casa das luas cheias no dia 34,15
ou 15 do mês e do início do anó lunar, cuja data oscita entre
21 de janeiro « 20 de fevereiro.
Essas reformas ininterruptas, cujo nú-
mero elevado contrasta com o conservado-
rismo europeu, simbolizado pela manuten-
ção do sistema de Ptolomeu durante [.500
anos, testemunham uma extraordinária
abertura da China à mudança em matéria
de astronomia matemática. De fato, nas
fontes astronômicas chinesas, a palavra mais
comum encontrada em todas as épocas éa
da novidade (xin, em chinês). Como falar
então, como fazem muitos autores ociden-
tais, da imobilidade da China?
Ainda que tivessem estimado que seus
sistemas de astronomia preditiva tinham
data de validade, os chineses tentaram, sem
cessar, melhorá-los. A precisão das previ-
sões se aprimorou ao longo da história, e à
matemática correspondente se tomou mais
e mais elaborada.
Sob a dinastia Hane a dos Três Reinos
(222-265), oschineses usavam movimentos
uniformes para calcular a posição do Sol, da
Luaedosplanetas. Porexemplo, pensava-se
quealongimde do Sol aumentava uniforme-
mente 1 grau pordia, de modo que, ao final
de um ano, teriam sido percorridos tantos.
graus quanto fosse o número de dias doano.
Elesadmitiam igualmente o ciclo Junissolar
IMAGEM POPULAR de um calendário
Ehinês simplificado de 1897
(ver quadro acihta) = segundo o qual 19
anos trópicos (o periodo que separa o retor-
no de Sol á mesma altura) correspondem a
235 meses lunares sinódicos (a revolução
sinúdica da Lua comesponde à lunação) — é
utilizavam ciclos periódicos para prever os
eclipses da LuaedoSol Segundo um desses
ciclos, estimavam-se 23 eclipses lunares ou
solares em 135 meses, ou pelo menos um a
cada seis meses.
Os resultados não crim bons, eles lan-
çaram sucessivos programas de observação
para compreender melhor os fenômenos
astronômicos. Em 722 e 723, uma expe-
dição percorreu a China de none a sul, até
6 Vietnã, a fim de mensurar as variações de
sombras solares segundo a latitude, Eles ten-
taram também melhorara medica do tempo
aperfeiçoando a clepsidra e introduzindo um
mecanismo de escape no relógio de água.
Em 1280, servindo-se de uma espécie
de câmara escura, chegou-se à medição
precisa da sombra de um gnômon (lâmina
de relógio de sol) com 12 metros de altura
e deduziu-se o instante do solstício de
invemo com uma precisão de meia hora.
Assim, eles puderam melhorar os valores
de seus parâmetros astronômicos e, a partir
SCIENTIFIC AMÉRICAM BRASIL 27
daí, refinar suas previsões matemáticas.
Do início da era cristã até o começo do
século VII, os chineses refinaram seu ciclo
lunissolar, substituindoos valores de 19anos
€ 235 meses por 391 anos e 4.836 meses ou
600 anos e 7.421 meses, respectivamente.
Durante o mesmo período, elesconstataram
também queos movimentos da Luae do Sol
não podiam ser considerados uniformes. Da
mesma forma, elaboraram tabelas astronô-
micas para apontar as desigualdades solares
e lunares. Para os eclipses, abandonaram
o sistema de ciclos periódicos é bascaram
os cálculos em técnicas mais elaboradas,
geométricas, similares às da astronomia ma-
temáticagrega. Caleularam assim o instante
do primeiro e do último contato e do máximo
do eclipse, bem como sua grandeza.
Para as conversões recíprocas de coorde-
nadas celestes (por exemplo, a conversão das
coordenadas equatoriais de uma estrela em
suas coordenadas elípticas ou a conversão
inversa), eles utilizaram episodicamente
métodos trigenométricos de origem grega
que haviam aprendido por intermédio dos
indianos, dos povos islâmicos da Ásia cermral
é dos europeus. No entanto, com maior
frequência remetia-se a fórmulas próprias.
Graças a esse arsenal, os chineses me-
lhoratam sensivelmente a precisão de suas
técnicas preditivas, sem jamais conseguir
evitarpor completo oserros, coma um eclip-
seprevistomasnão observado. Também não
constguiram diminuir suficientemente os
erros de previsão da posição dos planetas.
Em cerca dé 1600, esses erros atingiram
cerca de um mês de diferença entre as datas
das posições previstas e as observadas de
fato. Essa margem é similar à verificada na
Europa na mesma época.
Apesar do aumento da precisão de suas
observações astronômicas, os métodos
matemáticos preditivos dos chineses não
eram infalíveis. Para eles, isso se atribuía à
limitação dessa ciência: considéravam um
absurdo a afirmação de Galileu, segundo
a qual o mundo seria escrito em linguagem
matemática, e diziam que leis naturais de
tipo matemático não poderiam existir.
Limites da Matemática
OastronomorixinG (0683-727) pensava
que havia matemáticas falsas que davam
resultados válidos e verdadeira com resul-
5, DIAGRAMA (O ECLIPSE CIA LIA na oito de 15 de miaia de 1631, deenhado pel escritório de astronomia
chinbs. Os documentos chineses que acarnpanham esse diagrama indicam us diversos parámetras do eclipse,
notadamente a tntraita da Liss na peruirmbsra [ó elireito). au mesmo tempo segundo métodos de cálculo de
previsões da astronomia chinesa o da agronomia euraçaia [raljolas adaptadas ao.chinês a partir dia astronomia
de Tyelha flrahe, levadas por misslanárias jesiltas europeus na fim do adculo MI) O eclipas começou b 0h30 de
e durou úmalhora e 40 mininoa. Ox cálculis chineses e europeus previram a inicio e-o fim do eclipse com
pouco ments de 45 minutas de atraso. Neste essimplo, 05 cálculos europeus não são melhores que 08 cálculos
chineses, mas o são na múiar parto dos outros cabos. Por isso ox chineses, a partir de 1644, passaram a reformar
Ssnã astminornia baseando-se mm Tabelas asironóinicas européias, como 28 Tabielos rudatfinos, de Kepler
28 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
as Ce [E MG EAR CNES | VOL
tadosincorretos. No primeiro caso, erauma
questão de sorte; no segundo, as regulari-
«dades aparentes da Natureza poderiam se
«esarranjar subitamente. Assim, não bastava
que um sistema deastronomia estivesse Cor-
reto, isto é, em conformidade com os dados
experimentais, para que se tivesse certeza da
exatidão das previsões eferuadas.
Outros pensavam que era impossível
traduzir perfeitamente as observações
astronômicas com o uso da matemática,
pois toda observação, por mais precisa que
fosse, deixava necessariamente um emo que
não poderia jamais ser nulo, Por exemplo,
quando um instrumento de observação é
dividido em graus, pode-se divídilo em
décimos de graus ou algo mais, mas há
sempreum limitec, conseqiientemente, um
erro residual que pode se amplificar, como
nos sistemas sensíveis às condições naturais.
Além disso, diziam, os instrumentos de
observação são sempre pequenos demais
com telação à imensidade do céu.
Contudo, todos admitiam que as obser-
vações astronômicas com base nas quais os
matemáticos imaginavam técnicas de pre-
visão dos fenômenos podiam ser aplicadas
apenasa intervalos de tempo extremamente
curtos, considerando-se a infinidade do rem-
po, passado ou futuro, Mesmo conservando
arquivos de observação antigos e mademos
durante milênios, obtinha-se apenas umco-
nhecimento restrito do comportamento dos
corpas celestes: para entender com certeza
os fenômenos, as observações deveriam
estender-se por milhões de anos.
Assim, paras chineses, não poderíamos
deduzir leis gerais, válidas o tempo todo, a
partirdo conhecimento particular do céu, re-
lativoa imervalos de tempo curtos, noescopo
da dupla infinidade do tempo: o passado
eo funiro. Nos:seus cálculos, os chineses
lidavam habitualmente com intervalos de
témpo de milhões de anos. Deduziram que
sua matemática preditiva poderia dar bons
resultados, mas na melhor das hipúreses de
maneira limitada. Na prática, estimavam
que, depois de 300 anos, sua matemática
perecia. Era necessário, então, modificá-la
cu adotar outra.
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
(ou ainda esferas e cubos) se imbricam ou se
cruzam harmoniosamente proporcionando
um grande deleite visual,
AssoLUÇÕES, quando cram oferecidas, re-
sumiarm=sea listas herméticas de operações,
quenada deixavam transparecer sobre o ra-
diocinive o cálculo feito para chegar atécias.
Os problemas dos sangaku eram de dificul-
dade variável. Alguns podiam ser resolvidos
facilmente porméeio de um cálculo algébrico
simples: outros exigiam instrumentos de
análise muito mais elaborados. Os mestres
japoneses certamentetinham, nocampodas
figuras imbricadas, uma experiência muito
ricaque lhes permitia distinguir instantanca-
mente 0s problemas realmente dificeis das
variantes de problemas conhecidos.
Porque os matemáticos escolheram um
sitio religioso para pendurar as tabuletas?
Elas pertenciam a uma categoria mais ampla
de objetos, a das ema, que significa literal-
mente “cavalos pintados”, Desde o século
VII osadeptos budistas ou xintoistas sulos-
tituiram aos poucos as oferendas dear
vivos pela colocação de pranchetasnas quais
estava representado esse animal sagrado (ver
figura na pág. 32) Ao longo do tempo, os
ema se dissociaram da ligação com o ani-
m:
s
mal para representar temas profanos como
cenas-de batalha ou personagens célebres.
Contudo, as tabuletas conservaram uma
finalidade religiosa já que eram penduradas
à guisa de reconhecimento ou para solicitar
aajuda de Buda ou de algumas dosmilhares
de divindades sintoistas.
Mesmo essa função, no entanto, deixou
de ser indispensável a partir dos séculos
XV e XVI. Antistas novatos utilizaram esse
suponte para se tomarem conhecidos. Sob
o reinado dos xoguns Tokugawa, periodo
numerosos lugares de peregrinação
vininistas é budistas abrigam tabuletas
matemáticas, chamadas de sangaku, onde estão
registrados problemas quase sempre geométricos.
Pocexemplo, na profeitura de lwrate, o santuário de
Maminiako [0, as tabuletas são datadas de 1822 e
ble o santuário de chinaseki Hachiman [ce d, de
1838] abrigara vários dessas tabuletas. É também
d caso, na prefeitura de Fukushima, da entrada do
santuário de Hiwatari (e, de 1888)
WWINESCIAM COM ER
que nos interessa aqui, admirar os “cavalos
pintados” fazia pare da visita aos templos
Alguns desses locais eram dotados de gale
rias especialmente dedicadas a essas formas
artísticas, Quanto mais célebre frequentado
era o lugar, maior a quantidade de san-
gaku. Por exemplo, o templo de Asakusa,
em Tóquio, conserva hoje 215 tabuletas,
algumas das quais são consideradas obra
de ame. Além disso, não é de admirar que
jovens matemáticos, ambiciosos, mas sem
condições, tenham usado esse recurso para
ganharem notoriedade.
Com eleito, no início do século XVII,
os matemáticos iam de vento em popa no
arquipélago, O Japão estava na aurora do
mais longo periodo de paz de sua história.
Com a ajuda de obras importadas da China
ou redescobentas nas prateleiras das biblio-
tecas, tradições cientificas se construiam
ou se reconstruiam sobre novas bases. Os
matemáticos É
am parte desse grande
movimento que lembra o da Renascença
no Ocideme. As pesquisas matemáticas
atingiram um pico nos últimos decênios
do século XVTI antes do surgimento do
grande matemático Seki Kowa Takakazu
(1642-1708) e de seu não menos brilhante
discipulo Takebe Katahiro (1664-1739), É
nocampo das técnicasde resoluçãoalgébrica
que os progressos são mais espetaculares.
Com Takebe, os japoneses exploraram o
terreno da aná
teresse pela ciência do cálculo se traduziu
por um crescimento das publicações nesse
campo e pela multiplicação de “escolas” de
matemática, paraonde afluíam os amadores
em busca de um ensino complero,
Nesses lugares, naquela época, ni
havia cursos coletivos. Os alunos eram com
fregiiência deixados sozinhos pára resolver
os problemas e o mestre sé contentáva em
fomecer a cada um algumas pistas para
reflexão. No entanto, o laço que unia o
alunoa sua escola era bem mais forte e mais
exclusivo que atualmente. Uma das razões
eta que cada colégio cuidava com certo
ciúme de seu conjunto de conhecimentos
esó 0 revelava em conta-gotas e aos mais.
merecedores. Assim, os métodos de resolu-
e infinitesimal, Esse in-
,
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 34
4 ou "cavalos pintados”, são objetos que substituíram os sacrifícios
ce ardal coma oferemees a port do culo VA As tabuletas de matemática
constituem uma categoria desses “cavalos pintados”
ção mais elaborados eram reservados a um
cireulo muito pequeno de discípulos. Só
aqueles que conseguiam chegar a um nível
de conhecimento equivalente ou superior
aodo mestre podiam por sua vez abrir uma
escola, € apenas um entre eles sucedia o
mestre no comando da escola.
“Nacapital Edo, antigonome de Tóquio,
achamada escola de Selá desfrutou do mais
alto prestígio. Ainda que o matemático não
tenha sido seu fundador, essa escola foi a
única a deter a obra do grande mestre em
sua totalidade — ela foi apenas parcialmente
publicada. O conjunto de conhecimentos
da escola abrangia igualmente as obras dos
discípulos ilustres que o sucederam e que
aprofundaram seus métodos.
Essa organização rigida e compartimen-
tada nem sempre foi unanimidade entre os
matemáticos. Alguns, da escola de Seki,
optaram pordifundiros conhecimentos sem
temera punição. No final do século XVIII,
a regra do segredo era cada vez menos res-
peitada diante da pressão provocada pela
forre demanda por educação rural no país. À
lógica econômica levou as escolas à cresce-
remeaestenderem sua influência nas regiões
afastadas. Para isso, entraram em contato
32 SCIENTIFICAMERICANERASIL
com os mestres de província ou enviaram
mestres itinerantes encarregados de recrutar
a cliemtela € trazê-la para a capital, Assim, a
capacidade de uma escola de se fazer conhe-
cer longe passou a ter imponância.
Foinesse contexto social queas tabuletas
conheceram uma popularidade extraordiná-
ria. Pode-se distinguir esquematicamente
três funções preenchidas por clas.
À PRIMEIRA FUNÇÃO. provavelmente a
maisantiga, foia de divulgaros jovens talen-
tos isolados e desprovidos de recursos. Para
esses últimos, pendurar a resolução de um
problema dificil num lugar muito visitado
era uma iianeita eficaz de atrair a atenção
para eles. Assim procedeu o matemático
Aida Yasuali (1747-1817) no momento
em que decidiu se tornar conhecido na
capital. Aida (ver imagem 3) craum samurai
originário de Yamagata, cheio de ambição,
mas sem recursos, que aprendeu matemática
com um pequeno mestre do interior. Em
1781, colocou sua primeira tabuleta no
santuário do monte Atago, que na época
eraum dos pontos de encontro favoritosdos
matemáticos. Seu objetivo foi alcançado:
3 Asa Tasuahd, aos 70 anos de idade: Quando mais jovem, ele era um
samurai ambiciaso, mas sem dinheiro. Adquiri celebridade graças a uma tabulota
de matemática depositada em um santuário
algum tempo depois, quando decidiu bater
na porta de Fujita Sadasuke (1734-1807),
representante oficial da escola de Seki, seu
nome já era conhecido.
Nesse episódio é possível observar a
segunda função das tabuletas: a de colocar
desafios e de se submeter à crítica. A lenda
conta que quando Aida se apresentou diante
de Fujita para lhe pedir para aceitá-lo como
discípulo, omestre exigiu que ele comigisseo
ermoque havia cometido na resolução do pro-
blemade Atago. Essa humilhação esteve na
origem de um conflito histórico que durante
toda a vida iria opor os dois matemáticos
por meio de outros discípules. Durante sua
longa e produtiva carteira (2 mil fascículos
redigidos em 30 anos), Aida não deixaria
de publicar “retificações” de problemas
resolvidos por Fujita. Esse último, de sua
parte, também não cixaria de “retificar” as
“retificações” de seu adversário. Essa guerra
declarada na escola que era de longe a mais
prestigiada de Edo permitiu a Aida construir
sua reputação. No plano cientifico, é difícil
apontar um ganhador, pois havia muita má
fé de ambas as partes. O problema de Aida,
na origem da polêmica, não apresentava
nenhum erro, mas apenas imperfeições re-
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
PROBLEMAS INSPIRADOS EM SANGAKU [respostas na página seguinte)
A. Problema clássico da matemática japonesa que se encontra
em muitos manuais e tabuletas matemáticas. Os Círculos azul,
laranja e vermelho são tangentes entre si dois a dois, e tangentes
direita, Qual é o diâmetro do círculo vermelho, conhecendo os,
diâmetros respectivos dos círculos azule laranja?
€ Num tronco de cone fem verde), estão inseridas duas
pequenas esferas (em azul) e duas grandes esferas (em
laranja) de diâmetro respectivo D'e d. Cada uma delas é
tangente aos três outros, na parede exterior assim como à
tima das bases. Os valores de De d são conhecidos. Determine
ha altura do tronco de cone
O, Problema do Iratado matemático dos tabuletas sagradas, de
Fujita Sadasuke [1785]; considere-se um grande círculo [em
verde) no qual se inserem círculos “em série” fem loranjo) e
círculos “adjacentes” [em ozul]. O diâmetro do grande circulo
é de 9? polegadas.e 5 décimos. O do último circulo “adjacente”
é de um décimo: Não se conhece o número tatal de círculos
“adjacentes”. À quanto-se eleva 9 número total de círculos
“adjacentes” (a figura foi desenhada postulando-se que
último círculo “adjacente” era 0 nono |, compreendido entre q
primeiro e o último?
WWWSCIAM.COM BR
B. Num quadrado (em verde), estão traçados um semicirculo
= cujo diâmetro é igual ao comprimento do fado do quadrado —,
um grande circulo [em laranja) + três pequenos círculos [em
azul) que apresentam as propriedades de tangência indicadas
na figura. Exprima o diâmetro D do grande circulo laranja a par-
tir do diâmetro d dos pequenos círculos azuls
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 33
Do século IX ao XIl, os árabes deram status de
nobreza a um curioso passatempo matemático
36 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
Por Jacques Sesiano
problema da construção dos
adrados mágicos é conhe-
cido: trata-se de posicionar
numa tabela quadrada nú-
meros naturais diferentes, de forma que as
somas, em cada linha, cada coluna e cada
uma-das duas diagonais principais sejam
iguais. Em geral, preenche-se esse tipo de
quadrado com a segliência dos primeiros
números naturais. Assim, num quadrado
de n casas laterais (tim quadrado de ordem
n), inscrevem-se os n primeiros números
naturais. Sendo a soma desses números
152436... n2= [pn n2 1/2, a solução
a ser encontrada em cada fileita — a soma
mágica — é [nt nº+1)]/2.
Pode-se construir um quadrado mágico
para qualquer n, exceto n = 2, O menor
quadrado mágico possível é, portanto, o de
ordem 3,€ ele rem apenas uma forma — se
desprezarmos as inversõesc as rotações. Mas
é uma exceção. O quadrado de ordem 4 já
oferece 880 possibilidades e esse número
cresce rapidamente nas ordens seguintes.
Os quadhados mágicos chegaram à Eu-
ropanoséculo XIV, em textos traduzidos do
MELANCOLIA, gravura de 1514 de Albrecht Oúrer,
traz ao fundo, no alto à direita, a imagem de um
quadrado mágico
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
mos vce
árabe. Os manuscritos traziam exemplos de
quadrados queteriam propriedades nefastas
ou benévolas, associadas aos sete planetas
então conhecidos, Assim, as figuras ficaram
conhecidas como mágicas ou planetárias,
Essa segunda denominação desapareceu
depois. A primeira foi conservada e, com
cla, o desprézo pelos quadrados.
Entretanto, eles não tiveram sempre
uma reputação duvidosa. Sua denominação
árabe original — “disposição harmoniosa
dos números” — os tomava perfeitamente
respeitáveis e dignos da atenção dos mate-
máticos. À ciência dos quadrados mágicos
evoluiu de estudos nos séculos [Xe X até
aépoca de ouro do século XII, quando ela
atingiu seu apogeu no Islã.
Dois Autores, Dois Métodos
Nos contEceMos as origens dessa ciên-
cia por meio de dois textos do século X.
Um é atribuído a Abul Wafa Al-Buzjani
(940-998), famoso por seus trabalhos em
astronomia € trigonometria. O outro, a Ali
b; Ahmad al-Antaki (morto em 987). En-
quanto. tratado do primeiro é prolixo é nos
pemite seguir as tentativas amtigas de chegar
a métodos gerais, o segundo permanece
conciso e ignora os métodos de construção
simples, principalmente aqueles originados
de transformações do quadrado natural, ou
seja, do quadrado com a mesma ordem que
e quadrado a ser construído, que continha
os números consecutivos, Ele abre sua ex-
posição desta forma: "Alguns começam por
colocar os números segundo sua segiiência
de ordem natural, a partir do | até o número
que a hgura, em que se deseja estabelecer a
au b
Io
FERE
4Z
SO QUADRADO MÁGICO [á 654.) do miantuscrito Agrosofira, datado da século MI, & seu equivalente [á dir, em que Z
significa Ze Evote 1) no Fragmentum de Inventionitris Sciantarium te Diego Palomino, publicado em Madri em 1599
mágica, atinge. Depois eles tiramos núme-
ros do lugar, sempre de forma a produzir
um aumento em algumas fileiras - uma
diminuição nas fileiras que lhes são opostas.
Em seguida, eles ajustam o conjunto das
fileiras segundo um mesmo modo. É um
método que apresenta dificuldades para o
iniciante. Outros são realizados de maneira
mais fácil”.
Esse método mais fácil € a construção
dos quadrados com bordas, À parirdeum
quadrado mágico conhecido, acrescenta-
se uma borda que aumenta todas as suas
linhas numa mesma quantidade.
Vamos reter isso: no século X, as trans-
formações do quadrado natura! para obrer
um quadrado mágico deveriam ser eferuadas
separadamente para cadaordem. Umséculo
depois, seriam deduzidos métodos gerais
simples, em que não haveria mais necessi-
dade de representar o quadrado natural. É
essa mudança que descreveremos.
Quadrados de Ordem Ímpar
ABUL WAFA AL-BUZIANT OS transmitiu
dois exemplos de construções individuais
e d
para o quadrado de ordem 5 (ver figura
1). Nessas duas construções, Abul Wafa
Al-Buzjani não modifica as diagonais do
quadrado natural. Ele sabe que elas têm,
de cara, a soma pedida — no caso, 65. No
entanto, esse é apenas um caso particular
de duas propriedades gerais do quadrado
natural que tem um número impar de casas
na lateral (ver figura 7). Primeiro, as: somas
nas fileiras medianas, horizontal e vertical
são, cada uma, iguais à soma mágica para a
ordem considerada. Em seguida, as somas
nas diagonais, principais ou quebradas,
também têm a soma mágica. Diagonais
quebradas são os pares de diagonais parciais
situadas de um lado e de outro de uma dia-
gonal principal, compreendendo o mesmo
número de casas que a principal: essas
diagonais quebradas são inteiras quando
colamos as bordas opostas do quadrado.
À construção proposta por Ibn al-
Hayrham (cerca de 965-1041) está funda-
mentada nessas duas propriedades, como
nos relata um autor do século XI; "Al-
Haytham recomendou desenhar dois qua-
dados, escreverem um deles os números de
vi2z]3/4]5 Vj2 |3L2]5 V|B|a)|12]5 1/34 4] 5 Ljtul2z)2a])s
elzrlelalio][igfr IDR 18/7220 no] [is [7 |fo (ou
ufufiafufis|in 2 15 off ul cafas 1/24] 15) 2 [ys
vlw lis[19)20]|16 | 17 19 [8 |Listertio NY e ||1 [Ms [is] s
n/22)22[22)25][21[147a3 [2 [2s|Jofra[2 3 [25] [afora
1.05 DOIS MÉTODOS de Aut Wfafa A-Burjani [da século X) para construir um quadrado finalmente 05 nrúmeros-das extremidades que ainda não foram tracados com aqueles.
mágica de ordem 5 (as números menipedadas estão sublinhados; os números fixas. da fileira oposta, conservando sua ordem de sucessão [c, fechos violeta).
Estâpem vermadho; os flechas ineficam as trocos realizados]. Segunda métocia; sem mezeer, de novo, nos números das diagonais (a), invertemos 05
Primeira método: mantemos as números das diagonais do quadrado rúturalem seu
tugas a); trocamos 05 números do quadrada interior de ordem 3 [contornado em verde)
comos dacasa distante de duas casas na diagamal/d, fochos vermelhas) trocamos
WWW SCIAM COM.BR
pares de números aprowimando à diagonal descendente [d, flechas Ioranja). Depois,
como antes, trocamos os númerús restantes das bardas cam os das laterais opostas
e, fischsas azuis) Nos dois casas [e e e), os quadrados abridos são mágicos
SCIENTIFICAMERICAN BRASIL 37
2 b E d
5 n 20/3 un 20|3 n|2m|7]20]3
6 9 12 8 12 8 alnr|2|]8|16
12/13 15 13 13 w|s5s|13)]21/9
16 19 18 14 10 | 18 14 wo [18] 1 [14]22
25/23 15 23 15) |3]6/19)]2]15
2.0 MÉTODO DE IBN ALHAFTHAM, Os núrmesos da inha e da coluna medianas de um
quadrado natural (a) tomam-se os-das duas diagonais do quadrado a ser construído
bj. Sabram linhas e colunas para preencher Dra, para cada uma, exoeto para alinha
ea coluna medianas, duas casas já estão ocupadas, As propriedades dos quadrados.
naturais nes ajudam a completar o quadrado, Por exemplo, a linha que contémos
números 38 11 deve conter elementos da diagonal quebrada comespondente fa, om
vermeiho) da quadrado natural, assim como a coluna que contém e 14 será feita
de elementos da disgonal correspondente (a, verde) Sua intersecção será, então, o
elemento comum, 201 Segue-se esse parção fem, o neimero 10 é intersecção dos
diagonais quebendias arute laranja do quedrado o) Na final, o quadrado é mágico [a]
ea 1]2 6) als 1 2 KA 5 ulzlz|m|3
16
“e s KKK | | e KAKA | | + [ua [2] 0 [10
215627
666] 00 00802 0] DEDE
KO 16 KEIKO) 20 Ki 20 10 18 1 14 2
RA 2 Pa 3 Ke al lals|i9)21s
3.0 MÉTODO DE UM AUTOR DO SÉCULO XI. Insereve-se, primeiro, no quadrado da ordem
escolhida [aqui 5], um quadrado oblíquo, e menos, da mesma sedem [a]. Ao colscar
múmeros naturais no quadrado extema, algumas casas do quadrado abtiquo estarão
acordo com sua segjiência naturale transferir
o conteúdo das duas fileiras medianas, ver-
tical é horizontal, para as duas diagonais do
outro quadrado, Ele opera, em seguida, a
transferência do conteúdo das diagonais res-
tantes, em direção a seus opostos, submetido
a extensas condições, que demoraria muito
mencionar é cuja realização apresenta, para
o iniciante, muitas dificuldades”, Seu relato
pára aí, mas podemos adivinhar como a
quadrado é completado (ver figura 2). Seo
autor do século XIL interrompeu seu relato,
foi também por ter um outro método para
propor (ver figura 3).
3|7%
38
29 | 70h21
79/30
39/80
40
o2 N3 | 54
2 63 Na
à 23 | 55
644.24
3
61
E
aja 33
so | 74) 34
10 43/75
3]M
53
38 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
Como dispensar o quadrado natural?
Eis uma forma (ver figura 4): inscreve-se 1
em uma das quatro casas contíguas à casa
central — digamos a de baixo. Colocam-se
os números seguintes prosseguindo dia-
gonalmente para baixo. Quando se chocar
numa das laterais, transfere-se para a casa
seguinte do lado oposto (como numa diago-
nal quebrada), Depois da inclusão de uma
quantidade de algarismos igual à ordem, a
progressão é bloqueada: desce-se então ver-
ticalmente duas casas, independentemente
preenchidas, enquanto outras, às dos cruzamentos, ficam vazias. Deslocando 05 grupos
detrés números que acupam coda um dos cantos do quadrado natural em direção ao
Indo aposto da quadrado oblíquo (c, flechas azuis), este se toma mágico fel)
as diagonais com as duas fileiras medianas
do quadrado natural, Tbn al-Haytham foi
conduzido ao método geral precedente.
Quadrados de Ordem Par
Ten AL-HArIHAM menciona queos quadra-
dos naturais com ordem par têm duas pro-
pricdades, análogas aos precedentes — ape-
sarde isso já scr conhecido antes. À soma da
metade dos elementos de uma linha, unida
à soma da metade dos elementos não ali-
nhados com os precedentes, perencendo à
dagrandeza da ordem, e prossegue-seassim fileira colocada simetricamente em relação
até o preenchimento total do quadrado, à hileira mediana, é igual à soma mágica.
Essemétodoéaplicávela todasasordens Aliás, a soma em cada diagonal (principal
impares. AbulWafa Al-Buzjaniconheciaas ou quebrada) é igual à soma mágica.
duas propriedades do quadrado natural de Essas propriedades permitiram esta-
ordem ímpar. No entanto, ele tinha conser- — belecer os primeiros quadrados mágicos
vado para à figura mágica as duas diagonais de ordem par. Conservando imutáveis as
do quadrado natural, Optando por ocupar
A QUADRADO MÁGICO elaborado sem quadtrado natural
seguindo um método geral. Partimos de uma casa
[conramada em vermaiho) vizinha à casa central o
seguimas [fechos azuis) as diagonais quebradas, ou
seja, coma se as extremidades opostas do quadrado
estivessem unidas. Quando topamos com uma casa
preenchida (aqui depois da casa 9) deslocamos duas.
filiras para búixo [flacha lkvanjo) e recomeçamas a
completar () quadrado Hinal é mágico
duas diagonais principais, segue-se para
igualaras linhas, mocando a metade de seus
elementos. Igualam-se as colunas. de novo
coma troca dametade de seus termos. Mas
atenção: isso não pode ser feito de qualquer
jeito, com orisco de desordenaras linhas, e
é preciso verificar a igualdade resultante.
Podemos evitar essa armadilha usando
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
dos exemplos mais célebres de poesia à serviço do discurso cientifico
éo poema médico Urguza Fi "F-Tibb de Ibn Sina (Avicena, para
o Ocidente). Trata-se de um resumo, em verso, dos elementos de
base da medicina doséculo XI: observações, conselhos terapêuticos,
técnicas cinúrgicas simples erc. O caráter pedagógico desse poemalhe
rendeu diversastraduções no latim, entreos séculos XII e XVII sob
otítulo Cantica Aticennae, na época em que o Cânone da medicina,
«do mesmo autor, era a referência no assunto.
Em matemática, os poemas didáticos ou lúdicos-visaram dois
tipos de público. O primeiro era constituído poralunas e professores.
Osautores se dirigiam a eles por meio de poemas que apresentavam
objeras, ferramentas e procedimentos para resolver problemas. O
mais antigo desses poemas (ver figura |) trata dos elementos de
base da álgebra. Ele é constituído por 54 versos nos quais o autor,
o matemático magrebino do século XII, Ibn Al-Yasamin, expõe as
noções de desconhecido e de equação, assim como os procedimen-
tos elementares para equacionar um problema. Depois, ele definia
as seis equações canônicas que Al-Kharizmi tinha estudado pela
primeira vezno começo do século IX. Em comparação com a prosa
simples dos maremáricos, o ritmo cas rimas ajudam a aprender, pela
inemorização. O poema de Ibn AlYasamin teve grande sucessoc foi
comentado até o século XV em diferentes cidades do império.
Entreosoutros assuntos que foram objeto de versificação, citemos
um método para resolver problemas de primeiro grau sem utilizar
as ferramentas de álgebra, os procedimentos de verificação de uma
operação aritmética (as provas do 7, do 8, do 9, do | | e do 13) etc.
O segundo aspecto da poesia na matemática se inscreve no
campo das atividades culturais e lúdicas. Originalmente, durante
os saraus, eram declamados poemas de sátira, de enaltecimento
ou recitavam-se versos que deveriam começar pela última letra do
verso precedente: Depois essas atividades foram enriquecidas com
enigmas versificados, problemas recreativos.e, às vezes, até bilhetes.
amorosos em forma matemática,
Entre os enigmas, alguns consistem em adivinharo nome de um
personagem célebre, como ocorre com Muhammad, o profeta (Mao-
mé), nesse poeina encontrado num manuscrito do século XIII:
O nome daquele que Deus me fez amor;
É ima principe que o procura, saiba disso,
Seu primeiro é um numero igual ao valor do terceiro,
Seu segundo é o quinto daquele que 0 segue,
E o quinto do primeiro desconhevido;
Seu último é o décimo daquele que o precede
E uma parte de sua soma, saiba disto.
À elaboração desse problema consiste em substituir as letras
que compõem o nome escondido por seus valores respectivos na
numeração alfabética que os astrônomos dos países islâmicos toma-
ram emprestado dos gregos. Essa numeração utiliza as 28 letras do
alfabeto árabe: nove paraas unidades, nove paraas dezenas, nove para
WWW SCIAM.COM.BR
2: ESSE BILHETE AMOROSO sob a forma de um entgma versificado está no fim de
uma epistola extremamente séria do não menos sério matemático de Marrakech
Ibn Al-Banna;
Trôs sátimos do coração para seu olhar.
Um sétimo é oferecida para o rosa de suas duas bochechas,
Um sétimo e a metade de um sétimo eo quarto,
Pelo recusa de um desejo Insatisfeito,
Um sétimo e um sexto da um quarto são a parto dos seios bem redondos.
Que se recusaram aa pecado do méu abraça e me empurearam
O resto, que está em cinco partes, é pelos palavras deja,
Que estancariam minha sede se nvessem sido escutodas.
Se consicararmos x o coração inteiro, temos.
[3/7 + LP + 1/7 + (LiPVR + [LVP)A o 147 4 [LUPA [/6) x + 555, sendosea 168
as centenas ea 28º para os milhares, Em nosso exemplo, o nome de
Muhammad é constituído por scu radical quadrilítere M, H, M, D.
Osvalores numéricos desses fenômenos são, respectivamente, 40, 8.
40,4. Pararesclver oenigma, basta lembrar queo árabe seescreve da
direita paraa esquerda, tomando M a primeira eira, Hascgundae D
aúltima-O poema sé traduz pelosistema de equações: x) =x3:x2=Xa
!Sixz=x)/ 5;x4=x9/ 10; sendo xy, x2, xy e 4 valores de letras,
A figura 2 ilustra um enigma na categoria dos bilhetes amoro-
sos. Já esta poesia sobre o quadiado e sua diagonal é um exercício
puramente matemático:
Um quadrado que tem sua área em sua diagonal,
Sua mehida absorveu os primeiros súbios.
Sobre seus dois lados o equivalente de duas raízes de sua diagonal,
Ne momento da medição, como explicar issod
Sua rranserição matemática é:
Sexé a lateral do quadrado e d sua diagonal:
Setemos:x" = de = 2d
Conhio, segundo o teorema de Pitágoras: Me = d?.
Temos: 24 = d?, Sendo; d = 2ex= 2
Durante o apogeu dasciências árabes, essencialmente do século
1X ao XII, 0 papel pedagógico da versificação da matemática foi
relegado à memorização, Com o declínio das atividades cientificas, os
matemáticos se contentaram em publicar poemas didáticos, manuais
abreviados e comentários e plosas. =
Ahmed Djebbar é professor da Universidade de Ciênciase
Tecnologias de Lille.
e
Lalgêbro arabe, genêse d'un art. Ahmed Djebbar. Ed. Vulbert-Adapt, 2005.
SCIENTIFICAMERICAN BRASIL 41
África,
berço da”
Matemática
Uganda sugere que há mais de 20 mil anos a
humanidade já era capaz de pensar numericamente
Por Dirk Huylebrouck
os anos 1950, o arqueólogo belga Jean de Heinzelin empreendeu esca-
vações no Congo, perio da fronteira com Uganda, às margens do lago
Rutanzige (ex-lago Alberto). A administração colonial responsável pelos
Parques Nacionais o encarregou de inspecionar um sítio perro do vilarejo
de Ishango (ver mapa na pág: 44). Nessa região vulcânica, havia a esperança deencon-
traruma Pompéia africana da pré-história, eo jovem geólogo entendeu sua importância.
Elelevou os objetos encontrados para o Instituto Real das Ciências Naturais, na Bélgica,
cespecialmente um deles chamou a atenção: um pequeno osso petrificado, de apenas
10 em de comprimento, ormado com um cristal de quartzo-em uma extremidade e que
trazia três séries de entalhes, agrupados (ver figura na pág, do lado).
O objeto é misterioso por diversas razões. As ferramentas manuais eram raras entre
as populações bantu, aparentadas ao povo de Ishango. Além disso, o cristal de quartzo
— que não pode ser separado do cabo — faz do objeto um tipo de instrumento para gra-
vação, numa cultura que supostamente não conhecia a escrita, Ignora-se, hoje, de qual
animal provém o osso perrificado, mas o problema da datação já foi resolvido. Na época
da descoberta, existiam poucas tábuas de correção para datar, pelo carbono 14, objeros
petrificados encontrados em regioes vulcânicas (as tábuas de correção são necessárias para
considerar variações temporais das quantidades de carbono 14 atmosférico). Mas aos
poucas o método foi sendo afinado e os resultados, coroberados por outros métodos: o
objeto tem entre 20 mile 25 mil anos, Veremos que, além de sua idade e scu ineditismo,
4? SCIENTIFICAMERICAN BRASIL ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
DERSTÃO DE SHANGO, exposto no Instituto
e ad
ESPE
Duas]
[ER Ra
[Pace Rip- la tec pele Lite Re RIDE ENE ERES o ps e lag ca ppt lee HS
despertam o interesse de especialistas em informática Lo A VET Toto
dia desponta no estado de Tamil Nadu, no sudeste da Índia. Num
vilarejo, como em todas as manhãs, as mulheres saem de suas casas &
começam um estranho ritual; varrem a soleira da porta, espirram uma
mistura de esterco de vaca e água, depois cobrem a área com figuras
complexas elaboradas com pó-de-arroz. Segundo a tradição, o esterco de vaca limpa
e purifica o solo, enquanto o pó-de-arroz constitui uma oferenda, pois é apreciado
pelas formigas — é bom começar o dia com um ato de bondade.
A habilidade para executar essas figuras, chamadas de kolam, é um sinal de
graça e uma prova de destreza, disciplina mental e capacidade de concentração, Os
desenhos que aparecem cotidianamente nas entradas das casas de Tamil Nadu cha-
mama atenção em múltiplos aspectos. É um exemplo fora do comum de expressão
matemáricanum contexto cultural, E as figuras do kolam interessam, cada vez mais,
aos profissionais da informárica especializados na análise e descrição de imagens.
Aprendizado Feminino
ArRADIÇÃO DO KotaM em Tamil Nadu peidura há séculos e segue como uma
prática corrente entre as mulheres, sejam clas da cidade ou do campo, universitárias
ou analfabetas. Contudo, nesses últimos anos, elas passaram a substituir o arroz por
pó-de-pedra, disponível no comércio, giz ou tinta, para criar os desenhos — que as
formigas não apreciam nem um pouco.
O traçado cotidiano das figuras é um componente importante da cultura local,
s soleiras decoradas são uma fronteira entre os mundos interior e exterior, e as
figuras, paraa população podem, ao mesmo tempo, protegeros moradores, fazendo
tes. Às mulheres mais velhas da família ensinam às
vigilância, e acolher os vis
jovens todo um inventário de figuras e procedimentos para desenhá-las, além
de instruí-las sobre quais são convenientes pará os dias comuns € quais são reser-
vadas para ocasiões especiais. A aprendizagem do kolam é uma parte importante
da educação da menina.
Apesar de a tradição ser transmitida oralmente de mãe para filha, ela está inscrita
emumacultura escrita. Os habitantes de'Tamil Nadu têm uma literatura abundante,
que remontaaoséculo II ou IV antes da nossacra. Embora se refira ao kolam apenas
superficiahmente, sem entrarem detalhes, a literatura atesta a longevidade da rradição.
Por exemplo: uma das referências mais antigas, um texto escrito no século XVI,
descreve um reinado pacífico e próspero, onde “o tigre e a vaca bebiam na mesma
fonte de água, os brâmanes cantavam os Vedas, as mulheres decoravam as ruas com
kolans, chovia nos momentos oportunos é os que tinham fome eram saciados”.
São encontradas em outras partes da Índia tradições de desenho comparáveis,
como muggu, rangoli e alpana. Apesar de provavelmente serem historicamente liga-
ASFIGURAS são frequentemente iniciadas pela criação de um geoplano ou tabela de pontos [verfoto nú página
oa foda) que prevê o tamanho e a forma final do desenho. As meninas aprendem os métodos prescritos para
desenhar inúmeras figuras. Para desenhar a figura d, um primeiro desenho elementar (a) foi reproduzido três
vezes, cada vez após uma rotação de 90º em relação à figura precedente [b e c), Para concluir perfaitamento
afigura, a desenhista contoma os quatro desenhos elementares com uma linha curva continua
WWWSCIAM.COM BR
Tom UNE
SCIENTIFICAMERICAN BRASIL 49
q ue
das, as figuras são diferentes, assim como
seu significado e os procedimentos para
traçá-las, Neste artigo, nos interessaremos
apenas pelas imagens tradicionais do ko-
lam, constituídas unicamente por linhas
brancas, ou linhas brancas e pontos, sobre
as quais se diz, às vezes, serem parecidas
com tules, labirintos ou filigranas.
Como à prática se desloca com as
pessoas que emigram de Tamil Nadu,
pode-se encontrar a tradição, por exem-
plo, entres trabalhadores das plantações
de chã do Sri Lanka, descendentes de
imigrantes que sairam de lá no fim do
século XIX, ou entre aqueles que foram
para os Estados Unidos.
Para fazer uma figura de kolam, o
ponto de partida é frequentemente uma
tabela de pontos traçada no chão segundo
uma disposição variável — por exemplo,
uma rede retangular, triangular ou he-
xagonal. À figura é, então, desenhada,
ligando-se 05 pontos ou contomando-
os, de forma que os pontos ao mesmo
tempo guiem e determinem restrições
ao desenho. Esse método é o mesmo
empregado pelos ishokwe, em Angola,
para traçar os sona (ver artigo na pág. 68).
Paraalgumas imagens, que podem ou
não começar com uma tabela de pontos, é
importante desenhá-las com apenas uma
linha continua, que termina no ponto
onde começou. Essas figuras fechadas são
associadas ao ciclo infinito do nascimento,
da fertilidadee da morte, caos conceitosde
continuidade, totalidade e eternidade.
Outras figuras, como asda pág. 49, são
constituídas por diversas curvas. O kolam
édesenhado utilizando uma tranformação
sistemática de unidade de base, que é re-
petida quatro vezes, de maneira que cada
unidade sofra uma rotação de 90 graus em
relação à precedente, Finalmente, uma ou-
tra curva fechada continua contoma as qua-
tró unidades. Coletivamente, es desenhos
manifestam uma marcada preocupação
pela simetria (ver figuras abaixo),
Há também famílias de ilustrações que
podem partilhar caracteristicas comuns
(verexemplona pág. 52), Em alguns casos,
as figuras maiores combinam várias cópias
justapostas de menores. Em outros casos,
asmembros são derivados, uns dos outros,
de forma sutil.
ESTILOS DE FIGURAS DE ROLAM Todos estes axemplos têm coma ponto de partida um geoptano ou tábela dé
pontos. As figuras a, b ec ligam os pontas, enquanto as curvas das figuras de e f os contormam, As mulheres
desenham as figuras c,e e f com linhas curvas continuas fechadas, aa contrário da figura d, que elas traçam
com cinco linhas diferentes. No entanto, uma só linha seria suficiente: cada extremidade é o ponto de
encontro de quatro traços, o que bastã para fazor uma figura com um sá traço. Diferentes simetrias intervém
nas figuras: em tomo de uma linha central horizontal ou vertical, ou de rotação em torna de um ponto central
de 45º [c), 90º (4) e 180º (e)
SO SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
Linguagem dos Desenhos
À CONCEPÇÃO E A ORGANIZAÇÃO das
famílias são particularmente ricas em
idéias matemáticas. Esses agrupamentos
têm chamado a atenção dos teóricos da
informática que trabalham com a análise
e a-descrição de imagens com o uso de
linguagens gráficas. Essas linguagens
utilizam conjuntos de unidades de base e
regras formais específicas para combinar
essasunidades. Esse trabalho é aparentado
com a teoria formal da linguagem, que foi
descoberta há cerca de 45 anos com o es-
tudo de Noam Chomsky sobre linguagens
naturais. Nas décadas que se seguiram, os
profissionais da informática usaram a teoria
de Chom: se e na especificação
das linguagens de programação.
Gift Siromoney, do Colégio Cristão
«de Madras, em Tamil Nadu, é o pioneiro
na utilização dos desenhos do kolam no
estudo das linguagens gráficas. Para ele
suaequipe = da qual faz parte sua mulher,
Rani —, eles são uma fonte rica de exem-
plos das linguagens gráficas existentes, As
figuras-também estimularam a criação de
novos tipos de linguagens. Outros profis-
sionais da informática de fora do grupo de
Madras buscaram descrever às famílias de
figuras, como é possível ver a seguir.
Como preâmbulo, detalhemos um
exemplo de linguagem formal rudimentar
que produz cadeias de simbolos e vejamos
somo tais cadeias podem ser convertidas
em imagens. Nesse caso, os simbolos são
limitados a/A, Be C, e nossa primeira
rede é ABAA, Nossas regras para criar
uma nova cadeia de símbolos a partir da
precedente é B— AC, À — BeC — CC
(um B numa cadeira toma-se um “AC”
na nova cadeia; um À vira um B; e um
Cum CC).
Consegitentemente, se a cadeia de
partida é ABAA, o primeiro resultado
(ou seja, a reescritura da cadeia respei-
tando-se as regras) é BACBB, o segundo.
resultado é ACBCCACAC, e o terceiro,
BECACCCCECBCCBCC. As regras
da reescritura engendram resultados dd
infinitum, À cada etapa, as três regras são
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
elele|jB/ellu|s|B|B|B|B
B|B|B|B po) | B|B/B|B
B|B|B B|jB|B
s|B bb bb be) | E | E
E
(G bb Kb Ed Cb bb Rd Eb Cau
IE o) (et) (2) | (te) | (a) | (e) | (232) | (25) | (23) | E
=D a) as= 0) u=€)
des) cm() de() 0=0) B= Bane
LENAGEMS DE REDE podem criar figuras dê kolam da família do Topo da
Montanhe (9), que têm crescimento polinomial, em vez de exponencial
linguagem, 05 simbolas de uma rede retangular [as letras | são interpritados
|. Nessa
tomo unidades de figuras contíguas (em verde). Aqui, as unidades de figura são instruções especificas
diversas facetas exploradas pelo grupoe as
ligações de seu trabalho com os de outros
especialistas. O essencial do trabalho
teside-nas propriedades formais dos tipos:
de linguagem propostos, é algumas delas
se aplicam às famílias de kolans,
O grupo de Madras utilizava dois mé-
todos distintos de interpretação gráfica das
redes simbólicas criadas pelas linguagens
derede. Uma delas interpreta os simbolos
contidos nas casas de uma rede retangular
como unidades de figura contíguas (ver
acima), Os conjuntos especificos de unida-
desvariam de uma linguagem a outra, pois
dependem da família de kolam descrita.
Para criar diversos membros, as regras de
produção das redes sucessivas devem cap-
turara organização incrente das unidades
de figura de uma dada família.
Osegundo método de produção de de-
senhos graças às redes simbólicas se apro-
xima dos procedimentos utilizados pelas
mulheres de Tamil Nadu. Nessa técnica,
os simbolos das redes são representados
por pontas, que podem trazer informações
para guiar o traçado das figuras (ver figura
acima). Os tipos de pontos e suas instmi-
ções variam de uma linguagem a outra e
eles também são específicos da família de
WWW SCIAM COM.BR
kolans descrita. Para compor os membros
da família, as regras de criação de redes
sucessivas devem igualmente capturar a
organização em motivos de pontos que
trazem instruções.
Natureza Algorítmica
Caçanpo a essência das figuras do
kolam, carmados com linguagens gráficas,
osespecialistas em informática iluminaram
a riqueza das estruturas e sua natureza
algoritmica, ou seja, sua construção orde-
nada passo a passo. Essas linguagens não
traduzem necessariamente a forma como
as mulheres concebem e desenham as
figuras. No entanto, eles ressaltam que o
kolam, é em particular as famílias de figu-
ras, não são simples coleções de desenhos
individuais: procedimentos e técnicas
sistemáticas os unem.
Esta tradição também forneceu uma
abertura única para a informática. Talvez
não exista melhor maneira de exami-
nar uma construção intelectual do que
aplicá-la em dois exemplos escolhidos
fora da cultura em que o conceito foi
descoberro. Além disso, os pesquisadores
procuratam aprender com as desenhistas
eintegratam ao que aprenderam na teoria
Unir ou dos Ny prum ae, passando por ven "Wm em tomo de um AL
É Mk cm doa 'P mais primos por uma linha rota (pára frear um hosampo sem va dos
Júiniros rodeando os Ml por dois arcos
A Uni dois W passando porum [1
sobrepostas na rede simbólica. Outra linguagem de rede permite desenhar os.
membros da mesma família (4, em azul), interpretando os simbolos das redes
[asiatros & os formos geométricos em preto e branco] coma pontos que trazem
ena prática de seu próprio domínio. Essa
análise ilustra como as idéias matemáticas
podem sair de suas fronteiras tradicionais,
interagir com um projeto universitário e
lhe trazer uma contribuição.
A matemática está; sem dúvida al-
guma, no coração da tradição do kolam,
que dá bastante importância à simetria, à
repetição dos motivos, às curvas contínuas
fechadas e às famílias de curvas. São as
mulheres que concebem e executam as
figuras, cada uma na soleira de sua porta,
introduzem variações infinitas cujas no-
ções intrinsecas são transmitidas de gera-
çãoa geração. Esta tradição faz certamente
parte-da história global e da evolução das
idéias maremáticas, mas continua a ser,
antes de tudo. um elemento central da
vida cotidiana em 'Tâmil Nadu. m
Agradecemos à revista American Scientist u
permissão de reproduzir este artigo.
Marcia Ascher é professora emérita de
matemática no Ithaca College.
ERA
Mathématiques d'allleurs. Marcia Ascher, Ed.
Le Seul, 1996;
SEJENTIFICAMERICAN BRASIL 53
Uma
cultura
indígena
impregnada de matemática
Os índios utes do norte, nos Estados Unidos, não
têm palavras para designar a matemática. No
entanto, ela está presente em suas tradições, sob
aspectos individualizados na relação com o corpo
cc
matemática também faz parte
de nosso medo de vida, mas
nós não a praticamos como
q homem branco (...) com tábuas de
multiplicação, adição ou subtração. Nós
temos essas coisas em nossas técnicas
tradicionais de bordados de miçangas, na
criação dos nossos cavalos e rebanhos, na
construção de barreiras, na nossa mancira
deerguer as tendas etc.”
Fabian Jenks, ancião ute.
As culturas nativas americanas são
pouco reconhecidas por seu saber ma-
temático. Entender como esses povos
aplicam tais conhecimentos específicos
nas práticas da vida cotidiana pode me-
54 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
lhorar nossa compreensão sobre elas.
Vamos ver isso em detalhes com os
utes do norte, uma tribo da qual sobraram
apenas 3 mil representantes, espalhados
em um temitório subdividido em três faixas
nas proximidades do rio Uintah, no nor-
deste de Utah — estado que deve seunome
aos índios utes, nos Estados Unidos. Os
anciãos tormaram-se os únicos detemores
dessa cultura tradicional, pela qual quase
todos os aspectos da vida cotidiana têm
uma dimensão espiritual. Os utes demons-
tram humildade e respeito diante da vida,
das plantas e dos animais, com os quais
lhes é determinado partilhar a terra.
Ameaçada por muito tempo, esta
cultura está em vias de renascer, graças
Por Jim Barta e Tod Shockey
aos esforços empregados para salvar suas
práticas, As crianças estão aprendendo
de novo a língua de seus ancestrais é os
costumes de seu povo.
Resumir a história e o conteúdo
dessa cultura é um desafio ousado, pois
eles certamente não se limitam ao que
sabemos, mas vamos relatar neste texto
diversos aspectos importantes.
Esse povo viveu durante séculos em
toda a região das Montanhas Rochosas,
no ceste dos Estados Unidos, num terri-
tório situado onde hoje estão o Utah c o
Colorado. Os utes eram conhecidos pelos
nomes que eles mesmos se davam, nuciu, o
quesignifica, emsua língua, “o povo”. Eles
viviam e viajavam em pequenos bandos
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
(contavam-se 12, diferenciados por hábi-
tat), grupos de famílias ampliadas, de 20 a
100 indivíduos. Na época, esses bandos
se reuniam para fazer comércio, casar,
panicipar de cerimônias e celebrações, ou
idas em grande escala, para
obrer alimento em quantidade.
Os deslocamentos dos utes através de
seu temitório obedecia a ciclos sazona
permitindo-lhes apanhar ou colher gi
nozes, frutos, raizes € plantas medi
Os caçadores ac
realizar caça
centavam ao menu
coelhos, aves, peixes ou grandes peças de
caças, como o bisão.
Às casas temporárias (zetekiups)
nham o formato de um cone eeram (ei
de matérias de fácil
às
E 350, COMO Ervas E
WWWSCIAMCOM BR
galhos. Dutanté a estação de frio. quando
os deslocamentos diminuiam e os locais de
habitação tomavam-se mais permanentes.
eles construíam cabanas cobertas de peles
de animais fabricavam cobertas quentes
com pele de coelho.
No começo dos anos 1700, quando
os utes adquiriram cavalos, trazidos pelos
exploradores espanhóis, sua vida mudou
completamente. Ás viagens ficaram mais
rápidas, as caçadas, mais efic EI
também podiam se lançar “com tudo
sobre os inimigos — os principais eram os
indios navajos. Em pouco tempo os ute
tomaram célebres por seus talentos como
cavaleiros e suas conquistas guerre!
À partir de 1847, o estilo de vida
tradicional mudou, com a chegada dos
mórmons que, em busca de novas terras
para: praticar sua religião sem entraves,
entusiasmaram-=se com esses territórios
que não pertenciam, aparentemente, a
ninguém, é começaram a construir ali
cidades permanentes.
No começo pacíficas, as relações entre
os utes é os mórmons envenenaram-se:
as fontes que às indigenas mantinham e
culos lh
utilizavam havia s
5 eram, na-
quele momento, contestadas, Estouraram
violentos conflitos, a ponto de o exército
intervir € forçar os utes a se renderem.
ida, clesforam confinados em
s, criadas pelo governo dos
tados Unidos, e sofreram um processo
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 55
Situar: myh
Os ANCIÃOS ERAM respeitados por seu
conhecimento sobre a Térra, sua geogra-
fia, sua geologia e suas fontes naturais.
Os “mapas” de outras viagens presentes
em suas memórias guiavam grupos de
viajantes ou descreviam oralmente alguns
marcos específicos é as distâncias atingi-
das, Na época, mapas que representavam
um itinerário podiam ser desenhados sobre
ochão ou sobre peles, com canão.
Os pontos cardeais eram determinados
em função do nascer e do pôr-do-sol, a
localização de uma montanha ou qualquer
outro ponte notável. Sinais feitos à mão
indicavama direção e eram aparen-
temente utilizados de forma sis-
temática para descrever uma
localização a alguém, Os
utes se situavam também
observando atentamente
a posição do sol nascen-
te, da lua e das estrelas,
Esses astros permitiam
também determinara época
doano e osacontecimen-
tos suscetíveis de
serem produzidos,
tais como a volta de animais ou de
plantas cas condições meteorológicas.
À sobrevivência dependia desse conhe-
cimento do meio.
Pictogramas e perróglifos — desenhos
feitos sobre paredes rochosas (ver imagem
na pág. 59) — constituíam os meios de
comunicação com pessoas que haviam
acampado e caçado nos mesmos lugares.
Alguns sinais e simbolos representavam
características geográficas e das fontes na-
turais. Às orientações topográficas (direita
eesquerda, em cima e embaixo etc.) eram
especificamente descritas onde um objero
sé encontrava em relação à pessoa que lia
as instruções. Lá também o contexto da
observação dependia da descrição.
A matemática é uma forma de comu-
nicação de idéias é constitui, portanto,
uma forma de explicar. Os números 4 e
7 únham um significado particular para
as tes, encontrado nos comportamentos
58 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
culturais, na construção e no desenho.
O 4 podia indicar as direções cardeais
Ou quantas vezes era preciso repetir uma
reza, uma cerimônia ou um canto. Um
ancião, descrevendo a importância do 7,
declarou: “Os sete são o norte, 0 oeste e o
sul, e depois temos o céu ca terra, e então
O meio seria nós mesmos, nossos corações
— e são essas as sete direções”.
Explicar; os kueh uhm
A HORA ERA INDICADA pelo comprimento
da sombra de um bastão plantado ou de
um objeto natural e a direção para a qual
elaapontava. Uma sombra dingida parvo
ESTES MOCASSINS, ausim como muitos objetos «a vida
cotidiana dos utes, são feitos com miçangas bordadas
seguindo motivos geométricos.
oeste de manhã confirmava que estavam
antes do meio-dia, Uma medida exata da
hortnão era necessária. As atividades e as
ações de uma pessoa ao longo de um dia
ou da noite eram explicitadas em função da
posição do sol ou da cor do céu.
O calendário ute era lunário. Uma
observação atenta dociclo de nosso satélite
lhesindicava com precisão a época doanoe
atégestágioda noite. Uma nova lua coinci-
dia com um novo mês. Essas informações
eram vitais para determinar, por exemplo,
o momento adequado para colheres frutos,
desenterrarasraízes, colher as plantas, caçar
Os animais € secar as cames,
Havia quatro estações e, durante
cada um desses períodos, alguns eventos
isolados representavam os meses. Entre
esses acontecimentos, citemos o período
de acasalamento das águias, as migrações
dos pássaros, o brotamento das plantas, a
eclosão das flores ete.
À fortuna e o status eram ilusrrados
pelo número de cavalos ou de cabeças
de gado, mas não cram determinados
unicamente pelas posses materiais. Um
ure parecia rico aos olhos de seus con-
gêneres quando possuía alguns ralentos
apreciados, como saber fazer bordados
de miçangas, cantar ou dançar, O status
se elevava de acordo com seu conhe-
cimento dos costumes tradicionais, da
humildade de sua vida, da sua habilidade
para alimentar a família, de sua capa-
cidade de escutar os sábios anciãos,
de confeccionar as vestimentas
tradicionais erc.
Jogar: keeyakyh
OcastareLo jogo era va-
lorizado, Em alguns tipos,
autilização da matemática
só servia para contar os
pontos. Em outros, ela fazia
pane das atividades. Ene os
diversos aspectos matemáticos que
podiam:se encontrar nos jogos. citemos
as noções de medida, de numeração e
de probabilidades. O número de pontos
designava os ganhadores.
Alguns jogos demandavam aptidões
fisicas, como corrida a pé, arco e Mecha ou
o shinny (parecido com o hóquei sobre
grama), outros eram mais cognitivos.
Era o caso do “jogo de mão ou do bas-
tão”, de adivinhação, que era disputado
entre duas equipes constituídas por um
número qualquer de homens e mulheres
unidos dentro de uma área delimitada no
chão por dois longos bastões colocados
paralelamente. Cada equipe começava
o jogo com 10) ou 12 pequenos pedaços
de pau e vários ossos. Um deles era en-
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
DS PETRÓGUIFOS que es utes deixavam sobre algumas paredes de pedra constitulam um meia de comunicação e informavam sos novos visitantes sobre os.
características geográficas e a localização das fontes naturais na região
rolado por uma correia, O objetivo do
jogo era adivinhar em qual mão um dos
jogadores da equipe adversária escondia
o osso branco (sem correia). Quando a
equipe adversária tivesse adivinhado,
à equipe perdedora passava a ela um de
seus pedaços de pau. À primeira equipe
que conseguisse ficar sem pedaços de
pau perdia a partida, assim como a aposta
que precedia o jogo. Apostavam-se peles,
objetos pessoais eaté cavalos.
Ojogo dotu-roo-hacep era disputado
sabre uma pele de corça com quatro bas-
tões. Cada um era pintado (ou gravado)
por uma-combinação diferente de cores
(ou de marcas), representando valores
numéricos combinados pelos jogadores.
Eram desenhados ou pintados marca-
dores sobre a pele de corça ao longo das
margens. Colocava-se uma pedrinha no
meio. Os jogadores, sentados, ficavam
WWVESCIAM.COM.BR
na frente um dos outros, com a pele de
corça entre eles, Eles jogavam, cada um
de uma vez, tentando fazer os bastões
atingirem a pedra. O escore dependia da
forma como os bastões aterrissavam, cos
jogadores deslocavam os marcadores, em
torno da pele de corça, de acordo com os
pomas feitos. Ganhava a partida aquele
cujo marcador fizesse primeiro um giro
completo em torno da pele.
Esse breve apanhado das tradições dos
índios utes reflete a aplicação de conceitos
e princípios matemáticos por um povo
duja existência dependia dela. À criati-
vidade c a inteligência matemática que
eles atestavam ter indicam serem eles um
povo com uma herança rica, que também
utilizava a matemática para tornar sua
vida e sua cultura agradáveis. Hoje, gra-
ças à cia € à compreensão dessa
tradição matemática, as crianças utes se
conse
«dão conta de que, ao hontar e perpetuar
as tradições de seus ancestrais, aprendem
«utilizam a matemática.
Os autores agradecem dos anciãos utes
por terem transmitido a eles seus saberes, e
especialmente Lillian Reed, Fabian Jenhs,
Cameron Cuch e Venita Tveapont. em
Jim Barta é professor da
Universidade do Estado de Utah, e Tod
Shochey; da Universidade do Maine.
Etta
Mathematics and beadwork. Jim Barta, em bind's
af Chonge, American Indian Science and Enginee-
Fig Socioty, vel. 14 [2], págs. 36-41, 1999.
The Multicultural Math classroom. C. Zaslavsky,
em Bringing in the World, Portsmouth, Heine-
mann, 1996.
Mathematical enculturation. A. Bishop, em À
Cultura! Perspective on Mathematics Education,
Kluwer Academic Publishers, 1994.
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 59
60 SCIENTIFICAMER TAS! TNOMATEMÁT
é diferente no plano cognitivo, quer dizer,
nodas representações mentais autóctones.
Será que os nzakara ignoram as proprieda-
des dessas fórmulas, ou será que têm cons-
ciência da estrutura em cânone, ou seja, da
identidade dos dois perfis melódicos?
Não podemos responder diretamente
a essa questão, e num artigo da revista
LHomme expusemos essa problemática,
chamando a atenção para as dificuldades
que existem de fundamentar certas análises
abstratas na realidade cognitiva autóctone, A
maior parte dos estudos de emomanemática
aborda as propriedades formais de sistemas
estudados independentemente dos pro-
cessos mentais eferados por aqueles que
estão na origem desses sistemas, Uma das
principais razões é o fato de que os estudos
são feitos u posterion, a partir de dados de
campo, recolhidos sem qualquer preocu-
pação matemática. Esse é o caso de nosso
estudo, que revela a falta de informações
sobre o modo pelo qual os músicos dessa
sociedade representam para si próprios suas
fórmulas instrumentais.
Aplanta dos Gêmeos
Prorusemos um conjunto de indícios,
retirados de nossos trabalhos feitos em
colaboração com a emólogo Eric de Dam-
plerre, especialista em sociedade nzakara,
indícios esses que poderiam explicar a
aparição dessas fórmulas em cânone. Um
dos principais argumentos em favor dessa
hipótescé a utilização pelos nzakara deuma
planta particular no rirual que se segue ao
nascimento de gêmeos (ela é plantada em
frente à casa onde eles nascem). A notável
geometria dessa planta, da qual as duas
fileiras de folhas estão dispostas em planos
perpendiculares, cafastadas uma da outra ao:
longo do caule, explica por que ela intervém
nesseritual (propriedades “geométricas”, O
interesse des nzakara pela geometria dessa
planta talvez esteja em relação com suposta
intenção dos músicos, de tocar as formulas
em cânone, ou seja, tendo dias linhas me-
lódicas deslocadas.
Contudo a questão é controversa ea
emomusicólogo Klaus Peter Brenner não
WWWLSCIAM COM.BR
te
Z
1 ' ' ' ' ' ) 1 1
>
Distância = motas
E == E =.
a Fo
=
Distância = 4 notas
1.45 FÓRMULAS DE HARPAS nzakara são. representadas pelos pontos [as notas) dispostas sobre cinco linhas,
cada uma delas correspondendo a uma corda do instrumento. Essas fórmulas são cânones, ou soja, as duas
melodias (as linhas coloridas continuas, o melodia tocada em notas graves em azul o outra, agudo, em laranja)
são deslocadas no tempo, Entretanto, o cânone não é rigoraso e podemos observar “erros” [marcados em
vermelho, às metodias são, emlinhas pontilhodos, para corrigir esses erros). O intervalo do cânone
em verde] é o número de notas que separam o Início de cada melodia
, Conaiz345
2.DSCÂNONES NZAKARA respeitam as determinações
nas cordas tocadas (a, de 4 à 5): somente cinco pares do
cordas pinçadas simultaneamente são utilizados (4-3;
1-4;2-4:2-5e 3-5]. Quando as cordas são dispostas em
círculo [b), esses pares (unimos os duos cordas par uma
fiha numerada em vermelho, de O a 4) formam uma estrela
b
e
> OS é decinca pontas, Para respeitar a estrutura do cânions, 08
pares de cordas devem se encadear [na distância do cânone)
é
segundo o gráficoc. Por exemplo, quando a distância da cái
gual a quatro notas, o par É deve, segundo a3 duas flechas que partem do ponto 1 [em verde) se fazer sogulr,
quatro passos adiante, do par 3 ou 2. A linha pomtilhada é o percurso indispensável, mas não canônico, para
percorrer um cielo no gráfico e autorizar uma melodia
aceita a hipótese dos cânones, ao desen corda tocadas nastrês formulas da figura
volver a teoria de que, no plano cognitivo,
as fórmulas nzakara devem ser analisadas
de outra forma.
Na verdade, podemos analisar as
fórmulas nzakara de modo totalmente
diferente, apesar de equivalente pela
lógica, Se numeranmos todos os pares de
1 (adorando a numeração precedente, de
034) faremos então surgir uma estrutura
“em escada”, Por exemplo: na primeira
fórmula es seis primeiros pares 023010
são em seguida deslocados em uma uni-
dade — 134121 — cassim por diante, até
voltar à segiiência inicial (ver figura 3). À
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 63
€ Rpetição de pares
Fiemuta nrákara
raça cierantar da precudevio
o de pares:
Repetição de sequências curtas
D033iMagE
UIBAIZaD?
Ca
osaLiqs2za
(oasai)(o4321 )
3. A ESTRUTURA EM ESCADA dos cânones nzakara aparece quando nos interessamos pelos pares de cordas
tocadas simultantamente. Em o, o motivo 023040 é sucessivamente “deslocado” em uma unidade, 134121,
241232... para voltar aq motivo inicial (a etapa seguinte não representada). Em b, é motivo de dois pares sofre
um deslocamento de duas unidades: D1, 34, 12. Ao estudar as sequências possíveis [c) da fórmula b [fixa-se
o primeiro por, 6, e avoliam-se todas os possibilidades para o segundo), nos damos conta de que somente
a fórmula nzakara [em vermelho) evita as repetições de pares (em azul) ou de sequência curta [am vorde),
Encontramos assim uma troca circutar da fórmuta nzakara (em fonenjis)
A. UMA POLIFONIA DE PIGMEUS AKA [aqui, a peça mbenzelo; segundo o CD-Rom Pigmeus oko, povo e músico)
associa vozes [as linhas verde, vermelha, marrom e amarela representam o conto] e um fundamento
polirritmico tocado em instrumentos de percussão [as figuras geométricos brancas). Nessa poliritmia,
uma fórmula assimétrica [os retângulos em laranja) é tocada com lâminas de ferro.As durações que
separam os sons nossa fórmula são variáveis e podemos raagrupá-las, para formar durações de duas
unidades (um som e um silêncio) e de trés unidades [dois sons é um silêncio). No final, obtém-se a fórmula
rítmica 22222322223, que é repetida circular e ciclicamente
estrutura em escada consiste em repro-
duzir um motivo inicial de um número
de unidades número de vezes suficiente,
para se voltar ao ponto de partida. Pode-
mos demonstrar que sob certas condições
essa estrutura é logicamente equivalente
à estrutura do cânone.
A estrutura em escada evidencia uma
propricdade suplementar na mais curta
64 SCIENTIFIC AMERICANBRASIL
das fórmulas da figura 3, a unicidade. Ve-
jamos em que. Aqui, o motivo reprodu-
zido O só contém dois pares. Podemos
portanto nos perguntar quantas seguên-
cias desse tipo é possível fabricar.
Fixemos o primeiro par em 0, e
enumeremos os valores possíveis para
o segundo. Se tomarmos 0, obteremos
uma repetição de pares, o que não acon-
tece jamais nas fórmulas do repertório
nzakara. Se tomarmos 1, o resultado é
a fórmula da ilustração 3. Se tomarmos
2, a fórmula obtida é somente uma
permutação circular da precedente. Se
tómarmos 3, obteremos novamente uma
repetição de pares. Enfim, se tomarmos
4, constataremos que a fórmula se divide
em duas (04321 é repetida duas vezes).
Ássim, para os valores, 3, 4 a sequência
obtida é de cera forma “depenerada”
(repetição de um par ou repetição de
uma segliência mais curta). Além disso,
para os outros valores [ e 2, obtemos a
mesma seglência de uma permutação
circular próxima. Finalmente, a fórmula
nzakara aparece como a única maneira
de produzir uma segiiência em escada
a partir de um motivo que tem somente
dois pares.
Descrevamos agora um segundo exem-
plo de estrutura matemática, presente nos
repertórios musicais da África central, desta
vez na dimensão rítmica. Trata-se de uma
estrutura rítmica assimétrica, que é utilizada
pelos pigmeus aka, entre outros povos, um
grupo de caçadores-coletores da floresta
tropical do sudoeste da República Centro-
Africana, no vale do rio Lobaye.
Esses ritmos assimérricos resultam de
uma combinação de durações de duas e
três unidades. As polifonias vocais e instru-
mentais muito complexas dos pigmeus aka
contêm alguns desses ritmos. No i
da polimitmia representada na ilust
uma fórmula assimétrica é executada com
batidas das lâminas de facões de ferro, se-
gundo a duração de duas ou três unidades.
Repetida circular e ciclicamente, a grafia
(ou representação numérica) da fórmula
rítmica é 22222322223,
Ritmos Assimétricos
Osurrmos assintérricos desse tipo, que
encontramos na África central, têm uma
propriedade parricular, chamada “impari-
dade rítmica”, colocada em evidência pelo
etmomusicólogo Simha Arom e expressa
na fórma de um enunciado matemári-
co. Ao representar a seguiência rítmica
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
ns [nm | Duração Iransfocmações Ritmo Grupo étnico
é js fo ob 32 [ande
a |z cbbo sesaz aka, phoya, neakara
1 E 16 abbbbb 3223222 gbaya, ngbaka
Jo ju. bbb seezesodaza aka
| 6 a 2a conbbb 333233322 não utilizado
| E cababb a33232232 aka (fórmula mokongo)
I E cmbbob 3asesza3e repetição da precedente
5. A IMPARIDADE RÍTMICA das fórmulas
assimétricas aparece quando dispomos num.
efreulo essas fórmulas (aqui, 32222322222]: não
se pode dividir o ritmo (o círculo) em duas partes
de mesma duração - Issa qualquer que seja o
ponto do partida. As sequências [o quadro) que,
por um lado, respondem a essa propriedade de
imparidade tftmica e, por outro tâm uma duração
que é uxilizada na região (8, 12, 158 24), sãotodas
tocadas pelos aka ou por seus vizinhos. Nosso
quadro, np em; comespondem à quantidade de
núclaos ritimicos de 2 pulsações e de núcleos do
3 ne sequência. À duração corresponde à soma de
nan). As transformações indicam como se pode
obter o ritmo a partir da palavra vazia
precedente na forma de um circulo (ver
ilustração 5), a propriedade expressa faz
com que não possamos dividir o circulo
em duas partes iguais, qualquer que seja
o ponto de partida escolhido,
Propusemos uma construção que
permite obter passo a passo todos, os rit-
mos que obedecem a essa propriedade de
imparidade rítmica. Para todo par (1, v)de
vocábulos formados de 2e de 3, fabricamos
dois novos pares de palavras, segundo duas
transformações diferentes observadas, a ch:
a primeira transforma vem Ju ev em doa
segunda transforma «em v cu em 24,
É possível demonstrar matemarica-
mente que às seqliências em que se veri-
ficam a imparidade rítmica são exatamente
as-mesmas que fabricamos colocando
tréchoa trecho duas palavras ev, obtidas
aose aplicar um número qualquer de vezes
astransformações a « b a partir da palavra
vuzia, com a condição que b seja aplicada
um número impar de vezes. Por exemplo,
a sequência de transformações abhh leva à
palavra 32322, como podemos verificar,
etapa por etapa:
b b b a
de Naro = Velo =» 2 =» 0 =» 32
vw Nado -» 2 2 o 382
- 2 =
WNWUSCIAM COM BR
E»
O
sy]
Essa sequência (tv = 32322) obedece
à propriedade de imparidade rítmica.
Quando efetuamos a construção de
todas as fórmulas ritmicas possíveis, de
pequena extensão (para sermos realistas),
percebemos que as soluções são pouco
numerosas. É, além disso, pretendemos
adequar um traço característico das
fórmulas em uso na região, quando elas
são praticamente todas utilizadas pelos
pigmeus aka ou por outras populações
(zande, gbaya, nzakara, ngbaka). Esse
traço impõe que a soma total das durações
apresentadas na sequência seja sempre
escolhida entre os valores 8, 12, 16 ou
24 (quer dizer, da forma 2º ou 3x 2º), Ao
restringir o cálculo às segiiências desse
tipo, e ao eliminar também as que são a
reperição de uma segiiência mais curta,
obtemos o quadro da ilustração 5, onde
ns € n> designam respectivamente os
números de 3 e 2 da segliência
Quando na = 2, as segiiências são
todas utilizadas. Quando ná = 6, duas
segliências entre as três obridas são re-
correntes uma com relação à outra, o que
significa que cada uma é obtida lend
a outra em sentido inverso (da dir
a esquerda). Uma das duas formas
é utilizada pelos pigmeus aka. Trata-se
dafórmula rítmica 333233232, chamada
mokongo, batida sobre uma viga de ma-
deira. Ela intervém no ritual do zoboko,
que acontece na véspera de uma grande
caçada. No final, só uma das segiiências
teoricamente possiveis (333233322)
pareee não ser utilizada na região.
Essa enumeração permite acreditar
que há razões de ordem cognitiva que
explicam o aparecimento dessas fórmulas
rítmicas. E ainda assim a questão continua
sendo difícil de ser respondida, dada a au-
sência de relatos dos músicosa respeito de
sua própria prática. Esses problemas são
asmesmos que os evocados nos casos das
fórmulas em cânone, da harpa nzakara.
Em particular, nenhum termo vernacular
caracteriza as fórmulas de harpa, que são
cânones. Todavia, podemos utilizaro mes-
mo tipo de argumento combinatório que
para os ritmos assimétricos, Na verdade,
a estrutura em cânone nzakara aparece
num grupo de seis fórmulas do repertório
de harpistas. Ora, este é constituído de
cerca de 30 fórmulas conhecidas: 20%
das fórmulas têm a estrutura estudada,
Essas fórmulas são minoritárias, mas sua
proporção é notadamente superiorao que
seobreria na ausência de fatores que favo-
recem o surgimento de tais fórmulas,
Assim, quando uma propriedade não
aparece de modo acidental, supomos que
as condições psicológicas particulares
privilegiam seu aparecimento. Uma
representação mental não explicitada
explicaria, portanto, a existência dessas
fórmulas em cânone. e
M. Chemillier é professor da
Universidade de Caen, na
Baixa Normandia, França.
ie ALTA
Représentations musicales et meprésentations ma-
thématiques. Marc Chemilher, in LHomme, número
especial Musique er Anthropofagie, nê 171-172, páps.
267. 284, 2004.
Polyphonies et polyngthmies d'Afrique centrale.
Structure ex métodologie. 5. Arom, Paris, Seiaf, 1985,
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 65
Desenhos dos contadores de histórias
de um povo da África central criam
enigmas de análise combinatória
Por Paulus Gerdes
68 SCIENTIFICAMERICAN BRASIL ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
téo final dos anos 1950, os na-
tivos de povo tshokswe, ainda
hoje composto de 1 milhão de
habitantes no nordeste de An-
gola (ver mapa abaixo), reuniam-se após
um dia de caça em volta de uma fogueira
e escutavam um deles contar histórias
segundo um ritual preciso (ver foto na pág.
aolado), Após ter limpado e alisado com a
mãoo solo arenoso, o narrador desenhava
uma grade de pontos, cuidando para que
estes estivessem regularmente espaçados.
Em seguida, no decorrer de sua narrativa,
seu dedo traçava ao redor desses pontos
(em casos muito-raros, passando por eles)
umalinha curva (cu fio) que servia de base
para sua história. Por exemplo, a figura
la ilustra uma fábula na qual um coelho,
em |, descobre uma mina de sal, em 2.
Infelizmente, esta é o objeto de desejo
de um leão, em 3, de um leopardo, em
4e de uma hicna, em 5, cada um deles
invocando a lei do mais forte, para se
apossar do tesouro. No final da história o
coelho vence e permanece sendo o único
a ter acesso à mina, pois os outros ficam
separados pelo fio.
Tu Tshokwe Filii
Esses DESENHOS CHAMADOS de sona
(nosingular, um lusona) pertencem a uma
longa tradição: eles ilustravam provérbios,
fábulas, jogos, animais e enigmas, e de-
sempenhavam um papel importante na
transmissão do saber às novas gerações.
Váriossona evocavam omulanda, oritode
passagem dos meninos à idade adulta.
O traçado dos desenhos era liso e conti
não, feito de umasó vez: qualquer hesitação
erasigno de falta de habilidade, queaaudiên-
cia recebia com um sormiso irônico.
A grade inicial de pontos facilitava a
tnemorização dos desenhos pelesafaca Reta
soma, os especialistas nessa arte, O número
de colunas e de linhas dependia do motivo
desejado e da história, Por exemplo: o luso-
na que representa as marcas deixadas por
uma galinha perseguida era ilustrado com
OTERRITÓRIO [em marrom) dos tsholome
WWWESCIAM. COM.BR
1. MUITAS VEZES lendas e fábulas basciam-sa nós: sore. Por exemplo: [o], um coelho [£) descobes uma mina de sa! [2], quer
umileão, (3), um leopardo, [4] e uma hiena [5] desejam. Mo final ta história [quado o fi fat traçento), a eoelho 6 o única
já que é o único à ter acusso à mina. O lusana em b destra eutra história: por ocasião da marte ia clvele de uma
proprio
aldeia, três ladrõos (1, 2 4 3) prevendom tomar seu lugar. Nó final, somente o tegundo assaltante tem acesso no cadáver cio
tóma o poder e sobe sa trono
um desenho cuja grade inicial tinha cinco
linhas deseis pontos. Graças a esse método
— um tipo de sistema de coordenadas —, os
tshokwe reduziam a memorização de um
lusona inteito a uma de dois números, o das
linhas e o de colunas.
É possível estudar esses sona por meio
damatemática de gráficos, redes definidas
por pontos (vértices) ligados por linhas
(arestas). Nesses objetos, o comprimento €
acurvatura das arestas não importam: dois
conjuntos de vértices idênticos podem ser
ligados da mesma mancira, mas porarestas
REPÚBLICA
DEMOCRÁTICA
DO CONGO
com um “encanto” diferente: aqui. os gráfi-
cos são topologicamente equivalentes (ver
figura 2). Esse também é o caso de certos
sona, em especial de dois que contam a
história de Sa Chituku e desta mulher Na
Chiruku: à primeira vista, esses dois sona
são diferentes, mas eles são equivalentes
— gos tsholawe sabem disso.
Determinados sona distinguem-se
fatode serem constituídos pela reperição de
um motivo elementar. Esse é, porexemplo,
ocaso das árvores mtyombo (ver fgtra 3),
soma que representam os antepassados da
Harare 1)
ZIMBÁBUE
LHE E
E ç
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 69
AN ENS /
ta (E RE (Gas)
2 DOIS GRÁFICOS fa e b] são isomórficos: existe uma correspondência univaca entre as arestas é os vériicas de
um e do outro. Aqui verifica-se que os vértices A, B,C,De E e as arestas AB, AC, BC, BE, CO, CE e DE são comuns sos
dais gráficos. Do mesma mado, 05 sena [ce d são isomórficos: 05 pontes 1 0 2 representam Sa Chitukas e de sua
esposa Na Chétuku na meio de sous vizinhos [os outros pontes). O metida, ciumento, constrói barreiras que isolam
sua mulher, obrigada, em consequência, a sor ficl
3 AS ÁRVORES MUYOMBO constituem uma família de sona que são a repetição de motivos elementares
reunidos em grandes figuras. Os pontos [em laranja] da linha superior simbolizam os membros de uma família
que ora aos antepassados
4.05 MOTIVOS EM TRAMA são os sona mais simples: eles são formados de fios que percorrem as diagonais de uma
grade de pontos. Amaíaria é composta de um único fio (a), mas alguns necessitam vários [b, em morram e om
azul). Esses desenhos são análogos ao trajeto de um saio de luz num perímetro circunscrito, onde as paredes são
espelhos (c) Quando sa inserem espelhos suplementares [dl em pantilhodos negros) entre 05 pontos de colunas
de fileira par, obtém-se os sona da família do ventre da leão
PO SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
aldeia. Dediquemo-nos agora ao número
de fios necessários para traçar as sona. À
análise combinatória nos ajudará.
O Número de Fios
Os soxA QuE se assemelham a tramas de
tecelagem estão entre os mais simples (ver
figura 4). Entre eles, alguns são compostos
deumúnico fio, que contomacada ponto da
grade, antes de reencontrar seu ponto inicial;
outros exigem vários fios.
Podemos analisar propriedades mate-
múticas dos sona em trama, assim como os
de outra família. chamada ventre do leão, e
evidenciar em quais casos um único ho é
suficiente para desenhar o lusona inteiro, e
em quais outros vários são necessários, Dito
de outra forma, dado número de linhas e
decolunas, de quantos fios precisamos para
desenhar uma trama completa?
Antes de mais nada, imaginemos o lu-
sona como a trajetória de um raio luminoso
num plano retangular cujas paredes são
espelhos. À luz é emitida de um canto do
plano em determinada direção, formando
umângulode 45ºcomum doslados, Assim,
a luz se reflete nas paredes, percorrendo as
diagonais da grade.
Usando um sistema de coordenadas
pars marcar os pontos de tal grade, obser-
vamos que um fio que parte do ponto (a, 0)
atingeoponto(n + 1,n+ | -a) emseguidao
ponto (n+ |-a,n « |) efinalmenteo ponto
(0,4), antes de reencontrar o ponta inicial.
Na figura 5a, o fio passa pelos pontos (2, 0),
(5,3).(3,5)e(0, 2). Cadafhoédesviadorrês
vezes antes de voltar a seu ponto inicial e
percorre quatrodiagonais: no total, é preciso
desenhar n fios (retângulos) para percorrer
todas as diagonais da grade. Uma grade
5 UM MOTIVO EM TRAMA no qual a grade é quadrada fa)
requar um número do fios fgual ao número de pantos de
cada lado, aqui quatro. Detormina-se o número do fis
necessários para uma prade qualquer, decompondo-se
esta em quadrados (5): demanstra-se que o múmmero de
fios para mativo completo é igual zo númera de fios.
necessários para a parte restante. quando s colocam
de Lado todas ass grades quadradas. Em nosso exemplo
fuma grade de três linhas e de quatro colunas após a
eliminação do quadrado de 3x3 [ceiimiado em laranja),
resta uma coluna de trés pontos [cdetimitada em violeta).
que pode ser cercada por um único fio: deduz-se que um
fio é suliciente para toda à grade
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
Para prever o destino, os malgaxes
manipulam quadros de grãos que obedecem
a regras matemáticas refinadas
Por M. Chemillier, D. Jacquet,
V. Randrianary e M. Zabalia
siftidy é um método de adivinhação utilizado em
toda a ilha de Madagascar. Seus princípios foram
herdados da geomancia árabe, que se propagou
na África no rastro do Islã. Aparentemente, os
malgaxes fizeram para si próprios uma adaptação
desse modo de adivinhação, e a maioria da população local pratica
asmesmas regras de construção formal de origem árabe, ainda que
alguns detalhes sejam diferentes. Os malgaxes recorrem a adivinhos
tradicionais para tudo em sua vida cotidiana, por isso ces podem ser
encontrados em todas as cidades.
A adivinhação sikidp consiste em dispor sobre o solo grãos
de fano (uma espécie de acácia) que formam um quadro, com o
objetivo de “ler” o destino em determinadas disposições dos grãos.
O procedimento comporta uma parte aleatória, na qual o destino se
manifesta, e uma parte algoritmica, construida a partir da retirada,
segundo regras precisas. Veremos que essa parte calculada envolve
propriedades algébricas.
Vários estudos dedicaram-se às propriedades algébricas da
adivinhação sikicp, em especial o de Marcia Asher é o de Manclo
Anona, matemático da Universidade de Tananarive, este último não
publicado. Sua fonte é o trabalho de um grande conhecedor das tradi-
qõesmalgaxes, Raymond Decary, que fotografou os adivinhos desde
o início do século XX (ver foto nu pág, «o lado), Recentemente, o
antropólogo Jean François Rabedimy, da Universidade de Tulear, no
sudoeste de Madagascar, também observou a adivinhação sikidy..
“Todosessesestudos de emomatemática abordam as propriedades
formais do sistema in abstracto, sem levar em conta os processos
mentais desenvolvidos pelos adivinhos. Desde 2000, temos estu-
dado aspectos algébricos da adivinhação associados à pesquisa de
campo. Para ter acesso aos mecanismos mentais que “encamam” as
diferentes propriedades estudadas, filmamos em video os gestos ex-
plicativos easetapas de construção, ecronometramos determinadas
operações mentais, a fim de estudar sua natureza.
A atividade de adivinhação começa pela mistura dos grãos
atirados sobre o solo, e pela recitação de evocações místicas. Em
seguida, o adivinho pega um punhado de grãos ao acaso, sem saber
previamente qual éo número, que ele amontoa diante de si. Depois
ele retira os grãos dois a dois, com os dedos indicador e médio. O
WINWLSCIAM, COM.BR
adivinho só se interessa pelo que sobra dessa eliminação por pares,
ou seja, pelo resto da divisão do número inicial por doi
giiência, o resto só assume dois valores, 1 ou 2 (mantém-se 2 em vez
de 0, quando o número de partida é par, porque a manipulação do
zero é pouco visual), Esse resto, determinado pelo número de grãos
contidos inicialmente no punhado, é o resultado de uma retirada
aleatória na qual se manifesta o destino do consultante,
Linhas e Colunas
A OPERAÇÃO DE RETIRADA é repetida 16 vezes, eos 16 valores são
colocados num quadrado, de quatro casas laterais, chamadas renin
tsikidy (ou matriz mãe). Nesse quadro, interessa-se pelas linhas e
colunas, o que define oito figuras compostas de quatro elementos
(ver ilustração 1).
Abaixo da matriz mãe, são construídos oito novas colunas, as
“filhas”, de quatro elementos cada. Esses elementos são as somas
dos elementos, tomados dois a dois, de duas colunas ou de duas
linhas, aplicando as regras de adição módulo 2, com a reserva citada
anteriormente no zero não utilizado (1 grão + 1 grão = 2 grãos; 2
grãos + | gro = | grão; 2 grãos + 2 grãos = 2 grãos)
A adição de duas figuras de sikidy é uma operação comutativa
(ela não depende da ordem das figuras) e associativa (a adição de
três figuras é independente da ordem escolhida para adicionar,
primeiramente, duas figuras, antes de adicionar a terceira ao re-
sultado), Finalmente, a operação possui um elemento neutro que
é o quádruplo (2, 2. 2, 2), e cada figura é seu próprio inverso: ao
se adicionar uma figura a cla mesma, obtém-se sempre oelemento
neutro (seo elementoé 1, então | + | = Zescoclementoé 2, então2
+2=2), Assim, a adição de figuras forma um grupo comurativo.
Aorepetir o processo de adição, os adivinhos obtêm várias gera-
qões de filhas. As filhasdiretas são calculadas pela adiçãode linhasou
de colunas da matriz mãe. Novas filhas são em seguida construídas
apartir das precedentes. À ilustração 1 mostra um exemplo de con-
figuração de sikidy no qual as colunas-mãe, contadas da direita para
a esquerda, são numeradas de 1 a 4, as linhas-mãe (lidas da direita
para a esquerda) são numeradas, de cima para baixo, de 5 a 8, as
filhas de primeira geração são obtidas do seguinte modo: a filha 9 é
asoma das linhas-mãe 7 e 8, a filha 11 ésoma das colunas-mãe 5 e
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 23
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1. UM QUADRO DE SIKIDY [0] é constituida de 16 sequências de grãos com 4 casas.
cada uma. Cada uma contém um ou dois grãos, Às colunas.mão (1, 2, Je 4,05
nomes vernaculores estão em vermelho) e as linhas.mãe (5, 6, ? e 8;em azul)
formam a matriz originária a partir da qual-se fabricam as filhas da peimeira (9, 14,
6, atilha 13 a soma das colunas-mãe 3. € 4, e a filha 15 a somadas
colunas-mãe 1 é 2. As duas filhas de segunda geração são a 10 (9
+Ujea 14 (13 + 15). A filha de terceira geração é a 12 (10+ 14).
Finalmente, a filha de quarta geração é a 16 (12+ 1).
Figuras Pares e Impares
CADA UMA DESsas 16 posições, linhas e colunas-mãe, e as filhas
de todas as gerações têm um nome vemacular: na ordem em que
são numeradas, fale, maly, fahatelo, bilachy, fianahana, abily, alisay,
fahavalo, fahasiuy, ombiasp. haja, haky, asórita, sailp, sajary e Riba.
Asfiguras (os quartetos) desikidy são emnúmerode L6(2º, pois,
para cada um dos quarro elementos, pode-se escolher entre um ou
dois prãos) e têm nomes vemaculares, diferentes dos anteriores, que
corespondiam às localizações no quadro.
Usamosa terminologia da emia antandroy (do sul de Madagas-
car). Osnomes variam um pouco de uma etnia a cutra. Além disso,
os adivinhos distinguem, em sua arte, duas classes importantes
de figuras, aquelas cujo número total de grãos é par, os mpanjaka
(príncipes) eaquelas cujo múmero total de grãos é impar, osandevo
(escravos). Os principes são tareky (1, 1, 1, 1), alasady (1, 1,2,2),
adalo (1,2, 1,2), alokola (1, 2,2, 1) alotsimay (2,1, 1,2), alohotsp
(2,1,2,1),adabara (2,2, 1, 1), asombola (2, 2, 2,2). Os escravos
são karija (1, 1, 1, 2), alimizanda (1, 1, 2, 1), alakarabo (1,2, 1,
D.renilaca (1, 2, 2,2), alahaosy (2, 1, 1, Dulaimora (2, 1, 2,2),
alibiavo (2, 2,1, 2), alikisy (2, 2,2, 1).
Essa distinção príncipe/escravo rem papel importante na adivi-
nhação. Uma regra simples é que um principe é mais forte do que
um escravo. Tomemos o exemplo de um indivíduo que consulta a
respeito de uma doença. O consultante é representado pela coluna
1 da matriz mãe. Obrém-se a doença adicionando a coluna 1 à filha
9, Ássim, como a figura | é um escravo, mas a que representa a en-
fermidade é um príncipe, o adivinho deduz que a doença é grave.
A distinção principe/escravo também intervém numa proprieda-
de formal dosistemade construção de figuras ilhas, propriedade que
determina que aquela que aparece na posição 12 (posição haley) seja
necessariamente um principe. Podemos verificar issona ilustração |,
naquala figura em posição 12 éulasady (1, 1,2,2), queé realmente
PA SCIENTIFICAMERICAN BRASIL
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138 15:em verde), segunda [108 1d; em loronja), terceira (12, em rosa) e quarta
[16, em violeta] gerações. As adições entre parênteses indicam os quádruplos-pais.
Por exemplo, [b), a filha asorita [3+4) é resultante da soma das colunas-mãe 3,
[fahateão) e 4 [bitady). Os elementos são adicionados dois a dois mádulo 2
um principe; podemos também demonstrar essa propriedade, pois
asoma dos grãos na coluna 12 é igual, módulo 2, ao dobro da soma
detodos os elementos da matriz mãe, uma vez na ordem das linhas,
e uma vez na ordem das colunas. Na verdade, quando se olha o
procedimento de elaboração de filhas: 12 = 10 + 14, ora 10=9+ 11
€14=13+15.seja 10=7 +8+5+46014=4+3+2+ 1, poranto
12=1+2+3+445+6+7 + 8. Sendo onúmero de grãos nessa
soma necessariamente par (cada elemento de matriz mãe é contado
duas vezes), a posição 12 é realmente um principe.
Podemos olharadiantee mostrar que toda figura par (nãvimpona
qual principe) pode aparecer nessa posição, Para tanto, basta-cons-
truir uma matriz mãe cujos elementos são pares de grãos, exceção
feita a alguns grãos isolados posicionados ad hoc, a fim de obter a
figura desejada, O conjunto de figuras que pode aparecerna posição
12. portanto o conjunto de todas as figuras pares. Por um racioci-
nio análogo, demonstramos que uma figura qualquer (principe ou
escravo) pode aparecer em toda posição secundária (as filhas) com
exceção da coluna 12, que só é ocupada por principes.
Os adivinhos conhecem essa propriedade da coluna filha 12, é
ela éusada para verificar que não houve erro de cálculo. A presença
deum príncipe nessa posição &uma condição sine qua non para que
um quadro de 16 figuras possa ser interpretado. Todavia, Isso não
diz nada a respeito do modo pelo qual es adivinhos conceitualizam
anoção da própria “paridade”. Será queeles são conscientes de que
a distinção principe/escravo se baseia num critério aritmético, e se
sim, como eles a expressam?
A resposta nos foi dada por Raymond, um adivinho de emia
mahataly que vive em Tulear. Ele posicionou oiro figuras pares
umas ao lado das outras, em seguida, em cada figura movimentou
todos os grãos isolados, de modo à emparelhá-los com um outro
grão isolado da mesma figura. O resultado é uma sucessão de
configurações nas quais os grãos são agrupados dois a dois. Ele
comentou esse procedimento, dizendo que os príncipes são tsy
ota (“sem pecado”). Esse termo é uma maneira de qualificar um
número par, pois isso significa afirmar que ao proceder ao empa-
telhamento de grãos não se deixa nenhum isolado. Para as oito
figuras impares, o procedimento é o mesmo, mas Raymond fez
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA.
notar que após o emparclhamento sobra sempre um grão isolado
em cada figura, que ele movimentou para baixo, Ele qualificou o
resultado de ota, o que denota um número impar.
Habilidade de Cálculo
Nós mzeMos TESTES cRONOMETRICOS (ter ilustração 2), para
estudar à operação mental efetuada pelos adivinhos na distinção
das figuras pares impares, e para compará-la com a de pessoas que
não são adivinhos. Na tela de um laptop, 48 figuras de sikicky são
propostas sucessivamente. À pessoa deve reconheceros príncipes e
os escravos, apertando uma tecla à esquerda ou à direita.
Para quem não é adivinho, a figura esomboia (2, 2, 2,2) é de-
tectada muito mais rapidamente como sendo um principe: a curva
apresenta sistematicamente um pico inferior no tempo de reação
quando essa figura aparece. Assim também, a figura tarehy (1, 1,
1, 1), quetem quatro grãos, também corresponde a um mínimo da
curva. Para as outras configurações, os tempos são variáveis.
Em contrapantida, no caso dos adivinhos o reconhecimento
principe/escravo é aparentemente um mecanismo mental tão bem
integrado quea contagem dos grãos das figuras E inútil. Essestestes
demonstram igualmente que o procedimento de agrupamento
de grãos descrito anteriormente por Raymond, para classificar as
figuras em ota e tsy ota é um meio teórico de explicar a disti
principe/escravo, mas não corresponde a um procedimento utili-
zado na prática.
As posições da esquerda para a direita das filhas na parte inferior
doquadro da ilustração 1 não correspondem
à ordem na qual os adivinhos as dispóem;
assim, por exemplo, a filha 1 1 é construída
antes da filha 10. Entretanto, a ordem de
construção é algumas vezes modificada
de modo a que as filhas sejam claboradas
sticessivamente da esquerda para a direita,
ou em sentido inverso. Nós observamos
vários exemplos, alguns dos quaisnos foram
reveladosa posteriori pela gravação em vídeo
das sessões de trabalho.
a esquerda 11, 1069. Nessa situação, a inversão se explicaria por
circunstâncias particulares, O clemento que apareceu anteriormente
em ll eraafiguraasombola (2,2,2, 2).0u seja, ocletmento neutrodo
grupo. Por esse motivo, Njarike pode prever que as colunas 9 € 10,
nas quais se acrescenta o elemento neutro a 9, são idênticas; assim,
ele pode posicionar essa figura em 1O antes de reproduzi-la em 9.
“Todas as inversões que registramos estão ligadas ao surgimento
doclementoncutro(2,2, 2,2). Assim, a inversão em relação à ordem
de construção normal revela a consciência que os adivinhos têm do
papel do elemento neutro, desempenhado pela figura asombola.
Talvez os adivinhos utilizem uma ordem de construção es-
querda-direita das hguras secundárias de modo maissistemático.
que afirma Jean François Rabedimy em sua obra sobre
osikidy. O método que ele descreve é o de calcular as filhas de
segunda e de rerceira gerações (10, 14 € 12) operando não mais
aparirdas de primeira geração (9, 11, 13€ 15), mas referindo-se
diretamente à matriz mãe.
Paraa coluna Lá de segunda geração, por exemplo, temos por
associação da operação de grupo 14=13+ 15=1+2: 344. Em
outros termos, à filha 14 é a combinação das quatro colunas da
matriz mãe. Os quatro componentes dessa coluna 1á são, portanto,
dados pelas somas dos grãos nas quatro linhas = quer dizer, pelas
classes das figuras correspondentes (principe ou escravo). Nesse
caso, vimos que os adivinhos são acostumados à determinar a
classe de uma figura. Assim, eles podem obter os quatro elementos
«a coluna 14 com um único golpe de vista a partir das linhas 5,
teimpa do resgonta
(em redisseguretos)
Número ce grisa dia puras.
Nocaso de inversão, Njarike, um adivi-
nhoantandroy de'Tulear, construiu a coluna
10(9+ 11 Jantes da9, ouseja, da direita para
2, TESTES DE RECONHECIMENTO da paridade,
poe mio de um programa informático de
experimentação em psicologia cognitiva (pessoa
que não é adivinha no alto, adivinha embaixo).
Acurva (em amorelo] dá os tempos de resposta
ememiissegundos para uma série de 48 figuras
entre as-quais era preciso reconhecer a paridade
donúmero de grãos. Umia segunda curva [em
toranja ), no retângulo inferior [em cinza), indica
os números de grãos das figuras [de é q 8). Um
nio-adivinho não é rápido fos valores mínimos do
fêmpo de reação) no caso das figuras extremas de Pta
CERELTELITITELIT
ú aá
TITITT
sm 2
Múmeo e fura
Tempo de resposta
[em miisaegundos)
=z000
Pr 000
Mémero de grãos das figuras
PLITIITA
su nm au xy
”
quatro ou oito grãos. Um adivinho, com algumas é Múrmaro du figa
exceções, vê imediatamente a paridade
WWWSCIAM.COM BR SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 75
« Mosaicose ,
origami
À antiga arte de dobradura de papel
mostra como se achata um cilindro
de papel, guarda numerosas relações com à matemárica.
O: que em japonês significa à ame da dobradura
Examinaremosneste texto suas contmibuições para a teoria
dos mosaicos e para a inteligência mecânica.
“Tibor Tarmai, da Universidade de Budapeste, estudou um
fenômeno que os engenheiros se esforçam para compreender, o
esmagamento dasesmuraras; toda obra submetida forças excessivas
sedeformaouse rompe: Quandoobservado em folhas finas de metal
é particularmente interessante, pois essas peças rem uma resistência
considerável, apesar de sua massa frágil. À mais conhecida é a latade
alumínio para bebidas, uma obra-prima da produção industrial.
Quando um cilindro de metal é comprimido seguindo seu eixo
= qu sçja, quando o movimento obedece a ele é feiro em seu sentido
=, ele permaneçe cilíndrico até que as forças atinjam um valor crítico,
acargade esmagamento. E entãoeleé achatado de uma só vez. Du-
rantea realização de experiências de laboratório, todavia, é possível
limitara deformação, porexemplo, ao ajustarum cilindro um pouco
menordo que aquele que está sendo testado, em seu interior. Dessa
forma, analisam-: st às primeiras etapas do processo.
Oesmagamento gera uma soberba estrutura simérica, composta
delosangos, que seassemelha bastante às figuras que obtemos ao do-
braruma folha de papel em mângulose enrolá-lacomo um cilindro.
O papel se deforma, então, como ocorre com uma folha de metal.
O primeiro tipo de deformação é chainado de estrutura de Yoshi-
mura(ver ilustração abaixo) Obrém-setalestmurura pavimentando-se
a
“que: chamamos, aqui, de mosaicos), todos
planos; ou seja, não deformados.
Podem outras pavimentações do
plane ser dobradas do mesmo modo?
Sabemos há muito! tempo quieexistem
exatamente três Hipos de mosaicos (ou
pavimentações!regularese uniformes.
“Regular” significa que as peças são
todas poligonos regulares idênticos;
A ESTRUTURA DE YOSHIMURA Comesponde ao
modo principal de achatamento de um cilindro
78 SCIENTIFICAMERICAN BRASIL
Por lan Stewart
“uniforme” quer dizerqueas combinações.
das peças são idênticas à cada vértice.
Os mesaicos regulares e uniformes são
compostos de riângulos equiláreros, de
quadrades ou de hexágonos.
Mosaicos Semi-regulares
Em 18500 MareEMATICO suiço Ludwig
Schláfli demonstrou que existem, além dos
regulares, oivo tipos uniformes e “semi-re-
gulares”, nos quais todas as peças são po-
ligonos regulares, mas não necessanamente
idênticos. Designamos essas peças pelo
simbolo de Schláfli, que assinala a natureza
das peças ao redor de cada vémice. Por
exemplo, a colméia é assinalada (6): cada
vértice está na intersecção de três hexágo-
nos. Os dois outros mosaicos regulares
uniformes são assinalados (3º), querdizer,
seistiángulos eqiiilteros em cada vértice,
e(4'), ou seja, quatro quadrados,
Os mosaicos uniformes semi-
(ter segiiência de figuras na pág, ao lado, acima) são: (31,6) (33:42),
(32:4.3.4), (4.6.4), (3,630), (3.122) (86.12) e (4 8/).0 mosaico
(3.4.6.4), porexemplo, tem, em cada vértice, um triângulo equiláre-
ro, um quadrado, um hexágono e um outro quadrado. Na estmutura
de Yeshimura, a peça não é um polígono regular (os triângulos
deveriam ser equiláteros é não isósceles), € não deveria, portanto,
estarnalista, Ela comesponderia à fórmula (39).
Quais estrutúras podem ser dobradas no sentido das arestas de
polígonos, de modo que as faces poligonais permaneçam planas?
É possível dobrar uma estrurura 4º no sentido de suas linhas hori-
=ontais, ou das verticais, sem que as peças quadradas se deformem.
Ei contrapanida, isso não pode ser feito com uma estrutura 4! no
semido das linhas horizontais é vemicais, pois as peças se curvam.
Em 1989, Korvo Miura demonstrou que nenhum mosaico no
qual três arrestas se cruzam num vértice pode ser dobrado, o que
elimina as possibilidades (6º), (3.122), (4.6.12) e (4:87). Acontece
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
RT FERLLO fds LU FESPAANOO MACIA [acima]
[3:8)
(85434)
(5535)
(88)
E OS DITO TIPOS DE MOSAICO SEMI REDULARES são designados pela número e pela natureza dos poligonos que se localizam er cada vértice. Para 03.6, por exemplo,
cada vértice é farmado por quatro áriângulos equiláteros e um hexágono
2.05 DIAGIAMAS [0] de dobradura domosaico [35 4.3,4) e 05 clindrvs que comespondem às dobraduras em vermelho (6), verde fc) laranja (a)
o mesmo com os mosaicos (31.6) € (3,4,6,4), nos quais as faces
poligonais não permanecem planas. Linhas atravessam os mosaicos
(3.6.3.6) e(d?), que podem ser dobrados no sentido dessas linhas,
mas, ainda desta vez, os resultados são pouco interessantes.
Só restam então os mosaicos (39), (3*.42)e(32.4.3. 4), que ndo só
podem ser dobrados, como enrolados em cilindro, como a estrutura
de Yoshimura., Esses três mosaicos devem merecer a atenção dos:
engenheiros. Eles podem serdobrados de váriasmaneiras: À figura 2
mostra quatro maneiras dedobraro masaico(32.4,3,4); os segmentos
negros indicam as dobras em relevo, eos ponfilhados, as dobras em
cruz. À mesma figura mestra os respectivos cilindros vincados.
Avestrutura das linhas de dobradura se repete na totalidade do
plano: Os paralelogramos coloridos da figura 2 indicam à unidade
básica. A menor unidade básica possível fem vermelho) tem uma
superfície igual a dois quadiados e três triângulos, Um desses qua-
drados é dividido em duas partes que dariam um quadrado se as
bordas opostas da unidade básica fossem coladas. É o único motivo.
AVMSCIAM COM BR
de dobradura possível cuja unidade básica contém dois quadrados.
A segunda unidade básica (mm verde) contém quarro quadra-
dos e supõe-se também que cla seja a única dobradura com essa
particularidade, À terceira (em azul) contém seis quadrados; há
várias dobraduras desse tipo, e deixa aas leitores a possibilidade de
encontrar outras. À última (er laranja) contém oito quadrados, e há
novamente várias dobraduras desse tipo. Deixo também aos leitores
a possibilidade de encontrar as que comespondam a (35) e (34º.
Como ocorre na estrutura de Yoshimura, dererminadas dobra-
duras assemelham-se à superfície obrida pelo achatamento de um
cilindro real, Além disso, o-achatamento pode ser simulado por
computador: basta fazer como se às peças planas do mosaico sejam
ligadas por um material elástico. Os resultados são úteis tanto em
arquitetura como em inteligência mecânica. É sempre animador ver
como à maremática reconcilia uma are antiga com a modemidade,
Tan Steivart é professor da Universidade de Warcick, Inglaterra.
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 79
MARIA LUNA MARQUE
FAZER UMA DIVISÃO no
dia-a-dia é uma conta
multa mais complexa
para o estudante que
“vimdo balas do que
a que ele aprênde
naescola. Em vez
de entregaruma
porçâuigual para cada
colaborador, ele leva em
coma também o sexo e
aidade dos colegas
drados...”, o professor Toninho Macedo
levantou, foi para frente da sala e ges-
ticulando — quase como que dançando
= começou a falar:
“O metro para nós é essa distância
daqui do umbigo ao chão. Isto mede
1 metro. À casa de um guarani tem no
ponto mais alto, a nossa altura mais meio
metro”. (Toninho mostra a sua altura
com a mão sobre a cabeça e aponta para
cima com as mãos formando um triângulo
dizendo muis meio metro, “A área da casa
é 2x metros, Nos cantos ela tem a nossa
altura.” (Toninho mostra a sua altura
pondo a mão sobre a cabeç
para ficar de péaté o canto.”
girou, quase como que dançando, e expli-
cou uma vez mais a casa guarani.
Nesse-momento, assim como acon-
teceu com o professor Mário, inúmeras
perguntas começaram a surgir na minha
cabeça, algumas bem parecidas com as
dele; "Uma pedagogia na direção da etno-
matemática, em contraste coma perspec-
tiva do ensino conduzido pelo professor,
deveria lidar com o ensino-aprendizagem
da noção de área à partir do formato e da
medida da casa guarani?”; “Qual o sen-
tido matemático da medida de área, para
os guaranis, fora do contexto prático?”
“Os saberes contextualizados dos alunos
e alunas, quando levados em conta, con-
tribuem para uma aprendizagem, pela
MPE SCIAM COM BR
escola, mais significativa, ássim como
podem dar aos alunos/as mais poder e
domínio sobre sua aprendizagem?”.
Medidas das Receitas
OsrerciiRro EPISÓDIO se deu no con-
texto do ensino privado, numa escola
particular de São Paulo. A professora
de matemática Renata fez-o seguinte
relato na aula da minha disciplina de
metodologia de ensino da matemática,
no curso de pedagogia da Faculdade
de Educação da USP. Ao entrar em
uma classe de 6! série, Renata encon-
trou os alunos discutindo sobre várias
receitas — para fazer pão — que eles
trouxeram de casa, tarefa deixada pela
professora de biologia.
Na verdade, a discussão girava
em torno do modo como a aluna
Manuela apresentava as medidas dos
ingredientes. Ela usava as unidades
colher de chá, colher de sopa exicara,
chamando-as de teaspoon, tablespoon
ecup. Minha avó, que é americana,
usa essas medidas dizendo que são
as medidas do sistema inglês, que
não tem como comparar com o modo
de medir decimal-ou, não me lembro
bem... diz que não sabe transformar
para o nosso sistema. Eu vou trazer o
jogo de colherinhas que ela usa e tam-
bém o copo”, explicou Manuela.
Ela chamou atenção também para o
modo como a avó media 1/3 de copo de
manteiga: “Minha avóenche o copocom
água até 2/3, dai vai pondo manteiga até
ele ficar todo cheio de água e manteiga”.
À professora Renata, então, interferiu,
convocando à turma a conversar sobre
o modo de medir da avó da Manuela,
“Vamos pensar juntos sobre outros
modos de medir”; “Vamos conversar,
em casa, sobre as maneiras usadas para
medir”, incitou os alunos.
À panir do relato de Renata, passei,
cada vez mais, a visar a possibilidade de
o professor detectar os conhecimentos
(matemáticos) prévios dos estudantes
e procurar caminhos para utilizá-los na
criação e solução de novos problemas.
Em outras palavras, passei a me preo-
cupar com à mudança de duas atitudes
psicocognitivas frequentes nos professo-
res de matemática: primeira, o educador,
em geral, procura transformar os alunos
sem preocupação alguma de, antes, com-
preendê-los e, segunda, o professor, em
geral, não considera a cultura primeira
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 83
-
“>
do aluno — parece que o que o estudante
sabe e do jeito que sabe, não vale a pena
ouvir ou tentar entender.
Do que foi até aqui relatado, quere-
mos refletir junto ao leitor que o exer-
<ício de operacionalização de atitudes
peles professores e professoras em levar
em conta o que o educando pensa,
como ele ou ela vê, é não somente um
grande desaho, mas o germe do proces-
so emomatemático — um movimento
pedagógico que tem no seu âmago
questões como diálogo, legitimação do
conhecimento do “outro”, relativização
respeito à diferença de valores, conhe-
cimentos, modos « códigos.
Seja como for, como vimos, o pro-
fessor que se propõe, em sala de aula,
a evidenciar os “saberes” dos alunos
— concepções, conhecimentos, lingua-
gem, sobretudo como o “outro” pensa
— qu conhece no âmbito das relações
quantitativas e espaciais-não tem um
trabalho simples pela frente.
Ao contrário, dependendo da forma
como ele atuar pode decorrer todo tipo de
consegliências pedagógicas, favorecendo
ificultando a aprendizagem e o ensi-
ou di
no. No entanto, de nossa parte, inspira-
dos e fundamentados em pesquisadores
como Ubiratan D'Ambrosio e Paulo
Freire, consideramos como pressuposto
básico para a realização de um processo
pedagógico — que busca corresponder
a uma perspectiva etnomatemática — a
disponibilidade do professor de mate-
84 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
PARA MER as quantidades dos
ingredientes de uma receita cada
coxinheiro costuma seguir sua própria
matemática, Em vez de usar recipientes.
com praduação exata, muitos preferem
medir"a olho” com xicaras e colheres
mática em conhecer mais intimamente
o educando em suas especificidades
— conhecer e levar em conta no processo
«de aprender e ensinar conhecimentos
anteriores dos estudantes (intelectuais,
artísticos, entre outros), suas preferên-
vias, situação familiar e econômica.
Na verdade, quando perseguimos
este caminho como professores acredi-
ramos que cada aluno tem uma história,
ou melhor dizendo, é uma história.
Cada estudante reage diferentemente às
situações de vida que precisa ou deseja
confrontar. Daí, o ensino deve ser visto
como um aspecto do desenvolvimento
dessa história, que tanto interfere no
crescimento mental deste indivíduo,
aluno, como tem o papel de transformar
a sua articulação no € com o mundo e
com as outros.
Várias Influências
E oconHEcIMENTO matemático, como
osnúmeros, as formas, as propriedades,
enfim as relações quantitativas e espa-
ciais também devem ser trabalhados
pelos professores como relações que
combinam com outras inúmeras influên-
cias — de modo aleatório, mas sempre
no sentido de proporcionar novas
transformações e organizações psico-
intelectuais. Dentro desta visão, toda
formação dessa natureza é, na verdade,
um fenômeno de proporções cósmicas
— uma vez que estaria interagindo com
o emocional, o afetivo, o social, o histó-
rico, o psicológico, o místico, o cultural,
entre outros.
Da nossa reflexão e imbuídos do
valor e papel de uma atitude etnoma-
temática para encaminhar o processo
pedagógico da matemática, estamos
em busca de trabalhar junto aos nossos
estudantes a partir da compreensão
de que: não é possível desenvolver
alguém intelectualmente e afetivamen-
te de modo isolado de sua vivência
sociocultural; e que a aprendizagem
(da matemática) nãoé um momento
estanque na vida do individuo, mas
sim uma negociação com o universo de
conhecimento já existente, na interação
com os novos saberes. m
Maria do Carmo S. Domite é
professora da Faculdade de Educação da
USP e coordenadora do Grupo de Estudos
e Pesquisas em Etnomatemática.
EIS
Tantos'povos, tantas matemáticas. Ubiratan
D'Ambrosia, em Educação, novembro de 1997,
nê199, págs. 355.
Etnomatemática: elo entre as tradições e a mader-
nidade. Ubiratan D'Ambrosio. Autêntica, 2002
Da Etnomatemática: construindo de fora pa
dentro da escola, Maria da Carmo S, Oomite,
em Anais do Vi Encontro Nocional de Educação
Motemótica — VI ENEM, vol. 2, págs. 101-102,
julho de 1998,
Notas sobre a formação de professores e pro-
fessoras numa perspectiva da etnomatemática,
Maria do Carma 5, Domite, em Anais do Primeiro
Congresso Brasileiro de Etnomatemático-CBEmt,
págs. 21-22,2001.
à pedagogia do oprimido. Pauta Freire. Editora
PazeTerro, 1987
Por uma pedagogia da pergunta. Paulo Freire e
Antonio Faundez. Editora Paz e Terra, 1986.
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
MALTA MARS
Camponeses desenvolvem práticas
de medir terreno diferentes das
oficialmente realizadas
Por Gelsa Knijnik
cubaç
luta pela reforma agrária no
Brasil desenvolvida pelo Mo-
vimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra tem sido
apentada por muitos cientistas sociais
como uma das imporantes mobilizações
da sociedade civil na direção de mudanças
que possam produzir a diminuição da
desigualdade social do país. Após 20 anos.
de existência, a força desse movimento
camponês (hoje envolvendo aprexima-
damente 250 mil famílias distribuídas em
23 estados brasileiros) pode ser avaliada
por sua visibilidade no cenário nacional
€ intemacional e pela colaboração dada
ao movimento por pesquisadores de mais
de 50 univeisidades brasileiras, em suas
respectivas áreas do conhecimento, Como
parte desse trabalho, estudes ctnomate-
B6 SCIENTIFICAMERICAM BRASIL
NA LUTA PELA reforma agrária,
camponeses criaram um método próprio.
de calcular a área de plantio
máticos sobre a cultura camponesa sem
terra vêm sendo realizados, trazendo à
cena discussões sobre práticas culturais e
política do conhecimento matemárico.
Na luta pela reforma agrária, a im-
portância que possui o acesso à um lote —
para nele viver e produzir - faz com que a
prática de medição da terra - cubação, na
linguagem camponesa - tenha importân-
ciasignificativa na vida dos assentamentos:
antes de os órgãos oficiais mensurarem o
tamanho dos lotes destinados a cada uma
das famílias assentadas, os camponcses
precisam demarcar os espaços destinados
aagrovilae à produção. Além disso, o pró-
prio planejamento do processo produtivo,
que imediatamente precisa ser iniciado,
exige que cálculos de áreas sejam feitos.
A cubação da terra tem inspirado pes-
quisas eimomatemáticas, cujos resultados
apontam para uma multiplicidade de pro-
cedimentos associados a essa prática, dis-
tintos entre si, mas que são, muitas vezes,
praticados em uma mesma comunidade,
em especial quando ela é formada por
famílias oriundas de diferentes regiões,
Linguagem Camponesa
EstA MATEMÁTICA camponesa — desig-
nação que temos dado a práticas da cultura
«do campo como a da cubação - é produ-
zida por uma linguagem que em muito se
afasta daquela urilizada pela matemática
acadêmica e pela escolar. Como todas as
narrativas, as que constituem a matemática
camponesa, produzidas por uma linguagem
carregada de significados culturalmente
situados, são contingentes. À própria
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
RE SA Tp 2 Ha
E td
E
PEQUENO AGRICULTOR a ii terreno sem. a ódio cla matemáica
uma superfície que corresponde a um
quadrilátero qualquer, consiste em somar
os quatro lados do poligono, dividindo a
seguir o resultado por 4, Assim, o quadri-
Iúero é transformado em um quadrado.
cujo lado é a quarta parte do perimetro do
polígono inigial. E calculada então a área
do quadrado (elevando-se ao quadrado o
valor da medida do lado), que será indicada
como correspondendo à área do quadril-
tero inicialmente dado. Esse procedimento
chamado, em algumas comunidades.
esquadrejar a terra - quando aplicado a
uma superfície que já possui forma qua-
drangular, coincide com o modo anterior
decubara terra, No entanto, cm geral, para
uma mesma superfície, os resultados obri-
dosatravés do esquadrejamento da terra são
superiores aos obtidos pelo processo que já
era utilizado no antigo Egito.
Além dessas estratégias, alguns cam-
poneses do sul de pais usam outro tipo de
WINS CIAM.COM BR
estratégia para dar conta de suas necessi-
dades de definir uma superfície de terra
para o plantio. Diferentemente dos outros
dais procedimentos (nos quais a porção de
terra está dada e é necessário determinar
sua área), há um valor de área previamente
definido, ca questão consiste. cm demarcar,
no solo, o espaço que corresponderá ao
valor estipulado.
Matemática do Trator
Porexempro: como intuito de delimitar,
para cultivo, uma “terra de 100 por 100”,
que equivale à área de 1 hectare, há assen-
tados que utilizam como parâmetro para
determinar o tamanho de tal superfície o
tempo gasto com otrator para carpiroterre-
no, istoé, otempo necessário para preparar
a terra. Como explicou um camponês: “A
gente põe o trator em cima da terra. Tra-
balhando com ele três horas, dá certinho |
hectare”. Nessa situação da vida coridi
de campo, tempo e espaço estão identif-
cados, mesclados: o tempo de 3 horas é 1
hectare, e um hectare são 3 horas. E o trator
mais precisamente os custos envolvidos
em seu uso — que produz a relação, que
estabelece uma estreita vinculação entre
tempo e espaço.
Para fins do culfivo em seu assema-
mento, possivelmente a hora de uso de
trator seria um dado mais relevante para
o camponês que uma eventual precisão
relativa à área a ser plantada: “Uns me-
tros à mais, uns a menos não fazem tanta
diferença”, explicou, Na precariedade de
recursos que são disponibilizados para dar
impulso aos assentamentos da reforma
agrária, diferença faz o custo da produção,
principalmente aquela na qual é requerido
maquinário. Estão implícitos em tal modo
deoperarcomademarcaçãode | hectare as
especificidades do solo e do próprio trator
que nele será usado. São elas que entram
em jogo na definição do tempo de 3 horas,
A experiência do camponês na labuta na
terra dá aele as indicações das modulações
- temporais e espaciais - necessárias paraos
ajustes que deverá fazer em cada situação.
A prática da culbação da terra apresenta-
daneste artigo apontou para um dos modos
de operar da racionalidade dos homens e
mulheres do campo, que produz isso que
chamamos etnomateimática camponesa.
Ela é composta ainda por outras práticas
presentes na vida dos assentamentos,
como, por exemplo, a cubagem da ma-
deira (que envolve o cálculo do volume de
um tronco de árvore). Todas clas têm as
marcas da cultura camponesa sem terra,
que se move pelo empenho em subsistirno
campo. pela luta por um projeto coletivo de
[E
ijnik é professora da
Universidade do Vale & Rio dos Sinos, RS.
Lit eia S
Educação matemática, culturas e conhecimento na
luta pela terra, Gelsa Knijnik. Edunisc [na preta),
Etnomatemática, currículo e formação de profes-
sores. Gelsa Knijnik, Fernanda Wanderer e Cláudio
Oliveira [orgs]. Edunise, 2004.
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 89
Eles têm uma lógica própria, medem o tempo
com tiras de taquara, contam somente até cinco,
mas conseguem entender com base na prática
questões complexas como a lei da refração
Racionalidade dos
indios byrasileiros
nicici meu trabalho de formação do professor/indio
pesquisador, no sentido emográfico, na década de 1980,
com o povo tapirapé, que habita a região norte do Mato
Grosso, às margens do rio Araguaia. Na época em que
inicieiorrabalho havia somente uma aldeia, com uma população
de cerca de 300 índios. Senti, logo no início de minhas pesquisas
em ernomatemática, na tentativa de formar este professor/índio,
adificuldade de compreender a racionalidade por eles utilizada.
Acredito que das críticas à cenomatemárica, a mais fundamentada
é a da educador
ricana Wendy Millroy
quando diz: “Como pode
alguém que foiescolariza-
do dentro da matemática
ocidental convencional
“ver qualquer outra for-
ma de matemática que
não se pareça com a que
lhe é familiar?”. Lem-
bro-me, também, com
fregiiência das palavras
de Paulo Freire em uma
dasreunides do Clube da
Estar maps
90 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
ALDEIA DOS ÍNDIOS waimiti ongs
34 EEE
Por Eduardo Sebastiani Ferreira
Rúcula (grupo de estudos de emmociência que recebeu esse nome
por causa do hábito de Freire, e nosso também, de comer a ver-
dura quando bebia cachaça): “Você deve emergir de sua cultura
e molhado dela ver a cultura do outro”. Isto é, nunca podemos
“ver” uma cultura diferente da nossa de modo imparcial,
Várias situações que presenciei ao longo desses anos me
fizeram referir bastante sobre o melhor modo de analisar a ra-
cionalidade-de uma cultura diferente da nossa — no meu caso,
de algumas nações indígenas brasileiras. Quando cu e o cacique
tapitape (que € o diretor
da escola) estávamos
matriculando os alunos
que iriam estudar, ele
impôs que um garo-
to, que ainda não tinha
idade suficiente para
fregijentara escola, fosse
matriculado também,
Elé argumentou que
se o companheiro do
menino iria estudar, ele
tinha necessariamente
de fazê-lo também. Em
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
dssva aiii
WIN WSCIAM.COM.BR SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 91
N / a tem A ti j q
E 1 cl LU A ICILIN
mítico-religiosa-
Os conhecimentos e a cultura que os negros africanos trouxeram para o país
foram reelaborados para a nossa realidade e constituem hoje novos saberes
ACAPDENA que chegas no Brasil
foimadificada para atender ás
necessidades dos escravos
i
!
i
oral do
Por Wanderleya Nara Gonçalves Costa
e Vanisio Luiz da Silva
negro brasileiro
o cotidiano de muitos negros brasi-
leiros emerge um tipo de matemática
que é produzida pelo próprio corpo,
considerado instrumento de ligação do
ser humano com o sagrado, forma de expressão de
umareligiosidade que se baseia em mitos ancestrais.
Osantigosafricanos escravizados no país buscavam
na religiosidade força pára superar a degradante
situação em que se encontravam, Ela lhes incitava
a inteligência, levando-os a desenvolver diferentes
tipos de conhecimentos, inclusive matemáticos,
além de estratégias de resistência e sobrevivência.
Esse “modo de saber do povo negro brasileiro”
não se refere ao conhecimento trazido da África
pelos escravos, mas ao que Henrique Cunha Jú-
nior, da Universidade Federal do Ceará, chama de
africanidades brasileiras. Elas constituem um saber
nevo, (rejelaborado pelas pessoas escravizadase por
seus descendentes a partir da diversidade cultural
africana da compreensão convivência comnovas
realidades, novos embates políticos e sociais, No
interior das senzalas havia uma convivência entre
pessoas de culturas muito diversas, o que funciona-
vacomo engenhosa manobra do sistema escravista
paraevitar rebeliões.
Por outro lado, as fugas uniam negros de dife-
tentes culturas que se organizavam nos quilombos
para resistir à escravatura e à opressão, Nesses
locais, plantavam, colhiam. pescavam, caçavam,
manufaturando objetos de palha; organizando-se
em gmupes, gerenciavam seu próprio sistema de
produção e defesa de forma a viver independentes
das cidades, Para-tanto, € também para exercer
sua religiosidade e liberdade, resgararam conhe-
cimentos oriundos de suas várias culturas, criaram
erecriaram conhecimentos, alguns deles matemá-
ticos. Se a mistura cultural privou os escravos de
sua identidade, por outro lado. foi a semente para
a criação de novas culturas que têm como base à
religiosidade inspirada pelos mitos africanos.
Esses discursos estão presentes no interior de
todo pensamento teórico, Nascidos a partir de
reflexões sobre o mundo, a existência eas situações
de“estarnomundo”, osmitosoferecemexplicações
sobre questões que incomodam os seres humanos.
Os cosmogônicos, por exemplo, explicam as ori-
gens do Cosmos e os processos de constituição de
umadeterminada sociedade. As diferentesreligiões
estão relacionadas acles g, acreditamos, asdiferentes
idéias matemáticastambém. O antropólogo Eudoro
de Sousa (1911-1987), emseulivro Mitologia em
1980, não hesitou em afimar que”... secnunciem
teoremas, onde e quando se contavam mitos, mas
nem assim se abala a convicção de que, em todos
os tempos, não seja mítica a terra em que se firma
e de que se nutrem as mais fundas raizes da racio-
nalidade”, Enmetanto, marcada pelo pensamento
cartesiano, a matemática ocidental está estruturada
«e forma a contrapor-se ao discurso mítico,
À emomatemática, por sua vez, propõe um
olhar que associa conhecimentos matemáticos e
mitos, O filósofo alemão Emest Cassirer (1874-
1945), em seu livro Filosofia das formas simbólicas,
diz que tanto os mitos quanto a ciência são formas.
simbólicas de igual valor. Podemos dizer o mesmo
para a matemática. Ela, os mitos e a religiosidade
podem serencontrados a partir de uma mesma raiz
2, em alguns momentos, em formas de expressão
SCIENTIFICAMERICAN BRASIL 95
usadas. Em conjunto, os dois jogos criarão várias possibilichades do
P[X=L] = PLENA. A) + PLAFA, AJ + P[AMF..A] +...+ P[AMA E)
= [P(FJPLAJP(A].. PLA) + [PLFIPÇAJPIA)..PLA)] +...+ [PIAJPÃAJP(A) P(F]]
= Lgpp. pl + [pap..p) s:+ [ppp..g]
= 16gp"
Assim,
Pr
P[x=0]= [1/2)'5 = 0,0000415
= 15(1/2]'º = 0,000244
,174560
4368(1/2)'* = 0,0656650
= 1820[1/2)!º = 0,0277270
560(1/2)!É = 0,008545
Bs csiçulos imosiram, por exemplo, qu a probeabilidode de ter todos os
(ESQUEMA MOSTRA que numa primeira jogada cada um dos 15 búzios pode estar aberto [AJ ou fechado [Fj, tando, então, um primeira leque do possibilidades [cujas
são dadas no quadro abaixo). Esse leque, geralmente, é combinado com cutro, por meio de uma segunda jogada dos; búrios, onde nem tados serão
configurações.
Alguns estudos matemáticos podem ser realizados a partir do jogo forma, para determinarmos a probabilidade de acontecer cada uma
de búrins, como o cálculo das probabilidades das configurações dessas configurações, devemos observar que ao lançar 05 búzios
possíveis, Por exempla, tomados 16 búzios, uma das configurações não se leva em consideração a ardem em que eles aparecem, e, coma
possíveis é a de que tados os búzios estejam abertos, não ocorrendo são lançados todos juntos, eles se tómam independentes entre si.
nenhum fechado, outra, é que tenhamos apenas um búzio fechado. Assim, para calcular a probabilidade de sair exatamente um búzio
Eassim por diante, até que todos 05 16 búzios estejam fechados. Se fechado, devemos adicionar as probabilidades de todas as possiveis
denotarmos por X e número de búzios fechados, temos que X pode disposições desta configuração e multiplicar as probabilidades dos
assumir 0s valores de zero até 16, isto é, X= (0,1,2,3,...16) Dessa resultados em cada uma das disposições, isto é,
= p'8, P(X=L]= 189p'8,...PlX=r]= Cio gps... PIX=15]= 169p!, P[X=16]= q'º, onde Cigs É O número de combinações de 16
elementos tomado ra r. Emvalares numéricos, cada búzio tem probabilidade p=1/2 de estar aberto eq=[1- p)=1/2 de estar fechado.
opranimodamente 15 vezes 1 em 1 milhão de jagodos, enquanta a protabiidade
búzios abertos ou todos os lnixios fechados é muito pequena, isso comenta de-que tenhamos 8 búrios fechados e B abertos é de 2 vezes em 10 jogadas
96 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
ESPECIAL ETNOMATEMÁTICA
ARG, PETI RAN