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História, Notas de estudo de História da Grécia Antiga

A Obra completa de heródoto

Tipologia: Notas de estudo

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Baixe História e outras Notas de estudo em PDF para História da Grécia Antiga, somente na Docsity! Heródoto HISTORIA 2 História Heródoto (484 A.C. - 425 A.C.) Traduzido do grego por Pierre Henri Larcher (1726–1812) Fontes digitais desta edição Digitalização do livro em papel Volumes XXIII e XXIV Clássicos Jackson W. M. Jackson Inc.,Rio, 1950 Versão para o português de J. Brito Broca Les Deux Terres 2terres.hautesavoie.net site consacré à l'ÉGYPTOLOGIE com o texto integral de Larcher: Hérodote Histoire tome I et II, Charpentier, Paris, 1850. L'Antiquité Grecque et Latine de Philippe Remacle, François-Dominique Fournier, J. P. Murcia e Thierry Vebr [Texte Numérisé et mis en page para François-Dominique Fournier] remacle.org Perseus Digital Library - Tufts University www.perseus.tufts.edu Los Nueve Libros de la Historia Tradução do Pe. Bartolomé Pou, S. J. (1727-1802) Ed. eBooksBrasil - Agosto 2006 Versão para eBook eBooksBrasil Trechos colocados entre [ ] correpondem a trechos ininteligíveis na fonte digitalizada completados com a tradução em espanhol Capa Léonidas aux Thermopyles Jacques-Louis David (1748-1825) Musée du Louvre, Paris Versão para eBook eBooksBrasil USO NÃO COMERCIAL * VEDADO USO COMERCIAL © 2006 — Heródoto 5 HISTÓRIA HERÓDOTO (484 A.C. - 425 A.C.) Traduzido do grego por Pierre Henri Larcher (1726 D.C. - 1812 D.C.) 6  Mais de meio século escoou desde a publicação do Heródoto de Larcher, e durante este meio século o sucesso desta obra não cessou de crescer. É hoje um livro clássico, e os próprios sábios lhe deram o justo lugar, assinalando-o como o monumento durável de um grande trabalho que absorveu a vida inteira de seu autor. Quando Larcher publicou esta tradução, creu necessário juntar-lhe um grande número de notas tiradas das fontes as mais sábias, e úteis seja para o estabelecimento do texto, seja para a inteligência dos fatos. Estas notas encheram quatro volumes de sua primeira edição, e seis de sua segunda. Era muito, era demais, sem dúvida; e entretanto Larcher preparava uma terceira edição, que vimos, à qual juntara um bom número de novas notas. Acusaram-no com razão deste luxo desenfreado de erudição; e Volney, sábio notável, e ademais homem de gosto, expressou o desejo que uma mão amiga se encarregasse de desbastar este cipoal da ciência, sob o qual a árvore vigorosa de Heródoto ficava como que embalsamada. O objetivo seria eclarar e não sufocar o historiador. É este trabalho que oferecemos hoje ao público; tentámos realizar o voto de Volney, de suprimir a erudição inútil, acolher os esclarecimentos indispensáveis, e reunir em um muito pequeno número de notas, emprestadas de outros comentadores, tudo o que pudesse facilitar o estudo do pai da história, ou, como o chamava o douto Sainte-Croix, do grande rival de Homero. L. AIMÉ-MARTIN. 26 de maio de 1842 7       Heródoto, nascido em Halicarnasso no ano de 4230 do período juliano, 484 anos antes de nossa era, era Dório de extração, ilustre de nascimento. Teve por pai Lixas e por mãe Drio, que tinham um lugar de destaque entre seus concidadãos. Paniasis, poeta célebre, ao qual alguns escritores adjudicam o primeiro posto após Homero, embora outros o coloquem após Hesíodo e Antímaco, era seu tio por parte de pai ou de mãe; nada há de certo a respeito. Paniasis nasceu, se déssemos crédito a Suidas, na 78a. olimpíada, isto é, no ano 4247 do período juliano, 407 anos antes da era vulgar. Não posso compartilhar esta opinião, porque se seguiria que Heródoto, seu sobrinho, seria 17 anos mais velho do que ele. Não ignoro que há tios mais jovens que seus sobrinhos: tenho exemplos. Também insisto menos nesta razão do que sobre o tempo em que faleceu Paniasis, embora não possa ser fixada de maneira certa. Mas sabemos que Ligdamis, tirano de Halicarnasso, foi derrubado no anos 4257 do período juliano, 457 anos antes de nossa era. Ter-se-ia pois que fazer morrer este poeta no mais tardar em 4.256 do período juliano, 458 anos antes da era vulgar. Se a asserção de Suidas fosse verdadeira, Paniasis teria 10 quais se propunha fazer a descrição. Foi com isto em vista que empreendeu suas viagens, que percorreu a Grécia inteira, o Épiro, a Macedônia, a Trácia; e, segundo seu próprio testemunho, não se pode duvidar que tenha passado da Trácia aos Citas, para além de Íster e do Boristeno. Por toda parte, observou com olhar curioso os sítios, as distâncias dos lugares, as produções dos países, os usos, os costumes, a religião dos povos; fuçou em seus arquivos e em suas inscrições os fatos importantes, a seqüência dos reis, as genealogias dos personagens ilustres; e por toda parte ligou-se aos homens mais instruídos, e dedicou-se a consultá-los em todas as ocasiões. Talvez tenha se contentado nesta primeira viagem em visitar a Grécia, e que, em seguida rumou para o Egito, passando daí para a Ásia na Cólcida, à Cítia, à Trácia, à Macedônia, retornando a Grécia pelo Épiro. Seja como for, o Egito, que mesmo hoje em dia ainda desperta o espanto e a admiração dos viajantes inteligentes, não poderia deixar de entrar no plano de Heródoto. Hecateu já havia viajado para ali antes dele e, por todas as aparências, tinha feito uma descrição do Egito. Porfírio pretende que este historiador tenha se apropriado, do Viagem da Ásia deste escritor, da descrição da fênix e do hipopótamo, com a caça do crocodilo, e que apenas fez algumas mudanças; mas o testemunho de Porfírio é mais que suspeito, pois Calímaco atribui esta Viagem da Ásia a um escritor obscuro. Acrescento, com Walckenaër, que se o historiador tivesse sido culpado deste plágio, Plutarco, que compôs um tratado contra ele, não teria deixado de denunciá-lo. Não temos nenhum escritor, seja antigo, seja moderno, que tenha dado deste país uma descrição tão exata e também curiosa. Ele nos faz conhecer sua geografia com uma exatidão que nem sempre tiveram geógrafos de profissão, as produções do país, os costumes, os usos e a religião de seus habitantes, e a história dos últimos príncipes antes da conquista dos Persas, com particuliaridades interessantes sobre esta conquista, que teriam sido para sempre perdidas que ele não as tivesse transmitido à posteridade. 11 Se crêssemos que nosso autor nada mais fez que recolher rumores populares, erraríamos grosseiramente. Não saberíamos imaginar os cuidados e as penas que tomou para se instruir, e para não apresentar a seus leitores nada além do certo. Suas conferências com os padres do Egito, a familiaridade que desfrutou entre eles, as precauções que tomou para que não lhe impusessem nada, são garantias seguras do que ele afirma. Um viajante menos circunspecto teria se contentado com o testemunho dos sacerdotes estabelecidos em Mênfis. Mas este testemunho, respeitável sem dúvida, não lhe pareceu suficiente. Foi a Heliópolis, e daí para Tebas, a fim de assegurar-se, por conta própria, da veracidade do que lhe haviam dito os sacerdotes de Mênfis. Consultou os colégios de sacerdotes estabelecidos nestas duas grandes cidades, que eram os depositários de todos os conhecimentos; e só depois de achá-los perfeitamente conformes com os sacerdotes de Mênfis acreditou-se autorizado a dar os resultados de seus encontros. A viagem que Heródoto fez a Tiro nos oferece outro exemplo não menos patente da exatidão de suas pesquisas. Soubera no Egito que Hércules era um dos doze deuses nascidos dos oito mais antigos, e que estes doze deuses tinham reinado no Egito 17.000 anos antes do reino de Amasis. Tal assertiva seria bem capaz de confundir todas as idéias de um Grego que não conhecesse outro Hércules que o de sua nação, cujo nascimento não datava senão do ano 1.384 antes de nossa era, como o provei em meu Essai de chronologie, capítulo XIII. Como esta assertiva estava abalizada pelos livros sagrados e pelo testemunho unânime dos sacerdotes, ele não podia ou não ousava contestá-la. Entretanto, como queria conseguir a propósito uma certeza maior, se fosse possível, foi a Tiro para ver aí um templo de Hércules que se dizia ser muito antigo. Contaram-lhe nesta cidade que este templo fora erigido há 2.300 anos. Viu também em Tiro um templo de Hércules sobrenomeado Tasiano. A curiosidade o levou a Thasos, onde encontrou um templo deste deus, construído pelos Fenícios que, 12 correndo os mares sob o pretexto de procurar Europa, fundaram uma colônia nesta ilha, cinco gerações antes do nascimento do filho de Alcmene. Ficou então convencido que o Hércules egípcio erá muito diferente do filho de Anfitrião; e ficou tão persuadido que o primeiro era um deus e o outro um herói, que diz lhe parecerem agir sabiamente os Gregos que ofereciam a um Hércules, que chamavam de Olímpico, sacrifícios como a um imortal, e que faziam ao outro oferendas como a um herói. Suas excursões na Líbia e na Cirenaica precedem a viagem a Tiro. A descrição exata da Líbia, desde as fronteiras do Egito até o promontório Soloeis, hoje cabo Spartel, conforma-se em tudo ao que nos dizem os viajantes mais estimados, e o doutor Shaw em particular, não permitindo dúvida de que tenha visto este país por si mesmo. Somos ainda tentados a crer que tenha estado em Cartago; seus encontros com um grande número de cartaginenses autorizam esta opinião. Ele voltou sem dúvida pela mesma rota ao Egito, e daí enfim passou a Tiro, como já disse. Após alguma estada nesta soberba cidade, visitou a Palestina, onde viu as colônias que Sesostris aí tinha feito edificar; e sobre estas colônias salientou o emblema que caracterizava a lassidão de seus habitantes. Daí foi à Babilônia, que era então a cidade mais magnífica e a mais opulenta que existia no mundo. Sei que muitas pessoas esclarecidas, e des Vignoles entre outras, duvidam que Heródoto tenha viajado à Assíria. Não posso responder melhor a este respeitável sábio que me servindo dos próprios termos de um outro sábio que não o é menos do que aquele, isto é, o presidente Boudhier. Eis como ele se exprime: “Embora as passagens de Heródoto que fizeram muitos crerem que ele tenha realmente estado na Babilônia não sejam muito claras, é quase impossível duvidar que ele não a tenha visto, se nos dermos ao trabalho de examinar a descrição exata que faz nestas passagens de todas as singularidades desta grande cidade e de seus habitantes. Só 15 orgulho de um povo que tinha tantos motivos para se crer superior aos demais. Tucídides, que não tinha então senão quinze anos, mas no qual já despontava o brilho de seu belo gênio, que foi um dos mais brilhantes ornamentos do século de Péricles, não pôde conter as lágrimas à leitura desta História. Heródoto, que o percebeu, disse ao pai do jovem: Olurus, vosso filho queima de desejo por conhecimentos. Detenho-me um momento para provar foi na 81a. olimpíado que Heródoto leu uma parte de sua Historia à Grécia reunida. É certo que Heródoto, tendo abandonado Halicarnasso e desejando fazer seu nome, foi a Olímpia, e que leu uma parte de sua História, que foi de tal modo apreciada, que se deu aos nove livros que a compunham o nome de Musas. Luciano o diz da maneira mais clara e mais formal. De outro lado, Marcelino nos informa que Tucídides verteu lágrimas ao ouvir esta leitura, e que Heródoto, testemunha da sensibilidade deste rapaz, endereçou a seu pai as palavras que mencionei. Tucídides nasceu no primeiro ano da 77a. olimpíada, na primavera, e por conseqüência no ano 4.243 do período juliano, 471 antes da nossa era. Tinha pois quinze anos e alguns meses quando assistiu a esta leitura. Poderia já ser sensível às delícias do estilo: mas esta sensibilidade não era menos surpreendente em uma idade tão tenra, e fazia conceber grandes esperanças. Se supusermos que este acontecimento pertence à olimpíada precedente, torna-se ainda mais maravilhoso, para não dizer inacreditável. Se, ao contrário, recuarmos à 82a. olimpíada, Tucídides tendo então 19 anos e alguns meses, sua sensibilidade não teria tido nada de surpreendente, e não se teria feito notar. É preciso pois constar, com Dodwell, que este historiador tinha então quinze anos. O padre Corsini, clérigo regular de Escolas pias, é também deste parecer em seus Fastes Attiques, e cita, para prová-lo, Luciano no tratado sur la Manière d’écrire l’histoire, embora não fosse questionado nesta obra. Este sábio, contudo, não tinha sobre o fato idéias bem definidas, uma vez que, na página 213 do mesmo trabalho, recua esta leitura ao 16 primeiro ano da 84a. olimpíada, quer dizer doze anos, o que me faz crer que ele confunde aí a leitura feita nos jogos olímpicos com a que fez o mesmo historiador nas Panatenéias, embora esta festa preceda a 84a. olimpíada em mais de 15 dias. Voltemos ao nosso assunto. Encorajado pelos aplausos que recebera, Heródoto emprega os doze anos seguintes a continuar sua História e em aperfeiçoá-la. Foi então que viajou por toda a Grécia, que até então só tinha percorrido, que examina com a mais escrupulosa atenção os arquivos de seus diferentes povos, e que se assegura dos principais trechos de sua história, bem como as genealogias das mais ilustres casas da Grécia, não apenas percorrendo seus arquivos, mas lendo suas inscrições. Porque nestes tempos antigos transmitia-se à posteridade os acontecimentos mais interessantes, como os mais remarcáveis, por meio de inscrições gravadas sobre monumentos duráveis, ou sobre tripés que eram conservados com o maior zelo nos templos. Estas inscrições continham os nomes dos que tinham tomado parte nestes acontecimentos, com os de seus pais e de suas tribos; de modo que vários séculos após era impossivel se equivocar, malgrado a identidade dos nomes que se notavam às vezes nestes monumentos. Em uma destas excursões foi a Corinto, onde recitou, se dermos fé a Dion Crisóstomo, a descrição da batalha de Salamina, com as circunstâncias honoráveis para os Coríntios, e sobretudo para Adimanto que os comandava. “Mas, continua o sofista no discurso que endereça aos Coríntios, Heródoto tendo vos pedido uma recompensa, e não a tendo obtido, porque vossos ancestrais desdenhavam colocar preço na glória, mudou as circunstâncias desta batalha, e as conta de maneira que vos é desfavorável.” Um fato de tal natureza, se fosse provado, revelaria uma alma vil; e, longe de procurar justificar Heródoto, contentando-me em admirar o escritor, abandonaria o homem ao justo desprezo que mereceria. Mas a resposta me parece muito fácil. 1.º Se não tivesse tido duas opiniões muito 17 constantes sobre a conduta que os Coríntios tiveram na jornada de Salamina, Heródoto não teria se exposto narrando-as, com o risco de ser desmentido pela maior parte da Grécia, de que procurava captar a benevolência, e que era então aliada e amiga dos Coríntios; 2.º Dion Crisóstomo viveu mais de cinco séculos depois desta batalha, enquanto que nosso historiador nascera quatro anos antes que ela se desse. O primeiro não poderia conhecer as particuliaridades senão pela história e pelos monumentos, enquanto que o outro estava instruído não só pelos monumentos, mas também pelo testemunho de uma infinidade de pessoais que ali estiveram. 3.º A autoridade destes monumentos não é tão grande nesta ocasião quanto é na maioria das outras; porque o próprio Heródoto conta que muitos povos, ao se mostrar a sepultura em Plateia, vergonhosos de não terem ido a combate, tinham erigido cenotáfios com terra amontoada, a fim de se fazerem honrar na posteridade. Os Coríntios podem ter feito o mesmo após a jornada de Salamina. 4.º Os versos que Simonides fez em honra aos Coríntios e Adimanto, seu general, não parecerão jamais uma prova conclusiva aos que conhecerem a cupidez deste poeta, e a que ponto prostituía sua pena à melhor oferta. 5.º Se o fato relatado por Dion Crisóstomo tivesse sido verdadeiro, Plutarco, que não deixou escapar ocasião alguma para mostrar sua animosidade contra Heródoto, não teria deixado de fazer a respeito as mais cruéis críticas, porque confessadamente o detestava, porque este historiador tinha dito verdades sobre seus compatriotas que não lhes eram vantajosas. Ele pretende, é verdade, que os Coríntios comportaram-se valentemente na jornada de Salamina e que Heródoto suprimiu seus elogios por malignidade. Entretanto, longe de as suprimir, ele relatou o que os Gregos contavam de mais ufanosos para este povo; mas, como fazia profissão de imparcialidade, não acreditou dever passar em silêncio o que diziam também os Atenienses. Aqui seria o lugar para refutar o que diz Plutarco para provar que os Coríntios se cobriram de glória nesta batalha; mas como isso me levaria muito longe, e que provavelmente muitos poucos leitores teriam interesse nesta 20 funesta dos embaixadores que os Lacedemônios enviaram à Ásia no segundo ano da guerra do Peloponeso, e no ano 430 antes de nossa era; 3.º a defecção dos Medas sob Darius Nothus, que este príncipe colocou pouco depois novamente sob jugo. Este acontecimento, que Heródoto conta, e que é certamente da 93a. olimpíada, do 24.º ano da guerra do Peloponeso, e de 408 antes de nossa era, prova que Heródoto teria acrescido este fato em uma idade bem avançada. Ele tinha então 77 anos. O presidente Bouhier colocou também após a viagem de Heródoto à grande Grécia a retirada de Amirtéia para a ilha de Elbo, de que fala Heródoto. Este sábio, enganado por Syncelle, supunha que este príncipe ter-se-ia refugiado nesta ilha no 14.º ano da guerra do Peloponeso, e no ano 417 de nossa era. Dodwell e Wesseling tinham bem visto que a revolta de Amirtéia tendo começado no segundo ano da 79a. olimpíada, o fim desta revolta foi no segundo ano da olimpíada seguinte, e por conseqüëncia anterior em 14 anos à partida de nosso historiador para a grande Grécia. Não relatarei aqui as provas, já o tendo feito de maneira bem ampla em meu Essay sur la Chronologie. Foi também nestas viagens que aprendeu diversas peculiaridades sobre as cidades de Rhégium, de Géla, de Zancle, e sobre seus tiranos; particuliaridades que transmitiu à posteridade. Acabamos de ver que nosso historiador tinha 77 anos quando acrescentou à sua História a revolta dos Medas. Ignora-se até que idade levou sua carreira, e em que país a terminou. É verossímil que morreu em Thurium; e temos, para apoiar esta pressuposição, o testemunho positivo de Suidas, que nos conta também que foi enterrado na praça pública desta cidade. O que pode nos fazer duvidar, é que o mesmo escritor acrescenta que alguns autore o fazem morrer em Pella na Macedônia. Mas como ignoramos até mesmo o nome destes 21 autores, não sabemos que têm qualquer autoridade, e qual o grau de confiança que merecem. Marcelino escreveu, em Vie da Thucydide, que se ve, entre os monumentos de Cimon em Coelé, perto das portas Mélitides, o túmulo de Heródoto. Poder-se-ia concluir desta passagem que Heródoto morreu em Atenas, e é esse o sentimento do presidente Bouhier. Quem nos garante porém que fosse um verdadeiro túmero e não um cenotáfio? Se foi erigido ao nosso historiador um monumento no lugar destinado à sepultura da casa de Cimon, é porque partindo para Thurium obteve em Atenas o direito de cidade, e que foi provavelmente adotado por alguém desta casa, uma das mais ilustres desta cidade: porque sem esta adoção não lhe teriam erigido um monumento neste lugar, onde não era permitido inumar ninguém que não fosse da família de Miltíades. É o que muito bem provou Dodwell. Resta entretanto ainda alguma incerteza: a inscrição relatada por Étienne de Byzance a faria desaparecer, se fosse assegurado que tivesse sido encontrada em Thurium; porque o primeiro verso desta inscrição atesta que as cinzas de nosso historiador repousariam sob esta tumba. Creio que não posso melhor terminar sua Vida que por este epitáfio, que relata Étienne de Byzance: “Esta terra encobre em seu seio Heródoto, filho de Lixas, Dório de origem, e o mais ilustre dos historiadores iônios. Ele se retirou para Thurium, que via como uma segunda pátria, a fim de se colocar a coberto das mordidas de Momus.” 22    Heródoto não se propunha, como o diz ele mesmo no começo de sua História, senão celebrar os feitos dos Gregos e dos Persas, e desenvolver os motivos que haviam levado estes povos a se fazerem a guerra. Entre as causas desta guerra, as havia distantes e próximas. As distantes eram os raptos recíprocos e algumas mulheres da Europa e da Ásia, que, tendo dado azo à guerra de Tróia, haviam ulcerado os corações dos Asiáticos contra os Gregos. As causas próximas eram os socorros que os Atenienses haviam dado aos Iônios em sua revolta, a invasão da Iônia e o incêndio de Sardes pelos Atenienses. Os Persas, irritados com estas hostilidades, resolveram praticar uma vingança fragorosa. Os Persas até então eram pouco conhecidos dos Gregos. Era pois necessário fazê-los conhecer esta nação, contra a qual haviam lutado com tanta glória. Para chegar a este fim, Heródoto tomou este povo em sua origem, e nos fez ver por que meios havia sacudido o jugo dos Medas; e, como isso não teria dado aos leitores idéias bem claras e bem nítidas, foi preciso lhes apresentar um vislumbre rápido da história dos Medas. Esta história estava, ela mesma, tão ligada com a dos Assírios, dos quais os Medas tinham sido súditos, que foi preciso instruir os leitores da maneira pela qual romperam o jugo, e dar-lhes igualmente uma súmula da história da Assíria. Estas três histórias não são pois senão aperitivos. Não se pode desvendar uma sem tirar da obscuridade as duas outras; e se se suprime todas as três, não se terá senão um conhecimento muito imperfeito das dificuldades que os Gregos tiveram de suplantar. Ciro, tendo subjugado a Média, marcha de conquista em conquista. Esse poderio formidável dá inquietude a Creso. Ele a 25 na Grécia com a elite de suas tropas, este general, vencido na Plateia, pereceu na ação com a maioria de seu exercito. No mesmo dia da batalha de Plateia, livrou-se em Mícale, na Cária, um sangrante combate. Os Gregos tiveram aí uma vitória significativa. É aqui que Heródoto termina sua História. Vê-se, por esta curta exposição, que há em todas as partes desta bela obra uma ligação íntima; que não se pode destrinçar nenhuma sem tirar a obscuridade de outras; que nosso historiador caminha com rapidez, e se pára às vezes pelo caminho, é só para administrar (ménager) a atenção de seus leitores, e para instrui-los agradavelmente de tudo o que lhe é importante saber. LARCHER 26   Pierre Henri Larcher (1726–1812), francês, foi um arqueólogo e erudito do século XVIII, nascido em Dijon. Após ter freqüentado um colégio de jesuítas na juventude, seus pais o destinavam a uma carreira na magistratura, mas ele se orientou para as línguas e os escritores da antiguidade. Apesar de anônima, sua tradução de Callirhoe, de Chariton, em 1763, assinalou-o como um exclente erudito grego. Seu ataque à Filosofia da história, que Voltaire escrevera sob o pseudônimo de Abbé Bazin, suscitou considerável interesse à época. Seu arqueológico e mitológico Memoire sur Venus, de 1775, foi comparada a trabalhos similares de Heyne e Winckelmann. Traduzido um certo número de obras antigas de autores gregos, tais como Eurípides e Xenofonte. Pela qualidade de seus trabalhos e o renome que adquirira nos estudos clássicoas, foi incorporado à Académie des Inscriptions et belles lettres. Após a fundação da Universidade Imperial, foi indicado como professor de literatura Grega (1809) tendo Boissonade como seu assistente. Seu trabalho mais memorável foi a tradução de Heródoto (1786), que levou 15 anos para completar e na qual trabalhou até o fim de seus dias, acrescentando-lhe notas e comparando-a com outras traduções. 27   !" LIVRO I — CLIO OS PERSAS — OS MEDOS — BABILÔNIA — CRESO — CANDOLO E GIGÉS — SEMÍRAMIS — TÓMIRIS LIVRO II - EUTERPE EGITO — ÍSIS — O ORÁCULO DE DODONA — SESÓSTRIS — RAMPSINITO — HELIÓPOLIS — ELEFANTINA — O NILO — EMBALSAMAMENTOS — SEPULTURAS — OS DOZE REIS — PSAMÉTICO — VEGOS — PSÁMIS — ÁPRIES — AMÁSIS LIVRO III - TÁLIA EGITO — A PÉRSIA — CAMBISES — MÊNFIS — O BOI ÁPIS — A ETIÓPIA — POLÍCRATES — AMÁSIS — O FALSO ESMÉRDIS — DARIO — O CERCO DE BABILÔNIA — ZÓPIRO LIVRO IV - MELPÔMENE A CÍTIA — HÉRCULES — OS GRIFÃOS — OS HIPERBÓREOS — DESCRIÇÃO DA TERRA — O POVO DE CÍLAX — COSTUMES DOS CITAS — ANACÁRSIS — A EXPEDIÇÃO DE DARIO — O PONTO EUXINO — AS AMAZONAS — OS TRÁCIOS — OS GETAS — A LÍBIA — O CULTO DO SOL #  !" LIVRO V - TERPSÍCORE CONTINUAÇÃO DA HISTÓRIA DE DARIO — ATENAS E ESPARTA — OS PISISTRÁTIDAS — CLEÓMENES — AS ESTÁTUAS DE EGINA — ORIGEM DA INIMIZADE ENTRE OS ATENIENSES E OS EGINETAS — CÍPSELO, TIRANO DE CORINTO — HÍPIAS — TOMADA DE SARDES PELOS IÔNIOS E PELOS ATENIENSES — DARIO LANÇA UMA FLECHA CONTRA O CÉU, PEDINDO AOS DEUSES QUE O VINGUEM DOS ATENIENSES — TODAS AS CIDADES DO HELESPONTO, DA IÔNIA E DA EÓLIA SUBMETIDAS PELOS PERSAS, ETC. LIVRO VI - ÉRATO DARIO APODERA-SE DE MILETO — O POETA FRINICO — DARIO MANDA PEDIR TERRA E ÁGUA AOS POVOS DA GRÉCIA — PRERROGATIVAS DOS REIS DE ESPARTA — TOMADA DE ERÉTRIA PELOS PERSAS — CLEÓMENES — SUA MORTE — OS PERSAS ATACAM ATENAS — A BATALHA DE MARATONA — MILCÍADES — OS ESPARTANOS SÓ CHEGAM DEPOIS DA 30 Ao escrever a sua História, Heródoto de Halicarnasso teve em mira evitar que os vestígios das ações praticadas pelos homens se apagassem com o tempo e que as grandes e maravilhosas explorações dos Gregos, assim como as dos bárbaros, permanecessem ignoradas; desejava ainda, sobretudo, expor os motivos que os levaram a fazer guerra uns aos outros. I — Os Persas mais esclarecidos atribuem aos Fenícios a causa dessas inimizades. Dizem eles que esse povo, tendo vindo do litoral da Eritréia para as costas do nosso país, empreendeu longas viagens marítimas, logo depois de haver-se estabelecido no país que ainda hoje habita, transportando mercadorias do Egito e da Assíria para várias regiões, inclusive para Argos. Esta cidade era, então, a mais importante de todas as do país conhecido atualmente pelo nome de Grécia. Acrescentam que alguns fenícios, ali desembarcando, puseram-se a vender mercadorias, e que cinco ou seis dias após sua chegada, quase concluída a venda, grande número de mulheres dirigiu-se à beira-mar. Entre elas estava a filha do rei. Esta princesa, filha de Inaco, chamava-se Io, nome por que era conhecida pelos Gregos. Quando as mulheres, postadas junto aos barcos, compravam objetos de sua preferência, os fenícios, incitando uns aos outros, atiraram-se sobre elas. A maior parte delas logrou fugir, mas Io foi capturada, juntamente com algumas de suas companheiras. Os fenícios conduziram-nas para bordo e fizeram-se à vela em direção ao Egito. II — Eis como, segundo os Persas — nisto pouco de acordo com os Fenícios — Io veio parar no Egito. Essa questão foi o início de todas as outras. Acrescentam os Persas que, pouco depois, alguns gregos, cujos nomes não gravaram, vieram a Tiro, na Fenícia, e raptaram Europa, filha do rei. Eram, sem dúvida, Cretenses. Ficaram, assim, quites os dois povos, mas os Gregos tornaram-se depois culpados de uma segunda ofensa. Dirigiram-se num grande navio a Aea, na Cólquida, sobre o 31 Faso, e, ultimados os negócios que ali os levaram, arrebataram Medéia, filha do rei, e tendo esse príncipe enviado um embaixador à Grécia para exigir a entrega da filha e a reparação da injúria, responderam-lhe que, como os Colquidenses não haviam dado nenhuma satisfação pelo rapto de Io, eles não o dariam absolutamente pelo de Medéia. III — Dizem ainda os Persas que na geração seguinte, Páris, filho de Príamo, tendo ouvido falar no caso, quis também raptar e possuir uma mulher grega, persuadido de que se outros não foram punidos, não o seria também. Raptou, então, Helena; mas os Gregos resolveram, antes de qualquer outra iniciativa, enviar embaixadores para exigir a devolução de Helena e pedir satisfações. Os Troianos, além de invocar aos Gregos o rapto de Medéia, ainda os censuraram por exigirem satisfações, uma vez que eles não as tinham dado aos outros e nem entregue a pessoa reclamada. IV — Até então, não houvera de uma parte e de outra mais do que raptos; mas depois do acontecido, os Gregos, julgando-se ofendidos em sua honra, fizeram guerra à Ásia, antes que os asiáticos a declarassem à Europa. Ora, conquanto lícito não seja raptar mulheres, dizem os Persas, é loucura vingar-se de um rapto. Manda o bom senso não fazer caso disso, pois sem o seu próprio consentimento decerto não teriam as mulheres sido raptadas. Asseguram os Persas que, embora asiáticos, ainda não haviam tido conhecimento de casos semelhantes, naquela parte do mundo. Entretanto, os Gregos, por causa de uma mulher lacedemônia, equiparam uma frota numerosa, desembarcaram na Ásia e destruíram o reino de Príamo. Desde essa época, os Persas passaram a encarar os Gregos como inimigos, pois julgam que a Ásia lhes pertence tanto quanto as nações bárbaras que ocupam, enquanto consideram a Europa e a Grécia como formando um continente 32 à parte. V — Tal é a maneira pela qual os Persas narram esses acontecimentos. À tomada de Tróia atribuem eles a causa do seu ódio aos Gregos. No que concerne a Io, os Fenícios não estão de acordo com os Persas. Dizem não ter havido rapto; que apenas a conduziram ao Egito com o seu próprio consentimento. Vendo-se grávida, a princesa, receando a cólera dos pais, entrou em entendimento com o comandante do navio fenício, em Argos, com ele partindo, a fim de ocultar sua desonra. Eis aí como Persas e Fenícios narram os fatos. Quanto a mim, não pretendo absolutamente decidir se as coisas se passaram dessa ou de outra maneira; e depois de ter narrado o que conheço sobre o primeiro autor das injúrias feitas aos Gregos, prossigo minha história, na qual tratarei tanto dos pequenos Estados como dos grandes. Os outrora florescentes, encontram-se hoje, na sua maioria, em completa decadência, e os que florescem hoje, eram outrora bem pouca coisa. Persuadido da instabilidade da ventura humana, estou decidido a falar igualmente de uns e de outros. VI — Creso era lídio por nascimento, filho de Aliata e rei das nações banhadas pelo Hális, no seu curso. Este rio, corre do sul, atravessa os países dos Sírios e dos Paflagônios, e desemboca ao norte, no Ponto Euxino. Pelo que me é dado saber, foi o príncipe o primeiro bárbaro a forçar uma parte da Grécia a lhe pagar tributo e não ter-se aliado com a outra. Submeteu os Iônios, os Eólios e os Dórios estabeledos na Ásia, e fez aliança com os Lacedemônios. Antes do seu reinado, todos os gregos eram livres. A expedição dos Cimerianos contra a Jônia, anterior a Creso, não fez mais do que arruinar as cidades, pois não passou de incursão seguida de pilhagem. VII — Eis como o poder soberano, tendo pertencido aos Heraclidas, passou para a casa dos Mermnadas, a que pertencia Creso. Candolo, a quem os Gregos chamavam Mirsila, reinou 35 tão dura escolha. Vendo a impossibilidade de dissuadi-la e a urgência absoluta de eliminar o soberano ou decidir-se a morrer, preferiu poupar a si próprio. “Já que me forçais — disse ele à rainha — a matar o meu senhor, dizei-me como deverei fazê-lo”. “— Será no próprio lugar onde me viste nua que te lançarás sobre ele; deverás atacá-lo durante o sono”. XII — Traçados os planos, ela tomou suas providências para evitar que o escravo pudesse, por qualquer meio, escapar à situação. Um dos dois teria de perecer: ou ele ou Candolo. Ao cair da noite, a rainha introduziu-o no quarto, armado de um punhal, e escondeu-o atrás da porta. Mal Candolo havia adormecido, Gigés avançou sem ruído e apunhalou-o, apoderando-se, assim, da esposa e do trono. Arquíloco de Paros, que vivia nesse tempo, faz referência a esse príncipe num poema composto em versos jâmbicos trimétricos. XIII — Gigés subiu, assim, ao trono, e ali foi confirmado pelo oráculo de Delfos. Os Lídios, indignados com a morte de Candolo, haviam, a princípio, pegado em armas, mas concordaram com os partidários de Gigés que, se o oráculo a este reconhecesse como rei, a coroa ficaria mesmo com ele; de outra maneira, ela voltaria para os Heraclidas. O oráculo pronunciou-se favoravelmente a Gigés, ficando-lhe assegurada a posse do trono. Todavia, a pitonisa acrescentou que os Heraclidas seriam vingados na quinta geração do príncipe. Nem os Lídios, nem os seus reis tiveram em conta semelhante advertência até ser ela justificada pelos fatos. E foi assim que os Mermnadas se apoderaram da coroa, arrebatando-a aos Heraclidas. XIV — Gigés, senhor da Lídia, fez a Delfos várias oferendas, das quais grande parte em dinheiro. Acrescentou muitos vasos de ouro aos já existentes no templo, bem como seis crateras de ouro, com o peso de trinta talentos, dádiva cuja 36 memória merece ser conservada. Essas oferendas estão incluídas no tesouro dos Coríntios, embora, a bem dizer, esse tesouro não pertença absolutamente à república de Corinto, mas a Cípselo, filho de Etion. Gigés foi, depois de Midas, filho de Górdio, rei da Frígia, o primeiro dos bárbaros conhecidos a fazer oferendas a Delfos. Midas tinha presenteado o templo com o trono no qual costumava fazer justiça. Esse trono constitui obra digna de ser vista. Está colocado no mesmo lugar onde se encontram as crateras de Gigés. De resto, os habitantes de Delfos chamam as oferendas em ouro e prata de “gigeados”, do nome daquele que as fez. Quando o príncipe viu-se senhor do reino, organizou uma expedição contra as cidades de Mileto e Esmirna, e apoderou-se da de Cólofon. Todavia, como nada mais realizou de notável durante um reinado de trinta e oito anos, contentamo-nos em reportar esse fato, não falando mais em tal reinado. XV — Passemos agora ao seu filho Árdis. Este príncipe, sucedendo ao pai, subjugou o povo de Priena e entrou com um exército no território de Mileto. Sob o seu reinado, os Cimérios, expulsos do país pelos Citas nômades, vieram para a Ásia e tomaram Sardes, com exceção da cidadela. XVI — Árdis reinou durante quarenta e nove anos e teve por sucessor o filho Sadiata, que reinou por doze anos. Aliata sucedeu Sadiata. Fez guerra aos Medos e a Ciaxares, neto de Déjoces; expulsou os Cimérios da Ásia; assenhoreou-se da cidade de Esmirna, colônia de Cólofon, e atacou também Clasomene, levantando, porém, o cerco, bem contra a vontade, depois de haver sofrido duro revés. Praticou ainda, durante seu reinado, outros feitos. Vou referir-me aos mais memoráveis. XVII — Tendo seu pai desistido da guerra contra os Milésios, ele a continuou e atacou Mileto, da maneira que vou narrar: Quando os frutos da terra tinham amadurecido, partiu 37 em campanha. O exército marchava ao som das charamelas, das harpas e das flautas masculinas e femininas(1). Ao chegar às terras dos Milésios, o príncipe não permitiu que se destruíssem as quintas, nem que a elas ateassem fogo ou lhe arrancassem as cancelas; deixou-as permanecer no estado em que se achavam; mas cortou as árvores e devastou os trigais, depois do que se retirou, pois, sendo os Milésios senhores do mar, era inútil bloquear a cidade com um exército. Quanto às casas, Aliata não as fez destruir, para que os Milésios, tendo onde alojar-se, continuassem a semear e a cultivar suas terras, e ele tivesse o que devastar numa segunda invasão. XVIII — Fez-lhes, dessa maneira, guerra durante onze anos. No decurso dessas campanhas, os Milésios sofreram duas derrotas consideráveis: uma em batalha travada no próprio país, num lugar denominado Limeneion; outra na planície de Meandro. Dos onze anos de luta, seis pertencem ao reinado de Sadiata, filho de Árdis, que naquele tempo ainda reinava na Lídia. Foi ele quem reativou a guerra, entrando à frente de um exército no país de Mileto. Aliata continuou-a com vigor nos cinco anos seguintes, como dissemos atrás. De todos os iônios, foram os de Quios os únicos a socorrer os habitantes de Mileto. Enviaram-lhes tropas, em retribuição ao socorro deles recebido na guerra que sustentaram contra os Eritreus. XIX — Afinal, no décimo segundo ano, tendo os exércitos de Aliata ateado fogo aos trigais, aconteceu que as chamas, impelidas por forte vento, atingiram o templo de Minerva, denominado Assessiavo, reduzindo-o a cinzas. Os invasores não deram, a princípio, nenhuma atenção a esse acidente; mas Aliata, de volta a Sardes com seus exércitos, tendo caído enfermo e vendo a moléstia prolongar-se, enviou a Delfos delegados para consultar o oráculo sobre o caso, ou porque tivesse tomado essa resolução por si mesmo, ou porque ela lhe houvesse sido sugerida. Em Delfos, a pitonisa declarou aos delegados que nenhuma resposta daria à consulta enquanto 40 Arião nas costas e o conduziu a Tenara, onde o cantor pulou em terra, encaminhando-se para Corinto, sem trocar de roupas e contando a todos sua aventura. Periandro, não podendo dar fé à narrativa, manteve-o sob custódia, aguardando a chegada dos marinheiros. Logo que os soube na cidade, fê-los vir a sua presença e pediu-lhes notícias de Arião. Responderam-lhe que o haviam deixado com boa saúde em Tarento, na Itália, onde a sorte lhe era favorável. Arião apareceu, de repente, diante deles, tal como o tinham visto precipitar-se no mar. Tomados de assombro ante aquela aparição, não ousaram negar o crime. Os Coríntios e os Lesbianos contam assim essa história, e existe em Tenara uma pequena estátua de bronze representando um homem sobre um delfim, erguida em homenagem a Arião. XXV — Aliata, rei da Lídia, faleceu algum tempo depois de terminar a guerra contra Mileto, tendo reinado cinqüenta e sete anos. Foi o segundo príncipe da dinastia dos Mermnadas a enviar presentes a Delfos, depois de haver recuperado a saúde: uma cratera de prata e um pires adamascado, a mais preciosa de todas as oferendas que se viam em Delfos. Era obra de Glauco de Quios, descobridor da arte de soldar o ferro. XXVI — Morrendo Aliata, seu filho Creso subiu ao trono, com a idade de trinta e cinco anos. Éfeso foi a primeira cidade grega a ser atacada por esse príncipe. Seus habitantes, vendo-se cercados, colocaram-na sob a proteção de Diana, ligando as muralhas ao templo da deusa por meio de uma corda. Depois de haver feito guerra aos Éfesos, Creso atacou sucessivamente os Iônios e os Eólios, alegando motivos graves, quando podia encontrá-los, ou, em caso contrário, pretextos frívolos e desarrazoados. XXVII — Tendo subjugado os gregos da Ásia, obrigando-os a pagar-lhe tributos, pensou equipar uma frota para atacar os gregos insulares. Tudo estava pronto para a 41 construção dos navios, quando Bias de Priéne ou, segundo outros, Pitacus de Mitileno, veio a Sardes. Perguntando-lhe Creso se havia na Grécia algo de novo, sua resposta fez cessar os preparativos. “Príncipe, — disse-lhe ele — os insulares, estão adquirindo grande quantidade de cavalos, com o propósito de vir atacar Sardes e combater-te”. Creso, julgando ser isto verdade, redarguiu: “Possam os deuses inspirar aos insulares o desejo de atacar os Lídios com cavalaria!” “Parece-me, senhor, — volveu Bias — que desejais ardentemente dar-lhes combate a cavalo, no continente, e vossas esperanças são fundadas; mas logo que souberem que preparais uma frota para atacá-los, aprestar-se-ão imediatamente para surpreender os Lídios no mar, pois outra coisa não aspiram senão vingar em vós os gregos do continente, por vós reduzidos à escravidão”. Creso, encantado com esta observação, que lhe pareceu muito sensata, abandonou o projeto e fez aliança com os Iônios das ilhas. XXVIII — Em seguida, subjugou Creso quase todas as nações aquém do rio Hális (exceto os Cilicianos e os Licianos), a saber: os Frígios, os Misianos, os Mariandinianos, os Chalibas, os Paflagônios, os Trácios da Ásia (os Tínios e os Bitínios), os Cários, os Iônios, os Dórios, os Eólios e os Panfílios. XXIX — Todos esses povos, submetidos e incorporados por Creso à Lídia, tinham tornado Sardes florescente e rica. A cidade atraiu os maiores sábios gregos da época, entre os quais Sólon, o Ateniense. Depois de haver dado leis aos compatriotas que lhas haviam pedido, Sólon viajou durante dez anos, com o pretexto de observar os usos e costumes de diferentes nações, mas, na realidade, para não ver-se constrangido a revogar algumas das leis que elaborara, pois os Atenienses não tinham poderes para isso, obrigados como estavam, por juramento solene, a cumprir, durante dez anos, as leis que lhes fossem impostas. 42 XXX — Sólon, tendo saído de Atenas por esse motivo e, também, para satisfazer a curiosidade, dirigiu-se primeiramente ao Egito, à corte de Amasis, e de lá a Sardes, à de Creso, que o recebeu com distinção e o alojou no próprio palácio real. Três ou quatro dias depois de sua chegada, foi conduzido, por ordem do príncipe, ao tesouro, onde Creso lhe mostrou todas as suas riquezas. Quando Sólon já tinha visto e observado bem tudo, o rei falou-lhe nestes termos: “A notícia de tua sabedoria e de tuas viagens chegou até nós; e não ignoro absolutamente que, percorrendo tantos países, não tens outro fim senão o de instruir-te sobre as suas leis, seus costumes e aperfeiçoar teus conhecimentos. Quero que me digas qual o homem mais feliz que viste até hoje”. Naturalmente, o soberano lhe fazia esta pergunta por julgar-se o mais feliz dos mortais. “É Telo de Atenas” — tespondeu Sólon sem lisonjeá-lo e sem disfarçar a verdade. Ante essa resposta, volveu Creso: “Por que julgas Telo tão feliz?” “Porque, residindo numa cidade florescente, — continuou Sólon — teve dois filhos lindos e virtuosos, e cada um lhe deu netos, que viveram muitos anos, e afinal, depois de haver usufruído uma fortuna considerável em relação às do nosso país, terminou os seus dias de maneira admirável: num combate dos Atenienses com seus vizinhos de Eleusis. Saindo em socorro dos primeiros, pôs em fuga os inimigos e pereceu gloriosamente. Os Atenienses ergueram-lhe um monumento por subscrição pública, no próprio local onde ele tombou morto, e lhe tributaram grandes honras”. XXXI — Um tanto decepcionado diante da revelação de Sólon sobre a felicidade de Telo, Creso voltou a perguntar-lhe quem, depois desse ateniense, considerava ele o mais feliz dos homens, não duvidando, absolutamente, que o segundo lugar lhe pertencia. “Cléobis e Biton” — respondeu Sólon. “Eram árgios e desfrutavam as rendas de pecúlio honesto. Eram, por outro lado, tão fortes, que haviam ambos conquistado prêmios nos jogos públicos. Conta-se sobre eles o seguinte caso: Os Árgios celebravam uma festa em honra de Juno. A mãe desses 45 saída; pois Deus, depois de entremostrar a felicidade a certos homens, costuma destruí-la por completo de um momento para outro.” XXXIII — Assim falou Sólon. Nada dissera de agradável a Creso e não lhe havia testemunhado a menor estima. Por isso, foi logo despedido. Provavelmente, tratou-se de ignorante um homem que, sem dar importância aos bens presentes, queria que em tudo se encarasse sempre o fim. XXXIV — Depois da partida de Sólon, a vingança dos deuses caiu de maneira terrível sobre Creso, em punição, como se pode conjecturar, por julgar-se ele o mais feliz dos homens. Um sonho, nessa ocasião, anunciou-lhe os infortúnios que pesavam sobre um dos seus filhos. Creso possuía dois filhos, um dos quais vitimado por uma desgraça de nascença: era surdo-mudo. O outro, de nome Átis, mostrava-se em tudo superior aos jovens de sua idade. O sonho anunciou que Átis pereceria numa ponta de ferro. Ao despertar, o soberano entregou-se a profundas reflexões. Temendo pelo filho, escolheu-lhe uma esposa e afastou-o do exército, à frente do qual costumava enviá-lo. Mandou retirar os dardos, as lanças e toda espécie de armas usadas na guerra, dos alojamentos dos soldados, onde, segundo o costume, eram suspensas na parede, e guardá-las em depósito, temeroso de que uma delas caísse sobre o filho. XXXV — Enquanto Creso se ocupava das núpcias do jovem príncipe, chegou a Sardes um infeliz, cujas mãos estavam impuras. Tratava-se de um frígio, em cujas veias corria sangue real. Dirigindo-se ao palácio, pediu a Creso para purificá-lo, no que foi atendido. As expiações entre os Lídios assemelham-se muito às praticadas na Grécia. Depois da cerimônia, Creso quis saber de onde vinha aquele homem e quem era. “Estrangeiro, — disse-lhe ele — de que parte da Frígia vieste para sentar em tom suplicante à minha lareira? 46 Que homem, que mulher mataste?” “Senhor, sou filho de Górdio e neto de Midas. Chamo-me Adrasto. Matei meu irmão, sem o querer. Expulso por meu pai e despojado de tudo, vim procurar aqui um asilo”. “Descendes de uma família que muito estimo — volveu Creso. — És meu amigo; nada te faltará em meu palácio enquanto aqui permaneceres. Suportando com resignação tua infelicidade, muito lucrarás com isso”. Adrasto ficou, então, vivendo no palácio de Creso. XXXVI — Nesse ínterim, apareceu em Mísia um javali de grandes proporções, o qual, descendo do Monte Olimpo, começou a fazer enormes estragos pelos campos. Os Mísios já lhe tinham dado caça várias vezes, mas sem êxito algum, enquanto a fera continuava a causar-lhes inúmeros danos. Em vista disso, foi enviada uma delegação à presença de Creso. “Senhor, — disseram os delegados — apareceu em nossas terras um terrível javali, que devasta os nossos campos, e, apesar de todos os nossos esforços, ainda não conseguimos eliminá-lo. Vimos pedir-vos para enviar em nossa companhia o príncipe, vosso filho, à frente de uma escolta de jovens escolhidos, juntamente com a vossa matilha, a fim de livrar-nos do flagelo”. Creso, lembrando-se do sonho, respondeu: “Não me falem mais de meu filho; não posso enviado com vocês. Recém-casado, ele não se ocupa agora senão da esposa; mas dar-lhes-ei minha equipagem de caça, com a elite da juventude lídia, à qual recomendarei que se empenhe com ardor para livrá-los do javali”. XXXVII — Os Mísios retiraram-se satisfeitos com a resposta, mas Átis, tendo escutado o pedido e testemunhado a recusa de Creso, entrou logo depois, dirigindo-se ao rei: “Meu pai, as ações mais nobres e as mais generosas me eram outrora permitidas; eu podia me adestrar na guerra e na caça, mas vós me afastais hoje de uma e de outra, embora não tenhais notado em mim nem covardia nem fraqueza. Quando eu for à praça pública ou dali voltar, com que olhos me verão? Que opinião 47 farão de mim os nossos concidadãos? Que idéia formulará a jovem princesa que acabo de desposar? A que homem se julgará ela unida? Permiti-me, pois, ir a essa caçada com os Mísios, ou provai ser mais conveniente fazer o que desejais”. XXXVIII — “Meu filho, — volveu Creso — se agi dessa forma, não foi por haver notado em ti a menor covardia ou alguma outra coisa que me desagradasse; mas uma visão, em sonho, há pouco tempo, me fez sentir que perecerias ferido por uma arma de ferro. Por esse motivo, apressei-me em casar-te, e por isso não te enviei a esta expedição; e continuo tomando toda sorte de precauções para afastar, pelo menos enquanto viver, o mal que te ameaça. Não tenho senão a ti como filho, já que o outro, privado de ouvir, não existe para mim”. XXXIX — “Meu pai, — replicou o jovem príncipe — se assim é, vejo que velais por mim. Parece-me, todavia, que não interpretastes bem esse sonho. O que não compreendeis, o que nele vos escapou, devo explicar-vos. O sonho, dizeis, vos revelou que eu deveria morrer ferido por uma ponta de ferro. Mas um javali tem mãos? Está ele armado com o ferro perfurante que tanto temeis? Se o sonho vos advertisse que devo morrer nas garras de um javali ou de maneira semelhante, teríeis motivo para tomar as providências que tomastes. Observai, porém, que se trata de uma ponta de ferro. Já que não irei combater homens, permiti-me tomar parte nessa empreitada”. XL — “Meu filho, — redarguiu Creso — tua interpretação é mais justa do que a minha, e como me convenceste, mudo de propósito e permito que partas para a caçada”. XLI — Logo em seguida mandou Creso chamar o frígio Adrasto, a quem se dirigiu nestes termos: “Estavas sob o signo da desgraça, Adrasto (que o céu me preserve de censurar-te); eu te purifiquei, eu te recebi no meu palácio, onde tens vivido 50 Despachou também emissários para a Líbia, com destino ao templo de Júpiter Ámon. Esses delegados eram enviados com o fito de experimentar o acerto e a legitimidade dos oráculos da Grécia e da Líbia. Se suas respostas fossem exatas, consultá-los-ia uma segunda vez, para saber se devia ou não fazer guerra aos Persas. XLVII — Deu ordem aos delegados para sondar os oráculos e consultá-los no centésimo dia a contar da partida dos mesmos de Sardes, perguntando-lhes o que ele, Creso, filho de Aliata, rei da Lídia, fazia naquele dia, e de trazer-lhe por escrito a resposta de cada um. Conhece-se apenas a resposta do oráculo de Delfos, ignorando-se a dos demais. Logo que entraram no templo, os enviados lídios, cumprindo as instruções recebidas, fizeram à pitonisa a pergunta previamente combinada. A resposta veio prontamente: “Conheço o número dos grãos de areia e a medida do mar; compreendo a língua do mudo, ouço a voz do que não fala. Meus sentidos acusam o cheiro de uma tartaruga que está sendo cozinhada, com a carne de um cordeiro, num caldeirão de bronze; o bronze estende-se sobre ela, o bronze recobre-a”. XLVIII — Anotando cuidadosamente a resposta da pitonisa, os emissários partiram de regresso a Sardes. Quando os demais delegados, enviados a diversos países, regressaram também com as respostas dos outros oráculos, Creso abriu-as e examinou cada uma em particular. Algumas não condiziam com a realidade, mas ao ler a resposta de Delfos, Creso reconheceu-a como verdadeira e adorou o oráculo persuadido de que esse era o único certo, pois indicara com exatidão o que, no momento, ele fazia. Realmente, depois da partida dos delegados, atentando para o dia combinado, imaginara a coisa mais impossível de adivinhar-se e de conhecer-se. Tendo ele próprio cortado em pedaços uma tartaruga e um cordeiro, cozinhara-os juntos num vaso de bronze, cuja tampa era do mesmo metal. Foi exatamente isso o que dissera a pitonisa de Delfos. 51 XLIX — Quanto à que receberam os lídios no templo de Anfiaraus depois das cerimônias e dos sacrifícios prescritos, ignoro-o por completo. Sabe-se apenas haver Creso reconhecido também a justeza desse oráculo. L — O príncipe tratou, em seguida, de captar as boas graças do deus de Delfos por meio de suntuosos sacrifícios, nos quais se imolaram três mil animais pertencentes a todas as espécies cuja imolação às divindades é permitida. Fez, depois, queimar, numa grande fogueira, leitos dourados e prateados, vasos de ouro, roupas de púrpura e outras vestes, imaginando, com isso, tornar o deus mais favorável. Concitou também os Lídios a imolarem todas as vítimas de que dispunham. Mandando fundir, depois desse sacrifício, prodigiosa quantidade de ouro, fez cento e dezessete plintos, os mais longos, de seis palmos, e os menores, de três, por um de espessura. Havia, também, quatro de ouro fino, com o peso de um talento e meio, e outros de ouro fosco, pesando dois talentos. Mandou modelar, igualmente, um leão de ouro fino, com o peso de dez talentos. Esse leão, foi, em seguida, colocado sobre os plintos, de onde mais tarde caiu, quando o templo de Delfos foi queimado, encontrando-se agora incluído no tesouro dos Coríntios. Atualmente não tem o mesmo peso, porque no incêndio do templo se fundiram três talentos e meio. LI — Terminadas essas obras, Creso enviou-as a Delfos, juntamente com muitas outras oferendas, tais como duas enormes crateras, uma de ouro e a outra de prata. A primeira foi colocada à direita na entrada do templo, e a segunda à esquerda. Retiraram-nas, também, dali, depois do incêndio. A cratera de ouro encontra-se hoje no tesouro dos Clasomênios. Pesa oito talentos e meio. A de prata está no ângulo do vestíbulo do templo. Esta contém seiscentas ânforas. Os Delfenses ali misturam água com vinho nas festas denominadas Teofânios. Dizem que essas valiosas peças foram confeccionadas por Teodoro de Samos, e assim o creio, por me parecerem trabalhos 52 delicadíssimos. Além dessas dádivas, o soberano enviou também ao templo quatro moedas de prata, hoje agregadas ao tesouro dos Coríntios, e duas bacias para água lustral, sendo uma de ouro e outra de prata. Na de ouro acha-se gravado o nome de Lacedemônios, os quais pretendem, sem razão, terem sido os autores dessa oferta, pois o que é certo é que elas constituem um presente de Creso. A inscrição foi ali posta por um habitante de Delfos para lisonjear os Lacedemônios. Omitirei o nome do autor da façanha, embora o saiba muito bem. A essas dádivas Creso acrescentou muitas outras de menor valor. LII — Quanto a Anfiaraus, em retribuição ao que revelou o oráculo sobre as virtudes e as desgraças do rei, este lhe consagrou um escudo de ouro maciço, com uma lança igualmente de ouro maciço. No meu tempo, viam-se ainda, um e outro, em Tebas, no templo de Apolo Ismênio. LIII — Os lídios encarregados de levar esses presentes aos oráculos de Delfos e Anfiaraus tinham ordem de perguntar-lhes se Creso devia fazer guerra aos Persas e juntar ao seu exército tropas aliadas. Chegando ali, apresentaram as ofertas e consultaram os oráculos nestes termos: “Creso, rei dos Lídios e de outras nações, persuadido de que sois os únicos verdadeiros oráculos existentes no mundo, vos envia estes presentes que julga dignos de vossa sapiência, e vos pergunta se deve marchar contra os Persas e reunir às suas forças tropas aliadas”. Os dois oráculos concordaram nas respostas. Predisseram, um e outro, ao soberano, a guerra contra os Persas e a conseqüente destruição de um grande império, aconselhando-o a procurar a amizade dos Estados da Grécia que lhe parecessem mais poderosos. LIV — Ao ter conhecimento dessas respostas, Creso experimentou imensa alegria, e alimentando a esperança de arrasar o império de Ciro, enviou novos emissários a Delfos 55 costumes tradicionais. Pouco tempo depois, as facções reunidas de Megacles e de Licurgo expulsaram o usurpador. LX — Assim, Pisístrato, tendo-se tornado senhor de Atenas, foi despojado da tirania, que ainda não tivera tempo de lançar raízes profundas. Os que o expulsaram reiniciaram, dentro em pouco, suas antigas disputas. Megacles, acossado de todo lado pela facção contrária, mandou propor a Pisístrato, por um arauto, restabelecê-lo no poder, se ele quisesse desposar-lhe a filha. Pisístrato aceitou a proposta, e empenhando-se no cumprimento da condição, imaginou, de acordo com Megacles, para sua reintegração no poder, um meio tanto mais ridículo, a meu ver, quanto na antigüidade os Gregos sempre se distinguiram dos bárbaros como mais instruídos e despidos de tolas credulidades — e os autores desta trama tratavam com Atenienses, povo que gozava da reputação de ser o mais espiritual da Grécia. Havia em Peônia, burgo da Ática, certa mulher de nome Fia, com aproximadamente quatro côvados de altura e dotada de grande beleza. Armaram essa mulher, dos pés à cabeça, e fazendo-a subir num carro, depois de instruírem-na sobre o papel que deveria desempenhar, conduziram-na à cidade. Levavam à frente arautos que, à chegada, puseram-se a gritar, de acordo com as ordens recebidas: “Atenienses, acolhei favoravelmente a Pisístrato; Minerva, que o honra mais do que a todos os outros homens, está conduzindo-o, ela própria, à cidade”. Os arautos iam de um lado para outro, repetindo a mesma proclamação. Logo divulgou-se a notícia de que Minerva conduzia Pisístrato, e os habitantes da cidade, persuadidos de que aquela mulher era realmente Minerva, prosternaram-se para adorá-la e acolherem Pisístrato. LXI — Tendo, por essa maneira, recuperado a soberania, Pisístrato desposou a filha de Megacles, segundo o 56 compromisso firmado entre ambos; mas como já possuía filhos crescidos, e como os Alcmeônidas passavam por atingidos de maldição, não querendo filhos da nova mulher, teve com ela apenas contatos contra a natureza. A princípio, a jovem esposa suportou em silêncio tal ultraje, mas depois o revelou à própria mãe, espontaneamente ou premida pelas perguntas desta. A mãe comunicou o caso a Megacles, seu esposo, que, indignado com a afronta do genro, reconciliou-se, na sua cólera, com a facção oposta. Informado do que se tramava contra ele, Pisístrato abandonou a Ática, dirigindo-se para a Erétria, onde pediu conselhos a seu filho Hípias. Este aconselhou-o a recuperar o trono, sendo o alvitre aceito. As cidades às quais Pisístrato tinha prestado outrora algum serviço cumularam-no de presentes. Várias deram-lhe somas consideráveis, mas foram os Tebanos os que mais se distinguiram pela sua liberalidade. Pouco mais tarde, tudo estava pronto para o regresso do tirano. Do Peloponeso foram enviadas tropas árgias mercenárias, e um náxio de nome Ligdâmis acorreu cheio de zelo, com homens e dinheiro para a empresa. LXII — Partindo da Erétria para entrar na Ática, depois de uma ausência de onze anos, Pisístrato e suas tropas apoderaram-se primeiramente de Maratona, onde ergueram acampamento. Sabedores do seu regresso, seus partidários e de seu filho Hípias acorreram em grande número ao seu encontro, uns de Atenas, outros dos burgos — todos preferindo a tirania à liberdade. Os Atenienses seus adeptos nenhuma importância lhe deram enquanto estivara ocupado em levantar dinheiro para a sua volta, e mesmo depois que se tornou senhor de Maratona; mas, ante a notícia de que ele avançava desta cidade para Atenas, foram, com todas as suas tropas, reunir-se a ele. Entrementes, Pisístrato e os seus, tendo partido de Maratona 57 num só corpo de exército, aproximavam-se de Atenas. Chegando defronte do templo de Minerva Palenide, ali acamparam. Um adivinho chamado Anfilito, inspirado pelos deuses, veio apresentar-se a Pisístrato e transmitir-lhe este oráculo: “As redes foram lançadas; à noite, ao luar, os atuns acorrerão em cardumes”. LXIII — Pisístrato, aceitando o augúrio, pôs-se incontinênti em marcha com o seu exército. Os cidadãos de Atenas já haviam feito o repasto, e enquanto uns se divertiam jogando dados, outros entregavam-se ao sono. Foi quando Pisístrato, caindo sobre eles com as suas tropas, os pôs em fuga. A fim de evitar que os fugitivos se concentrassem novamente para oferecer-lhe resistência, o tirano serviu-se de engenhoso meio: Mandou que seus filhos montassem a cavalo e ordenou-lhes que tomassem a dianteira. Alcançando estes os fugitivos, exortaram-nos, da parte do pai, a ficar tranqüilos e a retornar às suas casas. LXIV — Os Atenienses obedeceram, e Pisístrato, tornando-se senhor de Atenas pela terceira vez, consolidou a tirania por meio de suas tropas auxiliares e de grandes quantidades de prata, que retirava, em parte, do próprio país, e, em parte, do rio Estrímon. Firmou-se ainda no poder devido à sua conduta para com os atenienses que não haviam fugido. Amparou-lhes os filhos, enviando-os a Naxos, pois havia conquistado também essa ilha e confiado o seu governo a Ligdâmis. Por outro lado, purificou a ilha de Delfos, seguindo a ordem dos oráculos. Eis como foi feita essa purificação: Em todos os lugares de onde se avistava o templo, mandou ele exumar cadáveres e transportá-los para outro cantão da ilha. Pisístrato teve ainda menos trabalho para consolidar a tirania sobre os Atenienses, porque muitos dos que a ele se opunham haviam sido mortos em combate, enquanto que outros tinham abandonado a pátria, desertando em companhia de Megacles. 60 LXVIII — Nesse número estava incluído Licas, o autor da descoberta do túmulo de Orestes. O acaso e habilidade de Licas cooperaram para a importante revelação. Encontrando-se em Tegéia, entrou ele, certo dia, na oficina de um ferreiro, onde viu malhar o ferro. Percebendo a admiração que isso lhe causava, o ferreiro interrompeu seu trabalho e, voltando-se para ele, disse-lhe: “Lacedemônio, ficarias bem mais espantado se visses a maravilha que eu vi, tu, para quem o trabalho de uma forja é motivo de surpresa! Cavando um poço neste pátio, encontrei um caixão de sete côvados de comprimento. Como não podia admitir que existissem, outrora, homens maiores do que os de hoje, abri-o. O corpo que ali descobri era do tamanho do esquife. Medi-o e depois cobri-o novamente de terra”. Licas, refletindo sobre a narrativa do ferreiro, pensou logo na hipótese de ser aquele o corpo de Orestes, indicado pelo oráculo. Observou também a confluência dos ventos opostos no local, enquanto que o ferro, batido sobre a bigorna, pareceu-lhe a tradução das palavras do oráculo: “o mal sobre o mal”, pois o ferro não havia sido descoberto senão para a infelicidade dos homens. Com o espírito absorvido por essas conjecturas, retorna ele a Esparta e relata sua aventura aos Lacedemônios. Estes fazem-lhe uma acusação simulada, e ele passa por banido. Licas volta a Tegéia, conta sua desgraça ao ferreiro e empenha-se, com todas as forças, para que ele lhe alugue o pátio. A princípio, o ferreiro recusa-se a atender ao seu pedido, mas acaba concordando. Licas ali se instala, abre o túmulo e retira o esqueleto de Orestes, levando-o para Esparta. A partir daí, os Lacedemônios alcançaram grandes sucessos em todos os combates que travaram contra os Tegeatas. Aliás, a maior parte do Peloponeso já lhes estava submetida. LXIX — Creso, informado de todos esses fatos, enviou embaixadores a Esparta, com presentes, para solicitarem a aliança dos Lacedemônios. Seguindo as instruções recebidas, 61 assim se expressaram esses emissários: “Creso, rei da Lídia e de várias outras nações, nos enviou aqui para transmitir-vos esta mensagem: “Ó Lacedemônios; ordenando-me o deus de Delfos a contrair amizade com os Gregos, dirijo-me a vós, de acordo com o oráculo, porque sei que sois o primeiro povo da Grécia e desejo vossa aliança, sem fraude nem má fé”. Os Lacedemônios, que não ignoravam a resposta dada a Creso pelo oráculo, regozijaram-se com a chegada dos lídios e fizeram com eles um tratado de amizade e aliança, tanto mais que haviam recebido, antes, alguns benefícios de Creso, entre eles o seguinte: Tendo os Lacedemônios enviado delegados a Sardes para comprar o ouro a ser empregado na estátua de Apolo, que hoje se contempla no monte Tornax, na Lacônia, Creso fez-lhes presente do que pretendiam comprar. LXX — Tanta generosidade e a preferência que o rei lídio lhes dava sobre todos os Gregos, determinaram a aliança, dispondo-se eles a atender a qualquer apelo de Creso, para quem já estavam fabricando uma cratera de bronze, em retribuição à dádiva recebida. A cratera era constituída de três ânforas e ornada exteriormente até as bordas por muitas figuras de animais em alto-relevo. Todavia, essa cratera não chegou às mãos de Creso, por motivos sobre os quais correm duas versões, uma das quais é dada pelos Lacedemônios, que afirmam ter sido ela roubada nas costas de Samos pelos habitantes, que, informados da viagem, vieram em grandes embarcações assaltar os portadores. Por sua vez, os habitantes de Samos sustentam que os lacedemônios, tendo sido informados, em caminho, da prisão de Creso e da tomada de Sardes, venderam-na em Samos, a particulares, que a ofertaram ao templo de Juno. Por esse motivo, os que a venderam declararam, de regresso a Esparta, terem sido assaltados. LXXI — Não conseguindo apreender o sentido do oráculo, Creso dispôs-se a marchar em direção à Capadócia, na esperança de deitar por terra o poderio de Ciro e dos Persas. 62 Enquanto se preparava para essa expedição, um lídio de nome Sadânis, famoso pela sua sabedoria e que veio a tornar-se ainda mais célebre entre os Lídios pelo conselho que deu a ele, Creso, falou-lhe nos seguintes termos: “Ó rei, vós vos dispondes a fazer guerra a povos que se vestem apenas de peles e que se alimentam, não do que desejariam ter, mas do que têm, porque o país é estéril; a povos que bebem somente água, por lhes faltar o vinho; que não conhecem o figo e outras boas coisas que regalam a vida. Vitorioso, que podereis arrebatar dessa gente desprovida de qualquer riqueza? Vencido, considerai os bens que ides perder. Se eles experimentarem uma vez a doçura do nosso país, não quererão mais renunciar a ela; nenhum meio encontraremos para expulsá-los. De minha parte, rendo graças aos deuses por não haverem inspirado aos Persas o desejo de atacar os Lídios”. Creso, porém, não se deixou convencer. No entanto, o que Sadânis dizia era a pura verdade. Os Persas, antes da conquista da Lídia, não conheciam nem o luxo nem as comodidades da existência. LXXII — Os Gregos dão aos Capadócios o nome de Sírios. Antes da dominação persa, tais sírios eram súditos dos Medos, mas estavam sob a obediência de Ciro, porque o rio Hális separava os estados dos Medos dos pertencentes aos Lídios. O Hális desce de uma montanha da Armênia (o Tauros), atravessa a Cilícia, e dali, continuando seu curso, banha, à direita, a terra dos Macinianos, e, à esquerda, a dos Frígios. Depois de haver passado entre esses dois povos, corre para o norte, envolvendo, de um lado, os Sírios Capadócios, e do outro, os Paflagônios. Assim, esse rio separa quase toda a Ásia Menor da Alta Ásia, desde o litoral, defronte de Chipre, ao Ponto Euxino. O país inteiro forma um estreito, que pode ser percorrido em apenas cinco dias por um bom caminhante. LXXIII — Creso partiu com seu exército para a Capadócia, com o propósito de anexá-la aos seus estados, e animado, sobretudo, pela confiança no oráculo e pelo desejo de 65 dos Ptérios, reduzindo os habitantes à escravidão. Apoderou-se também de todos os burgos vizinhos, deu caça aos Sírios e fê-los transportar para lugares distantes, conquanto eles não lhe tivessem dado motivo de queixa. Entretanto, Ciro reuniu seu exército, convocou todos os homens que pôde encontrar no caminho, e marchou ao encontro do invasor. Antes, porém, de lançar suas tropas em campo, enviou arautos aos Iônios, concitando-os a revoltar-se contra Creso. Não conseguindo persuadi-los, veio acampar à vista do inimigo. Os dois exércitos mediram forças em Ptéria; o choque foi terrível. Afinal, a noite separou os combatentes, sem que a vitória se decidisse para um lado ou para o outro. Assim terminou a primeira batalha. LXXVII — Censurando a si próprio por não ter evitado a desproporção das forças — suas tropas eram muito menos numerosas do que as de Ciro — e vendo que no dia seguinte o príncipe não tentaria novo ataque, Creso retornou a Sardes, com a intenção de pedir socorro aos Egípcios, de acordo com o tratado concluído com Amasis e anterior ao firmado com os Lacedemônios. Propunha-se, também, a solicitar auxílio aos Babilônios, igualmente seus aliados e que tinham por soberano Labineto, e pedir às tropas lacedemônias que se dirigissem a Sardes dentro do tempo determinado. Contava passar o Inverno tranqüilamente e, então, à entrada da Primavera, marchar contra os Persas com as forças de todos esses povos reunidas às suas. Assim conjecturando, logo que retornou a Sardes mandou arautos convocar os aliados, com instruções para virem ao seu encontro no quinto mês. Em seguida, despediu as tropas estrangeiras que tinha a soldo e que se haviam medido contra os Persas, deixando-as dispersar-se para todos os lados, longe de imaginar que Ciro, não havendo conseguido vantagens até então, planejava fazer avançar seu exército até Sardes. LXXVIII — Enquanto Creso se entregava à elaboração de seus planos, a parte extra-muros da cidade enchia-se de 66 serpentes, e os cavalos, abandonando as pastagens, corriam a devorá-las. Esse espetáculo, de que Creso foi testemunha, pareceu, aos olhos do soberano, algo de sobrenatural, e, de fato, o era. Creso mandou logo consultar os adivinhos de Telmesse, e os emissários foram informados da significação daquele fenômeno, não chegando, porém, a comunicá-la ao soberano, pois, ao regressarem por mar, souberam-no já derrotado e prisioneiro. A resposta era que Creso veria um exército de estrangeiros no seu reino e que estes subjugariam os naturais do país, já que a serpente não passava de uma filha da terra, e o cavalo, de um inimigo, de um estrangeiro. Creso já se encontrava prisioneiro quando divulgaram essa resposta, mas ignorava-se ainda a sorte de Sardes e o destino que seria dado ao soberano. LXXIX — Quando Creso, depois da batalha de Ptéria, retirou-se, Ciro, informado do propósito do rei inimigo de dispensar as tropas estrangeiras, julgou vantajoso marchar sem demora para Sardes, antes que os Lídios reunissem novas forças. Tomando essa resolução, executou-a sem demora, e fazendo avançar seu exército sobre a Lídia, levou, ele próprio, a Creso, a notícia de sua marcha. Embora inquieto por ver suas intenções malogradas, Creso, ainda assim, lançou os Lídios em combate. Não havia, então, na Ásia, nação mais valente nem mais belicosa. Os Lídios combatiam a cavalo, com longas lanças, e eram excelentes cavaleiros. LXXX — Os dois exércitos encaminharam-se para a planície situada além dos muros de Sardes, planície extensa e estéril, atravessada pelo Hilos e por outros riachos que desembocam no Hermus, o maior de todos eles. O Hermus desce de uma montanha consagrada à deusa Cibele e vai desaguar no mar, perto da cidade de Focéia. À vista do exército lídio em ordem de batalha nessa planície, Ciro, receando a cavalaria, seguiu o conselho do medo 67 Hárpago. Reunindo todos os camelos que transportavam os víveres e as bagagens na retaguarda das forças, desembaraçou-os da respectiva carga e mandou seus homens montá-los, como cavalerianos, com ordem de investir assim, à frente das tropas, contra a cavalaria de Creso. Ordenou, ao mesmo tempo, à infantaria, que seguisse os camelos, colocando toda a cavalaria atrás da infantaria. Dispondo dessa maneira as forças, deu instruções aos soldados para que matassem todos os lídios que encontrassem pela frente, poupando apenas a Creso, mesmo que ele ainda oferecesse resistência depois de capturado. Tais foram as ordens de Ciro. Opôs ele os camelos à cavalaria inimiga, por saber que os cavalos receiam os camelos, não podendo nem vê-los nem suportar-lhes o cheiro. Daí haver imaginado esse recurso astucioso visando inutilizar a cavalaria lídia, na qual Creso depositava a esperança de uma vitória retumbante. Mal os dois exércitos avançaram para o choque, os cavalos dos lídios, sentindo a presença dos camelos, recuaram, pondo por terra as esperanças de Creso. Os lídios, contudo, não se desconcertaram com isso. Percebendo o estratagema, desceram dos cavalos e combateram a pé. Por fim, depois de perdas consideráveis de parte a parte, bateram em retirada, encerrando-se atrás das muralhas da cidade, onde os persas os sitiaram. LXXXI — Iniciado o cerco, Creso, julgando que este se prolongaria por muito tempo, enviou da cidade novos emissários em busca dos aliados. O encontro das tropas aliadas em Sardes só teria lugar no quinto mês, como fora combinado, mas como o soberano estava cercado, deviam os emissários solicitar socorro urgente. LXXXII — Os embaixadores dirigiram-se aos diversos povos aliados e, particularmente, aos Lacedemônios. Justamente nessa ocasião sobreviera uma disputa entre os 70 Tmolus, por acreditá-lo inacessível. Hiroeade percebera na véspera um lídio descendo da cidadela por aquele ponto, a fim de apanhar uma moeda que lhe escapara das mãos, e o vira subir, em seguida, pelo mesmo caminho. Esta observação impressionou-o e fê-lo refletir. Subiu, ele próprio, por ali, acompanhado de outros persas. Seguia-o, pouco mais atrás, uma grande quantidade de soldados. Assim foi tomada Sardes, e a cidade inteira entregue à pilhagem. LXXXV — Quanto a Creso, eis qual foi sua sorte: Tinha ele um filho surdo-mudo, de quem já fiz menção. Na época de prosperidade, Creso empregara todos os recursos para curá-lo, e entre outros meios recorrera ao oráculo de Delfos, tendo-lhe dito a pitonisa: “Lídio, rei de vários povos, insensato Creso, não procureis ouvir no vosso palácio a voz tão desejada do vosso filho. Melhor será para vós não ouvi-la nunca; ele começará a falar no dia em que começar a vossa desgraça”. Depois da tomada de Sardes, um persa, que não conhecia Creso, investiu contra ele para matá-lo. O soberano viu o movimento do agressor, mas, abatido pelo peso de seu infortúnio, não tentou evitá-lo, pouco lhe importando perecer então. O jovem príncipe mudo, à vista do persa que se lançava contra o pai, sentiu-se apoderado de tão grande terror que, num esforço para gritar, recuperou a voz: “Soldado! — exclamou ele — Não mates Creso!” Foram estas suas primeiras palavras, e até o fim de seus dias conservou ele a faculdade de falar. LXXXVI — Assim os Persas se apoderaram de Sardes e fizeram Creso prisioneiro. Este reinara pelo espaço de quatorze anos, havendo sustentado um cerco de quatorze dias, e tendo, por fim, destruído seu próprio império. Os Persas, depois de aprisioná-lo, levaram-no a Ciro. Este fê-lo subir, carregado de ferros e cercado de quatorze jovens lídios, a uma grande fogueira erguida para sacrificar a alguns deuses as primícias da vitória, ou para cumprimento de um voto, ou, talvez, para 71 comprovar se Creso, cujo espírito piedoso era tão proclamado, seria preservado das chamas por alguma divindade. Já sobre a fogueira, o rei dos Lídios, apesar da dor cruciante que experimentava, lembrou-se das palavras de Sólon, de que “nenhum homem pode dizer-se feliz enquanto respirar”, palavras que então lhe pareciam inspiradas por um deus. A esse pensamento, assegura-se ter ele, com um longo suspiro, saído do silêncio em que se vinha mantendo, exclamando por três vezes: “Sólon!” Ciro, ouvindo-o, perguntou por intermédio dos intérpretes a quem invocava o prisioneiro. Creso, a princípio, nada respondeu; mas, compelido a falar, disse-lhe: “É um homem cujo convívio eu preferiria às riquezas de todos os reis”. Parecendo aos persas obscura aquela resposta, eles o interrogaram de novo. Vencido pela insistência, Creso respondeu afinal, declarando que certa ocasião Sólon, de Atenas, viera à sua corte, e tendo contemplado todas as suas riquezas, nenhuma importância lhes dera. Tudo acontecera, porém, como Sólon previra, embora seu discurso não tivesse sido dirigido especialmente ao rei dos Lídios, pois era antes uma advertência a todos os homens em geral e, sobretudo, aos que se julgam felizes. Assim falou Creso. O fogo já havia sido ateado e a fogueira já começava a arder pelas extremidades quando Ciro, recebendo pelos intérpretes a resposta do soberano vencido, arrependeu-se do seu gesto. Lembrou-se de que também era um ser humano e que, não obstante, estava fazendo queimar um seu semelhante, que não se julgara menos feliz do que ele. Por outro lado, temia a vingança dos deuses; e refletindo sobre a instabilidade das coisas humanas, mandou apagar imediatamente a fogueira e fazer descer Creso e seus companheiros de infortúnio. Todavia, os maiores esforços já não conseguiam debelar a violência das chamas. LXXXVII — Então Creso, segundo relatam os Lídios, informado da deliberação de Ciro e vendo aquela multidão açodada, tentando extinguir o fogo sem consegui-lo, invoca em altos brados a proteção de Apolo, suplicando-lhe que, se suas 72 oferendas lhe foram agradáveis, o socorra e o salve de tão iminente perigo. Essas súplicas eram acompanhada de copiosas lágrimas. De súbito, num céu límpido e radioso, nuvens pardacentas se aglomeram; desaba uma tempestade, e a chuva, caindo em abundância, apaga o fogo. Tão prodigioso fato veio mostrar a Ciro o quanto Creso era querido pelos deuses por suas virtudes. Fazendo-o descer da fogueira, falou-lhe nestes termos: “Ó Creso, quem te aconselhou a invadir minhas terras com um exército, declarando-te meu inimigo em vez de buscares a minha amizade?” “Teu destino feliz e a má sorte me arrastaram, senhor, a esta malfadada empresa — respondeu Creso. — O deus dos Gregos foi o culpado de tudo; ele, somente ele, persuadiu-me a atacar-te. É preciso ser muito insensato para preferir a guerra à paz. Na paz, os filhos sepultam os pais; na guerra, os pais sepultam os filhos. Enfim, aprouve aos deuses que as coisas assim se passassem”. LXXXVIII — Em seguida, Ciro, mandando libertar Creso dos ferros, fê-lo sentar-se a seu lado e tratou-o com toda consideração, não podendo, ele e toda a corte, encará-lo sem espanto. Creso mantinha-se silencioso, entregue a profundas reflexões. Momentos depois, volvendo os olhos, viu os persas ocupados em saquear a cidade de Sardes. “Senhor, — exclamou, dirigindo-se a Ciro — é-me permitido dizer o que penso, ou minha situação obriga-me a calar?” Ciro disse-lhe que podia falar com franqueza. “Pois bem, — volveu Creso — essa multidão, que faz ela com tanto ardor?” “Saqueia tua capital e carrega-lhe as riquezas”. “Não, senhor, não é, absolutamente, a minha cidade que eles saqueiam; não são as minhas riquezas que eles estão pilhando. Nada disso me pertence mais. Eles agora se apoderam do que é teu”. LXXXIX — Chocado com a observação, Ciro ordena aos presentes que se retirem e pergunta a Creso qual a medida que deveria tomar em semelhante contingência. “Senhor, — responde-lhe Creso — como os deuses me tornaram teu 75 XCII — As oferendas de que falei não são as únicas que Creso fez aos deuses; vêem-se ainda várias outras na Grécia. O soberano deu de presente a Tebas, na Beócia, um tripé de ouro, consagrado a Apolo Ismênio; a Éfeso, novilhas de ouro e a maior parte das colunas do templo; a Minerva Pronaia, em Delfos, um grande escudo de ouro. Essas dádivas subsistiam ainda no meu tempo e muitas outras se perderam. Quanto ao presente que deu aos Branquidos, no país dos Milésios, era, ao que pude saber, em tudo semelhante ao que deu a Delfos e tinha o mesmo peso. Os presentes a Delfos provinham dos próprios bens do príncipe; os outros, ao contrário, vinham dos bens de um inimigo, que formara um partido contra Creso antes da subida deste ao trono, empenhando-se com ardor para dar a Pantaleão a coroa da Lídia. Pantaleão era filho de Aliata e irmão de Creso, mas de outra mãe. Logo que se viu de posse da coroa, transmitida pelo pai, Creso mandou matar — retalhando com espinhos — o que ousara levantar-se contra ele, enviando os bens do morto aos templos dos deuses amigos, como vimos. XCIII — A Lídia não oferece, como outros países, maravilhas dignas de figurarem na história, exceto as palhetas de ouro arrancadas do Tmolus. Vê-se, entretanto, ali, uma obra bem superior às que admiramos em outras partes (salvo, naturalmente, os monumentos do Egito e da Babilônia): o túmulo de Aliata, pai de Creso. A base é composta de grandes pedras, e o resto, de argamassa. Foi construído às expensas de negociantes, artistas e cortesãs. Cinco placas, colocadas no alto do monumento, subsistiam ainda no meu tempo, assinalando, por inscrições, a contribuição de cada uma das três classes para a ereção do grande monumento. Segundo uma dessas inscrições, a contribuição das cortesãs foi a mais considerável, pois todas as jovens, na Lídia, se entregavam à prostituição. Com isso formavam o dote e continuavam no negócio até casarem-se, cabendo-lhes o direito de escolher o esposo. Ao lado do monumento existe um lago que nunca seca, segundo afirmam os Lídios. É o lago Gigéia, como o denominam. 76 XCIV — As leis dos Lídios muito se assemelham às dos Gregos, exceto no tocante à prostituição das jovens. De todos os povos dos quais temos conhecimento, foram os Lídios os primeiros a cunhar moedas de ouro e de prata, e também dos primeiros a se dedicarem à profissão de revendedor. Atribuem-se-lhes a invenção de diversos jogos atualmente em uso, tanto entre os naturais do país como entre os Gregos, afirmando-se que, na ocasião em que tais jogos foram inventados, enviou-se uma expedição à região hoje ocupada pela Tirrênia, para a formação, ali, de uma colônia. Eis como se narra o fato: No reinado de Átis, filho de Manes, toda a Lídia se viu flagelada pela fome, suportada com paciência durante algum tempo. Vendo, porém, que a situação não melhorava, o povo começou a procurar um remédio para minorá-la, cada um imaginando-o à sua maneira. Nessa ocasião foram inventados os dados, o jogo da péla e todas as outras espécies de jogos, exceto o das damas, do qual os Lídios não se consideram os autores. Vejamos o uso que os habitantes fizeram de tais invenções para enganar a fome cada vez mais premente. Jogavam alternadamente durante um dia inteiro, a fim de distrair a vontade de comer, e no dia seguinte comiam e não jogavam. Assim continuaram pelo espaço de oito anos; mas o mal, em vez de atenuar-se, mais se agravava. O rei, então, dividiu os Lídios em dois grupos e mandou-os tirar a sorte; um deveria permanecer, e o outro retirar-se do país. Aquele a quem coube a sorte de ficar tinha por chefe o próprio rei, enquanto que seu filho Tirrênio se pôs à frente dos emigrantes. Banidos da pátria, os lídios dirigiram-se primeiramente para Esmirna, onde construíram navios, dotando-os de todo o necessário, e neles embarcaram para procurar víveres em outras terras. Depois de haverem costeado diversos países aportaram à Úmbria, onde ergueram cidades, habitadas por esse povo até hoje. Trocaram, porém, o nome de Lídios pelo de Tirrênios, em homenagem a Tirrênio, filho do rei e que viera como chefe da colônia. 77 XCV — Vimos os Lídios submetidos pelos Persas; mas, quem era esse Ciro que destruiu o império de Creso? Como os Persas conseguiram a soberania na Ásia? São detalhes dos quais me ocuparei no decorrer desta narrativa. Tomarei por base informações de alguns persas que procuravam antes engrandecer as ações de Ciro, do que dizer a verdade, muito embora eu não ignore haver sobre o príncipe várias outras opiniões. Havia quinhentos anos que os Assírios eram senhores da Alta Ásia, quando os Medos, que se encontravam sob o seu domínio, se rebelaram; e com tal ardor se empenharam na conquista da liberdade, que conseguiram sacudir o jugo e tornar-se independentes. As outras nações seguiram-lhes o exemplo. XCVI — Todos os povos desse continente, libertos da dominação assíria, regeram-se durante algum tempo ainda pelas suas próprias leis, mas acabaram recaindo sob o poder de um único soberano, da maneira que passo a narrar: Havia entre os Medos um sábio de nome Déjoces, filho de Fraorte. Esse Déjoces, seduzido pela idéia de realeza, imaginou, para consegui-la, um plano assaz inteligente. Os Medos viviam dispersos em burgos. Déjoces, gozando de grande consideração no seu burgo, distribuía a justiça com muito zelo e aplicação, embora as leis fossem menosprezadas em toda a Média e ele soubesse que a justiça tem na injustiça um inimigo terrível. Os habitantes do seu burgo, testemunhando-lhe a sabedoria, haviam-no escolhido para juiz. Aspirando à realeza, como dissemos, Déjoces procurava manifestar em todas as ações a maior retidão e um profundo senso de eqüidade. Esta conduta valia-lhe os maiores elogios por parte dos seus concidadãos. Os habitantes de outros burgos, até então oprimidos por injustas sentenças, sabendo que Déjoces era o único a julgar rigorosamente de acordo com as regras da eqüidade, começaram a afluir ao tribunal onde ele distribuía a justiça, não querendo 80 Cl — Déjoces reuniu todos os Medos numa só nação, reinando sobre eles. Essa nação compreende vários povos: os Búsios, os Paretacênios, os Estrucatas, os Arizantes, os Búdios e os Magos. CII — Por sua morte, depois de um reinado de cinqüenta anos sucedeu-o no trono seu filho Fraorte. O reino da Média não bastou à ambição deste último. Atacou primeiramente os Persas, submetendo-os ao seu domínio. Formando assim duas nações, ambas poderosas, subjugou, em seguida a Ásia, marchando de conquista em conquista até sua malograda expedição contra os Assírios e a porção desse povo que habitava Nínive. Embora os Assírios, outrora senhores da Ásia, estivessem, então, sozinhos e abandonados pelos aliados, ainda se achavam em próspera situação. Fraorte pereceu nessa sortida, com grande parte do seu exército, depois de haver reinado vinte e dois anos. CIII — Com a morte desse príncipe, subiu ao trono seu filho Ciaxares, neto de Déjoces. Dizem ter sido este soberano ainda mais belicoso do que o pai e o avô. Um dos seus primeiros atos ao subir ao poder foi dividir os diversos povos da Ásia em diferentes corpos de tropa, separando os lanceiros dos archeiros e dos cavaleiros, ordens que outrora formavam e combatiam em comum. Foi ele quem fez guerra aos Lídios e travou com eles uma batalha durante a qual o dia transformou-se subitamente em noite. Foi ele, ainda, que, depois de haver submetido toda a Ásia para cima do rio Hális, reuniu todas as forças do império e marchou contra Nínive, decidido a vingar o pai com a destruição dessa cidade. Já havia derrotado os Assírios em batalha campal e cercava Nínive, quando se viu assaltado por um grande exército de Citas, tendo à frente Mádias, o rei, filho de Protótios. Expulsando da Europa os Cimérios, os Citas haviam penetrado na Ásia; a perseguição aos fugitivos conduzira-os até o país dos Medos. 81 CIV — De Palos-Meótis ao Faso e à Cólquida leva trinta dias de viagem quem caminha com muita rapidez. Para quem se dirige da Cólquida para a Média, o trajeto não é longo, pois entre esses dois países encontra-se apenas a terra dos Saspiros. Atravessando-a, chega-se logo ao território dos Medos. Os Citas, entretanto, não penetraram desse lado; fizeram-no bem mais adiante, por uma estrada muito mais longa, deixando o Cáucaso à direita. Foi ali que os Medos, terçando armas com os Persas e sendo derrotados, perderam o império da Ásia, que passou para os Citas. CV — De lá, os Citas marcharam para o Egito, mas quando chegaram à Síria, Psamético, rei do Egito, veio-lhes ao encontro, e, à força de presentes e de súplicas, conseguiu demovê-los de ir adiante. Retornaram eles pelo mesmo caminho e passaram por Ascalão, na Síria, sem causar nenhum dano, com exceção de algumas pilhagens no templo de Vênus Urânia, feitas por alguns dos que seguiam na retaguarda. Esse templo, ao que pude saber pelas informações colhidas, é o mais antigo de todos os dedicados à deusa, tendo servido de modelo ao de Cipro, segundo declararam os próprios Cíprios. O de Citera é obra dos Fenícios, originários da Síria. Irada com a ação dos soldados citas, a deusa enviou uma doença para aqueles que haviam saqueado o templo de Ascalão, e o castigo estendeu-se a toda sua posteridade. Os Citas acreditam ser essa doença uma punição pelo sacrilégio, e os estrangeiros que viajam pelo país podem observar o estado daqueles a quem os habitantes chamam de “enareus”. CVI — Conservaram os Citas, durante vinte e oito anos, o império da Ásia, mas arruinaram tudo pela violência e pela negligência. Além dos tributos ordinários, exigiam ainda de cada particular um imposto arbitrário; e, não satisfeitos com isso, percorriam a região pilhando e arrebatando a cada habitante o que bem lhes convinha. Ciaxares e os Medos, tendo convidado para uma visita a maior parte deles, 82 massacraram-nos, depois de os haverem embriagado. Dessa forma recuperaram os Medos seus estados e o domínio sobre o país que já tinham outrora possuído. Em seguida, tomaram a cidade de Nínive. Sobre a maneira pela qual realizaram essa façanha, falarei em outra ocasião. Finalmente, submeteram os Assírios, com exceção do país da Babilônia. Algum tempo depois desses acontecimentos, Ciaxares morreu, havendo reinado quarenta anos, compreendendo o tempo que durara o domínio dos Citas. CVII — Astíages, seu filho, sucedeu-o no trono. Teve esse príncipe uma filha, à qual deu o nome de Mandane. Certo dia sonhou que ela urinava com tal abundância que inundava a capital do reino e toda a Ásia. Comunicando o sonho aos magos que se dedicavam a interpretações desse gênero, ficou de tal forma aterrorizado com os detalhes da explicação, que, quando a filha cresceu, não quis dar-lhe por esposo um meda digno pela linhagem; fê-la desposar um persa chamado Cambises, o qual, embora filho de importante família e de muito bons costumes, ele o considerava inferior a um meda de condição medíocre. CVIII — No primeiro ano do casamento de Cambises com Mandane, Astíages teve outro sonho; pareceu-lhe ver sair do seio da filha uma videira que se estendia, cobrindo toda a Ásia. Tendo consultado novamente os magos, mandou vir da Pérsia Mandane, prestes a dar à luz. Logo que ela chegou colocou-a sob vigilância, com a intenção de eliminar a criança que estava para nascer, pois os magos lhe haviam predito que essa criança devia reinar algum dia no lugar dele. Tendo tomado todas as providências, Astíages, logo que Ciro nasceu, mandou chamar Hárpago, seu parente e aquele, dentre todos os Medos, em quem mais confiava. “Hárpago, — disse-lhe ele — executa fielmente a ordem que te vou dar, sem tentar enganar-me, pois se o fizeres estarás cavando tua própria ruína. Toma esta criança que acaba de nascer de Mandane, leva-a para tua casa e faze-a perecer, enterrando-a em seguida como 85 com lágrimas nos olhos que não o sacrificasse. Ele declarou-lhe que não poderia deixar de fazê-lo, pois os espiões de Hárpago iriam observá-lo, e, se não obedecesse, pereceria da maneira mais cruel. Spaco, vendo baldadas suas súplicas, disse-lhe: “Já que não poderei demover-te desse intento, e já que és obrigado a expor uma criança na montanha, fâze, ao menos, o que te vou dizer: Acabo de dar à luz uma criança morta; leva-a à montanha e passemos a criar a da filha de Astíages como se fosse nossa. Dessa forma, não poderão provar que desobedeceste a teus senhores, e, quanto a nós, teremos tido este proveito: nosso filho morto terá uma sepultura real, e o outro não perderá a vida”. CXIII — Aceitando as justas considerações da mulher, Mitrídates não hesitou em seguir-lhe o conselho. Entregou-lhe a criança e, tomando o filho morto, colocou-o no berço do jovem príncipe, com todos os enfeites, indo abandoná-lo na montanha mais deserta. Três dias depois, tendo confiado a guarda do corpo a um de seus ajudantes, dirigiu-se à cidade, apresentando-se a Hárpago e declarando-se pronto a mostrar-lhe o cadáver da criança. Hárpago, certificando-se por intermédio de guardas fiéis enviados ao local, do cumprimento da missão, mandou sepultar o que acreditava fosse o neto de Astíages. Este tornou-se depois conhecido pelo nome de Ciro, embora Spaco lhe tivesse dado outro nome naquela ocasião. CXIV — Quando contava dez anos de idade, a criança teve uma aventura que revelou sua verdadeira identidade. Certo dia, na aldeia onde se achavam os rebanhos e as manadas do rei, o menino brincava na rua com alguns companheiros da mesma idade, quando estes o elegeram rei, a ele, conhecido como o “filho do boiadeiro”. A uns, Ciro ordenou, então, que lhe construíssem um palácio; a outros, nomeou-os seus guardas; a este, seu vigia; àquele, seu mensageiro. A cada um, Ciro dava uma função. O filho de Artembares, homem importante entre os Medos, brincava no grupo. Tendo-se recusado a cumprir as 86 ordens do “rei”, Ciro ordenou aos outros que o segurassem e lhe aplicassem um castigo corporal. Revoltado com semelhante procedimento, tão ofensivo à sua linhagem, o menino foi à cidade apresentar queixa ao pai contra Ciro. Naturalmente, não lhe deu esse nome, pois Ciro ainda não o possuía; chamou-o apenas “o filho do boiadeiro de Astíages”. Cheio de indignação, Artembares dirigiu-se ao rei, em companhia do filho, cientificando-o do ultraje que havia recebido. “Senhor, — disse ele, descobrindo os ombros do filho — eis como nos ultrajou um dos vossos escravos, o filho do vosso boiadeiro”. CXV — Ante a acusação e os sinais que atestavam sua veracidade, Astíages, querendo vingar o filho de Artembares em consideração ao pai, mandou chamar Mitrídates e o menino à sua presença. Logo que eles chegaram, disse o príncipe a Ciro, encarando-o fixamente: “Como, sendo de origem tão humilde, tiveste a audácia de tratar de maneira tão indigna o filho de um dos grandes da minha corte?” “Assim o fiz, senhor, por um motivo justo. As crianças da aldeia, entre as quais ele se encontrava, escolheram-me, por simples brincadeira, para seu rei, por eu lhes parecer o mais digno. Todos executavam as minhas ordens. O filho de Artembares recusou-se a obedecer-me, e, por isso, eu o castiguei. Se esse procedimento merece alguma punição, eis-me pronto a sofrê-la”. CXVI — Enquanto o menino falava, Astíages, atentando para os seus traços fisionômicos, que lhe pareceram semelhantes aos seus; para a sua resposta adequada à natureza de um homem livre, e para a sua idade, que correspondia à época em que mandara matar o filho de Mandane, julgou reconhecer nele o neto que ele próprio sacrificara. Tão impressionado ficou com essa súbita revelação, que se quedou inteiramente mudo durante alguns momentos. Recuperando, finalmente, o domínio de si mesmo e querendo sondar Mitrídates em particular, dirigiu-se a Artembares: “Tua queixa, Artembares, não tem, como vês, nenhum fundamento.”. Em 87 seguida, ordenou aos seus oficiais que conduzissem Ciro para fora da sala. Ficando a sós com Mitrídates, perguntou-lhe quem era aquela criança e quem lha confiara. Este respondeu que era seu filho, mas o soberano, convencido de que ele estava ocultando a verdade, ameaçou-o, dizendo-lhe que, já que ele se mantinha em atitude negativa, ver-se-ia compelido a mandar torturá-lo. Dizendo isso, chamou os guardas para que o prendessem. Vendo que ia ser levado à tortura, Mitrídates confessou a verdade, relatando toda a história daquela criança e de como ela veio ter ao seu poder, terminando por suplicar a Astíages que o perdoasse. CXVII — Senhor da verdade, Astíages decidiu não punir Mitrídates, mas tomado de ira contra Hárpago, mandou incontinênti chamá-lo e o inquiriu nestes termos: “Hárpago, de que maneira eliminaste o filho de Mandane que te entreguei naquela ocasião?” Vendo Mitrídates ali presente, Hárpago compreendeu que de nada lhe valeria mentir, e tudo confessou. “Senhor, — respondeu — quando recebi a criança, pus-me a refletir como poderia cumprir vossas ordens sem faltar ao dever para convosco e sem tornar-me culpado de um crime perante vós e a princesa, vossa filha. Assim, mandei chamar Mitrídates e entreguei-lhe a criança, cientificando-o do vosso desejo. Com isso, não contrariei, absolutamente, a vossa vontade, pois me ordenastes a fazê-la perecer de qualquer forma. Entregando-lhe a criança, obriguei-o a expô-la numa montanha deserta e a permanecer junto a ela, até vê-la morta, ameaçando-o com as mais terríveis torturas, caso não fosse rigorosamente obedecido. Informando-me da sua morte e, portanto, do inteiro cumprimento das vossas ordens, enviei ao local os mais fiéis dos meus servidores para constatar a verdade, fazendo-os, em seguida, sepultar o corpo. Eis aí, senhor, como as coisas se passaram e a sorte que teve a criança”. CXVIII — Hárpago nada dissimulou na sua narrativa, mas o soberano, ocultando seu ressentimento, repetiu-lhe 90 pressentirmos algum perigo, teremos o cuidado de logo vos advertir. Já que a solução do vosso sonho foi destituída de importância, estamos tranqüilos e vos exortamos a tranqüilizar-vos também. Afastai de vós essa criança, mandando-a de volta para a Pérsia, para junto daqueles que lhe deram o ser”. CXXI — Encantado com a resposta, Astíages mandou chamar Ciro. “Meu filho, — disse-lhe — tratei-te de maneira injusta por causa de um sonho vão, mas, enfim, teu destino feliz conservou-te a vida. Fica tranqüilo; partirás para a Pérsia, escoltado por aqueles que te darei como guardas, e ali verás teu pai e tua mãe, bem diferentes do boiadeiro Mitrídates e da sua mulher”. CXXII — Astíages enviou Ciro para a Pérsia, onde Cambises e Mandane, sabendo da sua vinda, receberam-no com todo carinho, pois há muito que o haviam dado como morto. Perguntaram-lhe como se tinha salvo, e ele respondeu que até ali tinha vivido na ignorância de tudo e que foram seus guardas quem, em caminho, lhe revelaram toda a verdade sobre o caso. Até então julgava-se filho de um boiadeiro de nome Mitrídates, cuja mulher, Sino (Spaco) o tratara com muito carinho e bondade. Servindo-se do nome dessa mulher, a quem Ciro não cessava de louvar, seus pais procuraram persuadir os Persas de que ele fora preservado pela vontade dos deuses e que uma cadela o amamentara quando abandonado na montanha. CXXIII — Chegando à idade viril, Ciro tornou-se o mais valente e, ao mesmo tempo, o mais dócil dos jovens. Hárpago, que desejava ardentemente vingar-se de Astíages, enviava-lhe presentes, simulando-lhe confiança e veneração. Na sua condição de plebeu, não via meios de vingar-se, por iniciativa própria, do soberano; mas observando que Ciro, à medida que crescia, lhe trazia a possibilidade dessa vingança, identificava-se com a sorte do jovem e ligava-se a ele de 91 maneira muito particular. Já havia tomado algumas medidas e aproveitara-se do tratamento muito rigoroso que o rei infligia aos Medos para insinuar-se no espírito dos grandes e persuadi-los a tirar a coroa de Astíages e dá-la a Ciro. Urdida a trama e tudo preparado, Hárpago quis revelar a Ciro o plano, mas como o jovem príncipe se achava na Pérsia e os caminhos eram guardados, lançou mão de engenhoso expediente para dar-lhe a notícia: Obtendo uma lebre, abriu-lhe o ventre sem arrancar a pele e ali colocou uma carta, onde expunha tudo detalhadamente. Recoseu o ventre do animal e confiou-o a um dos seus servos mais fiéis, encarregando-o de levá-lo à Pérsia como um presente a Ciro, devendo, porém, dizer de viva voz ao príncipe que abrisse a lebre sem nenhuma testemunha. CXXIV — Recebendo a lebre, Ciro abriu-a e encontrou a carta, redigida nestes termos: “Filho de Cambises, os deuses velam por vós; de outra maneira não teríeis tanta sorte. Vingai-vos de Astíages, que pretendia matar-vos e que tudo fez para isso. Se viveis, é aos deuses e a mim que o deveis. Já soubestes, naturalmente, de tudo que ele maquinou para vos eliminar e do que eu sofri por vos haver entregue a Mitrídates, em lugar de vos assassinar. Se quiserdes seguir agora mesmo os meus conselhos, todos os estados de Astíages serão vossos. Convencei os Persas a sacudirem o jugo do tirano e vinde à frente deles atacar os Medos. A empresa será coroada de êxito, quer Astíages me dê o comando das tropas que enviar contra vós, quer confie ele esse comando a outro dos mais distintos entre os Medos. Os grandes da nação serão os primeiros a abandoná-lo; reunir-se-ão a vós e farão os maiores esforços para destruir-lhe o poderio. Tudo está disposto para a execução do plano. Fazei o que vos sugiro e fazei-o prontamente”. CXXV — Depois de ler a carta, Ciro pôs-se a pensar sobre os meios mais propícios para levar os Persas à revolta. Ao 92 cabo de muitas reflexões, decidiu-se pelo seguinte: forjou cuidadosamente uma carta e leu-a na assembléia dos Persas. Essa carta trazia a notícia de que Astíages o nomeava governador desse povo. “Agora, — disse ele — ordeno-vos a virem aqui, cada um com uma foice”. Tais foram as determinações de Ciro. As tribos componentes da nação persa são muito numerosas. Ciro convocou algumas dentre estas tribos e concitou-as a rebelar-se contra o domínio dos Medos. Eram as que maior influência tinham sobre todos os outros persas, a saber: os Pasargadios, os Maráfios e os Maspianos, sendo os primeiros os mais civilizados de todos. Os Aquemênidas, dos quais descendem os reis persas, constituem um ramo da tribo dos Pasargadios. CXXVI — Quando se apresentaram todos, armados de foice, Ciro, levando-os a certo cantão da Pérsia, de dezoito a vinte mil estádios, inteiramente coberto de cardos, ordenou-lhes que o limpassem num só dia. Terminado esse trabalho, deviam banhar-se no dia seguinte e apresentar-se, em seguida, a ele, Ciro. Entrementes, mandou conduzir ao mesmo lugar todos os rebanhos do pai, tanto cabras quanto carneiros e bois, fez matar todos esses animais e prepará-los, como para um lauto banquete. Fez vir também grande quantidade de vinho e as iguarias mais finas para regalar os soldados. No dia seguinte, os persas chegaram; o príncipe fê-los sentar sobre a relva e ofereceu-lhes um grande festim. Terminado o repasto, perguntou-lhes qual das duas situações preferiam; se a presente ou a da véspera. Todos exclamaram que era enorme a diferença entre ambas: no dia anterior haviam sofrido mil penas, enquanto que naquele momento usufruíam toda sorte de regalos. Ciro aproveitou-se dessa resposta para lhes revelar seus planos. “Persas, — disse-lhes — tal é agora a contingência em que vos encontrais: se quiserdes obedecer-me, gozareis desses bens e de uma infinidade de outros ainda, sem submeter-vos a trabalhos servis; se, ao contrário, não quiserdes seguir os meus conselhos, 95 todavia, sacrifícios a Júpiter no alto da montanha e dão o nome desse deus à abóbada celeste. Fazem ainda sacrifícios ao Sol, à Lua, à Terra, ao Fogo, à Água e aos Ventos, e juntam a isso o culto de Vênus Urânia, que herdaram dos Assírios e dos Árabes. Os Assírios dão à deusa o nome de Milita; os Árabes, o de Alita, e os Persas chamam-na de Mitra. CXXXII — Eis aqui os ritos que os Persas observam ao sacrificarem aos deuses a que me referi: Não erguem altares, não acendem fogo, não fazem libações e não se servem nem de flautas, nem de ornamentos sagrados, nem de aveia misturada com sal. Quando um persa quer oferecer um sacrifício, conduz a vítima a um lugar puro e, com a cabeça coberta por uma tiara, ordinariamente de mirto, invoca o deus. Não é permitido a quem oferece o sacrifício fazer votos apenas para si; deverá pedir pela prosperidade do rei e de todos os outros Persas em geral, pois a sua própria pessoa se inclui nesse voto comum. Depois de cortar a vítima em pedaços e cozinhar-lhe a carne, estende no chão uma erva muito delgada, de preferência o trevo, coloca ali os pedaços da vítima, arrumando-os com muito cuidado, feito o que um mago, que se acha presente (sem mago não há sacrifício), entoa uma teogonia, reputada, entre eles, como o mais poderoso motivo de encantamento. Em seguida, o que ofereceu o sacrifício leva as carnes da vítima e dispõe delas como julgar melhor. CXXXIII — Sentem-se os Persas no dever de festejar seu aniversário de nascimento, mais do que qualquer outra data, pondo nesse dia as melhores iguarias à mesa. Os ricos fazem servir um cavalo, um camelo, um asno e um boi inteiros e assados ao forno. Os pobres se contentam com um cardápio mais modesto. Os Persas comem poucos alimentos sólidos, mas muitas gulodices na sobremesa. Isso os leva a dizer que os Gregos satisfazem logo o apetite porque depois da refeição não lhes servem nada de bom; se lhes servissem, não deixariam de comer. São muito dados ao vinho, e não lhes é permitido 96 vomitar nem urinar na presença de outrem. Observam ainda hoje tais costumes. Têm o hábito de deliberar sobre os negócios mais sérios depois de beberem muito; mas no dia seguinte, o dono da casa onde estiveram reunidos traz novamente à baila a questão, antes de começarem a beber de novo. Se aprovam, ela passa; se não, abandonam o assunto Às vezes, entretanto, dá-se o contrário: o que decidiram antes de beber passam a discutir novamente durante a embriaguez. CXXXIV — Quando dois persas se encontram na rua, sabe-se logo se são da mesma condição, pois se o forem saúdam-se beijando-se na boca; se um é de origem um pouco inferior ao outro, beijam-se somente nas faces; se a condição de um é muito inferior à do outro, o inferior prosterna-se diante do superior. As nações vizinhas são as que eles mais estimam; às vezes mais do que seu próprio país. Em segundo lugar vêm as que confinam com as vizinhas; e vão regulando assim a estima, proporcionalmente ao grau de afastamento. Aos mais afastados, quase nenhuma importância dão. Isso porque, julgando-se em tudo de um mérito superior, pensam que a maioria dos homens só se torna virtuosa em conseqüência da aproximação deles, devendo, portanto, os mais afastados, que menos recebem essa influência, recair na maldade. Quando do domínio dos Medos, havia uma ordem de subordinação entre os diversos povos. Os Medos governavam a todos, bem como os mais próximos vizinhos. Estes comandavam os que com eles confinavam, os quais, por sua vez, dirigiam os outros vizinhos, e assim por diante. Os Persas, cujo império e administração se estenderam num raio de amplitude imensa, adotaram a mesma atitude com relação aos povos que dominavam. CXXXV — Os Persas assimilam facilmente os costumes estrangeiros. Dominados os Medos, começaram a adotar os trajes destes por considerá-los mais belos do que os seus. Nas guerras, envergam couraças à maneira egípcia. Entregam-se com ardor aos prazeres de todo gênero, de que 97 ouvem falar, e adquiriram com os Gregos o amor aos jovens. Desposa, cada um deles, em casamento legítimo, diversas mulheres, o que não impede de possuírem ainda várias concubinas. CXXXVI — Depois das virtudes guerreiras, encaram como grande mérito o ter muitos filhos. O rei gratifica todos os anos os casais mais prolíficos. A razão dessa tendência para uma prole numerosa está em considerarem os Persas que a força viril é demonstrada pelo grande número de filhos. Estes eles começam a instruir aos cinco anos de idade, e daí até os vinte só lhes ensinam três coisas que consideram as mais importantes: montar a cavalo, atirar com o arco e dizer a verdade. Antes de completar cinco anos, um filho não se apresenta ao pai; permanece sempre junto à mãe e sob os cuidados dela. Adotam esse costume para que, no caso do filho morrer muito criança, a perda não cause desgosto ao pai. CXXXVII — Tal costume me parece louvável. Aprovo também a lei que não permite a ninguém, nem mesmo ao rei, mandar matar um homem por um só crime, nem a nenhum persa punir rigorosamente um dos seus escravos por uma só falta. Se depois de refletido exame o senhor achar que as faltas do servo são em maior número e mais consideráveis do que os serviços, pode então dar expansão à sua cólera. Asseguram os Persas nunca ter alguém, entre eles, matado o pai ou a mãe, pois todas as vezes que se tem notícia de um tal crime, descobre-se, depois de rigorosas pesquisas, que o filho criminoso, ou era suposto ou adulterino. Isso porque os Persas não podem admitir a possibilidade de um homem matar o verdadeiro autor dos seus dias. CXXXVIII — Não lhes é permitido falar das coisas que não podem fazer. Nada lhes parece mais vergonhoso do que a mentira, e depois da mentira, contrair dívidas; isso por várias razões, mas sobretudo porque quem possui dívidas mente por
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